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<p>Hebreus e babilônicos</p><p>Infográfico</p><p>A Mesopotâmia é considerada o "berço da civilização". Nessa região, surgiram as primeiras</p><p>sociedades hidráulicas, ou seja, que manipulavam as águas dos rios através de canais e diques para</p><p>beneficiar a produção agrícola. Esses povos também navegavam e comercializavam. Eles foram</p><p>os inventores da escrita, desenvolveram a astronomia, as artes e a arquitetura. Foram responsáveis</p><p>ainda pela revolução urbana, com a criação das primeiras cidades-estados.</p><p>Conheça, no Infográfico, a Mesopotâmia e alguns dos povos que a habitaram na antiguidade.</p><p>Aponte a câmera para o</p><p>código e acesse o link do</p><p>conteúdo ou clique no</p><p>código para acessar.</p><p>https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/9a760e39-0ad9-4d68-afa2-6154e4ece732/1223cac8-dd17-437a-abec-f7763ce428db.png</p><p>Conteúdo do livro</p><p>Na antiguidade, enquanto os reinos e as cidades-estados se formavam, constituindo-se</p><p>politicamente, conflitos de naturezas diversas estavam presentes. Eles se davam em diferentes</p><p>estruturas sociais: políticas, culturais, religiosas, territoriais, econômicas etc. As formas de enfrentá-</p><p>los e resolvê-los iam da aliança à destruição total do outro, incluindo escaramuças, ataques</p><p>pontuais, rendição prévia ou posterior por tributação, deportações e exílios. Disputava-se poder,</p><p>glória, fama, recursos, rotas comerciais etc.</p><p>No capítulo Hebreus e babilônicos, da obra História Antiga, você vai entender da subjugação e da</p><p>deportação dos israelitas pelos assírios; da destruição do Reino de Judá pelos caldeus; do Império</p><p>Neobabilônico de Nabucodonosor; do arrasamento de terras, cidades e do Templo de Jerusalém;</p><p>do exílio dos judaítas para a Babilônia e de suas consequências.</p><p>HISTÓRIA</p><p>ANTIGA</p><p>Ana Cristina Zecchinelli Alves</p><p>Hebreus e babilônicos</p><p>Objetivos de aprendizagem</p><p>Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:</p><p> Analisar as origens dos conflitos entre hebreus e babilônicos.</p><p> Discutir sobre a história e as condições de sobrevivência dos hebreus</p><p>no exílio babilônico.</p><p> Reconhecer as consequências demográficas da conquista babilônica</p><p>dos hebreus.</p><p>Introdução</p><p>Neste capítulo, você vai estudar o exílio babilônico e os seus efeitos sobre</p><p>o povo hebreu. Para tanto, vai conhecer as origens desse povo como clã</p><p>patriarcal, seu caminho até o Egito faraônico e o êxodo promovido por</p><p>Moisés à “terra prometida”.</p><p>Você também vai conhecer os sistemas de administração e governo</p><p>dos hebreus. Além disso, vai estudar a sua unificação no reinado de Saul</p><p>e o cisma ocorrido após a morte de Salomão. A seguir, vai ver como</p><p>ocorriam as relações entre os dois reinos hebreus: Israel, composto por</p><p>10 tribos, e Judá, por duas. Como você vai ver, o primeiro resultado do</p><p>cisma foi o enfraquecimento dos reinos e a queda de Israel, bem como</p><p>a deportação de seu povo sob o domínio do império assírio.</p><p>Hebreus e babilônicos: a origem dos conflitos</p><p>Antes de você se debruçar sobre o tema deste capítulo, precisa levar em conta</p><p>algumas considerações a respeito das fontes de estudo da História Antiga.</p><p>Monumentos, textos de anais, elementos da cultura material, levantamentos</p><p>arqueológicos de diversos tipos e livros de historiadores da Antiguidade são</p><p>alguns dos recursos utilizados como fontes. A Bíblia é um desses livros.</p><p>Ela tanto é considerada o livro que conta a história do povo judeu e de suas</p><p>relações com outros povos na Antiguidade quanto é um guia para entender</p><p>o pensamento, as leis, o ethos dos hebreus, ou seja, suas crenças e sua forma</p><p>de ver a si mesmos e o mundo. Para além disso, você deve refl etir sobre o</p><p>fato de a Bíblia ser o livro fundador de uma religião, a judaica, além de um</p><p>livro que oferece a base para a constituição de outras duas: o cristianismo</p><p>e o islamismo.</p><p>Sabe-se que os textos reunidos na Bíblia são, em sua maioria, posteriores</p><p>aos acontecimentos, que foram manipulados, transcritos, reescritos e sofreram,</p><p>como tantos, influências da intencionalidade de escribas e/ou tradutores.</p><p>No entanto, apesar disso, a arqueologia vem confirmando muitas das in-</p><p>formações contidas na Bíblia, ao menos no que tange à cultura material e</p><p>aos acontecimentos em si. Obviamente, toda documentação precisa sofrer</p><p>crítica rigorosa, ser comparada com outras fontes e passar por autenticações</p><p>técnicas multidisciplinares. Além disso, é necessário conhecimento profundo</p><p>de linguística para a tradução e a interpretação corretas dos textos antigos.</p><p>Agora, você vai ver uma ligeira contextualização. O povo hebreu tem</p><p>sua origem atribuída ao patriarca Abraão, proveniente da Caldeia. Segundo</p><p>a Bíblia, por ordem de Yavé, Abraão dirige-se à Canaã, a “terra prometida”,</p><p>saindo de lá com seu povo em direção ao Egito por conta de um período de</p><p>escassez. Os hebreus, escravizados no Egito, são libertados por Moisés e</p><p>retornam a Canaã, tomando o território e dividindo-o entre as 12 tribos. Sua</p><p>história, ou a parte dela que interessa aqui, pode ser dividida em quatro fases:</p><p>dos patriarcas, dos juízes, dos reis e da dominação estrangeira (deportação</p><p>assíria, exílio babilônico e, posteriormente, sob os romanos, diáspora).</p><p>Em 1948, no pós-Segunda Guerra, os hebreus conseguiram, com o auxílio</p><p>da Organização das Nações Unidas – ONU (1948), a reconstituição do Estado</p><p>de Israel, contra a qual houve e ainda há resistências; conflitos bélicos, políticos</p><p>e diplomáticos estão longe de chegar ao fim. Para além disso, Jerusalém ini-</p><p>cialmente era uma cidade sagrada dedicada ao Deus dos hebreus. Lá, Salomão</p><p>construiu o primeiro templo, destruído por Nabucodonosor e reconstruído</p><p>depois pelos exilados que retornaram da Babilônia com o auxílio de Ciro.