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<p>PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO</p><p>PUC/SP</p><p>Marilene Fernandes Martinez</p><p>Transformações da família ao longo dos tempos e as suas implicações à</p><p>clínica psicológica: uma reflexão</p><p>MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA</p><p>SÃO PAULO</p><p>2015</p><p>PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO</p><p>PUC/SP</p><p>Marilene Fernandes Martinez</p><p>Transformações da família ao longo dos tempos e as suas implicações à</p><p>clínica psicológica: uma reflexão</p><p>Dissertação apresentada à Banca Examinadora</p><p>da Pontifícia Universidade Católica de São</p><p>Paulo, como exigência parcial para obtenção</p><p>do título de Mestre em Psicologia Clínica sob</p><p>a orientação da Profa. Dra. Rosa Maria</p><p>Stefanini de Macedo.</p><p>MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA</p><p>SÃO PAULO</p><p>2015</p><p>Banca Examinadora</p><p>________________________________________</p><p>________________________________________</p><p>________________________________________</p><p>________________________________________</p><p>________________________________________</p><p>À Deus e a todos os Mentores que me</p><p>acompanham nesta missão terrena.</p><p>Agradecimentos</p><p>A meu pai (in memoriam) e à minha mãe que tanto me incentivaram e apoiaram nos</p><p>estudos e na construção da carreira.</p><p>A meus filhos que me ensinaram e continuam me ensinando sobre a maternidade e</p><p>sobre a vida em família.</p><p>À minha querida professora e orientadora Profa. Dra. Rosa Maria Stefanini de</p><p>Macedo, meu muito obrigada pela paciência, colaboração preciosa com as pesquisas, com os</p><p>momentos indescritíveis de aprendizado tanto na teoria, quanto na vida, sem a qual este</p><p>trabalho não teria sido possível.</p><p>À minha querida e eterna professora Mathilde Neder, meu eterno carinho e gratidão,</p><p>por compartilhar suas experiências e conhecimento de vida, que tanto me estimularam a</p><p>continuar nesta trajetória.</p><p>À Claúdia Bruscagin mais que uma professora, uma amiga cuidadosa e generosa,</p><p>sempre presente nos momentos especiais, inclusive neste estudo.</p><p>Às amigas e cuidadoras Claúdia Magalhães, Maria Luiza Meijone Piszezman, Sílvia</p><p>Geruza, Sonia Lígia Angélico, meu eterno amor e gratidão, fonte de afeto, que com suas</p><p>palavras de apoio e força tão necessários, ajudaram-me a colocar os tijolinhos na construção</p><p>deste trabalho.</p><p>Às amigas Amélia, Regina e Soninha, que dedicaram seus momentos preciosos</p><p>rezando e emanando boas energias, colaborando com descobertas, fortalecendo-me nos</p><p>momentos de cansaço e de medo.</p><p>Meus agradecimentos profundos à Dra. Alina Landi, não só uma querida amiga, mas</p><p>minha médica, cuidadora legítima, que com seu olhar atento e carinhoso, acompanhou</p><p>atentamente minha saúde no percurso deste trabalho. Deus lhe pague por tudo, sempre!</p><p>Transformações da família ao longo dos tempos e as suas implicações à</p><p>clínica psicológica: uma reflexão</p><p>RESUMO</p><p>Trata-se de um estudo teórico que pesquisou a Modernidade e a Pós-Modernidade,</p><p>objetivando investigar a evolução social da família ao longo dos tempos, apontando reflexos</p><p>das mudanças havidas sobre as famílias da contemporaneidade, tomando-se por base as</p><p>demandas de atendimento da clínica psicológica. Especificamente, este estudo objetivou:</p><p>refletir sobre como estas mudanças têm afetado as famílias frente às relações conjugais e entre</p><p>pais e filhos, e ainda refletir sobre os sentimentos que surgem em decorrência destas novas</p><p>relações familiares. A presente pesquisa viabilizou-se mediante uma revisão bibliográfica da</p><p>literatura, e também na base eletrônica Scielo, por meio de artigos, livros, revistas e</p><p>discussões acerca do assunto. Refletiu-se particularmente sobre como as questões da Pós-</p><p>Modernidade afetam a família contemporânea em suas: organização, funções,</p><p>responsabilidades, deveres, comportamentos, atitudes de seus membros, e ainda sobre como o</p><p>psicólogo clínico deve se preparar para