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<p>•</p><p>"</p><p>!" ~</p><p>P978p Puget, Ianíne</p><p>. Psicanálise do casal / [anine Puget e Isidoro Berenstein;</p><p>trad. Francisco Franke Settineri. - Porto Alegre: Artes Médi-</p><p>cas, 1993.</p><p>1. Psicanálise - Casal. I. Berenstein, Isidoro. II. Título.</p><p>DCU 159.964.2-058.833</p><p>CLltalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto CRB 10/1023</p><p>,</p><p>PSICANALISE</p><p>DO</p><p>CASAL</p><p>Janine Puget</p><p>Isidoro Berenstein</p><p>Tradução:</p><p>Francisco Franke Settineri</p><p>Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre</p><p>Consultoria e Apresenuição desta Edição:</p><p>Angela Piva</p><p>Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta de Família e Crianças</p><p>Membro do Centro de Estudos, Atendimento e Pesquisa da</p><p>Infância e Adolescência (CEAPIA)</p><p>César A.M. Bastos</p><p>Médico Psiquiatra. Psicanalista de Adultos e Grupos do</p><p>Grupo de Estudos Psicanallticos de Pelotas</p><p>Membro Fundador do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre</p><p>Plll'tn All'gn' !()!)4</p><p>,;</p><p>SUMARIO</p><p>PRÓlOGO • X</p><p>APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA • xiii</p><p>CAPITULO 1</p><p>CASAL· (MATRIMONIAL). DEFINIÇÃO. SEMELHANÇAS E</p><p>DIFERENÇAS DE OUTROS TIPOS DE RELAÇÕES DIÁDICAS '3</p><p>Introdução 3</p><p>Parâmetros definitórios 6</p><p>Vínculo de amigos e vínculo de amantes 11.</p><p>CAPITULO 2</p><p>VÍNCULOS 17</p><p>Diferentes acepções do conceito de vínculo 17</p><p>Definição "". 18</p><p>Acordos e pactos inconscientes 21</p><p>Diferença entre vínculo e relação intra-subjetiva '\ •. 21</p><p>Diferentes modalidades de vínculo I 2S</p><p>Estrutura vincular e separação " 30·</p><p>CAPíTULO 3</p><p>TIPOLOGIA DO VÍNCULO DE CASAL 33</p><p>Introdução 33</p><p>Estrutura zero 34</p><p>Estrutura 1: dual I 35</p><p>Estrutura 2: terceiridade limitada 42</p><p>Estrutura 3: terceiridade ampla 'I' I 47</p><p>'AI'I1'ULO 4</p><p>REPRESENTAÇÃO CORPORAL NO VÍNCULO DE CASAL</p><p>Introdução</p><p>Vínculo-corpo</p><p>Corpo de casal e corpo er6geno</p><p>A respeito da representatividade do corpo</p><p>49</p><p>49</p><p>49</p><p>53</p><p>61</p><p>CAPITULO 5</p><p>O MAL-ENTENDIDO NO CASAL</p><p>Introdução</p><p>O mal-entendido e o "objeto único"</p><p>O mal-entendido como transtorno da explicação</p><p>Tipificação do mal-entendido</p><p>O mal-entendido e a transferência</p><p>O mal-entendido de Albert Camus</p><p>66</p><p>66</p><p>71</p><p>71</p><p>81</p><p>85</p><p>86</p><p>CAPITULO 6</p><p>SIGNIFICAÇÃO DO CONFLITO MATRIMONIAL NA ANÁLISE</p><p>DO CASAL E NA ANÁLISE INDIVIDUAL 90</p><p>Introdução 90</p><p>A regra básica: associar livremente e pensar livremente 91</p><p>Material clínico. Características do relato na sessão 93</p><p>O conflito matrimonial no espaço terapêutico bipessoal e de</p><p>asal 96</p><p>Indicações prováveis 100</p><p>Limites e alcances do possível no enquadramento individual</p><p>e de casal 104</p><p>CAPITULO 7</p><p>TRANSFERÊNCIA E CONTRA-TRANSFERÊNCIA</p><p>PSICANÁLISE DE CASAL</p><p>Introdução</p><p>O clima emocional do casal</p><p>Transferências vinculares</p><p>Exemplo clínico</p><p>Transferência dos parâmetros definit6rios</p><p>Contratransferência na terapia de casal</p><p>EM</p><p>111</p><p>111</p><p>1121</p><p>114</p><p>117</p><p>119</p><p>129</p><p>136</p><p>136</p><p>137</p><p>('Al'I I'ULO 8</p><p>.A I'LATAPORMA INCONSCIENTE DO CASAL</p><p>IlIlrmhu;.\o</p><p>1'1"t" Iormn lnrousclc nte</p><p>~</p><p>O Objeto Único</p><p>A dupla estrutura edípica</p><p>Os acordos sociais: breve comentário</p><p>Caso clínico</p><p>13ij</p><p>146</p><p>151</p><p>154</p><p>COMENTÁRIOS 160</p><p>BIBLIOGRAFIA 164</p><p>lNDICE 168</p><p>.0(1</p><p>'"PROLOGO</p><p>o TEMA do casal inspirou poetas, literatos e artistas plásticos, e alimenta</p><p>conversas da vida cotidiana, sendo material para inumeráveis consultórios psico-</p><p>lógicos. Em cada contexto, adquire uma conotação específica, No nosso, o da</p><p>psicanálise, tratar-se-é de compreender os fatores inconscientes determinan tes das</p><p>múltiplas vicissitudes deste vínculo. Poderá, além disso, ajudar a transformar um</p><p>espaço de sofrimento repetitivo e esterilizante em um espaço criativo, fértil. Passar</p><p>do estado de enamoramento ao estado de amor não é urna tarefa fácil para o ego.</p><p>É necessário um trabalho psíquico, do qual tentaremos dar contá, neste livro .</p><p>.A psicanálise do casal abre de imediato questões teóricas e técnicas de</p><p>diferentes tipos. Uma delas é a redefinição do que é um paciente. A tradição</p><p>médica e psicanalítica considera a equivalência "um paciente - uma pessoa"</p><p>delimitada por alguma superfície, da qual um bom modelo é a pele.</p><p>A consideração da subjetividade desenha os limites do ego com vários</p><p>prolongamentos, alguns incluindo outros, onde intervêm os mecanismos de</p><p>identificação. O conhecimento de um conteúdo mental, registrado como</p><p>estando na própria mente ou na do outro, estende o da subjetividade a espaços</p><p>I/intra", "inter" ou "trans": o intra-subjetivo, o intersubjetivo e o transubjetívo.</p><p>No espaço intra-subjetivo, o destaque é posto na distribuição do mundo</p><p>interno, nas constelações auto-engendradas das relações do ego com os objctos,</p><p>em um tipo de espacialidade própria, onde predominam as representações c os</p><p>..\(etos ligados a elas.</p><p>)C</p><p>PRÓLOGO</p><p>No espaço intersubjetivo, privilegia-se o vínculo como uma estrutura que</p><p>liga duradouramente, abrange e envolve os egos. Envolve pelo menos dois ou</p><p>mais, e o contexto definido recorta o significado específico dos egos ligados. O</p><p>casal oferece, por seu caráter estável, uma estrutura vincular mínima, cuja</p><p>peculiar constituição é o tema deste livro. Não é a única. Também o são a família</p><p>e os grupos. Porém, as duas primeiras possuem uma característica definitória,</p><p>pois estão indissoluvelmente unidas pelo parentesco.</p><p>No campo transubjetivo, privilegia-se o vínculo do ego com omacrocontexto</p><p>social, onde as Instituições e as formas de pertença às mesmas proporcionam</p><p>modelos convenientes.</p><p>O enfoque sustentado por nós é o de diferenciar o espaço vincular, o</p><p>espaço chamado de mundo interno-intra-subjetivo, do espaço do mundo</p><p>externo. Para cada um deles, existem representações inconscientes. Não parece</p><p>haver dúvidas a respeito das representações objetais intra-subjetivas. As</p><p>representações vinculares apenas nos últimos tempos estão abrindo caminho</p><p>nas formulações psicanalíticas. As inscrições inconscientes do mundo</p><p>sociocultural, não por serem menos importantes, vão atrás. Estas últimas</p><p>começam a ter um lugar na literatura psicanalítica.</p><p>Considerar o casal, ou ambos os egos vinculados dessa maneira específica,</p><p>como "o paciente", tem 'suas conseqüências. O que se considera material? A</p><p>quem se dirige a interpretação? O que se solicita, como regra básica? Desde</p><p>já, para dar algum tipo de resposta, a interpretação, o mal-entendido</p><p>(capítulo 5), a transferência e a contratransferência (capítulo 7), entre outros</p><p>elementos técnicos, tiveram de ser reformulados.</p><p>O vínculo de casal ocupa um espaço virtual. Seu limite está definido por</p><p>um modelo sociocultural: todo sujeito atual ou futuro há de ocupar, na matriz</p><p>inconsciente de casal, o lugar de Esposo ou o de Esposa, quaisquer que sejam</p><p>as denominações que cada cultura dá a essas posições. Éo rigor do transubjetivo.</p><p>É obrigatório e abrange até os egos por nascer. Possui a estrutura da língua,</p><p>precede os falantes.</p><p>Como é de se supor, não se poderia trilhar este caminho, sem que surgisse</p><p>a questão do inconsciente. Ocuparmo-nos dele levou a pensar uma</p><p>metapsicologia derivada desse objeto teórico: acordos e pactos inconscientes</p><p>(capítulo 2), e sua variedade, na tipologia do vínculo (capítulo 3), representação</p><p>corporal no casal (capítulo 4) e as qualidades do Objeto Único e as relações com</p><p>o complexo de Édipo (capítulo 8).</p><p>Porém, se partirmos da teoria psicanalítica, deveremos devolver a ela as</p><p>ampliações obtidas. A reformulação de áreas inconscientes não suficientemente</p><p>esclarecidas, como as próprias das representações vinculares ou socioculturais,</p><p>o narcisismo como um tipo de relação com o Objeto Único, e a partir daqui o</p><p>surgimento de setores novos da transferência e da contratransferência. Este</p><p>estudo lilnça alguma luz sobre a delimitação, pouco explorada em psicanálise</p><p>xi xii PRÓLOGO</p><p>até esses últimos anos, entre o mundo interno e o mundo externo, ou a</p><p>superposição e o limite do intra-subjetivo, do intersubjetivo e do transubjetivo</p><p>(capítulo 6). Muitos problemas estão colocados, talvez mais do que os</p><p>resolvidos.</p><p>Postular representações do vínculo implica algum grau de expansão</p><p>teórica. Um significado pode ocupar mais de um lugar na mente, quando se</p><p>estende. Uma formulação teórica pode ter mais peso no conjunto das proposi-</p><p>ções científicas. Ou a chamaremos de ampliação? Ampliação tem vários signifi-</p><p>cados. Acrescenta conteúdo significativo</p><p>podemos supor que subjaz a intenção de impor a ordem</p><p>familiar e infantil de um único ego, dessa forma evitando o doloroso caminho</p><p>de reconhecer a vida de casal como exigindo a participação dos dois, sendo uma</p><p>construção inédita, na qual o conhecido de ambos se dilui e adquire uma nova</p><p>forma.</p><p>Quando escutamos um casal conversar, podemos observar a dificuldade de</p><p>cada um em levar em conta certos aspectos do outro. Pazê-lo leva a criar uma zona</p><p>de encontros, na qual o fornecido pelo outro representa tanto um sofrimento,</p><p>quando não corresponder ao desejado, quanto um bem-estar e fonte de prazer,</p><p>à maneira de uma complexífíçação criativa. Inclui simultaneamente uma impos-</p><p>sibilidade, a de não levar em conta O outro. Apagar o outro exige um esforço que</p><p>custa, ao aparelho psíquico, um trabalho que chamaremos de negativo. Precisará</p><p>se refugiar em um monólogo com-sell objeto-casal, exprimindo essa negação da</p><p>exlstêncía do outro com uma censura, àmaneira de um retraimento narcisista. Do</p><p>íntcrjogo entre reconhecer a presença do outro. e sua alteridade e tentar</p><p>desconhecê-la surge um espaço compartilhado.</p><p>Quando um paciente, em um enquadramento bipessoal, relata uma</p><p>!illlllll.,',\1I Pl'I'Sl'('lItórja, com aquele que chama de sua esposa, e isso passa para a</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL " ' l~</p><p>transferência com o terapeuta, é possível visualizar que ele não outorga au</p><p>objeto sua condição de ego desejante, sendo apenas um receptor de seus dese]t IS</p><p>amorosos e hostis.</p><p>O enquadramento terapêutico pode situar o terapeuta corno objeto intra-</p><p>subjetivo, a serviço do ego do paciente. Porém, embora a realização terapêutica</p><p>passe através do interpretar, fazê-lo inclui uma recusa permanente de ser um</p><p>prolongamento de um objeto interno. Acada vez que interpreta, torna presente</p><p>seu caráter de extraterritorialidade, no que se refere ao objeto projetado pelo</p><p>paciente. Esse reconhecimento leva implícito uma lenta e dolorosa passagem,</p><p>de uma relação intra-subjetiva para a constituição de um vínculo.</p><p>Suponhamos agora este mesmo material, situado no enquadramento de</p><p>uma sessão de casal. O marido acusa a mulher de lhe ter causado algum dano.</p><p>O outro integrante do casal, neste caso a mulher, diz algo diferente do que havia</p><p>sido 'imaginado pelo marido ..Isso opera como indicação permanente de um</p><p>espaço exterior ao ego do marido. Funciona como uma constante retificação das</p><p>intenções de ser convertida apenas em uma relação íntra-subjetiva. No</p><p>enquadramento de casal, produz-se uma luta permanente, originada pelo</p><p>desejo de converter o outro em objeto intra-subjetivo, desta forma eludindo a</p><p>dor provocada pelo reconhecimento da extraterritorialidade de cada um dos</p><p>dois egos componentes do vínculo. Todavia, poderemos detectar em todo</p><p>vínculo componentes extra e intraterritoriais, cuja representação psíquica é a</p><p>brecha entre o objeto-casal imaginado e o objeto-casalcompartilhado.</p><p>No tratamento psicanalítico bipessoal, existe um lento e penoso caminho,</p><p>desde um mundo invadido pela relação íntra-subjetiva para um mundo</p><p>habitado por vínculos. E, no tratamento psicanalítico de um casal, passaremos</p><p>de um mundo invadido por vínculos" por um lento e doloroso caminho, ao</p><p>reconhecimento de espaços intra-subjetivos, pertencentes a cada um dos</p><p>sujeitos componentes. Estes deverão ser aceitos sob o fundo de uma estrutura</p><p>vincular complexa. A existência de ambos os espaços simultâneos, em cada um</p><p>dos egos, é o lugar do conflito. '</p><p>DIFERENTES MODALIDADES DE VÍNCULO</p><p>Na constituição do vínculo coro um objeto privilegiado, como é o VílKU Ic I</p><p>matrimonial, intervêm também os objetos internos de cada um, sl'gllndo</p><p>diferentes vicissitudes. Podemos conceber o vínculo como a COI()l'.\I~.\Cl l'lll</p><p>funcionamento da relação pensada em ausência do outro. Pormul.unos II</p><p>hlpótcsc de que um vínculo estável é construído com base em lIJ\1.\ rvlaçâo (011\</p><p>um "/Ijdo !IC'IISlIIlo', com IIIll nllllpOIwl,h' .",rdsisl.\ l' ".10 transmisslvel ..'vi"</p><p>26 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>palavra, e, quando transmissível pela linguagem corporal, um componente</p><p>fantasmático, modificável por meio dos intercâmbios, e' um componente</p><p>ideativo ou lingüístico. Cada reencontro obriga a abandonar, em parte, o objeto</p><p>pensado e substituí-lo pela presença do outro. No entanto, durante o encontro,</p><p>serão mantidos dois diálogos: um deles intransmissível e o outro constitutivo</p><p>do discurso manifesto (Puget, 1982). Para conservar não-modificada a relação</p><p>com o objeto pensado, o ego precísarárecorrer a certos mecanismos defensivos</p><p>da ordem da recusa da realidade.</p><p>Todo casal, desde O momento da escolha, sistematiza um conjunto de</p><p>regras com as quais estrutura uma linguagem - seu idioleto -, transformando-</p><p>o em uma determinada maneira de se dar a conhecer e entender, um ao outro.</p><p>O terapeuta o reconhece, no contato psicanalíticocom diferentes casais, quando</p><p>percebe um estilo correspondente ao funcionamento vincular.</p><p>Voltando a pensar nos casais tratados por nós, demo-nos conta de que</p><p>o intercâmbio emocional e comunicativo de alguns podia ser descrito como</p><p>situado em vínculos onde o contato podia ser definido em termos corporais.</p><p>No outro extremo, os casais se aproximavam mais da possibilidade de ser</p><p>descritos com base no intercâmbio de significados, código e palavra. Nestes</p><p>últimos, os integrantes tinham maior diferenciação e discriminação, Ao</p><p>contrário, nos primeiros apareciam fenômenos de fusão, indiferenciação e</p><p>indiscriminação.</p><p>Esses termos descrevem a produção interfantasmátíca' organizadora do</p><p>contato vincular e remetem a vivências mais próximas do corporal ou, pelo</p><p>contrário, à existência de diversas mediações, como as palavras. A diferença</p><p>entre a representação de palavra e a representação corporal, possui um certo</p><p>caráter de arbitrariedade, pois em todo vínculo com tendência ao crescimento,</p><p>a palavra intercambiada no ato comunicativo se apóia na relação corporal. Todo</p><p>vínculo se apóia em uma fantasia de contato corporal erógeno, afirmado ou</p><p>negado. E os víncuLos mais próximos da palavra a contêm mediatizada como</p><p>uma metáfora, na qual o metaforizado são as qualidades-da superfície corporal.</p><p>Neste último caso, é o lugar ocupado pelas relações sexuais, naqueles cujo</p><p>sintoma é não ter relações sexuais. A expressão do conflito conserva uma</p><p>representação da relação sexual no nível do vínculo.</p><p>Do que foi dito, deduz-se que, quando as emoções ou sentimentos</p><p>intercambiados produzem desunião, e se esta for sustentada, poderá se trans-</p><p>formar em desvinculo e, depois, com O esvaziamento de sentido, em não-</p><p>vínculo. Quando circula violência, inermizando ou tornando impotente um dos</p><p>IlgOS em jogo, a estrutura vincular poderá até mesmo se interromper. Porém,</p><p>quando círçula agressão e esta não inermiza um dos pólos, pode ser transfor-</p><p>IImel" cm uma maior complexidade vincular, quando estiver ligada eroticamen-</p><p>II',ou om perversão sadomasoquista vincular, quando a agressão for investida</p><p>11.11'1 iNh~tJcil"ll'.,h.',</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL _ 27</p><p>Aorganização interfantasmática também pode ser pensada em termos de</p><p>regressão qp. progressão. Para tanto, tracemos uma linha imaginária tendo em</p><p>um de seus extremos o vínculo mais regressivo, o mais concreto; e no outro, O</p><p>mais progressivo, o de maior abstração. Outra formulação é a que inclui a noção</p><p>r</p><p>de menor ou maior nível de simbolização. Essas denominações têm um caráter</p><p>de relatividade natural da:descrição. A linha imaginária nos permitirá estipular</p><p>a existência de diferentes modos vinculares. São modalidades mentais que dão</p><p>forma a uma, contradição permanente, do passado arcaico da cultura e do</p><p>presente da estrutura do casal, que deverá solucionar o conflito entre os</p><p>vínculos familiares e os dos novos casais,</p><p>Vínculos de sangue e vínculos de aliança</p><p>Uma primeira classificação, que ~ircula desde o começo da cultura e tão</p><p>antiga como a que figura no Antigo Testamento (Bíblia de Jerusalém, 1975. e Haag,</p><p>H., van der Bom, A. e de Aysejo, S./ 1978), é a dos oinculos de sa11;guee uinculos</p><p>de aliança. São definidos como vínculos de sangue as relações nas</p><p>quais a</p><p>transmissão se opera através do fato biológico, ligando a mãe e o paiaos filhos,</p><p>ou aos irmãos entre si, vínculo'este que se costuma chamar de consangüíneo.</p><p>O vínculo de aliança se baseia em compromissos recíprocos entre as pessoas"</p><p>sendo seu paradigma a relação matrimonial. Parece que a cultura entrecruzou</p><p>os vínculos de.sangue com os de aliança, sendo a maneira de reformular-a tensão</p><p>sempre presente entre'endogamía e exogamía, De acordo com essa definição,</p><p>a antropologia estrutural identifica leis de funcionamento pára as estruturas</p><p>vinculares, a partir das oposições permitido-proibido e seus contrários e</p><p>contraditórios, .</p><p>O tabu do incesto é fundador da passagem das relações de sangue para'</p><p>as de aliança. É a condição para,.a realização dessa passagem.</p><p>Lévi-Strauss (1958) retorna e aprofunda esta distinção, com a análise do</p><p>problema do tio materno. Assinala que um importante deslizamento é o que</p><p>opera desde a família estendida, cuja base é o vínculo consangüíneo, até a</p><p>conexão entre duas famílias, cuja base são as relações de aliança. Dessa maneira,</p><p>põe o destaque não apenas na definição de família, como um grupo biológico,</p><p>cujo sentido está na filiação, isto é, na família como unidade para assegurar a</p><p>presença de filhos e prolongamento da .espécíe, como fundamentalmente no</p><p>fato social, no qual a família se constitui através do princípio do intercâmbio</p><p>entre as que cedem e as que tomam certos integrantes, mediante a ccnstitulção</p><p>da aliança, COm o que a ênfase se deslocou para o vínculo matrimonial e a l'cl,\çf\t)</p><p>entre cunhados,</p><p>Sugertmos (Berensteí n, 1989) que II sangue" e IIalio nça" sejam dois tipll'l d,'</p><p>IH,II'l'tlH IHIH('l'lt,l'l no vtnculo, 1M) 1J)c"t'rtnum» "WlHl" outrn, 'It't'l'tlb,',ri,,~ 1'.11'1'.1</p><p>•</p><p>28 JA.NINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>classificação da mente humana. A diferença passaria, porque os chamados</p><p>vínculos de sangue possuem adscrito um ponto de certeza compartilhada, que</p><p>atribui essa "marca" semiótica ao fato biológico.</p><p>Vínculo adesivo (aderido-buscador de aderência)</p><p>ou narcisista dual</p><p>Chamaremos de vínculo adesivo ou narcisista dual,~uele no qual predo-</p><p>minam fantasias e emoções relacionadas com o medo de ficar isolado diarite da</p><p>'ameaça de separação ou de perdáCIOoutro. Apa;ece como uma estrutura na</p><p>qualosegos se sente":, submergrcIos na solidão objetal, da qual se defendem</p><p>criando um vínculo dual. ~oda separJtÇãCLéregistrada como falta_rle....contatu,_</p><p>despertando vivências de es_esp_er.o...r.egistrad<l§__ÇQmoinexistência, fic~ndo à</p><p>mercê de um mundo interno hostil ou deteriorado . .Pãrãevifãrêsse tipo de</p><p>desenlace, recorre-se à censura ou a algum outro tipo de atuação que tenda a</p><p>assegurar a permanência de um vínculo adesivo. Também poderá ser utilizado</p><p>outro objeto substitutivo, fora ou dentro do vínculo matrimonial, recriando-o,</p><p>por exemplo, na relação de amantes. A expressão de um vínculo adesivo é feita</p><p>pela fantasia de contato pele à pele, como se fossem envolvidos por apenas uma.</p><p>Um curto exemplo. Um casal menciona, em uma sessão, que tiveram, por</p><p>acaso, um compromisso em determinada hora do dia, na qual deveriam estar</p><p>juntos, de acordo com seus usos e costumes. Ele sentiu necessidade imediata e</p><p>compulsiva de recuperar um outro ego, com o qual voltar a estabelecer a relação</p><p>perdida. Procurou uma mulher pela rua, chamou outras com as quais tentou</p><p>concretizar encontros que atendessem a suas exigências, com a fantasia de ser</p><p>tocado e beijado no corpo e genitais. Deu-se conta da compulsividade de sua</p><p>atuação e tomou contato com seu desespero e solidão. Só naquele momento</p><p>teve condições de modificar sua linguagem de ação. Quando reencontrou-se</p><p>com sua noiva, sentia-se muito ansioso. Ela compreendeu o motivo de sua</p><p>angústia e ficaram conversando por várias horas. No entanto, ele sentia ter</p><p>perdido uma segurança. Ela não era alguém disponível para se prestar à</p><p>aderência, experimentando a vivência intolerável de não poder se curar da</p><p>ferida narcisista sofrida. Só depois de várias horas e 'de submetê-la a diversas</p><p>provas, para se assegurar tanto de ter sido cómpreendido por ela, como de sua</p><p>disponibilidade, é que conseguiu, pouco a pouco, restabelecer o vínculo</p><p>adesivo. Para esse casal, os relatos mais importantes e definitóríos do bem-estar</p><p>vincular tendiam a idealizar quantitativamente os momentos passados fisica..</p><p>nu-nte juntos ou em contato permanente, por intermédio de chamados telefô-</p><p>lIinl!i ou Intulcões a respeito da necessidade de um e de outro. Essas modalida-</p><p>d'~1Iruníinunvam sua crença de uma disponibilidade permanente.</p><p>PSICANÁUSE DO CASAL 29</p><p>Vínculo de posse: possuído-possessivo</p><p>, ~</p><p>No vínculo possuído-possessivo predomina, como no anterior, ~tato</p><p>corporal e concreto, com o qual se expriine a necessidade de.reduzir a distância</p><p>~íSSITjeitOSCõiil'ponentes do víncUlo, n~ndo_aS-angústias relacio-</p><p>nadas com o reCõi'iliecimentOClãsaiferenças.São diversas as 'técnicas utilizadas.</p><p>Também podem--seTütilizados tanto o cÔntato concreto, como técnicas mais</p><p>simbólicas. É importante o critério de uso e não apenas o instrumento utilizado,</p><p>Embora cada um destes tenha um uso ótimo, podem ser utilizados diversos</p><p>recursos técnicos para um mesmo fim.</p><p>Na modalidade possuído-possessivo, procura-se anular a distância, me-</p><p>diante o controle visual e, depois, auditivo. O olhar desempenha um papel</p><p>semelhante à leitura dos lábios para ç surdo. Conserva a ilusão de construir</p><p>entre os dois uma mesma frase, chegando até mesmo a completar a frase do</p><p>outro. Quando o meio escolhido para o controle for o ouvido, é possível aceitar</p><p>uma distância entre os dois egos, um pouco maiór do que a tolerada pelo olhar.</p><p>a som da voz ou a presença permite situar o outro em um espaço diferente,</p><p>embora não totalmente afastado. Essa modalidade vincular é resultado da</p><p>persistência de uma modalidade de enamoramento, chamada de amor à</p><p>primeira vista, na qual é hierarquizada a imagem visual; uma variedade é o</p><p>amor à primeira escuta, quando oenamoramento com ooutro foi feito pela voz.</p><p>Qualquer sígnificante pode servir para exercer um controle. Por exemplo, nos</p><p>casais, podem ser utilizados o controle do dinheiro, dos horários, da limpeza,</p><p>dos filhos ou qualquer outra situação da casa, para implementar essa modali-</p><p>dade vincular.</p><p>a vínculo possuído-possessivo é resultado de intensos sentimentos de</p><p>perseguição dessa forma confrolados. Predominam os ciúmes possessivos, c</p><p>por essa modalidade podemos denominar a esse vínculo de gerador de</p><p>enciumante-ciumento, com uma desconfiança permanente e contínua. ESSe'</p><p>modalidade vincular está relacionada com aquela que, no outro capítulo,</p><p>iremos chamar de relação enlouquecedor-enlouquecido. Cabe destacar o duplo</p><p>papel do olhar, tanto no que se refere ao controle, como à intrusão dentro da</p><p>cabeça do outro.</p><p>Vínculo de €onttole (controlado-controlador)</p><p>ou de terceiridade limitada</p><p>o vll/rl//n de control« é semelhante ao anterior, embora tul.,t·t' 11111,' IlH\IIII</p><p>dH'_·I'i'IIl'inç.HI l'l1ll'1' 11m l' Olttro l'gO, Parte d, 'illpnsi,,-II) dI' tlll\', 110 vlnculu,</p><p>I,,"hll~II~ "gOi'i devem I 11'11p .... ",isll'l1l,llkiIfÚt~l\lI! t'" nll'''ll\ll~ 1\I!'.,II"i'i, A dilerf_'n</p><p>30 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>dação e discriminação é maior, e as angústias passam pela castração e</p><p>despedaçamento.</p><p>O controle é exercido em alguns dos parâmetros, embora não necessa-</p><p>riamente em todos, por exemplo por meio do intercâmbio económico, para</p><p>evitar o descontrole, ou pode se situar no nível das relações sexuais, contro-</p><p>lando tanto o próprio prazer como o prazer dado ao outro, a fim de evitar o</p><p>descontrole do objeto e do próprio ego.</p><p>O correlato direto da necessidade de controle é a existência de um</p><p>impulso ou pulsão de domínio, exercida com a finalidade de garantir-se uma</p><p>saída da solidão ou do desamparo, exercendo uma ação direta sobre o outro</p><p>ego, o qual, não sendo manipulado, escaparia da possibilidade de amparar.</p><p>A fantasia de descontrole se apóia no temor ao fracasso da função</p><p>esfincteriana, no fechamento-abertura modulada na relação entre um ego e</p><p>outro, na</p><p>estrutura do vínculo.</p><p>Vínculo amoroso (ser amado-amar)</p><p>---ou-cte-terceinaade ampliada</p><p>No vínculo amoroso, as emoções circulantes são as pertencentes à resolução</p><p>do Édipo e à série de ~etecta-se lnteresse pelõOITffõ,</p><p>reciproCldade. E uma modificação e transformação dos três antes descritos.</p><p>Refere-se à aceitação plena da inclusão, naquilo que chamamos de parâmetros</p><p>definitórios do casal.</p><p>ESTRUTURA VINCULAR E SEPARAÇÃO</p><p>Às vezes, os casais decidem se separar. Cada ego sai da estrutura vincular</p><p>matrimonial, que recupera um lugar virtual no macrocontexto social e na</p><p>representação mental, até quando cada um dos dois que dissolveram o vínculo</p><p>voltem a entrar em outra matriz vincular de tipo matrimonial ou não. Quando</p><p>os sujeitos decidem se separar, sabem o que desejam fazer, mas não de quê ou de</p><p>quem se separar.</p><p>A passagem para um lugar virtual leva bastante tempo, que pode ser</p><p>medido pela persistência do marco social para continuar vendo-os como casal.</p><p>Cabe também perguntar se a separação chegará a se completar ou é um</p><p>pl'OCt'H!lO interminável.</p><p>0,,(1'(\ formulação explica alguns fatos empíricos, Referimo-nos à possibi-</p><p>hd.Hh· d .. n-runherer quando O destino do marido e da esposa é simétrico ou</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 31</p><p>quando é possível detectar alguma característica semântica capaz de explicar</p><p>caminhos diferentes a respeito da pertença à estrutura vincular complexa. Em</p><p>nossa cultura, em geral, quando Ocorre uma separação matrimonial, o marido</p><p>costuma sair da casa. Isso não tem caráter de lei, mas quando é a esposa quem</p><p>abandona a casa e os filhos, desperta uma espécie de impacto diruptivo, como</p><p>se fosse algo contrário a uma ordem determinada. Em geral, é preciso propor</p><p>algum tipo de racionalização com outras qualidades.</p><p>Embora, em nossa cultura, em geral é a mulher quem fica em casa com os</p><p>filhos, em cada cultura existe uma determinação a respeito de quem deve ficar</p><p>com os filhos. Isso nos leva a pensar que a estrutura vincular familiar não se</p><p>dissolve com a separação dos esposos. Ao permanecer, um dos dois conserva</p><p>um espaço-tempo dentro da mesma, ocupando faticamente um, lugar na</p><p>estrutura familiar não-dissolvida. Por conseguinte, o outro membro do casal</p><p>que partiu aparente e taticamente, continua ocupando sua posição de pai ou</p><p>mãe, como acontece na representação 'de casal, na mente dos filhos.</p><p>Com a separação do casal (Il}'ltrimonial), cinde-se o casal parental. Para</p><p>este último não existe divórcio. I -</p><p>Mencionaremos duas maneiras de pensar a vicissitude de um vínculo</p><p>matrimonial, por meio da separação. A primeira resulta da saída de ambos os</p><p>sujeitos do modelo de casal socíocultural, com o que este volta a ficar vago e apto</p><p>para ser ocupado por outros dois egos. A segunda opção de separação contém</p><p>a idéia de um dos-dois egosocupando parte da estrutura vincular complexa,</p><p>geralmente a esposa, e a saída do marido. Essas duas opções apresentam</p><p>problemas de tipos diferentes ainda hoje difíceis de resolver. Um deles levaria</p><p>a reconhecer o efeito produzido sobre a estrutura, quando é o homem qüe</p><p>circula, podendo outro marido ocupar o lugar do anterior. Essa circulação é de</p><p>ordem diferente, talvez do tipo manifesto, no qu~ diz respeito à circulação de</p><p>mulheres e da mulher, próximo de uma ordem estrutural de tipo inconsciente</p><p>(Léví-Strauss, 1958; Berenstein, 1976, 1981), de caráter fundante.</p><p>A pergunta apresentada por essa situação se refere a poder detectar se é</p><p>mantida a estrutura vincular ou se ela adquire outro conteúdo. Este modelo</p><p>também permite pensar nas diferentes qualidades afetívas e emocionais, pelas</p><p>quais pode passar um vínculo matrimonial. Dessa maneira, como cada um dos</p><p>ogos possui diferentes traços de caráter ou diferentes constelações afetlvas, .1</p><p>relação pode adquirir um tom amoroso e terno ou sadotnasoquista, sem por iShI)</p><p>deixar de ser uma relação matrimonial. O problema originado pela separação,</p><p>necessariamente, inclui um limite da possibilidade para ambos os cgus dt'</p><p>continuar tendo uma relação emocional compatível COma manutençao dl~tHIl'</p><p>vlnculo.</p><p>Para validar a hipótese de uma representação proveniente do lIllllt'''''1</p><p>lim lnll' do COI1 Iexto CU ItUI'O1 (Pugct, 1987), é preciso pensar nu evoluça» 1111'111,,1</p><p>d.I rrl"Jl~'a, ')111' fI'c:d)l' il1!oldçüell de modelos tanto n p.lltir du r.I!lilll'.In'III.1I,</p><p>~</p><p>32 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTElN</p><p>com a significação do contexto social para esse determinado casal, como uma</p><p>representação direta a partir do macrocontexto social, no sentido do filho</p><p>veiculado através da linguagem. Essa conceitualização se aproxima da hipótese</p><p>do recém-nascido, considerado como imerso em um banho de linguagem, de</p><p>que falam alguns autores (Lacan, Anzieu, 1976). Seriam processados diretamen-</p><p>te pela mente do bebê, independentemente dos já metabolizados por via</p><p>parental. O bebê recebe do casal parental o desejo de ser um filho que cresça e</p><p>continue ou faça transcender o casal parental, através de sua realização como</p><p>pai, tendo seus próprios filhos e o desejo de ter filhos como transformação</p><p>própria de ser, por sua vez, um filho desejado. Simultaneamente, recebe, a partir</p><p>do contexto social, a prescrição de manter a continuidade da sociedade, ao</p><p>ocupar o lugar indicado pela mesma como ocupante das estruturas familiares.</p><p>Um dos referenciais empíricos relacionados com.essa hipótese é fornecido</p><p>pelos sujeitos cuja necessidade de se constituir como casal é a de serem</p><p>incorporados em um determinado grupo social, fazendo com que predomine</p><p>a prescrição social sobre o desejo libidinal. Quando ambos se conjugam é</p><p>possível supor a constituição de um casal (matrimonial), a partir do qual estarão</p><p>incluídos no contexto do micro e do macrogrupo social no qual interagem. Em</p><p>compensação, se estes não se articularem devidamente, ocuparão uma estrutu-</p><p>ra esvaziada de conteúdos emocionais, obtendo apenas um estatuto social,</p><p>quando o fazem a partir da estipulação social. Estas duas inscrições, social e</p><p>libidinal, estão em todos os sujeitos e em todos os casais, em diferentes formas</p><p>de fusão e desfusão.</p><p>Notas do capítulo 2</p><p>1. Para a denominação do lugar utilizaremos as maiúsculas, com as minúsculas indicando os que</p><p>o ocupam.</p><p>2. "Portanto, a identificação não é uma simples imitação, mas apropriação, apoiada na mesma</p><p>reivindicação etiológica; exprime um igual a', referindo-se a algo comum pertencente ao</p><p>inconsciente" (p. 168).</p><p>3. A relação com o outro pensado ou imaginado refere-se a uma retirada narcisista particular com</p><p>um outro interno, representação de um outro real externo de um vínculo estável que ocorre</p><p>tanto quando não recebe realimentação dos objetos externos, como em sua presença. É uma</p><p>representação auto-engendrada a partir de vivências internas. Inscreve-se em um registro</p><p>trfplice (corporal-sensorial, afetivo-desejo, linguagem) e abrange três níveis de representação.</p><p>Separamo-na da relação objetal-objetiváveL É uma espécie de presença incorporada na mente,</p><p>apoio vincular em ausência e em presença do outro ao qual representa. Possui algum parente~co</p><p>com o objeto transicional de Winnicott e com a relação imaginada descrita por Piera Aulagnier.</p><p>CAPÍTULO 3</p><p>Tipologia do '</p><p>Vínculo de Casal</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>CONSIDERADA, no capítulo anterior, a estrutura do vínculo, proporemos</p><p>uma tipologia que explique tanto os observáveis como sua signífícação incons-</p><p>ciente. Definiremos, em cada estrutura psico{?atológicÊ" o conector, sua moda-</p><p>lidade característica e sua qualidade determinante do tipo de interàção entre os--------- ) --dols e~tilizaremos também, em nossa formulação, o grau da discriminação</p><p>I'JUre os doiu~ o reconhecimento das emoções básicas que circulam, as</p><p>IIngústías c~acterísticãsdêCãaãgüãd:ro-psit'tTmpt6-g'ic~a semanfiZação dos</p><p>p"râm~tórios e o lugar do terceiro. --</p><p>Embora empreguemõS conceltõSââSsiros para denominar funcionamentos</p><p>IIlc.ntais, no contexto deste capítulo, a mesma denominação não irá explicar a</p><p>1'lIit'opatologia de cada um dos dois egos separadamente. São apenas descritivos,</p><p>111'lmitindo-nos compreender um modo de funcionamento vincular,</p><p>além da</p><p>l'lrt"llnstância pela qual cada um dos egos responde a essa psicopatol.ogia.</p><p>O eixo da indiscriminação-discriminação indica, desde o menor nível de</p><p>"I,pr'ença entre os dois egos, como é a fusão, até o maior nível de complexidade,</p><p>I I Itilo é a autonomia. Na passagem de um para o outro, ocupar-nos-ernos d,,~</p><p>Ililldulldades de discriminação dos funcionamentos mentais tendentes a cstn</p><p>1t,·II'\'l'r organizações de nível pré-edípico. Nelas, incluiremos o lugor do</p><p>1"II'I'ft'o/mesmo quando nos leva a uma triangulação que dá acesso à simboliz,";i\II,</p><p>"""lIdo nõo à manutenção de uma estrutura dual COm um terceiro, ct.j.1</p><p>')\lIlfknçl\o (! " L!(.' c(mll'l' l' servir de marco da estrutura dual.</p><p>~it</p><p>34</p><p>I</p><p>]ANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>ESTRUTURA ZERO</p><p>Chamaremos de estrutura zero de casalo grau mínimo de posições e</p><p>ligação, sem os quais não seria possível a existência de um casal. É uma</p><p>concepção sintática do vínculo e á partir dela é organizada a significação da</p><p>estrutura vincular.</p><p>Outro ponto de vista permite pensar a estrutura como um conjunto de</p><p>qualidades para determinado casal," sem as quais não seria possível sua</p><p>constituição. Aproxima-se de uma concepção semântica da estrutura de casal.</p><p>O grau zero da estrutura de casal permite estipular as posições e suas</p><p>qualidades de Esposo, de Esposa e o conector que atua como o terceiro elemento</p><p>vinculante. Esposo ou Esposa deveriam ser tomados como denominações</p><p>variáveis, segundo os diferentes momentos e as diferentes culturas, quando se</p><p>referem ao casal de tipo matrimonial.</p><p>A idéia de estrutura zero é a de uma matriz inconsciente na qual a</p><p>sociedade situa pessoas de sexo diferente que nela circulam e para as quais</p><p>incluir-se em um vínculo de casal leva, necessariamente, a ocupar um desses</p><p>dois lugares. A estrutura de casal, sem os egos que a habitam, carece de sentido.</p><p>Salvo o sentido de criar as possibilidadeSde unir duas pessoas de s~</p><p>diferentes que se tenham limitado ao tabu do incesto ~ com o projeto explícito</p><p>ou não de conter O mandato de continuar a espécie com novos filhos.</p><p>Realmente, nas separaç<:;es,divórcios ou morte de um dos integrantes, apenas</p><p>um é incapaz de sustentar o casal, salvo de forma ilusória. Referimo-nos a esse</p><p>problema no capítulo 2, quando tratamos de vínculos e separação... ).</p><p>A sociedade conta com diversas matrizes, tanto par.a a circulação como</p><p>para o agrupamento de seus integrantes. Quando o filho nasce, a sociedade se</p><p>encarrega de situá-lo, preenchendo um terceiro espaço na matriz familiar, na</p><p>qual o casal está incluído e, neste caso, é chamada de família. Além disso, .a</p><p>sociedade também dispõe de outras instituições nas quais vai situando seus</p><p>membros, em lugares definidos por outras matrízesNeste contexto, utiliza-se</p><p>a definição de Lévi-Strauss (1958) de formas institucionais chamadas de tipo</p><p>zero:</p><p>Faltaria toda a propriedade intrínseca, exceto ~ de introduzir as condições</p><p>prévias para a existência do sistema social ao q~al pertencem, que graças à sua</p><p>presença - desprovida. em si de significação - pode ser afirmada como</p><p>totalldade. .'</p><p>Este problema consiste na existência de instituições desprovidas de sentido,</p><p>,')1\ 1'10 o de proporclonar um sentido às sociedades que as possuem,</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 35</p><p>Em antropologia foram descritas estruturas de tipo zero, como foi dito, em</p><p>llngüística (Barthes, 1970), em retórica (Dubois, 1970) e em psicanálise dos</p><p>sonhos (Berenstein, 1978).</p><p>O modelo descrito situa-se no nível profundo, chegando-se a ele por</p><p>reconstrução. No caso de sua realização - por exemplo, no material clínico dos</p><p>casais - surge uma fonte de angústia quando é proposta a separação, associada,</p><p>pelos integrantes do casal, a ficar sem sustentação como expressão consciente.</p><p>Perdem uma instituição que os sustentava provisoriamente, e registram isso</p><p>como vivência de inexistência, cujo referencial empírico é a solidão (Puget e</p><p>Wender, 1987), devido a uma falta da representação social equiparada à não-</p><p>pertença a determinada estrutura. A partir disto, são os seguintes os modos de</p><p>investimento da estrutura zero.</p><p>ESTRUTURAL 1: ~</p><p>Nesta predomina o estabelecimento de um vínculo de tipo fu§o, domi-</p><p>nado pela~ação mútua de algum compone~, em sua maioria parcial.</p><p>Pode existir uma relação de simetria, à qual chamaremos de gemelaridade; ou de</p><p>assimetria estável, que chamamos de complementaridade, com base no concei-</p><p>to de vínculo, com o modelo de ObTetoÚnico. Cada uma delas poderá dar lugar</p><p>à constituição do casal, a partir da modalidade fundante do enamoramento, seja</p><p>qual for o seu destino.</p><p>Gemelaridade erotizada: "Somos um só"</p><p>ovínculo é mantic!Q..Eelaidealiz~Funci0na com a menor quantidade</p><p>de indícios diferenciais, pois existe apenas um ou dois iguais, com recusa das</p><p>particularida.f{es de cada um. Para instalar-se a comunicação, bastará aplonilf'l</p><p>um código mínimo. '</p><p>Algumas funções adj\.!_dicadasde Objeto ÚnicoLf_om.oa antecipação t~a</p><p>ndlvinhação, estão em seu.apogeu,</p><p>A visão especular dá um papel destacado ao olhar. Possibilita a constitui.</p><p>ÇflO de funcionamentos simétricos e paralelos, nos quais ambos os componentes</p><p>do vínculo têm do mesmo uma única representação; o desejo de um f'll'1' "</p><p>Imagem especular do outro. Deriva dessa conceitualização a denomln.içâo de</p><p>gt'meos. O olhar é utilizado apenas em parte, para reconhecer (' dt'lic:,rtar no</p><p>outro o pouco que possui de diferente, olhando apenas aquilo CImo (o purcebldo</p><p>tlusortaruente corno semolhanto ao l'gO, oíervcendo "0 olhar aqullo que é, pt,r</p><p>111H1 ver; Nt"lll'lhillltt' .\11 oulro,</p><p>36 ]ANINE PUGET & ISIDORO BEREMSTEIN</p><p>Nesta organização vincular, aquilo de que se preservam é a angústia de</p><p>líquefação, na qual estaria ilusoriamente diluída, metaforicamente falando,</p><p>toda a trama vincular, criando-se um espaço interfantasmático, no guaU</p><p>desnecessária a lingl!ª-Sem, bem como os acordos conscientes. As angústias</p><p>intrapsíquicas de tipo fóbico, subjacentes a esses egos, saõcontroladas por</p><p>contar-se, de-forma permanente, com um acompanhante para o qual o pacto</p><p>inconsciente é: nada melhor do que um como acompanhante do outro. Outra</p><p>de suas cláusulas procuraria estabelecer que o diferente é perturbador, devendo</p><p>ficar de fora. O tipo de conta to entre esses egos baseia-se no modelo de contato</p><p>concreto, talvez sendo o de menor intercâmbio simbólico.</p><p>Em termos dos parâmetros definitórios, a cotidianidade pode não ter um</p><p>marco espaço-temporal estável, sem por isso se transformar em fonte de</p><p>conflito. É uma zona de não-conflito, na qual são homologados gostos e</p><p>afinidades, cindindo todo o diferente como uma forma de reforçar a convicção</p><p>ilusória do igual.</p><p>O projeto vital é um só, o futuro do casal como espaço exclusivo de dois</p><p>é compartilhado, pelo menos ilusoriamente, e sustentado pela clivagem. O</p><p>acordo chega à formulação de projetos limitados, pois o semelhante-igual pode</p><p>ser confundido. Quando o projeto inclui a transformação de um espaço virtual</p><p>em outro, com a possibilidade de ser ocupado por um terceiro objeto, como um</p><p>filho, ou apenas a instalação de um espaço compartilhado estável, podem ser</p><p>geradas angústias catastróficas. Isso é devido a uma característica do pacto, a</p><p>imobilização do tempo, com a ilusão de manter o vínculo sempre igual. Por isso,</p><p>a presença de um terceiro contradiz essa convicção, pois não pode caber um</p><p>lugar mental, nem vincular.</p><p>As relações sexuais podem ou não oferecer dificuldades. A fusão, neces-</p><p>sária para sua realização, não irá despertar angústia, e até mesmo pode chegar</p><p>a ser produtora de prazer. No entanto, é o parâmetro mais conflitivo, pois, para</p><p>aceder à genitalidade, é necessário reconhecer as diferenças. Quando estas não</p><p>puderem ser reconhecidas, só se obtém satisfação em um nível pré-genital e a</p><p>frustração nisso implícita leva a explosões logo encapsuladas.</p><p>No que se refere à tendência monogâmica, esta está em seu apogeu. Somos</p><p>um 56 ou a minha metade da laranja, são metáforas que explicam a superposição</p><p>éntre monogamia e fusao. -</p><p>A clivagem ou recusa de qualquer representação do diferente provoca</p><p>dificuldades,</p><p>quando ocorre a irrupção do real. Pode se transformar em</p><p>perturbação grave, crise ou ruptura. O equilíbrio emocional está em grande</p><p>Instabilidade. Ocorrem manifestações violentas, quando se tornam excessivas</p><p>tanto a fusão como a distância.</p><p>Essa estrutura dá lugar a diferentes modalidades, que dependem do</p><p>~m·d()mrnlo c qualidade de algurnas das características mencíonadas.</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 37</p><p>Gemelaridade tanática: "As censuras eternas"</p><p>Quando o funcionamento de tipo gemelaridade se apóia em Tanatos, seu</p><p>signo é a frustração permanente. Conserva a denominação de funcionamento</p><p>narcisista, pois nele são mantidas as fantasias de fusão, dependência máxima,</p><p>embora sejam agora produtoras de mal-estar. Cada ego está conectado princi-</p><p>palmente com-seu objeto imaginado, tentando se manter afastado de tudo</p><p>aquilo que frustre sua ilusão de possuí-lo. A presença do outro real, diferente,</p><p>denuncia os aspectos não-coincidentes com o objeto imaginado. Porém, para se</p><p>confirmar na 'necessidade de ficar recluso, é preciso ter do lado de fora um outro</p><p>ego a quem frustrar. Por outro lado, existe uma exigência permanente do outro</p><p>investido da capacidade de adivinhar e se antecipar. Simultaneamente, é</p><p>rechaçado quando se aproxima, pois levaria a se separar do vínculo ilusório com</p><p>o Objeto Único. .</p><p>Para esses casais, o terceiro perseguidor é tanto o outro ego como algum</p><p>outro. Quando, além disso, soma-se um projeto como o de um filho, assumindo</p><p>um aspecto concreto, a angústia atinge níveis intoleráveis. Poder-se-ia supor</p><p>que a realização de tal projeto proviria mais de um mandato cultural do que de</p><p>uma criação vincular, o que aumenta sua qualidade persecutória. Um aspecto</p><p>importante é o registro da imposição definitória a partir da cultura, para o casal,</p><p>de se transformar em família, assumindo um mandato de ter filhos. Todo</p><p>projeto inclui, no presente, uma visão de futuro. Para evitar a angústia por ela</p><p>suscitada, será necessário imobilizar o tempo, como no enamoramento.</p><p>O compartilhar é persecutório. Atende a uma urgência compulsiva de</p><p>denunciar qualquer traço do outro diferente do objeto imaginado. Circulam</p><p>desprezo, críticas, mas, apesar disso, não podem ficar separados. Ficam presos</p><p>um ao outro, para demonstrar mutuamente suas falhas, esperando-as às</p><p>escondidas. Estabelecem um tipo de dependência adesiva, como se cada um dos</p><p>dois egos estivesse incompleto. A autonomia é inconcebível. Produzem relatos</p><p>corrigidos pelo outro, procurando instaurar uma única versão de certos</p><p>rcontecimentos. Nem juntos, nem separados, mas sempre presentes um par.1</p><p>u outro,</p><p>O terceiro ocupa o lugar de observador externo impotente, diante de um</p><p>vínculo impenetrável, fundido como se fosse um enamoramento em negativo,</p><p>UImndo o terceiro olha um casai enamorado, a exclusão gera prazer, enquanto</p><p>1111'1' expectador do negativo produz mal-estar,</p><p>Embora não se possa compreender porque esse vínculo (' mantido, 1IJ11íl</p><p>pfllIsfvelexplicação é que ambos os egos são aqueles que mais podem tllllllil\is</p><p>t";1I1\ f rustrnçãn c COl11preender seu sígniftcado, para alcança r tllll,ll'Ht,lbilid,lde</p><p>1111"/'1)11, vm ~il' no outro, Tudo p,.rece pouco, illsiltisf,116rio c, IIU l'lltnntll, 111'"</p><p>1III.'I,IIll ii l'IlJllrlh\lI~,'"dI' lIi"gll'~IIl,</p><p>38 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTElN</p><p>A característica dos parâmetros definitórios é a mesma do enamoramento,</p><p>com a marca do negativo, evidente na cotidianidade, onde é produtora de mal-</p><p>estar.</p><p>A tendência monogâmica é respeitada. No entanto, subjaz a fantasia de</p><p>poder alguma vez realizar uma relação com o objeto imaginado ou com algum</p><p>outro que o represente, fantasia protetora do aparecimento de uma vivência</p><p>aterrorizante de desamparo. Nesse vínculo, a distância é regulada pela angústia</p><p>confusionaI.</p><p>Complementaridade enlouquecedora</p><p>Agora, iremos considerar os vínculos assimétricos estáveis.</p><p>Levando em consideração as possíveis disfunções atribuídas ao Objeto</p><p>Único, poderemos detectar diferentes modalidades vinculares, à maneira de</p><p>desvio do modelo anteriormente descrito.</p><p>Amparador-desamparado. Neste tipo de vínculo o que rege; em sua forma mais</p><p>pura, é a modalidade derivada de uma das atribuições do Objeto Único: a</p><p>\ função de assistente. Nessa modalidade, quando ~m dos dois adota o lugar do</p><p>ldesam~~o outro imediatamente ocupa o de assistente. EXIsteuma falha</p><p>da função de semantização, de indicação e semiótica, portanto, produtora de</p><p>um estado de confusão. O crescimento dos componentes do vínculo se</p><p>interrompe, e ambos os membros do casal mantêm-se fundidos, sem passar a</p><p>um estado de maior complexidade. É uma modalidade de predomínio tanático. L</p><p>c..Os afetos são da ordem da violência, irritação e hostilidade.</p><p>No enamoramento, existe um acordo segundo o qual iriam ser assistentes</p><p>mútuos, alternadamente ou não, de acordo com a possibilidade de cada um de</p><p>assumir ambos os papéis.' Em geral, nas outras modalidades, podem ser</p><p>intercambiáveis, nas diferentes áreas dos afazeres matrimoniais. No entanto, na</p><p>modalidade amparador-desamparado, a exigência é absoluta e pactuada, a</p><p>respeito do enquadramento e funcionamento dos parâmetros para a manuten-</p><p>ção do vínculo.</p><p>As relações sexuais são de nível pré-genital, embora em alguns momentos</p><p>possam ocorrer encontros satisfatórios. Atendência monogâmica não é conflitiva.</p><p>A cotidianidade, no que diz respeito aos intercâmbios concretos, é</p><p>satisfatória, pois é sustentada pelo amparo. Quando fracassa a</p><p>complementaridade, surgem conflitos cuja manifestação é o desacordo, por</p><p>exemplo, a impossibilidade de coincidir, exteriorizada de forma manifesta como</p><p>nào-convcníente para uma hora de saída ou para determinados hábitos, em</p><p>hlllçao dl' não ter o mesmo registro nem espacial, nem temporal.</p><p>() projl'hl vital {'stá sujeito a desacordos ou, ao contrário, a uma submissáo</p><p>tlltill, ri )111rt'dllÇilO do projeto de dois DOde urn só. N<\o existirá cuufliln.qu.uul«</p><p>PSICANÁL1SE DO CASAL 39</p><p>a meta de um ego for a de transformar o outro em um complemento, anulando</p><p>sua capacidade de pensar e de autonomia, com o outro ego se curvando.</p><p>O acordo mútuo e necessário para a preservação do vínculo obriga,</p><p>quando não pode se manter, a confirmar ou devolver ao outro a imagem de</p><p>enlouquecedor, a partir da posição de enlouquecido. O acordo leva a urna</p><p>estipulação a respeito de limites, com a intenção de resolver a falta dos mesmos,</p><p>vivida por cada um segundo sua própria história. Organiza-se um pacto</p><p>inconsciente, caracterizado por confusão e ambigüidade, com a parte que não</p><p>intervém no acordo. Sempre existe uma ameaça potencial de invasão pelo</p><p>outro, sendo por isso imprescindível selar um pacto de não-agressão. Sua</p><p>formulação pode ser a seguinte: eu hei de conservar, como filho, uma relação</p><p>com meus objetos parentais, enquanto concordo que tu também tenhas tu ..,</p><p>própria relação com teus objetos parentais, em um setor onde nem eu nem tu</p><p>possamos compartilhar, por corresponder a histórias diferentes.</p><p>De uma maneira mais geral, o pacto inclui a idéia de concessão, para</p><p>manter essa estrutura vincular com sua identidade peculiar. O pacto é de não-</p><p>agressão, mas a transgressão dos limites de cada ego a desencadeia, como ocorre</p><p>nas estruturações perversas, nas quais o funcionamento sadomasoquista não</p><p>deixa sucumbir a um maior enlouquecimento. Aagressão se caracteriza por sua</p><p>violência. Pode ter como modelo uma guerra aniquiladora, próxima ao exter-</p><p>mínio das partes capazes de pensar separadamente, buscando anular suas</p><p>diferenças. Cada crise psicótica vincular leva à formulação de um novo pacto</p><p>de não-agressão.</p><p>Pode ocorrer que cada um dos egos tenha funcionamentos psicóticos de</p><p>uma ordem diferente, vinculada a histórias diferentes. Formarão uma combi-</p><p>nação louca inédita, resultado do produto da loucura de cada um. Alguns casais,</p><p>capazes de recuperar uma atividade reflexiva, referem-se ao funcionamento</p><p>vincular psicóticoe aprisionante, mencionando que "ninguém de fora poderia</p><p>imaginar o que está se passando no vínculo": . .</p><p>Vejamos o breve exemplo seguinte.</p><p>Em um casal, a mulher diz se sentir</p><p>mal e o marido lhe dá tranquilizantes,</p><p>devido a sua função de enfermeiro e assistente. Dessa forma, alcança um</p><p>controle da loucura, mantendo a mulher, sem o saber, em inferioridade de</p><p>condições. É preciso conservar essa modalidade vincular, pois, ao contrário,</p><p>chegariam à separação, que se equipara a uma maior desorganização em nível</p><p>individual. A loucura é assimilada ao descontrole ou à solidão sem limites,</p><p>porém agora, em uma instituição médica ou psiquiátrica. Imaginam que um</p><p>poderia contrair uma grave enfermidade orgânica e o outro estar intorn.uio em</p><p>um hospital psiquiátrico. Nesse caso, a estruturação vincular, b"sl'.HIo, nO</p><p>nmparo-desamparo, se transfere fi uma instituição. Ele pode perder I'CU hlRi\r</p><p>dl' ,IIII1Mrndor, ~",ss.md(l t.unbém " OCl1p.lr o de desamp.uudo. Paru evitar "1111'"</p><p>dC.,I'I\I,II'l' temidu, n,lo "l' fll·p.ll'lH\l l' .wi'lIi1m olltr.1 mml.llid.l\ho vincular: rIr ~</p><p>40 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>um enfermeiro muito solicitado e ela uma 'mulher psicótíca, atendida por um</p><p>enfermeiro. Esta é uma transformação da modalidade vincular amparadora,</p><p>veiculada através da administração de tranqüilizantes. Nos períodos de calma,</p><p>ela se anula em seus desenvolvimentos pessoais, experimentando apenas uma</p><p>admiração narcisista pelo marido prestigioso. O retorno do recalcado surge nas</p><p>censuras e queixas enlouquecedoras. O acordo inconsciente, que os situa como</p><p>assistente e assistido, exigiu um pacto a respeito das relações sexuais. Elas foram</p><p>evitadas, desde o casamento, embora pudessem tê-las tido antes disso. Também</p><p>pactuaram não ter filhos, como uma forma de assegurar que não haja produto</p><p>das relações sexuais. Manifestamente, expressam desejo de ter relações sexuais</p><p>e filhos. Para conservar a armação, estabelecem como norma a imposição de</p><p>estarem sempre juntos, em um mesmo espaço e tempo. No cotidiano, possuem</p><p>estipulações estritas a respeito de como utilizar a casa para determinadas</p><p>funções e não para outras. Por exemplo, só podem dormir em casa e comer</p><p>apenas fora.