</p><p>Esse segundo templo foi destruído pelos romanos em 70 d.C., restando dele</p><p>apenas uma parede, o Muro da Lamentações. Jerusalém é considerada uma</p><p>cidade sagrada para três religiões, judaísmo, cristianismo e islamismo, o que</p><p>a tornou um objeto de disputa de vários povos durante toda a história.</p><p>Neste capítulo, você vai estudar o exílio dos judaítas na Babilônia (598–</p><p>585 a.C.) e as relações históricas, culturais e institucionais resultantes desse</p><p>processo. Mas para compreender o exílio judaita, tema central do capítulo,</p><p>você precisa conhecer a situação dos hebreus e a sua divisão em dois reinos</p><p>Hebreus e babilônicos2</p><p>após a morte de Salomão e a deportação dos israelitas pelos assírios em</p><p>722–721 a.C.</p><p>Como você viu, a Bíblia (2001) conta — e nela os hebreus/judeus creem</p><p>encontrar a sua origem e a sua história — que Abraão saiu de Ur, na Caldeia,</p><p>em direção a Canaã, na Síria Palesttina, tendo passado algum tempo em Harã</p><p>e erguido um altar em homenagem a Yavé. Posteriormente, devido à escassez</p><p>de víveres, ele e seus descendentes dirigiram-se ao Egito, onde viveram e foram</p><p>escravizados por cerca de 400 anos, até que Moisés os libertou do cativeiro</p><p>egípcio, levando-os de volta para Canaã.</p><p>Após o êxodo do Egito, o povo hebreu chega à “terra prometida”, situada</p><p>em Canaã. Encontrando a terra ocupada por outros povos, guerreia contra</p><p>eles, tomando o local dos que nela viviam e dividindo-o entre as 12 tribos</p><p>hebraicas, que foram primeiramente governadas por patriarcas, depois por</p><p>juízes. Sob o governo de Saul, o primeiro rei, as tribos são unificadas, dando</p><p>origem ao reino de Israel em meados do séc XI a.C. Depois de Saul, reinam</p><p>David e Salomão, que constrói o Templo de Jerusalém impondo pesados</p><p>impostos às tribos.</p><p>Falecendo Salomão, Roboão, seu filho, reúne as tribos para a sua coroação.</p><p>Inquirido quanto à redução dos tributos, que nega ao povo, descontenta parte</p><p>das tribos, provocando a divisão do povo hebreu: 10 das tribos formam o reino</p><p>de Israel, ao norte da Palestina, enquanto as duas outras tribos dão origem</p><p>ao reino de Judá, situado ao sul. Nessa ocasião, segundo Josefo (2004, p.</p><p>372–373), vendo a alteração do povo ante a sua negativa em reduzir impostos:</p><p>Roboão, percebendo que não estava em segurança no meio daquela multidão</p><p>tão exaltada, subiu ao seu carro e fugiu para Jerusalém,</p><p>onde as tribos de Judá</p><p>e de Benjamim o reconheceram como rei. As outras dez tribos separaram-se</p><p>para sempre da obediência aos sucessores de Davi e escolheram Jeroboão</p><p>para seu governador.</p><p>Assim, após a morte de Salomão, o reino de Israel se divide (931 a.C.) entre</p><p>israelitas — pertencentes às 10 tribos que não reconhecem Roboão como rei</p><p>nem a descendência de Davi, fazendo de Jeroboão seu governador — e juda-</p><p>ítas — pertencentes às tribos de Judá e Benjamim, que reconhecem Roboão</p><p>como rei. Esses dois reinos hebreus seguem separados, ora guerreando entre</p><p>si, ora se unindo contra outros povos. Alianças, traições, assassinatos, cercos,</p><p>invasões, roubos ou entrega de bens do templo, destruição e guerras fazem</p><p>parte da história dos dois reinos e de seus vizinhos.</p><p>3Hebreus e babilônicos</p><p>Aqui, o termo “israelita” designa os membros das 10 tribos que formam o reino de</p><p>Israel. Já o termo “judaíta” designa aqueles pertencentes às duas tribos que formam</p><p>Judá. Por sua vez, o termo “judeu” diz respeito àqueles que, no exílio e no pós-exílio,</p><p>dão conformação ao judaísmo como religião monoteísta e universal.</p><p>Em 722 a.C., os israelitas são conquistados pelo rei assírio Salmaneser, que</p><p>“[...] aprisionou Oseias, destruiu inteiramente o reino de Israel e levou todo o povo</p><p>como escravo para a Média e para a Pérsia” (JOSEFO, 2004, p. 438). Salmaneser</p><p>deporta os israelitas para a Assíria e coloca nas terras do antigo reino de Israel</p><p>povos de cinco nações provenientes de uma província da Pérsia, denominados</p><p>chuteenses por habitarem ao longo do rio Chute. Esses povos são chamados pelos</p><p>gregos de samaritanos, por ocuparem a região da Samaria. Talvez isso explique a</p><p>parábola do bom samaritano e as discriminações nem sempre sutis desse grupo pela</p><p>escritores do Novo Testamento. Segundo Josefo (2004), apesar de originariamente</p><p>terem seus próprios deuses, por conta de uma peste, os chuteenses acabam por se</p><p>converter ao deus Yavé. Por isso, fazem retornar, com a autorização do rei assírio,</p><p>alguns sacerdotes hebreus israelitas para orientá-los quanto ao cumprimento das</p><p>leis de Yavé e quanto ao modo de adorá-lo (JOSEFO, 2004).</p><p>Flávio Josefo (37/38–100 d.C) foi um historiador que viveu entre os romanos e escreveu</p><p>sobre a história dos judeus, seu povo. Ele foi um judeu de alta estirpe e educação que</p><p>lutou contra os romanos. Foi preso e depois posto em liberdade por Vespasiano. Mais</p><p>tarde, testemunhou a destruição de Jerusalém pelos romanos.</p><p>Em 612 a.C., a queda de Nínive, destruída pelos medos que apoiavam Ciro,</p><p>marca o início da hegemonia da Caldeia sobre a Mesopotâmia, dando origem ao</p><p>império neobabilônico, governado inicialmente por Nabopolassar (632–605 a.C.),</p><p>que derrota o dividido e desgastado império assírio. Seu filho, o rei Nabucodonosor</p><p>II (605–562 a.C.), guerreia contra os sírios, conquistando da Síria até a Pelusa e</p><p>exigindo tributos aos judaítas. O rei Jeoaquim inicialmente aceita pagá-los em troca</p><p>Hebreus e babilônicos4</p><p>da paz, então os tributos são pagos por três anos. Os judaítas, pensando que o faraó</p><p>egípcio Necao II enfrentaria e venceria o rei babilônico, recusam-se a continuar</p><p>pagando os tributos. No entanto, Necao II é vencido na batalha decisiva que ocorre</p><p>em Carquemis, no norte da Síria, em 605 a.C.