atender a tais demandas. Buscou-se estabelecer uma</p><p>correlação entre as mudanças sociais ocorridas, e sobre como as pessoas estão vivenciando</p><p>estas diferentes situações, confrontando se o que está presente na literatura confirma-se na</p><p>clínica psicológica. A partir de casos clínicos atendidos pela pesquisadora ao longo de seus 34</p><p>anos de experiência, fez-se uma reflexão sobre o tema. Entre outros fenômenos emersos na</p><p>Pós-Modernidade observam-se o imediatismo, o hedonismo, o consumismo, o</p><p>questionamento das verdades absolutas, o xeque-mate do amor romântico. Neste contexto</p><p>constata-se a necessidade do psicoterapeuta reavaliar seus valores, ter clareza de suas</p><p>posições, para poder dar conta das demandas, que surgem no dia a dia de seu consultório.</p><p>Palavras-Chave: Pós-modernidade. Relacionamentos familiares. Sentimentos. Clínica</p><p>Psicológica. Reflexão.</p><p>Family’ changes over time and its implications to clinical psychology: a reflection.</p><p>ABSTRACT</p><p>This is a theoretical study that researched the Modernity and Post-Modernity, aiming to</p><p>investigate the social evolution of the family over the years, pointing reflections of the</p><p>changes occurred on the families of contemporaneity, taking as a basis the demands of the</p><p>service clinical psychology. Specifically, this study aimed to reflect on how these changes</p><p>have affected families in the face of marital relations and between parents and children, and</p><p>also reflect on the feelings that arise as a result of these new family relationships. This</p><p>research was made possible by means of a literature review of the literature, and also in</p><p>electronic database Scielo, through articles, books, magazines and discussions on the subject.</p><p>It is reflected particularly on the issues of Post-Modernity affect contemporary family in their:</p><p>organization, functions, responsibilities, duties, behaviors, attitudes of its members, as well as</p><p>on the clinical psychologist should be prepared to meet such demands. It tried to establish a</p><p>correlation between social changes, and how people are experiencing these different</p><p>situations, clashing what is present in the literature is confirmed in clinical psychology. From</p><p>clinical cases seen by the researcher during his 34 years of experience, there was a reflection</p><p>on the theme. Among other phenomena emerged in Post-Modernity can observe the</p><p>immediacy, hedonism, consumerism, the questioning of absolute truths, the checkmate of</p><p>romantic love. In this context notes the need of psychotherapist reassess their values, have</p><p>clarity of their positions in order to cope with the demands that arise on the day of his office.</p><p>Keywords: Postmodernism. Family relationships. Feelings. Psychological Clinic. Reflection.</p><p>SUMÁRIO</p><p>RESUMO</p><p>ABSTRACT</p><p>INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9</p><p>JUSTIFICATIVA ................................................................................................................ 20</p><p>OBJETIVO GERAL ............................................................................................................ 22</p><p>OBJETIVOS ESPECÍFICOS ...............................................................................................</p><p>Como resultado disto, os educadores do século XVII acreditavam que a frequência e a</p><p>falta de disciplina das visitas, impediam um horário regular, especialmente, para as refeições</p><p>e, consideravam essa irregularidade bastante funesta para a formação das crianças, distraindo-</p><p>as de suas atividades. Isto fazia com que as crianças e os adultos de uma família se</p><p>relacionassem entre si, do mesmo modo, que transitavam com as outras pessoas da sociedade.</p><p>Os espaços para as relações eram abertos: ruas, praças, palácios. Vida privada? Não havia.</p><p>Mas, sem um espaço mínimo, a vida familiar se torna impossível e o sentimento de família,</p><p>não pode nem se formar e nem se desenvolver.