</p><p>A ausência de filhos era transformada, na transferência, em falta de um.</p><p>lugar próprio para o terapeuta. Em alguns casais com um filho, produto de uma</p><p>função biológica, uma possível evolução é transformá-lo em objeto inanimado,</p><p>cuja expressão máxima é se tornar filho psicótico. É então tratado como um</p><p>prolongamento não-discriminado do vínculo, no qual não possui um lugar</p><p>hierarquizado, nem um terceiro espaço.</p><p>Disfunção temporal. Uma das funções do objeto único consiste em ser doador</p><p>de temporalidade, estabelecendo uma noção de passado, presente e futuro.</p><p>Quando fracassa, dá origem a uma modalidade que tende a evitar qualquer</p><p>mudança. A representação é resultante da tentativa de anquilosar ou tornar</p><p>rígido o tempo, pois é impossível qualquer adequação a novas circunstâncias.</p><p>No cotidiano, surgem desacordos e conflitos. A imobilização no tempo</p><p>leva a supor o acordo no presente como passível de poder se repetir indefini-</p><p>damente. Será rechaçada qualquer modalidade de encontro espaço-temporal,</p><p>com aceitação da passagem do tempo.</p><p>As relações sexuais adquirem 'uma característica de monotonia, sendo</p><p>impossível criar novos jogos sexuais. Podem ser satisfatórias, no momento,</p><p>embora não continuem a sê-lo, pois é difícil adequá-las ao estado mental e</p><p>afetivo de cada um, ao longo do tempo.</p><p>A tendência monogâmica não trará conflitos, pois o que se evita é tudo</p><p>aquilo que signifique mudança. Por isso, uma relação fixa não produz angústia.</p><p>Costumam confundir imobilidade com estabilidade.</p><p>O projeto vital é de pouca complexidade, devido à impossibilidade de</p><p>Imaginar um futuro como recurso temporal. No entanto, pode ser cumprido</p><p>qtllllqucl' projeto, quando for investido como passagem do tempo, transfor-</p><p>nt,1I1d"·HI· (l1ll ordem. Quando implica um filho, por sua vez roprescntant» dt'</p><p>PSICANÁLISE Db CASAL 41</p><p>mudanças permanentes, ressituando os pais nos diferentes estados do filho,</p><p>surgirão grandes dificuldades. Aceitar o crescimento do filho obriga a novas</p><p>propostas ou modificações estruturais. Para evitar o conflito, o filho irá sofrer</p><p>diversas transformações, que o situam fora da estrutura vincular. .</p><p>Nessa modalidade, ocorrerá uma passagem do predomínio escoptofílico</p><p>para o auditivo. A percepção auditiva seletiva de certos estímulosproduz Uma</p><p>surdez a qualquer novo som e uma grande adesão aos conhecidos. As novas</p><p>semantizações dos sons poderão ser o germe de, uma catástrofe objetal equiva-</p><p>lente à solidão. O ouvido mental seleciona, daquilo que foi dito pelo outro, O</p><p>concordante, e o diferente penetra como agressão.</p><p>•</p><p>Disfunção semântica. O destaque é posto na intenção de to~nar alguém</p><p>transparente, a fim de impor uma única semantízação. Isso é conseguido por</p><p>meio da violência, ataques ao pensamento e confusão. Novamente, a fonte de</p><p>mal-estar é a impossibilidade de aceitar o diferente e ainda: menos de</p><p>reconhecê-lo,</p><p>As relações sexuais são de nível pré-genital, em algumas ocasiões</p><p>satisfatórias. Encontramo-nos novamente com uma patologia do diferente e</p><p>por isso pode-se supor que as relações sexuais, nas quais é necessário um nível</p><p>de fusão e entrega máximos, possam ser toleradas, pelo menos por momentos.</p><p>O problema é que, inconscientemente, inutilizam q outro alternativamente, em</p><p>papéis fixos de enlouquecedor e enlouquecido.</p><p>A tendência monogâmica não é conflitiva.</p><p>O cotidiano e o projeto vital são o resultado do desejo de apenas um,</p><p>aparentemente sem conflitos, devido ao pacto de submissão. É como se O</p><p>objetivo fosse o de transformar o outro em um duplo ou semelhante, anulando</p><p>sua capacidade de pensar.e de ser autônomo.</p><p>As mensagens costumam ser contraditórias, produzindo uma relação</p><p>baseada no enlouquecimento e confusão. Talvez procurem demonstrar que o</p><p>semelhante é diferente, e o diferente é semelhante; Vejamos isso, em um</p><p>exemplo da vida cotidiana.</p><p>Em um casal, costumava acontecer que ela dissesse a ele que tornar soda</p><p>era a mesma coisa que toma! Coca-Cola. Ele preferia esta última e não gostava</p><p>de soda. Ela sempre comprava soda, insistindo em suas qualidades claramente</p><p>superiores às da bebida preferida pelo marido. Quando este dizia que a preferia,</p><p>não por suas qualidades, mas sim pelo paladar, ela insistia que, para a. saüdo.</p><p>era melhor a soda. Algumas vezes, terminava por dizer: "além disso, não hií</p><p>diferença, pois as duas são bebidas gasosas e matam a sede". Isso se repctla orn</p><p>dlvcrsas situações, onde pareciam entrar em um círculo cnlouquoccdor, Lflll'</p><p>tcndla a produzir tanto a submissão de um dos dois, como I(mt,llivil:-lviolt'IlI,II1</p><p>dI' discrlrninaçào. Não fnl.ivnm no mesmo ,·('gistro. PaI"",,,,, I' ~,,,,dl' 1l1i1_1</p><p>I'I'III'11U'1ll iI 1111':'111111,.lIl'l',utl,l Rl'll1l\lltit'iI, nu ~llln,C'llll't''lPlllHIt'lll ,I dlh'I'I'lllüfi</p><p>42 ]ANINE PUGET & ISIDORO BERENSTElN</p><p>níveis lógicos e contêm diferentes. construções de·fantasia. Apagar a diferença</p><p>leva ao enlouquecimento e à violência.</p><p>ESTRUTURA 2: TERCEIRIDADE LIMITADA</p><p>Nesta, o terceiro ocupa um lugar de excluído, em diferentes posições. Há</p><p>um vínculo dual indiscriminado, como na estrutura 1, mas já não auto-</p><p>suficiente, porém produtor de uma angústia catastrófica, evitada pela presença</p><p>do terceiro. A lei que vige é a do querer é poder. Dessa forma, a autonomia do</p><p>outro só é aceita em determinadas condições, como as impostas por essa lei.</p><p>Funcionamento pervertedor-pervertido</p><p>Existe um predomínio da transgressão dos valores. Baseia-se em um certo</p><p>tipo de indiscriminação, intercâmbios sádiéos e subitamente cambiantes, corru;</p><p>se P!.ldes.sgffi_~~_.p.ro.Úmdo e erotizado para uma espécie de</p><p>lua-de-mel ou.entendiniéiitc,</p><p>O terceiro ocupa permanentemente um lugar de excluído. Sua míssão é</p><p>a de olhar impotente uma orgia de maus-tratos-e transgressão, ptaticada pelo</p><p>casal, ou olhar fascinado uma cena amorosa, mas não.para desfrutá-la. Precisam</p><p>de um outro para triangular a relação e não sucumbir à indiscriminação. O</p><p>observador não possui indícios das mudanças súbitas que ocorrem 'rio casal,</p><p>nem de sua passagem da fascinação à impotência, o que auinenta</p><p>o mal-estar.</p><p>'O terceiro ou está necessariamente presente ou também é recriado</p><p>imaginariamente, mas a cena é sempre representada para outro. Nas fantasias</p><p>diurnas, durante as relações sexuais pode-se dizer que necessitam a presença</p><p>de um outro de tipo diferente. A união é para excluir, formando alianças em</p><p>uma base de cumplicidade. Organizam-se relações de dois e um, que tendem</p><p>a provocar mal-estar. É uma estrutura vincular' sempre cambiante. É transgre-</p><p>dido tudo aquilo que seja regra ou que a sugira. O'interno, O íntimo, é exibido</p><p>e o de fora e externo é escondido. O segredo é público.</p><p>O segredo e o segredar estão relacionados com a criação de uma zona de</p><p>intimidade própria a um vínculo. Sua disfunção transforma o terceiro em um</p><p>sujeito sofredor ou dependente da vida do outro. Um 'segredo compartilhado</p><p>UI'\(' ou funde, mas também pode se transformar em união mortífera, quando</p><p>lkh' t-It' gera um círculo vicioso de culpa e castigo.</p><p>A sexualldade é pré-genital, tortuosa e insafisfatória.</p><p>( ) IIlgno do cotidiano são os súbitos desencontros e encontros ídcnlízados.</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 43</p><p>O projeto vital, em seu conteúdo manifesto, muitas vezes é a separação,</p><p>mas, em seu, conteúdo latente, inclui a possibilidade de .conservar esse funcio-</p><p>namento, seja qual for o projeto.</p><p>A tendência monogâmica não é respeitada.</p><p>O significante é a falsidade.</p><p>Vejamos um rápido exemplo. O marido entra na sessão altaneiro, depre-</p><p>ciativo eaparentemente protetor de uma mulher sofredora e submissa. Fala dos</p><p>progressos de sua mulher, como sucessos resultantes de sua influência. Simul-</p><p>taneamente, estabelece uma aliança cúmplice com o analista, pois ambos</p><p>colaboravam na melhora dela. No momento, descreve-se como só e abandona-</p><p>do por sua mulher, sempre ocupada em atender os outros. Ela argumento,</p><p>dizendo que não têm os mesmos horários. Ele teria de 'aprender a se arranjar</p><p>sozinho. De súbito, diante da tentativa, por parte .do analista; de formular urna</p><p>interpretação, riem-se entre si efalam'de uma viagem de prazer em umloca.l de</p><p>veraneio, onde passam muito bem, pois vão sozinhos, sem os filhos. Descrevem</p><p>seu bem-estar em um tom exibicionista e com termos atrevidos, surpreendendo</p><p>o analista pela súbita mudança no clima, que fica olhando como se estivesse</p><p>fascinado pela cena erótica. '</p><p>As súbitas mudanças, a exibição de uma intimidade e os maus-tratos</p><p>levam à criação de uma configuração, segundo a qual as alianças parecem</p><p>obrigar a tomar parte em urna cena, sem tê-lo proposto.</p><p>Funcionamento enciumante-ciumento</p><p>9 terceiro tem um papel peculiar, outorgado por sua imprescindibilid.uh-,</p><p>para dar lugar à criação de uma cena, na qual é imaginada uma n,}.IC;.\1l</p><p>maravilhosa entre um ego e um outro ego externo, G:ujamaior fonte UI.' prilí'I"</p><p>seria a exclusão de um terceiro ego.</p><p>Um dos dois ou ambos serão forçados na posição de ciumento. t) IIlIlnl</p><p>é imaginado em uma relação de fusão dual, maravilhosa, com. um 0\1 t1'11'1IU',</p><p>inclusive, pode ser ele próprio ou o terceiro. Não seria um praz{'r gl'llllilltl, ,,"".</p><p>um prazer associado ao sofrimento do outro. Baseia-se na idéia di' 1II1l.11't"1!I</p><p>primária de nível pré-genital e sádita, capazde exercer fasclnaçao.</p><p>Costuma ocorrer nas sessões, quando rege 'esse funcionunu-ntu, '1"1' li~</p><p>casais não possam escutar o que, édito' por: um e outro, porque SI'1I11'1I1 1(111' I" II</p><p>isso que deveriam se ter dito antes, quando o analista não estava. Ü YIVldlll'lIIll(1</p><p>um signo eloqüente da vida íntima não-compartilhada do outro l' I'rodlll III1HI</p><p>Icrída no próprio ego. Não podem escutar, porque escutar impllrari» 1"1'(1111111'</p><p>"l'" (I nutonoruia do outro. Uma forma de se Incluir pode Il'Y,lI' ii .\dlll.ll' II 111)1,.11</p><p>do j'xrlltídtl dlllllt'lIto,</p><p>44 ]ANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN.</p><p>Vejamos um exemplo: um casal veio consultar porque, anos antes, ele</p><p>tinha tido uma relação amorosa com outra mulher. Quando ele comentou isso</p><p>com ela, ela não pôde tolerá-lo, expulsando-o de casa. Essa separação durou</p><p>alguns dias. Pouco tempo depois, voltaram a viver juntos, mas, a partir daquele</p><p>momento, ela começou a viver sob o efeito de uma tortura mental. Queria saber</p><p>exatamente o que tinha ocorrido, por quê, quando e como. No começo, o marido</p><p>eludia as explicações e tinha a impressão de que, por mais que dissesse, não seria</p><p>ouvido. Estavam cada vez pior e não podiam falar sem impregnar a comunica-</p><p>ção de ciúmes e censuras. No entanto, ele acreditava que estavam melhor, a</p><p>partir daquele momento. Nas sessões, logo se transferiu o mesmo mal-estar.</p><p>Ambos diziam não poder se falar, fora da sessão. Porém, fazê-lo na sessão e na</p><p>presença do terapeuta era vivido como pôr-se em contato com o desencontro</p><p>e uma confirmação do funcionamento ciumento.</p><p>Quando um dizia algo, era ignorado pelo outro. Aevidência de zonas não-</p><p>compartilhadas era utilizada para se acusarem. Sentiam que era humilhante</p><p>precisar da sessão, para poderem se falar. O marido insistia em usá-la.</p><p>Desencadeava-se o funcionamento ciumento, corno se ele fosse o promotor de</p><p>ciúmes e ela a excluída daquela relação maravilhosa. Em outro âmbito, ele se</p><p>sentia impotente e com muitas dificuldades para qualquer intercâmbio social e,</p><p>quando tinha uma reunião ou alguma saída, costumava adormecer ou se</p><p>descompor, enquanto ela parecia aproveitar e se divertir, exibindo uma</p><p>liberdade próxima à sedução indiscriminada.</p><p>O significado inconsciente dessa interação provinha do acordo inconsci-</p><p>ente nesse casal: seriam pais (melhores do que os próprios), mas não marido e</p><p>mulher. O acordo era mantido por uma forte adesão a um código social,</p><p>segundo o qual deviam estar unidos para exercer a função genitora e alcançar</p><p>certos direitos, e cumprir obrigações, segundo as quais os papéis de homem e</p><p>mulher eram definidos por características pré-genitais ou secundárias. Por</p><p>exemplo, ser bom marido implica trabalhar para o sustento dos filhos, e a boa</p><p>esposa tem obrigação de cuidar dos filhos e atender a casa.</p><p>Em função da história familiar de cada um, a vida do casal estava associada</p><p>a catástrofes, abandonos e, por isso, devia ser evitada. No entanto, chegou um</p><p>momento no qual a insatisfação e frustração, ocasionadas pela vida sexual</p><p>precária e a falta de projetos vitais compartilhados, chegou a provocar um ato</p><p>de violência (no dizer do casal-paciente). A relação com a amante tinha como</p><p>objetivo inconsciente comunicar à sua esposa suas outras necessidades, diferen-</p><p>tes das indicadas pelo vínculo fanúliar. Esse ato diruptivo precisava ser</p><p>escutado. Além disso, a relação extramatrimonial tinha o significado de tentar</p><p>prolongar um vínculo narcisista com a mãe dele, em um momento no qual sua</p><p>esposa começou a lhe exigir que se situasse como marido.</p><p>Talvez ti exibição de um vínculo maravilhoso com um outro ego tivesse</p><p>PI" fill,llid,Hle lnatnlar a esposa no lugar da terceira excluída, fascinada por uma</p><p>II I( 45</p><p>FIIIH'illlHllllonto dI! tipo hlpl!rdl~Grilllill"~I\1l</p><p>o ,tnV""111l do (llnl'illll,lIIl1'llto 11111',11111'11.,1" 1111111Nit'ltl"hl Inoq04'lIh' Ilil</p><p>I'ríltlt'n mm casais mntrtmonlal«. (.'Ol\SINll' '\11 dlflculdnd« clL' t~Ht,lhl,lt'n'I' fi</p><p>11111\11\11)vínculo com que Instat.lr um marco espoço-tompora! l'sl.\vl't. A</p><p>1'II'NI'I1Çil dl' duas mentes ou de dois egos aparunternente is(,I,ldos 011 ~t'lIl</p><p>pO'i"lbllld"de de estabelecer uma conexão 6 compensada pela hipl·rtrnli.1 dI'</p><p>.Iguns dos parâmetros defínítórios que ocupam o lugar do enquudr.unvntu</p><p>t "'''qOilizador. É um funcionamento defensivo contra a vivência aterrorizadora</p><p>dlo um vínculo dependente, pelo qual é imprescindível se mostrar diferent» do</p><p>111111'0, Resultado de angústias paranóides, são acompanhados de vivências U"</p><p>despojarnento ou de devotação pelo outro, motivo pelo qual se procura todo</p><p>o tipo de estratégias para se desinstalar de um vínculo vivido com as carncn-</p><p>,flltlcns de boca ávida e insaciável.</p><p>Nada consegue ser compartilhado, sendo cada um, separadamente, uma</p><p>totalidade, insistindo-se em delimitar zonas de evítação, O contato se basein ('111</p><p>lima espécie de hiperíndependêncía, na qual são</p><p>importantes e nccessMillH</p><p>desncordos permanentes e manifestos.</p><p>O cotidiano está cheio de obstáculos, pois serão divergentes os g(lslll~,</p><p>horários e formas de impor ordem ou de conceber a organização l·sp.lI;n</p><p>tl'mporal da vida. Porém, a conservação da diferença não está" sl'rviço da</p><p>discriminação, mas a serviço da defesa da própria integridade mental. PSI"</p><p>parece depender do horário ou de algum signo atinente à orgnniz,lç,10 I'SPili)11</p><p>temporal, Terão de ser feitas duas comidas diferentes, um gO!lt,1ril dI.' !I',llro 1.' fi</p><p>mitro de cinema, ou um de jazz e outro de música cl~sslca.</p><p>O projeto vltal é resultado da supcrposição de dols projetos ludividu.u« tjw'.</p><p>IlglllIlLl'l VL'Z.lOH,podem, itWIIlSivl', colucldlr, embnm RtOnlpn'!t'lIh'I'llglIlll'lllIilfl"I</p><p>'1111'"''''lI'Il\,1 \)dlf,'r('IlIt· () p'lI'IIIIIt\III.Hko, PlII't')(t'lI) pi% rHhu,l' J'I'gIslr.ldo "'11\11"1</p><p>46 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>filho de cada um. É concebido como um aliado de cada um deles diante do outro,</p><p>não para despertar ciúmes, mas para negar a dependência.</p><p>A tendência monogâmica não é tolerada, quando surge a angústia devida</p><p>ao compartilhar e a seus componentes de fusão. Nesse caso, a busca de um outro</p><p>responderá, antes de tudo, à necessidade de confirmar a autonomia.</p><p>Inclusive, em algumas ocasiões, implantam um sistema defensivo, apoi- -</p><p>ado em uma racionalização, segundo a qual é possível ter várias</p><p>relações simultâneas. As relações de amantes toleradas, ou até mesmo fomen-</p><p>tadas, são uma maneira de reforçar o sentimento de independência, maneira de</p><p>indicar, nesta estrutura vincular, a hiperdiscriminação.</p><p>As relações sexuais são escassas. Seu selo denota a insistência sobre o</p><p>comportamento a ser adotado por cada um deles. Em algumas ocasiões, podem</p><p>chegar a ser satisfatórias, mas em geral deixam um remanescente de insatisfa-</p><p>ção. No nível mental, não serão o resultado do desejo de um pelo outro, mas de</p><p>uma relação registrada como masturbatória compartilhada. O outro é utilizado</p><p>como um objeto necessário, não fazendo parte de um corpo inteiro ou de uma</p><p>representação do objeto amoroso. É o correlato lógico do até aqui descrito, pois</p><p>a relação sexual desperta, por si só, uma angústia de tipo confusional e de perda</p><p>de limites, não-tolerada neste tipo de vínculo. A hiperdiscriminação pode levar</p><p>a concretizar, na relação sexual, tempos e posições diferentes, ou com alguma</p><p>marca que indique permanentemente a conservação de limites.</p><p>Um paciente sentia que suas relações sexuais matrimoniais eram</p><p>insatisfatórias e limitadas, enquanto que as relações com sua amante, embora</p><p>parciais, por não incluírem um crescimento vincular, eram amplamente</p><p>satisfatórias, acompanhadas de uma vivência de plenitude e fusão, apenas</p><p>interrompida pelas características inerentes ao vínculo de amantes.</p><p>Nessa relação, o Objeto Único está carregado por uma valência negativa,</p><p>ameaçadora e frustrante. Toda situação que remeta, ilusoriamente, a essa</p><p>estrutura vincular, é eludida por todos os meios de que dispõe o aparelho</p><p>psíquico. Nesse caso, o olhar é utilizado para detectar tudo o que é diferente,</p><p>confirmando-se em sua hiperdiscriminação. É parecido com o funcionamento</p><p>narcisista da gemelaridade tanática, no qual procura-se detectar tudo o que seja</p><p>capaz de ser significado enquanto índice de mal-estar, como é o semelhante.</p><p>Exaltam e procuram, com minúcia, destacar o diferente, para o qual possuem</p><p>uma memória seletiva, atualizada nas sessões de casal, à maneira de um rol</p><p>pormenorizado de tudo o que é diferente e oposto ..</p><p>Funcionamento inibidor-inibido</p><p>No funcionamento inibidor-inibido, pode ser pensado o sofrimento</p><p>dl'vldll .\11 dificuldades vinculares.</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 47</p><p>São reconhecidas tanto as inibições, como o mal-estar, sem que os</p><p>mecanismos projetivos invadam o campo. Encontraremos, em todos oS</p><p>parâmetros, alguma dificuldade, embora não-insanável.</p><p>Não costumam falar de separação. Sentem que se amam, embora lhes seja</p><p>difícil encontrar sozinhos novas perspectivas para uma situação penosa. Estão</p><p>presentes, com menor intensidade, todos os mecanismos anteriormente descri-</p><p>tos, o que modifica sua qualidade. O trabalho analítico percorre, com alguma</p><p>facilidade, o mundo intra-subjetivo de cada um e as zonas de encontro ou de</p><p>conflito só ocasionalmente aparecem como violência.</p><p>ESTRUTURA 3: TERCEIRIDADE AMPLA</p><p>Nesta estrutura vincular existem duas mentes discriminadas. Ambas</p><p>possuem uma representação interna do outro, configurada para que não seja</p><p>preciso referir-se permanentemente ao outro, para se sentir incluído. A lingua-</p><p>gem adquire seu sentido paradigmático de código e valor de comunicação. Est.\</p><p>aberta a possibilidade de desfazer as incógnitas ou os mal-entendidos criados</p><p>por uma captação exata da existência de um outro diferente do ego, sem o</p><p>despertar de uma angústia insuportável. O casal possui uma capacidade de</p><p>representação de si mesmo, como um conjunto no qual o fornecido pelos cgus</p><p>t' maior do que a soma de seus componentes. O compartilhar adquire seu valor</p><p>II\.IIs cabal, o de intercambiar significados diferentes a respeito do comum,</p><p>runatrulndo um código e podendo realizar uma série de recortes comparti II",</p><p>ti 115,sem temer perder o vínculo. As perturbações, em cada um dos parâ met roS</p><p>d.·(initórios, agora não exigem uma estipulação precisa. Os desacordos 1111</p><p>diferenças servirão de estímulo para uma colocação em marcha de prot·l~Hslltl</p><p>vinculares, nos quais surgirá a possibilidade de criar novas pautas, l"tllllll</p><p>rt"lllltado da articulação das diferenças. .</p><p>Produzir-se-ão, então, alternativamente, prováveis dificuldades, GIlIlIO fi</p><p>existentes em qualquer processo vital e vincular. Surgirão alterações "III 11111,-lU</p><p>outro parâmetro, servindo de base vincular o acordo básico tiOS q\lílll'!!</p><p>parâmetros definitórios. O cotidiano tem uma representação mental di' IlIgM,</p><p>de reencontro no tempo, e, portanto, de conhecimento renovado, bMI:'I(lI) IIfl</p><p>pressuposição de que a separação, em uma determinada hora do di.i, t!t::ltlfli!i""</p><p>o aparecimento de situações imprevistas. Por conseguinte, cada fl,,'I)l'unl 1"1' ~ l)</p><p>de duas pessoas que, de alguma maneira, terão de se dar a conhecer. 1{1~lxll'dt</p><p>mos, por exemplo, o vínculo do tipo I, no qual é anulada a passagem do 1[~llipn</p><p>I' enda um precisa permanecer cm lima posição fixa, dett'rrnin,HI,1 1H'lo outro,</p><p>,htl-",llIldn dI' CHC'\lIM (\ "'illlHcorl'pr do Il'mpo rrtlllolóv,ic'll.</p><p>48 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>o projeto vital compartilhado inclui o aparecimento de um terceiro,</p><p>admite sentimentos de exclusão, mas não põssui o caráter transbordante aos</p><p>vínculos anteriormente descritos. A elaboração dos sentimentos de exclusão</p><p>determina a possibilidade, ao cabo do ciclo vital, de reencontrar-se e reelaborar</p><p>O vínculo de casal, quando o terceiro novamente se converte em virtual, com um</p><p>objeto ausente. Nessa etapa do ciclo vital, o casal volta a encontrar um ao outro.</p><p>Os projetos não permanecem localizados na presença do filho concreto, seja</p><p>para ser negado, como na estrutura I, seja para ser tomado como aliado, como</p><p>na estrutura 2, mas evolui para o aparecimento dos sucessos, resultados da</p><p>combinação e fecundação mental dos integrantes desse vínculo. Esses casais se</p><p>socorrem da linguagem, mas para concordar e dirimir, e se organizam em torno</p><p>de decisões, nas quais é privilegiado o compartilhar, embora precisem de uma</p><p>explicitação dos desejos e intenções de cada um, para poderem ser articuladas</p><p>e compatibilizadas. As concessões na definição do acordado são toleradas e não</p><p>despertam angústias catastróficas. As relações sexuais nem sempre seguem um</p><p>curso sempre igual, alternando-se com períodos nos quais podem ou não</p><p>corresponder ao mesmo nível simétrico de desejo dos dois egos. Não é evitada</p><p>a fusão, mas não é necessária ou imprescindível para a manutenção das</p><p>mesmas. A tendência monogâmica talvez surja como uma elaboração genital da</p><p>relação de Objeto Único. Chamamos essa condição de passagem de Objeto</p><p>Único a Objeto Unificado. Neste último, considerado o índice de acordos</p><p>e o</p><p>tempo de elaboração para determinados intercâmbios, cada um se constituiu no</p><p>melhor acompanhante para o outro, não mais sendo aquele Objeto Único de</p><p>sobrevivência infantil, com o caráter de obrigatoriedade, descrito para os</p><p>vínculos de tipo 1 ou de tipo 2, mas um outro, buscado por sua especificidade.</p><p>A elaboração genital de Objeto Unificado é a de um objeto com especificidade.</p><p>~AP'(TULO 4</p><p>R 1</p><p>n Vfncul 1</p><p>INTR( lUl1,,'Al )</p><p>VfNCLJI.O·CORP{)</p><p>A ft'prt.'sl'l\ t.lÇ.10corpurnl dI' IIIll dOh)l'llllnndll vüuuln III" 1'11ft-'l'lIII 1I1111'lIrt'll</p><p>Mlll1holí:t.mlo pur " lIimbull:tI\l\h' dtl rt.,I"çi\1l 11l11'I'1)"~!!I_I,,I. I\III'A" 1"1I'n'III'I\,,,~(l1</p><p>49</p><p>so JANfNE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>correspondem a diferentes níveis de intercâmbio e, se existisse uma ordem</p><p>lógica, situá-Ias-íamos desde o originário até o secundário. Também podemos</p><p>situá-lo em um contexto estrutural, reconhecendo leis de funcionamento e</p><p>níveis de menor ou maior complexidade.</p><p>Descreveremos quatro modalidades.</p><p>Funcionamento Um</p><p>Este corresponde ao que já foi descrito por nós como vínculo de Objeto</p><p>Único. Consideramos fundante e originário, pois determina uma interação</p><p>corporal sustentada pela necessidade, baseada na polaridade vida-morte. Um</p><p>dos pólos é o desamparo, fornecido pela incapacidade de se auto-estabelecer e</p><p>de se autoproteger, e o outro pólo é dotado da qualidade de amparador mais</p><p>próximo, nesse grau, das funções corporais.</p><p>Pode-se imaginar esse primeiro vínculo, amparador-desamparado, como</p><p>possuindo uma representação mental e vincular bidirecional, plana ou linear,</p><p>sendo o de menor complexidade.</p><p>Funcionamento Dois</p><p>Seria aquele que possui uma complementaridade entre o desejo de ser</p><p>sustentado e o de sustentar.</p><p>Nesta segunda função, supomos a passagem da linearidade ao começo</p><p>da concavidade-convexidade, complementaridade própria da função de</p><p>sustentação. Seu modelo, em nível corporal, é o do bebê rodeado e seguro por</p><p>baixo dos braços pro te tores, que se prolongam com um rosto firme e</p><p>apaziguador, constituídos sobre uma base de identificação. Seu equivalente,</p><p>nos intercâmbios do casal, são os abraços ou carícias com frequência</p><p>semantizados como uma função de sustentação! do egO'. Quando esta é</p><p>invadida pela agressão e violência, os abraços e carícias chegam ase transformar</p><p>em golpes ou conta tos corporais violentos, nos quais, por sua vez, podem ser</p><p>reconhecidos diferentes instrumentos. Um destes é a voz, ligada à função de</p><p>sustentação. Aparece como uma irrupção de violência impossível de controlar,</p><p>como por exemplo, os gritos ou ruídos, as censuras e as acusações, que</p><p>penetram no aparelho mental, gerando uma importante ruptura ou desorga-</p><p>nização do pensamento. Quando, algumas vezes, surge um intercâmbio</p><p>corporal violento, podemos supor a intenção restitutiva de recuperar a</p><p>(1I11~50 de sustentação. '</p><p>Os intercâmbios corporais violentos também podem ser semantízados</p><p>,'onlU UJlia (us(u) com o maior conteúdo erótico, ligado ao prazer mascqulsta,</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 51</p><p>ou melhor, sadomasoquista, quando é exaltado o aspecto doloroso do intercâm-</p><p>bío corporal. .</p><p>Outro significado da relação de violência é oque tende a externalizar uma</p><p>relação objetal persecutória, recriando-o, no mundo exterior, como um vínculo</p><p>destrutivo. Searles (1965) descreve-o assim:</p><p>Em vários pacientes casados, que desejavam se divorciar, observei que a</p><p>decisão do paciente de" conseguir se separar" do cônjuge consistia, fundamental-</p><p>mente, em um anseio, por muito tempo não reconhecido como tal pelo paciente,</p><p>de alcançar urna autêntica individuação diante de urna esposa ou esposo, com o</p><p>qual mantinham um modo simbiótico de relação. Nesses casos, o cônjuge não</p><p>tinha respondido predominantemente à outra pessoa real, mas antes a uma</p><p>personificação dos aspectos parciais inaceitáveis, projetados do ego do paciente</p><p>ou, poder-se-la dizer, à personificação de suas imagens recalcadas. Dessa forma,</p><p>o paciente tem urna necessidade, por pouco que a tenha reconhecido como tal, de</p><p>obter, por um lado, a separação entre seus próprios aspectos recalcados e</p><p>projetados e, por' outro, o cônjuge como pessoa real e separada. É essencial</p><p>alcançar urna" separação" nesse nível, tanto para que ele próprio se converta em</p><p>um indivíduo integrado e completo, como para a realização de uma relação objetal</p><p>sadia em seu casamento. E'inbora possa acontecer que muitos casos de separação</p><p>matrimonial ou de dívórcio ocorram tendo como fundamento esse tipo de esforço</p><p>não-formulado, inconsciente, em favor-da individuação, que fracassa porque não</p><p>é complementado em seu verdadeiro sentido, levando simplesmente a uma</p><p>mudança, a um novo matrimônio, reconhecidamente simbiótico, no qual se reage .</p><p>diante do novo cônjuge de maneira semelhante, considerando-o não como urna</p><p>pessoa real, mas como a personificação de aspectos inadmissíveis do ego. Em um</p><p>artigo anterior (Searles, 1951), conjeturei que alguns casos de assassinato podem</p><p>representar, de maneira semelhante, um esforço abortado e não-reconhecido em</p><p>favor da individuação.</p><p>o intercâmbio .violento estaria relacionado mais com o que será descrito</p><p>a seguir, como terceira função, ligada às relações sexuais.</p><p>Funcionamento Três</p><p>Envolve a diferença sexual com um reconhecimento prévio da dífcrunçn</p><p>entre o dentro e o fora, bem como da genitalidade e da ternura. Envolve (I</p><p>conhecimento da poslçâo de dar prazer como diferente de recebê-lo, e 11</p><p>IIcllit"C;~o da impnssibllldade do conhecimento do gozo do outro sexo. A 1l.~11</p><p>IlIlcr;IIKI,l dl·SS.1 lmpoasibllidnd« ~ parorida (,()1Il n ilpilrl'cillll'llto tI.1 psicuS(~</p><p>Pn-ud dil dI' Sdll'l'lll'l" (11)11 II'JlO!):</p><p>52 JANINE -PUGET & IsIDORO BERENSTEIN</p><p>Além disso, certa vez, já chegando a manhã, em um estado entre o dormir e</p><p>a vigília, tinha tido a representação da beleza que é, sem dúvida, ser uma mulher</p><p>submetida à cópula, uma representação que, se estivesse em plena consciência,</p><p>teria rechaçado com grande indignação.</p><p>Surge, no casal, a inclusão de partes do corpo de um em partes do corpo do</p><p>outro, com a permanência do produto em um deles, como função vinculada e</p><p>derivada da masculinidade e feminilidade. As três primeiras funções menciona-</p><p>das, no nível da representação vincular, apresentam ciclos de pequena duração,</p><p>sem uma ligação duradoura. Devem ser permanentemente renovadas e não</p><p>possuem, para os dois egos, na representação vincular, uma característica de</p><p>serem necessárias.</p><p>Funcionamento Quatro</p><p>Como a gestação é incorporada em apenas um dos corpos dos membros</p><p>da díade, há uma representação mental e vincular diferente em cada um dos</p><p>membros do casal.</p><p>As angústias ligadas à percepção dessa diferença radical são a princípio</p><p>negadas e tanto a mulher como o marido costumam falar no plural:</p><p>II engravidamos", "fomos ao obstetra", "tivemos o parto em tal data", etc. Talvez</p><p>possamos atribuir a essas formulações certas fantasias dos maridos, evocadas</p><p>.pelas acentuadas modificações corporais que ocorrem na gestação, baseadas na</p><p>vivência de perda do núcleo invariante sobre o qual foi fundada a escolha</p><p>objetal. O conteúdo da fantasia é o de que a mulher permanecerá ligada ao filho</p><p>com um corpo não mais reconhecível pelo marido e, complementarmente,</p><p>tampouco por ela, tomando-se necessário o olhar do homem para seu reconhe-</p><p>cimento. Dessa forma, aquele se instala e é situado em um lugar de exclusão de</p><p>um corpo alheio e desconhecido.</p><p>Isso faz com que se considere a possibilidade de conceber um narcisismo</p><p>do homem diferente do narcisismo da mulher, à medida que, assim como é</p><p>classicamente descrito, o segundo encontra sua realização no filho, como um</p><p>prolongamento do próprio corpo. A identificação do homem com a mulher</p><p>acha seu limite na diferença com um corpo, em parte não semantizável, que</p><p>O leva a refugiar-se no seu próprio, dessa forma acentuando a diferença de</p><p>sexos.</p><p>Outro problema é o que surge, quando queremos enfocar o significado da</p><p>procriação, ou seja, do filho. Sustentamos a idéia, também já mencionada por</p><p>Ll'vl-Stl'í1US!I (1958), de que um casal se torna inquestionável com</p><p>a presença do</p><p>Ilthu, 1111, dilo dc>outm forma, o advento do filho sela dcfinitívamente o casnl.</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 53</p><p>Sua representação mental, com o intercâmbio entre o feminino e o masculino,</p><p>fica marcada para sempre no corpo do filho. A representação de casal possui</p><p>uma relação de consolidação, no que se refere ao produto-filho. Desde o começo</p><p>da vida e desde as primeiras identificações, aquela vai se instalando como um</p><p>objeto amparador, oposto ao desamparo da criança, em quem é projetado o</p><p>próprio desamparo infantil. Logo depois, a representação de casal vai se</p><p>separando do significante (filho), revertendo sobre o próprio casal, com a</p><p>aquisição de um maior grau de complexidade.</p><p>Caberia indagar porque acon tece esse tipo de evolução'. Como explicação,</p><p>pode-se recorrer à convergência de dois 'modelos. Um, com base no modelo</p><p>biológico: a conservação da espécie "pediria ou clamaria" que o parentesco</p><p>também satisfizesse a transmissão da espécie. .</p><p>Por outro lado, está o modelo sociocultural, do qual uma das exigências,</p><p>no que diz respeito à estrutura do parentesco, seria a de sustentar, mediante O</p><p>intercâmbio de pessoas, a presença 'de filhos para combinar com as filhas</p><p>produzidas por outras famílias. O valor significa tivo de um filho ou de uma filha</p><p>está na exigência da cultura de sustentar esse intercâmbio de pessoas.</p><p>Com os quatro funcionamentos descritos, constrói-se uma representação</p><p>de corpo compartilhado ou 'de corpo de casal em estado permanente de</p><p>modificação, possível durante a vida vincular do casal. Estariam relacionadas</p><p>com o desejo em jogo e as' modificações dessa ;epresentação corporal, por</p><p>irrupções da realidade provenientes de fora e do corpo vincular ou do próprio</p><p>corpo biológico, como nos casos de enfermidade ou desgaste temporal ou .i\</p><p>possível morte de um dos integrantes do vínculo .</p><p>CORPO DE CASAL E CORPO ERÓGENO</p><p>Junto com o desejo, que se realiza nesta representação corporal, podemos</p><p>adicionar funções provenientes de valores referentes ao componente estético,</p><p>organizado através da polaridade beleza-fealdade. Como é bastante sabido, ,l'"</p><p>qualidades incluídas entre estas duas categorias variam e dependem da relaç;ltl</p><p>entre o ego e o ideal do ego.</p><p>Podemos formular a hipótese de um corpo vincular, a partir da vnlornçã, I</p><p>estética pertencente a ambos os sujeitos do casal, cujo ponto de partida (>.1 fW;.'IIl,</p><p>sobre a qual se sustenta o vínculo. Seus componentes eetéticos podi-m 1'Il'</p><p>orientar para o crescimento vincular, ou ser vividos como dono irn·p,,,,,ivt.:I,~</p><p>ofensa nnrcíststn, quando o corpo bíológlco de um (c não dos dois) dl)('iIlltlnlhm,.</p><p>tio vínculn fka danHk.Hln por 11mB It'H.1n trl\lIll\.Hk" ou IH'I" Iltribuiçrm de limA</p><p>54 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>vivência de ruína, de ferida narcisista pela passagem do tempo. Essa ofensa é</p><p>então vivida como uma destruição do corpo de casal e, por isso, de sua</p><p>representação mental e corporal.</p><p>Portanto, analisar a representação corporal vincular leva a considerar</p><p>necessidade e desejo, ternura e desejo genital, valores estéticos e sociais e seu</p><p>derivado, a função de procriação. Podemos encontrar significantes de todas</p><p>essas funções, em certos atos da vida diária dos casais.</p><p>Também cabe propor, para uma teoria psicanalítica de casal, a relação</p><p>entre a representação corporal do casal e as zonas erógenas. Estas são o</p><p>resultado de uma atividade vincular, sendo a zona erógena a parte do corpo</p><p>disposta biologicamente com mais o significado impresso pelo objeto, no</p><p>vínculo com ele. A zona erógena pode ser concebida como conservando uma</p><p>marca corporal de uma relação originária. Então, não chama a atenção que, com</p><p>o passar do tempo, funcionamentos tornados vinculares, como o comer',</p><p>voltem a seus foros antigos e novamente se "objetalizem".</p><p>Haveria duas linhas conceituais a serem seguidas quanto ao corpo do</p><p>casal. Uma delas é conhecida na literatura como o corpo erógeno. Compreende</p><p>o corpo simbolizado e simbolizante, podendo ampliar-se, nessa relação, até</p><p>incluir o corpo do casal. Outra, é a assinalada pela tensão ou conflito, provavel-</p><p>mente permanente, entre o corpo do casal e o corpo singular ou corpo de cada</p><p>um de seus componentes. Esta se apresenta, quando a alteração passa mais</p><p>perto do corpo biológico. Neste caso, modifica-se o significado do vínculo,</p><p>quando um dos dois componentes do casal adoece fisicamente, ou quando</p><p>ocorre algum acidente, ou se um dos dois adoece ou morre.</p><p>Estas últimas circunstâncias talvez determinem uma regressão ao funciona-</p><p>mento Dois e Um, onde a relação de casal está semantizada como sustentador-</p><p>sustentado ou como desamparado-amparador, primeiros modos de investir e</p><p>os últimos em desinvestir a diferença irredutível entre um corpo e o outro,</p><p>Tomar conta to com o limite inacessível do próprio corpo biológico pode levar</p><p>à solidão intolerável e à desestruturação da própria mente. É particularmente</p><p>doloroso que as vicissitudes passem pelo corpo de um e não pelo corpo de outro,</p><p>o que remete à zona incompartilhável, à solidão e à finitude. Como recurso</p><p>defensivo, surge o tomar de casal a relação.</p><p>Dado o nível de fusão, como assinalamos em outros pontos deste livro,</p><p>entre os dois egos em interação em um vínculo de casal, é possível supor que</p><p>O dano do corpo do outro seja vivido como se o próprio corpo estivesse</p><p>danificado. Por outro lado, a visão escópica faz com que o ego possa "se ver"</p><p>projetivamente no outro, instalando e registrando seus próprios danos corpo-</p><p>rais, ao" olhar-se" no espelho do outro, com o que o corpo danificado do ou tro</p><p>passa o ser o próprio corpo. Haveria então, por um lado, uma possível confusão,</p><p>n'Hult.lllll' d.1 tentativa de "tornar de casal" o dano corporal de um dos corpos,</p><p>mrnlspolllh'mln o nutro nível 00 aspecto mais primário do vínculo, originado</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 55</p><p>da construção desse-corpo vincular indissoluvelmente composto por represen</p><p>tacões contendo ambos os corpos.</p><p>Corpo vincular: papel da dor e do prazer</p><p>Cabe refletir mais a respeito do problema da dor e do prazer, ligado "</p><p>representação corporal de casal. Sendo a dor o resultado de uma excessiva</p><p>sobrecarga de estímulos provenientes da mente ou do corpo que chegam ~</p><p>mente, se postularmos uma representação vincular para o corpo, um primeiro</p><p>nível de dor provém de uma solução de continuidade registrada no corpo</p><p>chamado de casal. Sem dúvida, são propostos problemas teóricos, como Freud</p><p>(1895) também propôs, no Projeto, quando procurou diferençar dor de vivência</p><p>de dor. Sendo esta última um tipo de evocação, cujo registro se inscreve como</p><p>relação com um objeto gerador de dor.</p><p>Um nível de dor depende estritamente da corporalidade de um dos qlll'</p><p>formam o vínculo e no qual o outro apenas poderia acompanhá-lo COIllO</p><p>amparador ou como sustentação. Um ego sem dor acompanha a dor do outro</p><p>Isto remete a um limite impossível de semantizar.</p><p>Outro nível de dor seria o derivado de feridas no corpo do ,.'sal</p><p>Representemos para o casalo significado da morte de um filho, represcntunte</p><p>e sustentação da representação vincular. Produz-se o equivalente de uma</p><p>solução de continuidade, às vezes difícil de tolerar e, por isso, suscetível de ~crll r</p><p>conflitos e disputas, quando a perda é coberta narcisicamente, mediante 1\</p><p>tentativa de quantificar em qual dos dois dói mais, gerando uma diferença</p><p>espúria que evolui para censuras, com o que voltam restitutivamente "</p><p>indiscriminação. É o resultado de uma dificuldade em aceitar que a fl'ridtl é~III</p><p>corpo do casal.</p><p>A representação corporal do vínculo precisa conter, em algum momentn</p><p>a idéia da morte. Neste lugar, cabe indagar se a morte de um dos membroe "li</p><p>casal equivale à morte do vínculo. Ou seja, se o desaparecimento corporal d</p><p>um e não do outro pode ser representado como interrupção ou lllorlC,1~III</p><p>vínculo. O vínculo não morre junto com a morte física de um dos ll11'mb,·uII dtl</p><p>casal, e, durante um tempo, dependendo da significação do outro pttril o "Mil</p><p>ou do próprio vínculo, continua a ser mantida uma relação f.HltMi~llü,,,,~nt</p><p>quase corporal com o outro,</p><p>ou propõe mudanças de paraqigmas.</p><p>Para o primeiro, utilizamos a metáfora da fotografia, reproduzir J'm um</p><p>tamanho maior. Recordamos esse velho filme, Blow up. Um fotógrafo despre-</p><p>venido, ao ampliar suas fotos tomadas em um parque, "descobrirá", com o</p><p>aumento 'de tamanho, um objeto não visível, com o qual se iniciava a trama</p><p>policial. Ampliar um setor da teoria revela zonas ou áreas inexploradas.</p><p>Esperamos ter feito isso. Para a mudança de paradigma, supomos que o</p><p>acréscimo de hipóteses ou sua proliferação não podem ser infinitos, e que a</p><p>inclusão das representações sociais e sua validação científica levarão, a longo</p><p>prazo, a modificações importantes na teoria.</p><p>Este trabalho não é de psicanálise aplicada. Um limite preciso para</p><p>considerar a psicanálise é o dos pacientes: adulto, criança, casalou família e</p><p>grupo que falam ao analista, promovendo neste uma ação específica, a de</p><p>interpretar, constituindo-se em diálogo analítico. A psicanálise aplicada, por</p><p>exemplo, às obras de arte, quadros e conhecimento de seu autor, pela via das</p><p>biografias escritas e fixadas, a um livro ou a uma obra cinematográfica ou teatral,</p><p>é uma questão inteiramente diferente. O objeto ao qual se aplica não associa</p><p>livremente e não responde às interpretações, nem se modifica, por sua ação</p><p>terapêutica. Deste tipo de análise não é possível esperar ampliações da teoria,</p><p>senão confirmações.</p><p>Este livro resulta de um trabalho nosso de vários anos. Bastante rico,</p><p>abrange não apenas setores de nosso pensamento científico,' mas também</p><p>operou ao modo de uma (auto) análise de nossas próprias estruturas de casal...</p><p>e no conhecimento das outras, que nos ofereceram muitos exemplos da</p><p>psicopatologia da vida cotidiana.</p><p>Parece-nos ter ajudado a criar um espaço, onde se pode pensar psicana-</p><p>liticamente o vínculo de casal, e, portanto, aspectos da psicanálise. Continuare-</p><p>mos o fazendo, e esperamos que-sirva de estímulo para todos aqueles que</p><p>compartilham deste propósito.</p><p>Queremos agradecer a Alicia Montalbó, nossa secretária, que em todo</p><p>momento colaborou com inteligência e eficácia, para a realização deste livro.</p><p>Os autores</p><p>..</p><p>APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA</p><p>'"EUMA satisfação e uma honra apresentar esta primeira edição brasileira do</p><p>livro Psicanálise do Casal, de Ianine Puget e Isidoro Berenstein, que nos é</p><p>oferecido pela Editora Artes Médicas.</p><p>Os autores são psicanalistas argentinos, membros titulares da associação</p><p>Psicanalítica de Buenos Aires e da Associação Argentina de Psicoterapias</p><p>Psicanalíticas de Grupo. Berenstein é importante colaborador da Psicanálise</p><p>brasileira, através de sua função de coordenador do Comitê Patrocinador da</p><p>International Psychoanalytical Association para o Grupo de Estudos Psicanalí-</p><p>ticos de Pelotas, Rio Grande do Sul. São de sua autoria livros como Familia y</p><p>enfermedade mental (4/1991),Familia e inconsciente (c/outros, 1991),Psicoaná lisis de</p><p>la estruciura familiar (1981), Psicoanalizar una familia (19.90), entre outros</p><p>trabalhos.</p><p>Além deste livro, Puget tem publicados La relación con o otro pensado -</p><p>Entre la alucinacién y la relaci6n objetal (1982), Psicoanálisis eternizados - Una</p><p>contríouciôn ai concepto de impasse (1991), Violencia y espacios psíquicos (1988),</p><p>AlIalistã y paciente en mundos superpuestos (1982), Nuevas aportaciones ai</p><p>psicoant:flisis de pareja y de familia (c/Berenstein, 1989).</p><p>O titulo em espanhol, Psicoanálisis de la pareja matrimonial, nos trouxe o</p><p>problema' de realizar a tradução para o português sem romper com o rigor</p><p>metodológico da obra, que pretende caracterizar psicanaliticamente um tipo</p><p>xiii</p><p>xiv APRESENTAÇÃO À EDlçAoBRASILEIRA</p><p>específico de estrutura vincular: o vínculo do matrimônio. Em português não</p><p>ficaria bem o termo" casal matrimonial". Optamos, então, por titular o livro</p><p>como Psicanálise do Casal e, no conteúdo do mesmo, manter o termo "matrimo-</p><p>nial" entre parênteses sempre que se refira à aludida estrutura, metodologi-</p><p>camente determinada pelos autores.</p><p>O livro se insere, entre outros textos dos autores, na mesma linha de</p><p>pesquisa das estruturas vinculares inconscientes, que consideram amalgamadoras</p><p>do fenômeno psíquico grupal. Suas idéias são densas e possuem suficiente força</p><p>motriz para conduzir aqueles que com elas têm contato a sentirem necessidade</p><p>de refletir sobre as fronteiras habituais do conhecimento psicanalítico, ou seja,</p><p>mais além do vínculo dual, como o consideramos estabelecido entre dois</p><p>indivíduos (o analista e o paciente), na situação analítica. .</p><p>Esta ampliação do campo da psicanálise à família e ao casal, bem como</p><p>outros tipos de grupos, tem sido objeto de estudos e desenvolvimentos teóricos</p><p>por parte de muitos autores, sem chegar própriamente a sensibilizar a comu-</p><p>nidade psicanalítica, ainda mais voltada a desenvolver um modelo explicativo</p><p>aos complexos fenômenos que se observam na clínica psicanalítica tradicional.</p><p>Pensamos que existem várias razões para que a abordagem psicanalítica</p><p>aos grupos seja, amiúde, considerada uma espécie de "psicanálise aplicada",</p><p>como se fosse o caso de se dar uma interpretação psicanalítica de um quadro,</p><p>por exemplo. Uma delas parece consistir numa certa dificuldade em compre-</p><p>ender (ou aceitar) que uma maior consistência da base científica do método</p><p>psicanalítico - do seu estatuto - não poderá derivar do fato de que o mesmo</p><p>permaneça notada mente atrelado ao modelo histórico que o originou, mas sim</p><p>o contrário: que a possibilidade de apropriação explicativa das diversas mani-</p><p>festações do inconsciente, pelo método, é que o promove a mentor de uma</p><p>psicanálise legitimada. Este será o caso dos diversos tipos de vínculos inter-</p><p>pessoais observados à luz da psicanálise interpretativa (psicanálise aplicada), e</p><p>_ na clínica - da psicanálise que interpreta (através da ação do psicanalista),</p><p>inserindo-se e modificando o campo do fenômeno inconsciente vivo, como</p><p>requer o estatuto do método.</p><p>Os autores, ao apresentarem seu livro como Psicanálise do Casal- ao invés</p><p>de Psicoterapia do Casal - demonstram desejar dar clareza epistemológica à</p><p>inserção de sua obra. Sendo assim, o que nos parece importante destacar é que</p><p>os autores utilizam, rigorosamente, uma metodologia que tem como referência</p><p>os parâmetros psicanalíticos habituais, tais como a regr~ da abstinência, a</p><p>associação Oe "ídéias, o fenômeno inconsciente, bem como a interpretação</p><p>psicanalítica que buscaatransformação dos fêilÔmênoS1ilconscientes envolvi-</p><p>dos no vínculo. -</p><p>O tema específico do livro - o casal- refere-se a um tipo de estrutura</p><p>multlpoesoal que, por sua cstnbllidade c composição vincular mínima, perrnitu</p><p>11m 111.111'111.11'11d"'1ll1lll.lI)wntCl du!\ fl'nl'IIIlt'IlUS vlnculares 1\ observaçào PSll\'I\(I.</p><p>ArlUlSENTAÇÀO À EDIÇÃO BRASILEIRA</p><p>lltlca, Este passo é fundamental para facilitar o acesso do método a relações</p><p>grupais mais lábeis e mais abrangentes.</p><p>Os autores atendem às questões de ordem meta psicológica através do</p><p>desenvolvimento de idéias e conceitos que buscam suas articulações. A própria</p><p>noção de vínculo exige o aprofundamento da atenção ao objeto real externo de</p><p>um ponto de vista psicanalítico. Daí se desenvolve a concepção de setores</p><p>interacionais não-assimiláveis ao próprio Eu, como a noção de uma relação de</p><p>exterioridade e a definição de estrutura vincular inconsciente. Tais conceitos</p><p>implicam na necessidade de discriminar, dentro do aparelho psíquico.Iocaliza-</p><p>ções ou espaços que componham este mundo interfantasmático, espaços estes</p><p>chamados intra, inter e transubjetivos. As noções de Narcisismo. Complexo de</p><p>Édipo-e Transferência são também ampliadas pelos autores.</p><p>Com todos seus esforços e criatividade, Puget e Berenstein unem-se</p><p>àquele seleto grupo de pessoas que, por compreenderem e respeitarem os</p><p>limites do conhecimento psicanalítico atual, vão mais além e, assim sendo,</p><p>estimulam em nós - seus leitores - a necessidade de retomar a caminhada.</p><p>Damos boas-vindas à edição brasileira da Psicanálise do Casal através do</p><p>brasileiro Drummond, poeta do amor, poeta da "ilusão da complementariedade</p><p>perfella." :</p><p>~</p><p>Amiga, amada,</p><p>através de representações substitu tivilll,11IBM"" ""</p><p>cama ou na mesa, que podem ser ou não ocupados, como se o outro t'~llv~"1I1</p><p>provisória e não definitivamente ausente. Também ocorre qUl' l'SS" rl'pr",.\,,,</p><p>tação remeta, às vezes, aos períodos anteriores e não aos últírnos lllflln(inhli1 li.</p><p>vida de intercâmbio corporal.</p><p>A morte vincular ocorreria mais lentamente do que ti morte (í~I~1Iff,,1 dtl</p><p>corpo do outro, dt'pl'ndl'odo da é'ílp.lc1dodl· dOllgn dl' 1'llIllOfllr os ft'p,'(l8rnllm</p><p>56 JANTNE PUGET & ISIDORO BERENSTElN</p><p>tes, em seu corpo, do corpo do outro. Quando dizemos elaborar, equiparamo-</p><p>lo ao clássico na literatura psicanalítica, enquanto processo do luto. Supomos a</p><p>persistência de áreas de registros corporais importantes no vínculo matrimoni-</p><p>al, dos intercâmbios corporais que foram os do casal vivo. A teoria do luto</p><p>deveria ser ampliada com a inclusão da perda do objeto-vínculo de casal.</p><p>Quando-nos referimos ao parâmetro definitório do projeto vital compar-</p><p>tilhado, a presunção da morte atua de uma maneira particular no vínculo</p><p>matrimonial, podendo constituir-se no projeto final. Embora a morte possa ser</p><p>imaginada em qualquer relação estabelecida do ego com outro ou outros, nem</p><p>sempre é o único desenlace do vínculo. No casal (matrimonial), ao cabo da vida,</p><p>o fim previsível é a morte de um antes da do outro. É provável então que uma</p><p>grande parte da organização vincular e das ofensas narcisistas desencadeadas</p><p>pelo danos corporais do outro ego estejam ligadas diretamente com as angústias</p><p>de morte. O corpo é olhado como delator da morte esperada. Dito de outra</p><p>maneira, quando o olhar o corpo do outro reflui sobre o corpo vincular, do</p><p>ponto de vista da morte, os sinais corporais delatam manifestações da separação</p><p>de um ego em relação ao outro. Pelo contrário, quando se olha o corpo de uma</p><p>perspectiva erótica, coloca-se em jogo outra representação do corpo, ligada às</p><p>zonas erógenas, quando então adquire mais valor o componente estético.</p><p>Corpo vincular: vergonha, pudor e temor</p><p>Ocupamo-nos de diferentes representações da dor e de seu lugar na</p><p>representação corporal compartilhada. É importante também incluir o papel dos</p><p>sentimentos ligados a outras vivências corporais. Um deles está relacionado com</p><p>a vergonha, cujo referencial corporal está ligado à descoberta da sexualidade, da</p><p>diferença sexual e às primeiras etapas da instalação do recalcamento, sob o influxo</p><p>das pulsões anais. Dessa mesma fonte surge o sentimento de pudor, que também</p><p>possui um forte apoio corporal, podendo ser explicado da mesma forma que a</p><p>vergonha. O temor está ligado mais diretamente à vivência de castração.</p><p>A representação de ambos os corpos possui diferentes origens, desde a</p><p>atividade pulsional e as significações provenientes do mundo infantil até as</p><p>provenientes do marco sociocultural referente à sua inscrição inconsciente.</p><p>Ambas confluem nas zonas erógenas, no ponto de partida dos orifícios</p><p>corporais.</p><p>A ameaça de castração possui uma origem eminentemente cultural. Écom</p><p>base nela que a estrutura familiar adquire significação, delimitando o tabu do</p><p>incesto e as estruturas de intercâmbio mais distantes da natureza e mais</p><p>próximas da cultura. Também se poderiam supor, como ligados à ameaça de</p><p>l'llIitrilç.,o l' com uma dupla origem, pulsional e sociocultural, o pudor e a</p><p>vergonha. Classicamente, eles têm sido relacionados com a surpresa de tornar</p><p>PSICANALlSE DO CASAL 57</p><p>subitamente visível (no social) aquilo que deveria permanecer oculto. Estão</p><p>relacionados com a matéria fecal e com o descontrole súbito, ficando-se exposto</p><p>ao olhar brincalhão e severo dos demais. Outra determinação está relacionada</p><p>com o pôr em evidência a condição de desamparo.