</p><p>Na sequência, Nabucodonosor II e seu exército vão ao reino de Judá. Recebido</p><p>pelo rei Jeoaquim em Jerusalém, Nabucodonosor o mata. Segundo Josefo (2004),</p><p>o rei de Judá, Jeoaquim, acreditou na palavra de Nabucodonosor de que este nada</p><p>lhe faria: “Mas ele faltou à palavra: mandou matá-lo, juntamente com a fina flor</p><p>da juventude da cidade” (JOSEFO, 2004, p. 454–455). O rei babilônico colocou</p><p>o filho de Jeoaquim, Joaquim, no trono. Arrependendo-se em seguida e temendo</p><p>a revolta de Joaquim pela morte do pai, mandou seus generais cercarem Jerusalém</p><p>e buscá-lo juntamente a sua mãe, seus parentes e amigos, levando-os para o exílio</p><p>com moços e artífices de Jerusalém (Josefo fala em 10.832 pessoas).</p><p>Então, Nabucodonosor II coloca Sedecias (ou Zedequias, que antes se chamava</p><p>Matanias), tio de Joaquim, no trono, mas este, contando com o auxílio do faraó</p><p>egípcio, também se rebela anos depois. Em resposta, Nabucodonosor faz um</p><p>cerco a Jerusalém a fim de combater e vencer o faraó (cujo nome Josefo não cita),</p><p>expulsando-o da Síria. Retomando o cerco a Jerusalém, tomando-a e incendiando</p><p>o templo, Nabucodonosor ainda cega Sedecias, mata vários sacerdotes e leva à</p><p>Babilônia o rei e grande número de judaítas (587–586 a.C.). Completam-se assim</p><p>os grupos de enviados para o exílio.</p><p>Na Figura 1, a seguir, você pode ver um panorama da história contada no</p><p>Antigo Testamento.</p><p>Figura 1. Linha do tempo do Antigo Testamento.</p><p>Fonte: Diocese de São José do Rio Preto (2014).</p><p>5Hebreus e babilônicos</p><p>Os conflitos</p><p>A queda de Israel</p><p>Ao abordar a conquista do norte do território sírio-palestino pelos assírios,</p><p>Liverani (2005) afi rma que as intervenções iniciais ocorreram no governo de</p><p>Assurbanípal II (883–859) e continuaram nos governos seguintes, fazendo</p><p>tributários os vencidos, sem, no entanto, tomar posse ou indexar diretamente</p><p>nenhum país. Foi durante o governo de Tiglat-Pileser III (744–727) — que</p><p>primou por sua política de coesão interna e expansão exterior — que, co-</p><p>mandando uma efi caz máquinaria bélica, os assírios anexaram os reinos de</p><p>Alepo, Patina, Hadrak e Damasco, então o mais poderoso deles. Chegando</p><p>às portas de Israel, que inicialmente paga tributos, reconhecendo-se como</p><p>povo “vassalo” do rei assírio, Assurbanípal II conquista ainda outros reinos,</p><p>tornando-os províncias assírias.</p><p>Nessa época, o rei de Israel, Pecaj (733–732), unindo-se a Resin, o último rei</p><p>de Damasco, sitia Jerusalém, no reino de Judá, governado por Ajaz (736–716),</p><p>que recorre ao imperador Tiglat-Pileser III, solicitando ajuda e declarando-</p><p>-se seu servo. Aproveitando-se da oportunidade, o rei assírio toma Samaria,</p><p>elimina Pecaj, coloca Oseias em seu lugar, como rei “vassalo” assírio que</p><p>governaria os territórios de Efraim e Manases, e divide o território restante</p><p>em três províncias assírias: Dor, Megiddó e Galaad. Na ocasião, segundo</p><p>Liverani (2005), que se baseia nos anais de Tiglat-Pileser (ITP, pp. 82-83 apud</p><p>Livarano), foram deportados 13.520 israelitas.</p><p>Oseias pagou tributos por alguns anos, mas conspirou com o rei egípcio</p><p>contra os assírios, o que resultou na invasão de Israel por Salmanasar V, que</p><p>o fez prisioneiro e sitiou Samaria, capitulando-a em 721 a.C. e morrendo em</p><p>seguida. Salmanasar V foi substituído por Sargon II, que combateu e venceu</p><p>os israelitas, adquirindo a fama de conquistador. Segundo os anais assírios, na</p><p>ocasião, foram deportados 27.290 habitantes de Israel, sendo a terra samaritana</p><p>entregue a povos deportados de outras procedências e governada por eunucos</p><p>fiéis a Sargão II (ISK apud LIVERANI, 2005). Liverani (2005) supõe que</p><p>parte dos israelitas tenha fugido para Judá.</p><p>Em paralelo à queda do reino de Israel, o reino de Judá, então tributário de</p><p>Sargão II, precisou fazer ajustes para adequar-se à sua nova situação política</p><p>de subordinação. Sob o governo de Ezequias (716–687), os judaítas pensaram</p><p>em suspender o pagamento de tributos. Para isso, reforçaram as fortifica-</p><p>ções de Jerusalém e criaram um sistema hidráulico que permitisse resistir ao</p><p>assédio de um cerco, entre outras providências para o caso de guerra. Tam-</p><p>Hebreus e babilônicos6</p><p>bém estreitaram relações com egípcios e com o caldeu Marduk-Apla-Iddina.</p><p>Os vizinhos do reino de Judá, sentindo-se ameaçados pela situação, solicitaram</p><p>auxílio ao imperador Assírio que interviu com todas as forças de Senaqueribe</p><p>(704–681) em 701 a.C. (LIVERANI, 2005).</p><p>Então, Senaqueribe e seus exércitos vencem o rei egípcio na batalha de</p><p>Elteque (cerca de Timna) e conquistam territórios, entregando aos reis filo-</p><p>-assírios as cidades filisteias. Eles conquistam Laquis, deportando 200 mil</p><p>pessoas das áreas conquistadas, e cercam Jerusalém, que não capitula, por</p><p>isso é feito um acordo de</p><p>pagamento de pesados tributos aos assírios (AS</p><p>apud LIVERANI, 2005). Assim, Jerusalém, reforçada anteriormente pelo rei</p><p>Ezequias, resiste ao cerco. A isso, soma-se uma epidemia entre os sitiadores,</p><p>que se veem obrigados a levantar o cerco. Para os judaítas, tal livramento</p><p>é obra de Deus (JOSEFO, 2004; LIVERANI, 2005). Os judaítas seguem</p><p>pagando tributos à Assíria nos anos seguintes. Com o passar do tempo, os</p><p>assírios abandonam a ideia de expansão, contentando-se com a fidelidade de</p><p>seus “vassalos” e os pagamentos de tributos, até que são suplantados pelos</p><p>caldeus do império neobabilônico.