</p><p>Houve a necessidade de mudanças importantes neste modelo construído e vivido até</p><p>então. O ponto de partida inicia-se na própria história do espaço da casa. Como consequência</p><p>destas mudanças, ocorre a da própria história do espaço da casa. O que antes era um grande</p><p>espaço, sem nenhuma diferenciação e, onde tudo ocorria, sem nenhuma privacidade,</p><p>transforma-se em pequenos cômodos, que permitem entrar ou sair deles através de corredores,</p><p>que interligam os mesmos, sem a necessidade de passar por dentro deles para chegar a um</p><p>outro; cria-se com isso a diferenciação dos aposentos. Os quartos separados, a demarcação</p><p>entre o local em que se cozinhava e o local em que se comia tudo isso era novo, associado à</p><p>ideia de um espaço diferente ao do trabalho. E, finalmente a distribuição do calor e da luz com</p><p>a história da lareira, que aquecia e servia não só o ambiente doméstico (sala), como servia</p><p>também à cozinha. Esta deixa de ser o centro onde todos se reúnem.</p><p>As casas passam a ter água canalizada, eletricidade, instalações sanitárias e várias</p><p>divisões que promovem o isolamento individual e a independência dos membros da família.</p><p>Surge uma nova concepção de casa e a vida privada passa a ser possível. Somente com o</p><p>surgimento do espaço privado, que começa a noção de família, permitindo a estreita relação</p><p>sujeito/família, o reconhecimento mútuo entre os sujeitos e a troca de afeto entre eles</p><p>(PASSOS, 2005).</p><p>33</p><p>Os séculos XVI e XVII assinalam sob certos aspectos o triunfo de um individualismo</p><p>dos costumes, ou seja, da vida cotidiana. Esta é uma primeira fase de mudanças que</p><p>ocorreriam nesse período. Os espaços sociais que a conquista do Estado e os recuos da</p><p>sociabilidade comunitária deixaram livres, cederão lugar ao indivíduo, para se instalar no</p><p>isolamento, na privatização.</p><p>A segunda fase é marcada pela organização de grupos de convivência nos meios que</p><p>não pertenciam à corte e estavam acima das classes populares; tais grupos desenvolveram</p><p>uma verdadeira cultura de pequenas sociedades dedicadas à conversação, à correspondência e</p><p>à leitura em voz alta. Dedicavam-se também à dança e à música. Escolhiam lugares mais</p><p>isolados, longe do público, para terem mais privacidade. O Estado não pôde garantir, de fato,</p><p>todas as funções que reivindicava de direito. Um espaço misto continuou disponível.</p><p>Assim, na terceira fase outra forma de vida cotidiana invade o espaço social. A família</p><p>muda de sentido. Não é apenas, uma unidade econômica, em nome da qual tudo deve ser</p><p>sacrificado. Já não é uma prisão para os indivíduos, que só podiam encontrar liberdade fora da</p><p>família, domínio feminino. Tende a tornar-se um lugar de refúgio, um lugar seguro de atenção</p><p>e cuidados, um lugar de afetividade onde se estabelecem relações de sentimento entre o casal</p><p>e o filho, lugar de atenção à infância; mudaram as relações conjugais, baseadas no amor</p><p>romântico. O pai de família torna-se uma figura moral que inspira o respeito de toda a</p><p>sociedade.</p><p>Desenvolvendo novas funções, por um lado ela absorve o indivíduo, mantendo-o</p><p>próximo e cuidado, por outro, separa-se mais nitidamente que antes, do espaço público com o</p><p>qual se comunicava (ARIÈS; DUBY, 1991).</p><p>O pai de família torna-se uma figura moral que inspira o respeito de toda a sociedade.</p><p>Essas mudanças ainda oferecem grande resistência nos séculos XIX e XX. Essa problemática</p><p>reduz toda a história da vida privada a uma mudança na sociabilidade, à substituição de uma</p><p>sociabilidade anônima: a da rua, do pátio do castelo, da praça, da família, ou ainda com o</p><p>próprio indivíduo. A vida privada se confunde com a vida pública. As relações humanas</p><p>desempenhavam tal papel na informação, na escolha e na aplicação das decisões, que</p><p>favoreciam os reagrupamentos por afinidades, característicos da convivência deste período.</p><p>As amizades também eram favorecidas.