</p><p>Silvia Amati (1986) conceitua a vergonha como o sentimento e a emoção</p><p>provocados ao se safe de um estado de indiferenciação, ligando-os aos aspectos</p><p>ambíguos da personalidade. Segundá Bleger (1967), ela ocorre quando deter-</p><p>minado sujeito pode dar-se conta de que, por necessidade de sobrevivência ou</p><p>de adaptação, tolerou e adaptou-se a qualquer coisa. No mito do paraíso, essa</p><p>qualquer coisa seria a serpente, que teria adquirido outra significação no mito,</p><p>quando foi dado a ele uma elaboração vinculada à sexualidade e ao conheci-</p><p>mento. Na realidade, Eva se deixou tentar pelo primeiro que surgiu oferecendo-</p><p>lhe algo. Era um animal ou um aspecto não-hierarquizado ao qual poderíamos</p><p>atribuir qualquer coisa:</p><p>Na vivência do pudor e da vergonha, pode-se dar lugar ao rigor da</p><p>exigência da inscrição sociocultural, que imprimiria sobre a exigência pulsional</p><p>uma significação, mas onde se diferencia o par desnudado-coberto. No corpo,</p><p>a organização do proibido e permitido leva ao estabelecimento da idéia de uma</p><p>retórica do corpo infantil, que teria a ver com estipular as regras específicas,</p><p>segundo as quais cada ego transforma a zona corporal em zona erógena.</p><p>Até aqui, lidamos com dois significados supérpostos, mas diferentes:_ um</p><p>deles proveniente de conflitos infantis, conduz ao e deriva do complexo de</p><p>Édipo. O outro significado corresponde ao chamado sociocultural. Quando</p><p>ambos são concordantes, não produzem conflitos. Em caso contrário, ambas as</p><p>fontes podem transformar os significados em um par em conflito.</p><p>Sugerimos .díscriminar a semantização do bebê, a partir de significados</p><p>próprios dos objetos parentais com os próprios conflitos deles e outros, nos</p><p>quais o objeto parental é um porta-voz inconsciente, transmitindo, sem o saber,</p><p>um código de usos e costumes próprios da área sociocultural.</p><p>Dois exemplos</p><p>Queremos relatar dois curtos exemplos do prolífico capítulo da</p><p>psicopatologia da vida cotidiana dos casais, que ainda espera ser escrito. As duas</p><p>vinhetas serão mostradas dentro do contexto deste capítulo. Podem ser</p><p>ínclutdas outras perspectivas, como o diagrama do mundo interno, a partir das</p><p>representações do ego em relação com a espacialidade do vínculo ou ('001 hi\!lt'</p><p>nus fantasias inconscientes relativas à relação de perseguição com o seh)</p><p>envenenado, como se poderia pensar o segundo exemplo.</p><p>Além de serem situações prototípicas de quase todos os casais, também 6</p><p>mall'ri.11dl' nossos IMrI,'nh's, l'mbnr.\ o relato das mesmas nunca l'untcnhft U</p><p>58 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>mesmo significado. Porém, à maneira dos sonhos típicos, também são cenas</p><p>típicas da vida de casal.</p><p>O primeiro exemplo éo de um casal com discussões freqüentes e violentas,</p><p>acompanhadas de censuras, com um fundo ressentimento e alto tom emocio-</p><p>nal, pois um deles tinha o costume de andar descalço pela casa. Isso despertava</p><p>no outro integrante do casal uma irritação extrema, com sentimento de</p><p>vergonha e pudor diante de terceiros. Estava além de sua capacidade emocional</p><p>explicar o porquê. O que andava descalço tinha atribuído isso a uma atividade</p><p>infantil prazerosa, permitida e natural em seu contexto sociocultural. Por sua</p><p>vez, para o outro integrante, esse mesmo significante estava relacionado com</p><p>uma atividade proibida, convertida em desprazerosa, pois sempre significava</p><p>uma reprimenda, um castigo ou uma perda de amor por parte dos pais.</p><p>Gerava-se, na relação matrimonial, um mal-entendido, quando se opu-</p><p>nham com base na suposição de um único sentido como valor admitido. Sem</p><p>excluir o anterior, podemos atribuí-lo ao setor não-compartilhável de cada ego,</p><p>mais próximo das inscrições infantis referentes ao corpo e à própria maneira de</p><p>significar a linguagem corporal. Andar descalço ou a proibição de fazê-lo</p><p>implicava uma aproximação fantasiada de cada um dos egos com seus objetos</p><p>parentais, o que faz parte dos modelos identificatórios do ego infantil. Além</p><p>disso, os modelos socioculturais e o contrato narcisista sustentavam a organi-</p><p>zação do ego infantil, ou melhor dito, a inscrição desse sujeito social dentro de</p><p>uma determinada cultura. Em algumas comunidades primitivas, o andar</p><p>descalço se transforma em uma modalidade dessa cultura e aparece como um</p><p>modelo de funcionamento não-conflitivo. Podemos utilizá-lo como modelo,</p><p>estabelecendo, para cada ego, a pertença a uma certa comunidade</p><p>primitiva,</p><p>com uma atribuição peculiar de admitido ou excluído, que está incluída no</p><p>sociocultural permitido e proibido. Infringir esse código poderia ser comparável .</p><p>à ameaça de ser excluído da comunidade infantil familiar. Perdê-la é visto como</p><p>uma forma peculiar de anomia: não pertencer ao contexto social é significado</p><p>como o desamparo, em nível da constituição do ego e do comportamento social</p><p>de sua identidade.</p><p>No casal deste comentário, não sabiam que cada um transmitia normas</p><p>sociais vinculadas a determinadas crenças familiares compartilhadas, implican-</p><p>do uma teoria de adoecer. Um deles transmitia a seus filhos a idéia de andar</p><p>descalço como fonte de resfriados e de doença, enquanto que, para o outro, era</p><p>sinal de saúde. Essas diferentes teorias geravam freqüentes discussões e eram</p><p>tanto o conteúdo como o modelo dessa peculiar disfunção vincular.</p><p>Outro exemplo, característico de muitos casais, está relacionado com</p><p>outro aspecto do cotidiano: as normas higiênicas, do tipo dormir com janela</p><p>.)berta. Para um dos egos, era ventilação, respiração sadia, não entrar cm con ta to</p><p>com os própríos produtos corporais, vinculados a ambientes fechados c, para</p><p>II outro In"'gr."lh', ('T.) verdndelramonto uma ameaça, pelos elementos danl-</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 59</p><p>nhos do ar, os micróbios, mosquitos e bichos que poderiam penetrar e danificar</p><p>o ego, para o qual janela aberta era uma potencial fonte de enfermidades.</p><p>Portanto, podiam recorrer e assim o fizeram, a vários pactos, como forma de</p><p>conservar essas diferentes características e manter uma zona de vínculo de casal</p><p>ilusoriamente livre de conflitos. É interessante elucidar não só as vicissitudes da</p><p>constelação do mundo interno, de que estamos aqui nos ocupando, mas</p><p>também da existênda desses dois modelos, quando sustentam idéias contradi-</p><p>tórias a respeito das normas socioculturais. Apoiamos a idéia sustentada por</p><p>Lévi-Strauss (1983), quando faz uma definição ampliada do conceito de</p><p>endogamia e exogamia.</p><p>Endogamia, em sentido estrito, refere-se à união matrimonial dentro do</p><p>mesmo clã, grupo ou família, e exogamia à união com um representante do</p><p>outro dã, grupo ou família. Endogamia, em sentido amplo, incluiria não apenas</p><p>a própria família, mas também a classe social e até mesmo apróptia microcultura.</p><p>Nesse sentido, podemos utilizar esse conceito a respeito do par matrimonial,</p><p>sempre que nos indagamos se os casais matrimoniais constituem um modelo</p><p>próprio ou continuam funcionando, adaptando-se aos modelos infantis. Algo</p><p>assim como se os modelos do objeto-casal dos objetos parentais fossem os</p><p>mesmos que, como filhos, se sentem obrigados a obedecer. Neste caso, estamos</p><p>diante de uma definição ampliada de endogamia, salvando, na escolha objetal,</p><p>o mínimo de exogamia para continuar conservando o modelo infantil. Exogamia,</p><p>em sentido amplo, seria aquela na qual os modelos identificatórios infantis</p><p>foram, como resultado do intercâmbio, apropriados e transformados em outros,</p><p>que contêm uma nota de novidade para esse determinado casal. Por sua vez, .</p><p>também pode decorrer de uma mensagem transmitida à própria descendência,</p><p>a respeito do mérito de trocar o modelo do objeto-casal, como uma transmissão</p><p>geracional da exogamia ampliada.</p><p>A diferença de sexos</p><p>Até agora, tratamos do corpo vincular como representação, sem todavia</p><p>incluir uma especificidade a respeito da diferença sexual. Na literatura psicana-</p><p>lítica, em geral e sinteticamente, feminilidade está ligada à Interioridade</p><p>freqüentemente escondida ao olhar, e masculinidade à exterioridade visível,</p><p>Por exemplo, na perversão, no fetichismo, esse traço visível aparece como um.'</p><p>qualidade cuja principal característica, o fálico, não é apenas a dos efeitos de ter</p><p>e possuir O falo, mas de ser olhado. Por outro lado, desde Freud e ou tros "li tores,</p><p>a feminilidade está ligada ao secreto, misterioso, escondido, etc., c a masculiul-</p><p>dade ao visível, exterior e cognoscível. A construção mental da f"ntnsln</p><p>desenvolve a possibilidadv de ser do outro sexo, em forma pareia ou ihlHorln</p><p>mente Inl.,I. lim um trilb.llho anterlor (Bt'fl'nHh'!rI, Pugl'l l' Siquil'f, 1984),</p><p>60 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>tratamos do conhecimento possível e impossível ou dos limites do cognoscível</p><p>(mencionado no capítulo 2).</p><p>Retomando então essa linha de pensamento, diremos que tanto a mascu-</p><p>linidade como a feminilidade contêm um componente incognoscível e</p><p>incompartilhável, ligado à impossibilidade de semantização do prazer de um</p><p>corpo radicalmente diferente, e essa diferença pode se transformar em motor</p><p>da "maior complexificação vincular, ampliando o sentido da epistemofilia.</p><p>Quando existe uma orientação oposta, resultado da intolerância, transforma-se</p><p>em inibidor da ampliação vincular e seu complemento, a escoptofilia, ocupa o</p><p>primeiro lugar. Abrem-se então duas linhas divergentes, que podemos expres-</p><p>sar corno orientadas, uma para maiores níveis de estruturação, e outra para a</p><p>perversão e a transgressão. .</p><p>Para inscrever-se na estrutura familiar, obedecendo o mandato da</p><p>procriação, seria inerente ao caráter masculino poder delegar, no interior do</p><p>corpo feminino (portanto não tão temível) omandato da procriação expressado</p><p>simbolicamente, como a entrega de uma parte de seu corpo ao corpo da mulher,</p><p>tendo a seu cargo unicamente cuidar da continuação da espécie. Representa-</p><p>se no psiquismo, como realizar, enquanto casal (matrimonial) tornado parental,</p><p>o desejo do filho, depois de ter recebido notícias a respeito de ser um filho</p><p>desejado pelo casal de pais.</p><p>Quando damos como central, na definição de feminilidade, a qualidade</p><p>de interioridade, referimo-nos também à fantasia de um espaço dentro do qual</p><p>se alojam os bebês. Isso é fonte de angústias específicas no casal. Alguns de seus</p><p>correIa tos, como a mulher ter um interior ocupado por um objeto devorador e</p><p>despojador ou ser, por sua vez, um varão despojado de seus produtos, geram</p><p>uma das variantes nas perturbações do parâmetro das relações sexuais.</p><p>Quando ocorre o abortamento espontâneo ou provocado, fica expresso</p><p>um conflito matrimonial com esse tipo de interioridade danificada, equiparadà</p><p>a um lugar onde não podem morar os bebês, corpo incompartilhável e</p><p>desconhecido ou incognoscível da mulher, impossibilitando a delegação do</p><p>homem para a procriação. Nesse momento, é difícil para o casal discriminar se</p><p>o filho-projeto-perdido é dos dois, da mesma maneira, ou se é mais da mulher</p><p>que é quem o aloja, ou do homem que o delegou. Costumam surgir grandes</p><p>discussões, em torno desse tema, apoiadas na ocorrência de o dono do filho ser</p><p>aquele que o aloja. A perda é vivida, segundo nossa experiência clínica, com</p><p>maior sofrimento pela mulher cujo corpo o perde, do que pelo homem, que</p><p>apenas delegou à mulher a possibilidade de realizá-lo ou procriá-lo. Na</p><p>realidade, para ela, esse corpo, lugar do filho, é o incognoscível e incompartilhável</p><p>e sustenta a fantasia de ser a única dona desse filho passível de ser perdido,</p><p>fantasias sustentadas, ou pela negação, ou pelo fracasso, na possibilidade de ter</p><p>criado, 1\0 vínculo, um terceiro espaço, como lugar do filho, um espaço</p><p>('(1I11partllhndopara um produto compartilhado do casal. Misturam-se di fen-n</p><p>f'SI:CANÁLISE DO CASAL En</p><p>1~ISníveis, provenientes um, do envoltório narcisista, onde interioridade c bl'l1t'</p><p>formam uma unidade, fora da influência e do vínculo do casal, e outro,</p><p>problemátíco, ligado ao Édipo, com criação de um terceiro espaço, no qual ()</p><p>bebê, no interior do corpo da mãe, seria um produto tanto do homem como da</p><p>mulher.</p><p>Delimitam-se duas posições: uma quando o bebê é considerado como</p><p>mais próximo do biológico. Nesse sentido, é uma possessão da mamãe. Outra,</p><p>na qual o bebê é um significante, um nome a situar, gerado e desprendido da</p><p>representação de casal.</p><p>Fazendo uma síntese da constituição da representação corporal, à qual</p><p>nos dedicamos neste capítulo, teríamos urna primeira; à qual chamaríamos de</p><p>intra-subjetiva,' ligada diretamente ao auto-erotismo. Necessita uma permanen-</p><p>te confirmação da existência do si-próprio como corpo.</p><p>Esta representação</p><p>nunca chegaria a ser vincular e aludiria ao aspecto incompartilhável dcs corpos</p><p>ao qual nos referimos, enquanto femihilidade-masculinidade, como tendo uma</p><p>característica insemantizável na mente de cada sujeito. A tentativá de transfor-</p><p>mar o intra-subjetivo em vincular pode ser sustentada, em determinados</p><p>momentos, pela necessidade de negar a diferença de sexos.</p><p>Além disso, mencionou-se o corpo vincular como ligado às zonas</p><p>erógenas, começando pelas-zonas mais próximas ao contato direto, pele a</p><p>pele, sendo provavelmente este o mais primitivo ou mais próximo do instinto</p><p>de conservação e dos primeiros intercâmbios, pelo que poderíamos situá-lo</p><p>naquilo que chamamos de modelo amparo-desamparo, ligado à relação de</p><p>objeto único. .</p><p>Logo teríamos o corpo ligado à sexualidade, onde a diferença de sexos'</p><p>leva ao estabelecimento de .um modelo de complementaridade associado ,\</p><p>procriação, ou seja, à interioridade, disposta a ser ocupada pelo representante</p><p>do vínculo e do outro. Isso dá lugar a dois modelos: um, vincular incompartilhável,</p><p>e outro, vincular compartilhável. O primeiro é o ligado ao narcisismo, ao Objeto</p><p>Único, onde a mamãe e o bebê estão unidos em uma relação indissolúvel dual,</p><p>da qual está excluído o pai. Enquanto que o segundo modelo vincular, ligado</p><p>à procriação, explicaria esse terceiro espaço do qual falamos, e simbolizaria"</p><p>relação produto feminino-produto masculino, sendo o interior do corpo um</p><p>habitat dentro do qual se instala um "terceiro". representante do vínculo.</p><p>A RESPEITO DA REPRESENTATIVIDADE DO CORPO</p><p>T! precíso ind.\gul' ,) ros pe ito do estatuto teórico dos limites do simholill\VI"'1</p><p>t~, pnt'tllnto, d.' SI'" l'i'pl't~Sl'llt,ltlvldndt·, Cnnsid"I'I'lllOS, em prilllt'il'lI 11I~.u! rI</p><p>62 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>existência de um corpo real externo como um limite, comparável ao que, em</p><p>outras teorias, é definido como o componente mais primitivo e originário da</p><p>representação do corpo, por exemplo, o "ego pele" de Anzieu (1974).</p><p>Aúnica representação desse corpo real externo seria a de limite entre um</p><p>interior e um exterior e coincidiria com O ego real primitivo (Freud, 1915), do</p><p>qual se diz que seu funcionamento é inteiramente pulsional e autocrático,</p><p>sendo a única marca de objetividade para diferenciar um interior de um</p><p>exterior, na precária formação do aparelho psíquico, que transforma esse</p><p>mundo exterior em indiferente. Piera Aulagnier (1979) descreve o pictograma</p><p>originário, retendo um componente não-transformável em palavra, ou seja,</p><p>não-dizível, e, conseqüentemente, não-suscetível de se transformar em vincu-</p><p>lar. Seria o corpo que faz a identidade de cada sujeito, limite além do qual não</p><p>haveria significações. No outro extremo, figura o corpo simbólico, aquele</p><p>capaz de ser transformado em palavras, em comunicação, ou seja, o dizível,</p><p>e portanto, passível de ser vincular. Entre ambos, teríamos a representação do</p><p>corpo ligada diretamente ao valor do olhar, enquanto estruturante e vincular,</p><p>criando o espaço do fantasiar, tampouco transformável em palavras, não-</p><p>dizível, mas passível de olhar e ser olhado e de se converter em dizível.</p><p>Constituímos três espaços corporais, com diferentes regras de funcionamen-</p><p>to, permanentemente interagindo, ligados à vivência corporal. Vale a pena</p><p>discriminar, por sua vez, dois olhares: um conforma o ego, permite a</p><p>narcisização do corpo. O outro está relacionado com a polaridade ativo-</p><p>passivo, cujo nome é exibicionismo-voyeurismo, vinculado ao mecanismo da</p><p>projeção e adjudicação, com desconhecimento do outro, utilizando o olhar</p><p>como veículo de estados emocionais do próprio ego. O primeiro é um olhar</p><p>que completa narcisisticamente o ego, como algo necessário a este, como o</p><p>olhar da mãe, em seu papel de espelho, refletindo o olhar do ego. O segundo</p><p>papel do olhar, de caráter mais encobridor, inclui a negação da individualida-</p><p>de do outro.</p><p>Épossível estipular um olhar primeiro, ao qual podemos chamar de olhar</p><p>originário, que inicia a representatividade de um limite. Obedecendo ao modelo</p><p>de Freud do ego inicial primitivo, imprime a primeira marca diferenciadora de</p><p>dois espaços: exterior e interior. Tende apenas a sustentar e manter a noção de</p><p>limite, e sua falha está no germe dos funcionamentos psicóticos. À formulação</p><p>de Freud (1915) (diferencia desde o ego realidade inicial entre um exterior e um</p><p>Interior, através da musculatura), acrescentamos que, simultaneamente, é</p><p>objeto de um olhar que sublinha, delimita, marca e sustenta esse interior</p><p>diferente do exterior.</p><p>Outro olhar seria aquele que enche esse limite, criando uma interioridade,</p><p>ndequadu à identidade incipiente do sujeito, levando em conta seus desejos e</p><p>lwrn'p,(w'l. Se esse olhar funciona em excesso, apartir de um uso projetívo, gera</p><p>1111111 interlorldade duplicada daquele que olha.</p><p>PsrCANÁLIsEDO CASAL 63</p><p>O terceiro olhar seria o que estabelece superposições no limite, mediante</p><p>as quais o sujeito pode estabelecer vínculos de intercâmbio entre sua interioridade</p><p>e a dos outros sujeitos.</p><p>Resumindo, teríamos três olhares: um de sustentação, outro de construçãu</p><p>da interioridade e outro de construção dos ulnculoe de intercâmbio.</p><p>Falamos de um corpo real externo e de um corpo simbólico. Serão as duas</p><p>únicas categorias mediante as quais falaremos do corpo. A respeito do olhar,</p><p>consíderá-Io-emos como a maneira de construir, ou fazer a passagem de um</p><p>corpo real externo a um corpo simbólico, seguindo os três passos antes</p><p>mencionados. Também consideramos um resto, sempre um remanescente de</p><p>corpo não-acessível à transformação em interioridadee em vincular, e par" o</p><p>qual o olhar continuaria sendo apenas sustentação, pertencente ao mundo</p><p>indiferenciado de um corpo real externo não-dizível e não-vincular.</p><p>O corpo ao qual chamamos de real externo é o do limite, e o corpo</p><p>simbólico seria o do desejo do ilimitado, como se deseja a possibilidade de</p><p>representatividade do aparelho psíquico, mediante o fantasiar até o limite dado</p><p>pelo próprio corpo. Enquanto houver vida mental, em todo o momento ()</p><p>aparelho psíquico deve ser capaz de representar todos os diversos funciona-</p><p>mentos ligados ao corporal.</p><p>Encontrar-nos-emos, em diferentes momentos da vida, com um predomí-</p><p>nio de alguma das representações corporais. Em situações limites ou de grave</p><p>condição corporal, o ego pode experimentar uma perda da noção de limite, com</p><p>o surgimento da vivência do corpo fragmentado. Um paciente, em uma situaç.u I</p><p>limite, entre a vida e a morte, depois dessa experiência, recordou o momento</p><p>em que saía desse estado como se tivesse de rearmar um corpo a partir dos</p><p>pedaços fragmentados do mesmo. Lembrava ter tido a impressão de que, a cada</p><p>vez que alguém o tocava, ou estava em uma situação de dor ou de necessidade,</p><p>aparecia a representação do pedaço desse corpo ligado diretamente a eSSl'"</p><p>estímulos corporais. A isso chamou de corpo desarticulado ou fragmentado em</p><p>diversos pedaços, indagando se seria o equivalente físico da vivência de</p><p>loucura.</p><p>Nos diferentes enquadramentos de família ou de casal, o papel do olhar,</p><p>em suas três acepções, tem vigência particular. Quando os pacientes chegam ,'11</p><p>tratamento, encontramo-los com um excesso do olhar, aquele segundo o l)1I1I1</p><p>cada um dos componentes do vínculo tenta impor sua interioridade à do outro</p><p>Representa-se em frases tais como tens cara de...</p><p>Esse corpo-casal tem um limite representável como a pele do casal 0\1.1 pt!lt'</p><p>desse novo corpo, que o envolve e o contém. É percebido como um.i Iig.ldlll'il</p><p>ou um elemento dentro do qual estão cm algum tipo de Iusão. Seu eXn'sso I'0df'</p><p>tlt' configurar como \101<' pele-couraça aprisionadnra, levando ;, vlvêncln d"</p><p>uprlslouumvnt». ('OIl1 t.'lm. vlncula-se o apareclmento dt' 1l\,\ni(t.'flhlÇ(lclI de tipo</p><p>64 JANlNE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>psicótico, como sentimentos de perseguição, em um dos integrantes do vínculo,</p><p>produzidas diante das próprias manifestações corporais ou das do outro. Uma</p><p>defesa diante dessa angústia é a constituição de um funcionamento vincular de</p><p>tipo híperdiscriminação, como</p><p>vimos no capítulo 3.</p><p>Quando são revestidas de explicações auto-referenciais, surgem relatos de</p><p>dano, como se o outro tivesse feito algo no corpo do ego, e o resultado alarmante</p><p>afetasse a própria imagem. Essa vivência se apóia no fracasso da ilusão de</p><p>continuidade, com recusa do conhecimento da singularidade de cada um dos</p><p>corpos. Existe uma série de gestos e atitudes corporais registradas no casal como</p><p>estereótipos, tiques nos hábitos, no comer ou na modalidade de limpeza ou</p><p>preparativos para as relações sexuais, gerando um nível de confusão, quando</p><p>são registrados como pertencentes ao próprio limite corporal.</p><p>Manifestações próprias desse corpo-pele vincular e da ilusão de imobilizar</p><p>as modificações de cada ego, surgem nas vivências de envelhecimento, onde o</p><p>olhar reflexo do outro determina uma espécie de imobilização da idéia de um</p><p>transcurso temporal. A separação de um e outro faz com que o olhar recolha a</p><p>imagem do outro, mais como um referencial real externo, recompondo a noção</p><p>de tempo transcorrido. Acordos desse tipo possuem uma formulação na qual</p><p>poder-se-ia dizer que um ego se oferece para refletir o outro de uma maneira</p><p>semelhante. Também é possível significar, de forma harmônica ou persecutória,</p><p>a passagem do tempo, representado pelo aparecimento de rugas. Neste último</p><p>caso, o rosto do outro é como um espelho que reflete as fealdades vinculares,</p><p>o não-satisfatório e que, talvez, nunca seja satisfeito, definitivamente o não-</p><p>resolvido ou não-aceito.</p><p>Um acréscimo ao valor estruturante do olhar leva-nos a destacar sua</p><p>função permanente de penetração. É assim como se tomássemos o olhar, em seu</p><p>aspecto de espelho ou reflexo, ou refletir-se um no olhar do outro e o outro no</p><p>olhar de um, sendo capaz de despertar angústias específicas. Na vida dos casais,</p><p>certas situações vividas por um dos egos não são capazes de ser refletidas no</p><p>olhar do outro, sendo então vividas como perdas ou percepções perdidas,</p><p>quando o outro privilegiado, para o qual são dirigidas, não as recolhe. É comum</p><p>que os casais se queixem de não se sentirem registrados pelo outro, ou que o</p><p>outro não tenha se dado conta do estado de ânimo, ou da cara, ou do estado</p><p>emocional do primeiro.</p><p>Notas do capítulo 4</p><p>1. Sustentação: termo que descreve uma relação assimétrica entre um ego erigido em sustentador</p><p>Il um outro ego sustentado. "Sus" deriva de "sub", preposição inseparável, Indicadora de</p><p>poSIÇ."l equivalente a delJnlxo. A criança, em momentos de angústia ou de jogo a solicita, com</p><p>.1 f'''pn~'~,,(1, l'J11 nosso dialcto: "upa".</p><p>A tol.,,;.1II d,' Ru.h'nt,lç.ín (. su"ctfvel de ser erotlzada na relação de casal, por Isso "sustentado"</p><p>I'STCANÁUSE DO CASAL 65</p><p>sofre um deslocamento para "mantido/a", com seu complementar "mantenedor".</p><p>Em nosso meio, este último termo enfatiza uma relação contratual, na qual são intercambiados</p><p>objetos ou bens de consumo e relações sexuais. É urna modalidade do enquadramento de</p><p>amantes, ."</p><p>2. O termo "evolução" é utilizado como sucessivos passos lógicos, que dão uma maior complexí-</p><p>dade à passagem cronológica. Não deve ser entendido no sentido de uma psicologia evolutiva.</p><p>3. Lévi-Strauss (1949) descreve muito bem o circuito de intercâmbio do comer e do beber, como</p><p>atos conjuntos nos quais intervêm pelo menos dois, e no máximo até o limite estabelecido pelos</p><p>convites a compartilhar a comida e a bebida, em ocasiões especiais. Por outro lado, é conhecid ..</p><p>a dificuldade de fazê-lo sozinho, como acontece com as pessoas divorciadas ou viúvas, ou</p><p>ocasionalmente sozinhas, quando esses atos são desinvestidos, tornando-se apenas incorpora-</p><p>ções próximas ao biológico. Comer e beber sozinho seria como, e assim o expressam, uma perda</p><p>de sentido.</p><p>..</p><p>CAPÍTULO 5</p><p>oMal-Entendido no Casal'</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>EMTODO diálogo entre duas ou mais pessoas, os egos participam de um</p><p>complexo campo emocional, onde circulam atos da ITnguagem. Denomma-se</p><p>dessa forma a unidade mínima de intercâmbíô cõi'ili.micãfivoentre dois ou mais</p><p>seres humanos, mediante a qual é tran~~jtido um significado de uma pessoa</p><p>para outra, q:te se supõe compa~lo. Eum ato complexo, definido por vários</p><p>úwestigadores como equivalente à proposição de uma equação com incógnitas.</p><p>Dascal (1977), por exemplo, citando Davidson, refere-se à tarefa daquele que</p><p>escuta como sendo a de análise de uma equação de três variáveis, que devem</p><p>ser isoladas: em primeiro lugar, o fato de que, em um dado contexto, o</p><p>enunciado de um falante seja uma frase verdadeira; em segundo, quais são suas</p><p>crenças nesse contexto e, em terceiro, quais são, neste contexto, as interpreta-</p><p>ções atribuídas à frase. Só é possível inferir a terceira, isolando-se as duas outras</p><p>variáveis.</p><p>~l, qualquer ~ comuni~ativ~propõe ~a incógnita aQ.outro,</p><p>exigindo, portanto, descobri-la, isolá-la, para que se possa entender o que e</p><p>como cada um entende o que vem do outro.</p><p>Depois disso, irá devolver uma expressão contendo uma nova incógnita,</p><p>acrescentando um plus de sentido próprio. Dessa maneira, poderão ser feitas</p><p>inferências a respeito de como foi o processo de entendimento entre o ego e o</p><p>OL1 tro,</p><p>66</p><p>.PSICANÁLISE DO CASAL 67</p><p>A diferença, signo de alteridade entre o sentido emitido pelo ego e ()</p><p>atribuído pelo outro, no desenvolvimento precoce do sujeito, levou à simbolizaçAo</p><p>e à substituição paulatina da identificação projetiva pelo pensamento verbal. A</p><p>a~iração à igualdade de sentido possui uma clara origem narcisista.</p><p>O ato comunicativo é de enorme complexidade. Em todo diálogo, um dó"</p><p>egos, o falante, põe o outro em posição de escutar; quando, por sua vez, este se</p><p>converte em falante, o primeiro passa a ser seu ouvinte. Ambos devem,</p><p>necessariamente, formular hipóteses a respeito daquilo que o outro diz e/ou</p><p>quis dizer, com seus enunciados. A concordância nunca será completa. Só t;r.\O</p><p>possíveis aproximações sucessivas. As interpretações dos ditos e aquilo qUl' ~</p><p>interpretado dos mesmos podem expressar: a) o nível científico da mente,</p><p>quando esta permite sua refutação e novas formulações, aceitando seu caráter</p><p>sempre aproximativo; b) o nível religioso da mente, quando esta se apóia em</p><p>cortes baseados em verdades reveladas e dadas como fatos; c) o nível dn</p><p>funcionamento mental psicótíco, qúando as explicações e interpretações !Ião</p><p>tomadas mais como auto-referenciais, estando sujeitas à autoconvalidação</p><p>interna, sem verificação com os dados oferecidos pela realidade, definida .,</p><p>partir de um marco compartilhado e não apenas idiossincrásico.</p><p>Todo diálogo possui um enquadramento que estabelece um contexto, 1\11</p><p>qual, no melhor das hipóteses, funciona um código compartilhado, que sempn-</p><p>poderá deixar de sê-lo.</p><p>O entendimento é incompleto, exigindo ajustes de acordo com o uso da</p><p>linguagem verbal. Com a evolução de urna relação, ou em um vínculo mais</p><p>adulto ou com menor interferência de aspectos infantis, na melhor ~rt8</p><p>hipóteses, os egos se fazem entender cada vez mais. Ocorre algo semelhante</p><p>no diálogo terapêutico, para o qual utilizamos, muitas vezes, como modelo,</p><p>a relação matrimonial, além do modelo da relação .mâe-filho, Para um</p><p>terapeuta, não entender gera várias reações contratransferenciais, principal</p><p>mente a de um mal-estar vinculado à solidão, diante de um setor da mente ,</p><p>do paciente não-compartilhável, mas passível de sê-lo. A intolerância à solidào</p><p>pode levá-lo a recorrer a um pseudo-entendimento, geralmente expressado</p><p>em interpretações em clichê.</p><p>O mesmo ocorre nos casais. Às vezes, seus integrantes falam e, natural</p><p>mente, um deles entende algo diferente do dito pelo outro. Em certos r.\~"itl,</p><p>essa situação provoca üma enorme irritãÇão e mal-estar, pois haveria II</p><p>pressuposto de que um e outro deveriam significar da mesma forma ti</p><p>palavras trocadas. Geralmente, a isso se segue uma discussão e UIl"I di'</p><p>formas de interrompê-la é dizer que houve um mal-entendido. Cildn um</p><p>continua dizendo que tem razão e que é o outro que está equivocado. À !'iV(':f,{</p><p>chama-se a isso de deaacordo, fenômeno diferente, mos angustluntu, polI' o</p><p>mul-entendído contém .1 IhtSiio de que o outro il'~, Iutununvute,</p><p>entend ..r</p><p>IWI1l.</p><p>68 JANINE PUGET '& ISIDORO BERENSTEIN</p><p>omal-entendido é uma disfunção do processo de comunicação, apoiado</p><p>na ilusão de entendimento. É uma divergência de interpretação entre duas</p><p>pessoas que acreditam compartilhar significados e sentidos.</p><p>Às vezes, os casais geram um diálogo repetitivo, muitas vezes com</p><p>censuras manifestas ou veladas, com frases feitas, de tipo aviso publicitário,</p><p>mais capazes de induzir convicção no outro do que de reformular a base do mal-</p><p>estar. O mal-entendido gera uma vivência que pode ser de um grau mais leve,</p><p>registrada como desilusão, até os casos mais virulentos, corno uma vivência de</p><p>dano mental, devido ao aparecimento de impulsos violentos, vividos como um</p><p>ataque ao próprio pensamento.</p><p>O ego precisa tolerar a frustração e mal-estar por não ser entendido</p><p>totalmente, por não poder compartilhar as imagens internas, que não podem</p><p>ser transmitidas tal e qual, mas apenas por sucessivas aproximações. Da mesma</p><p>forma, o psicanalista entenderá o sonho de seu paciente, através de seu relato</p><p>verbal, e o paciente aceitará utilizar palavras para se fazer entender, apesar da</p><p>desilusão, porque o terapeuta não pode ver o sonho que ele está transmitindo.</p><p>O cônjuge se aproxima daquilo que é relatado, por meio das palavras com</p><p>as quais é transmitido.</p><p>O ato comunicativo é a menor unidade de intercâmbio emocional e de</p><p>linguagem entre dois seres humanos, por meio do qual são dados a conhecer</p><p>os significados e os sentidos próprios de seus estados mentais, Os significados</p><p>podem ser transmitidos de várias maneiras: pelos movimentos corporais,</p><p>olhares, odores, etc., mas o veículo mais adequado e propriamente humano são</p><p>as palavras. A linguagem popular se refere a essa característica, quando diz de</p><p>um cão ou de um gato ou outro animal: "ê como se falasse", De uma obra de</p><p>arte que nos impressiona, diz-se: "só falta falar".</p><p>Não usar as palavras apropriadas leva a não ser-se entendido, mas usá-las</p><p>não é uma garantia de sê-lo.</p><p>Em um ato da linguagem, o ego deve estar em condições de oferecer</p><p>indícios que permitam ao outro explicar o que, o como, o porquê e indicar o para</p><p>que da mensagem do ego, e este fará o mesmo com a mensagem do outro, Para</p><p>tanto, irá utilizar várias regras que tornam possível a compreensão.</p><p>Intercambiar um significado pressupõe compartilhar um código, Signifi-</p><p>ca, também, cumprir uma ou todas as funções da linguagem, quanto à função</p><p>expressiva ou sintônica, estimulante ou de sinal, descritiva e argumentativa,</p><p>representando diferentes níveis de complexidade (Bühler, 1918, modificado por</p><p>Popper, 1968).</p><p>O ato comunicativo é veiculado através da linguagem falada, sendo</p><p>sempre precedido ou acompanhado pela Mnguagem gestual, de acordo ou não</p><p>mm JS palavras. O outro percebe e atribui o significado mais aproximado c,</p><p>d('poill,.1U devolver o entendido, dá conta de sua alteridade. A série de corn'çCll's</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 69</p><p>alternativas de um e outro, oferecidas à transmissão de significados, possibilita</p><p>o diálogo.</p><p>É possível estabelecer os seguintes postulados: 1) entre duas pessoas</p><p>colocadas em contato mental e emocional, não pode deixar de existir comuni-</p><p>cação; 2) um não se comunica com todos, mas somente com alguns; nem todos,</p><p>mas apenas alguns, se comunicam com um; 3) todo ato comunicativo exige um</p><p>contexto que define e é definido por um conjunto de regras de sentido, a serem</p><p>compartilhadas; 4) algumas regras são negociáveis e outras não; estas últimas</p><p>definem a posição da identidade de cada participante no ato comunicativo,</p><p>assegurando um lugar ao singular e não-compartilhável de cada ser humano,</p><p>Ao postulado 1, segundo o qual é impossível não se comunicar, acrescen-</p><p>taremos, no entanto, a possibilidade de comunicar algo de uma maneira</p><p>diferente daquilo a que conscientemente se propõe.</p><p>Essa modificação faz com que f>eaplique a teoria dos níveis lógicos de</p><p>Russell à concepção psicanalítica de inconsciente, considerado diferente de pré-</p><p>consciente.</p><p>O ser humano vive em um mundo no qual recebe e emite linguagem e sua</p><p>comunicação como emissor cria um receptor de significados. É um ato incom-</p><p>pleto e ambíguo por definição, estimulando o desejo de completar e esclarecer</p><p>Do ponto de vista psicanalítico, podemos derivar essa peculiaridade da postulação</p><p>do desamparo originário, pela qual o recém-nascido é suprido e completado</p><p>provisoriamente, mediante 'o amparo parental: série de atos de atribuição C</p><p>adjudicação de significados e de atos apropriados para a subsistência corporal</p><p>e emocional.</p><p>O ato comunicativo sempre inclui uma interpretação e, a partir dela,</p><p>inferimos uma busca permanente de elementos faltantes, certos indícios que</p><p>adquirem valores diferentes, em cada contexto.</p><p>Em algumas circunstâncias, sendo estas que nos interessam neste momen</p><p>to, são produzidas alterações do vínculo emocional e comunicativo, com ,I</p><p>seleção de uma interpretação incorre ta, tanto por não-conhecimento, O li \1('</p><p>implicaria não oferecer indícios ou não poder detectá-los, quanto por HIlM</p><p>interpretação incorreta por desconhecimento, baseado no rechaço de um conhe-</p><p>cimento doloroso ou persecutório para o ego. O diálogo dá lugar a uma série</p><p>de dois monólogos, acreditando-se, às vezes com convicção, que se trata de um</p><p>diálogo. Um mesmo signo adquire semantizações e implicações diferentes l! Il</p><p>rechaço da diferença é substituído por uma explicação falseada em algum di:</p><p>seus componentes, sem o que ambas as partes - o ego e o outro -- podem dar</p><p>se conta da relevância do erro ou do equívoco. São interrompidas OH fl'l',J'ilfI</p><p>habituais da relação entre a linguagem e os estados mentais correspondentes</p><p>Snbjazern à intervenção do princípio de realidade os desejos im"onc;l'Íl'llh!f!</p><p>uma rvlnçáo mino " de Objl'to imilgilh\do (Puget, (982). Quondo l'-;S.I I'l'lnçi\(I</p><p>pl~l'dlll',I,,, 111111'.(1pl'.lIlll" prodll/,it!(llIllllll.II 1'~liln"~11111,1 qll.t1ld,llli'parlil'lIlil1</p><p>70 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>derivado de uma vivência de solidão (Puget e Wender, 1987), registrada como</p><p>uma gama que vai desde um sentimento de estranheza, desconcerto, a um</p><p>ataque à estabilidade mental, agressão e violência. Com freqüência, esses</p><p>sentimentos são manejados por meio de diversas modalidades de projeção. A</p><p>confusão, que resulta dessa invasão projetiva, tem como efeito mental não se</p><p>poder identificar a origem do mal-estar.</p><p>Esse mal-estar é atribuído a uma relação por parte do outro, de quem o ego</p><p>.esperava determinadaresposta. O não recebê-la é vivido como uma agressão.</p><p>Delirantemente, poderá operar a partir da convicção de não ter recebido os</p><p>indícios pertinentes. A relação com o outro pensado não é interrompida pela</p><p>presença do outro real.</p><p>Produz-se um deslizamento sutil de uma relação objetal objetiva para</p><p>uma relação indiscriminada, anulando-se o objeto como entidade diferente,</p><p>baseado tanto na necessidade de receber determinado conhecimento, como na</p><p>satisfação de determinado desejo e na busca de verificação da própria capaci-</p><p>dade de predição.</p><p>Uma primeira distinção é a constituída pelo mal-entendido por omissão</p><p>ou falta e o mal-entendido por excesso. Um exemplo do primeiro é o que</p><p>acontece em algumas relações erotizadas, quando um de seus integrantes, sem</p><p>o saber, desenvolve uma conduta sedutora, que depois desconhece, porque o</p><p>outro responde por meio de uma aproximação sexual. Falta a esse ato comuni-</p><p>cativo a possibilidade de se pôr no lugar do outro, para imaginar ou pensar</p><p>como reagiria (a incógnita) ante uma atitude corporal de oferecimento como</p><p>fonte de prazer e uma atitude verbal indicativa de um desejo de aproximação</p><p>erótica, rechaçado em simesmo, associado a uma falta de registro desses índices</p><p>por parte do ego, devido à inibição genital.</p><p>O mal-entendido por excesso de significação ou sobre-significação ocorre</p><p>nas relações de tipo paranóico, baseadas em uma cosmovisão derivada de</p><p>suspeitas crónicas e secretas a respeito das intenções dos demais, cuja</p><p>projeção nos outros faz supor que nunca se daráo totalmente a conhecer. Existe</p><p>uma base de verdade nesse tipo de raciocínio,</p><p>que consiste em que todo ato</p><p>comunicativo possui urna incógnita ou uma falta a ser descoberta pelo outro.</p><p>Esses dois modelos de mal-entendidos - por carência ou por excesso - serão</p><p>desenvolvidos com maior precisão ao longo deste capítulo.</p><p>No enquadramento psicanalítico bipessoal ou tripessoal de casal, é o</p><p>terapeuta que procura outorgar outra significação ao conteúdo manifesto do</p><p>paciente individual ou casal. Estes podem entender ou mal-entender o sentido</p><p>da interpretação, caso em que serão fornecidos importantes indicadores a</p><p>respeito do estado mental e vincular de cada um; somente a não-aceitação da</p><p>autonomia do outro levaria a imaginar um mundo vincular sem elementos</p><p>fnltflnlt'A. Podemos dizer que toda comunicação converte o contato entre duns</p><p>011 Illuh; tlll'llk!l cm lIllla permanente busca de elementos faltantes, vm 1I1ll,\</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 71</p><p>sequência de conta tos e de alteração dos conta tos, seguida por um novo contato</p><p>que nunca é completo e permanente. Se o ato fosse completo '(aspiração</p><p>narcisista) caberia apenas repeti-lo, não passando pela incerteza e dor de aceitar</p><p>o elemento faltante.</p><p>o MAL-ENTENDIDO E O "OBJHIO ÚNICO"</p><p>Uma maneira de caracterizar o mal-entendido é postular um vínculo</p><p>intrapsíquico particular, baseado em uma relação 'Originária do ego primitivo</p><p>(bebê) com o outro externo, no qual ambos sustentam a ilusão de ser para o ou tro</p><p>e de possuir um Objeto Único (capítulo 8).</p><p>A permanência desse tipo de vínculo, com o predomínio de.uma ou várias</p><p>de suas funções, torna possível a constituição e instalação de um monólogo</p><p>in trapsíquico que parasita o diálogo do casal, como surge na sessáo. Em algumas</p><p>ocasiões, quando aparece no campo analítico, indica uma perturbação do</p><p>analista, à qual Wender e Puget (1982) conceituaram como sendo a existência</p><p>de mundos superpostos, devidos à permanência desse funcionamento narcisis</p><p>ta. Voltaremos a isso mais adiante. Quando isso acontece na vida cotidiana, cm</p><p>relações estáveis como a matrimonial, o mal-entendido se estabiliza com o</p><p>objeto projetado no casal. Existem certos tipos de pacientes especializados 1'11\</p><p>gerar mal-entendidos.</p><p>o MAL-ENTENDIDO COMO</p><p>TRANSTORNO DA EXPLICAÇÃO</p><p>A teoria da explicação fornece uma valiosa contribuição à sistematização</p><p>do fenômeno da compreensão. Nesse contexto, tomaremos o conceito de</p><p>explicação como equivalente ao de interpretação consciente ou inccnscicntv ri</p><p>ser realizada pelo receptor, quando lhe é emitida uma mensagem verbal ou 111'1:</p><p>verbal. Por esse motivo, muitas referências pertencem à sessão PSiccllluHtkil</p><p>individual. A interpretação teórica psicanalítica (Klimovsky, G., 1983) (Onh"1I1</p><p>questões atinentes à explicação, à semiótica e à teoria da ação, constituíudo ln</p><p>vórtices. A partir de cada um deles, utilizam-se regras mediante .HI (111,,18 lil_'</p><p>relacionam conteúdo manifesto e latente, signíflcantc e tlignifll ..,dll, C,HH;:! I'</p><p>.. {pito. Pnm intl·!'!'I'I'I.u', (I fll1nllllhl irá M' situur vm um CHIoutro v,'rtin', (:Iilhllrl'</p><p>l'lId" 11m tll'h'ii 1'1:;!t'", lntilll,1I1H'ntl' vlnculndo ,101'1tllllroll.</p><p>72 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>Acreditamos ser lícito homologar, em alguns dos aspectos, a interpretação</p><p>do paciente como científica, no conteúdo manifesto de uma sessão, quando este</p><p>internaliza a função psicanalítica. Consideramos que, nesse processo, o paciente</p><p>pode chegar pelo menos ao nível de generalização empírica.</p><p>Para nosso estudo do mal-entendido, levaremos em conta, no vértice da</p><p>explicação, as descritivas e causais; no vértice serniótico, ocupar-nos-emos</p><p>apenas de um aspecto semântico, deixando para outro item os aspectos</p><p>-Iingüístícos: e, no vértice da ação, as explicações funcionais e teleológicas, bem</p><p>como as por razões. e motivos.</p><p>Consideramos o analista como detector e esclarecedor de disfunções na</p><p>compreensão, e o mal-entendido como uma das possíveis alterações. Alguns</p><p>pacientes apresentam uma condição especial, segundo a qual são criadores de</p><p>mal-entendidos. Dão-se conta disso quando já é tarde, não se dão conta do que</p><p>aconteceu entre ele e o outro, relatam situações imaginadas com seus persona-</p><p>gens internos, onde são gerados enredos, ou são surpreendidos por condutas</p><p>consideradas inoportunas, desatinadas, sem se sentirem como sendo os</p><p>determinantes das mesmas. Sentem o mal-estar mental e o atribuem à incom-</p><p>preensão dos outros. Na transferência, apresentam uma maneira particular de</p><p>expor seus problemas, que afeta o analista, podendo este, por exemplo, querer</p><p>completar ou indagar a respeito de mais dados sobre o conteúdo manifesto,</p><p>como se sempre faltasse alguma coisa. Em outros casos, poderá fazer interpre-</p><p>tações a partir do vértice semiótico, quando deveria produzi-las a partir do</p><p>vértice explicativo ou de ação.</p><p>Cada tipo de explicação, utilizado pelo ego para interpretar o outro, ou do</p><p>ego para se fazer entender pelo outro, é suscetível de gerar mal-entendidos com</p><p>vários graus de complexidade e de estatuto lógico.</p><p>A explicação descritiva</p><p>É a de menor complexidade. Descrever consiste em assinalar aspectos</p><p>reconhecidos ou signos característicos das coisas, e é equivalente a se manter no</p><p>mesmo nível proposicional do objeto de descrição. Esse tipo de explicação</p><p>responde ao quê. Sendo um recorte particular circunstancial, feito por um ou</p><p>outro membro do casal, das próprias circunstâncias, é uma explicação informa-</p><p>tiva. Na relação terapêutica, analista e paciente também produzem explica-</p><p>ções. Isso corresponde ao que Bühler (1918) chama de função descritiva da</p><p>linguagem e inclui as (unções expressiva, simbólica e estimuladora ou de sinal,</p><p>necessárias para que uma descrição se constitua em um ato de linguagem.</p><p>A explicação descritiva é aquela mediante a qual o ego informa o outro</p><p>I!ohrt· MOI! relevantes de seu estado mental e vincular, com a expectativa de qUL'</p><p>I) 01111'11 dl'til'lt' escutor, estabelecendo as devidas correlações. Espera-ae qUI' o</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 73</p><p>outro entenda a sintaxe, segundo a qual um ego ordena fatos e eventos com Sl'U~</p><p>sentimentos e emoções particulares. No enquadramento matrimonial, issu é</p><p>feito, pelos casais, através de relatos anedóticos de cada um daquilo qUl' foi</p><p>realizado em ausência do outro. É uma primeira aproximação, para dar conta</p><p>do estado vincular, apoiando-se na expectativa de reciprocidade ("cont()·ll~ (I</p><p>que fiz em tua ausência e eu escuto teu relato do que fizeste na minha") ou d(:</p><p>um dos dois egos implementar alguma ação específica para determinado tipo</p><p>de mal-estar do outro. Uma primeira ação é a do reconhecimento, isto é, voltar</p><p>a conhecer, a partir do outro, confirmando a veracidade do vínculo.</p><p>A explicação descritiva se baseia em subentendidos, teorias anterion-s</p><p>compartilhadas, com as quais o relato começa a adquirir significação. 011</p><p>s~bentendidos são a base para se transformarem em, mal-entendidos, pois</p><p>alimentam a presunção de contar com um Objeto Unico, como foi visto</p><p>anteriormente.</p><p>O desejo do ego se transformá em desejo de ser escutado, adivinhado,</p><p>captado, interpretado ou entendido. O destino da descrição irá depender do</p><p>enquadramento, exigindo reciprocidade.</p><p>Quando se trata do contexto mental e emocional de um vínculo narcisista,</p><p>o ego, em uma reedição de sua dupla condição de desamparado e inernu-,</p><p>espera do outro a função de assistente. Deveria indicar, adivinhar, antecipar ou</p><p>realizar uma ação específica. Quando se trata de ulp contexto de funcionamento</p><p>discriminado, o outro poderá adequar sua resposta sem obrigatoriedade ou,</p><p>quando necessário, inquirir mais dados. Esse tipo de explicação e o funcion.r-</p><p>menta que determina é o que classificamos como o mais elementar c, ,\.\0</p><p>obstante, necessário, primeiro passo para não produzir um mal-entendido.</p><p>Uma descrição sempre inclui um ponto de vista com um matiz particular,</p><p>obrigando a deixar de lado o pressuposto de entendimento. O outro deve iAOI,u</p><p>o contexto do ego, o quê da descrição, assim como sua significação.</p><p>No enquadramento analítico, quando o analista indaga a respeito do '/""</p><p>diz o paciente, deseja evitar o pressuposto de entendimento,</p><p>que estimula ii</p><p>criação de um vínculo oniscíente, risco a que está exposto, quando se instala U'"</p><p>funcionamento psicótico.</p><p>Uma descrição pobre em pormenores perturba a possibilidade di' !'te,</p><p>escutado, em conseqüência de uma falha do falante. Por exemplo, os p,H'il'nle</p><p>com traços fóbicos podem, sistematicamente, esquecer passos da dt':,rri~.\tJJ</p><p>considerando como subentendidos os elementos faltantes. Um dv nOSSt)</p><p>pacientes, com imensa angústia e vergonha diante de sua solidou ubjl'I.II,</p><p>omitia-se de fornecer certos dados de seu contexto vital. Em sua vida di' rt'I,I\.'O,</p><p>tinha o hábito de não responder às chamadas telcfõnicas, pois, segundo di1ln.</p><p>eram uma intrusão. Depois indagava, com ressentimento, porque nlflgll6rn "'</p><p>i"h'rt'ssi\V,1 por ele. Costumava descrever o si mesmo como muiltllll~lIp;Idl1 ~</p><p>dl'POI';, !lt'tllt,I·HI'.II>.lllllllll,lllo por tndns. Sl'lll Silh" r como, illon,l,lV.1 1111;1t!tllld~1I</p><p>74 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTElN</p><p>nos outros. Do ponto de vista aqui utilizado, podemos dizer que esse paciente</p><p>sustentava um mal-entendido intrapsíquico, manifestado como uma pertur-</p><p>bação da explicação descritiva. Sua forma de descrever não refletia seu</p><p>contexto, e estava a serviço de uma projeção de um objeto invasor em um</p><p>aspecto de sua personalidade, com características abandonantes. Na transfe- _</p><p>rência, censurava seu analista de não conseguir descobrir as causas de sua</p><p>- solidão. Falava com frases curtas, tão significativas para ele, que não valia a</p><p>pena explicá-las. O analista se transformava, segundo as palavras do paciente,</p><p>em um "infradotado", "pesado", sempre exigindo mais dados. Efetivamente,</p><p>mutilava o próprio discurso e, com isso, aumentava a sua impotência e solidão</p><p>mental e vincular.</p><p>Uma explicação com excesso de pormenores, como costumam fazer os</p><p>pacientes com traços obsessivos, produz uma perturbação no efeito de sentido.</p><p>São os ramos que ocultam o bosque. Podem produzir confusão e, às vezes,</p><p>desinteresse.</p><p>A explicação descritiva, em um contexto científico, possibilita o enunciado</p><p>de dados, como uma base para empreender os passos seguintes. A relação</p><p>analítica, pensada de acordo com o modelo do casal (matrimonial), no que se</p><p>refere à cotidianidade, dependência afetiva e, em alguns aspectos, intercâmbio</p><p>econômíco, permite supor que a convivência analítica dê como subentendidos</p><p>certos dados necessários à descrição. No paciente, o subentendido se refere às</p><p>fantasias vinculadas com seu registro mental, bem como com sua relação com</p><p>o terapeuta. Baseado em suas próprias teorias não-analisadas anteriores, pode</p><p>mal-entender sua significação. Algo semelhante pode ocorrer com o analista,</p><p>quando se sente tentado a deixar de lado traços repetidos, ritualizados do</p><p>contato com o paciente, dando-os por conhecidos. Passaria por alto que cada</p><p>atraso, cada peculiaridade de um conflito aparentemente repetido, precisaria de</p><p>sua própria explicação descritiva.</p><p>As explicações estatísticas indutivas</p><p>É uma denominação criada por Klimovsky (1983). São as explicações feitas</p><p>a posteriori, aquelas que, em ciência, levam a indagar por que tal doente se curou,</p><p>obedecendo a leis estatísticas com alto grau de probabilidade. Nelas não existe</p><p>dedução, mas inferência, baseada em uma lei estatística. É um modelo também</p><p>utilizado nas sessões psicanalíticas, para explicar um processo e um modo de</p><p>funcionamento. Existem pacientes que mal-entendem a singularidade explicativa,</p><p>considerando-se parte de uma estatística. O não-discernimento de cada contex-</p><p>to costuma ocorrer nas esquízoidlas e em pacientes com dificuldade de</p><p>díscrlmlnação. Esse tipo de explicação é utilizado para explicar "a posteríorí"</p><p>n~rtll!lI'IIIl\portllllwnt()S, a partir de uma tendência à gencralízação, baseada nu</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 111</p><p>indiscriminação. Possuem o mesmo substrato as interpretações feitas pelo</p><p>analista de uma forma descontextualizada, quando inclui, em um caso singular,</p><p>uma generalização, produzindo, dessa forma, interpretações em clichê. O</p><p>paciente as vive como uma falta de compreensão.</p><p>Quando os pacientes utilizam um pensamento supostamente estatístico,</p><p>e mal-entendem a operacionalidade dessa modalidade explicativa, desvalorl</p><p>zam seu mal-estar porque, como se diz, isso ocorre com todos.</p><p>Nos casais, esse tipo de explicações leva a fazer certas generalizaçõea</p><p>baseadas em uma estatística peculiar, fornecida pelos comportamentos I'</p><p>conhecidos.</p><p>A explicação causal</p><p>Procura descobrir o porquê de uma mensagem. Em ciências naturais, ~ n</p><p>explicação por excelência. Um de seus modelos é a explicação nomológics</p><p>dedutiva, desenvolvida por Popper, Hempel e Nagel. Nela, dispõe-se de um"</p><p>hipótese, deduzindo-se a relação entre as causas e o fato a relacionar. É uma</p><p>maneira de explicar fatos singulares, fazendo referência a aspectos mais gcruis</p><p>ou a leis. Como assinalou' Klimovsky (1983), o analista, em uma sessêo</p><p>psicanalítica, dispõe de uma série de hipóteses singulares, em função do caso</p><p>particular, para indagar as causas de um fato psicanalítico. A passagem de</p><p>conteúdo latente a conteúdo manifesto se opera mediante uma série do</p><p>hipóteses prováveis.</p><p>Uma interpretação por causa científica está sujeita à refutação. Parte de</p><p>uma premissa verdadeira e busca uma verdade. Porém, as interpretações</p><p>podem partir de premissas falsas e tendem à autoconvalidação. Surgem cnmo</p><p>generalizações que possuem o peso de lei. Embora não exista falsidade no</p><p>inconsciente, no nível lógíco, as fantasias inconscientes podem levar a deduçõea</p><p>falsas. Podemos pensar isso como a existência, na mente, de duas causalídados</p><p>derivadas de dois contextos diferentes, mas simultâneos, acreditando-se exlstlr</p><p>apenas uma; um dos contextos é proveniente do funcionamento científico d"</p><p>mente, e o outro é próprio do funcionamento preconceituoso. O paciente</p><p>atribui seu mal-estar à sua própria causalidade, atribuindo-nos, na transferên</p><p>da, segundas intenções.