</p><p>O império assírio tem o seu ápice durante o reinado de Assurbanípal</p><p>(668–631), após o qual começa a sua decadência. Em 625 a.C., Nabopolassar,</p><p>um caldeu, se fez rei da cidade da Babilônia e, após expulsar os assírios e</p><p>dominar a Baixa Mesopotâmia, seguiu rumo ao coração do império assírio,</p><p>Nínive. No percurso, fez uma aliança com os medos, que tinham suas diferen-</p><p>ças em relação aos assírios, apesar de negociarem com eles. Liverani (2005)</p><p>acredita que a religiosidade zoroastriana e a sua ideologia baseada no dualismo</p><p>da luta do bem contra o mal tenha tido certa influência sobre os medos, por</p><p>meio de uma provável identificação do império assírio com o mal. Segundo</p><p>ele, a violência destrutiva foi característica da intervenção dos medos que</p><p>conquistaram e saquearam Assur em 614 a.C. e Nínive em 612 a.C.</p><p>Embora os medos tenham sido decisivos na destruição dos assírios, foram os</p><p>caldeus que se aproveitaram do resultado da Guerra, explorando e controlando</p><p>política e territorialmente grande parte do império. Os medos retornaram às</p><p>suas terras e os caldeus se incumbiram da continuidade imperial, fundando</p><p>o império caldeu, chamado “neobabilônico” porque a cidade da Babilônia era</p><p>a sua capital. Nabopolassar atribuiu sua vitória ao deus Marduk, que o fez</p><p>adquirir aliados e tornar-se rei, destruindo templos de deuses assírios.</p><p>Enquanto o império assírio mergulhava no caos, sendo tomado pelos</p><p>caldeus e medos, no mesmo período da queda de Nínive (612 a.C.), o faraó</p><p>Necao, a fim de cortar o passo dos caldeus, sobe o corredor sírio-palestino até o</p><p>extremo norte, pretendendo tomar o controle da região, mas não obtendo êxito.</p><p>7Hebreus e babilônicos</p><p>As zonas sírio-palestinas convertidas em províncias assírias deculturadas não</p><p>aproveitaram os anos de confusão e afundamento do império assírio (640–610</p><p>a.C.) para beneficiar-se. Já autônomos como Judá e Tiro aproveitaram para</p><p>pôr em prática projetos de crescimento.</p><p>Em Judá, Josias aproveitou-se da situação favorável para impulsionar o</p><p>reino, principalmente no que tange aos aspectos religiosos e ideológicos, sem</p><p>deixar de lado as bases políticas e materiais (LIVERANI, 2005). Ele expandiu</p><p>o reino ao norte em direção às províncias do antigo reino de Israel (com o qual</p><p>acreditava ter laços étnicos e religiosos). Os povos deportados para o antigo</p><p>reino de Israel tinham outros deuses, mas acabaram solicitando sacerdotes</p><p>hebreus aos reis assírios, no que foram atendidos. Josias pretendia fazer o</p><p>seu reino coincidir com os territórios anteriormente habitados por hebreus.</p><p>Nesse período, um manuscrito com a “lei” é descoberto no templo. Tomando</p><p>conhecimento disso pelo sumo sacerdote, Josias atribui ao não cumprimento da</p><p>lei os problemas e a falha no apoio divino. Ele pretende, então, fazer cumprir</p><p>a lei fielmente (JOSEFO, 2004; LIVERANI, 2005). A respeito disso, Josefo</p><p>(2004, p. 450) fala em “Livros santos deixados por Moisés”. Segundo Liverani</p><p>(2005, p. 208–209, tradução nossa):</p><p>O texto bíblico não diz qual (ou quanto tempo) o texto encontrado no templo</p><p>era, apenas que ele poderia ser definido como "o livro da Lei" (sefer hattorah).</p><p>Mas por um longo tempo (de W. Wette, 1805), os especialistas têm pensado</p><p>que deve ter alguma relação com o livro do Deuteronômio e com o núcleo</p><p>original do estrato editorial chamado "deuteronomista", que pode ser atribuído</p><p>a este tempo devido a uma série de indicações perceptíveis em seu conteúdo.</p><p>A queda de Judá</p><p>Após derrotar os egípcios, ano a ano Nabucodonosor submeteu os antigos</p><p>territórios sírio-palestinos, anteriormente tributários dos assírios (fossem</p><p>subordinados ou independentes). Jerusalém e Tiro resistiram o quanto puderam</p><p>ao assédio do caldeu. Tiro, por sua posição insular, resistiu a um assédio de</p><p>13 anos (598–585 a.C.), durante os quais cresceu política e economicamente.</p><p>Quando fi nalmente caiu, seu rei, Itto-Baal III, foi substituído pelo vasalo Baal</p><p>(LIVERANI, 2005).</p><p>Como você já viu, o sítio de Jerusalém durou pouco tempo. Após três</p><p>anos como tributário, o rei Jeoaquim rebelou-se, mas foi vencido e morreu no</p><p>mesmo ano (598 a.C.). Quem assumiu foi seu filho Joaquim, que reinou por</p><p>três meses e, assediado pelos babilônios, rendeu-se rapidamente, sendo exilado</p><p>juntamente a sua mãe e seus parentes, aos membros da classe dirigente e aos</p><p>Hebreus e babilônicos8</p><p>artesãos (que iriam trabalhar nas benfeitorias e embelezamentos da cidade</p><p>da Babilônia). Os tesouros do palácio real e do templo foram saqueados.</p><p>No lugar de Joaquim, assumiu seu tio Sedecias, como rei “vassalo”.</p><p>No 8º ano de seu reinado, Sedecias faz uma aliança com o rei do Egito para</p><p>enfrentar Nabucodosor, que, em resposta, arrasa a Judeia e sitia Jerusalém.</p><p>O rei egípcio parte então em auxílio aos judaítas, mas os babilônios, sob o</p><p>comando de Nabucodonosor, levantando o cerco a Jerusalém, o enfrentam e,</p><p>vencendo a batalha, expulsam-no da Síria. Retornando o cerco a Jerusalém no</p><p>ano seguinte, o exército babilônico toma a cidade, saqueia e queima o templo,</p><p>destruindo-o completamente. O rei da Babilônia faz matar o sumo sacerdote</p><p>e outros. Ele também ordena vazar os olhos de Sedecias e o leva juntamente</p><p>a um grande número de judeus como escravo para a Babilônia.</p><p>O período compreendido entre o assédio inicial (598 a.C.) e a queda e a</p><p>destruição de Jerusalém (587–586 a.C.) envolve — como quase tudo no Antigo</p><p>Testamento — a presença de profetas; nesse caso, Jeremias e Ezequiel, que</p><p>de certa forma “[...] reduzem as opções políticas aos princípios teológicos”</p><p>(LIVERANI, 2005, p. 227, tradução nossa). O texto de Josefo (2004) apresenta</p><p>a mesma situação de ingerência. Liverani (2005) observa que não é uma</p><p>questão de ser pró ou anticaldeu, mas de uma corrente acreditar que Yavé não</p><p>teria consentido na chegada do caldeus — para a qual parecia tender o rei — e</p><p>outra corrente acreditar que o apoio egípcio era suficiente para vencer. Ambas</p><p>eram desaconselhadas pelo profeta Jeremias, que, embora muito considerado,</p><p>foi ouvido, mas não atendido.