</p><p>Com efeito, o século XVI é o de um intenso esforço de codificação e controle dos</p><p>comportamentos. Faz-se necessário submeter-se às normas de civilidade, isto é, uma conduta</p><p>social mais adequada às exigências de convivência da época. As regras da civilidade que se</p><p>34</p><p>impõem então podem ser compreendidas como uma manobra para limitar ou até mesmo negar</p><p>a vida privada (ARIÈS; DUBY, 1991).</p><p>O longo movimento de transformação dos comportamentos que se insere entre os</p><p>séculos XVI e segue até o século XVIII é no sentido de uma maior adequação às normas e de</p><p>uma uniformização imposta. Surgem edições de grande circulação, verdadeiros manuais que</p><p>servem como guias norteadores de conhecimento dos comportamentos, possibilitando</p><p>manuseios mais individuais e buscando uma audiência mais ampla que o público escolar: são</p><p>os tratados de civilidade. Para o uso de muitas pessoas, possibilitando manuseios mais</p><p>individuais. A civilidade busca uma audiência mais ampla que o público escolar.</p><p>As origens da literatura sobre a civilidade, tal como existiu do século XVI ao XVII,</p><p>sem grandes mudanças, são bastante complexas. Elas se ligam a três gêneros muito antigos.</p><p>Primeiro, aos tratados de cortesia propriamente ditos, muitos desses tratados foram redigidos</p><p>nos séculos XIV e XV em francês, inglês, italiano e mesmo em latim. Dirigiam-se a todos,</p><p>tanto aos clérigos como aos leigos.</p><p>Esses livros dirigiam-se às crianças e aos jovens:</p><p>Eles ensinavam a falar corretamente, a cumprimentar, a dobrar o joelho diante do</p><p>senhor, a não se sentar sem ter sido convidado, a responder às perguntas, entre tantas</p><p>outras condutas adequadas ao convívio social. (ARIÈS, 1981, p. 245).</p><p>A segunda fonte dos tratados de civilidade trata sobre as regras de moral comuns. Eles</p><p>ensinavam ao leitor, condutas de como deviam proceder, por exemplo, desconfiar das</p><p>mulheres, inclusive a própria, a não temer a morte, a dar um ofício aos filhos, não zombar dos</p><p>velhos, entre outros conselhos. Esses conselhos se ligavam ao que hoje consideraríamos uma</p><p>estranha moral ou um conformismo social: o que se deve e o que não se deve fazer em todas</p><p>as áreas, nas relações de um homem com sua mulher, seus criados, seus amigos, bem como na</p><p>conversação ou na conduta à mesa, tudo misturado e no mesmo nível. Mas, nesses conselhos,</p><p>em que vemos a pressão de convenções sociais triviais, nossos ancestrais reconheciam os</p><p>mandamentos da vida em comum, guardiães dos verdadeiros valores.</p><p>A terceira fonte dos tratados de civilidade foi sobre as artes de agradar ou as artes de</p><p>amar (ARIÈS, 1981). Os manuais de amor do século XVI, como o Roman de La Rose</p><p>2</p><p>é um</p><p>modelo do gênero. De maneira geral ensina que se deve evitar o ciúme, que o marido não é</p><p>2 O Roman de la Rose, “onde estão contidas todas as artes do amor”, foi uma das obras literárias mais lidas da</p><p>Idade Média. Um poema alegórico (que significa romance) composto no francês do século XIII, foi considerado</p><p>já no século XVI como um clássico nacional. As primeiras 4.058 linhas do poema foram escritas por Guilherme</p><p>de Lorris, por volta de 1230. Jean de Meun escreveu um acréscimo de 17.724 linhas por volta de 1275.</p><p>Disponível em: http://www.wdl.org/pt/item/593/ Acesso em: 18 Nov. 2014.</p><p>http://www.wdl.org/pt/item/593/</p><p>35</p><p>senhor de sua mulher,</p><p>que o amante deve instruir-se nas ciências e nas artes de agradar, que</p><p>não se deve maldizer, que se deve fazer saudações e responder a elas, não dizer grosserias,</p><p>evitar o orgulho, ser bem apessoado e elegante, alegre, generoso, e que se deve colocar o</p><p>coração num único lugar. São receitas para ganhar a simpatia das mulheres e de todos os</p><p>amigos para conviver no meio de uma sociedade numerosa e exigente.</p><p>Os tratados de cortesia, as regras de moral e as artes de amar concorriam para um</p><p>mesmo resultado: iniciava o rapaz (e às vezes a dama) na vida em sociedade, a única</p><p>conveniente fora dos claustros, uma vida em que tudo, tanto as coisas sérias como os jogos,</p><p>transcorriam diante dos contatos humanos e das conversações.