</p><p>Na relação matrimonial, quanto maior a estabilidade do enquadramento,</p><p>maior a possibilidade de dispor de um espectro de causas possíveis, i1ullorl"</p><p>mente conhecidas. Porém, é ainda maior o risco de estabelecer ca usas imu tAwh.,</p><p>com uma causalidade de tipo delirante, baseada no princípio do prazer e cm \1111</p><p>!'listem" auto-referencial.</p><p>O mal-entendido desse tipo gera c promove ataque c agressão c um.</p><p>sen81\c;Ande nAo ser reconhecido,</p><p>76 JANlNE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>Na relação precoce com os objetos parentais, é atribuído a eles descrever</p><p>as causas e diversificá-las, a fim de favorecer o crescimento mental do bebê.</p><p>Porém, sua patologização revela um funcionamento baseado na estreiteza</p><p>causal. A persistência do Objeto Único deriva da condição de uma causa única.</p><p>Se obedecermos, na relação analítica, ao modelo de casal (matrimonialj.,</p><p>é possível o aparecimento de diferentes teorias causais explicativas. As causas</p><p>a que se refere o analista, na estrutura do vínculo e na relação ínterfantasística,</p><p>são os desejos e fantasias inconscientes, baseados nas experiências precoces. As</p><p>causas referidas pelo paciente são o resultado de mecanismos de defesa:</p><p>negação, recalcamento ou recusa. Quanto mais estável for o enquadramento,</p><p>maior a possibilidade de se dispor de um espectro de causas possíveis, bem</p><p>como maior será a possibilidade de incorrer-se em um erro, ao não se indagar</p><p>cada nova causalidade, dedutivamente, em cada aqui e agora. Podem incidir</p><p>nesse processo ou disfunção, de parte do analista, o próprio narcisismo ou uma</p><p>intolerância às projeções dos pacientes. De parte do paciente, um funcionamen-</p><p>to paranóico ou melancólico altera profundamente a possibilidade de recorrer-</p><p>se a um espectro amplo e adequado de explicações causais.</p><p>Quando falarmos das explicações por razões e motivos, também veremos,</p><p>algumas vezes, como a causa pode estar em uma mente e a razão de uma ação</p><p>em outra.</p><p>Causa e efeito estão relacionados por regras científicas que, em geral,</p><p>determinam o conteúdo manifesto como sendo efeito da causa inconsciente.</p><p>Um paciente se sente desprezado por uma amiga a quem considera</p><p>orgulhosa, o que aumenta</p><p>a distância entre ambos. Um encontro casual e fora</p><p>do contexto leva-os a iniciar um diálogo, no qual indagam a respeito de alguns</p><p>dados da vida pessoal' de cada um. Dão-se conta de que tinham uma imagem</p><p>diferente do outro e tinham reforçado suas condutas depreciativas em razão do</p><p>suposto rechaço do outro. Concordam que foi um mal-entendido. No contexto</p><p>habitual de encontros, surgia uma intensa rivalidade, enquanto que, em um</p><p>contexto social amistoso, podiam se dar a conhecer mais e melhor. Na</p><p>transferência, esse relato aludia à ilusão de que um enquadramento não-</p><p>psicanalítico com o analista seria a possibilidade de melhorar a relação com ele</p><p>ou, talvez, resolvesse sua intensa rivalidade, melhorando seu vínculo analítico.</p><p>A lembrança desse mal-entendido surgiu em um período do tratamento no qual</p><p>esse paciente descobria novos pontos de vista e revisava condutas anteriores.</p><p>A causalidade delirante anterior estava sendo substituída por um "pode ser",</p><p>diferente da convicção característica do primeiro período da análise. Antes,</p><p>parecia nunca se equivocar em seus julgamentos. Sua verdade era universal,</p><p>Vivia em um estado mental crônico de mal-entendido intra psíquico, refletido</p><p>em sua dificuldade com os objetos externos.</p><p>O mal-entendido desse tipo gera confusão, mal-estar e desconhcclmvnto.</p><p>Porém, símultaneamentc, apoiando-se cm mecanismos paranôides, l't'(m~.1 ii</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL "'1</p><p>convicção da maldade dos objetos. É comparável ao funcionamento qu</p><p>determina juízos de falsidade. Como dissemos, na relação mãe-bebê, supostu</p><p>contexto do Objeto Único, a mãe, em sua condição de assistente, é encarrl'KI\L!n</p><p>de descobrir as causas e diversificá-las, a fim de favorecer o crescimento du</p><p>universo de significados do bebê. O pai de um recém-nascido dizia que tinh"</p><p>descoberto seis causas de choro em sua filha. Em outra oportunidade, aplicou</p><p>l\S todas e nenhuma delas deu resultado. Suas teorias anteriores O tinham</p><p>Impedido de abrir-se para novas possibilidades.</p><p>Nos relatos dos pacientes a respeito dos conflitos matrimoniai" ou</p><p>miliares, é freqüente atribuir a si mesmo o conhecimento das causas do mal</p><p>1~ltt\rou da conduta do outro. Costumam se situar no epicentro onde reinA II</p><p>c inlpotêncía do desejo. Nesses casos, podemos vê-los, alternatívamsnn-, no</p><p>IIIsar de assistente e no de desamparado. Dessa maneira, assentam as basl't! dl'</p><p>11m mal-entendido, ao não reconhecerem no outro uma causalidade di(l'nmt~</p><p>I' l\do seguirem os passos da explicação causal dedutiva.</p><p>As explicações funcionais ou teleológicas</p><p>Estão vinculadas ao empirismo, e em estreita relação com as que veremos</p><p>,I IUguir, as explicações por razões e motivos. "São formas complexas de h'orlí'</p><p>IIIIISais e envolvem conexões entre variáveis, com uma prioridade [.Iu!lnl</p><p>I'''pccial das conseqüências da atividade" (Schuster, 1982). Levam-nos a l'xplkl\l</p><p>tllllíl conduta atual a partir de fatos situados não no passado, mas no futuro, ou</p><p>1'111, no futuro imaginado. As conseqüências do comportamento, ou ()obtido</p><p>11111\ este, estão no marco da explicação funcional. Por exemplo, joga-se t~lll" .</p><p>1IIII'que se deseja ser campeão, a conseqüência de sua ação (desejo di: Ii,,'r</p><p>"'III\peão) é a causa da mesma (jogar tênis).</p><p>Ocorre um mal-entendido intrapsíquico desse tipo, quando o IMdl'nl,</p><p>I'I'IIPI" que sua ação leva a um fim, quando, na realidade, leva a outro, "Au</p><p>11'1 ouhecendo as conseqüências da desorientação a respeito da meta P.1r,I.l 'llInl</p><p>dld~Wsuas ações. A ordem causal fica alterada.</p><p>Na relação interpessoal, se o fim proposto verbalmente não tiver !lIdo</p><p>II lnrecldo, o comportamento pode ser interpretado equivocadamente .wlll</p><p>111111). O fim pode ser ilusório e revestido de fantasias ambiciosas ou invéjülmM,</p><p>iiIPI!qMnda de um determinado comportamento. Atingir essas Ian 1.lsi.11i nAu</p><p>I!~I1iIJ:C'r um alívio coincidente, despertando no outro O sentimento di' h'r fildll</p><p>11"ll'oJfldo ou destruído.</p><p>Ati. vezes, essas explicações são descuídadas pelos psicnnnlll'HlIIl, qunndn</p><p>IH\}(III.1I11COUSOS, razões C motivos, sem atender ao {ato l'mpirim e IHUI</p><p>I OIlIi(!'1(1f1nc!tIS,As l~xpJicl\C;õCStcleolégícas clltão paro iHll!Xplirnçfwr; plII' rlll"n</p><p>1i\(lllvlI~ "!lsim cumu .IS dl'!irritiv.I'Il'stl\U po\ril as l'iIURilis.</p><p>78 ]ANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>Vejamos um exemplo: um paciente prepara uma reunião para promover</p><p>o desenvolvimento de uma instituição com grande desdobramento de relações</p><p>públicas e, sem querer, esquece de informar a seus membros o alcance de suas</p><p>decisões. Parece estar preparando sua própria promoção, uma festa para si</p><p>mesmo, o que não foi visualizado conscientemente. Chega o dia do encontro tão</p><p>esperado. Existe grande afluxo de público e pouco dos membros da instituição. -</p><p>Estes, inclusive, chegam tarde ao ato, gerando mal-estar no paciente. Ele inicia</p><p>a sessão dizendo ter passado todo o domingo concentrado e, ato contínuo, conta</p><p>seu problema com a reunião e sua irritação com os diretores da instituição. Esse</p><p>paciente costuma chegar atrasado às sessões, sem se dar conta de que as</p><p>desvaloriza. Explica-o sempre por um motivo contingente de última hora. O</p><p>analista é quem sofre (ou deveria fazê-lo) por suas ausências ou atrasos, sem</p><p>considerar as conseqüências mentais de suas ações. Não as encontra no motivo</p><p>de chegar atrasado. No caso da reunião, pareceu não se dar conta de que a causa</p><p>de seu mal-estar era porque estava se dando uma festa infantil, pois achava que</p><p>seus pais nunca lhe tinham dado uma. Seu desgosto infantil, projetado nos</p><p>outros, levava-o, sem se dar conta, a criar ressentimentos e abandonos,</p><p>espantando-se, depois, com as respostas dos demais, para os quais recortava as</p><p>circunstâncias. O mal-entendido intra psíquico está na clivagem entre ações e</p><p>conseqüências e, em um segundo momento, na falta de coerência entre as</p><p>razões conscientes invocadas e as ações realizadas.</p><p>Quando, em um casal, um dos dois prepara uma ação com a intenção de</p><p>produzir determinado efeito no outro, pode acontecer que o outro não esteja</p><p>em posição favorável. Cria-se um mal-entendido intersubjetivo, que pode se</p><p>transformar em censura.</p><p>As explicações por intenções, razões e motivos</p><p>Estas explicações são utilizadas, em ciências sociais, para explicar a</p><p>conduta individual ou de grupos (Schuster, 1982). Respondem ao para quê. "A</p><p>força explicativa de conhecer a intenção da pessoa depende da 'familiaridade</p><p>que se tiver com a conduta intencional". São explicações referentes a ações.</p><p>Incluem questões de crença e decisão. Obtêm verificação por meio da coerência</p><p>entre vários elementos. Demonstram a disposição de se comportar de uma certa</p><p>maneira. Para realizar uma ação, o ego deve optar entre vários significados</p><p>possíveis, os quais, por sua vez, se entrecruzam em certo ponto com outras</p><p>razões e motivos inconscientes. O analista é aquele que indaga a respeito da</p><p>coerência das intenções, motivos e razões. Estas podem ser promovidas a partir</p><p>do Ideal do ego, ou do ego ideal e da capacidade egóica. Na clínica, permitem</p><p>detectar certas estruturas comportamentais ou modelos predominantes na vida</p><p>menti" j' vincular de nossos pacientes. Tudo isso provoca problemas de</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 79</p><p>familiaridade e, portanto, de repetição, encontrando-nos novamente em uma</p><p>aresta inclinada ao mal-entendido. Tudo aquilo que não leva um a escutar o</p><p>novo favorece, a partir de um funcionamento narcisista, as dificuldades de</p><p>compreensão.</p><p>Essa explicação, parecida com a causal, é o aspecto mais indutivo da</p><p>interpretação; chegando apenas, por meio de passos sucessivos, aos desejos</p><p>inconscientes e fantasias primárias. É também nela que o método científico mais</p><p>se aproxima do método coloquial.</p><p>Na vida vincular, estabelece-se o mal-entendido por razões e motivos,</p><p>quando cada um atribui a um ato diferentes razões invocadas conscientemente,</p><p>para a realização de uma ação. A razão do ego pode ser diferente da do outro,</p><p>transformando-se a ação daquele em causa da ação deste. Um gesto carinhoso</p><p>pode ser causa de uma crise de angústia no outro ou, ao contrário, de um gesto</p><p>de reciprocidade.</p><p>Nos pacientes esquizofrênicos, costuma-se descrever urna</p><p>modalidade de aproximação materna, caracterizada pelo pânico ao contato</p><p>emocional e amoroso do bebê. Nesse caso, causa (a aproximação do bebê) c</p><p>efeito (angústia materna) ocorrem em mentes diferentes, mas podem se</p><p>confundir, parecendo ocorrer na mesma. A razão do ego não é a razão do ou tro</p><p>(Davidson, 1982).</p><p>Muitos mal-entendidos-vinculares são devidos ao fracasso dessa explica-</p><p>ção. O ego necessita que suas razões e motivos sejam únicos, compartilhados</p><p>e aceitos pelo outro. Nas brigas matrimoniais, é freqüente a pretensão de que</p><p>a razão e o motivo do ego também sejam os do outro. Simultaneamente, negam</p><p>ser a possível causa de um efeito no outro. No entanto, a atribuição de crenças,</p><p>propósitos, motivos e desejos a pessoas é uma tentativa de organizar, explicar</p><p>e predizer sua conduta verbal ou não-verbal. Descrevemos intenções, ações '"</p><p>sentimentos, à luz dos esquemas mais inteligíveis e unificados possíveis. I~</p><p>necessário compartilhar um mínimo de valores e crenças, para estabelecer u 111</p><p>contexto de comunicação.</p><p>As psicopatias, imposturas e dependências de drogas proporcionam-nos</p><p>um modelo de ação proveniente de um mal-entendido intrapsíquico, Os</p><p>motivos de um dependente estão vinculados à esperança de encontrar um</p><p>seio gratificante e sempre renovável, confundindo necessidade e desejo</p><p>(Aulagnier, 1979).</p><p>Vejamos um exemplo: um paciente se queixa de receber agressões ('111</p><p>algumas circunstâncias, como quando dá opiniões em seu meio profissional c</p><p>científico. Não pode distinguir se se referem a uma conduta masoquista de suO</p><p>parte ou, pelo contrário, a um talento especial, mediante O qual expressa id~ia8</p><p>renovadoras, de seu ponto de vista, provocando alterações nos demais, 11,1ril ele,</p><p>as conseqüências visíveis, as agressões, não permitem que detecte S('" l'allsa dn"</p><p>mesrnns é sua ou se, pelo contrário, sao problemas dos outros, Apl%1I' disso, (11r</p><p>(Inpreciado. Tl'IlH',.ltI 'rjlll~ff'r(lnd,l, 11,10~I'r um IMd(\nlc.' inll'n'I'IIMIlII.!, ilblll'rt1('\"t</p><p>80 ]ANJNE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>seu analista, o que parece, para este, uma idéia estranha. As razões de sua</p><p>proposta passam pelo desejo desenfreado de agradar e por um vínculo com</p><p>uma mãe depreciativa e narcisista. Este paciente reconhece conseqüências que</p><p>o desconcertam, por tomar conta to com sua intencionalidade, derivada de seus</p><p>motivos inconscientes.</p><p>Existe um duplo mal-entendido, revelado por meio de suas ações, cujas</p><p>conseqüências não pode prever, bem como das causas que, nesse contexto,</p><p>devem ser entendidas como intenções, razões e motivos inconscientes. Quando</p><p>a ação, ligada à falta de pensamento verbal, entra em conta to com aspectos</p><p>psicóticos da personalidade, pode determinar a produção de condutas discor-</p><p>dantes mais visíveis para o observador do que para o próprio ego. Neste</p><p>paciente, as razões e motivos das ações seriam derivados de uma ambição e uma</p><p>necessidade competitiva inconsciente, o que o leva a expressar suas idéias,</p><p>ignorando o efeito diruptivo das mesmas. Se não tivesse uma contradição</p><p>interna entre um desejo avassalador de sobressair e um desejo de sedução,</p><p>poderia suportar o mal-estar que provoca, sem se supreender ou sem a</p><p>necessidade de ulteriormente apaziguá-lo.</p><p>As explicações semânticas</p><p>Pertencem ao vértice semiótico. Baseiam-se em uma capacidade recíproca de</p><p>conhecimento da diversidade de significados. Ao nos referirmos ao Objeto Único,</p><p>dissemos que uma de suas funções é a de semantizar. Sua falta impede que se entre</p><p>em contato com a polissemia das palavras ou, ao contrário, afirma a univocidade</p><p>da relação significante-significado. Essaexplicação é parecida com a descritiva, pois</p><p>fornece informações a respeito do ser. Mas, fornece algo mais: informação a</p><p>respeito do contexto cultural e social do aqui e agora de cada um dos dois egos.</p><p>Nos tratamentos de pacientes estrangeiros ou que aprenderam vários</p><p>idiomas na primeira infância, podem surgir mal-entendidos semânticos. O</p><p>mesmo ocorre, quando se utilizam linguagens codificadas devidas à pertença</p><p>dos membros do casal a certos grupos sociais diferentes ou de pertença social</p><p>infantil diferente. Também podem ocorrer com linguagens que denotam</p><p>problemas geracionais: as linguagens atuais dos jovens, cujos significados não</p><p>são totalmente conhecidos pelos adultos. Esse mal-entendido deriva do fracas-</p><p>so da ilusão de compartilhar totalmente os significados dos signos e palavras.</p><p>A perda dessa esperança apresenta problemas pragmáticos e de contexto. É</p><p>importante para o analista detectar o significado particular das expressões</p><p>empregadas pelos pacientes, em função de sua especificidade. Meltzer (1974)</p><p>refere-se ao mesmo tema, dizendo que cada substantivo sofre, com o tempo,</p><p>Ullli\ perda semelhante, porque, como diz o autor, liaspalavras sempre têm um</p><p>sl~lli(k,Idn presente c apenas uma referência arcalca".</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 81</p><p>Em síntese, a explicação pode ser pobre ou excessiva em pormenores,</p><p>podendo existir uma ou mais causalidades no mesmo contexto ..Uma açllo</p><p>proclamada como tal, cuja conseqüência, na verdade, é a causa da mesma (~</p><p>maneira tautológica), pode contradizer as razões e motivos invocados, levando</p><p>a detectar-se uma fratura entre dois tipos de explicação. Por fim, devido A</p><p>polissemia semântica, pode-se mal-entender um significado, ao descontextualizá</p><p>lo. Essa sistematização nos leva, além disso, a postular para o Objeto Único nutra</p><p>função precoce, a de explicar instalando uma ordem. Sua falha é o ponto de</p><p>partida para a produção de mal-entendidos.</p><p>TIPIFICAÇÃO DO MAL-ENTENDIDO</p><p>Agora tentaremos uma classificação provisória do mal-entendido, Iazen</p><p>do-a com base no fenômeno da implicação.</p><p>Chama-se de implicação conversacional (Dascal, 1977) às sígnífícaçócs</p><p>implícitas nas formulações explícitas. É uma hipótese da escuta sobre !lN</p><p>Intenções do falante. As implicações são importantes, tanto pragmaticamente</p><p>como no conteúdo semântico. Exigem do outro uma interpretação ou explica</p><p>ção, como dissemos anteriormente, para deduzir o significado implicado. Toda</p><p>pessoa que escuta uma mensagem é confrontada com uma possível ímplícaçâo,</p><p>sendo sua tarefa descobri-la.</p><p>Mal-entendido por implicação narcisista</p><p>Deriva de um vínculo entre um ego infantil e um outro investido corno</p><p>único e não-compartilhável. Baseia-se em uma busca permanente de um obll·tn,</p><p>para ser colocado na posição de adivinhar e reconhecer permanentemente u</p><p>ego. Pressupõe dar a menor quantidade de indícios possíveis para ser compre</p><p>endído. Leva a formular descrições pobres em pormenores. A gratifk.\I;All</p><p>transferendal se apóia na frustração crônica do objeto. Liberman (1980) di/. qUl'</p><p>um ego narcisista é alguém cujo prazer é contar sempre com alguém ,I quem</p><p>frustrar e, enquanto este for frustrado, é mantido o equilíbrio narcisista daqUl'lt<</p><p>O ego deve expressar uma demanda permanente, o que pressupõe, no nbl~hl,</p><p>uma não-disposição ao prazer, para dar prazer ao ego.</p><p>Um ou ambos os integrantes darão mostras de permanente in!;i\UMnc;Au</p><p>pelas interpretações, que nào podem ser tornadas por serem n",l-l'nkndl,t"</p><p>Silo r('gistradé\s, então, corno l·scaso.;.l'l, Incompletas, im;nti'lf.ltóri,Is, tMdh," nu</p><p>'Ipn'IiHlldtl'l. ('untl"ItruIls(l'I"'IIl'I"hm'llh', Sl! li ,ul,Ilist.I IlMI-l'n!l'lldl' Cti!!l! tundn</p><p>82 ]ANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>namento, pode se instalar como um superego exigente, identificado com um ou</p><p>com ambos os pacientes. O instrumento psicanalítico toma-se pouco eficaz para</p><p>o desejo de ser adivinhado.</p><p>As ações serão uma conseqüência disso, existindo uma contradição entre</p><p>suas explicações por razões e motivos e suas explicações funcionais.</p><p>No analista, o mal-entendido ocorre quando não se dá conta do desejo</p><p>infantil de cada um, de ser adivinhado, acreditando estar compartilhando a tarefa</p><p>da análise. São casais que não dão indícios de suas fantasias de terem o analista,</p><p>na transferência, como Objeto Único e excluído. Eles transferem essa modalidade</p><p>vincular, baseada em convicções comuns, firmadas sobre a recusa da mamãe,</p><p>como</p><p>tendo outros desejos e objetos (o papai, os outros bebês dentro da mamãe)</p><p>no próprio mundo interno. Essa estrutura acompanha a relação passional'.</p><p>Mal-entendido por implicação enlouquecedora</p><p>Este tipo de vínculo entre o ego e o outro consiste em propor incógnitas</p><p>e, a cada vez que o outro começa a isolá-las, gerar outra, e assim sucessivamente.</p><p>Assemelha-se à relação entre um ego enlouquece dor e um ego que procura ser</p><p>enlouquecido. A gratificação se baseia na fusão e indiscriminação. Tudo aquilo</p><p>que promove diferença e discriminação é registrado como um verdadeiro</p><p>ataque à sobrevivência mental ou corporal. Qualquer tentativa de explicação</p><p>sofre uma deterioração, com o porquê e o para quê se modificando, à medida que</p><p>recebem uma resposta. O conflito se baseia na fantasia de unicidade, na hipótese</p><p>de que a estabilidade mental é apenas para um e, portanto, não pode ser</p><p>com partilhável. A vivência de enlouquecimento deriva da aceitação de apenas</p><p>um ponto de vista como verdade derradeira. Quando surgem duas o mais</p><p>versões possíveis do fato vincular, consideram-nas como tendo uma intenção</p><p>enlouquecedora. Os pontos de vista diferentes são descartados pelo outro,</p><p>como sendo transtornos perceptivos ou alucinatórios do outro e vice-versa, O</p><p>modelo infantil é o de uma mamãe; para a qual a existência de um bebê com um</p><p>ego animado e em paulatina diferenciação é um verdadeiro perigo para a</p><p>estabilidade de seu aparelho psíquico. Mediante mensagens tangenciais é</p><p>questionada a percepção do ego, com freqüência correta, a respeito dos estados</p><p>emocionais da mãe. Esta os registra como conta tos impossíveis de tolerar.</p><p>Aaproximação compreensiva do analista, na transferência, é respondida por</p><p>hipóteses provenientes de um casal que se sente em perigo de perder seu equilíbrio</p><p>mental. O analista pode mal-entender o efeito de suas próprias interpretações, pois</p><p>quando estão muito próximas do conhecimento de seus pacientes, produzem um</p><p>intenso mal-estar, o que o leva, contratransferencialmente, a querer ajudar mais</p><p>l' .1 interpretar, sem esperar que seja modulada a aproximação terapêutica.</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 81</p><p>Mal-entendido por implicação ciumenta</p><p>Este tipo de mal-entendido surge em pessoas que compartilham tl'orlnH</p><p>infantis, nas quais as Situações triangulares mantêm o ego em posição li..,</p><p>exclusão, envolvendo, por isso, a união dos objetos parentais como potencl</p><p>almente desonesta, com o propósito não-confessado de privá-lo de participar</p><p>do casal.</p><p>Nas evoluções dos tratamentos de casal, o enquadramento dá oportunl</p><p>dade de recriar o ego infantil, transferido para o terapeuta, cuja interpretação</p><p>é então registrada como não-tolerância a ficar sozinho, abandonado e fora do</p><p>casal. Às vezes, desloca-se para objetos atribuídos ao analista, o casal a que</p><p>pertence, como forma de representar a união idealizada com seus próprios</p><p>aspectos masculinos e femininos dotados de criatividade, Quando ocorre 1\</p><p>emergência e a pressão dos desejos edípicos, cada integrante do casal quer se</p><p>instalar como alguém atraente para o objeto parental-analista, com exclusão</p><p>do outro, baseando-se nisso a gratificação. A partir do ego infantil é mal</p><p>entendida a aproximação dos objetos parentais. Na transferência, a curiosida</p><p>de ou o interesse do analista é investido de impulsos voyeuristas ou exibici</p><p>onistas, subentendido como uma curiosidade infantil ou intrusiva. Os ciúmes</p><p>produzem a implicação de, que, além disso, os pais gozam com o sofrimento</p><p>do ego excluído. Isso leva o paciente a se defender cada vez mais desse aspecto</p><p>infantil projetado. Se, por sua vez, o analista mal-entender o casal, ni1</p><p>transferência, identificando-se com os aspectos excluídos do bebê, tenderá,</p><p>por sua vez, a se tornar mais curioso, quando deveria ter mais paciência c</p><p>tolerância.</p><p>Mal-entendido por implicação auto-referencial (paranóica)</p><p>São casais cujo vínculo está impregnado da atribuição de duplas inten</p><p>ções. Estas podem surgir como resultado de megalomania, e quando esta não</p><p>é alimentada por um sujeito infantil e dependente, é-lhe atribuída um"</p><p>intenção secreta de rebaixá-lo. Outra fonte é a intensa necessidade do nutro,</p><p>e sempre que este não o satisfaz, isso pode ser significado como o dCSl'JO de</p><p>fazê-lo sofrer; mediante a privação narcisista. Responde a fixações com</p><p>predomínio de fantasias orais, que decorrem de hipóteses sugerídaa por 1111\</p><p>ideal do ego de tipo megalomaníaco e gerador de dependência. Quando Sl'</p><p>unem, o pacto implícito é o de cuidar do ego dependente, implicando nMnt~</p><p>10 nesse estado oral, para que dependa e alimente a megalomnnin do outro</p><p>Tixigl', necessarlanu-nte, í.l projeçáo da dependência c de ,\l~u~m llllt' a flSilUlnl\</p><p>QUIIIldn 11'1inh'W"H\tclI dl' um ('mm I rum t'sla cIIIISh'I,'ç,\o ohjl'l.I' rt:êt'bl'lll</p><p>84 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>interpretações da estrutura auto-referencial, a implicação empregada consiste</p><p>em atribuir ao terapeuta alguma outra intenção secreta ou malévola, como se</p><p>fosse uma segunda intenção. Pressupõem no analista o desejo secreto de</p><p>despojá-los do vínculo de "intensa" união.</p><p>A avidez é a emoção básica na relação com o objeto e no vínculo. Para</p><p>satisfazê-la, realiza-se um verdadeiro ataque às qualidades mentais e corporais</p><p>do seio projetado na relação de casal, transformada em uma entidade secreta-</p><p>mente despojadora. Portanto, cada um está permanentemente em guarda.</p><p>Qualquer tentativa de aproximação é subentendida como uma possibilidade de</p><p>despojamento. No homem, quando se organiza essa constelação primitiva ao</p><p>redor da angústia de castração, o mundo das relações objetais está povoado de·</p><p>representantes de vaginas atraentes, mas secretamente chupadoras e</p><p>despojadoras do valioso conteúdo vital, representado pelo próprio sêmen. A</p><p>ameaça é a de ser convertido em um fantoche, sem identidade própria e à mercê</p><p>do objeto. As ações tenderão a evitar as vaginas, em função dessas poderosas</p><p>razões inconscientes.</p><p>O diálogo do casal sofre interferência de uma reinterpretação sistemática,</p><p>à maneira de: tenho de adivinhar a segunda intenção naquilo que está me dizendo, sem</p><p>que suspeite de que eu suspeito.</p><p>A forma atenuada mais freqüente dessa ocorrência emergente, na sessão</p><p>psicanalítica, é a formulada quando o paciente responde à interpretação do</p><p>terapeuta, dizendo: "o que você está querendo me dizer é ...". Responde a</p><p>explicações baseadas em uma 'causalidade delirante.</p><p>Mal-entendido por implicação hiperdiscrirninante</p><p>Este mal-entendido deriva da conjunção de dois mal-entendidos intra-</p><p>subjetivos, mantidos graças à dependência natural estabelecida em qualquer</p><p>vínculo. Pode se apoiar em dois modelos vinculares infantis: a) pais</p><p>supercontroladores, dos quais é preciso escapar para não sucumbir a eles,</p><p>estabelecendo um corte nítido e uma delimitação dos espaços mentais dentro</p><p>do vínculo, muitas vezes, apoiado por condutas reativas; b) pais que fomentam</p><p>a supermaturidade, sobre-adaptação e independência dos filhos,' devido à</p><p>angústia provocada pelo contato com as angústias infantis. Em ambos os casos,</p><p>O ego cai no que poderíamos chamar de armadilha da independência. Em um</p><p>deles, se a ordem parental for que o ego infantil não realize um determinado tipo</p><p>de ação desejada pela criança, poderá ocorrer que, apesar disso, mesmo assim</p><p>a realize, incorporando uma representação de censura diante de seu ato e, por</p><p>suo vez, despertando nela agressão e mal-estar. Além disso, pode imaginar que</p><p>fll'.l flgurtl parental aceitar uma ação de um determinado tipo, perigosa ao ego</p><p>1111,111111, hmC1 Ill'rl~regtstrado como desinteresse c desamor, despertando também</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL li1'l</p><p>sentimentos de agressão, mal-estar e desamparo. Nesse caso, poder-se-la</p><p>desejar um pai proibidor e, quando este é encontrado, seu desejo será o de</p><p>desobedecê-lo. Com o que se cai em um círculo, no qual ou se odeia o objeto</p><p>parental ou se sente desamparado por ele. Fica-se preso em uma armadilha,</p><p>movendo-se entre o ódio e o desamparo.</p><p>No vínculo de casal, é reeditada essa dupla circunstância, tanto de forma</p><p>simétrica, proveniente de duas representações</p><p>amada amiga, assim o amor</p><p>dissolve o mesquinho desejo de existir em face do</p><p>mundo, com o olhar pervagante e larga ciência das</p><p>oisas.</p><p>á não defrontamos o mundo: nele nos diluímos. Já</p><p>Inem somos nós, somos o número perfeito: UM!</p><p>Levou tempo, eu sei, para que o EU renunciasse</p><p>à vacuidade de persistir, fixo e solar, e se</p><p>confessasse jubilosamente vencido, até respirar o</p><p>júbilo maior da integração. -</p><p>Porto Alegre, setembro de 1993</p><p>César A. M. Bastos</p><p>Angela B. S. Píva</p><p>xv</p><p>PSICANÁLISE</p><p>·00 CASAL</p><p>CAPÍTULO 1</p><p>o Casal (Matrimonial).</p><p>Definição. Semelhanças</p><p>e Diferenças de Outros</p><p>Tipos de Relações Diádicas</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>o TERMO casal (matrim~nial) designa uma estru~~a vin~~a'~ en~e duas</p><p>pessoas de sexõSCfiferentes, a partir de um momento dado, quãmlU"e'Stabete-cem</p><p>o compromisso de fazer parte dela em toda a sua amplitude, possam cumpri- -</p><p>lo ou não. A denominação desse objeto de estUQO surge da linguagem</p><p>convencional e, como sempre, quando se incorporam denominações coloquiais</p><p>em uma teoria, é necessário voltar a definir os termos.</p><p>No uso da língua, produziu-se um fenômeno de redução de sentido, pelo</p><p>qual, ao dizer-se "casal", fica subentendida a sua referência como conjugal ou</p><p>matrimonial, ou, como se chama, em antropologia, relação de aliança ou</p><p>também aliança matrimonial.</p><p>Reconhecemos uma tendência do ser humano a organizar sua vida</p><p>vincular em estruturas, que vão de uma menor a uma maior estabilidade.</p><p>Possuem uma condição peculiar, que é a alternância na polaridade- repetição-</p><p>novidade, com diferentes tipos de resolução. O casal tem elementos definitórios,</p><p>que permitem referir-se a ele como à uma unidade ou estrutura (ver comentário</p><p>1), com um alto grau de especificidade. É considerado tradicionalmente como</p><p>a origem da família, do ponto de vista evolutivo e convencional. Porém, também</p><p>psicanaliticamente, se poderia pensar que o casal se desprende da família, de</p><p>onde se originam seus modelos/levando cm conta o desejo dos diferentes C~()H</p><p>:\</p><p>4 JANINE PUGET & ISiDORO BERENSTEIN</p><p>de uma família, de perpetuar-se no tempo através da transmissão do desejo de</p><p>ter filhos, transformado no desejo de ter uma família, mediante vínculos de</p><p>aliança. A transformação do sentimento de ter sido desejado como filho, pelos</p><p>próprios pais, opera como uma identificação. A marca de uma primeira</p><p>contradição fundamental para a constituição do casal (matrimonial) surge da</p><p>dificuldade do mundo psíquico de cada um de seus membros, derivada da</p><p>resolução trabalhosa, difícil, nem sempre terminada, da sel2ªtª-ção de seus</p><p>vínculos familiáres.</p><p>Em nosso trabalho, como psicanalistas de casal, nos vemos defrontados,</p><p>entre outras coisas, com o sofrimento pelo desprendimento dos vínculos</p><p>parentais de cada um dos membros, assim como com o desejo e a dificuldade</p><p>de criar uma .estrutura inédita; resultado da' transformação dos modelos</p><p>parentais de cada um na nova unidade representável no próprio casal.</p><p>Parece então ter uma certa utilidade propor a família como anterior</p><p>ao casal, se levarmos em conta a representação mental de si, até realizar seu</p><p>próprio projeto. Mas a questão do anterior e do posterior, o antes e o depois,</p><p>obedece a uma necessidade do espírito de marcar em algum lugar um começo,</p><p>um momento originário. De outro modo, sobrevive a angústia de ser</p><p>indiferenciado, em lima suposta continuidade de pessoas. Os egos e seu</p><p>investimento narcisista alimentam a idéia de pertença a um continuum de</p><p>gerações. Sobrevêm então distintas pontuações, como cortes ou tentativas de</p><p>estabelecer uma diferença, aceitando-se a continuidade inconsciente na</p><p>transmissão de significados que determinam o vínculo: algumas instrumen-</p><p>tais e outras defensivas. Alguns casais fixam o seu começo neles mesmos,</p><p>recusando as representações de casal provenientes da família de origem, tal</p><p>como foram percebidas desde a sua colocação, no pólo infantil. Outros, cujos</p><p>modelos preferidos são os de dependência e continuidade, percebem como</p><p>perigoso o inédito, o criativo e o novo. Tudo aquilo que for significado como</p><p>corte ou discriminação pode ser fonte de angústia: a sep~ação entre as</p><p>gerações, entre os modelos parentais e os próprios, assim como de um e de</p><p>outro ego. Em outros casos, é experimentado um outro tipo de intolerância,</p><p>ao se perceber como parte de uma continuidade. Esta é relatada na forma de</p><p>mitos de origem. Poderia ser que a continuidade fosse impensável, e só</p><p>aceitasse ser formulada a partir da descontinuidade, dando-se algum tipo de</p><p>relato, variável para cada casal, mas que fi~asse o começo em um tempo</p><p>dofermínado.</p><p>A necessidade de situar as origens dá lugar, na mente, a um tipo de mito</p><p>bíbllco. Cada um é um Adão e uma Eva, como o primeiro casal, que deu</p><p>nascimento ao mundo. Em outra versão, à maneira de Deus, criar-se-iam a si</p><p>IlIl''1!\lOS e ao casal. Provavelmente, seja um deslocamento da dificuldade de</p><p>.11 1'11,11' .1 impossibllldade de aceder às origens. Este é um dos conhecimentos</p><p>irllpOHsfvl'lli. Nós mcnciouamoa cm um artigo anterior (Bcrcnstein, L, P\.IgN, J.</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 5</p><p>e Siquier, M.I., 1985),junto com o da morte e o do prazer genital registrado pelo</p><p>outro sexo. Também o é conhecer quem foram os próprios pais.</p><p>O mito de origem é uma produção restitutiva. A questão da origem levou</p><p>alguns autores a enfatizar, em seu ponto de vista, o intra-subjetivo como lugar</p><p>de onde partem as significações, assim como outros O fizeram proceder do</p><p>sociocultural. Admitir, em troca, uma relação dialética entre diferentes estrutu-</p><p>ras vinculares, tais como sociedade-família-casal-sujeito, sem estabelecer uma</p><p>ordem cronológica de aparição, pode nos permitir uma compreensão mais</p><p>dinâmica e cabal da interpenetrabilidade de cada um desses contextos.</p><p>Toda organização social possui alguma forma de casal chamado de</p><p>matrimonial. Lévi-Strauss (1983) a cita como uma das propriedades invariáveis,</p><p>ligadas ao começo da família:</p><p>1) "A família tem a sua origem no matrimônio;</p><p>2) Inclui o marido, a mulher e os filhos'nascidos dessa união, formando um núcleo</p><p>ao qual outros parentes podem eventualmente se agregar.</p><p>3) Os membros de urna família estão unidos entre si por:</p><p>a) laços jurídicos;</p><p>b) direitos e obrigações de natureza económica, religiosa e outras;</p><p>c) uma rede prec;sa de direitos e proibições sexuais e um conjunto variável</p><p>e diversificado de .sentimentos, tais como o amor, o afeto, o respeito, o</p><p>temor, etc."</p><p>De um ponto de vista psicanalítico, é uma das maneiras de vincular, de</p><p>forma estável e complementar, a diferença dos sexos.</p><p>C~ do .O vínculo de casal, cujo início fica registrado p-ara a consciência como o</p><p>\ momento do enamoramento, oferece o mªrcQ_p-ara dispor de um modeloc..~ ilusório, a fim de superar a do.!_.m~l surgida de entrar ~onta.!.0 com a</p><p>.L dêScõntíiillldad-e. -</p><p>(.)6~/.... A definição de casal (matrimonial) é requerida para situar esse tipo de</p><p>relação diádica e diferenciá-lo das relações diádicas não-matrimoniais.</p><p>A necessidade científica de ter parâmetros! definitórios, para os fins de</p><p>distinguir este objeto de estudo de õUtros paSSIveIS, encontra sua realização</p><p>na seguinte proposição: toda pessoa disposta a constituir um vínculo de casal</p><p>sabe, consciente ou inconscientemente, a partir dos modelos socioculturais,</p><p>que isso implica certos elementos constantes e pressupostos que dão sentido</p><p>ao campo do permitido, oposto ao do proibido. Por exemplo, o modelo</p><p>sociocultural prescrito para casais inclui relações sexuais, as tenham ou náo,</p><p>Os parâmetros definitórios, embora providos a partir do mun do sociocu It IIral,</p><p>possuem um registro no mundo psíquico proveniente do infantil, onde 'iI!</p><p>Incorpora o modelo do o/Jjt'ICl rasai (Puget, J982), construção inhlgill,hi,I</p><p>constttuída pOI' Ir'lh; l'I'pr·!·fl('III.IÇ(1l'S: \l'll),1 provi-nk-nt« dn itH'l'Inldndl' do</p><p>(; JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>sujeito infantil; em relação ao objeto amparador, estrutura relacional originá-</p><p>ria; esta estrutura corresponde ao narcisismo primário, a denominamos de</p><p>Objeto Único e dela nos ocuparemos pormenorizadamente mais adiante</p><p>(capítulo 8). Outra é</p><p>parentais sufocantes, que (o</p><p>mentam a hiperdependência como salvação, ou de forma complementar, ''''</p><p>qual uma representação parental sufocante 'leva um dos egos a idealizar ,ltI</p><p>figuras parentais do outro, fomentando a hiperdependência e více-versa.</p><p>Ambos os membros do casal se encontram idealizando o comportamento d,1</p><p>outra família, resultando dessa conjunção a criação de um espaço vincular cada</p><p>vez mais vazio, no qual o interesse de cada um dos dois egos será O de</p><p>estabelecer permanentemente limites muito precisos de seu ego ou de sua</p><p>forma de agir no vínculo. .</p><p>O espaço vincular vazio não é tolerado pelos egos, sendo substituído</p><p>pelo espaço intra-subjetivo, que é confundido com espaço vincular, surgindo</p><p>dessa forma o mal-entendido entre o vincular e o mundo interno. Na sessão</p><p>com esse tipo de casais e devido ao investimento contratrànsferencial, II</p><p>terapeuta se vê fazendo interpretações primeiro a um e depois a outro dO::1</p><p>membros do casal, como se fossem análises ,individuais conjuntas. E~lIltl</p><p>característica é uma decorrência da transferência, para o enquadramento</p><p>terapêutico do casal, da situação de carência vincular e de mal-entendido,</p><p>resultante agora da confusão entre vínculo e relações intra-subjetivas. Por SU,I</p><p>vez, isso irá alimentar o mal-entendido, pois, na relação intra-subjetiva, CI</p><p>outro funciona como outro imaginado, do qual se espera que adivinhe todos</p><p>os desejos do ego. Mas, quando os adivinha, sente-se descoberto.sentindo-se,</p><p>por isso, também agredido, o que leva a uma maior discriminação. No caso.</p><p>uma maior discriminação leva a Um vazio maior e à maior cobertura regresst v ,I</p><p>do mundo intra-subjetivo.</p><p>o MAL-ENTENDIDO E A TRANSFERÊNCIA</p><p>À luz de nossa concepção do mal-entendido, consideramos a trnn:_;fl'n'lI</p><p>da como um mal-entendido unilateral. Pelos mecanismos inerentes 1\ P"Oj"I,,1I1</p><p>e deslocamento, o analista é tomado pelo casal como trwcsttdo ('(1111 11111</p><p>significado derivado da constelação objetal interna e infantil de cadn 11111 dI!</p><p>membros, bem corno do tipo de vínculo dl' casal, bOHP,ldo nOH IIlordfl</p><p>l~HIlIl>l'll1l'idoH 11111'1111''' dt· en.uuoramentn.</p><p>86 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>Desde logo, isso pode ser aplicado também aos pacientes individuais e à</p><p>transferência sobre o analista.</p><p>Pelo lado do analista, este pode se confundir com a intensa identificação</p><p>projetiva de seu paciente, e no caso de ser um paciente-casal, devido aos</p><p>próprios conflitos não-resolvidos, pode ser confrontado com suas vivências</p><p>inconscientes, derivadas da relação com o objeto-casal. No caso de transferir</p><p>sobre o analista e reagir a este de forma complementar - como disse Racker-</p><p>instala-se um mal-entendido bilateral, em geral de forma silenciosa. Pode</p><p>percebê-lo sob a forma de um crescente mal-estar, uma irritação que pode</p><p>chegar à violência contratransferencial.</p><p>Por exemplo, um paciente melancólico diz: "hoje não me interpretou</p><p>nada"; e o analista tem a opção de entender o significado qualitativo desse</p><p>"nada" ou tomá-lo em sentido quantitativo, podendo ocorrer se indagar</p><p>quantas vezes interpretou. Pode autocensurar sua própria intervenção, quando</p><p>o que o paciente disse corresponde a uma modalidade de relação com um</p><p>superego crítico, projetado no analista. Como sabemos, existe em toda</p><p>autocensura uma censura a um outro, neste caso, ao paciente.</p><p>Uma situação especial desse transtorno foi estudada por Puget e Wender</p><p>(1982),como sendo determinante da instalação, na sessão, de mundos superpostos.</p><p>Quando o analista registra no material de seu paciente um certo tipo de</p><p>notícias, fatos e eventos pertencentes à sua atualidade pessoal, sobre a qual</p><p>tinha antes instalado suas próprias transferências, poderá entrar em um</p><p>fenômeno de mundos superpostos. Nestes, são superpostos aspectos manifes-</p><p>tos anedóticos comuns. Então, ofuscado por sua própria temática, toma o</p><p>material manifesto do paciente, retira-o do campo transferencial-</p><p>contratransferencial, isola-se e passa a ocupar sua mente com seu interesse</p><p>pessoal a respeito do relato do paciente, que ressoa como uma temática própria.</p><p>O fenômeno dos mundos superpostos produz uma inibição da função</p><p>interpretativa, pelas razões acima expostas. O paciente supõe 00 analista uma</p><p>escuta para continuar falando de sua problemática pessoal, de seu mundo</p><p>interno, quando, na verdade, o analista, inconsciente de seu procedimento, fala-</p><p>lhe de seu interesse pessoal. Utiliza seu paciente como uma janela para o</p><p>mundo. Cria-se assim um mal-entendido, devido ao funcionamento narcisista</p><p>do analista.</p><p>o MAL-ENTENDIDO DE ALBERT CAMUS</p><p>o mal-entendido é um tema clássico na literatura, folclore c teatro.Deste</p><p>últuno, umn belo r dramática nmostra é a peço cm três atos do rnesrno nome,</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 87</p><p>cujo autor é Albert Camus (1947). Faremos um breve comentário da mesma,</p><p>resumo de um trabalho nosso de maior extensão.</p><p>Os personagens são a mãe; sua filha Marta; o filho Jan; a esposa deste,</p><p>Maria, e o velho criado. A mãe e Marta atendem um albergue, estando ligadas</p><p>entre si por uma série de crimes. Periodicamente, matam hóspedes ricos l'</p><p>sozinhos, roubando seus pertences.</p><p>[an, o filho, saiu de casa, voltando vinte anos depois. Seu desejo</p><p>imperioso de ser reconhecido pela mãe e pela irmã leva-o a conceber urna</p><p>prova, ou seja, a apresentar-se como um hóspede sozinho. Como parece ter</p><p>prosperado, reúne as condições de ter bastante dinheiro. Para sua esposa,</p><p>pareceria natural apresentar-se como casal, mas [an a desestimula, para</p><p>cumprir o ideal narcisista de ser reconhecido, sem palavras, sem dizer quem</p><p>é, apenas pela presença, pela mãe e pela irmã. A esposa, de acordo com ()</p><p>critério de realidade, insta-o a dizer ~s poucas palavras necessárias: "Sou eu ..,"</p><p>ou "Sou teu filho e esta é minha mulher ...". Para [an, é impossível renunciar</p><p>à onipotência de seus desejos de reconhecimento, caminho ineludível para</p><p>utilizar os signos verbais. Implica a dor pela renúncia a ser o filho único.</p><p>Aceitar se apresentar, dizer quem é, nomear-se, equivale a ser um entre vários</p><p>objetos maternos. Éuma pré-condição para abandonar o código idiossincrásico,</p><p>de natureza narcisista, pelo qual se define como próprio e incompartilhável,</p><p>apoiado pela ilusão de assim o ser para o outro. Baseia-se na convicção de urna</p><p>eficácia direta, com o mero desejo do seio fazendo com que este se apresente.</p><p>O puro desejo de ser reconhecido fará com que o reconheçam sem palavras.</p><p>A inclusão do pensamento verbal determina a passagem para uma eficácia</p><p>indireta, na qual o ego deverá utilizar signos a serem interpretados l'</p><p>explicados pelo objeto e, possivelmente, insistir até seu aparecimento. São,</p><p>por sua vez, indícios da existência do ego. A convicção na eficácia direta do</p><p>psiquismo leva a uma forma de morte psíquica. Apenas a instalação da eficárta</p><p>indireta, mediante o simbolismo e os signos da linguagem, permite a sobru-</p><p>vivência e o crescimento mental.</p><p>Na obra de Camus, o diálogo entre a mãe e a filha asemelha-se, por alguIlN</p><p>momentos, ao de duas pessoas invadidas por um funcionamento psicótico de</p><p>tipo delirante, com recusa da agressão. Quando planejam matar o hóspede</p><p>{ilho, a filha diz: "Bem sabes que nem sequer é uma questão de matar. Bcl)('I'.~</p><p>chá, dormirá e, ainda vivo, levá-lo-emos para o rio". A mãe diz: "Quase 1),10 I~</p><p>um crime: apenas uma intervenção, um empurrãozínho em vidas que n,'"</p><p>conhecemos". Apartir da mãe, o desconhecimento e, por parte do {ilho, dL'h!'IIIN</p><p>insaciáveis de reconhecimento sem palavras.</p><p>Finalmente, cumpre-se o destino inelutável, trágico e sinistro LI., lllr\.,</p><p>que mata o filho, com a ajuda da filha. Quando a mãe se d~ conta dis:>!), 1'01</p><p>AII,I vez se mata, llusorinmente aspirando ,l rcunlr-sc an (ilho 1111 rio, V~rllUI</p><p>1lI'II(\l'IWI,I~ d.I nbr';l !i,'u) dMll'l I'xl'mplns doI'> mnl-entendldo« 'lpoiado" "11\</p><p>88 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>subentendidos, baseados no uso de códigos idiossincrásicos. O diálogo entre</p><p>mãe e filho, bem como o da irmã com o irmão, contém uma abundância de</p><p>implicações, mensagens não-ditas nas próprias formulações, mas</p><p>derivadas</p><p>do conteúdo semântico ou pragmático. O espectador, por seu conhecimento</p><p>do contexto de um e de todos os personagens, capta o sentido das implicações.</p><p>[an sabe que está falando com a irmã, mas esta não sabe conscientemente</p><p>quem é o visitante. [an sabe que é a mãe, mas esta aparentemente não sabe</p><p>quem é seu interlocutor. Por sua vez, Ian não aceita não entender a conduta</p><p>de suas anfitriãs. Sua mente está ocupada pela busca do reconhecimento sem</p><p>palavras. O dano mental que disso resulta afeta a significação de verdadeiros</p><p>índices de realidade.</p><p>Em dado momento, a mãe diz ao viajante: "Deixe, filho meu ..." e, logo</p><p>depois, a respeito dessa frase, verdadeira e mal-entendida, pois é tomada como</p><p>se fosse um lapso, como falsa: "Ah, estou tonta ...", quando aquele é o momento</p><p>de maior clareza e de conta to quase inconsciente com o filho.</p><p>No segundo ato, são descritos ainda mais os matizes do mal-entendido,</p><p>o fracasso da técnica narcisista do filho, seu cr.escente mal-estar sem nome, a</p><p>impossibilidade de revertê-Ia e a entrega à morte.</p><p>A inquietude de [an não encontra palavras adequadas; por sua própria</p><p>natureza, a angústia não é suscetível de ser colocada em palavras. O pacto</p><p>narcisista reafirma as próprias convicções e, como ninguém pode transgredi-lo,</p><p>determina uma submissão passiva aos desejos do outro. Representa, em seu</p><p>grau extremo, a morte psíquica.</p><p>Existe morte em cada mal-entendido, o que, na obra teatral é representado</p><p>pelo aniquilamento do filho, com a união maníaca da mãe com o filho, no rio</p><p>da morte. As implicações do diálogo entre Jan, a mãe e a irmã sugerem o desejo</p><p>assassino da mãe-irmã e sua entrega ao mesmo.</p><p>O mal-entendido é uma formação vincular, ligada ao predomínio de</p><p>agressão e morte,~ado tanto corno ataque ao vínculo, como à ..e!:212ria</p><p>morte. l'\1a obra-de Camus, anula-se o reconhecimento do outro, mediante o</p><p>não-uso da palavra. Enunciá-la é reconhecer a ausência do' objeto concreto e</p><p>aceitá-lo como representação de um nível de maior diferenciação. É a perda da</p><p>ilusão desereterum Objeto Único, dereconhecimentoonipot ente e onip-resente.</p><p>r A passagem ao objeto compartilhado ~stá associada ao reconhecimento da dor,</p><p>pois a mente e o corpo da mãe possuem um setor compartilhável e outro não-</p><p>. compartilhável. O ego aceitará tanto a possibilidade de compartilhar como a</p><p>\</p><p>solidão vinculada ao não-compartilháveI. Seu não-reconhecimento é fonte de</p><p>mal-entendido.</p><p>Finalmente, a obra de Camus ilustra-nosa respeito de que palavra precisa</p><p>(! aquela pronunciada em um determinado tempo compartilhado. Não existe</p><p>um tempo ilimitado e infinito para fazê-lo.</p><p>PSICANÁLISE 00 CASAL 89</p><p>Notas do capítulo 5</p><p>1. Este conceito foi utilizado em relação com o diálogo analítico. Psicoanálisis, tomo VI, n? 1, 1984,</p><p>2. Piera Aulagnier (1979)descreve com este nome um vínculo em que se confundem necessidade</p><p>e desejo. O despertar de uma paixão equivale a prometer ao outro ser objeto único, instalando-</p><p>se como indispensável para sua sobrevivência. Dessa forma, a droga pode se converter, para um</p><p>toxicôrnano, em Objeto Único.</p><p>CAPÍTULO 6</p><p>Significação do Conflito</p><p>Matrimonial na Análise de</p><p>Casal e na Análise Individual</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>o CONFLITO MATRIMONIAL é o que afeta e tem como cenário essa</p><p>estrutura vincular complexa; assume a forma de oposição entre os sujeitos que</p><p>habitam, oposição entre os egos, entre os significados atribuídos à relação, entre</p><p>o desejo e a possibilidade de realizá-lo com o outro.</p><p>Coisa diferente é o relato do conflito matrimonial. Sabe-se que são</p><p>correlativos. Um ou os dois egos podem destacar um conflito de casal, relatando</p><p>pouco do mesmo, quando este é contido pelo ego e/ou pelo vínculo. Outros</p><p>apresentam um relato perturbador para quem estiver disposto a ouvi-lo, sem</p><p>que o conflito, em si mesmo, possua esta qualidade. Convém acrescentar o</p><p>critério de uso (Bion, 1965), para descrever as operações mentais e vinculares</p><p>para as quais os relatos são feitos: assegurar a própria estabilidade mental t.'</p><p>vincular, através da inoculação projetiva e do ataque invejoso; preservar O casal</p><p>de pais internos, afirmar certas e determinadas convicções, enlouquecer ()</p><p>outro, e outros tantos usos.</p><p>O relato do conflito matrimonial ocupa um lugar central na psicanálise de</p><p>casal. Porém, também pode oêüj5ãrum lugar central na análise individual, .'"</p><p>familiar ou na degrupo. Ocupar-nos-emôs aqui àõe'spaço terapêu tico dos dois</p><p>primeiros.</p><p>Existem pacientes cujos relatos, na sessão, passam principalmente pdo</p><p>conflito matrimonial, como se toda a vida mental tivesse sido absorvid.t pt'I.,</p><p>9n</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL</p><p>vida de casal. São relatos pormenorizados e repetitivos das dlflc:uld</p><p>matrimoniais e das interpretações a respeito da constelação do conflítn mm</p><p>objetos do mundo interno ou seu desdobramento, na transferência, sem 'lU</p><p>modifique a estrutura do relato.</p><p>Essa situação clínica foicaptada pela perspicácia psicanalítica de l.lbctrmln</p><p>(1956), que publicou há muitos anos um trabalho já clássico sobre este tópl</p><p>O tema objeto deste capítulo, por sua vez, permitirá pensar 80brt</p><p>significado do relato, segundo o contexto, o qual por certo dá um 8cntld</p><p>iferente. Permitirá especificar o contexto da sessão de casal e () da NCI •• An</p><p>individual. Ambas possuem características diferenciais, tanto no qUl' fie r"f</p><p>aos temas tratados, como à maneira de contá-los.</p><p>O conteúdo manifesto de uma sessão, em diferentes enquadramento</p><p>possui uma significação derivada do marco contextuaI determinado fortement</p><p>pelo número de pessoas reais, posição e o tipo de resposta que um ego dA AU</p><p>outro.</p><p>Os terapeutas que iniciaram sua tarefa clínica com a psicanálise bipl'S!40.'</p><p>e depois passaram para a psicanálise de casal tropeçam, em algum momento,</p><p>no obstáculo de escutar relatos feitos por vários sujeitos. Uma prinll'lrn</p><p>alternativa foi a de considerar o relato de vários equivalente ao de um ""</p><p>paciente. Todavia, existem diferenças profundas entre o tipo de disl"lII"íifl</p><p>produzido por um único paciente, além disso deitado, e o produzido por mail!</p><p>de uma pessoa, sentadasenvolvidas em um vínculo de longa duraçáo, l]ll\'</p><p>precede e sucede à sessão.</p><p>Cada um de nós, em algum momento, chocou-se com o obstáculo</p><p>epistemológico de pensar o casal, na sessão analítica, como se fosse um.' mente</p><p>ampliada.</p><p>Neste livro, propusemos um modelo com umametapsicologia diferente,</p><p>para pensar este objeto inconsciente, caracterizado como vínculo de 1:',,,"\1</p><p>Esperamos ter resolvido algumas questões para, deste modo, facfitar a tilr"'.,</p><p>clínica. Certamente, surgiram outras incógnitas, que não se tinham apresentado</p><p>antes, mas esta é a sina do trabalho científico.</p><p>São vários os eixos capazes de nos permitir o reconhecimento de rert,,"</p><p>diferenças, em cada enquadramento.</p><p>A REGRA BÁSICA: ASSOCIAR LIVREMENTE</p><p>E PENSAR LIVREMENTE</p><p>A .IHsllri.IÇ.10 livre, \.'xigid.I do paciente individual, Il'Vil-1l0S.1nhtl~"1I1Knn</p><p>tlt1 HI'II mundn illh'I'IIIl, 1'11111,I meuor illll'rh'r{\nriil pllllSivi'I, sulvo .1"II~ lIurMl1</p><p>92 JANINE PUGET & ISIDOR:o BERENSTEIN</p><p>do analista. Solicita-se ao paciente-casal a possibilidade de pensar livremente,</p><p>dependente de ambos os integrantes. A unidade de observação é o vínculo e os</p><p>dois nele comprometidos. Um ego age, naturalmente, como limite do outro ego,</p><p>em sua possibilidade de falar e pensar livremente. Freqüentemente, em sessões</p><p>de casal, um dos dois costuma dizer: "Não me interrompas", "deixe-me desenvol-</p><p>ver livremente meu relato", quando não discutem a respeito da veracidade do</p><p>relato de experiências vividas juntos. Essa liberdade é ilusória, provocando uma</p><p>mensagem contraditória. A presença do outro sempre é uma interferência, e sua</p><p>negação faz parte do conflito a ser anãlisado, naquilo que a presença do outro</p><p>possa ser repudiada ou apagada, para dar lugar ao desenvolvimento mental de</p><p>um, pelo que o problema técnico do analista se conjuga com uma situação</p><p>resistencial, na qual o resistido é a pertença a um vínculo.