</p><p>Outros pensavam que, por conta de questões teológicas e jurídicas, o pacto de</p><p>vassalagem com os caldeus neobabilônicos deveria ser mantido. Ezequiel, outro</p><p>profeta do mesmo período, concordava com Jeremias, afirmando que os babilônios</p><p>agiam por vontade de Yavé; havia, no entanto, diferentes visões políticas entre</p><p>eles. Quando ocorre a queda de Jerusalém (JEREMIAS, 2001, 39:8-10), Ezequiel</p><p>é deportado e Jeremias fica livre, sendo a sua protenção ordenada por Nabuco-</p><p>donosor. Enquanto Jeremias promove a ideia de fidelidade ao pacto, Ezequiel crê</p><p>que somente Yavé pode mudar a situação, sendo ele a única salvação.</p><p>Sedecias foi substituído por Godolías, “governador” da Judeia. A ele se</p><p>juntaram os que não haviam sido deportados ou que se refugiaram na Transjor-</p><p>dânia. O governador foi assassinado por conjurados de sangue real (2 REIS,</p><p>25:25 apud LIVERANI, 2005). Tal assassinato provocou terror e iniciou uma</p><p>sublevação popular, levando os conjurados a se refugiarem junto aos amonitas</p><p>e os demais judeus a se refugiarem no Egito. Dessa forma, a Judeia teve sua</p><p>população dizimada pela guerra, pela fome, pela peste, pela imigração e pela</p><p>total ausência de uma classe dirigente que pudesse colocar ordem ao caos.</p><p>9Hebreus e babilônicos</p><p>As datações referentes a períodos da história, principalmente da História Antiga,</p><p>costumam ser problemáticas em razão dos diversos calendários</p><p>e da própria forma</p><p>de escrita dos textos e relatos, muitos dos quais bem posteriores aos fatos. Por outro</p><p>lado, quando se trata de anais, grande parte deles faz datação a partir de determinado</p><p>evento ou da coroação ou ascensão deste ou daquele rei ao trono. Os ocidentais</p><p>datam os fatos por uma convenção. Por exemplo: a.C. (antes de Cristo) e d.C. (depois</p><p>de Cristo). O calendário judeu considera mais de cinco mil anos. No Ocidente cristão,</p><p>muitos documentos começam com “No ano de nosso senhor Jesus Cristo”, etc. Importa</p><p>saber que há dificuldades reais e que muita pesquisa é necessária para se chegar a</p><p>datas exatas ou mesmo aproximadas. Para além disso, as contagens de meses, dias</p><p>e anos variam conforme o povo e a época. Considere, por exemplo, a Revolução</p><p>Francesa, que trouxe mudanças não só nos nomes dos meses como na sua divisão e</p><p>na duração das semanas, que passaram a ter 10 dias.</p><p>Deportações assírias e exílio babilônico</p><p>No que tange às deportações cruzadas e provincializações realizadas pelos</p><p>assírios, segundo Liverani (2005), as inscrições de reis assírios apontam para</p><p>o reconhecimento de uma série de danos resultantes da conquista de regiões.</p><p>Tais danos eram decorrentes da guerra. Eles incluíam, por exemplo: saques de</p><p>colheitas e gado, incêndio de aldeias, destruição de cidades, vinhas e árvores</p><p>frutíferas arrancadas, mortes, assassinatos e deportação dos demais habitantes.</p><p>A deportação cruzada e a provincialização das populações serviria como</p><p>forma de manter produtiva a economia dos locais conquistados e afastar</p><p>dos vencidos ideias políticas ou de rebeldia. O objetivo era que os povos</p><p>assimilassem a cultura assíria e a língua do império (assírio e, posterior-</p><p>mente, aramaico). Liverani (2005) afirma que, para além da realidade de</p><p>danos causados à população e às economias locais pela guerra, os relatos</p><p>nas inscrições reais gravadas pelos assírios, que repetidamente contavam os</p><p>danos e horrores resultantes dos processos das conquistas, tinham também a</p><p>função de “propaganda de terror”.</p><p>Liverani (2005) e Kriwaczek (2018) comentam a cruenta violência das</p><p>guerras da época antiga e das práticas de guerra mesopotâmicas. No caso</p><p>assírio, merece atenção o que Liverani (2005) chama de “propaganda de</p><p>terror”, presente nas escrituras dos anais do império assírio ou em esculturas</p><p>mandadas construir por seus reis (KRIWACZEK, 2018). No entanto, após</p><p>comparar diversos povos e suas práticas de guerra, Kriwaczek (2018) conclui</p><p>Hebreus e babilônicos10</p><p>que os assírios não foram mais ferozes ou cruéis do que outros povos da</p><p>Antiguidade ou do que alguns povos atuais.</p><p>Nos anais assírios, constam as seguintes cifras: “[...] mais de 40 mil depor-</p><p>tados de Israel e quase 20 mil de Judá” (LIVERANI, 2005, p. 178, tradução</p><p>nossa), havendo deportações com cifras bem maiores em zonas mais populo-</p><p>sas. As deportações não afetam apenas a corte e a família real, embora estas</p><p>sejam tratadas à parte. Igualmente, elas afetam a população agropastoril,</p><p>as pequenas aldeias e cidades, incluindo entre os deportados “[...] homens e</p><p>mulheres, grandes e pequenos” (LIVERANI, 2005, p. 178, tradução nossa).</p><p>Em especial, registram-se competências laborais de caráter especializado.</p><p>A ideologia assíria das deportações inclui, por um lado, um castigo por trai-</p><p>ções pretéritas ou resistência ao deus Assur e ao rei (considerado o seu braço</p><p>armado). Por outro lado, tal ideologia inclui a reconstrução, o que é consonante</p><p>com a ideia de que a conquista significa ampliação da ordem e afirmação da</p><p>justiça, além de redução da sedição e da iniquidade.</p><p>Liverani (2005) defende que uma das finalidades da deportação cruzada</p><p>é uma total assimilação linguística, cultural e política dos povos. A ideia era</p><p>transformar os vencidos em assírios, convertendo, com as deportações, um</p><p>rei rebelde em um estranho vivendo em uma nova província, na dependência</p><p>direta do rei assírio e do deus Assur. Para isso, o rei destinava às províncias e</p><p>aos grupos deportados “[...] escribas e vigilantes assírios, capazes de ensiná-</p><p>-los o temor do Deus e do Rei” (ISK apud LIVERANI, 2005, p. 179–180,</p><p>tradução nossa).</p><p>Sob o ponto de vista do vencedor assírio, a assimilação dos deportados é</p><p>uma ampliação não só do território do império como do próprio povo assírio.</p><p>Porém, para os deportados, que sofrem com o processo de aculturação, a situa-</p><p>ção parece outra. Segundo Liverani (2005), essa reestruturação é levada a cabo</p><p>na tentativa de aniquilar a individualidade cultural sem provocar um colapso</p><p>econômico e demográfico. Tais deportações são citadas nos anais assírios, no</p><p>Livro dos Reis (2 REIS, 17:6 apud BÍBLIA, 2001). Esse processo promoveu</p><p>a erradicação da resistência política e manteve a economia salvaguardada,</p><p>ainda que débil. Além disso, sustentou demografias razoavelmente capazes</p><p>de manter os territórios ocupados produtivos e, se possível, populosos. A</p><p>assimilação linguística se deu pelo aramaico, que os próprios assírios também</p><p>utilizavam nos séculos VIII e VII a.C., restando o uso do idioma assírio para</p><p>a escrita oficial administrativa e a língua falada.</p><p>Exceto por algumas cerimônias estatais e declarações de princípios (exigi-</p><p>das), a assimilação religiosa não foi total, dando origem a um sincretismo difuso</p><p>e variado, que reuniu os múltiplos cultos dos grupos deportados. A religião (e</p><p>11Hebreus e babilônicos</p><p>uma revisão o yaverismo) foi considerada um elemento forte de identificação</p><p>entre deportados de origem hebraica, produzindo também um sentimento de</p><p>união para com os que permaneceram no reino de Judá (LIVERANI, 2005).</p><p>No entanto, os israelitas, sob Jeroboão, haviam cultuado fora de Jerusalém, e o</p><p>rei havia criado dois templos, feito a si mesmo sacerdote e mandado “[...] fazer</p><p>e consagrar a Deus dois bezerros de ouro, um dos quais foi colocado na cidade</p><p>de Betei e outro na de Dã” (JOSEFO, 2004, p. 374), o que contraria a ideia de</p><p>um único templo, o de Jerusalém, bem como o preceito de não cultuar ídolos.</p><p>Na Figura 2, a seguir, você pode ver os deslocamentos causados pelas</p><p>deportações assírias.</p><p>Figura 2. Deportações assírias.</p><p>Fonte: Adaptada de Geacron (2019, documento on-line).</p><p>Exílio babilônico: outras condições</p><p>As deportações dos hebreus (judaítas e israelitas restantes no reino de Judá)</p><p>para a Babilônia foram executadas sob condições diferentes. Os caldeus, ao</p><p>Hebreus e babilônicos12</p><p>contrário dos assírios, não pretendiam a assimilação, mas o cessar da rebeldia</p><p>e da desobediência. Eles não se importavam com a terra cananeia, tanto que</p><p>a deixaram despovoada. Assim, os exilados foram tratados conforme a sua</p><p>condição: alguns viviam na corte, enquanto outros retomaram a vida normal,</p><p>os negócios e o trabalho. As crianças receberam educação por ordem de Na-</p><p>bucodonosor (a Mesopotâmia, desde o tempo dos sumérios, era considerada</p><p>um local de civilização). Na Babilônia, artesãos e membros deportados não</p><p>pertencentes à elite foram utilizados como trabalhadores em obras públicas</p><p>e de embelezamento da cidade.</p><p>Não havia interesse dos caldeus na assimilação dos exilados. Assim, estes puderam</p><p>preservar a sua cultura, os seus costumes e a sua religião. Isso preservou a identidade</p><p>do grupo durante os anos do exílio, auxiliando na reestruturação do conceito de</p><p>nação e religião judaica.</p><p>Esses grupos hebreus receberam liberdade para se reunir, criaram locais de</p><p>culto, as sinagogas (primeiro lugar de culto a Yavé fora do Templo de Jerusa-</p><p>lém), tocaram o projeto de Josias referente à obediência ao estabelecido na lei</p><p>(suspenso pelos fatos ocorridos nas guerras), conformaram os livros da lei e</p><p>normatizaram a religião de Yavé, dando origem ao judaísmo como se conhece</p><p>hoje. É por isso que o termo “judeu” se aplica aqui, pois foi a partir do exílio</p><p>e no pós-exílio que o povo hebreu se fez judeu para além do sentido étnico,</p><p>territorial ou clânico, no sentido de pertencimento a uma mesma religião e a</p><p>um mesmo e único Deus.</p><p>Liverani (2005) analisa as deportações assírias e os seus resultados</p><p>para</p><p>todos os povos submetidos, muitos dos quais não tiveram suas “bíblias” pre-</p><p>servadas até o presente. O autor constata as diferenças entre as deportações</p><p>assírias e babilônicas dos e para os hebreus. Ele comenta, demonstrando com</p><p>isso as possibilidades e liberdades permitidas aos hebreus, a reconstrução de</p><p>si realizada por esse povo durante o exílio na Babilônia. Veja as conclusões</p><p>de Liverani (2005, p. 11, tradução nossa):</p><p>13Hebreus e babilônicos</p><p>[...] houve um evento especial, preparado pelo projeto de um rei de Judá (Jo-</p><p>sias) para dar vida a um reino unido de Judá-Israel nas décadas do colapso</p><p>da Assíria e a reafirmação de Babilônia, e para substanciar esta tentativa a</p><p>nível religioso (yaveísta monoteísmo, "mosaico" da lei) e historiográfico. [...]</p><p>O rápido retorno à Palestina dos exilados judeus que eles ainda não tinham</p><p>assimilado ao mundo imperial, sua tentativa de dar vida a uma cidade-templo</p><p>(Jerusalém) de acordo com o modelo babilônico, de reunir em torno dela uma</p><p>nação (Israel, agora em sentido amplo),supõe que se pôs em marcha uma</p><p>enorme e variada reelaboração da história anterior (que tinha sido completa-</p><p>mente "normal") que colocou em seu lugar os arquétipos fundamentais que</p><p>naquele momento pretendia-se revitalizar (o reino unido, monoteísmo e o</p><p>único templo, a lei, a posse do território, guerra santa, etc.) sob o signo de uma</p><p>predestinação absolutamente excepcional. Da mesma forma que à verdadeira,</p><p>mas ordinária história, faltava qualquer interesse que não fosse puramente</p><p>local, também a história inventada e excepcional se converteu na base para</p><p>a fundação de uma nação (Israel) e religião (o judaísmo), que influenciariam</p><p>todo o curso da história posterior em escala mundial.