</p><p>Existem diferenças entre a associação livre, feita por um único aparelho</p><p>psíquico, e o pensar livre,</p><p>construído entre dois ou mais aparelhos psíquicos</p><p>(Kaês, 1986; Puget e col., 1980). Aceitar compartilhar um discurso construído</p><p>en tre duas ou mais pessoas representa tanto Uma facilitaçãq como uma restrição</p><p>VIVida como lesão narcisista. Na análise individual, o paciente pode falar, relatar</p><p>seu conflito matrimãruaI.</p><p>Na análise de casal!.-,os l2ªJ~ientes, além de falarem desse conflito, o fazem</p><p>ou o reproduzem noagui e agora. Fazem-no, reproduzmdo-o na sessão,</p><p>enquanto o dizem, contando-nos (> que acreditam ser seu conflito matrimonial,</p><p>e observamos como contam e o que sucede entre eles.</p><p>Para Kaês (1985), a cadeia associativa grupal possui dois traços específi-</p><p>cos: cada enunciado (elemento da cadeia associativa grupal) adquire sentido em</p><p>relação aos outros, e lhes dá sentido, seja no que se refere ao sujeito singular,</p><p>seja no conjunto grupal, seja a um e a outro, em um ponto de enlace</p><p>característico; o processo associativo grupal, enquanto tal, dá acesso a significa-</p><p>dos perdidos, ocultos, forcluídos ou encriptados, que provavelmente não</p><p>apareceriam no processo associativo do sujeito singular, à medida que O</p><p>investimento da marca só pode ocorrer na transferência, intensamente atuali-</p><p>zada na situação grupal. Além disso, acrescenta que o recalcamento grupal é</p><p>determinante do pensamento associativo grupal, partindo-se da idéia de que</p><p>u!_11~.o 'a ão de SUjeitos que querem compartilhar seus desejos</p><p>e recalcamentos". O recalcado pro uz um efeIto de discurso e um efeito de</p><p>anause. Destaca as diferentes estruturas de grupo, determinantes de cadeias</p><p>associativas: 1/A cadeia grupal transgeradonal, que segue o destino de significantes</p><p>ancestrais compartilhados, encistados, recalcados, forcluídos, aparece como</p><p>superfície e acontecimento, para um sujeito singular".</p><p>1/ A cadeia associativa sincrõnica, que segue o destino da transmissão (d,</p><p>transferência: Übertragllllg) de inconsciente e da recuperação dr signlfkndos</p><p>!'I'r.,Ir.ldos por 11Il'\ sujrito, é retomada por outros menlbros do grupo" (1'. HH).</p><p>l''iICANÁLlSE DO CASAL</p><p>Os elementos descritos por Kaés, para um grupo, também pudem'</p><p>r-ncontrados na formação do pensar livre interdiscursivo, criado no mArco ,t</p><p>vínculo do casal.</p><p>Pensar livremente não é dizer tudo, como certamente não o é ê1l11l0"'.'</p><p>livremente. Modificam-se radicalmente os níveis de intimidade (de um cum,</p><p>nutro), e o de privacidade (do casal para o terceiro fora do casal e dentro d</p><p>marco terapêutico).</p><p>Esses níveis surgem quando aparece sua discussão, sendo Objl'l!,j d</p><p>,lIlólise em si mesmos.</p><p>MATERIAL CLÍNICO.</p><p>CARACTERÍSTICAS DO RELATO NA SESSÃO</p><p>Um relato, no marco da sessão, em sentido descritivo, é uma expu"I~.n</p><p>narrativa de uma determinada experiência emocional, seja interna ou vinculAr</p><p>Na sessão bipessoal, o paciente relata sonhos, conflitos, emoções, síntoma</p><p>11,loções com pessoas importantes de sua vida, podendo aparecer enh'I'l'Il'" ('</p><p>runflitos de casal. A partir do casal, inicialmente os relatos são principalment</p><p>do conflito de casal, em geral motivo de consulta. Ao cabo 'de certo tempo, "</p><p>lonflito perde vigência, tornando-se freqüente o aparecimento de urna sen ••</p><p>'..10 de vazio e de não-pertinência. O lugar mental e vincular ocupado pfln</p><p>I onflito de casal, ainda não pode ser significado por um falar llvrement</p><p>rnmpartilhado. Podem surgir, como fenômenos resistenciais, relatos indlvldu</p><p>.Ii", com freqüência ocorrendo a interrupção da análise de casal, para inidi"</p><p>lima análise individual. Neste momento, dá-se uma fuga para outro mllh.'"''</p><p>I) que pode ser considerado como um aciing out posto em jogo de Iin~lI"K"m</p><p>IllotOlja, para evitar a elaboração da penosa sensação de vazio vincul ar.</p><p>Ainda está longe do ínsight do compartilhado e da busca de um tr,I iiImcnt</p><p>npropriado para o intersubjetivo. Na realidade, é a tentativa de achar 1I1l11UK</p><p>III) qual repetir o relato do conflito de casal, agora sem a presença do uutrn, N</p><p>1'1\ pítulos anteriores, mencionamos como primeiro sucesso do casa I a cr .."A" d</p><p>11mespaço de complexidade cada vez maior, onde circula uma Iingll.lgem ,',</p><p>valor de compartilhada. Esta se enriquecerá, com o fornecimento de nov</p><p>..11;nHicantes, palavras ou relatos que ambos os membros conhvcerâu, ",·."i</p><p>.'''1.1, por sua vez, uma forma de se reconhecerem um ao outro. NIl "lip.</p><p>compartilhado, confluem os temas pertencentes à vida conjunta I! ~ vld</p><p>nulividual de cada um,</p><p>A modalidade de intercâmbio e o tipo de escuta de um (lH"ao outru n</p><p>IlI'rnlltl' reconhecer diferentes configurações. Descreveremos .llgUllIo!!! plill11i</p><p>pCl%IIIl'ls dos duis l'gllS, pólos do Vh1ClIlo rl'I.,ciol1,ldos com (I di~nm,(ll'mltl</p><p>I'0r IIIlI dos duis.</p><p>94 JANINE PUGET& IsIDORO BERENSTEIN</p><p>Posição dos falantes 1</p><p>A fala de um certo tema, considera-o de seu interesse pessoal, faz parte de</p><p>sua história individual ou de uma área não-compartilhada. Enquanto o faz, o</p><p>outro ego, B, desinteressa-se, não escuta ou pelo menos parece não escutar. Para</p><p>isso, apóia-se na hiperdiscriminação ou na recusa. Como resultado, cria-se em</p><p>A uma vivência de solidão. A presença do analista pode minorar a vivência de</p><p>solidão, pois haverá alguém, um outro, encarregado de dar significação ao</p><p>relato. Cria-se uma condição ou circunstância tendente a anular o espaço</p><p>vincular baseado na racionalização de que o tema de A pertence a um só ego,</p><p>não sendo compartilhado. Confunde-se compartilhar com a incidência da</p><p>presença de um outro ego. Corresponde a uma tentativa mútua de evitar a</p><p>penetração de conteúdos alheios e o despertar de experiências emocionais e</p><p>ideativas onde ambos os egos entram em uma zona de fusão.</p><p>Posição dos falantes 2</p><p>A fala de seu tema, mas é manifestamente escutado por B, embora não</p><p>produza uma resposta visível. A vivência será a de emitir palavras e vivências</p><p>para um ouvido receptor, embora este não as devolva. Esta condição procu.ra</p><p>interromper a dupla direcionalidade de todo vínculo. Pode dar lugar a fantasias</p><p>de depositações eternas, com a criação de um vínculo assimétrico, obedecendo</p><p>ao modelo do Objeto Único.</p><p>Posição dos falantes 3</p><p>Partindo sempre do discurso de um único ego, suponhamos em A um</p><p>grau mais complexo. Produz-se quando B parece estar a serviço de dar ou tentar</p><p>dar significado ao tema de A. Há um outro que escuta e devolve, com interesse,</p><p>um certo tipo de semantização, embora faça constar que esse material não lhe</p><p>pertence, sendo do outro.</p><p>Posição dos falantes 4</p><p>Essa posição possui alguma correspondência com a descrita na posição 1.</p><p>Porém, nesta o tema proposto por A é anulado ativamente por S, que tenta</p><p>transformar A em um ego transparente. Cria-se a ilusão de existir UIl) único</p><p>jnh'grílllh' do casal, capaz de dar significado ao relato de ambos. Lutam por</p><p>PSICANÁLISE 00 CASAL 9.</p><p>Impor sua própria significação ao relato do outro, em eternas disCUSSOO8•</p><p>rcspeíto de quem faz a melhor interpretação, A ou B, com base na convicção di</p><p>uma única interpretação, sendo esta possessão exclusiva de um dos dois. Cérft</p><p>se um funcionamento ao qual chamamos de enlouquecedor-enlouquecldo</p><p>(capítulos 3 e 5), baseado em convicções.</p><p>Posição dos falantes 5</p><p>Nesta posição intervêm os dois egos, A e 8, com temas considerado.</p><p>próprios, individuais e não necessariamente complementares homólogos</p><p>Todavia, poderão aceitar que ambos têm cabimento, tanto no falar como no</p><p>,''1cutar, pouco a pouco criando um espaço compartilhado, que transforma OJl</p><p>discursos individuais em discursos significativos vinculares.</p><p>Discriminando a qualidade da escuta, permite-nos detectar a necessidade</p><p>de anular, transformar ou perverter o espaço vincular dado, como se CSSnM</p><p>perturbações existissem apenas pelo fato de virem juntos à terapia. Partimos do</p><p>Iireseuposto de que, quando um casal deseja se tratar, como tal, teremos acesso</p><p>"O espaço vincular, e apenas a ele, embora procurem reduzi-lo a um espaçel</p><p>virtual. Todas as posições anteriormente descritas demonstram essa tentativa</p><p>de anular a diferença e a discriminação.</p><p>• Posição do analista</p><p>Por seu turno, o analista realiza certos recortes no material de uma ses!!.\cI</p><p>vincular,</p><p>para transformá-los em dados observáveis, de acordo com as vieis!!1</p><p>tudes transferenciais e contratransferenciais descritas no capítulo 7.</p><p>Observaremos o que é relatado entre eles e a nós, o que fazem ante nOSflft</p><p>observação e a diferença entre o contado e o mutuamente feito diante de nÓ"</p><p>~ Nõenquadr~ento bipessoal, opaciente nos fala do outro~ ao qual temo.</p><p>acesso apenas hipoteticamente, através dos relatos que são considerados reali:r.n</p><p>ções de suas relações intra-subjetivas e da transferência-contratransferência. No</p><p>entanto, pode-se pensar que, ~m algum momento de toda análise bipessoal,</p><p>podemos formar uma representação do outro incluído no relato durante" ~s!tAlI</p><p>Indivíduã["Podemos inferir oyrojetado pelo ego no ôUtro,bem como o {Iul' ~!lh'</p><p>projeta naquele, e é íhconscíente para o próprio ego. Imaginamos o intcrjogo cmtl't'</p><p>o ego presente e o outro ilusoriamente presente. Pá-Io-emos a partir de um mundo</p><p>fnntasmático e de um COIIIO se tivesse existência real o personagem ,10 qual nlll</p><p>n-ferimos. 11muma sitlH\Ç'UOvincular, o observador cstá em condlçõe« de .\VAIIAr</p><p>I' dUI·n·nd.n II pertencente ao vínculo l' () pertencente ~ fl·I.,,~.,ojlltr,l-subjctlv. Ii</p><p>md.\ um dos dllil'l,l'll\ n'I,I~Mll'(llll UIl1 terreiru Illllllifirndo - II tcrupl!uíi\</p><p>96 JANlNE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>No capítulo 5, diferenciamos um mal-entendido intra-subjetivo e um mal-</p><p>entendido vincular. Dissemos que o primeiro provoca sofrimento e mal-estar,</p><p>bem como vivências correspondentes à recusa da realidade, o que o leva a ser</p><p>registrado como mal-estar na vida vincular. A interpretação de um mal-</p><p>entendido vincular isola, imediatamente, uma série de incógnitas, embora,</p><p>possa retornar resistencialmente, em outros relatos. Todavia, poder desenredar</p><p>ou reconhecer o significado de um mal-entendido vincular costuma produzir</p><p>um efeito imediato na reorganização do vínculo. Sua transformação poderá</p><p>levar à reorganização do mesmo, a partir de diferentes configurações. Nesse</p><p>caso, tratar de identificar qual dos dois tem razão ou que escutou melhor, pondo</p><p>em evidência o que o mal-entendido produzia solapadamente: a dificuldade de</p><p>se escutar e de criar um discurso compartilhado.</p><p>A outra diferença consiste em que, na sessão analítica bipessoal, ele ou os</p><p>outros estão dentro do relato do ego, e, na sessão de casal, o outro está ao mesmo</p><p>tempo dentro e fora do relato de cada ego. Ouvir essa diferença é função da</p><p>posição de analista, em um e outro enquadramento.</p><p>o CONFLITO MATRIMONIAL NO ESPAÇO TERAPÊUTICO</p><p>BIPESSOAL E DE CASAL</p><p>Vejamos como é possível operar em um conflito matrimonial, no espaço</p><p>psicanalítico vincular de casal, ou no espaço bipessoal. Procuraremos elucidar</p><p>a exeqüibilidade de nosso trabalho.</p><p>Pode ocorrer um conflito inundante e paralisante do vínculo matrimonial,</p><p>sendo suas características o predomínio da perturbação intra-subjetiva de um de</p><p>seus membros, embora esta possa ser acentuada pela ação ou pela conflitiva do outro</p><p>membro do casal. Irá produzir uma perturbação cuja elucidação pode ser difícil,</p><p>no vínculo analítico de casal. Certos tipos de funcionamento levam a um tal grau</p><p>de paralisação dos intercâmbios, que inclusive a ação do analista pode se tornar</p><p>nula ou pouco eficaz. Algumas situações, particularmente traumáticas, na vida de</p><p>um dos integrantes do casal, podem fazer parte do inelaborável, em nível</p><p>vincular. Em outras circunstâncias, a impossibilidade de perceber a potência da</p><p>ação patógena de um sobre o outro, leva à indicação de tratamento individual.</p><p>Seria uma maneira de tornar consciente a origem da retração narcisista de um dos</p><p>dois, e da acentuação defensiva do conflito intra-subjetivo. Em algumas ocasiões,</p><p>um conflito pessoal em um vínculo leva a situar o outro integrante em uma</p><p>posição tal que termina desempenhando um papel no conflito.</p><p>A discriminação desses dois aspectos orienta a estratégia, a leitura e a</p><p>conduta interpretativa. Em caso contrário, a falta de dífcrendaçâo pode levar</p><p>II 11m.urmcntu do confusão, em cada limo das mentes que habitam () vínculo.</p><p>PSICANÁUSE DO CAsAL</p><p>Do mesmo modo, é freqüente, no campo bipessoal, confundir O roRn... 1</p><p>vincular com o intra-subjetivo. A distinção levar-nos-á a localizar um for,</p><p>espaço analítico, com incidência neste, embora se tome inabordável e lna</p><p>vel à semantização própria do campo bipessoal.</p><p>Esta proposição leva consigo uma questão de ordem gt~r"l. L'tut</p><p>enquadramento configura um código e um limite, dependente da p(lssiblll~tAd</p><p>de semantizar, em cada um. Dessa forma, um conflito vincular não sl'ria pn"ltlv,1</p><p>de ser analisado em toda a sua extensão. É acessível apenas um aSJwl'!1I rl'Mtrlt</p><p>do mesmo, em um espaço bipessoal. O conflito vincular ampliado, l'IlrreHl'nn</p><p>dente ao espaço do casal, pode ser extensamente analisado, reconhecendn u</p><p>fator de indução inconsciente, produzido pelo conflito intersubjctivo.</p><p>Um exemplo comentado parcialmente, no final deste assunto, IrA nu"</p><p>permitir diferenciar ambos os espaços. Descreveremos as vicíssítudes d,' dUA</p><p>modalidades, as quais chamaremos de rápida e lenta, e sua comprconsão, em</p><p>um e outro espaço. Entende-se por lenta e rápida duas dimensões n'I,Itlvl\</p><p>desdobradas no tempo, transformadas em absolutas pelos integrantes d(ll~I",,,1</p><p>Adquirem significação apenas em face de um outro.</p><p>Imaginemos um casal constituído por um ego, cuja relação COIl1 (I tcmp"</p><p>fornece uma qualidade caracterizada como lenta, e outro, com uma qUillidnll</p><p>denominada rápida. No casal que iremos comentar, caracterizam-se Lcomo um</p><p>marido lento e R como uma mulher rápida. Tais modalidades, ao se org,tnlM</p><p>rem como conflito, no espaço vincular, supomo-las investidas d.is s~rl(1</p><p>complementares de cada um. Transformar-se-ão em imposição do ritmo de um</p><p>único, anulando a diferença e o conflito, enquanto que, na verdade, cond iriol'iUn</p><p>no reciprocamente e o aumentam.</p><p>A lentidão provém de uma série de vicissitudes familiares de sua idt~n,1fI</p><p>cação com um personagem importante, e por isso foi equiparado a "dM-SI' III"</p><p>tempo para pensar" com lentidão. Esta era apoiada por um nwc,lIlllimn</p><p>obsessivo tendente a controlar a agressão do pai.Para o ego lento, tudo Mlullu</p><p>que 'tendesse a imprimir outro ritmo a sua forma de pensar e de agir d('sll\'rlllVI1</p><p>nele uma angústia insuportável, e a vivência de ser levado a conter "quilo '1m</p><p>ovitava. Para R, tal modalidade está ligada à expulsão, relacionadu com 11111</p><p>mecanismo obsessivo reativo, no qual é levada a se desfazer de tudo () qll~'(</p><p>runsíderado como sujo, tóxico ou capaz de ocupar um lugar prejudlclal em 811"</p><p>mente. A modalidade é apoiada por uma fantasia de oferenda ,lOS objl'l(i</p><p>IliIrcntais, de seus conteúdos prejudiciais ou sujos. Ambos os rilmo:! (~lItl\"</p><p>rundkionados por funcionamentos obsessivos e de evltação de um pl~rlRU</p><p>nuitor. Omarido lento valoriza a demora Ou postergação da açao c um (('1'10 III'''</p><p>dl' Jwns.lr. A mulher rápida tende a reduzir o tempo para pensar, tl'.IIlS(fll''''''''</p><p>d" I) cm ação. Em nível vincular, ambos Idealizam innlllsrit'nh'I1l'~lltc IIIIA</p><p>I"úprill !nnd.llid.ldt' ou, .1Itt'l'Ilil tiv.uncn te, ,I do OU 11'0, ('OlHO 11111,11t'lIlll1lv" ,I</p><p>n~lIlllvt'r IIlllHIr"'''''nll' IH'1I JlI'IIpriO ronflitu.</p><p>96 JANrNE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>Tendo elucidado, ao cabo de algum tempo, as impregnações fantasísticas</p><p>de cada uma dessas modalidades, restariam, na melhor das hipóteses, os dois</p><p>t'gos situados em um vínculo com duas modalidades individuais. Estas, a partir</p><p>de sua vertente neurótica ou normal, não teriam porque ser modificadas, pois</p><p>constituem maneiras de ser de cada um. Só precisarão ser compatibilizadas no</p><p>vínculo, ou ocupar um espaço, no qual sua transformação possa resultar em um</p><p>certo tipo de ação compartilhada, sem por isso despertar conflitos, violência,</p><p>nem causar mal-estar.</p><p>Porém, cabe-nos indagar se tais modalidades são compatíveis com um</p><p>vinculo, com uma ação compartilhada, e, em caso afirmativo, a qual exigência</p><p>deverão se conformar cada um dos aparelhos psíquicos. Uma possível transfor-</p><p>mação levar-los-á a utilizar tais ritmos como capacidades</p><p>valorizadas de cada</p><p>um, usando-as complementarmente. Se a tolerância for mais restrita, talvez</p><p>tenham de aceitar a incompatibilidade dessas duas modalidades e, em determi-</p><p>nadas ocasiões, concordar em realizar separadamente certos atos. Quando há</p><p>uma maior elaboração individual, pode ocorrer que a valorização de rápido e</p><p>lento perca o significado adquirido, pois nela intervêm elementos comparativos,</p><p>apoiados em situações de rivalidade e competência. Nesse caso, desaparecerá</p><p>como traço definitório das modalidades de cada um.</p><p>Este exemplo pode ser utilizado como modelo para pensar outras diferen-</p><p>ças e considerar sua transformação em conflito, levando-se em conta os</p><p>mecanismos de defesa próprios dos vínculos ou os das relações intra-subjetivas.</p><p>Para estas últimas, irão operar mecanismos tais como a projeção, na qual o outro</p><p>éregistrado, quando não se curva, como sendo um obstáculo para a preservação</p><p>da relação narcisista com os objetos internos. Retornando o exemplo, quando</p><p>ser rápido corresponde a alguma qualidade da relação com os pais internos, o</p><p>ser lento será registrado como aquilo capaz de lesá-los. Para evitar tal desenlace,</p><p>ter-se-ia de fazer todo o possível para obrigar o outro integrante do casal a se</p><p>incorporar ao mundo mental como aliado, dessa forma preservando a relação,</p><p>com tais representações parenta is. Quanto aos mecanismos vinculares utiliza-</p><p>dos, poder-se-ia recorrer à tentativa de fundir ambos os egos em um único.</p><p>Sustentar-se-a a hipótese de um único funcionamento representando os dois.</p><p>Outra modalidade vincular levará a satisfazer essa qualidade, em algum</p><p>campo extravincular, apoiando-se na fantasia de proteger o vínculo. Algumas</p><p>relações extra matrimoniais poderiam, ter essa qualidade.</p><p>Outra evolução possível é a identificação, pela qual, no vínculo matrimo-</p><p>nial, existem disposições dirigidas para o estabelecimento de relações de maior</p><p>complexidade. Pode-se observar, na sessão analítica, quando esse mecanismo</p><p>drt ~)CC5S0 à modificação de algumas características anteriores. Leva a um</p><p>eurlquecímento emaior complexidade do ego, e,por sua vez, à resolução de um</p><p>cun fiito: o mais rápido talvez reconheça como qualidade, c portanto, adquire</p><p>IIIKUIll.1I1 d., .. partlcularidadcs de lcntidáo,</p><p>PS1CANÁUSE DO CASAL 99</p><p>A identificação tem um limite, e este é indicado por aquilo que é passível</p><p>de ser modificado, em cada enquadramento. Na sessão bipessoal, devem-se</p><p>analisar todas as configurações da fantasia, em torno de uma qualidade e sua</p><p>natureza infantil; na sessão de casal, a configuração interfantasmática é própria</p><p>desse vínculo e de nenhum outro.</p><p>Vejamos, sucintamente, um exemplo com relato de briga matrimonial, em</p><p>uma sessão individual. A paciente associa que recebeu um aviso de que terá de</p><p>deixar sua casa, dentro de oito meses. Decidiu, entre urna e outra sessão, sem</p><p>se dar a oportunidade de analisá-lo - e isso fala da urgência, dentro dela -,</p><p>voltar a viver na casa de uns parentes mais próximos, com seu marido e filhos.</p><p>Na sessão tratou de convencer o analista, e ao seu próprio ego, das inumeráveis</p><p>vantagens económicas. No entanto, tratava-se de uma troca vinculada mais ao</p><p>tipo de angústia caotizante, relacionada com o desamparo de não ter onde viver,</p><p>de ficar na rua, de perder a análise e de desencadeamento de situações</p><p>catastróficas. A paciente teve uma briga com o marido, porque este não via essa</p><p>urgência, sustentando outro critério, ou seja, que oito meses era um prazo</p><p>razoável, e que dispunham de um tempo suficiente para decidir o melhor para</p><p>ambos e para a família. Não sentia o mesmo tipo de urgência que ela, fazendo</p><p>uma leitura diferente para a solução tática desse problema. A leitura do marido</p><p>foi registrada como uma incapacidade para resolver a situação catastrófica a que</p><p>estava exposto o ego da paciente, organizando-a inclusive como se o marido e</p><p>o analista, na transferência, pudessem empurrá-la para a catástrofe. A análise</p><p>possível era desdobrar, em todos os seus pormenores, o tipo de acting out,</p><p>reconhecendo a participação do marido corno sendo o conflito, ou, com uma</p><p>parte do próprio ego identificada com a mãe reflexiva, mas débil e atacada por</p><p>um pai falsificador de suas percepções. A indução exercida pela paciente a fazia</p><p>recorrer à fantasia salvacionista de aspectos infantis - seus filhos, em relação</p><p>aos seus próprio pais.</p><p>Outro nível de análise refere-se à decisão tomada sem o analista. A tarefa</p><p>analítica podia ser entendida corno lenta, exigindo um certo tempo', e, nesse</p><p>caso, sobrepunha o analista ao marido, como opositor ao projeto no qual ela</p><p>tinha de salvar rapidamente seu mundo interno. Tinha verdadeiros argumen-</p><p>tos falsos com um marido débil, e tratava de recriar esta relação matrimonial-</p><p>objeto casal parental, na relação-com o analista.</p><p>A concepção de casal, observada na relação transferencial, desmentia a</p><p>relação entre as idéias passíveis de se compartilhar e as concepções</p><p>incompartilháveis, cobertas e anuladas por um único desejo salvacionista qU('</p><p>cobria o vínculo, como urna verdadeira extensão da própria mente.</p><p>Quando um casal vem à análise, é possível supor alguma preocupação</p><p>consciente ou inconsciente a respeito do espaço de casal c da preocupação pelo</p><p>outro. Conseqüentemente, quando se faz lima interpretação a respeito li...</p><p>('strutUril do vinculo, I"'VI''',) .11~~Ullll·Sp.,\(),.1partir do lJlI.11pllSSil Sl'r l·Sl'ut,ldn.</p><p>"</p><p>100 JA,NINE PUGET & lSl00RO BERENSTEIN</p><p>No espaço da análise individual, é provável que não haja lugar para analisar</p><p>algo concernente a ambos. Por um lado, o outro não está presente, para se fazer</p><p>ouvir e levar em conta o outro ponto de vista, e, por outro, no próprio contrato,</p><p>O bem-estar dos demais parece secundário ao narcisismo do próprio prazer. O</p><p>paciente vem para analisar seus próprios conflitos e seu vínculo com os demais.</p><p>O bem-estar dos demais é apenas um valor agregado. Quando a interpretação</p><p>alude, em sentido positivo, a um personagem ausente, é possível que o paciente</p><p>acuse o analista de defender ou cuidar mais do outro do que do próprio ego.</p><p>Como se não percebesse que cuidar dos personagens queridos ou importantes,</p><p>dentro de suas relações objetais, também é cuidar de si mesmo e de seus</p><p>vínculos. Quando se estabelece um enquadramento de casal, de família ou de</p><p>grupo, pareceria existir um pressuposto a respeito de se dispor àdificílima tarefa</p><p>de ouvir e de se fazer ouvir pelos outros significativos.</p><p>INDICAÇÕES PRO VÁVEIS</p><p>Para aprofundar esse tema, referir-nos-emos à questão da indicação de</p><p>um e de outro enquadramento.</p><p>Uma pessoa veio consultar, expressando a idéia de iniciar uma análise</p><p>individual'. Nessa entrevista, a problemática proposta fez com que o analista</p><p>pensasse na conveniência de ver o casal. O tema da entrevista tinha sido o</p><p>problema de um filho de pouca idade, em torno da dificuldade de caminhar e</p><p>dos perigos de se manter sobre os próprios pés. Dizia o paciente: "O menino só</p><p>sente medo quando fica de pé (se parai">.Este último significante conjugava-se</p><p>com a modalidade enlouquecedor-enlouquecido, com a qual era descrito um</p><p>casal sobre o qual tinha fantasias, mas dificuldades para separar-se. Fazia parte</p><p>de sua trama vincular um filho psicótico com graves doenças somáticas. O</p><p>analista achou conveniente ver o casal. A angústia deste estava centrada na</p><p>impossibilidade de impedir que chegasse o momento no qual o filho começaria</p><p>a caminhar. A predição inconsciente levava-os a supor que poderiam sucumbir</p><p>a uma grave conflitiva familiar. Este casal não tinha um lugar separado para esse</p><p>filho, representando-o como dormindo na cama do casal, em que pese dispor</p><p>de um quarto separado e um berço. Consideravam que o filho não devia ocupar</p><p>seu lugar, em seu quarto. Nas associações, comentaram ter inscrito o filho em</p><p>um hospital, embora fosse fisicamente sadio. De todo modo, achavam que isso</p><p>lhes dava segurança para o futuro, mesmo que, de momento, bastaria para eles</p><p>.111,,10 de primeiros socorros. Este comentário fez com que o terapeuta pensasse</p><p>na criação de um espaço futuro, preparado para alojar</p><p>posslveis doenças</p><p>tlllll\,~tk.'H (nsmn) ou traurnâtlcas (acidentes), como o único espaço onde poderia</p><p>()</p><p>-:r.o«</p><p>,'ffi</p><p>::EN._g</p><p>~c</p><p>wl\ic:t~t</p><p>pJ</p><p>wc</p><p>8</p><p>~</p><p>~</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 101</p><p>ser alojado esse filho, se o vínculo não fosse tratado. Comentaram que, quando</p><p>deixavam o filho, por algumas horas, com a mãe dela, esta lhes falava,</p><p>incomodada, sobre sua desobediência, pois era tão travesso que a avó não</p><p>conseguia controlá-lo.</p><p>Durante as sessões de casal, era muito difícil discriminar o dito por um e</p><p>por outro, pois permanentemente alternavam as mensagens e o tipo de</p><p>intercâmbio. Durante alguns momentos, a esposa falava do perigo de que o filho</p><p>ficasse de pé (se parara), e o marido insistia em que deixasse que ele se separassl'</p><p>(se tornasse independente), e imediatamente se alternavam, nesse tipo de</p><p>intercâmbio, sem um sinal visível que desse conta da passagem.</p><p>A estratégia terapêutica foi desenhada, pensando que a falta de um</p><p>espaço-filho dependia de um vínculo de fusão no casal. Tinham tido um filho</p><p>real, antes de terem podido concebê-lo mentalmente. No aparelho psíquico de</p><p>cada um o não poder se separar de suas identificações com os objetos parentals</p><p>os impedia de estabelecer um vínculo exogâmíco. A análise individual, que</p><p>poderíamos chamar de intra-subjetiva, levou ao reconhecimento da conflitiva</p><p>da mulher com seu objeto materno, motivo pelo qual queria se situar no lugar</p><p>de seu próprio filho, do qual não podia separar-se, como ela própria não podia</p><p>separar-se da mamãe. Para o marido, o significante filho que fica de pé ou não fim</p><p>de pé (que se para o no se para) remetia à expressão de uma dificuldade genital com</p><p>uma equiparação de filho-pênis, e portanto, de impotência. A significação do</p><p>pênis, em nível genital, não envolve apenas as representações do aparelho</p><p>psíquico, mas também as da estrutura vincular, afetada prioritariamente no</p><p>casal, enquanto o pênis pode ser considerado um conector entre o ego materno</p><p>e o ego paterno. A partir de nossa definição de casal, este é um observável de</p><p>um dos parâmetros definitórios: relações sexuais, podendo ser um representan-</p><p>te de uma identificação com o pai dele, e uma certa modalidade do conflito</p><p>edípico dela. Chegamos a diagnosticar o acordo inconsciente que sustenta este</p><p>casal, segundo o qual estabeleceram uma complementaridade de impotência</p><p>pro te tora e esterilidade vincular versus manutenção das relações parentals</p><p>infantis. Por esse caminho, o sentido vincular do significante separar é O de</p><p>discriminação, ou, em sua qualidade persecutória, despedaçamento. Era ()</p><p>temor vinculado à fantasia de divórcio. Uma das condições para poderem estar</p><p>juntos era estarem separados (discriminados).</p><p>Outro exemplo irá nos permitir abordar os limites de analisabilidade.vrn</p><p>um e outro enquadramento.</p><p>Trata-se de um casal instalado como tal, em um enquadramento de</p><p>família. O motivo da consulta foi uma antiga relação do marido com uma</p><p>amante, transformada em uma situação delirante a dois. Pouco a pouco, pôde</p><p>ser identificado o significado mais profundo do delfrio expressado pel, mulher,</p><p>t' " lItili?ilçáo pl'rvl.'rSil que ele fazia do sofrimento dela. Tendo i.i d.udll illl</p><p>dift'r~'ntt'S ~rl'.,!'l l'onOitivils, vincular e individual, t'l., pede .\ Hl'U tl'r"lwutn d"</p><p>102 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>casal uma recomendação para fazer uma análise individual, pois dizia que</p><p>compreendia a grandeza de sua identificação com uma mãe psicótica, e sentia</p><p>não ter espaço para desdobrá-la, na análise de casal. Sentia isso como um quisto</p><p>em sua cabeça, que a impedia de pensar.</p><p>Visualizamos como o quisto, funcionamento psicótico, transformava-se</p><p>em vincular, sendo utilizado como uma perversão do vínculo, tanto dele como</p><p>dela. Encontramo-nos diante da passagem do nível intra-subjetivo para um</p><p>funcionamento vincular perverso. Omesm~ pode ser considerado uma defesa</p><p>ante o nível psicótico dos ciúmes e sua repeI1fussão vincular delirante. Efetiva-</p><p>mente, ela realizou, simultaneamente, uma análise individual, interrompida</p><p>depois de algum tempo, mediante uma racionalização. A problemática dos</p><p>ciúmes tinha deixado de ser um delírio esporádico, tendo se transferido para</p><p>situações da vida cotidiana, relacionadas com os filhos ou com outros eventos</p><p>da vida de cada um. O analista considerou adequada a solução adotada, pois</p><p>a rápida transformação vincular perversa, de um funcionamento psicótico,</p><p>impedia o acesso terapêutico. Quando uma temática de ordem intra-subjetiva</p><p>não possui espaço-tempo vincular para seu desdobramento elaborativo, possi-</p><p>velmente seja conveniente dar ao ego sofredor uma situação na qual a relação</p><p>de casal não reforce sistematicamente seu enquistamento.</p><p>Algum tempo depois, tivemos acesso ao nível de fusão enlouquecedora</p><p>vincular. Por ocasião da realização do casamento: da segunda filha, produziu-</p><p>se no casal uma situação de crise e de desequilíbrio. A família do noivo da filha</p><p>era economicamente mais poderosa, sendo isso registrado corno equivalente a</p><p>perder uma filha. Essa vivência pôde ser evitada no casamento da primeira filha,</p><p>porque foi recusada a farru1ia do noivo, de. um nível econõmíco mais baixo. O</p><p>noivo se trasladou para a família da noiva, sendo incorporado a ela como filho.</p><p>No trabalho, seu desempenho era secundário e desvalorizado. Não precisavam</p><p>de sua contribuição. Em compensação, a segunda filha estava se.incorporando</p><p>à família dos sogros, aos-quais visitava com assiduidade. O casamento seria</p><p>realizado de acordo com a normas impostas por eles.</p><p>Produziu-se a crise, quando imaginaram a perda dessa filha como um</p><p>desmantelamento da estrutura familiar, sem terem ainda adquirido para eles</p><p>um espaço de casal. Perdiam, junto com a filha, o lugar de pais e de esposos.</p><p>Todavia, ao se projetarem como tais, em uma espécie de identificação com as</p><p>filhas e seus pares, foi dado o primeiro passo para o advento desse espaço.</p><p>Convidaram oanalista para o casamento da filha. Este convite correspondia</p><p>à intenção de incluir o estranho à família, e a negação do sofrimento pela perda</p><p>da estrutura familiar existente, dessa forma compensando a sensação de</p><p>derrocada.</p><p>A magnitude do conflito e da vivência enlouquecedora obrigou O analista</p><p>n rocnquadrar a situação analítica. Disse a eles que, como analista, não</p><p>cOSItIllHIV.1 Iroqüontar l~S!WSeventos sociais. O nível concreto de resposta fui</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 111;\</p><p>dado pelo montante da angústia contratransferencial.Teria sido uma interpre</p><p>tação mais adequada fazê-los compreender Q sofrimento pelo qual passavam,</p><p>por não estarem incluídos na vida matrimonial da filha, motivo pelo qual</p><p>desejavam.incluir o analista na mesa da festa matrimonial, evitando dessa forma</p><p>a dor da exclusão, A participação, por meio do actíng out, supre a não-participação</p><p>na vida sexual da filha.</p><p>O aglutinamento dessa família também teve seu correlato em uma</p><p>coincidência de datas. Tinham sido superpostos casamentos, aniversários e</p><p>noivados. Qualquer evento coincidia com alguma outra data significativa para</p><p>a família.</p><p>O projeto terapêutico desse casal consistiu na esperança de ligá-los, como</p><p>casal sem filhos, como representantes dos invasores do campo vincular,</p><p>encontrando um lugar no qual estar a sós. Quando, uma semana antes do</p><p>casamento, a filha entrou no quarto deles e se instalou na cama, sentiram isso</p><p>como uma despedida. Depois do casamento, nunca mais poderia fazer o</p><p>mesmo. Isso foi analisado como convalidando a idéia de que tinham chegado,</p><p>em nível fantasmátíco, a iniciar a discriminação de um espaço casal e de um</p><p>espaço família, enquanto dois espaços não-intercambiáveis. Foi registrada a</p><p>diferença entre relação de aliança e relação de filiação.</p><p>Em outra seqüência elaborativa, pudemos analisar a intenção de partici-</p><p>par, endogamicamente, no vínculo de casal da filha. Ela quis preparar um</p><p>armário de remédios para O casal, para o que averiguou quais os medicamentos</p><p>que poderia necessitar o futuro marido da filha. Dessa forma, convertia a</p><p>exclusão em inclusão" evitando os ciúmes que agora retornavam de outra</p><p>maneira, a partir do vínculo maternal.</p><p>.</p><p>Produziu-se, durante a sessão, subitamente, urna somatízação, à manei-</p><p>ra de uma tosse compulsiva. A mulher associou-a à asma do futuro marido da</p><p>filha. Não se pôde analisar, no vínculo de casal, o conteúdo latente dessa</p><p>somatização, em seu componente de desejos sexuais da mãe em relação ao</p><p>genro, devido à utilização perversa que o marido faria dessa interpretação.</p><p>Perguntamo-nos se isso não foi pensado, devido a uma dificuldade</p><p>contratransferencial, e, portanto, por recalcamento do analista, ati se</p><p>corresponderia a esse enquadramento determinado. Deve-se notar que, em</p><p>um enquadramento terapêutico, no qual é exaltada a visualidade, é provável</p><p>que o recalcamento não opere da mesma maneira que com o paciente deitado.</p><p>Kaés (1986) referiu uma experiência na qual fazia com que os pacientes de um</p><p>grupo sentassem, olhando para fora, isto é, dando-se as costas, com a</p><p>finalidade de detectar outros efeitos inerentes ao enquadramento grupal. Não</p><p>realizamos Um experimento deste tipo com os casais, embora talvez foss«</p><p>aconselhãvel levar em conta essa possibilidade.</p><p>O significAdo do armário o dos remédios, para O novo casal, contém a</p><p>concepçâo de um C'Mml ('u)" rl'laç:io ~ do ttpo que machuca, como m.\llih~Ht.I'_MI</p><p>104 JANINE PUGET & ISIDORO BERENS:rEIN</p><p>extrema de agressão. O armário incluía medicamentos para a filha e seu marido.</p><p>Evidentemente, medicamentos diferentes para uma e para outro falam do lugar</p><p>diferente de cada um, dentro do vínculo-armário, e servem para reparar o casal-</p><p>paciente de um vínculo predominantemente agressivo. Isso não é de se</p><p>estranhar, dada a identificação com a mãe psicótica, reforçada pelo marido. O</p><p>resultado é a criação de um vínculo com característica adoecedora: para ele,</p><p>porque o fixa em uma identificação danosa, e, para ela, porqu.e a fixa no lugar</p><p>de indutor, torturador ou enlouquece dor. Esse dano reaparece como preocu-</p><p>pação pela asma do futuro genro. Em outro nível, a dificuldade respiratória</p><p>deriva de uma perturbação nas relações sexuais, que prejudica o casal, a não ser</p><p>que sejam recriados espaços compartilhados, onde cada um se preserve do</p><p>ataque fantasiado, proveniente do vínculo de casal</p><p>LIMITES E ALCANCES DO POSSÍVEL</p><p>NO ENQUADRAMENTO INDIVIDUAL E DE CASAL</p><p>Identificar cada um dos espaços terapêuticos leva-nos a fazer certos</p><p>destaques na teoria da técnica. Dessa maneira, continuamos indicando os</p><p>limites inerentes a cada enquadramento e, portanto, as possíveis indicações</p><p>terapêuticas. Nossa preocupação recebe comentários de colegas analistas, que,</p><p>em certos momentos, pensam que a análise de determinado paciente não</p><p>poderia continuar sem simultaneamente indicar uma análise de casal. Da</p><p>mesma forma, também existem comentários de analistas de casal que, em dado</p><p>momento, pensam ser mais indicado para um dos dois ou para ambos retomar</p><p>ou iniciar uma análise individual.</p><p>Um primeiro indicador é fornecido pela possibilidade de delimitar e</p><p>analisar zonas compartilháveis e não-compartilháveis. Em qualquer espaço</p><p>vincular, delimita-se um espaço compartilhável com determinado personagem,</p><p>seja ele esposo, outros membros da família, um amigo ou o analista, e um espaço</p><p>não-com partilhável com ninguém. O de maior complexidade é o espaço não-</p><p>compartilhável, em um marco compartilhado com algum personagem, reco-</p><p>nhecendo a fantasia sustentada. A idéia de espaço não-compartilhável com</p><p>algum personagem pode derivar do respeito a um tabu, da modificação do tabu</p><p>do incesto nos vínculos de aliança ou outros, ou simplesmente devido a</p><p>impedimentos próprios ou vinculares. Quando o espaço não-compartilhável</p><p>corresponde às zonas que não afetam o funcionamento vincular e encerram</p><p>funcionamentos intra-subjetivos que exigem, para serem investigados e trans-</p><p>formados, n passagem por um outro qualificado, como poderá ser o analista, é</p><p>IU.,iMindicada J lln.1list' individual.</p><p>PSICANÁLISE DO CAsAL 105</p><p>Quando o espaço não-compartílhável com o esposo ou esposa deriva de</p><p>uma disfunção do segredar, onde impera uma necessidade de situar corno</p><p>excluído o outro membro do casal, é conveniente dirimir essa questão na análise</p><p>vincular de casal. Quanto à zona não-compartilhável com ninguém, quando</p><p>esta ocupa, no espaço do casal, uma zona de exclusão permanente, reativando</p><p>funcionamentos confusionais ou paranóides de muita intensidade, é indicado-</p><p>ra de um importante transtorno originário. Denota uma falha na instalação da</p><p>intimidade e do respeito pela intimidade. Esta foi conceituada por um de nós</p><p>(puget e Wender, 1979), como falha do segredar útil e necessário para a</p><p>estruturação do aparelho psíquico, caso em que o analista individual poderá,</p><p>devido a sua posição, ajudar a construi-lo. Em compensação, na análise</p><p>vincular, a grandeza patógena dessa falha pode se transformar em um sério</p><p>impedimento para a construção de um espaço próprio para ambos, por faltar</p><p>espaço-tempo para a instalação de uma intimidade, devido à intensidade das</p><p>vivências enlouquecedoras.</p><p>As vicissitudes da transferência ou neurose de transferência também</p><p>oferecem certo esclarecimento para os limites de analisabilidade. Quando se</p><p>instala em um dado vínculo, com grande rigidez, resta pouca disponibilidade</p><p>para transferir sobre o analista, em uma relação bipessoal, o componente</p><p>transferido sobre o outro membro do casal. O analista irá sempre ocupar o lugar</p><p>de excluído, sendo dificultado o desdobramento transferencial. Talvez seja o</p><p>momento em que o analista individual de um paciente possa lhe sugerir sua</p><p>incorporação terapêutica em um vínculo de casal, por considerar suas palavras</p><p>inoperantes, não-escutadas e sem possibilidade de acesso a uma modificação</p><p>intra-subjetiva vincular. .</p><p>Agora iremos considerar a passagem da fantasia para a simbolização de</p><p>cada um dos enquadramentos.</p><p>Partimos do pressuposto de que, desde seu nascimento, o ser humano</p><p>necessita, para sua organização psíquica, de acordo com Piera Aulagnier,</p><p>pontos de certeza. Estes poderão ulteriormente se instalar como germe de</p><p>funcionamentos delirantes ou funcionamentos psicóticos, quando irá se</p><p>tornar impossível sua revisão. Embora _?spontos de certeza sejam condição</p><p>necessária para a organização do aparelho psíquico, parecem encerrar convic-</p><p>ções associadas a funcionamentos psicóticos incapazes de revisão, não-</p><p>simbólicos, repetitivos, lineares. Na vida de relação não poderia haver lugar</p><p>para a instalação de tais pontos de certeza, pois não existe um único ato</p><p>repetítívo na vida. Os pontos de certeza se baseiam em transformar o diferente</p><p>e aleatório em algo não-mudado e não-mudável. Algumas das definições do</p><p>vinculo matrimonial, em relação aos parâmetros, dão conta dessa neccssídade</p><p>de certeza. No entanto, a certeza pode evoluir, em sua versão não-pstcótlra,</p><p>('1l1 busco de seguranças cuja modificação seria possível. Dessa forma pud,'</p><p>rl.uu ser 'llH''ltionnda!'l, rumo () () u buscu da verdade, com diverti!)!!</p><p>106 JANINE PUGET & IsIDORO BERENSTEIN</p><p>questionamentos daquelas postulações, pontos de partida de novas insegu-</p><p>ranças, descobertas, questionamentos, etc.</p><p>Em um trabalho anterior, um de nós (Berenstein, 1982) sustentou que a</p><p>idéia de verdade para um só continha uma falsidade implícita, como é ser o</p><p>dono ou o detentor da verdade. Considerava a verdade mínima como uma</p><p>proposição de pelo menos dois ou mais. Caso contrário, converte-se em um</p><p>fenômeno do tipo autoritarismo ou delírio. Os pontos de certeza são a</p><p>afirmação do poder de um sobre o outro, caso em que o vínculo seria pensado</p><p>a partir dessa certeza unipessoal. Cada integrante de um casal pode ter a sua,</p><p>mas existe uma diferença entre impor a própria ou ter duas. A passagem da</p><p>certeza à segurança percorre o caminho de Narciso a Édipo (Berenstein, Puget</p><p>e Siquier, 1984), fazendo com que a última inclua, pelo menos, os dois</p><p>integrantes do vínculo.</p><p>Em algumas circunstâncias, temos observado a presença necessária dos</p><p>dois egos em conflito, para que obtenham uma visão especular, tanto visual</p><p>como auditiva, para se escutarem através da passagem por um terceiro. É algo</p><p>semelhante ao processo seguido para uma confrontação</p><p>de teorias. Poderia</p><p>parecer que, sozinho, não haveria possibilidade de confrontar a teoria de todo</p><p>o ego, a respeito do funcionamento do outro ego. Quando aquela é substituída</p><p>pela convicção (Berenstein, 1986) do ego, a respeito do outro ego, somente a</p><p>presença de um terceiro mediador irá assegurar a permanência do vínculo,</p><p>permitindo seu questionamento, não sem passar por intensas angústias</p><p>paranóides. No marco estável de uma terapia vincular, momentaneamente são</p><p>depositados os aspectos fixos do enquadramento matrimonial, impregnados de</p><p>funcionamento psicótico, dessa maneira criando-se ilusoriamente um espaço</p><p>onde cabe a dúvida e o questionamento, impossíveis em outras condições.</p><p>Alguns casais, incapazes de questionar suas próprias idéias, logo depois de</p><p>instalar-se no enquadramento terapêutico falam da separação catastrófica</p><p>registrada contratransferencialmente pelo analista como se seu instrumento</p><p>terapêutico pudesse danificar o vínculo, fazendo com que desapareça. A</p><p>experiência demonstra que, embora falem, manifestem e atuem como casais</p><p>capazes -de se separar imediatamente, podem depois restabelecer o vínculo em</p><p>outro nível de complexidade. A vivência contratransferencial é devida à</p><p>veracidade do depósito, no enquadramento e no analista, do componente de</p><p>segurança na continuidade do vínculo, às custas de não analisá-lo, o que</p><p>chamamos de ponto de certeza.</p><p>A simbolização possui, nos dois enquadramentos, diferentes modalida-</p><p>des. No enquadramento vincular de casal, acede-se à simbolização a partir da</p><p>Ilnguagem de ação c da colocação em funcionamento do chamado aciing out,</p><p>tll'nlro da sessão, Esta conceltualtzação obriga a certas reformulações a respeito</p><p>d,I ,Itu.lC;iin, em sua vertente negativa. Provavelmente, predomina em</p><p>ênlJlI,ldr.\lIll'nlo~ multipessoais, referindo-se .\ parte da línguagern sensorlal</p><p>PSICANÁUSE DO CASAL 107</p><p>não-transformável em palavra, captável pelo olhar e ouvido, diferente na</p><p>análise bipessoal.</p><p>Todavia, consideremos a expressão através da linguagem como presente</p><p>em qualquer um dos contextos terapêuticos. Algumas indicações de tratamento</p><p>de casal, a partir da análise individual, são uma tentativa de resolver, fora do</p><p>enquadramento, alguma crise transferencial e contratransferencial. É registra-</p><p>do então, como um acting out, que leva, em alguns casos, a abandonar O</p><p>tratamento individual, substituindo-o pelo de casal. Aquilo que é uma indicação</p><p>se revestirá de características malignas ou destrutivas. Embora exista uma</p><p>extensa literatura sobre o tema do actingout, desejamos apenas assinalá-lo à luz</p><p>da indicação de um tratamen to individual ou de casal, quando este corresponde</p><p>a uma fuga. Nesse caso, estaria centrado na busca dos pontos de certeza,</p><p>assumindo o caráter de inacessíveis, tanto para o paciente como para O</p><p>terapeuta.</p><p>O exemplo antes mencionado, no qual um dos integrantes do casal</p><p>começou uma análise individual, logo interrompida, despertou a necessidade</p><p>de utilizar a linguagem de ação para rearmar uma zona narcisisticamente não-</p><p>compartilhável. Depois pôde voltar a analisar esses conteúdos, na análise de</p><p>casal.</p><p>É diferente, quando o pedido de tratamento individual surge de uma</p><p>maneira súbita, brusca, diruptiva, e quando seu aparecimento deriva de um</p><p>processo elaborativo com tendência a díscrímínar e delimitar um setor não-</p><p>compartilhado no vínculo.</p><p>Em outras circunstâncias, pode ocorrer que o terapeuta não tenha a.</p><p>possibilidade de impedir a repetição, em uma interação perversa. Então, pode</p><p>lhe ocorrer, como enquadramento mais pertinente, a análise individual. Isso</p><p>denota uma grande dificuldade transferencial-contratransferencial na terapia</p><p>de casal, podendo surgir como limite: poderíamos explicar, mas não modificar.</p><p>No enquadramento da análise individual, os pontos de certeza, especial-</p><p>mente os referentes aos espaço não-compartilhável com um dado objeto, com</p><p>características de fixação, permitem a análise da tentativa de transformar O</p><p>outro em um ego transparente. Quando é posto em atividade o ponto de</p><p>certeza, o outro desaparece como outro, só transparecendo em seu lugar a</p><p>certeza do ego. Quando se dá a passagem da certeza para a segurança, a</p><p>transparência do outro adquire um caráter de opacidade. Dá-se, então, a</p><p>possibilidade de funcionar como um espelho, que reflete e recebe o reflexo. No</p><p>contexto da análise individual, a ausência real do cônjuge propicia o surgi mcn to</p><p>de certeza e dificulta o questionamento. Invade a contra transferência a tal ponto</p><p>que o analista pode chegar a pensar no outro ausente como se realmente</p><p>ocorresse o sugerido pela certeza do paciente. Trata-se de uma identtflcaçôo</p><p>com o ego do paciente, a partlr da qual () analista subscreve l~SSl'ponto dl'</p><p>rl'rlt'z" No enquadr.unenl« de r.I".,I, iI pn'M'Ilç,1 l·xtralt·rrilorial do outro</p><p>108 JANlNE PUGa & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>integrante do casal toma difícil a sustentação dessa certeza, a não ser transfor-</p><p>mando-se em certezas compartilhadas. Nesse caso, corresponde a um mecanis-</p><p>mo similar, onde o ego transparente será o analista ou algum outro, ou cada um</p><p>dos dois membros do casal. Na certeza compartilhada, existe um acordo</p><p>segundo o qual ambos funcionarão como transparentes para o outro, sem _</p><p>questionamento da ilusão de transparência. Disso deriva a força da certeza</p><p>compartilhada. Embora a verdade seja da ordem do universal, todo o compar-</p><p>tilhado não obedece a ela. O universal age no mundo intra-subjetivo como o</p><p>fazem as leis da física, ou seja, como leis organizadoras do mundo físico. A</p><p>verdade compartilhada entre os dois, equivalente à certeza, conserva ou</p><p>readquire, no contexto vincular de casal, o caráter de singular, como oposto a</p><p>universal, donde a sensação de impenetrabilidade para um terceiro.</p><p>Em algumas circunstâncias, o outro se vê transformado em um ponto.</p><p>Poderá determinar um pedido de análise individual, quando um dos dois sente</p><p>que ocupa, em seu vínculo de casal, um lugar virtual ou transparente. Tentará</p><p>recuperar para si um lugar onde desdobrar sua fantasmática intra-subjetiva,</p><p>tendo consciência de sua impossibilidade de fazê-lo na análise vincular. Ter</p><p>ficado reduzido a um ponto é comparável a ser obrigado a olhar a relação entre</p><p>o outro integrante e o terapeuta, a partir de um funcionamento perverso,</p><p>minimizando a produção delirante ou psicótica do outro integrante do casal.</p><p>Neste caso, aceder ao pedido de análise individual, para o representante desses</p><p>olhos puntiformes que estão dentro e fora, simultaneamente, provém de uma</p><p>contra-resistência.</p><p>O tema da ação, da linguagem e da função da cadeia associativa, nos</p><p>diferentes enquadramentos, é outra maneira de abordar a questão dos limites</p><p>e alcances das diferentes terapias. Desde que Freud comparou o sonho e a vigília</p><p>em relação com a ação, a linguagem e a cadeia associativa se tornaram de</p><p>utilidade teórica. A sessão individual é comparável mais ao espaço do sonho, e</p><p>a sessão de casal, ao espaço da vigília. Em uma, está inibida a ação motora e a</p><p>fantasia ou os processos mentais intra-subjetivos possuem maior espaço. Na</p><p>relação tripessoal, isso se traduzirá em linguagem de ação, sendo menor a</p><p>inibição motora, embora exista em função do enquadramento terapêutico. Isso</p><p>está ligado à ilusão das relações de aliança ou de parentesco, contendo certeza</p><p>pela convivência e o imediatismo dela derivado. Sobre essa certeza apóia-se a</p><p>possibilidade da linguagem de ação, embora corresponda a uma resistência a</p><p>incluir a diferença entre interação e simbolização.</p><p>Para explicitar de outra maneira essa analogia entre o espaço de sonho e</p><p>o espaço de vígílía, toma-se necessário levar em conta O significado inconsciente</p><p>da posição deitada, enquanto inibidora da ação e favorecedora do desenvolvi-</p><p>monto do espaço mental, da fantasia e das relações intra-subjetivas. A posição</p><p>frente ,I frente, cm nível inconsciente, determina um tipo de produção ideativa,</p><p>1'lllllp.Ir.\Vl'1 maís ~do espaço da vigília. O peso da realidade pode abranger uma</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL lO"</p><p>facilitação para aação motora, uma dificuldade de simbolização produzida</p><p>p,11</p><p>ação do real.</p><p>A cadeia associativa, por conta de UI)1 único aparelho mental, terá que</p><p>resolver entre suas próprias inibições e recalcamentos, para o surgimento dI'</p><p>associação livre. Quando é construída entre diversos integrantes, talvez II(</p><p>passem por alto os recalcamentos pessoais. O efeito de significação, obtido pt'ln</p><p>realização de uma associação entre vários, pode inclusive adquirir uma fnrçll</p><p>traumática, quando o levantamento dos recalcamentos intrapsíquicos vai além</p><p>da possibilidade de .controle. Deve-se a essa situação o efeito supressivo ~tl'</p><p>certas associações produzidas em uma sessão tri ou multipessoal, levando os</p><p>pacientes a recuperar um equilíbrio, para decidirem que um tratamento ~</p><p>melhor do que o outro. Partem do pressuposto de que, se em um do!!</p><p>tratamentos chegaram rapidamente a visualizar e levantar recalcamentos, t'lIh:</p><p>é melhor ou pior. Na verdade, é ,difícil decidir a respeito das vantagens</p><p>derivadas da celeridade, pois o correlato do levantamento súbito do recalcamento</p><p>pode se transformar em busca de certeza no estabelecimento de vínculos a parti r</p><p>de características não-atinentes a um bom funcionamento vincular. O levanta-</p><p>do pode se deslocar para outro aspecto do vínculo, restabelecendo o equilíbrio</p><p>subitamente perdido. Aceder subitamente aos conteúdos recalcados pode levar</p><p>à criação de recalcamentos em outro lado. Além disso, a mediação oferecida pl'lil</p><p>presença de várias pessoas, baseada na transferência fraterna, possibilita um</p><p>acesso mais rápido a. níveis inconscientes, de difícil acesso, em uma relação</p><p>bipessoal.</p><p>Outro elemento a ser levado em conta, na relação com a linguagem de</p><p>ação, é o valor da manifestação da violência, em um enquadramento e no outro.