</p><p>Quanto aos retornados, no entanto, Kriwaczek (2018, p. 333–334) afirma</p><p>o seguinte:</p><p>Quando o Império Neobabilônico sucumbiu diante dos persas, menos de</p><p>cinquenta anos depois, e a nobreza de Judá teve permissão para regressar a</p><p>Jerusalém e começar a reconstruir o templo, somente os que tinham ficado</p><p>exilados na Babilônia passaram desde então a figurar como judeus. Embora</p><p>a gente do povo que fora deixada na Judeia, “os pobres da terra”, se aproxi-</p><p>masse dos que haviam retornado e implorasse para participar do trabalho de</p><p>restauração, foi lhes dito, em termos vigorosos, que caíssem fora:</p><p>Nada tendes a fazer conosco na edificação de uma casa a nosso Deus; nós</p><p>mesmos, sozinhos, a edificaremos ao Senhor Deus de Israel, como nos ordenou</p><p>Ciro, o rei da Pérsia. (Esdras 4:3)</p><p>Como quer que fosse, apenas uma minoria dos judeus quis restabelecer-se em</p><p>sua antiga terra provincial e empobrecida. A maioria optou por permanecer na</p><p>Mesopotâmia, para continuar a usufruir dos benefícios de viver no coração da</p><p>civilização. Durante séculos, a Babilônia, e não Jerusalém, abrigou as maio-</p><p>res comunidades judaicas de qualquer parte do mundo. E foi nas academias</p><p>babilônicas que se criou o Talmude babilônico, o texto que até hoje molda o</p><p>judaísmo. Sem a conquista e a deportação de Nabucodonosor, o judaísmo tal</p><p>como o conhecemos, e portanto o cristianismo e o islamismo, por sua vez,</p><p>nunca poderiam ter existido.</p><p>Hebreus e babilônicos14</p><p>Conquista babilônica dos hebreus:</p><p>consequências demográficas</p><p>Os números referentes às deportações de Nabucodonosor podem ser consul-</p><p>tados no Livro de Reis e no de Jeremias. No entanto, mais importante do que</p><p>verifi car os números em si é dar-se conta de que essa deportação realizada</p><p>por Nabucodonosor foi unidirecional, ou seja, não foram levadas populações</p><p>de outros locais para ocupar a Judeia.</p><p>Os elementos deportados foram membros da realeza, da elite, sacerdotes,</p><p>chefes e homens de importância, além de artesãos e suas respectivas famílias. A</p><p>classe dirigente foi deportada, mas a população campesina permaneceu na terra</p><p>cananeia sem um governo. Sob os neobabilônicos, por um lado, as estruturas</p><p>sociopolíticas e culturais da Judeia (e dos que lá ficaram) sofreram grande</p><p>degradação; por outro, aqueles que foram deportados puderam conservar a sua</p><p>individualidade. Assim, as deportações levadas a cabo pelos neobabilônicos</p><p>diferem das deportações assírias, que visavam à assimilação e à integração.</p><p>Sobre isso, Liverani (2005, p. 233–234, tradução nossa) afirma o seguinte:</p><p>Em suma, as deportações assírias foram tremendamente eficazes em sua</p><p>tarefa de apagar a identidade nacional, a tal ponto que o destino dos deporta-</p><p>dos assírios não é mais conhecido, e as "dez tribos" do norte desapareceram,</p><p>absorvidas pelo mundo circundante. Por outro lado, as deportações babilô-</p><p>nicas não puderam pôr fim ao senso de autoidentificação dos deportados,</p><p>que, estando dispostos, podem reconstituir sua individualidade etnopolítico-</p><p>-religiosa-comportamental.</p><p>A situação em que a Judeia foi mergulhada após o saque de Jerusalém, a</p><p>deportação da classe dominante e os eventos que se seguiram deram origem</p><p>a uma grave crise demográfica e cultural.</p><p>Comparando-se as deportações cruzadas realizadas pelos assírios com as</p><p>deportações unilaterais demandadas pelos caldeus neobabilônicos, percebe-se</p><p>a diferença no impacto causado sobre a demografia das regiões afetadas. No</p><p>caso do exílio babilônico, a terra foi arrasada, sem líderes, tendo sobrado na</p><p>região apenas alguns camponeses cuja prioridade era a sobrevivência. Além</p><p>disso, a região não recebeu novos habitantes até o retorno dos exilados, após</p><p>a vitória de Ciro sobre os caldeus.</p><p>15Hebreus e babilônicos</p><p>A baixíssima demografia restante na região também teve efeitos sobre as</p><p>questões culturais, econômicas e administrativas. Os sobreviventes chegaram</p><p>muito próximo de um cataclisma, conforme indicam estudos arqueológicos</p><p>levantados por Liverani (2005): os cálculos apontam a redução populacional</p><p>a 10% da anterior; a superfície média dos povoados também foi reduzida em</p><p>2/3; não havia produção artesanal de valor; e o uso da escrita foi reduzido. Para</p><p>além disso, um povo cujas administração política, religião e decisões giravam</p><p>em torno do templo e de leis rígidas se viu, de repente, sem reis, sacerdotes,</p><p>políticos ou sábios para orientá-lo. Alguns membros das populações vizinhas</p><p>mais preparados para administrar uma recuperação ocuparam espaços vazios,</p><p>porém não tiveram sucesso no que tange a uma reestruturação administrativa</p><p>(LIVERANI, 2005).</p><p>Liverani (2005) observa que o esvaziamento das terras sírio-palestinas, e</p><p>não apenas das do extinto reino de Judá, pode se considerado o indicativo do</p><p>fim de uma época, um momento histórico crucial e o prenúncio de uma nova</p><p>era histórica e civilizacional:</p><p>Em poucas décadas (de maneira escalonada e sucessiva no tempo, de norte</p><p>a sul) todos os reinos e pessoas que haviam dado vida ao vigoroso mundo</p><p>levantino [sírio-palestino] da Segunda Era do Ferro estavam imersos em</p><p>níveis demográficos e culturais muito baixos: é o fim de uma era, o fim de</p><p>um mundo, algo que os livros de história do tipo tradicional não são capa-</p><p>zes de visualizar adequadamente, mas que, no entanto, constitui um evento</p><p>histórico crucial, a partir do momento em que a crise de identidade torna-se,</p><p>por sua vez, o ponto de partida para uma nova trajetória (LIVERANI, 2005,</p><p>p. 238, tradução nossa).