</p><p>A falta de mediador no enquadramento bipessoal é um fator inibidor da</p><p>expressão direta de violência. Em um enquadramento tripessoal ou multipessoal,</p><p>ao ser a violência mediatizada e distribuída entre vários receptores, expressa-</p><p>se com mais virulência, de forma explosiva e direta, sendo mais reconhecível</p><p>como violência. Provavelmente, está mais ligada à ação do que quando ~</p><p>mediada pela linguagem emitida em um enquadramento bipessoal.</p><p>Outra coisa que deve ser observada, para identificar as caracterfsticas</p><p>diferenciais dos espaços terapêuticos, éproporcionada pelo lugar que cada um</p><p>ocupa, quando ocorrem em um mesmo período de tempo. É freqüente que.um</p><p>qualquer uma das duas análises, os pacientes comentem o vivido no ou troo Uma</p><p>primeira interpretação leva a considerar que os diferentes relatos produzem</p><p>fenômenos de exclusão dentro da própria análise. Porém, O que pnderlu</p><p>parecer, à primeira instância, como uma relação de exclusão ou Inclusão, pode</p><p>ser modelado como uma dificuldade, para o aparelho psíquico, de Sllllholi/ ..u</p><p>11não-vivido ou aquilo no qual nunca pôde tomar parte. Baseia-se 1Midl\i.1 dt'</p><p>'IIU' o bebê nunca teritl lima representação de um casa) (mutrimonlal), IllM</p><p>!lOlIlI·"h! ,I do "'IS,II paruntul, illh'fí\gh1do em nlw) ~I·nit,ll. O hilhitun)nH'nt"</p><p>110 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>chamado de casal (matrimonial), nos modelos mentais, são o papai e a mamãe,</p><p>com a porta fechada, com o bebê do outro lado, com o que são constituídas</p><p>fantasias de cena primária, com a presença de um ego excluído de uma cena</p><p>erotizada. As representações de casal (matrimonial) se aproximam daquilo que</p><p>se poderia descrever pelo termo inexistência, equivalente a uma representação</p><p>de um ego que não existiu ou não existe, para esse dado casal. É freqüente, nas</p><p>análises de casal, a vivência de ser reduzido ao lugar de inexistente, para a mente</p><p>do outro. Corresponde quando surge, tanto nos possíveis fenômenos de</p><p>exclusão, como na vivência de estar situado em um lugar onde é impossível a</p><p>semantização. Uma tentativa de resolução, diante do não-conhecimento, é</p><p>proporcionada pela violência incluída nas ações. Nesse caso, provém de um</p><p>nível de indiferenciação onde não existem palavras. A transformação em uma</p><p>ação-grito aparece como um instrumento para abrir um espaço no vínculo e na</p><p>cabeça do outro. Trata-se da tentativa de converter a inexistência em uma</p><p>relação triádica, ocupando, então, o lugar de excluído, que adota as caracterís-</p><p>ticas de intruso violento, para dessa forma forçar a clássica relação edípica.</p><p>A impossível representatividade da relação de esposos dos próprios pais</p><p>se expressa pelos comentários a respeito da outra análise. Esta então surgiria</p><p>como aquilo que nunca poderá ser conhecido pelo analista, a partir de um dado</p><p>enquadramento, algo ao qual jamais terá acesso: nem o exclui nem o inclui, mas</p><p>apenas não lhe pertence. É comparável ao vínculo dos esposos, ao qual o bebê</p><p>jamais terá acesso. Quando mencionamos as dificuldades contratransferenciais</p><p>da análise de casal, acentuamos que uma das dificuldades do analista de casal</p><p>é, no caso de não ter feito ele próprio uma análise de casal, a dificuldade de</p><p>aceitar a relação de esposo de seus próprios pacientes, pelo que tentará</p><p>resistencialmente transformá-los em casal parental.</p><p>Notas do capítulo 6:</p><p>1. Material de urna supervisão.</p><p>2. Nota do tradutor: Há um jogo de palavras, em espanhol, entre se parar, que significa "ficar de</p><p>pé" e separar, de grafia idêntica em português. Foram mantidas, entre parênteses, quando</p><p>necessário, as expressões em espanhol, para que possam ser entendidos os jogos de duplo</p><p>sentido que-os autores-analistas quiseram dar ao texto.</p><p>It-</p><p>CAPÍTULO 7</p><p>Transferência</p><p>e Contra-Transferência em</p><p>Psicanálise de Casal' '</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A CAPACIDADE de transferir é universal na vida do ser humano, estando</p><p>relacionada com processos inconscientes. A utilização dessa disposição do ser</p><p>humano.iem um enquadramento terapêutico, permite que acedamos tanto ao</p><p>reconhecimento de mecanismos mentais inconscientes, corno à modificação</p><p>daqueles produtores de disfunção. Atende a mecanismos de deslocamento,</p><p>condensação e projeção. Em psicanálise, é um conceito teórico-clínico e um</p><p>instrumento para o conhecimento situacional de processos mentais, em seu</p><p>desdobramento na relação com oanalista. Em sentido restrito, utiliza-se o conceito</p><p>de neurose de transferência como sendo o desdobramento da situação infantil</p><p>específica, no vínculo com o terapeuta. É um indicador preciso para o psicanalista.</p><p>Alguns autores diferenciam, no marco da psicanálise familiar, a transfe</p><p>rência por projeção e a transferência por deslocamento (Eiguer, 1987). N.'\</p><p>transferência direta ou hiper-realísta,' predomina a transferência por projt'<;"',</p><p>de índole psicótica. Seria a limais abrupta e primitiva". Nesta, o objeto ainda nõo</p><p>adquiriu o estado de Objeto Único, sendo apenas um objeto pardal ou, mais</p><p>ainda, um vazio ou ausência de representação, tingida por uma afetividade</p><p>diruptiva e inquietante. Existe aqui confusão de duas identidades.</p><p>Na transferência por deslocamento, produz-se um deslnvcstimento di'</p><p>representação e um novo investimento sobre a pessoa do terapeuta, facilitaudo,</p><p>neste caso, o trabalho interpretativo.</p><p>111</p><p>112 ]ANINE PuCET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>Alguns conceitos psicanalíticos conservam seu significado inicial. Outros,</p><p>com a contribuição de novas teorias e observações derivadas da prática, acrescen-</p><p>taram conteúdo significativo, produzindo importantes modificações. A criação</p><p>de novos enquadramentos de trabalho psicanalítico levou à descoberta de facetas</p><p>inéditas, as quais levariam, inevitavelmente, a modificar algumas hipóteses</p><p>fundamentais. Em conseqüência, isso ocorreria no trabalho de grupos, famílias</p><p>e casais, tornando necessário, em cada contexto, realizar esclarecimentos</p><p>conceituais para o uso das hipóteses psicanalíticas fortes.</p><p>A teoria da transferência-contratransferência, no marco da terapia psicana-</p><p>lítica de casais, delimita um campo terapêutico tripessoal. Sua compreensão se</p><p>enriquecerá, ao se detectarem alguns indicadores que facilitem o conhecimento da</p><p>dramática desse campo terapêutico. Utilizamos a interpretação psicanalítica como</p><p>instrumento privilegiado. Precisaremos esclarecer (se não se quiser fazer uma</p><p>transpolação!) o alcance do transferível,</p><p>em cada enquadramento.</p><p>Postulamos, como premissas: a) o número de pessoas presentes em uma</p><p>relação terapêutica cria condições próprias, pondo em jogo diversos mecanis-</p><p>mos mentais considerados como primários, em um, e secundários, em outros;</p><p>b) a configuração criada pela presença de duas ou mais pessoas é um entidade</p><p>com características próprias. Será considerada como possuindo uma qualidade</p><p>adicionada à soma de suas partes componentes (ver nota 2 do capítulo 2). Exige</p><p>outros elementos definitórios e possui suas próprias leis.</p><p>Na terapia de casal, ocorrem conflitos atualizados pelo enquadramento</p><p>terapêutico, provenientes das áreas da díade e individuais de cada paciente. Em</p><p>conseqüência, poderemos falar de transferências vinculares, de transferências</p><p>intra-subjetiuas individuais e da resultante das mesmas, configurando um campo</p><p>emocional ao qual chamaremos de clima. Essa denominação é retirada do</p><p>material dos pacientes, quando se referem à emoção que os envolve e determina</p><p>o sentido do diálogo.</p><p>A criação de um vínculo de casal é o resultado da transferência do Objeto</p><p>Casal de cada um, de suas condutas infantis e estruturas interfantasísticas e da</p><p>representação sociocultural ou transindividual.</p><p>o CLIMA EMOCIONAL DE CASAL</p><p>Este conceito explica a situação emocional vincular, impõe-se às pessoas</p><p>e é reconhecido no que é manifestado como algo indefinido, mas registrado pelo</p><p>ego como atuando de fora para dentro.</p><p>Em geografia, utiliza-se essa denominação para significar II medida ou o</p><p>produto do conjunto de características, em geral físicas, que dctcnuln.un n</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 113</p><p>habitualidade preponderante de uma zona. Os parâmetros são Identificáveis (',</p><p>com base neles, obtém-se a definição do clima. Como procuramos isol","</p><p>algumas das condições de possibilidade, na emergência de um clima emocional,</p><p>parece-nos adequado utilizar esse modelo de hipótese.</p><p>Em nosso campo terapêutico, o clima é O conjunto de emoções e sentimen tos</p><p>que funcionam como sustentação de certas interações, difíceis de se traduzirem cm</p><p>palavras. Éa síntese de uma zona de encontro imposta aos egos, àqual é impossível</p><p>subtrair-se, sem amediação de algum elemento modificador. As palavras u tilizadas</p><p>para caracterizar um clima (emocional) procuram dar conta de algo em parte</p><p>impalpável e ao mesmo tempo englobante de todos os integrantes de determinado</p><p>grupo. Fala-se, por exemplo, de clima de casal tenso, pesado, febril, alegre, festivo,</p><p>tétrico, etc., com a idéia de uma comunicação baseada no chamado, por alguns</p><p>autores, de contágio emocional. Eludir este campo emocional exige um particular</p><p>esforço de isolamento. Sendo uma condição envolvente do vínculo e dos dois egos,</p><p>para que não sofra os efeitos de um determinado clima, é necessário subtrair-se <I</p><p>ele, com um funcionamento mental regido por mecanismos defensivos relaciona-</p><p>dos com a dissociação, denegação ou isolamento.</p><p>O clima emocional funciona como um contexto no qual as mensagens</p><p>lingüísticas e gestuais adquirem determinada significação, de acordo com o</p><p>mesmo. É acompanhado por uma representação de emoções e sentimentos</p><p>primitivos, que provavelmente nunca poderão ser traduzidos em palavras.</p><p>Possivelmente seja o resultado da emergência de um setor mental anterior Zl</p><p>aquisição de palavras, o qual estas, uma vez impostas, enclausuram definitiva-</p><p>mente. O clima de um casal é em parte representação da modalidade da</p><p>lntcração, devido a certas condutas predominantes e repetitivas. Teremos</p><p>llCl'SSO a uma parte delas com as palavras. Em função da polissemia de palavras</p><p>C gestos, as opções podem ser ou não compartilhadas, e podem remeter ao bem-</p><p>estar ou ao mal-estar. Em alguns casos, produzirão um efeito de maior</p><p>com plexíficaçã o e, em outros, de redução dos intercâmbios ou ainda de ruptura.</p><p>Provavelmente, aquilo que vincula são as palavras, enquanto linguagem verbal</p><p>compartilhada e intercambiada, e o recorte particular, sugerido pelo clima, o</p><p>qual é uma síntese, englobando os participantes.</p><p>Em um trabalho anterior (Berenstein, Puget e Siquier, 1984), sugerimos</p><p>chamar - de acordo com Piera Aulagnier - de zona de encontro mental, (l</p><p>espaço vincular onde dois ou mais egos entram em contato. Para sua constitui</p><p>ção, vigora a fusão com predomínio erótico. toda zona de encontro contém,</p><p>Implícito, um desencontro, que pode ser sernantizado com predomínio t.lI1.\tiw.</p><p>Os climas podem se agrupar ao redor de duas séries: as derivadas til' /.011,18</p><p>de encontro associadas à união brindam emoções da série do bcm-estar ,. ,I</p><p>....Oll,IS de desencontros incluem emoções da série do mal-estar.</p><p>Um di' nC'ls (Bl'rt'J\slCin, 19R2n) desenvolveu UIl1" ll'od,I, Sl:glll\do rI qU(ll</p><p>til' I'MI.Ilwlt'I·I'1I1, 1\0 (t'IIÓI1H'lltl dI' com I'l'l·l·lllh· 1'/dois rOll)plllll'nh~R: IIl'apll1r l' n</p><p>114 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>entender. O clima vincular da série do bem-estar resulta do fato de ser-se</p><p>captado e ocorre quando o ego e os outros compartilham de um contexto no</p><p>qual os indícios são interpretados como pertinentes ao outro ou aos outros, de</p><p>acordo com índices exatos, com possibilidade de compartilhar sentidos e</p><p>significados. O clima da série do mal-estar, como ocorre nos mal-entendidos</p><p>baseados em subentendidos, emerge de um contexto idiossincrásico. De acordo</p><p>com o captar, é possível entender os significados e discordar a seu respeito, sem</p><p>por isso anular o contexto compartilhado.</p><p>Em certa ocasião, uma mãe dizia que o clima criado entre seu marido e a</p><p>filha a deixava louca. Sentia-se excluída dele, devido aos intensos ciúmes</p><p>produzidos pela força do vínculo pai-filha. Procurava subtrair-se ao clima,</p><p>pondo em jogo várias maneiras de se afastar dos representantes da zona de</p><p>desencontro. Se tivesse havido apenas a exclusão do vínculo, mas não do clima,</p><p>o sentimento teria sido de dor mental. Como a exclusão se estendia ao clima</p><p>(contexto), gerava uma sensação particular de enlouquecimento.</p><p>Do ponto de vista metapsicológico, a zona de encontro, da qual depende</p><p>a criação de um clima, estaria condicionada por um componente primário,</p><p>anulando a separação entre o ego e o outro. O conceito de violência primária</p><p>(Aulagníer, 1975) descreve a ação do ego materno dando significações ao injan«,</p><p>o que se instala como uma prótese mental adequada à suas necessidades,</p><p>determinando a criação de uma zona de encontro. Quando esta é excessiva ou</p><p>desmedida, o significado desencontra o ego, produzindo graves alterações no</p><p>desenvolvimento da capacidade do infans.</p><p>No casal, a transferência, enquanto reedição de encontros e desencontros</p><p>originários infantis, reproduzidos graças ao contexto da terapia, transcorre a</p><p>partir de uma interação significada em função do clima. O enquadramento</p><p>terapêutico fornece, então, o marco propício para seu desdobramento.</p><p>O chamado clima vincular é a resultante da transferência vincular e das</p><p>transferências individuais, pelas quais os integrantes de um casal ajudam-se a</p><p>repetir no vínculo.</p><p>O psicanalista de casal conta com um instrumento sutil, para detectar e</p><p>analisar os diferentes componentes do clima, fornecido por sua captação</p><p>transferencial-contratransferencial, podendo transformá-lo em um bom indica-</p><p>dor de funcionamentos inconscientes, que outorgam significação às relações</p><p>ma trimoniais.</p><p>TRANSFERÊNCIAS VINCULARES</p><p>Dissemos, no capítulo 2, que os vínculos se configuram corno urna</p><p>l'I·p"I'St'ntill;.io meníul de dcterrninadu modalidade de ligar dois l'gOS, Amhot;</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 115</p><p>serão, alternativamente, objetos. Determinam a criação de um espaço mental e</p><p>relacional, composto de uma representação espacial, temporal e social. Confor-</p><p>mam uma estrutura com suas próprias leis de intercâmbio. São as premissas</p><p>para o estabelecimento de um vínculo, uma sensação de carência ou ausência,</p><p>que leva ao desamparo, e uma ilusão de garantia contra o mesmo.</p><p>A representação espacial</p><p>Translada-se para o âmbito do consultório, onde se desdobra em suas</p><p>diferentes configurações. Quem se senta diante do analista e quem fica de lado,</p><p>conforme o analista seja mulher ou homem,</p><p>a representação de um papai e uma mamãe, dos quais o</p><p>bebê tem uma posição de exclusão. A terceira, uma representação social, é a</p><p>de um contexto extra familiar, que inclui papai, mamãe e bebê, compondo um</p><p>código e uma série de sinais, que se referem à organização da estrutura</p><p>familiar. A criação de um "objeto casal" compartilhado será a resultante</p><p>inédita da conjugação dos representantes de cada um, onde a posição Esposo-</p><p>Esposa adquire um conteúdo significativo.</p><p>Ao redor dos parâmetros definitórios, estabelecem-se verdadeiras rela-</p><p>ções contratuais: os chamaremos de acordos e pactos inconscientes, e serão</p><p>objeto de uma análise, no capítulo 2. Além disso, é uma observação clínica, no</p><p>tratamento psicanalítico com casais, que os parâmetros definitórios possam</p><p>transformar-se em disfuncionais, em separado 'ou todos, quando o vínculo</p><p>matrimonial'sofre um alto grau de deterioração.</p><p>A maneira de definir essa estrutura se baseia em dois conceitos, tratando-</p><p>se de modalidades essenciais à vida humana: a) o desamparo originário</p><p>(Berenstein, 1981) e b) a diferença dos sexos.</p><p>Os parâmetros definitórios (e cada vínculo diádico os tem) designam o</p><p>enquadramento, seu sentido e os significados circulantes na díade. Os mesmos</p><p>parâmetros, porém com diferente qualificação, outorgam outro caráter à</p><p>relação diádica, como veremos nos seguintes parágrafos.</p><p>PARÂMETROS DEFINITÓRIOS2</p><p>Chamamos desta maneira quatro especificações: cotidianidade, projeto</p><p>.vital compartilhado, relações sexuais e tendência monogâmica.</p><p>Cotidianidade--------Designa o tipo de estabilidade baseada em uma unidade temporal e</p><p>espacial caracterizada pelos intercâmbios diários. .</p><p>Cotidianidade implica um nível de complexidade maior do que o</p><p>vstrttamente temporal. Define um espaço-tempo, relação diária em um lugar</p><p>aimbóllco do vínculo, cumpra-se esse dia ou não. Nesse sentido, propõe aos</p><p>1.'l)ot-.llIg.m:svinculnros e mentais de uma certa forma lixos, como por exemplo</p><p>Illt IlIg"n~Mt'lIt.\Vl'iS cm que se sen tarn à mesa, os lugares ocu pados por cod.r um</p><p>II</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 7</p><p>na cama, ou em que parte do armário põem sua roupa. São a projeção no</p><p>espaço daquelas relações já estabelecidas e sem necessidade de redefinir dia</p><p>a dia.</p><p>Para o espaço vincular, a cotidianidade é um organizador dos ritmos de</p><p>encontros e não~encoptros do casal, suscetíveis de se transformarem em</p><p>desencontros.</p><p>A cotidianidade ativa modalidades primátias de relação, baseadas em</p><p>ações estáveis, tais como ritmos, forma e modalidade de comida, da ordem e</p><p>da limpeza. Provêm de marcas impressas no caráter do ego, de aquisição</p><p>precoce. e incorporadas à identidade. Observam-se as pessoas a dizer: "bem,</p><p>eu sou assim", "eu gosto assim"; "gosto da comida assim, a tal hora", "gosto</p><p>da ordem assim" ou "gosto da limpeza assim". Na realidade, a frase 1/ eu sou</p><p>assim" possui um sentido textual, equivalente a "minha identidade está feita</p><p>desses elementos". Faz parte do compartilhável, do não-compartilhado ou do</p><p>incompartilhável. Quando é não-compartilhado, os sujeitos podem, median-</p><p>te pactos, conseguir harmonizar critérios, chegando a transformar-se em uma</p><p>dada modalidade de casal. .</p><p>É freqüente, em sessões psicanalíticas de casal, o surgimento de dificulda-</p><p>des produtoras de angústia, em relação à formulação "eu sou assim", frente a</p><p>um outro que não o aceita. Essa enunciação identificatória foi investida e</p><p>utilizada com força de lei. Pode-se também supor uma impossibilidade de ser</p><p>incluído no' vínculo de' casal' compartilhado, e uma dificuldade de pactuar</p><p>acerca de dois diferentes II eu sou assim".</p><p>A base metapsícológíca deriva dos primeiros momentos da vida do bebê,</p><p>quando alguma alternância de ritmos estáveis, por parte das figuras parentais,</p><p>introduz O ego em uma estabilidade que serve como marco para a aquisição da</p><p>identidade que, junto com a aparição de novos ritmos e de certo tipo de</p><p>instabilidade, permite aceder ao crescimento e ao conhecimento.</p><p>-=> A estabilidade no vínculo pode ser semantizada de diferentes maneiras:</p><p>como tnda, eqUIvalente ao predomínio de Eras, se ao longo da complexificação</p><p>da identiaãde, o ritmo de estabilidade foi um sustentáculo ara a ossibilidade</p><p>do crescimento e a a or agem de situações novas. Mas também pode se<impregnar de Tanatos e transformar~se em um equlvalente de }!!Qrje, estabi-</p><p>lidade cerceante, que no casal é registrada como tédio e aborrecimento.</p><p>Momento no quaIOSCãsais tentam prod~mudanças nos ritmos de</p><p>encontros e desencontros, para trazer algo aparentemente novo, divertido 011</p><p>um entretenimento.</p><p>Pode-se supor que a tentativa de sair sem resolver a situação ccrcc.mte</p><p>corresponde a uma tentativa maníaca, em geral de curto alcance.</p><p>A instabilidade também pode ser sernantízada com essas duas JllOd,tllcl.I</p><p>dcs. Quando () casual, o a!t'iÜ(lrio d" vida de cada um S(' .\COIlIJl,IIIh,1 d.I</p><p>pIP~~i\i;,:ill ,lII I'(lIl IlI'd 11ll'll to, ',I' o("I'I'n' ., ViVI'lIrid d.1 dt'srolH'llli, 1'111":111,</p><p>8 JANINE PUGET & IsmÇJRoBERENSTEIN</p><p>quando é semantizada como um ataque ou estado de ameaça, o aleatório é o</p><p>desconhecido da morte.</p><p>Alguns casais de'queixam de sua estabilidade, do ritmo da cotidianidade,</p><p>C outros da instabilidade. Qualquer um dos dois casos, estabilidade ou</p><p>instabilidade, enquanto queixa ou recriminação, remete a uma semantização</p><p>ligada à morte.</p><p>Projeto vital compartilhadq</p><p>É a ação de unir, e no casal re-unir, representações de realização e</p><p>conquista, situadas na dimensão de tempo futuro.</p><p>O primeiro projeto vital de um casal é com artilhar de um es a o-tem o</p><p>vincu~ rovave en e, ~cio <!~ua .!ealiz2Sã~ aquisição de uma</p><p>linguagem com si~ficado compartilhadg. Será o momento em que ambos os</p><p>cgos do casal falam ou utilizam significantes, sabendo que lhes outorgam</p><p>significado específico; portanto, nenhum outrõ pode dá-lo. É uma aquisição</p><p>devida à complexificação do vínculo, criador, por sua vez, de outros vínculos.</p><p>Essa linguagem compartilhada ocupará um espaço-tempo na mente de cada</p><p>um. O projeto evolui para o futuro, e é representado como ir organizando um</p><p>trajeto pensado para diante. O modelo paradigmático de projeto futuro, para</p><p>um casal, passa pela criação de filhos, reais ou simbólicos.</p><p>O projeto vital compartilhado tem como característica a passagem perma-</p><p>nente à cotidianidade, o que leva novamente a formular um novo projeto.</p><p>Momento no qual surgem as crises de angústia, emoções depressivas ou</p><p>dificuldades conseqüentes à realização daquele, ao perder-se uma representa-</p><p>ção de futuro que, ao incorporar-se ao cotidiano, se presentífica, com o risco de</p><p>imobilizar-se. Surge, então, o desejo de criar um novo projeto.</p><p>O casal requer um enquadramento, uma dada ~ta~ilidgfe, para poder</p><p>suportar a ÇQncr_etizaçãodo projeto, a crise eã'fenov_!ição o~ormula~ão de</p><p>um novo. Esse processo permite delimitar um certo tipo de crise específica do</p><p>casal, no momento em que cumpriram e perderam aquele projeto, e não podem</p><p>formular um outro. Perdido o projeto, não sabem o que foi perdido com ele. O</p><p>vínculo se patologiza, e o sofrimento determina a busca de tratamento. Na</p><p>consulta podemos encontrar, por exemplo, a colocação de uma situação</p><p>emocional desconcertante: falam de conquistas recentes, estão em plena crise</p><p>(' não podem formular claramente o motivo da consulta, porque justamente o</p><p>IMO- formulado é a perda da noção de futuro, precipitada pela conquista dos fins</p><p>marcados como positivos. É também o momento no qual, paradoxalmente, se</p><p>produzem separações, com a expectativa de eludir o problema do futuro,</p><p>f.lllt.I~lolndnum novo projeto, sendo confundido este com um novo parceiro.</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 9</p><p>Relações sexuais</p><p>São aquelas com as quais se inter-relacionam, através dos órgãos genitais:</p><p>o pênis, no homem, e a vagina, na mulher. Outras zonas corporais intervêm</p><p>como preliminares, e se subsomam à atividade genital propriamente dita.</p><p>Ocasionalmente, o fim sexual é obtido córn outras zonas corporais,</p><p>sobres significadas como genitais.</p><p>As relações sexuais são por sua vez classificadas por modelos socioculturais,</p><p>os quais organizam um conjunto</p><p>o conteúdo do posicionamento das</p><p>cadeiras marca, naquele preciso momento, a distância do vínculo. Também se</p><p>dão ou não lugar, em sessão, ao analista no espaço vincular. Podem existir</p><p>correia tos a respeito da organização da 'moradia, dos lugares na cama e na mesa</p><p>e como se situam na sessão. Alguns casais a começam no bar ou confeitaria</p><p>próximos e outros continuam a sessão ali. Dessa maneira, referem uma</p><p>dissociação vincular, apta para a exteriorização de um acting out. Quando isso</p><p>adquire uma coloração perversa, podem continuá-la em um motel, do qual o</p><p>bebê, na transferência, fica afastado, excluído, enganado, burlado, de acordo</p><p>com o lugar interfantasmático.</p><p>A representação temporal</p><p>O aspecto temporal do vínculo contém um fluir vivencial não-exprimível</p><p>em palavras, uma ordenação cronológica dos sucessos e um futuro de juízos</p><p>arriscados que contém esperanças e desesperanças referentes aos possíveis</p><p>sucessos.</p><p>Jaques (1984), ao estudar a forma do tempo mental, destaca a existência de</p><p>dois tempos: o de sucessão e o de intenção. O tempo de su,cessão refere-se ao</p><p>componente diacrônico, com reconhecimento de um antes e um depois,</p><p>atribuído às ações e com atribuição de um sentido. É o tempo dos relógios, mais</p><p>próximo do tempo cronológico. O tempo de intenção explica o desejo, a</p><p>recordação, a percepção e a antecipação. É o tempo de passado, presente e</p><p>futuro, como campo de força inconsciente. O tempo com intenção vincular</p><p>contém a história do vínculo, no qual podemos observar um presente, que, no</p><p>dizer do autor inglês, pode se decompor em um presente imediato não-</p><p>verbaüzável, um presente ativo, cenário no qual cada pessoa leva sua vida ativa,</p><p>(, um presente existencial, referente à nossa intuição da vida como um todo. O</p><p>presento lrncdiato de um casal ~ o que procuram verbalizar a IloslI'r;ori,</p><p>l'l\ll'lnnto IrllllNl"ntrl' um "OVO e repotldo presento Imediato. O presente ativo</p><p>116 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>vincular de um casal é o teatro, representação espacial, no qual são inscritas as</p><p>ações resultantes dos acordos inconscientes. O presente existencial é aquele que</p><p>procuram definir como a essência do concebido como característica de seu casal.</p><p>E comparável à própria definição do Objeto Casal compartilhado. Na</p><p>contra transferência, é habitual que o analista tenha um nome para cada um de</p><p>seus casais. Provavelmente, irá corresponder a essa característica essencial.</p><p>Os relatos analisados, levando em conta o tempo intenção, dar-nos-ão</p><p>acesso à história dos acordos e desacordos, e à visão de futuro, como projeção</p><p>antecipatória de aspectos repetitivos e tanáticos que, em algumas ocasiões,</p><p>outorgam ao presente imediato e ativo uma qualidade afetiva catastrófica.</p><p>A transferência referente ao vetor temporal poderá ser reconhecida, tanto</p><p>na organização temporal da vida vincular, como nos dados significativos</p><p>utilizados para construir a história do casal. Algumas vezes, será o dia ou hora</p><p>de algum acontecimento, a importância atribuída a certas datas e o calendário</p><p>interno de cada casal. Todo casal agrupa seus acontecimentos, de acordo com</p><p>ciclos (macrociclos e micro ciclos) e com um ritmo. Dessa forma, iremos ver ciclos</p><p>de crescimento e de retrocesso, ritmos nas relações sexuais, na fluidez do</p><p>diálogo, em suas brigas e reconciliações, etc. Os dois tempos confluem em ciclos</p><p>e ritmos. No campo transferencial-contratransferencial, a história de eventos</p><p>significativos no vínculo analítico transformar-se-é em um valioso indicador</p><p>dessa representação. A articulação do ritmo vital de cada um amiúde se</p><p>transforma em zona de desencontro, cuja evolução pode ser a de uma brecha</p><p>insanável ou sua transformação sublimatória.</p><p>A representação social</p><p>A representação social do vínculo refere-se a sua contextualização, sendo</p><p>portadora dos valores socioculturais de cada um dos componentes do casal,</p><p>transmitidos através das normas e do código, inclusive também pelas leis de</p><p>parentesco. Reflete-se nos mitos familiares e sociais, na ideologia do casal-</p><p>resultado, quando forem compartilhados a partir de um novo mito de origem</p><p>e de transcendência.</p><p>Partimos da hipótese de que o sujeito adquire, desde o nascimento, uma</p><p>representação de seu vínculo ego-sociedade, tanto de forma direta como</p><p>veiculada pelo superego de seus pais ao superego do infans. Restam assim duas</p><p>inscrições: uma proveniente do sistema familiar e outra do sistema social (Puget,</p><p>1987). Em alguns casos, o resultado pode ser harmônico, em outros inclui</p><p>profundas contradições. O vínculo de casal oferecerá a possibilidade tanto de</p><p>procurar resolver tais contradições como de repetí-las, Dará conta da inserção</p><p>.,(ldo-poHtiC'a de cada um e de ambos. A incompatibilidade irá aparecer como</p><p>d.'st'Il("lIltrllti ídeolõgtcos, no que se refere a valores predcmlnantes, cujn</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL " , 11'</p><p>emergência conflitiva poderá se produzir, quanto à educação dos filhos, a certai</p><p>atividades sociais, à valorização da posição econômica, etc., amiúde adquirindo</p><p>a estrutura mental de uma convicção.</p><p>EXEMPLO CLÍNICO</p><p>Um primeiro exemplo trata de um casal com um ano de tratamento. O</p><p>analista, por motivos pessoais, apresenta a possibilidade de uma mudança de</p><p>horário. Não possui um caráter de urgência, mas de necessidade. Oferece</p><p>algumas opções e um intervalo durante o qual poderiam ir decidindo a respeito</p><p>da possibilidade de atender a seu pedido, Essa formulação é dirigida à parte</p><p>adulta dos pacientes, aquela capaz de vir à terapia, de aceitar o enquadramento</p><p>e obedecer às características inerentes a um tratamento desse tipo. Porém, a</p><p>mensagem dada pela terapeuta também é registrada a partir de funcionamen-</p><p>tos infantis, nos quais poderemos reconhecer a transferência vincular.</p><p>O marido aceita o pedido, com bastante celeridade, comentando que</p><p>"exatamente vinha-lhe a calhar". A mulher reage com obstinação e irritação,</p><p>dizendo, de maneira provocativa, que "não iria atender ao pedido, simplesmen-</p><p>te porque não queria". A partir desse momento, a mensagem da terapeuta se</p><p>transforma em material desse casal. Se a analista obrigasse ou forçasse o casal</p><p>a ceder a seu pedido, levá-lo-ia a recalcar um importante material. A sugestão</p><p>de mudança de horário propõe uma nova organização do campo vincular e de</p><p>um aspecto da representação temporal. A primeira, próxima da consciência,</p><p>poderia ser a de um funcionamento onde priva a cumplicidade do marido com</p><p>a analista, contra a mulher que não acede ao pedido. Porém, porque este casal</p><p>não acede ao pedido? Uma primeira hipótese leva a pensar na criação de um</p><p>vínculo transferencial, mediante o qual é produzida uma repetição de uma</p><p>modalidade particular de ceder aos pedidos formulados entre eles e à modifi-</p><p>cação da representação temporal, quando envolve a passagem de um tempo</p><p>individual, pertencente a um membro do casal, projetado na terapeuta.</p><p>Ê recriado, na sessão, um clima de certo mal-estar (desencontro), que</p><p>abrange a terapeuta, que sente frustração, vinculada à dificuldade de resolver</p><p>seu problema em um espaço de tempo prudente, bem como certa preocupação</p><p>pela utilização desse tipo de resposta como material dos pacientes. Provavel-</p><p>mente, transferiram sobre um componente do vínculo, e com fins defensivos,</p><p>sentimentos de mal-estar e frustração que impregnam o casal, em seu caminho</p><p>par" a constituição do vínculo, com a finalidade de evitar entrar em contato com</p><p>lIihl.1ÇÓl·S vitais produtoras de um mui-estar maior. A analista pensa cm</p><p>tl\ltlpl'ndl'r t'HSI' t l'i1t.lIllt'nh I, pnitll'll' obstoU'IIHzil su. Ill'Cl'SHid,1dc dv mudança dI'</p><p>118 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>horário. Ela julga que esse mal-estar não pode ser eterno, que precisa de</p><p>resolução. Seja.em nível fático ou como possibilidade de obter mais conheci-</p><p>mentos a respeito do funcionamento vincular. O conceito psicanalítico de</p><p>sintoma prazeroso, em uma instância, e desprazeroso, em outra, talvez seja uma</p><p>explicação para as duas possíveis resoluções. Para o casal, o desprazeroso ou o</p><p>frustrante, no nível do vínculo, é prazeroso, no nível da relação com os objetos</p><p>intra-subjetivos,</p><p>agora confundidos com os objetos externos. A terapeuta pode</p><p>confundir-se com seu casal-paciente, pensando que o outro integrante, aquele</p><p>que acede, é um objeto parental gratificante e duplamente gratificante, por</p><p>propor que tudo aquilo que não esteja relacionado com esse objeto parental é</p><p>frustrante, como o é o vínculo de casal.</p><p>Nesse momento, a relação transferencial-contratransferencial adquire</p><p>uma característica frustrante, por ser a reprodução fac-similar de uma mesma</p><p>característica do vínculo matrimonial. Será esta, por sua vez, uma reprodução</p><p>fac-similar de uma relação de objeto intra-subjetiva e de situações infantis de</p><p>cada um, registradas como frustrantes? A que nível pertence essa qualidade</p><p>frustrante, e por que émantida, através de um rechaço sistemático às demandas</p><p>do outro integrante do casal? Além disso, nesse casal, o outro não parecia acusar</p><p>recebimento do rechaço, nem tampouco exigia uma maior definição, criando-</p><p>se uma zona de ambigüidade que perpetua, no tempo, a situação de mal-estar.</p><p>Esta observação novamente nos leva a propor que o vínculo transcende</p><p>as relações intra-subjetivas, sendo, em alguns casais, mais importante mantê-lo</p><p>como fonte de reasseguramento da identidade do que resolvê-lo ou se desfazer</p><p>do mal-estar provocado por esse mesmo vínculo.</p><p>Na estruturação do psiquismo, existem diferentes fontes de</p><p>reasseguramento da identidade. Umas têm origem nas relações intra-subjetivas</p><p>com objetos, e outras na possibilidade de estabelecer vínculos estáveis, median-</p><p>te os quais o indivíduo se reconheça a si mesmo, pela repetição de uma mesma</p><p>pauta interacional, da qual emana o enquadramento, e uma cotidianidade, por</p><p>sua vez fortalecedora do sentimento de auto-estima e de identidade. Portanto,</p><p>em algumas circunstâncias, o mal-estar como tal pode ser resultado de uma</p><p>modalidade de reasseguramento do ego. Isso explicaria a conduta de certos</p><p>casais, os quais, vistos por um observador, pareceriam estar dentro de uma</p><p>estrutura vincular que produz predominantemente mal-estar.</p><p>A partir da contra transferência, mais uma vez nos vemos envolvidos na</p><p>tentativa de manter o vínculo em um estado de quietismo, associando-nos,</p><p>inconscientemente, a esse aspecto do casal, temeroso de entrar em conta to com</p><p>a deterioração produzida pelo mal-estar e que é produtora deste. Analisar O</p><p>quietismo leva a assumir a crise interna, e à possibilidade de perda do vínculo,</p><p>. equivalente à separação do casal.</p><p>Pi\HSCmOS agora a um segundo exemplo, no qual é possível observar a</p><p>dlh.'rl'''çn entre relação objetal lntra-subjetlva e vínculo.</p><p>PSICANÁUSE DO CASAL .119</p><p>O marido estava analisando sua problemática conflitiva, referente a unu</p><p>história infantil, na qual aparecia uma série de recordações ligadas a. um mau</p><p>funcionamento com seus objetos parentais, em torno de um segredo familiar,</p><p>Custava-lhe explicar sua situação, diante do segredo, sentindo que lhe tinham</p><p>obrigado, passivamente, a assumir uma função que não lhe cabia. Ligou a isso,</p><p>associativamente, por uma falsa conexão, uma conduta de censura para sua</p><p>mulher. Acusava-a de não lhe contar o que fazia. Na próxima sessão, chegam</p><p>contentes e contam que tinham decidido festejar o aniversário de bodas dos pais</p><p>dele, na casa de casal. Por ocasião de uma visita do casal e filhos à casa deles,</p><p>começaram a olhar fotos de sua infância. Isso funcionou justamente como</p><p>estímulo para voltar a despertar recordações infantis dolorosas, reagindo com</p><p>um estado de mau humor e irritação, durante a visita. Para a esposa, tomar</p><p>conta to com essas fotografias permitiu que ela se ligasse com a história infantil</p><p>do marido, o que foi prazer oso e forneceu um certo tipo de conhecimento, tanto</p><p>a ela como aos filhos. Ela decide preparar um audiovisual, como presente para</p><p>os sogros, utilizando precisamente as ditas fotografias. Quando a festa flt'</p><p>realizou, o marido disse ter sentido um certo mal-estar, ante a dificuldade de</p><p>decidir se iria de traje e gravata ou informalmente. Ela ajudou-o a se decidir,</p><p>pensando que iria parecer uma maior homenagem aos sogros, se fosse vestido</p><p>formalmente, o que fez. A festa foi prazerosa e, como corolário, ficou contente</p><p>por ter feito algo para seus pais.</p><p>A análise dessa situação fez-nos pensar em um tipo de vínculo matrimo-</p><p>nial terapêutico, se assim podemos chamá-lo, ao transformar uma relação</p><p>objetal infantil intra-subjetiva do marido em uma relação vincular. O aqui e ag(~rn</p><p>pôde ser separado do lá e então. Se a mulher não se tivesse colocado em posição</p><p>favorável, para que o vínculo matrimonial realimentasse aspectos patológicos</p><p>em ambos os nembros do casal, poder-se-ia esperar uma determinada encruzi-</p><p>lhada identificatória projetiva, que levaria a esposa a equiparar os sogros é\</p><p>representantes de aspectos deteriorados ou conflitivos de sua própria história</p><p>infantil, como tinha sucedido em outros momentos da análise. Se tivesse</p><p>ocorrido essa última possibilidade, o aniversário teria suscitado um conflito</p><p>matrimonial, com alguma tensão, mal-estar, ou incidente agudo.</p><p>TRANSFERÊNCIA DOS PARÂMETROS DEFINITÓRIOS</p><p>Voltaremos a utilizar (o que fizemos no capítulo 1)o conceito de par~mctr(lS</p><p>deflnitórios, no contexto deste capítulo. São eles: cotldianidade, rdílçl'l(!S</p><p>sexuais, projeto vital compartilhado t' tendênrla monogârnica. Cadu um dCl!h'S</p><p>h"'I1lWi rontém, c l~ (',IJM/, dI' fl'llll'tc'r i\ .Ilgum coruportanu-ntu rt'gr(~8!dvll</p><p>120 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTElN</p><p>infantil e dual não-compartilhado, a urna interferência no espaço vincular,</p><p>regida por angústias específicas. Também reenvia a diferentes aspectos dos</p><p>acordos inconscientes do casal, e à problemática do terceiro, com seus lugares</p><p>na passagem de narcisismo a complexo de Édipo.</p><p>A realidade da sessão, com uma configuração tripessoal, propõe uma</p><p>dramatização simbólica, e a transferência-contra transferência nos aproxima do</p><p>conhecimento de um comportamento dos personagens, com seus objetos reais</p><p>externos. A presença de um terceiro real, e não-virtual, corno na sessão</p><p>psicanalítica individual, determina uma inclusão peculiar do terapeuta e do</p><p>mundo exterior real.</p><p>Transferência da cotidianidade</p><p>É estabelecida a cotidianidade, com base em pactos inconscientes e</p><p>conscientes. Desenvolver-se-á nela um campo de forças com os desejos,</p><p>recordações, percepção e antecipação de cada um dos membros do casal,</p><p>transformados em acordo e desacordo.</p><p>A transferência da cotidianidade remete aos acordos inconscientes, liga-</p><p>dos a urna fantasia de imutabilidade dos intercâmbios e ao desejo de manter um</p><p>reasseguramento dado pelo repetitivo e cíclico dos atas da vida diária.</p><p>Associam-se com aqueles obtidos na primeira infância, mais ligados à</p><p>autoconservação. Faz parte de tudo oque é transformado em pressuposto, sendo</p><p>isento de reformulação verbal, para cada ocasião. Pode exigir apenas uma</p><p>explicitação, com referência a lugares e tempo de certos encontros, incorpora-</p><p>dos ao desejo ou obrigação. Se sua base de sustentação é formada exclusivamen-</p><p>te por eles, estão sujeitos a mal-entendidos e à patologia do desencontro.</p><p>Todo acordo se apóia na fantasia de poder ser mantido, através do tempo</p><p>e do espaço. Sendo ilusório, está exposto a não ser cumprido de forma</p><p>permanente, pois além disso depende das circunstâncias da vida e das irrupções</p><p>do real, que os acordos tendem a bloquear. Quando um casal decide encontrar-</p><p>se, nesta ou naquela hora do dia, pressupõe uma continuidade não exposta a</p><p>imprevistos. Sua base é uma recusa do incognoscível, o futuro ao qual se procura</p><p>dar um qualidade de imobilidade, à maneira de perpétuo presente. Vir à sessão</p><p>pressupõe a colocação em jogo, desse parâmetro e sua visualização. Podem vir</p><p>juntos, ou se encontrar antes da sessão. A partir do enquadramento, ambos</p><p>devem ser recebidos, e não apenas um. O atraso de um deixa o outro esperando</p><p>e, para o terapeuta, Seu paciente-casal chegou tarde. Quemfícou esperando não</p><p>foi apenas um deles, mas, no que se refere ao casal, o próprio analista.</p><p>No funcionamento infantil, a imagem dos pais é investida com a capaci-</p><p>dfld r eh.' Cuzertudo</p><p>aqui lo que é previsível e cognoscível, e essa projeção penetra</p><p>1\11 IIWIIII' dos "rõpl'ins pais, com cnrátcr de certeza. Complementarmente, os</p><p>PSICANÁUSE DO CASAL t~1</p><p>pais projetam no filho a continuidade do que foi depositado nele, além dll</p><p>próprio tempo e espaço. O marco social, transindividual, também impõe umn</p><p>trama pautada e estável, como o seria o bairro ou lugar da cidade, c Ct'rtos</p><p>referenciais permanentes dos intercâmbios cotidianos. Para os habítantes dl'</p><p>cada grupo social, este fica inscrito na mente, como representativo da estabili</p><p>dade social. Sobre esta base, o descumprimento de um acordo é comparável .\</p><p>lesão da auto-estima,levando a uma restauração da ferida, cuja evolução é {di.,</p><p>no sentido da reformulação do acordo ou da censura. Acordo e reformulação</p><p>permanente do mesmo ou desacordo, mal-entendido e censura. É dessa (01'11111</p><p>que, na cotidianidade, são revividos os intercâmbios concretos do mundo</p><p>infantil, ligados à repetição do conhecido e a uma lenta incorporação de outros</p><p>novos, que transformam a vivência de cotidianidade.</p><p>A cotidianídade pode se investir de Eras ou de Tanatos. Quando ocorre</p><p>o primeiro, ela adquire a significação de sustentação de uma estrutura a partir</p><p>da qual é possível a realização de uma'maíor complexificação vincular. Quando</p><p>ocorre o segundo, é vivenciada como cerceante, despertando sentimentos de</p><p>exigência, aprisionamento, tédio e aborrecimento. Sobreinveste-se seu, aspecto</p><p>repetitivo e monótono, que ocupa todo o espaço vincular. É acompanhada pela</p><p>alteração do tempo de sucessão e do tempo de intenção: o tempo não passa e ri</p><p>história se repete. •</p><p>A alteração da cotidianidade é apresentada, em algumas circunstâncias,</p><p>corno perda do reasseguramento por ela fornecido; deve prover e remete ao</p><p>aparecimento de reações violentas, geradoras de maus-tratos;</p><p>Em outras circunstâncias, esta mesma alteração é necessária para criar</p><p>fatos novos, referentes às zonas de encontros criativos.</p><p>A cotidianidade pode ser considerada como um terceiro na vida vincular,</p><p>e costuma adquirir uma conotação concreta de realidade. Do lugar e qualidade</p><p>desse terceiro, na organização triádica, irão surgir diferentes funcionamentos</p><p>vinculares.</p><p>Na situação analítica, transfere-se, por um lado, o relativo ao</p><p>enquadramento, ritmo dos intercâmbios e os lugares designados. Em algu m.I:;</p><p>ocasiões, determina-se uma configuração, na qual o analista é instaurado corno</p><p>juiz e possuidor de um conhecimento verdadeiro acerca de como deve Sl'r</p><p>regida a vida diária. O que é preciso é encontrar uma única maneira adequada,</p><p>um único dado histórico importante, sem a exigência de novos acordos, pols s(l</p><p>se depende de um como infantil e primário.</p><p>Ilustraremos, com um exemplo, uma alteração da cotidíanidade vinculm</p><p>analítica, sua repercussão e significado.</p><p>Um casal interrompe, durante vãrías .samanaa, suas sessões, pOI'lIIII, II</p><p>mulher tinha decidido fazer UOU.1 viagem, à qual não pode renunciar, O 111.1 r!l" I</p><p>não n acompnnhn, eh-vendo fil'fII' !,Ol' J)ll)!iVOH do trabalho. Este projeto clllltil\h.,</p><p>dl\NI'jl)fI lnron ...dclltl'~ l'Otltl'.ldltlll'!OI-l, I' plldlil Iwr;\I' 11111dPHlll'l)l'do '1111' 1ri..,</p><p>122 JANINE PU(;ET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>atentar contra a estabilidade vincular. A maneira de evitá-lo é uma recusa a</p><p>respeito do sofrimento ocasionado por uma imposição superegóica, verbalizada</p><p>pelo marido como "ter de ficar" por motivos de trabalho, e, por ela, "ter de ir,</p><p>porque em sua idade já é tarde para postergar os desejos". Aceitar esta situação</p><p>os obriga a um esforço de discriminação, transformado em hiperdiscriminação</p><p>em relação a suas possibilidades egóicas.</p><p>Simultaneamente, deixam o pagamento das sessões para a volta, e,</p><p>quando recomeçam o tratamento, esquecem de pagar a dívida. A analista sente</p><p>um pequeno incômodo, pela desconsideração envolvida no esquecimento, e se</p><p>indaga o que fazer com o tema do dinheiro, que sofrera uma desvalorização. A</p><p>desvalorização é o indicador social compartilhado, transformado em zona de</p><p>ambigüidade para a compreensão analítica. Refere-se ao fenômeno descrito por</p><p>Puget e Wender (1982), como os Mundos Superpostos. Nesta condição, o</p><p>analista pode se achar impedido para discriminar adequadamente os significa-</p><p>dos inconscientes vinculares, os individuais e os correspondentes a uma</p><p>situação compartilhada atual. Soma-se ao trauma pessoal o motivado pela</p><p>irrupção de uma realidade social, no contexto analítico.</p><p>O casal se lembra e comentam entre si o atraso no pagamento, e dizem,</p><p>displicentemente, que isso não tem importância, pois a analista não precisa</p><p>desse dinheiro, porque tem outros pacientes que certamente a terão pago.</p><p>Portanto, retorna o recalcado na transferência. Ao esquecer-se de pagar o</p><p>devido, no enquadramento terapêutico, ficara imutável um acordo, que leva</p><p>agora à sua transgressão. Contratransferencialmente, a analista registra o</p><p>incômodo, atribuindo-o a motivos pessoais. Ela contava, naquele dia, com esse</p><p>dinheiro.</p><p>Na sessão seguinte, mais uma vez esquecem de realizar o pagamento, e</p><p>no último momento, decidem dar um cheque, o que implica uma nova demora.</p><p>A analista contém o sentimento de não ser levada em conta, em função da</p><p>ruptura do acordo que fazia parte do enquadramento do tratamento, não</p><p>exigindo nova explicitação.</p><p>Durante a mesma sessão, relatam que, na noite anterior, ela tinha voltado</p><p>para casa mais tarde do que tinha sido estabelecido, enquanto ele, ao se dar</p><p>conta da demora, decidiu comer sem esperá-la, e foi ver um programa de</p><p>televisão. Quando ela chegou, queria contar-lhe os acontecimentos do dia,</p><p>tendo ele lhe pedido que esperasse até terminar o programa. Ela captou a</p><p>hostilidade implícita dessa resposta, interpretando-a como um ato vingativo,</p><p>devido à viagem dela. Espera do tratamento respeito de cada um pela indivi-</p><p>dualidade do outro. Nela, essa formulação implica a tentativa de convencer o</p><p>marido para que não lhe seja exigida uma maior participação no casal. Ele</p><p>comenta, em seu tom mais calmo e comedido, que, na realidade, não tinham</p><p>discutido. A excessiva calma era sua forma de reagir, quando se sentia mais</p><p>vroh-ntn, Iltribulndo isso 1\0 desagrado devido à alteração da cotldinnidnde no</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL la.'</p><p>vínculo, negado verbalmente, tanto entre eles como na transferência, na qUI'</p><p>se quebrou um acordo de cotidianidade e uma estipulação do enquadramento,</p><p>no que se refere ao pagamento (fizeram a analista esperar, sustentando U"'''</p><p>idealização segundo a qual o tempo não passa para ela, o dinheiro não I!f</p><p>desvaloriza, ela não tem necessidades), tratado com idealização, quantu ~</p><p>capacidade de tolerância da hiperdiscriminação.</p><p>A constante desvalorização também é uma forma de maus-tratos, IllI"1</p><p>proveniente agora do marco social com tendência a irromper e se repetir "A</p><p>transferência.</p><p>Por sua vez, a esposa rompeu um acordo de encontro, em uma hflrA</p><p>fixada, e ele, negando a frustração produzida pela espera, criou um mundt</p><p>próprio de comida e televisão, no qual já não necessita do objeto frustrante. NO</p><p>entanto, quando ocorre o reencontro, ele a faz esperar, assim como ela () (l'l.</p><p>antes. Ela interpreta essa conduta como vingativa, acrescentando um motivo</p><p>causal: fi é por minha viagem". Interpretação auto-referencial do mal-estar de</p><p>seu marido e de sua própria ação. A violência negada surge deslocada, ,,(1</p><p>material seguinte, onde relatam uma discussão em torno da relação com um</p><p>objeto parental da família dela, que levou a uma cena de censuras, na qual se</p><p>recriminaram sua mútua atitude de falta de atenção, deslocamento dos maus</p><p>tratos vinculares.</p><p>Transferência do significado das relações sexuais</p><p>Veremos, a seguir, como opera o parâmetro das relações sexuais c n</p><p>transferência vincular.</p><p>No nível genital, a relação sexual implica a possibilidade de fusão entre ol!</p><p>egos, com características não enlouquecedoras, devido à existência de um</p><p>terceiro virtual, que assegura o regresso a uma relação triádica. Quando n</p><p>terceiro se reveste de uma característica intrusiva ou hostil, a relação BC altl'r"</p><p>A fusão dos dois egos pode remeter</p><p>ao começo de um corte narcísistn,</p><p>produzindo uma vivência de enlouquecimento. O papel do terapeuta seria o de</p><p>criar as condições que façam a relação de casal adquirir um novo sentido</p><p>Ocupará, alternativamente, as posições desse terceiro excluído, incluído (UI</p><p>intruso potencialmente virtual, em suas diferentes configurações. Também</p><p>pode ser amado ou perigoso com exclusão do outro.Um bom processo 1111,,/(1;(11</p><p>seria aquele no qual o terapeuta passasse a ocupar o lugar de alguém do qunl</p><p>se pode prescindir, com a atribuição simultânea, pelo casal, daquele terceiro</p><p>virtual dentro de seu vínculo. Quando isso ocorre, o terapeuta c n trllt,lIllcntll</p><p>passam a ser uma illstitlliçlio zero.</p><p>A exist~nril\ I.k trlls Pl·SS(>.lS reais, no campo pslcoterupêutico com um</p><p>t'oISill, dá .H't·SMl "' rl~pl't'l;t'ntllçi\n do inll'rjngll Irillngllli\r. Do 11I~;u de um</p><p>124 JANrNE PUGET & ISIDORO BERENsTErN</p><p>terceiro, pode-se deduzir a patologia que existe na vida sexual de um dado casaL</p><p>Qualquer um dos presentes no campo analítico pode estar situado no lugar de</p><p>terceiro ou de um ausente desinteressado, abandonando o casal em uma relação</p><p>de fusão sem retorno. Essas configurações, relacionadas com a situação daquele,</p><p>nos dão acesso ao conhecimento de aspectos da configuração edípica dos</p><p>pacientes e dos acordos inconscientes dela derivados.</p><p>Outra abordagem da transferência, relacionada com as relações sexuais,</p><p>leva à detecção da reedição ou aparecimento de teorias sexuais infantis e do</p><p>nível pré-genital compartilhado pelo casal, podendo semanifestar ideologizações</p><p>como sistema de valores. Representam-se como opostos: violência-inermidade,</p><p>hiperatividade-hiperpassividade, etc., dando conta do tipo de</p><p>complementaridade produtora de desprazer.</p><p>As relações sexuais obrigam o casal a pôr em contato o nível C0rpO,</p><p>próximo a seu referencial biológico como necessidade de outro, com o represen-</p><p>tado em nível mental, estabelecendo-se uma estreita dependência entre os dois</p><p>níveis, tendo como conseqüência o reconhecimento da dependência de um</p><p>outro. A complementaridade pode se orientar para o crescimento ou provocar</p><p>culpa, frustração e violência. As relações sexuais deveriam se instalar como uma</p><p>fonte de prazer renovável, configurando-se harmoniosamente o nível mental</p><p>e o biológico, com a obtenção de reafirmação da própria identidade, fornecida</p><p>pelo fato de confirmar um acordo inconsciente, orientado para o crescimento.</p><p>Em caso contrário, e se o acordo se apoiar em identificações e escolhas de objeto</p><p>infantis não-propícias, podem surgir fantasias incestuosas e de castração,</p><p>associadas à genitalidade.</p><p>A relação sexual, no enquadramento de casal, possui um alto grau de</p><p>especificidade, quanto à estrutura da fantasia derivada de uma escolha baseada</p><p>em tais acordos, sob a forma de cumprimento de desejos complementares, em</p><p>uma dada relação interfantasmática. O outro do casal se constitui no melhor</p><p>objeto escolhido (embora não se possa saber para o que) até aquele momento,</p><p>para cumprir o uso do pênis, no homem, e da vagina, na mulher. Dessa forma,</p><p>é proposta uma situação paradoxal: o contato considerado como o mais</p><p>próximo, biologicamente, é, por sua vez, o de maior nível simbólico. Efetiva-</p><p>mente, o terceiro é alguém cuja função é a de interromper essa fusão do ego com</p><p>o objeto parental. Quando a relação sexual não passa pelo desejo pelo outro</p><p>sexo, converte-se em uma interação baseada em traços não pertinentes, nos</p><p>quais a norma é a transgressão das regras.</p><p>Vejamos dois curtos exemplos. Um casal já está há algum tempo em</p><p>tratamento. Manifestamente, não possuem grandes conflitos, no que se refere</p><p>à cotidianidade, ao projeto vital compartilhado e à tendência monogâmica.