</p><p>Essa nova trajetória se dá com o retorno à “terra prometida”, a reconstru-</p><p>ção do reino, do templo e da aliança com Yavé, esta última refeita durante o</p><p>período do exílio e escrita nos livros da Torá pelos deuteronomistas. Para o</p><p>povo hebreu, judaíta que viveu no exílio, este ocorreu por conta da quebra</p><p>da aliança entre o povo e Yavé. Nesse sentido, o exílio foi um castigo e um</p><p>aprendizado que os fizeram refletir sobre diversas posições, repensar e “rees-</p><p>crever” a própria história e as próprias leis — não só mosaicas, mas também</p><p>reguladoras da vida cotidiana — por meio dos livros, bem como desenvolver</p><p>um nacionalismo aguerrido (TRIGO, 2007).</p><p>O problema da baixa demografia não cessou imediatamente com a autori-</p><p>zação para o retorno dos exilados, que foi realizado aos poucos e em pequenos</p><p>grupos,</p><p>durando cerca de um século. Os exilados retornados eram provenientes</p><p>não somente da Babilônia, mas também do Egito e de reinos vizinhos onde</p><p>Hebreus e babilônicos16</p><p>haviam se refugiado. Embora pudessem retornar de maneira oficial, com</p><p>direito à posse da terra e ajuda financeira concedidos pelo imperador persa</p><p>Ciro (LIVERANI, 2005), muitos hebreus já assimilados ou acomodados nas</p><p>condições do exílio preferiram não retornar, o que não impediu que auxiliassem</p><p>os que o fizeram.</p><p>Os que permaneceram na terra durante o exílio foram chamados pelos que</p><p>retornaram de “pobres da terra”. Mesmo tentando ajudar na reconstrução do</p><p>templo, eles foram rechaçados e tiveram a sua oferta de auxílio negada, como</p><p>você viu na citação do texto de Kriwaczek (2018) mencionada anteriormente.</p><p>As questões demográficas e as suas consequências só seriam resolvidas a longo</p><p>prazo. Nesse sentido, as áreas litorâneas da Síria Palestina se recuperariam</p><p>mais rapidamente do que o interior — tanto no quesito populacional quanto</p><p>no econômico.</p><p>BÍBLIA. Português. Nova versão internacional: antigo e novo testamento. São Paulo:</p><p>Vida, 2001.</p><p>DIOCESE DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO. Home. São José do Rio Preto: [S. n.], 2014. Dis-</p><p>ponível em: http://bispado.org.br/. Acesso em: 8 jul. 2019.</p><p>GEACRON. Middle East. [1800 B. C.]. Disponível em: https://www.apaixonadosporhis-</p><p>toria.com.br/artigo/42/o-militarismo-assirio-e-as-reformas-de-tiglath-pileser. Acesso</p><p>em: 12 jul. 2019.</p><p>JEREMIAS. In: BÍBLIA. Português. Nova versão internacional: antigo e novo testamento.</p><p>São Paulo: Vida, 2001.</p><p>JOSEFO, F. História dos hebreus de Abraão à queda de Jerusalém. 8. ed. Rio de Janeiro:</p><p>Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2004.</p><p>KRIWACZEK, P. Babilônia a Mesopotâmia e o nascimento da civilização. Rio de Janeiro:</p><p>Jorge Zahar, 2018.</p><p>LIVERANI, M. Mas allá de la Bíblia: historia antigua de Israel. Barcelona: Editorial Crítica,</p><p>2005.</p><p>TRIGO, A. C. M. C. O exílio na Babilônia: um novo olhar sobre antigas tradições. 140 f. 2007.</p><p>Dissertação (Mestrado) - Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia</p><p>Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível</p><p>em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8152/tde-30012008-112730/pt-br.</p><p>php. Acesso em: 7 jul. 2019.</p><p>17Hebreus e babilônicos</p><p>Leituras recomendadas</p><p>CARDOSO, C. F. S. Sociedades do Antigo Oriente próximo. Rio de Janeiro: Ática, 2002.</p><p>ELIADE, M. História das crenças e das ideias religiosas, das provações do judaísmo ao</p><p>crepúsculo dos deuses. Rio de Janeiro: Zahar,1979. v. 2. t. 2.</p><p>GONÇALVES, F. J. Exilio babilónico de «Israel»: realidade histórica e propaganda. Lisboa:</p><p>Instituto Oriental, 2000.</p><p>HORN, S. H. The babylonian chronicle and the ancient calendar of the kingdom of Judah.</p><p>Michigan: Andrews University, 1967. Disponível em: https://www.andrews.edu/library/</p><p>car/cardigital/Periodicals/AUSS/1967-1/1967-1-02.pdf. Acesso em: 7 jul. 2019.</p><p>LOPES, F. L. B. Judeus: exílio babilônico. Revista Vernáculo, v. 1, n. 2, 2000. Disponível em:</p><p>https://revistas.ufpr.br/vernaculo/article/view/18095. Acesso em: 7 jul. 2019.</p><p>RIBEIRO, A. B. T. Novas definições terminológicas para entender a história de Israel.</p><p>Sacrilegens, v. 13, n. 2, jul./dez. 2016. Disponível em: http://www.ufjf.br/sacrilegens/</p><p>files/2017/04/13-2-8.pdf. Acesso em: 7 jul. 2019.</p><p>SHEPARD, E. Babylon and Jerusalem: the integrity of the diasporic critical mind. Sh'ma:</p><p>A Journal of Jewish Ideas, v. 35, dez. 2004. Disponível em: https://www.bjpa.org/search-</p><p>-results/publication/7878. Acesso em: 7 jul. 2019.</p><p>WEYNE, M. W. A investida de Nabucodonosor contra Judá: aproximação e conflito dos</p><p>dados bíblicos e extrabíblicos. Revista Atualidade Teológica, 2010.</p><p>Hebreus e babilônicos18</p><p>Dica do professor</p><p>Há vários tipos de exílio. Os judeus, ao longo de sua história, já conheceram alguns deles. Esse</p><p>assunto, embora os mantivessem longe da pátria e do lugar-sede sagrado de sua religião, também</p><p>proporcionou aprendizados, refinamentos, reflexões e reavaliações nos campos religioso, legal e</p><p>político, fazendo florescer o nacionalismo e dando conformação à comunidade judaica para muito</p><p>além das fronteiras físicas de seu reino.</p><p>Nesta Dica do Professor, você vai aprender sobre o período do exílio babilônico dos hebreus, as</p><p>condições de vida e de trabalho, a reafirmação da identidade e as modificações religiosas e legais</p><p>que resultaram dele.</p><p>Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.</p><p>https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/5378b8bfe0059bebf6007ecc90daaaf5</p>