</p><p>. Porém, apresentam grandes dificuldades, angústia e insatisfação, nas relações</p><p>sexuals. No material das sessões, o marido emprega, com bastante freqüência,</p><p>nwtMlll'nq ou conceitos nos quais intervêm os termos brandoc duro ("blnndo", <>01</p><p>PSICANÁUSE DO Cf').SAL 12"</p><p>espanhol, pode significar "brando" ou "mole", N. do T:) como "estar brarulu ~</p><p>estar bem" e II estar duro é equivalente à tensão e ao mal-estar". Ela s~ lllll'hu\ d"</p><p>forma dele falar, acha-a difusa e a deixa impaciente, pois não COI1"l'KIW</p><p>entender, o que lhe produz uma sensação descrita como um vazio 11\1..'l1t.II.Ell'</p><p>acha que ela fala de uma forma penetrante e agressiva, o que o deixa louco,</p><p>impedindo-lhe qualquer compreensão. Quando o analista fala, ela diz, l'I)n\</p><p>muita freqüência, que se sente violentamente penetrada, queixando-se de ll"\'</p><p>a interpretação a desorganiza, embora suponha que talvez isso seja bom par"</p><p>ela. Queixam-se um do outro, porque não reconhecem no outro signos de "l'r~1íl</p><p>desejados sexualmente. Evitam todo o jogo antes da relação sexual. Ela Sl'lIU('i)",</p><p>do silêncio do marido e de sua falta de vitalidade.</p><p>O modelo sexual é o de um marido tornado impotente por uma mulher</p><p>a quem considera fálica e de uma esposa não penetrada por um pênis rctraídu,</p><p>Relatam que muitas vezes ficam recostados na cama, olhando para () Il'I"1</p><p>sempre esperando do outro um sinal ativo. Nas sessões, com freqüênci, finllll</p><p>em silêncio, esperando do analista sinais de seu desejo de receber palavras dl'I,'"</p><p>O analista se sente inyadido por um'sentimento de impotência e desesperança,</p><p>mas estimulado a fazer interpretações prematuras. Em outros momentos, um"</p><p>interpretação produz uma irrupção de violência, sem que o analista pO~!oI,'</p><p>identificar, com clareza, a partir do que foi produzida. O clima é de IIIIl</p><p>constante desencontro dos três, no campo terapêutico.</p><p>Na configuração vincular e transferencial, são produzidas alianças de doi"</p><p>contra um. O excluído sente mal-estar, ciúme e, contratransferencíalmente, o</p><p>analista se sente incomodado. Quando falam, fazem-no por turnos rigorosos,</p><p>não permitindo a interrupção-penetração do outro. O diálogo só funciona</p><p>segundo o modelo da intrusão violenta que deixa impotente, castra 011</p><p>enlouquece. Em certos momentos, é o analista quem veicula a Iantasia ti,·</p><p>castração.</p><p>, Outro casal, cuja vida sexual era praticamente inexistente, apresenta, nlhi</p><p>sessões, intercâmbios de grande desencontro. Quando ele é carinhoso, ela rl'''~''</p><p>com violência. Quando ela é terna, ele a censura pela impostura. Não lil' olhnm</p><p>quando falam, fazendo-o apenas com o terapeuta, com o qual estabelervm</p><p>relações de cumplicidade, para denegrir e humilhar O outro</p><p>Contratransferencialmente, provocam certa dificuldade para irnplemcntar</p><p>uma interpretação, devido ao medo de aumentar a exclusão de um dos doi</p><p>Quando a interpretação inclui a ambos, logo se sentem dentro de um marco</p><p>aprisionante e procuram sair de uma fusão sentida como enlouquercdorà,</p><p>discriminando os elementos próprios, mas não desejados, couvcrtulos cm</p><p>inadequados e não-reconhecidos. Sustentam a idéia de que a difl'I't'll,1l cntrt</p><p>eles 6 produtora de assimetria, Impossibílltando qualquer encontro, BtltA</p><p>currcgnda de urna qll.,lid.ld,' hostil, com tcndênd.1 II I11,I."I('r um.t ditltftnd"</p><p>IIpnhlda {,1l1lln"l viv{llld" d,' illl'lllllp.ltlbilid,Hh'.</p><p>126 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>Transferência do projeto vital</p><p>o projeto vital de um casal também ocupa o lugar de um terceiro virtual.</p><p>Este possui uma característica diferente da descrita no parâmetro das relações</p><p>sexuais: é perdido no momento de ser realizado, já não tendo a condição de</p><p>projeto, sendo assimilado à cotidianidade. Na qualidade de terceiro, se reveste</p><p>da idéia de uma temporalidade, separando o presente do futuro, sendo este</p><p>último balizado com sua possível concretização. Por sua vez, o tempo delimita</p><p>um espaço no qual é privilegiado o compartilhar em função desse projeto. O</p><p>projeto por excelência, na vida de um casal, é o filho real. Sobre este modelo é</p><p>possível conceber os filhos simbólicos. Isso possibilita que os pais imaginem um</p><p>futuro para ele, tornando complexo o nível de compartilhamento sustentado</p><p>pela fantasia da promessa de uma continuidade no tempo, mediante as trocas</p><p>que, ao longo de sua vida, o filho irá realizar. Este também é representante dos</p><p>desejos das figuras</p><p>parentais, podendo adquirir a qualidade de mandato.</p><p>Caracterizar o filho como simbólico é pensá-lo a partir dos desejos de um casal;</p><p>de produzir fatos novos, primeiramente imaginados e depois concretizados,</p><p>por meio de uma série de passos e realizações. Implica uma reorganização e</p><p>modificação vincular. Também deriva de um mandato cultural e social, tanto</p><p>no que se refere à continuidade da espécie como à construção da história futura.</p><p>Deve-se destacar a característica de fato novo, situado no futuro, ao qual se irá</p><p>chegar, através da atividade de ambos os membros do casal. Os filhos simbólicos</p><p>continuam sendo as alternativas próprias das etapas da vida de um casal,</p><p>adquirindo nomes diferentes em função do ciclo vital. Todavia, nem todo Q,</p><p>projeto surgido namente de um dos membros do casal se transforma em projeto</p><p>do casal. Para tanto, remetemos à divisão do espaço vincular em zonas mentais</p><p>compartilhadas, possivelmente compartilháveis e não-compartilháveis, delimi-</p><p>tando os possíveis espaços de intercâmbio e outros de funcionamentos indivi-</p><p>duais. Os aspectos não-compartilháveis podem se transformar em terceiros</p><p>excluídos, despertando um certo tipo de patologia. Pode-se pensar que os</p><p>projetas individuais produzem, para sua realização, uma alteração ou modifi-</p><p>cação estrutural na vida do casal, mas nem por isso se transformam em projetas</p><p>compartilhados. O lugar dos projetos individuais irá depender da possibilidade</p><p>de se identificarem mutuamente com os desejos e interesses do outro, represen-</p><p>tados em cada ideal do ego.</p><p>O projeto vital compartilhado surge no momento da passagem do</p><p>enamoramento para o desenamoramento. O enamoramento circunscreve um</p><p>espaço no qual predomina a relação dual, na qual não cabem terceiros, naquele</p><p>momento representados pelos objetos parentaís e pelo desejo de contar com um</p><p>Objcto Único, para superar uma potencial situação de desamparo. O</p><p>en.unornmcnto evolui com (I criação, no espaço mental e vincular, de \1111 lugar</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 111</p><p>terceiro, o casal, como um ponto logo ampliado até gerar um esp,ll,'Ono qllAI</p><p>advém o filho.</p><p>Todo projeto se instala em um lugar vacante, uma ausência e na pOli"lbl</p><p>lidade de simbolizá-lo em um futuro. Na etapa de enamoramento, ".'0 fI</p><p>admissível o espaço vazio, devido ao nível de fusão e de comunidade, 111\0</p><p>havendo por isso simbolização, enquanto não começar o proCl'NHIIdI'</p><p>desidealização.</p><p>O tratamento psicanalítico do casal é um espaço de significação t' !oIílllt~!iI'</p><p>dos projetos dos três integrantes. Para os membros do casal, a deteriornçàu do</p><p>vínculo, a perseguição ou a dor correspondente, tornam a terapia um proj"11I</p><p>futuro, baseado na idéia ilusória de rápida supressão da dor, com o n'i'lHlIl'~1</p><p>mento do prazer, recuperando o faltante no êxito futuro. Quanto ao tera pt· li1,1,</p><p>este, ao empreender a terapia de um casal, realiza um projeto consciente ..uhn:</p><p>o qual funda sua vocação analítica, segundo um marco referencial tcóriru</p><p>científico, mediante o qual instrumentaliza, de forma adequada, suas possibl</p><p>lidades de reparação e epístemofílicas, que o levam a privilegiar o conheci nu-n II_I</p><p>das vicissitudes de um casal, bem. como o desejo de implementar mudanças,</p><p>obter êxitos específicos para cada caso. O tratamento é iniciado sobre um</p><p>acordo, segundo o qual, embora o terapeuta não explicite seu modelo mental,</p><p>a respeito do funcionamento-ideal de um casal, os pacientes projetam ii Id('i,1 d(~</p><p>adquiri-lo para resolver seu conflito. O acordo inconsciente leva implícita a idt."iil</p><p>de ocupar o lugar de conhecimento, cuja sublimação conforma o desejo di'</p><p>ajudá-los, desde que o casal aceite ser ajudado. É o acordo mínimo, sobre o qual</p><p>se baseia o futuro projeto terapêutico.</p><p>Logo a seguir e Como parte das vicissitudes transfercnclals</p><p>contratransferenciais, a tarefa se investe de um desejo reparatório, no ou« St' rt'I;~r,</p><p>ao casal interno do terapeuta, projetado sobre o casal-paciente. Quando i:is"</p><p>ocorre, leva a uma certa intolerância e/ou dificuldade de entendinu-nto,</p><p>sobretudo nos momentos em que o projeto deixa de ser compartilhado, plll'qlll</p><p>o casal implementa um outro, do qual o terapeuta não participa ou ViCl'-V"I'NiI</p><p>A partir deum certo momento, o terapeuta deseja seguir adiante com o PI'i'lprlO</p><p>ideal de terapia, contendo um ideal.de casal, mas não acordado como "'"</p><p>projeto comum compartilhado com o paciente. Este último é sustentadu apvnns</p><p>enquanto for um projeto dos três integrantes, em um nível compartilhado</p><p>aceitável. Quando isso não for possível, rompe-se um dos vínculos. Tanto IIdo</p><p>casal, quando chegam a uma separação, como o vínculo terapêutico, qunmlu fi</p><p>analista é subitamente expulso da-relação tripessoal, ficando COI)\ li dor di' II.'~I</p><p>ter podido realizar seu projeto terapêutico, com este determinado (',1:-',11.</p><p>Quando o término de um trotamento é resultado de um Pl'OJI'IIl' 111111''''</p><p>tilhado, a interrupção do vínculo terapêutico se dá como Hill pron',,;slI 11I11I1I'ill</p><p>produzindo IWlllinwl1toH dn Mr!'il' dl'prl'~Hivél O ,1I1i\liHt,I l'i'l'III"'III hllI, ,,111111111</p><p>mi.I" pl)~Hlhllit,\.1IIr.\Hull'l'"I,llwl""I'" 11I111!:;l'jl~(lvlnculur dr- doi~, (1l~I!Píllldli lil~</p><p>128 JANINE PUCET& ISIDORO BERENSTEIN</p><p>lentamente um lugar virtual. Portanto, adquirir esse lugar representa, para os</p><p>três, a materialização do projeto. O projeto deixa de sê-lo quando se realiza,</p><p>sendo incorporado à cotidianidade, ou seja, ao presente, podendo-se interrom-</p><p>per o tratamento. A elaboração do término também depende da possibilidade</p><p>de conceber projetos individuais e um espaço futuro, sem a presença do</p><p>tratamento. No terapeuta, seu projeto é o de reparar seu próprio casal interno,</p><p>tanto os pais como o seu vínculo com o instrumento analítico de casais, ter</p><p>outros pacientes e descobrir novas vicissitudes do funcionamento mental.</p><p>Transferência da tendência monogâmica</p><p>A tendência monogâmica significa a conjunção de uma prescrição social</p><p>e uma inclinação ou tendência, em cada um dos integrantes, a estabilizar amaior</p><p>parte de seus intercâmbios com o casal. Aquilo que, no nível manifesto, é a</p><p>tendência monogâmica, contém uma complexidade que abrange a zona</p><p>definida, no outro extremo, como a vivência de ser somente um para o outro,</p><p>como acontece no estado de enamoramento acompanhado de fascinação,</p><p>relação especular, até se converter, paulatinamente, em um ato psíquico</p><p>vincular da maior complexidade, que consiste em ampliar a possibilidade de</p><p>compartilhar tudo o que for compartilhável, admitindo a dor de conhecer, no</p><p>outro, a existência de espaços mentais não-acessíveis.</p><p>A tendência monogâmica pode ser analisada de diferentes perspectivas.</p><p>Oferece tanto um lado progressivo como regressivo, quando se refere a</p><p>funcionamentos primitivos. A mesmidade dos personagens primitivos paren-</p><p>tais que assistem o bebê é instalada como um modelo vincular que pode, pouco</p><p>a pouco, passar a uma outra dependência mais discriminada. Para tanto, terá</p><p>de sofrer certas modificações, para tolerar outros modelos identificatórios,</p><p>fornecidos pela presença de outros personagens. Podem conviver em seu</p><p>mundo interno vários modelos identíficatórios e as diferenças entre eles ou suas</p><p>contradições irão lhe permitir, por sua vez, construir um modelo de referência</p><p>unificado.</p><p>Desde o início da vida também se entra em contato com um modelo</p><p>relacional do casal parental, sobre o qual se constrói uma representação</p><p>vincular, base de seu próprio modelo de casal. Ao se instalar uma relação de</p><p>casal, o ego volta a se pôr em contato com todos os modelos adquiridos e, às</p><p>vezes, na melhor das hipóteses, os recria. A possibilidade de reconhecer a</p><p>existência do outro ego como objeto real externo autônomo leva à construção</p><p>de um vínculo baseado na representação de objeto unificado (ver capítulo 1).</p><p>A transferência desse parâmetro passa por dois períodos simultâneos ou</p><p>S\lC't'RRivos.Durante o primeiro, o terapeuta sofre as vicissitudes de ser investido</p><p>('()JIIO Objoto Único por cada um dos membros do casal. Provavelmente, será</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL ' 12~</p><p>a isso que irão se dever as</p><p>melhoras sintomáticas realizadas no nível vlnl·ul.,r,</p><p>por serem momentaneamente aliviados da função de reinvestir e ser reinV('lItldl\</p><p>narcisisticamente um pelo outro. Essa transferência para afigura do analistA (II!</p><p>alivia das exigências e tiranias emanadas desse funcionamento prlrnitivu</p><p>vincular.</p><p>Além disso, o terapeuta, com uma teoria psicanalítica da relação de l'a!'lnl!</p><p>apóia-se em um enquadramento a partir do qual redefine o paciente como CRPI., I</p><p>Essa formulação possui conseqüências futuras, quando se dá uma passagem ~I</p><p>estrutura vincular primitiva a objeto unificado. Isso tende a se acentuar próxlmo</p><p>da finalização do tratamento. Incorporar o terapeuta implica, por sua ve:1.,</p><p>identificar-se com aquele que possui um enquadramento que permite pl'lltll\r</p><p>se sem a urgente necessidade de serem os únicos objetos da vida de cada um,</p><p>Provavelmente, na mente dos membros do casal, o analista seja capaz dll</p><p>encontrar, idealmente, uma complementaridade para cada intercâmbio, sem</p><p>somá-los na indiscriminação enlouq'uecedora, orientando-os para uma harmo</p><p>nia mais próxima do ideal do ego. As interpretações em que o terapeuta inclui</p><p>a ambos, em sua formulação, deverão poder discernir quando são o resultado</p><p>de uma contra-identificação com a qualidade de Objeto Único, para um vínculo</p><p>destruído e desamparado, e quando são o de um funcionamento vincular</p><p>correspondente a níveis de maior complexidade, progressão e reconhecimentu</p><p>das diferenças e do referente ao mundo vincular compartilhado e nâo</p><p>compartilhado.</p><p>CONTRATRANSFERÊNCIA NA TERAPIA DE CASAL</p><p>Embora tenhamos mencionado diversas vicissitudes do par transferôncia</p><p>contra transferência, ao longo deste capítulo, desejamos dedicar um item CHpl'l'inl</p><p>para alguns destaques, pois as dificuldades na compreensão e manejo técnlco</p><p>deste campo vincular apresentam algumas características especiais.</p><p>Em geral, entendemos por contratransferência todas as respostas do</p><p>analista diante da conflitiva do paciente, tanto em seu aspecto facilitador como</p><p>inibidor da compreensão. Estes últimos costumam estar relacionados com pnntflll</p><p>cegos da vida do analista (infantil ou atual), determinados por seus dlfcrvntea</p><p>momentos históricos, sua configuração identificat6ria ou seu funcíonarnento</p><p>psíquico. Algumas experiências atuais também podem produzir certo tipo li,</p><p>dificuldade na abordagem da conflitiva do paciente (Pugete Wendcr, 191'42). Um</p><p>dos maiores obstáculos para a compreensão e empatia co",trah'i\n"ft'rt~l\dnl</p><p>geralmente provém da descoberta de tondêndas 01.1 aspectos l\l'~"do9 11\1</p><p>fl'ClIH(ullls.</p><p>130 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>Na análise de casal, partimos de um pressuposto: os pontos cegos estão</p><p>relacionados com a representação do objeto casal internalizado do analista,</p><p>construído ao longo de sua vida e atualizado por sua própria relação vincular</p><p>de casal atual.</p><p>Como psicanalistas de casal, é necessário indagar se as respostas _</p><p>contratransferenciais, diante de um paciente individual ou um casal,</p><p>correspondem à mesma área mental e aos mesmos objetos, ou, -de outra</p><p>maneira, se são mobilizadas áreas peculiares correspondentes aos diferentes</p><p>enquadramentos terapêuticos: individual, de casal, de família ou de grupo.</p><p>Alguns usuários do método psicanalítico explicam as reações</p><p>contratransferenciais do mesmo modo, embora surjam em enquadramentos</p><p>diferentes.</p><p>Nós pensamos na conveniência de isolar áreas ou constelações objetais</p><p>específicas. Isso nos levou a propor a conveniência, para o terapeuta de casal,</p><p>de ele próprio realizar uma análise de casal, como forma de acesso a tais pontos</p><p>cegos. Essa sugestão provavelmente será matéria de árdua discussão, pois</p><p>desperta intensas reações emocionais. No entanto, cada vez mais os analistas</p><p>dedicados a enquadramentos vinculares têm feito, eles próprios, uma experi-</p><p>ência pessoal de análise deste tipo. Deve-se assinalar que sua apreensão</p><p>psicanalítica, no que se refere ao material, os encontra com uma maior</p><p>disponibilidade a se porem em contato com o casal como uma unidade e não</p><p>apenas como duas pessoas em conflito.</p><p>Seria agora conveniente nos indagar pelo referencial primitivo do objeto</p><p>casal de um indivíduo adulto. A experiência como integrante de um casal</p><p>genital remete a funcionamentos primitivos elaborados ou não, confrontando-</p><p>se com uma experiência inédita. A primeira representação de casal, no nível</p><p>inconsciente, é a de um casal parental, no qual o ego infantil está incluído como</p><p>filho, apoiando a crença de ter esse casal parental permanentemente a seu</p><p>serviço. Equivale a dizer" é um casal parental para mim". Reconhecer neste um</p><p>casal marido-mulher é uma tarefa longa e árdua. O poder pensá-lo resulta de</p><p>seus próprios modelos identificatórios e da transmissão a partir da geração</p><p>anterior dos pais.</p><p>No casal marido-mulher surgem conflitos da série edípica, na qual o filho</p><p>ocupa, por sua vez, um lugar de terceiro excluído, com a gama de sentimentos</p><p>e emoções experimentados nessa posição. Para ajudar um casal (matrimonial)</p><p>a construir um espaço vincular próprio (diferente do do casal parental), não</p><p>teríamos o referencial vivencial primitivo. Para evitar essa carência, habitual-</p><p>mente o terapeuta remete o casal-paciente a seu próprio casal atual, sendo a ele</p><p>difícil ter objetividade com os aspectos regressivos ou sintomáticos do mesmo.</p><p>A angústia derivada desse conflito pode levar a escotomas. Quanto mais</p><p>primitivos forem as tendências e sentimentos atualizados, em nosso trabalho</p><p>rnmo .u-,,,listns, mais a análise pessoal do analista o ajudará à tnlllSfOl'lllá-los em</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 111</p><p>experiência, reconhecimento, contato e tolerância com os vívenclado .. pt</p><p>pacientes. Assim, como é possível analisar um casal sem ter tido a e)(p"rt'""l</p><p>de análise de casal?</p><p>Outra das dificuldades e núcleo de divergências entre os analistftl!.dI ~•••I</p><p>deriva do modelo de casal utilizado consciente ou incenscientemcnte, EmborA</p><p>o referencial aos ideais seja o que vigora em .qualquer tratamento, parece h"y</p><p>um maior grau de complexidade, no caso que agora nos ocupa, Nãoé (ádl dl~"</p><p>o que é o bem-estar de todo casal, nem como, nem no que consiste I) 1\8pf"h</p><p>progressivo vincular. O que se entende como de maior complexidade vlnf.'uh"</p><p>Todos os casais por nós atendidos podem chegar a essa maior compll'Kh.t.tLI</p><p>vincular? Essa maior complexidade é terapêutica? Temos de admitir UI11 tI.'1) LI</p><p>complementaridade satisfatório, sem por isso chegar a um maior cr\'tldlHélntn</p><p>vincular, e no entanto, ser esta amelhor solução? Um terapeuta de casal, ém rUi"</p><p>mundo interno figura um casal parental registrado como unido, sem lugAr .,.Í'.</p><p>as angústias derivadas da separação, poderia orientar suas interpretações d</p><p>maneira a torná-las de acordo com seu modelo ideal. Procurará unir OH cnrud.,</p><p>com o que satisfaz sua relação com aqueles pais internos, encontrandUtlllf</p><p>obstaculizado para reconhecer um tipo de vínculo para o qual pudesse ser d</p><p>maior complexidade a separação; Diante da fantasia vinculada Coma Iil'piUil.;An,</p><p>o terapeuta pode registrar angústia contratransferencial pela situação rt'l'ftn</p><p>descrita, ou por um desejo primitivo de separar os pais, dentro da série ('lHph't\,</p><p>ou por pressão social. Outro terapeuta, para o qual pode ter significado um</p><p>alívio a separação dos objetos parentais, devido a uma relação de nMUII·trl'lhlM</p><p>mútuos, com o conseguinte sofrimento para o. ego infantil, poderá vi~ut\lIl,,,r,</p><p>com mais perspicácia, essa alternativa.</p><p>Outra dificuldade contratransferencial provém da representação rnent ••</p><p>de casal unido, em uma base de má-complementaridade. Este é O caso qUlulí.lu</p><p>somos, simultaneamente, objeto da transferência de dois aspectos provcnlcmt</p><p>de níveis diferentes de cada um dos membros do casal, como, por exemplo, I'.'</p><p>edípíco de um e Objeto Único do outro. O terapeuta procurará des(íl7.l'r-IltId</p><p>um desses aspectos, a fim de evitar a dificuldade derivada do manejo simultA</p><p>neo de dois níveis projetados com a mesma força; ou porque lhe l' dWrll</p><p>verbalizar e devolver aos_pacientes a problemática vincular promovida por e</p><p>tipo de funcionamento.</p><p>E como se ambos os componentes do casul so """'('1"</p><p>sem com um principio de complementaridade e imaginassem, um h)dll!il ti</p><p>momentos, viver uma mesma conflitiva interna, dividida entre 1I~ dol8. No</p><p>entanto, ébastante comum observar a convivência de dois níveis, prctcn~'\'n,lu</p><p>ilusoriamente, unir-se, situando-se no mesmo.</p><p>Outro problema contratransferencíal surge quando fi orgi\nl?açl\o vlncu</p><p>II\T sustenta convicções delirantes compertílhadaa Parece ~il'r IlInn bltrrttlr"</p><p>maior i'I i\n('\lhw do C)m' iI manlfestadn por um único paciente. l)lII\tt lIU ",.,</p><p>IWHStMH, l'llllllJolrtilh,lI1du Ulllol l'tmvln;l\o, twn\ln \l1ll ("I1I)nWI1I1 por ",.,In d</p><p>132 ]ANINE PUGET & ISIOORO BERENSTEIN</p><p>qual a força explicativa parece provir da natureza, excluindo a vivência do</p><p>óbvio. A generalização é um registro compartilhado por todos. Quando o</p><p>terapeuta interpreta as convicções compartilhadas emergentes na sessão, cria-</p><p>se um campo terapêutico, no qual é percebido como alguém estranho, prove-</p><p>niente de outro espaço e tratado como tal. Gera uma gama de vivências que vão</p><p>desde a estranheza até a dúvida a respeito de sua capacidade mental e dos</p><p>indicadores da realidade. Típica resposta contratransferencial, por não poder</p><p>ser contido pelo casal. Revisar os pactos inconscientes que levaram à construção</p><p>do sistema de crenças compartilhadas irá devolver ao casal uma vivência de</p><p>isolamento e estranheza de um mundo idiossincrásico e, por isso, não-compar-</p><p>tilhado. Transforma-se em uma fonte de intensa resistência na terapia de casal</p><p>e gera, no terapeuta, o sentimento de irromper em um casal às vezes registrado</p><p>como idealizado. A dificuldade se apóia em um funcionamento infantil,</p><p>segundo o qual a criança não questiona alguns acordos inconscientes do casal</p><p>(matrimonial) de seus pais, já que, se o fizesse, isso iria significar um ataque à</p><p>unidade do mesmo. O bebezinho interno do terapeuta deve enfrentar a temível</p><p>situação derivada da revisão dos modelos recebidos de seu casal parental</p><p>infantil e, por sua vez, os que sustentam seu casal atual. As convicções</p><p>compartilhadas podem se transformar em rocha dura, defesa contra uma</p><p>angústia de dissolução vincular. '</p><p>Outra importante dificuldade nos casais provém do uso da linguagem</p><p>de ação e a possível realização de aspectos violentos, surgidos na vida de cada</p><p>um e, especialmente, no vínculo. Isso gera, como resposta contratransferencial,</p><p>um sentimento de intimidação às vezes em relação com ou transcendendo a</p><p>grandeza da violência intercambiada. Situações como a quebra de uma das</p><p>cadeiras do consultório, ao se balançar com violência ou a quebra, sem o</p><p>querer, de algum elemento do consultório, aparecem vinculadas com a</p><p>circulação de violência nas sessões. Uma hipótese complementar da irrupção</p><p>de violência é que as pessoas se defrontam com uma tarefa impossível, a de</p><p>discriminar e diferenciar o objeto interno e o objeto externo, de tal maneira</p><p>que, quando um e outro se referem ao outro, o fazem a partir da relação de</p><p>cada ego com uma representação do outro, tomando-a como se fosse realida-</p><p>de, ao que o outro responde com realidade. Apóia-se em uma angústia de tipo</p><p>confusional. Em um paciente individual, o enquadramento psicanalítico</p><p>oferece os índices para circunscrever muito mais, salvo naqueles processos de</p><p>desagregação psicótica, as produções do paciente como provenientes do</p><p>mundo interno, pois o terapeuta não lhe responde de igual para igual. Em um</p><p>casal, seria impossível não fazê-lo, até se ter analisado amplamente essas</p><p>zonas de confusão.</p><p>Detectar diferenças em uma terapia vincular, a partir da contratransferência,</p><p>traz consigo dificuldades relacionadas com a atualização de seus critérios</p><p>vuloratlvos.</p><p>PSICANÁLISE 00 CASAL</p><p>Uma maneira de organizar as diferenças no nível mental é f"~~·lo,, pArti</p><p>de oposições, tais como a disposição em contrários e contraditérlos. Unll</p><p>diferença estruturante do vínculo matrimonial é a posição ativo-passlvo, !(tln</p><p>seus diferentes significados: pênis-castração, masculino-feminino, dOPI l(uAI.</p><p>um dos sentidos, ligado a atívo-passivo, é valorizado posítívamento, l(u""du</p><p>corresponde adequadamente a cada um dos membros do casal, cm fun~"" "</p><p>seus sexos. Esta oposição se apóia na idéia de complementaridade. Na nWIII</p><p>do analista, pode chegar a se transformar em condição necessária parA III</p><p>organização vincular.</p><p>Outra oposição passa por uma valorização qualitativa que envolve " Id'l..</p><p>de superior-inferior, melhor-pior ou bonito-feio. Reforça uma tendência a ~"r</p><p>razão a um sobre o outro ou a estabelecer uma ordem de preferência provenl</p><p>ente do ideal do ego. Neste caso, poderia incitar os membros do casal" nhlAr</p><p>condutas sadomasoquistas e denegridoras, com as vicissitudes perturbadorna</p><p>que tais mecanismos põem em jogo. Por provirem do superego do ""i,UlItn,</p><p>podem trazer consigo uma atitude autoritária e discriminatória, podendo</p><p>chegar a alterar o andamento do tratamento.</p><p>Quando a comparação não implica valoração crítica, nem exige dl'l,llllll"</p><p>necessária complementaridade, torna-se possível reconhecer categorías d,'</p><p>diferentes níveis, e a fonte de confusão determinada pelo desconhecimenín</p><p>desse aspecto.</p><p>A tendência, sempre presente nos membros do casal, de utilizar ml'rilll!!!</p><p>mos denegridores, para explicar seu sofrimento vincular, também OfCfl"'(!</p><p>dificuldades. Por exemplo, quando uma interpretação detecta e dá a conhecer</p><p>um vetor causal, segundo o qual a conflitiva de um promove no outro llllU'</p><p>determinada reação. Mencionamo-lo quando descrevemos aspectos</p><p>enlouquecedores, em um dos membros da díade e um ego enlouquecido, "0</p><p>outro. É o caso também quando, durante certo tempo, é necessário trabalhar</p><p>sobre uma relação objetal intra-subjetiva de um dos membros do casal, a fim d,'</p><p>conhecê-la e modificá-Ia, invalidando momentaneamente O vínculo ou o</p><p>distorcendo. Isso pode levar ao estabelecimento de uma etiologia para o 111111</p><p>estar vincular, o qual, durante certo tempo, instala um dos membros como filtflr</p><p>determinante do padecimento vincular, significado pela mente como outorKiU</p><p>O rótulo de mais doente a um dos dois. Esta problemática não é colocada nu</p><p>análise individual, não existindo um outro ego, instalado como observador</p><p>interessado em denegrir ou utilizar técnicas de poder, a partir do reconherí</p><p>mento e atribuição de uma enfermidade ao outro. Ser visto como doente ~</p><p>semantízado a partir dos modelos infantis como mau-bom, facilitando :\0</p><p>membro menos doente sua exclusão do campo terapêutico.</p><p>O analista pode sentir IInocessídadc aplacatôria de produzlr, forçndllltlt'nl(',</p><p>um tipo de jntcrprl·l.\çl\n vincular, I1t'I\' dnr o tempo-espaço m·C't'ss.hlu Jl.u., PI"U</p><p>desdohrnnu-nto. Sl'ri,1 II t·qUIV.IIt'lIlt' ,I rriM um vínculo urulu .lind,1 11,\0 êxJill</p><p>134 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>Faz parte de nossa tarefa diária qualquer uma das dificuldades</p><p>contratransferenciais induzidas pelo casal que mencionamos.</p><p>Configurações con tratransferenciais</p><p>Nossas próprias observações contratransferenciais e as supervisionadas</p><p>nos levaram a reconhecer, no campo tripessoal, algumas organizações</p><p>prototípicas, dentro das quais o analista pode se sentir mentalmente situado,</p><p>preso ou obstaculizado, para empregar a interpretação como condutora de</p><p>compreensão e conhecimento. Circula sem discriminação o mesmo tipo de</p><p>sentimento e emoção, para o casal e para o analista, levando a experimentar</p><p>desesperança, impotência, perseguição, etc.</p><p>Na realidade, as configurações que iremos. descrever a seguir são uma</p><p>dramatização dos aspectos antes mencionados como dificuldades</p><p>contratransferenciais. Todavia, pela freqüência com que aparecem, enquanto</p><p>estilo de dramatização, parece de alguma utilidade destacá-las.</p><p>"O tribunal". O analista é instalado no lugar de juiz e cada paciente éuma espécie</p><p>de advogado defensor de sipróprio. Existe um culpável e o juiz deverá reconhecê-</p><p>lo. Sua tarefa será a de estabelecer um código de valores, segundo o qual ditará a</p><p>sentença. O litígio será proposto em tomo de opostos: bom-mau, verdade-mentira,</p><p>certeza-erro, teus pais-meus pais,</p><p>etc. Podem surgir opostos irreconciliáveis,</p><p>veiculando valores provenientes de um código de ética diferente, aos quais se tenta</p><p>dar uma forma coerente, organizando vínculos assimétricos de superior-inferior,</p><p>preferido-querido ou excluído, que veiculam sentimentos de humilhação.</p><p>Essa configuração se apóia na tentativa de dirimir um desacordo, a partir</p><p>de uma ordem registrada projetivamente como imposta de fora, e um reconhe-</p><p>cimento doloroso de uma profunda falta na capacidade de se fazer entender</p><p>pelo outro, mediante palavras elaborativas. A perda de uma ilusão de fusão</p><p>aprofunda uma ferida narcisista que poderia - ilusoriamente - curar-se, se um</p><p>juiz obrigasse um dos integrantes a se avir com um código de significado único.</p><p>"Cúmplices". Esta configuração dos três integrantes se organiza mediante</p><p>alianças de dois, com exclusão de um terceiro. A aliança pode ser investida de</p><p>um componente perverso, que semanifesta como cumplicidade, na qual os dois</p><p>aliados recriam um inimigo comum, mediante o uso de qualquer técnica de</p><p>maus-tratos para mantê-lo nessa posição. Nessa cumplicidade circula um</p><p>subentendido, ou seja, não fazem falta palavras para reconhecer a maldade ou</p><p>. inferioridade do opositor. Ocasionalmente, o analista se vê obrigado a ser</p><p>incluído cm um casal, para o qual não foi escolhido, sendo sua interpretação</p><p>intensamente resistida.</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL U~</p><p>"Amantes". Nesta estrutura vincular, os problemas ou diflculdAdll</p><p>contratransferenciais são devidos ao estabelecimento de uma tran8Íert"ct.</p><p>erótica com a figura do analista. É a situação na qual o analista pude ver</p><p>dificultada sua tarefa e sua compreensão, pelas tentativas de sedução de um d')!J</p><p>membros do casal, devido a funcionamentos eróticos. Novamente, iremo!!</p><p>considerar essa dramatização como uma dramatização resistencial.</p><p>Comparando nossa resposta contratransferencial no campo trípessoal c</p><p>no bipessoal, neste último a emergência de significados eróticos dos padcntcll</p><p>produz em nós uma certa dificuldade para pensar e para interpretar. E8t1(J</p><p>problema apresenta uma intensidade particular e dificuldades peculiares 1\"</p><p>terapia de casal, cujo enquadramento delimita uma relação frente a frente dOi!</p><p>três integrantes. Uma primeira situação deriva do valor do olhar que, neste caso,</p><p>atuaria como uma violenta irrupção a partir do mundo exterior daquilo que</p><p>tinha sido objeto de recusa. Ver-se e ser visto pode aumentar a dor psíquica da</p><p>qual se tenta fugir. Enquanto a dor puder ser vivida como externa ao aparelho</p><p>psíquico, é possível evitar parte de suas conseqüências, preservando um</p><p>funcionamento mental, embora reduzido, mas pelo menos adequado às neces</p><p>sidades da vida diária. Na transferência erótica, o ver-se e ser visto se transforma</p><p>em mostrar-se com uma qualidade erótica, como maneira de aludir à dor</p><p>psíquica.</p><p>Notas do capítulo 7:</p><p>1. Uma primeira versão deste capítulo foi publicada na Revista deA.A.P.P. deG., tomo IX,nO I, 1986</p><p>CAPÍTULO 8</p><p>A Plataforma Inconsciente</p><p>do Casall</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>oS CASAIS sentem, sem querer nem poder impedi-lo, que tendem a situar</p><p>compulsivamente o outro na posição de objeto ilusório, como se fosse um</p><p>recorte estereotipado que atrai, fascina, irrita e gera violência. Enquanto o outro,</p><p>inevitavelmente diferente, não se superpõe completamente ao lugar de ilusão,</p><p>é vivido como intruso e perde todo o encanto que se pensava ter. Essa produção</p><p>vincular deriva de um funcionamento primitivo, e, em nossa opinião, está</p><p>ligada às exigências correspondentes ao desejo de ser e de ter cada um, para o</p><p>outro, um objeto ilusório com as características peculiares descritas mais</p><p>adiante. Sobre essa base, gera-se a dificuldade de admitir a diferença en tre o ego</p><p>e o outro, bem como seu correlato na diferença dos sexos. Conservar tal</p><p>funcionamento implica escolher um determinado objeto.</p><p>Os acordos e pactos inconscientes indicam a maneira e o tipo de objeto a</p><p>ser escolhido. O ser humano conta com diversas inscrições de vínculos e</p><p>relações com os objetos parentais e, depois, com objetos extraparentais signifi-</p><p>cativos, com os quais integrou um complexo sistema de opções, a respeito da</p><p>escolha de um outro pelo ego (pois escolhe um determinado outro) e como se</p><p>oferece, por sua vez, para ser escolhido por ele.</p><p>Exporemos um modelo para tomar compreensível a estrutura relacional</p><p>profunda, construída na base de acordos e pactos inconscientes, cuja modalidade</p><p>particular outorga sua especificidade a cada casal: a plataforma inconsciente.</p><p>136</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 1:\7</p><p>A análise de tais acordos e pactos permitiu que isolássemos os cllmll'1l101i</p><p>constitutivos da estrutura relacional, sendo isso que iremos desenvolver neste</p><p>capítulo.</p><p>PLATAFORMA INCONSCIENTE</p><p>Chamamos de plataforma inconsciente (ver comentário 4) da relação de!</p><p>casal a estrutura profunda que a regula, o subjacente a todas as modalidades de:</p><p>interação, Onível do observável. Aparentemente, nele existe um amplo espectro</p><p>de modalidades de relação, sustentado pela ilusão de sua variabilidade e'</p><p>multiplicidade. Surgem como situações sempre diferentes da:vida diária de \.Im</p><p>casal. Os integrantes do casal freqüentemente formulam suas próprias teorías</p><p>explicativas, a respeito de seus conflitos. Na verdade, seus protagonistas,</p><p>utilizando a indução, detectam regularidades e, a partir delas, fazem generali-</p><p>zações, mediante as quais imaginam poder predizer. Descrevem ínterações</p><p>encobridoras, porque passam perto da consciência. São modelos contingentes.</p><p>Devem sua coerência ao caráter repetitivo de uma determinada modalidade de</p><p>relação e derivam da estrutura profunda do vínculo. Serem modelos encobridores</p><p>não lhes tira a importância, são observáveis, remetem a uma ordem ou estru tu ra</p><p>inconsciente e determinam a forma de ser do casal. Para se obter modificações</p><p>estruturais profundas, seria preciso utilizar uma teoria científica, a partir da qual</p><p>a proposta e elaboração das contradições inconscientes adquirisse um novo</p><p>significado possível.</p><p>As diversas contingências da vida produzem modificações do côdígo, No</p><p>transcurso de sua modificação, podem surgir sintomas da relação de casal. Aquilo</p><p>que unia, agora é percebido como aquilo que separa. O possível softimento leva</p><p>a se refugiar em condutas seguras, conhecidas, infantis, buscando, dessa maneira,</p><p>recuperar uma sensação de certeza contra a incerteza do desconhecido, referente</p><p>à evolução para a maior complexidade vincular, geradora de angústia. O conmto</p><p>surge quando houver uma maior necessidade de manter imobilizado o víncu lo,</p><p>deixando excluídas as novas exigências do casal.</p><p>Sustentado por acordos e pactos inconsciente, fornece um código doador</p><p>de sentidos implícitos. Estabelece o conjunto de regulamentos para o perrnltidr I</p><p>e o proibido, para essas duas pessoas. Inclui e, por sua vez, diferencia-se dos</p><p>códigos in tra-subjetivos, próprios a cada um. Apartir do novo código espt'c{(in I,</p><p>cada casal, sem o saber, organiza novos acordos-entendimentos, segundo IIH</p><p>quais sclecíona, de uma gama Infinita, uma determinada modalidade' dl'</p><p>rclaçâo. Aplataforma (' o lugttr onde se produz o recorte das circunstând,HI,,·uIA</p><p>lt'lldllndu" n·pdlç.lll pud,' Ke"'M UIlI contuxto tlignifkntivu.</p><p>138 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>Possui representações objetais e vínculos entre si. Contém desejos infantis</p><p>insatisfeitos e também a problemática inerente à diferença dos sexos, pois em</p><p>cada etapa da vida, e crise vital, adquire um novo sentido. Além disso, inclui</p><p>identificações históricas primárias e secundárias, e representações socioculturais</p><p>inconscientes, elementos importantes doadores de pertença, que exigem, por</p><p>sua vez, novos e variados acordos nos mundos do casal.</p><p>Aplataforma inconsciente é urna estrutura estável, mas não imutável. Nos</p><p>casos de um casal cuja relação evolui para o crescimento, ou naqueles que</p><p>recorrem a um tratamento psicanalítico de casal, pode-se identificar a qualidade</p><p>dos vínculos. Dessa maneira, libera-se a disposição para outras identificações e</p><p>escolhas objetais contidas na mesma estrutura, mas imobilizadas pela</p><p>repetição</p><p>ou recalcadas pelo conflito.</p><p>A plataforma inconsciente é o organizador da relação em suas diferentes</p><p>modalidades de intercâmbio: emocional, sexual, econõmica, de palavras.</p><p>OBJETO ÚNICO</p><p>Neste ponto, iremos nos ocupar das condições que, embora sejam</p><p>anteriores ao estabelecimento da plataforma, possuem nela a sua representa-</p><p>ção. Essas tendências iniciais são persistentes e, possivelmente, nunca irão se</p><p>apagar, terminando por serem abandonadas em um nível ilusório. Sua compre-</p><p>ensão nos permite entender algumas características da relação de casal. Portan-</p><p>to, formularemos um modelo evolutivo, que supomos subjacente a toda relação</p><p>de casal.</p><p>Descrição</p><p>o vínculo estável com um outro, dotado do caráter de exclusividade e</p><p>necessidade, a quem ninguém poderia substituir, buscado pelo ego, sem o qual</p><p>se vê ameaçado pela vivência de aniquilação, dá lugar a esse vínculo peculiar,</p><p>que chamamos de "objeto único". É a primeira organização objetal ainda</p><p>investida d~arcisismo originário. Dela deriv~a da sensação oceânica e</p><p>Oe fusão com §§.e oQjetº-~o, portanto, de qualidades onipotentes,</p><p>onipresentes e omniscientes. Esta relação é recriada no enamoramento.</p><p>O Objeto Único é aquele que, inicialmente, fornece a ação específica,</p><p>discrimina mundo interno e mundo externo, ego/não-ego, dá os primeiros</p><p>(ndices de realidade e possui a capacidade de se antecipar ao desejo - prevê-</p><p>ln =» bem como de subministrar, ao ego inerme e desamparado, um ego auxiliar</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL o 000 o ••• ~o o. • • _ 139</p><p>capaz de significar. O Objeto Único é a contrapartida do desamparo origin4rlo,</p><p>motor e verbal, baseado na imaturldade do bebe humano. AtraVés--dê um.</p><p>conjunção semântica, o objeto único primitivo dó desamparo originário a!ltlo</p><p>cia-se com o objeto amoroso e único doador de segurança e amor incondicional,</p><p>Tomamos como ponto de partida do desenvolvimento psíquico Inlanl,</p><p>o estado primitivo de indiferenciação, onde vigora uma forma primária e</p><p>sensorial de metabolizar o proveniente do mundo externo para o incipiente</p><p>aparelho psíquico (os estímulos corporais e os do mundo externo). A ..</p><p>sensações polares prazer-dor outorgam uma primeira organização. Determl</p><p>nam a criação de um espaço mental e corporal de funcionamento primârln,</p><p>guiado pela lógica das emoções, que Piera Aulagnier (1975) descreveu como</p><p>funcionamento originário'.</p><p>É inscrito como representação de emoção. Nesse estágio, os objetos</p><p>parentais fornecem a assistência imprescindível, sendo eles que devem levar"</p><p>cabo, por e para o bebê, todos os atós necessários (ação específica) para sua</p><p>sobrevivência, pelo que se transformam em.responsáveis pelo prazer e pela dor.</p><p>Deles depende a resolução das necessidades primordiais, vinculadas à</p><p>autoconservação (sede, calor, fome), também provindo deles os estímulos</p><p>dolorosos. Isso no leva ao parágrafo seguinte.</p><p>o assistente</p><p>É o registro do objeto, em sua condição de prazeroso, como derivado da</p><p>vivência de satisfação ..</p><p>Porém, o mesmo pode se converter, em outro momento, em gerador de</p><p>dor, isto é, derivado da vivência de dor'.</p><p>O Objeto Único possui uma dupla inscrição vincular, no bebê, corno</p><p>desejo peremptório de contar com um Objeto Único e, neste último, como um</p><p>desejo de se instalar como tal para um outro, no qual foi projetada a qualidade</p><p>de indefeso. Dessa maneira, o ego e o outro se instalam em um vínculo de</p><p>completeza, no qual não cabe a dúvida. A satisfação peculiar, obtida ao ser-se</p><p>considerado assistente único, pode oferecer a ilusão de uma relação objetal, matl</p><p>facilmente se transforma em um engodo narcisista. Parafraseando Freud,</p><p>converte-se em sua majestade o assistente. Este modelo vincular é reativado cm</p><p>momentos de extrema desproteção, sempre existindo a disposição de Sl' ligl1f</p><p>associativamente com o desamparo originário.</p><p>Tanto nas crises vitais como nas desencadeadas por conflitos, pode ser</p><p>renovada a demanda de um Objeto Único assistente. Também pode Rl'r atlvndft</p><p>a necessidade de ser um Objeto Único messiânico para um outro dl'samparado.</p><p>procurando-se restabelecer iI or~.,"i,,\çã() vlncular que isto determina, tt'ViI n</p><p>traço dt, inf.lntiliziIr II outro, pllr IWÇl'ssidadl''i 1l1l'r,alllmí\niílC"Hidü egc)</p><p>140 JANlNE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>Instala-se um vínculo baseado no anseio de dar e receber uma proteção</p><p>adequada, durante as situações críticas. O conflito transforma o anseio em uma</p><p>exigência voltada para o objeto. Embora este tenha sido escolhido por suas</p><p>características, oferecendo um apoio às qualidades que o situam em posição</p><p>favorável para ser considerado objeto natural protetor (único), o índice de _</p><p>realidade irá fornecer a informação a respeito das condições do outro para</p><p>desempenhar essa função (relação objetal-objetivável). Dessa forma, é possível</p><p>estabelecer a diferença entre desamparo originário e desproteção. O intercâm-</p><p>bio baseado na proteção mútua está incluído implicitamente no contrato</p><p>matrimonial e também em alguns enquadramentos peculiares, como por</p><p>exemplo o enquadramento de amigos.</p><p>O bebê investe narcisicamente os objetos e estes, complementarmente,</p><p>investem-no narcisicamente, como importante. Para o bebê, a mãe é imprescin-</p><p>dível. Para a mãe, o bebê é apenas privilegiado, embora parcialmente e em</p><p>relação com sua feminilidade, seja ele o mais importante símbolo de sua</p><p>capacidade de criar. É, no começo, parte de seu próprio corpo, que pode cuidar</p><p>e reconhecer. Os ranços narcisistas e a fonte de prazer que lhe outorga ser II tudo"</p><p>para o outro, em uma relação assimétrica, leva-a a reforçar a crença no mérito</p><p>de sua função. No casal, o fato de ser reciprocamente mais importante para o</p><p>outro, genitaImente, facilmente pode se confundir com o modelo primitivo.</p><p>Provavelmente, a instituição da monogamia, em algumas culturas, apóia-</p><p>se na força e na persistência do anelo de contar com um Objeto Único. Traz em</p><p>si uma mensagem ambígua e contraditória.</p><p>O Objeto Único não há de ser o determinante exclusivo da monogamia,</p><p>embora sua força seja obtida, como em outras condições, da coincidência de</p><p>uma prescrição social com uma condição libidinal primária. Possui o mesmo</p><p>vigor da ameaça de castração, cuja eficácia deriva não da regra, mas de sua</p><p>instalação e concordância com o período de desenvolvimento libidinal, regido</p><p>pelo genital. Nas culturas onde a norma é a poligamia, épossível supor que uma</p><p>das mulheres é marcada como tendo o privilégio de Objeto Único. Isso nos</p><p>lembra a análise de Lévi-Strauss (1948) sobre a proibição do incesto entre os</p><p>faraós. Em geral, as irmãs podiam ser escolhidas para matrimónio, mas uma</p><p>delas - a mais velha - ficava excluída, com o que se obedecia à norma do tabu</p><p>do incesto.</p><p>o doador de significados</p><p>Os objetos parentais são dotados, simultaneamente, da capacidade</p><p>identificatória de compreender, significar e dar sentido aos desejos do bebê.</p><p>Fazem-no devido à disponibilidade do contato inconsciente e dos modelos</p><p>nnalóglcos veiculados por Uma elaboração secundária e racional. É preciso</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 1~1</p><p>dispor, simultaneamente, desses níveis de funcionamento para dlllcrlrnl"'tr</p><p>com o mínimo de signos, as necessidades e exigências do bebê. Criam um C'",lIu</p><p>de comunicação que, para um observador externo, é incompreensível ,</p><p>excludente. Embora os pais aparentemente decifrem as necessidades do brh~,</p><p>fazem-no depois de propor e atribuir a elas seus próprios significados, hASeA"</p><p>do-se na suposição de serem os mais adequados para ele. Isso se deve à pobrOlA</p><p>da linguagem verbal do bebê e ao predomínio da linguagem pré-verbal, I\~III!A</p><p>época da vida. Para ele, as emoções não têm acesso à linguagem vf..lrb.1</p><p>derivando das representações pictográficas já citadas.</p><p>A significação provém, no princípio da vida, do ego externo millel'lU',</p><p>como um enxerto de seu psiquismo instalado na mente do bebê. A sCIll.lIlli/.nçAu,</p><p>feita pelos objetos parentais às emoções do bebê, impede a possibtltdnde dr</p><p>conhecimento de outras que poderiam ser próprias do sujeito recém-nascldo</p><p>Opera uma clausura de disponibilidades de semantizar, que nunca ('W"'H</p><p>conhecidas.</p><p>Esses conteúdos sofrem o impacto daquilo que Piera Aul,l~nll'l</p><p>chamou de violência primária", .</p><p>A esse preço, Q outro irá se instalar como capaz de significar, quando "'</p><p>acha investido da qualidade de Objeto Único. Depois, sua repetição provora no</p><p>ego sentimentos correspondentes à intrusão.</p><p>A transferência adquire suas características, quando o analista se instaln n«</p><p>lugar de Objeto Único. Na base de um conhecimento da significação inconsc]</p><p>ente, é-lhe atribuído o lugar do saber completo e sua contrariedade desilude l'</p><p>irrita o paciente.</p><p>O embevecimento dos enamorados, quando se sentem mutuamente</p><p>compreendidos, também reforça aquela experiência. Depois, na vida do r,\lInl,</p><p>com freqüência se repete a demanda ilusória dirigida ao outro, instalado rOll\l1</p><p>Objeto Unico, capaz de compreender ou nomear, não obstante os survsslvo</p><p>fracassos dessa ilusão (ser único para o outro ou possuir o Objeto Únko)</p><p>Também irrompem as manifestações de violência na vida do casal, quando !'Il\o</p><p>ligados com aspectos incompartilháveis do outro, ao qual tentam forçadnnu-ntr</p><p>dar uma significação.</p><p>Aquele Objeto Único, capaz de significar, no começo da vida, linha (I</p><p>compromisso humanizante de favorecer o desenvolvimento do bebê, CIIn~idê</p><p>rada sua condição de desamparo, enquanto que o objeto amoroso (. UI1l</p><p>derivado afastado do Objeto Unico, escolhido para estabelecer com «.'II' um"</p><p>relação de reciprocidade e simetria.</p><p>o doador de indicação</p><p>o aparelho psíqulco cm formaçâo recebe tndlccs exatos l)ilr,1 dl(,m'"('I,,,</p><p>tIIH!I;t(Il1U!05 proVl'nit'l\!cl:I do nuuuhu-xterlor dOHqlll'l'l~(llll h'mON. Pl'~mt ( I" I")</p><p>142 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>descreveu como ego real primitivo aquele que estabelece índices precisos,</p><p>derivados da ação muscular, mediante os quais organiza a diferença entre</p><p>interior e exterior, ego e não-ego.</p><p>Pode-se conceber um sistema primitivo de representação do corpo e do</p><p>não-ego, baseado em estímulos sensoriais jamais transmissíveis em palavras. O</p><p>ego parental enxertado fornece seus indícios e os pressupõe, com maior ou -</p><p>menor aproximação, adequados ao filho, com os quais este opera sua incipiente</p><p>função de indicação. Ele recebe um sistema de representação verbal e pré-</p><p>verbal, até que se torne capaz de formular com mais precisão os seus.</p><p>O Objeto Único irá indicar o ego como desejante, depois de se constituir</p><p>como aquele que protege o ego nascente da aniquilação e do desamparo. Indicá-</p><p>lo-á como residência dos próprios desejos, constituindo-se, por sua vez, em</p><p>Objeto Único desiderativo, indicação que adquire sentido em um contexto único.</p><p>Na relação amorosa, configura-se um contexto compartilhado, no qual</p><p>existe uma situação recíproca de ego desejante e objeto desejado, suscetível de</p><p>ajudar na realização do desejo do outro. No estado de enamoramento, as</p><p>exigências contextuais se baseiam em estipulações diferentes das de períodos</p><p>ulteriores. Nessa etapa, é reeditada a necessidade de um contexto único, no qual</p><p>não existam diferenças. Posteriormente, as novas demandas, dadas pela</p><p>cotidianidade, pela presença dos filhos, etc., rompem essa ilusão. Surgem as</p><p>diferenças e destas a indicação de reformular o contexto único, para dar lugar</p><p>a indícios diante da perda do sentimento de relação, proporcionados pelo</p><p>contexto único, instalado ilusoriamente, de forma espontânea. Para conservar</p><p>o Objeto Único em algum setor, alguns integrantes do casal recorrem à relação</p><p>de amantes. Consideradas as condições inerentes a esse tipo de vínculo,</p><p>conseguem manter a ilusão da existência daquele objeto. Nesse novo</p><p>enquadramento, haveria não só a exclusão de um terceiro, como é considerado</p><p>classicamente, como também o desconhecimento de sua existência como um</p><p>segredo prazeroso, para concretizar a fantasia do Objeto Único. É um dos</p><p>fatores, por meio dos quais, quando reaparece o terceiro, surge o caráter de</p><p>escândalo, de irrupção violenta. É ele que delata a incompleteza. A ruptura de</p><p>toda relação dual e especular é vivida como a intrusão violenta do olhar do</p><p>outro, que denuncia o caráter primitivo desse tipo de abastecimento, pois, por</p><p>sua vez, a relação dual e especular é mantida com base no olhar ou em criar</p><p>condições nas quais o que olha não saiba onde está vendo.</p><p>Este enfoque é um desenvolvimento de nossas observações a respeito do</p><p>significado da relação de amantes, como se pode ver no capítulo 1.</p><p>Na relação de casal, mantém-se uma exigência latente, a de que o outro</p><p>atual funcione à semelhança daquele outro primitivo, cuja função era tirar o ego</p><p>infantil da indiscriminação, da incerteza. Como se fosse necessário obedecer a</p><p>um princípio geral: a diferenciação, a discriminação e a indicação sempre</p><p>provêm do outro.</p><p>~</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 143</p><p>o doador de temporalidade</p><p>É função do outro, além de indicar e dar uma organização posicional ou</p><p>topológica, dar uma ordenação temporal. O bebê consegue uma primeira</p><p>ordenação, mediante a vivência da sucessão de um antes e um depois, obtidos</p><p>pela passagem da ilusão de uma eficácia direta (desejo, portanto tenho), ao</p><p>conhecimento de uma eficácia indireta (desejo, portanto devo esperar pelo</p><p>objeto propício), ligada a índices de realidade e a uma satisfação sempre</p><p>postergada, enquanto contrária à equação desejo=ter. Exige um sistema de</p><p>sinais, indicadores do sentido de realidade crescente.</p><p>A diferença geracional fornece uma outra ordenação temporal; o" quando</p><p>tu fores grande", antecipado pela mãe, se transforma em "quando eu for</p><p>grande", possibilitando o acesso a uma primeira temporalidade futura. Os pais</p><p>também são os transmissores do passado eo bebê, mediante a narrativa de fatos,</p><p>incorpora-se aos mitos que contêm as balizas da organização familiar.</p><p>Com a inclusão da noção de tempo, é incrementada a assimetria e a noção</p><p>de diferença. Mais urna vez, pede-se ao Objeto Único, aquele encarregado de</p><p>estabelecer um ritmo estável, implementar a repetição do ciclo satisfação-</p><p>frustração e instituir o primeiro projeto vital.</p><p>Na vida do casal, a antecipação do futuro e a inclusão da temporalidade</p><p>na estrutura compartilhada-é o resultado do projeto vital. Definimo-lo como</p><p>uma construção imaginada de um futuro transformado em meta a atingir por</p><p>e para o casal. É formulado com base nas experiências realizadas e em função</p><p>da avaliação dada pelo princípio de realidade. Inclui repetições de fontes de</p><p>prazer, bem como condições ligadas ao desconhecido. Partem de uma suposi-</p><p>ção, isto é, de que o sistema de opções entre ambos os membros do casal irá levá-</p><p>los a conservar e criar uma ordem de acontecimentos cada vez mais complexos</p><p>e de maior crescimento mental. O passado reaparece através das datas chaves,</p><p>como aniversários do primeiro encontro, da primeira relação sexual, transfor-</p><p>madas, muitas vezes, na lembrança, em fontes de conflitos e necessidade do</p><p>reasseguramento. É repetição ou recordação e elaboração?</p><p>Os objetos parenta is estabelecem uma ordem de acontecimentos</p><p>constitutivos, dada a existência de opções com as quais é possível selecionar</p><p>entre várias respostas possíveis. A criança possui a opção de realizar transfor-</p><p>mações pessoais, graças a suas disposições inatas. Pode rechaçar ou aceitar as</p><p>opções propostas. Os objetos parentais também podem aceitar ou rechaçar as</p><p>opções da criança, e assim sucessivamente, o que nos leva a uma reformu lação,</p><p>A função de indicação é um fator de enriquecimento mental para ambos mi</p><p>membros da díade mãe-filho. Seu fracasso é um fator de enlouqueclmento</p><p>mútuo. Os pais criam condições enlouquecedoras para o filho, quando lhe</p><p>transmltom RihMÇÍlt~!I contraditórios, o 'lUl' Impede " possibllldnde dê crescl</p><p>144 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>mento mental. Sua dor pode ser evitada pelo filho, que procura então "ser</p><p>enlouquecido". A intolerância à dor mental leva-nos a optar por nos refugiar-</p><p>mos na indiscriminação e fusão com um objeto parental, forçando-o na posição</p><p>de único, com o que o filho pode enlouquecer, ao estereotipar o objeto mais</p><p>regressivamente, sem tera possibilidade de indicar para o mais progressivo. Isto</p><p>é, por sua vez,</p><p>semiótico. Greimas (1970) estudou o modelo</p><p>das relações sexuais. Cada sociedade tem seus valores culturais (os que</p><p>prescreve) e seus valores naturais (os que exclui).</p><p>No modelo de Greimas, no que tange à sociedade francesa, as relações</p><p>sexuais prescritas são as relações matrimoniais, e as proibidas são as relações</p><p>anormais.</p><p>Contraditórias em relação às primeiras (do ponto de vista semiótico) são</p><p>as relações não-matrimoniais, e as relações normais o são em relação às</p><p>segundas. Quanto às relações sexuais não-matrimoniais, o sistema social não as</p><p>prescreve e não proíbe as relações sexuais normais. Na sociedade tradicional</p><p>francesa, o autor descreve as seguintes equivalências: as relações matrimoniais</p><p>prescritas equivalem aos amores conjugais; as relações anormais, que a socie-</p><p>dade proíbe, são o incesto e a homossexualidade. As relações normais ou não-</p><p>proibidas equivalem ao adultério do homem, e as não-matrimoniais não</p><p>prescritas, ao adultério da mulher.</p><p>Cada sociedade organiza à sua maneira este universo. Por exemplo, a</p><p>sociedade inglesa proibia até 1970a homossexualidade, a sociedade Bororo não</p><p>a proíbe, e assim sucessivamente. Superposto ao modelo sociocultural, situa-se</p><p>o modelo individual de relações sexuais permitidas e excluídas. Não desenvol-</p><p>veremos este ponto aqui.</p><p>Para que haja.xelações-sexuais,-deve ~'{gLuIlla_ac!itação da diferença,</p><p>conceTtO~ntal, assim como do papel de um outro, paraa obfençao de</p><p>uma fõnte doadora de prazer renõVãc:Ia.A necessiefãOede úmOutro está ligada</p><p>à acêitação da inco~letezâ. --</p><p>Quando a noção de diferença está associada a fortes angústias de castração</p><p>(no homem) ou de esvaziamento (na mulher), teremos toda a gama das</p><p>dificuldades sexuais de uma vida-de casal (matrimonial).</p><p>Também pode dar-se uma dificuldade determinada pelo modelo de</p><p>intercâmbio sexual (de complementaridade), utilizado sem transformação pMil</p><p>outros intercâmbios e para os conflitos de outras áreas. Surge corno cxig(\nd.,</p><p>de que os outros intercâmbios funcionem com a mesma modalidade.</p><p>As dificuldades sexuais podem ser detectadas no linguagem utili:r.ilda</p><p>pdos p.ldl·nh·s,l·mbol'il n-Ierlndo-so 11outros tl'Il\MI. Por 1')H'mplo/I'In U1111'l\sal</p><p>10 JANq..IE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN PSICANÁLISE po CASAl- 11</p><p>com um problema sexual importante de impotência e frigidez, o marido podia</p><p>dizer que estar bem era estar branda" dito demúltiplas maneiras. Para a esposa,</p><p>catar bem era ser autônoma, ajeitar-se sozinha, ter a cabeça fria, que ninguém</p><p>n molestasse e que fosse muito ativa. Evidentemente, essa conjunção de</p><p>atlvidade-frialdade e brandura com bem-estar não oferecia, ao ser levada ao</p><p>intercâmbio sexual, a possibilidade de uma relação. Podemos também detectar</p><p>perturbações sexuais, mediante a descrição de outras modalidades de intercâm-</p><p>bio, como formas de comunicação e tipo de linguagem utilizada para referir-se</p><p>à imagem de masculinidade e feminilidade, dadas pelo casal. Outras vezes, há</p><p>um tipo de complementaridade satisfatória, no qual estão invertidas as funções</p><p>masculina e feminina.</p><p>Enquanto a diferença e a complementaridade forem aceitas, épossível que</p><p>O parâmetro da relação sexual seja sintomaticamente mudo.</p><p>mente insatisfatória, quando não é possível sua transformação em objeto</p><p>unificado. Isso também se dá, quando estar em um vínculo com um, só ego</p><p>privilegiado pode estar associado a vivências de aprisionamento. Momento no</p><p>qual pode surgir a tentativa de sair de tal aprisionamento, através de algum tipo</p><p>de "fuga", como ~ citamos anteriormente, e recriar, fora do contexto matrimo-</p><p>nial, relações que não cumpram todos os parâmetros definitórios. Por exemplo,</p><p>instalar-se no nível do que chamaremos de "relação de amantes", no qual</p><p>aqueles possuem outras atribuições semânticas. Dessa maneira, consegue-se</p><p>manter a ilusão de um vínculo com o Objeto Único, que aparentemente não</p><p>cerceie e não requeira o trabalho psíquico e vincular de transformação em</p><p>Objeto Unificado.</p><p>Neste, inclui-se a idéia de conflito permanente, em uma dose tolerável,</p><p>sem chegar-se à desestruturação do vínculo, mas com a possibilidade de uma</p><p>passagem ao crescimento vincular.</p><p>Tendência monogâmica</p><p>Ligação matrimonial com um só cônjuge. Esta peculiarida<!!. deve ser</p><p>tomada como classificatória e definitóda de uma marca sunbólica, a de prefe-</p><p>rêncíâ. Mesmo quando outras sociedades prescrevem vanos esposos ouêSPo-</p><p>sasriim deles está dotado da qualidade de único. Tratando-se de uma marca,</p><p>pode-se deslocar a outros objetos, passando ao que se pode chamar de</p><p>monogamia ampliada.</p><p>Do ponto de vista psicanalítico, a tendência monogâmica tem como base</p><p>metapsicológica a estrutura de Objeto Único (capítulo 8).O ego pode confundir</p><p>ter uma relação estável e permanente com outro ego que, nesse momento vital,</p><p>é o melhor, e tomá-lo como realização da relação com o Objeto Único ilusório</p><p>da plataforma inconsciente (Berenstein, I.e Puget, J., 1984).Exigirá deste objeto</p><p>privilegiado um lugar permanente de doador. ..</p><p>A tendência monogâmica pode orientar-se da menor para a maior</p><p>complexidade, assim como a oscilação entre a tentativa de concretizar a</p><p>relação com um único objeto ilusório, primário enquanto funcionamento, ou</p><p>um objeto amoroso ou Objeto Unificado. No outro ego podem coexistir</p><p>curncterfstícas e aspectos contraditórios, contrários ou diferentes e, no entan-</p><p>to, continuar sendo o melhor para um dado ego. Como o diz seu nome, o</p><p>Objeto Unificado é aquele no qual convivem diferentes aspectos, e alguns,</p><p>lncluaive, não-compatíveis. A passagem do Objeto Único ao objeto amoroso</p><p>011 U"i(iCi,do marca o percurso de um casal, desde o enamoramento até uma</p><p>"lrl Ítll' com plexidade vincular.</p><p>('111111\os (\RtOll'\OS definindo, qualquer um desses conceitos chamados de</p><p>pilI",llllI'l n 1'1 dt'(init6rios possui timo categoria polivalente. A tendêncln</p><p>nu" 111}'"IIlllnl pudI' Im"'I(nrllhll'-llt', paro o ego, cm cerccante 0\.1 pormauunte-</p><p>VÍNCULO DE AMIGOS E VÍNCULO DE AMANTES</p><p>Veremos a seguir o funcionamento de outros. dois enquadramentos de</p><p>relações diádicas: amigos e amantes. Descreve-les-emos segundo as vicissitu des</p><p>dos parâmetros definitórios.</p><p>Análise do vínculo amistoso</p><p>O vínculo entre amigos, do ponto de vista psicanalítico, resulta da</p><p>transformação de duas modalidades de transferência: fraterna e edípica. A</p><p>primeira é aquela graças à qual os" filhos" têm a possibilidade de suportar a cena</p><p>primária, mediante a criação de vínculos, onde a cumplicidade, baseada em</p><p>espiar o casal parental, evolui e se transforma em solidariedade ecompanheirismo.</p><p>Na transferência fraterna, se estabelece uma simetria referente à cena primária,</p><p>e uma assimetria, dada pela distribuição de lugares de irmão mais velho ou mais</p><p>moço, a partir da qual se poderá obter tanto sentimentos de proteção e cuidado,</p><p>como de submissão e tirania. Nesse nível, a competição e a rivalidade estão</p><p>incluídas também no vínculo, e seu componente sublimatório há de levar um</p><p>a situar-se assimetricamente no lugar do ideal do outro.</p><p>Na transferência edípíca, a competição é menor, e as qualidades d,Id,I!ot</p><p>pela assimetria são mais acentuadas do que em outro tipo de cornplcrncntarid.uh-,</p><p>dado pelo por amparo-desamparo transforrnndo cm rr(ltcç1i()-dl'::'pJ'ilh'~.11l</p><p>Dl'I" dl'r!V,I''''1I 11111n'rl" IiPI) d.. t "id,ldlls t' illCOlldidl 1Il,llld,IdC'. P'·OV.IVl'IIlWllh',</p><p>r-</p><p>12 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>nos dois derivados da transferência, fraterna e edípica, exigir-se-á do outro</p><p>alguma incondicionalidade, para situações ligadas à desproteção.</p><p>A transferência edípica sublimada, no vínculo de amigos, é essencialmen-</p><p>te assimétrica, promovendo um intercâmbio dado por funções maternais ou</p><p>paternais, com um outro situado no lugar de filho.</p><p>Freqüentação. O parâmetro espaço-temporal é caracterizado por freqüentação</p><p>(correspondente à cotidianidade, no vínculo matrimonial). É um tipo de regula-</p><p>ridade, cuja definição negativa exclui a cotidianidade, e sua definição positiva</p><p>inclui uma regularidade distinta: uma vez, em cada período dado; uma vez ou</p><p>mais, por semana, por mês ou por ano. A</p><p>enlouquecedor para os pais. Gera-se assim um contexto no qual</p><p>circula a significação psicótica.</p><p>Todo casal parte de uma escolha mútua e recíproca, baseada em fatores</p><p>conscientes e inconscientes. Propomos a hipótese de que um dado membro do</p><p>casal" escolheu" (pode optar, sem o saber) por um outro 1/ enlouquecedor" e</p><p>concordam em conviver em um vínculo cuja marca é 1/ enlouquecer". É em sua</p><p>condição de Objeto Único que ao outro do casal é atribuída a capacidade de</p><p>enlouquecer. Equivale a manter os estereótipos e as formas infantis de funcio-</p><p>namento. Reclama-se do Objeto Único que se ponha, automaticamente, em</p><p>posição favorável, sem intervir uma ação modificadora do ego. Nos casais cuja</p><p>evolução inclui o reconhecimento do outro, em sua condição de diferente, a</p><p>busca do objeto, para atingir uma ação específica, leva, implicitamente, à</p><p>aceitação da necessidade de utilizar indicadores e signos adequados. Só assim</p><p>o objeto conhecerá o desejo do ego de se pôr em posição favorável.</p><p>o doador de função semiótica</p><p>Os objetos parentais devem ser capazes de diversificar signos e estabelecer</p><p>paulatinamente uma relação de um a um entre signo e significado. Quando o</p><p>bebê chora de medo e a mãe lhe oferece alimento, em vez de diversificar, reúne</p><p>vários signos para um mesmo significado, assentando as bases para a angústia</p><p>confusional.</p><p>Para o estabelecimento de um casal, é necessário que ambos tenham a</p><p>capacidade de diversificar os signos, O que em geral se produz na passagem da</p><p>etapa de enamoramento para a relação de objeto-objetiva. É um caminho</p><p>doloroso, porque deverão ser isolados os significados, para se encontrarem os</p><p>signos apropriados, diferenciados ou discriminados. O germe de mal-entendi-</p><p>dos é não poder realizar essa função significante, o que remete a uma angústia</p><p>confusional primitiva.</p><p>o doador de função antecipatória</p><p>o objeto parental está encarregado de prever o mal-estar do outro. A</p><p>antecipação ao surgimento da necessidade amortece a força da angústia, sinal</p><p>ameaçador da precária organização mental, e apazigúe a vivência de aniquila-</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL t.</p><p>mento, relacionada com a queda na solidão, possibilitando a introjl',l\o 1.1,' um</p><p>objeto confiável.</p><p>Quando o bebê sente um mal-estar que o surpreende e não sabe 1\(111"""</p><p>necessita, para se opor ao sofrimento, uma representação de alguém quI'</p><p>conheça os meios de aliviá-lo. Na passagem pelo outro, irá receber UIII"</p><p>indicação, e a estabilidade na repetição de tal indicação, em um l'(mh~)(ltl</p><p>reproduzível, começa a dar sentido ao processo iniciado com esse mal-ustnr som</p><p>nome, associado à dor.</p><p>Sobre esta base, é freqüente que se estabeleça nos casais a SUP()Ii"~,\O Iwll\</p><p>qual o outro deve conhecer e se antecipar aos desejos do ego, obtendu 1111111</p><p>qualidade de prazer superior à derivada da resposta a um pedido (orlllul.,dn</p><p>Este plus, fornecido pela antecipação, provém da segurança ilusória di' .\l~I't_'(1I</p><p>tar que o outro está sempre situado na mesma posição.</p><p>Nos casais, quando o outro é investido da exigência de anterip.\"\,,,</p><p>dotada agora das características de Objeto Único, pode-se prever uma predis</p><p>posição à queda em estados de caos e indíferencíação. As dependêurtas</p><p>inerentes ao vínculo de casal criam as condições para sustentar-se a ilUSi\O dt~</p><p>uma saída da situação caótica, reclamada peremptoriamente ao outro, como</p><p>Objeto Único. Essa aspiração, com sua característica de exclusiva, anui" i\</p><p>triangularidade.</p><p>Podemos supor um duplo registro operando na mente, sempre de acordo</p><p>com o ponto de vista, ou seja, da posição de ego-sujeito e da posição de um "KtI</p><p>observador, identificado com o modelo da mãe que olha a díade mil..'</p><p>identificante-bebê.</p><p>A partir do ego-sujeito, representará a simesmo indiscrírninado do o liIri!I</p><p>representação sincrética, que explica seu vínculo com a representação de um</p><p>Objeto Único, exclusivo, sem terceiros. A partir da mãe, como assistente, instala</p><p>a, por uma espécie de identificação narcisizante (contágio emocionaI), cm um</p><p>lugar de onde pode entender e captar as necessidades e desejos do lacten te ,l'(lm</p><p>o que é reeditado um estado sincrético primitivo. A repetição das primvirns</p><p>experiências de satisfação fornece uma discriminação em termos de lugaros,</p><p>onde se dá a ação específica e onde transcorre o desejo. Ao delimitar um lugar,</p><p>é gerado outro alheio e depois um terceiro. O sujeito adquire os primeiro</p><p>índices de realidade vincular e mental, e depois um reconhecimento do"</p><p>elementos que o compõem.</p><p>A partir de um ego-observador, a mãe se instala, para o bebê, como 11m</p><p>terceiro ao qual não tem um acesso total. Fornece, dessa forma, um prínwiro</p><p>modelo de representação de um lugar, que irá se transformar cm tervelro</p><p>excluído da relação pai-mãe, casal parental concebido sucessivumentc CO"'"</p><p>narcisista c objeral, Em um primeiro momento, a mãe se situ", slnwlt.lJH'i\l1WIl</p><p>te, cm uma ldcntificação com o bt'bí', l' ele, como já dissemos, e, por NU.I V\·'I., "ln</p><p>obscrv.idor, de seu vínculo rom el«, Il'i.mg\JloIriz""dn ,I n'I,\çón que a ihlld'n du</p><p>146 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>Objeto Único tinha anulado. É apartir de um outro materno-paterno que o bebê</p><p>recebe a representação do terceiro, observador primeiro, logo excluído e</p><p>regulador do código, no qual o ego-sujeito está incluído e por quem é</p><p>atravessado. c</p><p>A perda da representação de Objeto Único dá lugar ao advento de um</p><p>objeto diferente e é a antecipação do reconhecimento da diferença de sexos, o</p><p>que inaugura o segundo componente da plataforma inconsciente, que iremos</p><p>estudar, de acordo com as vicissitudes do complexo de Édipo.</p><p>A DUPLA ESTRUTURA EDÍPICA</p><p>Na constituição do casal, são determinantes fundamentais a evolução do</p><p>narcisismo, que desenvolvemos ao redor do Objeto Único, e a resolução,</p><p>dissolução ou, ao contrário, o recalcamento e a persistência do complexo de</p><p>Édipo. Por sua vez, estes dependem tanto da conjunção das disposições</p><p>individuais como do tipo de estrutura familiar. Dela resulta tanto a modalidade</p><p>de relação com o Objeto Único, como as modalidades de evolução do complexo</p><p>de Édipo.</p><p>Estrutura familiar</p><p>A organização familiar oferece modelos de constituição de casal, em sua</p><p>dupla condição de casal (matrimonial) com relações sexuais, o que pressupõe</p><p>a exclusão do terceiro, lugar-filho, e de casal de pais, na relação com os filhos,</p><p>onde o aparentemente excluído é a sexualidade.</p><p>Do ponto de vista manifesto, a família contém a relação entre os pais, a</p><p>relação destes com os filhos e relação dos irmãos entre si. Porém, essa ordem</p><p>manifesta assume o sentido de uma ordem latente. Um de nós (Berenstein,</p><p>1976a) definiu a família como um conjunto composto de seres humanos ligados</p><p>por quatro tipos de relações constitutivas do parentesco e ocupando um espaço</p><p>inconsciente virtual: a relação entre marido e mulher (vínculo de aliança), a</p><p>relação entre os pais e os filhos (vínculo de filiação), a relação que liga os irmãos</p><p>entre si (vínculo de consangüinidade) e a relação que liga o filho do casal</p><p>(matrimonial) com a família materna ou seu representante (vínculo avuncular").</p><p>Esta estrutura dá significado inconsciente às relações familiares.</p><p>As inscrições dessa ordem latente também possuem sua representação no</p><p>mundo interno, que pode ser descrita como sendo a relação entre "papai c</p><p>IlHunilf.' SCl"I,\mim", quando se referem nos objetos pareutais, com exclusão do</p><p>PSlCANÁUSE DO CASAL 147</p><p>II</p><p>ego infantil, "papai emamãe comigo", para a relação dos pais com Oego infnntll,</p><p>"papai e mamãe com os outros filhinhos-bebês-irmãozinhcs", qua ndo Sl' rdCI't!</p><p>ao ego e aos. outros irmãos, "mamãe e esse outro duplo de mamãe", para II</p><p>relação. com o outro do objeto materno, em oposição ao objeto paterno, /I meu</p><p>tio materno, meu avô, avó, aqueles que não são nem papai nem cu". l\~fll!1i</p><p>vínculos estão ligados e representados por personagens na fantasia inconscien</p><p>te e projetados em pessoas do grupo familiar ou extra familiar, e intervêm I\O~</p><p>modelos identificatórios componentes da plataforma do casal.</p><p>Essas denominações apelativas, próprias do mundo inconsciente,</p><p>ênfase é a que é posta em um marco</p><p>espaço-temporal, onde se podem encontrar quando cada um o necessite e em</p><p>uma certa ordem limitada.</p><p>. A freqüentação está ligada à modalidade vincular e ao tipo de exigência</p><p>característica desse vínculo. Pode suportar o reconhecimento de zonas não-</p><p>compartilhadas, sem transformar-se em conflito. Para estabelecer um</p><p>enquadramento amistoso, é necessário urna certa complementaridade, simétri-</p><p>ca ou assimétrica. No primeiro caso, o valorizado será compartilhar alguma</p><p>intimidade. Sua contrapartida é um tipo de segurança e confiabilidade vincular,</p><p>Cm geral mencionada entre dois amigos, como contar com Ooutro em situações</p><p>de necessidade. Poderíamos equipará-lo à proteção mútua, sem as exigências</p><p>dadas pela cotidianidade. Daí deriva o traço da solidariedade. Emrnomentos de</p><p>urgência, a freqüentação pode se transformar em uma' cotidianidade momen-</p><p>tânea, embora limitada no tempo. Ambas as partes da díade sabem que logo</p><p>recuperarão seu enquadramento espaço-temporal definitório. Este delimita</p><p>além disso um tempo livre, Ó tempo de jogo diferente do tempo das obrigações do</p><p>enquadramento matrimonial, e diferente de outros, corno o tempo de trabalho, na</p><p>ordem laboral. O enquadramento da relação de amigos pa:lece em todo</p><p>momento informar que não sustenta a relação de Objeto Único, nem a</p><p>cotídianidade .rnatrimonial, e torna possível manter a ilusão de uma</p><p>intersubjetividade livre. No caso de ser assimétrico, isso será feito com base em</p><p>ideais, oferecendo-se cada um como ideal para o outro.</p><p>Projeto vital. Consiste em conservar o espaço-tempo do encontro não-cotidia-</p><p>no, durante toda a vida. Talvez por isso se confunda o nível de intimidade,</p><p>n-qucrído para esse projeto, quando ultrapassa o marco definido para esse</p><p>enquadramento. Ilusoriamente, é um vínculo livre de conflitos, com alguma</p><p>111111'1'.' de incondicionalidade,</p><p>Hcll1çliclt "'lxu"I/I. O parâmetro de relações sexuais figura semíotícemcntc como</p><p>!\t\(I. ('fi til P;' tívr-l rom csto enquadramento. Sua admissão o transforma insensi-</p><p>velmeurc em 1''''III.lllr,\IlWnlo dl' .lln.)lltl'S.</p><p>....</p><p>T</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 13</p><p>o vínculo de amigos pode ser entre pessoas do mesmo ou de diferente</p><p>sexo. Quando se dá com pessoas do mesmo sexo, adquire um certo tipo de</p><p>permissibilidade ou de intimidade, e intercâmbios físicos que não são permiti-</p><p>dos, em uma relação de amigos entre pessoas de sexos diferentes.</p><p>É também possível pensar nessa peculiaridade, a partir do lugar que a</p><p>cultura outorga à homossexualidade e à heterossexualidade. Dever-se-ia tam-</p><p>bém considerar a proibição para esse enquadramento, e diferenciá-lo do vínculo</p><p>matrimonial ou do dos amantes, os quais incluem corno prescritas a sexualidade</p><p>heterossexual e a possibilidade, no segundo, de relações homossexuais. A</p><p>inclusão da genitalidade no enquadramento de amigos levaria a uma mudança</p><p>estrutural, portanto instala-se um limite aos intercâmbios sexuais diretos.</p><p>O estabelecimento do enquadramento de amigos provém, como a escolha</p><p>do objeto sexual extrafamiliar, de urna exigência a partir do mandato exogâmico.</p><p>O papel das relações sexuais abre ,outras questões: urna primeira é</p><p>metapsicológíca. Segundo a teoria clássica, a relação de amigos deriva da</p><p>sublimação das pulsões genitais e pré-genitais. O mundo pulsional inibido em</p><p>seu fim encontra sua gratificação com a mudança de meta. Deste ponto de vista,</p><p>a inclusão da relação sexual no enquadramento de amigos implicaria as</p><p>conseqüências de voltar a pulsão sobre a gratificação direta, próxima aos objetos</p><p>primários, associada a algum tipo de ameaça, que leva à desestruturação.</p><p>A segunda questão, é se-as características da relação de amigos podem ser</p><p>incluídas nos outros enquadramentos: na relação matrimonial ou na relação de</p><p>amantes. É uma observação corrente que a relação matrimonial dificilmente</p><p>contém a relação entre amigos. Para analisar essa particularidade, podemos.</p><p>recorrer ao ponto anterior, onde destacamos que a distância entre a satisfação</p><p>pulsional direta e a sublimação pareceria dever ser mantida. Por outro lado, é</p><p>provável que a relação de amigos requeira uma mediatização anulada na</p><p>relação sexual, seja na relação matrimonial, seja na de amantes.</p><p>Tend~nQ.a monogâmica. Sua transformação, no enquadramento de amigos,</p><p>abre caminho para se exigir do objeto estar situado em um lugar privilegiado,</p><p>escolhido pelo ego corno o melhor para tal modalidade vincular. Talvez tenha</p><p>algum parentesco com aquilo que chamamos de Objeto Unificado, De qualquer</p><p>forma, persiste um resto de exigência, em.relação ao objeto considerado como</p><p>amigo, de estar sempre no lugar imaginário situado pelo ego, de onde terá lil'</p><p>responder como aquele investido e escolhido, acima dos demais. Embora Sl'j.I</p><p>aceito ter vários amigos, e a partir do ego admite-se ser tido como 1111' vntre</p><p>outros, podemos detectar amiúde que, assim como na poligamlu, .tlgullI.dclç</p><p>de alguma maneira é marcado COmo único, O mesmo ccorrvriu jltll'.l csrc</p><p>('nquadramento."Em alguns casos, o objeto perdura r, em outros, podl'" 11('1</p><p>trocado, 111.1S cm um momento dadn OClIJM sempre .1I)lIl'h· hlg:lr d,' obleto</p><p>t'~I'lllhjd"</p><p>14 JANINE PUGET & ISIDORO B,ERENSTEIN</p><p>Um aspecto importante e notório, nesses enquadramentos, é o segredo.</p><p>No enquadramento de amigos, é o equivalente à intimidade no enquadramento</p><p>de casal. Pode-se considerar que, ao longo de toda a vida, através de segredar</p><p>se tenta recriar zonas de intimidade diretamente ligadas à construção da</p><p>identidade. A função de segredar (]. Puget e L.Wender, 1979) está relacionada</p><p>com a transformação do imcompartilhãvel em compartilhável, criando para</p><p>isso zonas de resguardo, sustentadas, por uma estrutura triádica. Os egos</p><p>intercambiam significados, a serem protegidos de sua divulgação, equiparada</p><p>à desorganização mental. É necessária a presença de um outro excluído dessa</p><p>estrutura dual, situado projetivamente no lu~ar do curioso-intruso, desejoso de</p><p>penetrar o espaço compartilhável de dois. E possível que haja uma ilusão de</p><p>não-limite entre um ego e o outro, a mesma que se dá no compartilhar em certos</p><p>tipos de enquadramento, no enamoramento e na primeira função parental com</p><p>os filhos. O compartilhar ilimitado, inicialmente pensado como prazeroso, está</p><p>associado à vivência oceânica, à perda de limite corporal e mental, e, por esse</p><p>caminho, em sua variante persecutória, à desorganização e à loucura. Portanto,</p><p>surge como necessário para o ego instalar o compartilhar em um enquadramento</p><p>que assegure uma proteção contra a perda de limites. Donde supomos a</p><p>existência de um certo compartilhar íntimo na relação de amigos. Éobservável</p><p>que então ficam excluídos aqueles situados na área de desconhecimento</p><p>daquilo que é intercambiado, nesse vínculo dado.</p><p>Se o segredar se mantém nessa estrutura e se é investido narcisicamente,</p><p>transforma-se então em segredo interno e termina isolando os dois egos. Pode-</p><p>se deslizar ao enquadramento de amantes, invertendo-se o sigmficado de</p><p>segredar: não já como crescimento do compartilhado, mas como necessidade</p><p>de um terceiro, para excluir e/ou denegrir, assim como um recurso para o</p><p>incremento do prazer. ,</p><p>Análise do vínculo de amantes</p><p>Chamamos desta maneira a relação amorosa exogâmica entre dois egos,</p><p>hetero ou homossexual, com negação e/ou recusa de enquadramento matri-</p><p>monial.</p><p>Ilnbilualidade. Se representássemos graficamente a dimensão temporal do</p><p>pmll'to utilízarlarnos a semí-reta para a relação matrimonial. Tem um ponto de</p><p>p.l1'lidtl e se estende até o infinito. Embora passível de ser interrompido, isso</p><p>"PMI'I"l' como contingência que corta o devir do casal. Figura no dito popular:</p><p>\ I,l,/II,' n II/()/'Ic 1105 SCI/MC. A representação da relação de amantes seria a de um</p><p>Ct;Il\l'1I111 til' rorn com um ponto de começo e um de término do encontro, ou</p><p>dÜlIIlI 1IIIIIII'I'Illlllllllr ou menor de encon tros. A concepção do tempo l\ n tll' 11ln</p><p>,</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 15</p><p>começo e um término, mesmo quando possa ser renovável. O chamamos de</p><p>habitualiâade e se diferencia, por seu ritmo, da cotidianidade matrimonial</p><p>e da</p><p>freqüentação de amigos.</p><p>A denominação enquadramento de amantes não ~sQmente àqueles</p><p>casaisjnstalados.em tlma rela~()..extraCQnjugal( mas também àffileles com um</p><p>pact~r isso a sustentar uma peculiar situação psí uica interna ~</p><p>não in ui nem od t r um en uadra ti o matr~~ial. Todo</p><p>signo, tendente a desvelar ou transformar em dito o não-dito, é eqúíêàlente a</p><p>perder o enquadramento de amantes, com sua necessária idealização. ~</p><p>Qual é a "vantagem" de uma estrutura desse tipo, e ql:le aspectos do</p><p>funcionamento mental são supostamente protegidos, com este enquadramento?</p><p>Um deles é a pos~ibilidade de recriar ilusoriamente uma vivência de</p><p>incondicionalidade. E possível, sempre e quando esteja limitada a certas áreas</p><p>de intercâmbio, como pode ser o sexual. Recuperar-se-ia a idealização desta</p><p>área, que parece passar à desilusão' narcisista, quando está assocíada à</p><p>cotidianidade. Fixa-se a ilusão de um prazer permanente, apenas mantido fora</p><p>do enquadramento estável.</p><p>Projeto vital. O casal de amantes pode manter seu enquadramento, quando</p><p>determinam que é impossível ficar de acordo sobre projetos futuros, onde se</p><p>inclui dar lugar a um terceiro-filho, pois se transformaria em enquadramento</p><p>matrimonial. Este enquadramento não tolera projetos implicando futuro,</p><p>representado pela presença de filhos. E se os têm, o filho vai ser vivido como de</p><p>um, e não dos dois.</p><p>É possível que haja algumas variedades, do ponto de vista do homem ou</p><p>da mulher. São diferentes osobjetos escolhidos para cumprir esse enquadramento,</p><p>mas estas considerações transcendem ao alcance deste capítulo.</p><p>O projeto é, talvez, o parâmetro que sofre mais alteração, em relação ao</p><p>enquadramento de a~os e o matrimoniaL, dado que neste circula uma</p><p>sexualidade permitida, um acerto sobre o espaço vincular e uma específicação</p><p>acerca da monogamia.</p><p>Tendência monogâmíca, ilusoriamente negada, acreditamos, entretanto, qlll'</p><p>os amantes se instalam como "eleitos", sendo desmentido o sígníflr.ulu d"</p><p>enquadramento matrimonial. Quando retorna, o faz com violência l' qllt'hnl "</p><p>vínculo de amantes ou gera o fenômeno do escândalo:</p><p>Consideramos como significante básico do enquadramento dl' .III1,IIIIl'H II</p><p>engano, ao qual damos uma significação particular. Bmpregaromos o l'IIIHl'illl</p><p>de engano, referente aos enunciados, quando existe uma zona rOl\lll'dtl,l, 111.1'</p><p>nãn-dita. O dito divide o universo em permitido e proibido, enqu.mto I) /111'''1/;10</p><p>define tI área do não-permitido (I do nâo-proibldo, COI\1 o lllll' Sl' rri.11I illl!lt\o di'</p><p>IhIO·Il'ílllsgrl·'ls.\lI, Q'ltllltto h.l/OIl.IS dtlril"l,l'lllll,ri,l""H l' illt.l'l'id.lS i:1II(lcol'do,</p><p>..</p><p>16 J~lNE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>se estabelecem zonas de permitido e proibido, e a transgressão obtém seu lugar,</p><p>contrariando o dito pela lei.</p><p>A transgressão se produzirá, quando se contraria um enunciado. Se não</p><p>houve enunciado, e menos ainda um acordo sobre o enunciado, é impossível</p><p>então contrariá-lo. Pode-se superpor enunciado com lei, não tanto no sentido</p><p>legal, senão como conjunto de estipulações ao qual vai cingir-se esse conjunto</p><p>dado. O não-enunciado da lei delimita essa área particular do não-permitido</p><p>e do não-proibido, eremete a um deslizamento em relação à lei. Por isso, neste</p><p>âmbito, é caracterizado como não-transgressão, embora não implique o</p><p>cumprimento da lei. Neste sentido, outorgamos um valor determinante ao</p><p>enunciado. '</p><p>Os sujeitos.em um casal, têm um setor não-dizível, que não é possível de</p><p>ser posto em palavras, e' outro setor, que se bem que seja dizível, não o é por</p><p>narcisismo'. O clitd do enunciá do de amantes corresponde a esse segundo</p><p>elemento, enão ao primeiro. Adínitir este leva consigo uma maior complexificação</p><p>do vínculo.Em troca, o'énunciádo não-dito tem como b'ase manter este tipo</p><p>peculiar de relação narcisista.</p><p>Notas do capítulo 1</p><p>1. Elemento importante, cujo conhecimento é necessário para compreender um problema.</p><p>2. Este ponto será retomado com os conceitos de transferência e contratransferência, no capítulo 7.</p><p>3. Nota do Tradutor: Blando, em espanhol, pode significar tanto brando quanto mole.</p><p>':'.</p><p><,01 ..</p><p>1(' •</p><p>,,, , .</p><p>, I</p><p>.' r ..</p><p>'--q</p><p>CAPÍTULO 2</p><p>Vínculos</p><p>I</p><p>_"</p><p>DIFERENTES ACEPÇOES</p><p>DO CONCEITO DE VÍNCULO</p><p>oTERMO vínculo é utilizado, na literatura psicanalítica, de maneiras muito</p><p>diversas e com diferentes significados. Em todo caso, é necessário acrescentar</p><p>algum outro termo, que amplie a descrição do fenômeno para o qual se tenta</p><p>utilizá-lo. Vínculo também é utilizado na clínica, tanto para descrever a relação</p><p>com o analista, como para as relações com os objetos internos. Assim, encontrar-</p><p>se-ão expressões como vínculo com o objeto externo, vínculo com o objeto</p><p>interno, vínculo transferencial, vínculo familiar, .relação de, objeto interno,</p><p>relação de objetoexterno, e muitas outras mais.</p><p>Ambos os conceitos, vínculo e relação, recobrem, uma área de problemas</p><p>da teoria, que abrangem tanto a noção, de, ego e de robjeto, como a difícil</p><p>conceitualização dos limites entre ô mundo interno e o externo, ou, em outra</p><p>versão, entre o intra-subjetivo e o intersubjetivo, Um nível-maíor. de complexi-</p><p>dade se acrescentará, se incluirmos O nível do transubjetivo, mediante a</p><p>inscrição inconsciente dos modelos socioculturais.</p><p>Estabelecemos uma diferença entre uma relação objetal, como formação</p><p>Intra-subjetíva, intraterritorial em relação ao aparelho psíquico, e uma relação</p><p>entre um ego e outro ego, com características de extraterritorialidade, à qual</p><p>chamamos de vínculo ou relação intersubjetiva. Chamaremos de relaçõo</p><p>transubjetiva a que é estabelecida entre um ego e o macrocontexto soclal.</p><p>Corno ademais a incluímos em lima estrutura emocional-relacional, dentro til!</p><p>11</p><p>~</p><p>18.. JANINE PUGEt & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>um espaço que a contém, a chamamos de estrutura vincular complexa. Este</p><p>cnfoque nos permite reconhecer, no aparelho psíquico, diferentes espaços</p><p>mentais. A primeira divisão intra e intersubjetiva é suficientemente</p><p>esclarecedora, para delimitar os fenômenos que transcorrem em um e outro</p><p>espaço. O casal então é, como dissemos na definição (capítulo 1.), uma</p><p>estrutura vincular entre duas pessoas de sexos diferentes, isto é, uma relação</p><p>intersubjetiva estável entre um ego e outro ego, onde tem cabimento o mundo</p><p>intra-subjetivo de cada um, e onde o vínculo, por sua vez, ocupa uma área</p><p>diferenciada da estrutura objetal.</p><p>A estrutura vincular complexa de casal, embora concebida geralmente</p><p>como fechada, contém uma zona dotada de uma capacidade virtual de abertura</p><p>para o sociocultural, para dar lugar ao desdobramento do vínculo com os filhos,</p><p>passando a ser uma estrutura familiar. Nesta, é tanto uma relação de casal</p><p>(matrimonial) como casal de pais. Nos casos harmônicos e funcionais, aparece</p><p>como um todo, e, quando surgem conflitos, se produzem linhas de fissura entre</p><p>ambas as representações, podendo-se notar com clareza ambos os vínculos,</p><p>dado que sofrerão distintas vicissitudes.</p><p>Recomendamos ver, entre outros, Pichon Ríviêre (1971-1980); Hesnard</p><p>(1957); Fairbairn (1970); Bion (1963, 1965, 1970).</p><p>DEFINIÇÃO</p><p>o termo vínculo, em castelhano (Casares, J., 1979), têm sua origem no latim</p><p>uinculum, de vincire: atar. Significa união ou atadura de uma pessóã ou coisa com</p><p>outra. Utiliza-se também para expressar a ação de unir, juntar ou sujeitar. Atar,</p><p>por sua vez, remete a unir, juntar ou sujeitar, com ligaduras ou nós. Supõe-se</p><p>que os nós atem duradouramente. Em um sentido correlativo, o vínculo, como</p><p>atadura ou ligadura, também, em francês,lien, cuja origem se remonta ao latim</p><p>ligare, de onde deriva ligamen, em castelhano, sugerindo atadura duradoura.</p><p>Em inglês, corresponde a link, provém de linke, raiz anglo-nórdíca, que</p><p>remete a vínculo, em castelhano.</p><p>A definição sugere a idéia de uma relação estável. O mesmo ocorre, em</p><p>geral, com o uso desse conceito aplicado aos casais. Toda relação matrimonial</p><p>parece estar associada à fantasia de ser estável no tempo e no espaço.</p><p>Chamaremos de vlnculo uma estrutura de três termos. constituída po.t...</p><p>dois pólos, os dois egos (descrito</p><p>a partir de um observac;lQujrtual), ou um ego</p><p>l' outro (visto a partir de si mesmo), e um conector (ou intermediário) (Kâes</p><p>1')H:l, 19H5)(ver comentário 2), que dará conta da maneira particular de ligar</p><p>1II11hoH.</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL " i'. 19</p><p>Nesta definição de estrutura vincular, confluem dois modelos teóricos:</p><p>um, proveniente da antropologia estrutural e da psicossociologia, aponta para</p><p>o componente sociocultural. O outro provém da psicanálise e, em especial, da</p><p>teoria do aparelho psíquico. Neste último caso, 'para conceituar uma estrutura</p><p>interpessoal como o casal, a família ou o grupo, é necessário incorporar ao marco</p><p>referencial teórico algumas hipóteses auxiliares.</p><p>Na estrutura vincular matrimonial, podemos distinguir dois tipos de</p><p>representações: do espaço do macrocontexto social e do complexo de Édipo,</p><p>que se orientam segundo a linha do desejo. Ambas as representações impõem</p><p>à estrutura leis de funcionamento de diferente qualidade. A representação</p><p>social fornece aos sujeitos uma estipulação quanto à relação familiar e</p><p>matrimonial, mediante a qual recebem sua inscrição nas leis de parentesco e</p><p>na continuidade histórica. Dita representação é a de uma estrutura virtual, e</p><p>sua realização é produzida à medida, que os egos ocupem essa determinada</p><p>posição.</p><p>Em conjunção com a representação social, a orientação proposta pelo</p><p>desejo inconsciente propõe outras posições. Designa, por exemplo, quem e com</p><p>quem hão de se incluir os egos na estrutura, determinando as chamadas</p><p>escolhas de objeto.</p><p>Podemos então fornecer algumas precisões a respeito da composição dos</p><p>três termos da estrutura vincular, tanto no caso do vínculo matrimonial, como</p><p>no do vínculo familiar. I</p><p>As denominações que compõem um vínculo matrimonial correspondem</p><p>a duas ordens de objetos. São as referentes a lugares e aquelas referentes aos que</p><p>ocupam tais lugares. A denominação do lugar Esposo' e de Esposa, em um</p><p>vínculo matrimonial, abrange todos os maridos e todas as esposas. Figura como</p><p>uma prescrição social que delimita um espaço a ser ocupado, enquanto que</p><p>esposo e.esposa são o nome das pessoas que ocupam a posição de mesmo nome.</p><p>O vínculo matrimonial, quanto à sua representação -scciocultural, possui</p><p>especificações referentes à prescrições e ,proibições' provenientes daquela.</p><p>Qualquer par de egos dispostos a estabelecer-se no marco de casal deverá</p><p>preencher esses espaços, de alguma das maneiras possíveis.</p><p>Desenvolvemos, no capítulo anterior, a idéia de parâmetros definitórios</p><p>de um vínculo de tipo matrimonial, segundo os quais haverá sempre algum tipo</p><p>de cotidianidade, de modalidade de relações sexuais, alguma forma de projeto</p><p>vital compartilhado e alguma promessa de tendência monogãmica. Por sua Vl!Z,</p><p>C de acordo com sua estrutura mental e co~ suas identificações com o casal</p><p>parental, cada ego terá de cumprir O modelo parental de constituição de ("IIS,I!</p><p>O matiz particular e específico será dado pelo componente erncclcnal quv Iig41</p><p>OHdois cgos, sempre e quando estiverem incluídos no CSp,1ÇO definido, II p.tl'tir</p><p>do sorlorultural, como vínculo matrimonial. Reservamos o nonu: dt, 1'(111:,,10</p><p>p.II"IIti lttll"'ço 1"1I1lt'llmnllnpll'!o, quando (o I'mprt'g,lllo ncstv último ~,t:"thlll,</p><p>20 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>equivalente a uma estrutura mais complexa, que denomina todo o espaço</p><p>vincular.</p><p>Esta descrição permite entender algumas das vicissitudes que ocorrem no</p><p>casal (matrimonial). Quando a relação é harmônica, coincidem os modelos</p><p>socioculturais com os modelos identificatórios infantis. Quando aparece o</p><p>conflito, podem chegar a tomar um caminho discordante ou distinto.</p><p>Limitar o conceito de vínculo ao de relação objetal provém de nossa</p><p>formação como psicanalistas e da dificuldade de incorporar a representação</p><p>social e os lugares designados pela mesma nessa estrutura mais complexa. Em</p><p>nossa conceitualização mais restrita, é possível diferenciar o conceito de relação</p><p>objetal do de vínculo, e isto possui valor heurístico.</p><p>Postulamos a existência de um tipo de conector, como condição necessária</p><p>para explicar porque duas pessoas mantêm estavelmente uma relação de casal,</p><p>e entender aquilo que as Une, assim como, depois de seu fracasso, aquilo que</p><p>as separa. Nesse sentido, utilizaremos em distintas partes deste livro o termo</p><p>conector. Como se .verá, o termo conector pode crescer, ser funcional ou</p><p>deteriorar-se, regredir ou ser disfuncional. Os vínculos funcionam por pares de</p><p>termos, entre os quais, de acordo com Lévi-Strauss (1966), se organizam relações</p><p>de intercâmbio: de palavras e de significado, de bens e de produtos. Acrescen-</p><p>taremos o intercâmbio sexual, corporal, de prazer ou de necessidade. Depende</p><p>de como se situam os doisegos ou o sujeito e o objeto, em função do desejo. Pode</p><p>haver relações com um caráter espúrio de vínculo, sendo resultado, e por sua</p><p>vez produtoras, de confusão. Alguns casais chamam de vínculo um tipo de</p><p>polaridade cuja significação é alguma das variedades de não-relação de um com</p><p>outro. Encobrem um tipo de angústia frente à vivência de casal.</p><p>Quando se levam em conta as modalidades de intercâmbio(ntre um ego</p><p>e outro, podem-se classificar os vínculos enquanto intercâmbios corporais,</p><p>llngüístícos e situacionais.</p><p>Se quisermos distinguir níveis de discriminação, falaremos da passagem</p><p>do pólo narcisista ao póloedípico, Em um trabalho anterior (Berenstein, Puget</p><p>e Siquier, 1984), desenvolvemos a idéia de que o ego recebe signos de um outro</p><p>desejante, como resultado de um desencontro. O outro não pode superpor-se</p><p>totalmente como objeto do desejo do ego, e por seu lado solicita ao ego</p><p>posicionar-se como objeto do desejo do outro. Com base nesse desencontro,</p><p>começa a aparecer a notícia de algo não totalmente investível, como objeto de</p><p>dcse]o. O primeiro encontro entre os objetos parentais e o infante é realizado</p><p>sub o signo do desejo de coincidir. Mas é precisamente o nível ilusório de tal</p><p>colncidência e sua impossível realização o que leva ao contato com o distinto,</p><p>I' ronduz ~ constituição de vínculos cada vez mais complexos, isto é, mais</p><p>pn;xilllutf da representação de palavra, na longa, complicada e incerta busca</p><p>~h~:ílllll'llillddll',cia.</p><p>PSICANÁLISE DO, CASAL 21</p><p>ACORDOS E PACTOS INCONSCIENTES</p><p>Um vínculo é estabelecido a partir de estipulações equivalentes a um</p><p>contrato inconsciente. Ele se realiza mediante acordos e pactos inconscientes. ""</p><p>Os acordos inconscientes são o resultado de um tipo de combinação entre</p><p>aquelesaspect~is, partindo de cada um dos espaços mentais</p><p>dós-snreitos;-é resultam do CIesdobramento da tendência a unificar seus</p><p>funcionamentos mentais e vinculares. Como combinação, estamos supondo</p><p>que se configura uma nova organização ou unidade mentale vincular, distinta</p><p>da mera soma de.ambos, com base em uma complementaridade extensa, a qual</p><p>deveria ser eficaz para sustentar um crescimento vincular, porque, de outra</p><p>maneira, levará a repetições de modelos primitivos.</p><p>9s pactos inconsGÍente~apesar de poderem reforçar os.acordos, tende_ll\ a</p><p>es~cificarelem~ s rovenientesdoespaçome . com artilhável -</p><p>d!_c~mpartilhar o incompartilháve o nga os egos a re'ilizar uma</p><p>série de êoncessões, para dessa maneira pactuar" satisfazer o desejo do outro,</p><p>colocando-se em posição favorável. Neste sistema, o desejo não é compartilha-</p><p>do. Trata-se de dois desejos distintos, realizados graças à ajuda do outro</p><p>integrante do casal, para sustentar a complementaridade de tipo sucessividade.</p><p>Para o conceito de acordo talvez possamos utilizar o que foi empregado</p><p>por Freud (1900), em A interpretação dos sonhos, quando menciona a apropriação</p><p>como o mecanismo da-identíficaçãoê. Refere-se ao ego incorporando um traço</p><p>do outro, que passa a funcionar como próprio, mediante uma transformação.</p><p>É como se uma proteína alheia passasse a ser, depois de decomposta e</p><p>reassimilada, uma proteína própria. Neste sentido, ~ seria uma</p><p>~priação mútua, e c<?!!l~e aspectos de cada -ego. De qualquer</p><p>maneira, ~eria uma parte do ego incomp,artimável, a partir de onde,</p><p>igualmente para manter o vínculo, a única coisa que, cabe</p><p>é a.criação de pactos,</p><p>como, por exemplo, a. tolerância, a conservação de objetos infantis pelo outro,</p><p>que, por sua vez, permuta por algo equivalente ao ego.</p><p>Tantos os acordos como os pactos podem ser tipificados, como o faremos</p><p>no capítulo 4.:</p><p>DIFERENÇA ENTRE VÍNCULO</p><p>E RELAÇÃO INTRA-SUBJETIV A</p><p>Chamaremos de relação lntrn-subjctlva os reglstrua no mundo interno, di'</p><p>Ohlt'!oti JMrd.lili nu tOI.lis, rom os qu,IiH n t'KO mantém dift,rt'ntcli tipO" de</p><p>22 JANINE PUGET & ISIDORO BERENSTEIN</p><p>conexão. Envolve tanto relações indiscriminadas quanto as mais diferenciadas,</p><p>no âmbito do mundo interno.</p><p>A diferença entre vínculo e relação intra-subjetiva encontra aqui umaI</p><p>nova caracterização. Nesta última, o desejo circula de forma unidirecíonal, um</p><p>ego desejante de um outro funcionando como objeto intra-subjetivo. Não</p><p>sendo um outro ego, externo ao aparelho psíquico do sujeito, não poderá</p><p>ocupar senão o lugar de motivador-evocador do desejo e não terá uma ação</p><p>desiderativa, apenas possível com o outro externo.</p><p>Para todo o vínculo, é condição necessária a presença de um referencial</p><p>externo. Daí deriva sua bidirecionalidade, pois ambos os egos são simultânea ou</p><p>sucessivamente (pacto, acordo) lugar do desejo e da realização do desejo do</p><p>outro. Deste encadeamento surgirá um espaço cada vez mais significativo,</p><p>sempre e quando puderem ser utilizados alternativamente como receptores de</p><p>objetos.</p><p>o reconhecimento da parte desejante do outro está diretamente rela cio-</p><p>'nado com a característica de extraterritorialidade de um vínculo.</p><p>É necessário fazer uma precisão sobre o que foi mencionado como sendo</p><p>o desejo e o componente emocional como motor ou indicador de posições, na</p><p>estruturá matrimonial. O desejo do ego é realizado ou busca realizar-se</p><p>mediante operações do outro. Chamamos de ego o que se erige como fonte do</p><p>desejo, e chamamos de outro aquele cuja valorização permite situá-lo como</p><p>objeto em posição favorável para a realização do desejo, isto é, a ação</p><p>correspondente a esse desejo. O outro é o chamado objeto, em uma denomina-</p><p>ção habitualmente conhecida na literatura.</p><p>Alternativamente, cada ego pode ocupar o lugar do desejo ou o da ação</p><p>específica. Todo vínculo, como o dissemos-é bidirecional. Os dois terão de ser,</p><p>alternativamente, fonte de desejo e objeto desejado e de ação, um para o outro,</p><p>situação produtora, em algumas ocasiões, de certas dificuldades. Quando surge</p><p>uma clivagem profunda na estrutura vincular, um se erige monopolisticamente</p><p>em portador de um desejo, e o outro será sempre pensado como objeto a serviço</p><p>do desejo do ego. Isso corresponde a uma estrutura ilusória de</p><p>complementaridade, que chamamos de vínculo de Objeto Único. Nesta relação</p><p>primitiva e originária transitam a relação intra-subjetiva e a vincular; o ego</p><p>supõe uma unidirecionalidade vincular, segundo a qual existe um objeto</p><p>sempre disposto a cumprir a demanda do ego. A força do desejo outorga ao</p><p>outro ego condições maravilhosas e onipotentes, diretamente relacionadas com</p><p>n (orça e violência do primeiro modelo de satisfação de desejo, referente à ação</p><p>ospcctííca (ver capítulo 8). Disso também derivam as fantasias de devoração e</p><p>.utlquílamento, impedimento ineludível para se situar no lugar de objeto de</p><p>t!PM'jO do outro.</p><p>A dil'lposiçfio de constituir um vínculo baseia-se no pressuposto teórico,</p><p>tlêgl1ll1l11C) IjIl,II todo o ser humano, desde sua instalação no mundo, constitui</p><p>PSICANÁLISE DO CASAL 23</p><p>uma representação de seus vínculos, a partir de três modalidades de contam</p><p>com o outro:</p><p>a) Mediante uma maneira de representar-se o mundo sobre um modelo</p><p>corporal, prévio à palavra e que nunca poderá ser traduzido em comunicaçáo</p><p>falada. É Uma base que sustenta toda a relação com um outro e que permite</p><p>representar-se um acompanhante permanente, na presença e na ausência do</p><p>outro. Realiza-se em contato corporal, primariamente estabelecido através</p><p>dos órgãos sensoriais, sem o que não se poderia sustentar nenhum vínculo.</p><p>É impossível fornecer uma versão acabada deste componente vincular</p><p>estável, utilizando-se a linguagem falada, pois sua incrição é anterior à</p><p>mesma. Esse componente corporal poderia ser expresso como um composto</p><p>de imagem-emoção-sentimento, como recortes especiais realizados pela</p><p>mente, quando olha, ouve ou sente a presença de um outro 'externo a seu</p><p>próprio ego, e torna sua a imagem. A esse componente intraduzível chama-</p><p>remos de nível originário, impossível de ser transmitido pela palavra, a partir</p><p>do qual o ego imagina a si próprio relacionado com um outro, sem solução</p><p>de continuidade, fundido e não reconhecendo os limites próprios e os</p><p>alheios. É o equivalente à sensação oceânica. A falta de intermediação no</p><p>intercâmbio produz determinados tipos de angústias, sintetizados como</p><p>angústia pela perda de limites, diante da irrupção vivida como violação do</p><p>próprio corpo ou arigústia de solidão, pela falta de contato, que interfere</p><p>nesse nível de comunicação.Q Outra modalidade vincular ocorre com o reconhecimento da existência de um</p><p>outro, porém sua presença está marcada pelo que o ego deseja que ooutro seja.</p><p>É uma construção baseada nas fantasias, aqual chamaremos de nível fantasmático.</p><p>Em termos simplificados, seria equivalente a construir o outro enquanto bom</p><p>ou mau, de acordo com o investimento fantasmático vigente no aparelho</p><p>, psíquico de cada um. É o nível interfantasmático. Quando prevalece essa</p><p>qualidade, o registro da presença do outro pode romper a estrutura da fantasia,</p><p>sendo então vivido como auto-referencial, o que equivale à crença de que o ego</p><p>externo vive apenas para ou contra o próprio ego.</p><p>c) O terceiro nível de modalidade vincular é o das palavras intercambladas,</p><p>paradigma da comunicação, a qual - parafraseando Piera Aulagnier</p><p>poderíamos chamar de ideativa. Neste nível, as palavras intercambiadas</p><p>estarão sujeitas a serem bem-entendidas ou mal-entendidas.</p><p>A esta construção chamamos de construção do objeto imaginado. En...certos</p><p>intercâmbios estáveis, o ego constrói representações de objeto irnaginndo de</p><p>enorme estabilidade e fortaleza. É assim, no caso do casal onde fol construtda</p><p>urna representação dr objeto-casal compartilhada, miatura de todas ,IS 1I1ml.,</p><p>Iid.l~h~li.H\!t·1i II\l'Ill'IOII.ld"s 1.' dos objl'lOS-Ci'!;.l1 di' (..,d,1 um. Em dl'tl'rtl1111,Hto</p><p>24 JANINE PUGET & ISIDORO BERENS:rEIN</p><p>Intercâmbios, ocorrerá o predomínio de uma ou outra' modalidade, que irá</p><p>imprimir sua marca ao objeto-casal compartilhado, O objeto-casal é construído</p><p>desde o nascimento, utilizando-se várias constelações vinculares, nas quais o</p><p>ego infantil ocupou diferentes posições. Uma delas é a de um vínculo dual</p><p>narcisista complementar de um objeto parental sustentado por um outro</p><p>virtual, outra é a de excluído de um vínculo entre o pai e a mãe. Outra, ainda,</p><p>é a do conjunto pai-mãe, incluído no macrocontexto social, com imposição de</p><p>suas leis de funcionamento, ao casal e à família, fazendo com que todas as</p><p>famílias deste contexto tenham a mesma organização.</p><p>Não obstante, tudo isso não permite à criança conhecer uma representa-</p><p>ção na qual seja esposo ou esposa, por isso o ego adulto terá de vivenciar uma</p><p>experiência inédita, para ocupar essa posição, encontrando-se em um afasta-</p><p>mento definitivo da ilusão de .ter conhecido e participado ,plenamente na</p><p>relação de seus pais, enquanto casal de esposos. ,</p><p>Uma primeira desilusão, ao estabelecer um vínculo de casal, é a constitu-</p><p>ída pelo reconhecimento dessa exclusão. Possuir um vínculo matrimonial é</p><p>perder os outros vínculos, pois os segredos de alcova, ou seja, os,do ato sexual,</p><p>podem se constituir em paradigmáticos do não-conhecido.</p><p>A passagem da endogamia à exogamia irá depender da disponibilidade</p><p>e da capacidade de criar um vínculo inédito e, pelo contrário, surgirá o fracasso</p><p>da intenção de perpetuar o conhecido, escolhendo um outro que melhor possa</p><p>prolongar os vínculos familiares 'já conhecidos.</p><p>Em um casal, quando um diz ao outro que deveria cozinhar igual à</p><p>mamãe, ou quando o cônjuge arruma o armário como foi ensinado, porque não</p><p>existe outra ordem,</p>

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