</p><p>Essa literatura medieval, no século XVI, transformou-se e simplificou-se. Dela se</p><p>originariam dois gêneros, próximos no fundo, mas diferentes na forma: as civilidades e os</p><p>cortesãos, ou tratados sobre a arte de fazer sucesso na vida.</p><p>Todos os manuais de civilidade seriam reeditados um número infinito de vezes no</p><p>século XVIII e até mesmo no início do século XIX. Esta estratégia teve importantes</p><p>conseqüências para a sociedade.</p><p>O primeiro manual de civilidade foi o de Erasmo, que fundou o gênero. Todos os</p><p>manuais posteriores, e houve muitos, nele se inspiraram ou o imitaram servilmente, seriam</p><p>reeditadas um número infinito de vezes no século XVIII e até mesmo no início do século</p><p>XIX.</p><p>Os tratados de civilidade propunham padrões de comportamentos diferentes daqueles</p><p>até então conhecidos e adotados. O tratado de civilidade não era um livro escolar, mas</p><p>satisfazia uma necessidade de educação mais rigorosa do que a dos antigos livros de cortesia.</p><p>As circunstâncias, os progressos da escolarização, fizeram com que o manual de civilidade</p><p>fosse associado ao ensino das crianças pequenas, a suas primeiras lições de leitura e escrita.</p><p>Aprendia-se a ler e a escrever nesses manuais de civilidade. Os manuais ensinavam as línguas</p><p>vivas (francês e latim) que não eram lecionadas no colégio.</p><p>De fato, o conteúdo desses manuais de civilidade refletia os hábitos de uma época e</p><p>não era adequado às crianças. Tratavam de temas sobre os comportamentos que adultos</p><p>deveriam assumir frente a determinadas situações. Não havia uma diferenciação entre as</p><p>crianças e os adultos. Tudo se misturava quando eram introduzidas na sociedade.</p><p>No século XVI e na primeira metade do século XVII surge o Galatée. Os jesuítas o</p><p>haviam adotado. O Galatée ensinava as boas maneiras, como se vestir, como se comportar à</p><p>mesa, como caminhar pela rua, como se comportar com os criados, enfim como as pessoas se</p><p>36</p><p>devem comportar em sociedade. É um manual de conversação (ARIÈS, 1981). Outras edições</p><p>de tratados de civilidade surgiram no século XVI ao século XVIII, bastante semelhantes aos</p><p>anteriormente publicados.</p><p>Com a publicação e divulgação de tantas obras literárias, instruindo sobre as diferentes</p><p>formas de se comportar nas diferentes situações vividas, novos padrões de condutas aparecem</p><p>e o despertar de novas maneiras de pensar são incentivadas e, com elas surgem</p><p>questionamentos, ideias e ideais de transformação de uma sociedade, que já não atendia mais</p><p>às demandas daquela época. Reinvindicações são feitas em nome do estabelecimento de</p><p>outras possibilidades de vida em família e em sociedade. Descobertas, invenções colaboram</p><p>para o aquecimento destas mudanças.</p><p>Neste momento, farei uma breve pausa para visitarmos brevemente a família</p><p>brasileira. A família brasileira também foi afetada por todos estes processos. Demoraram a</p><p>chegar, mas se fizeram presentes. Durante muito tempo, a família brasileira foi sinônimo de</p><p>família patriarcal e este sinônimo de família extensa, como observamos na história da família</p><p>em ouros lugares (CORRÊA, 1982). Tal rótulo não era representativo de uma família</p><p>denominada brasileira, pois existiam outras formas de composição familiar no Brasil mesmo</p><p>no século XIX (SAMARA, 1983).</p><p>Era uma instituição vertical, baseada no parentesco, lealdades pessoais e</p><p>territorialidade. A base dessa estrutura, segundo Kuznesof (1988) era o parentesco, o</p><p>parentesco ritual, a ajuda mútua, a troca e o clientismo. Os casamentos endogâmicos, tanto da</p><p>elite como das classes populares, preservaram a propriedade e consolidaram as posses. No fim</p><p>do Século XX, tornaram-se mais comum no Brasil os casamentos exogâmicos até como</p><p>resposta às transformações socioeconômicas que ocorriam nessa época. Tornaram-se as</p><p>famílias mais horizontais do que verticais. A base da maioria das famílias foi formada pela</p><p>miscigenação, que ocorreu através dos casamentos.</p><p>Figueira (1986 apud CERVENY, 2001, p. 43) define a família dessa época como uma</p><p>“família hierárquica, no sentido de relativamente organizada em termos de papéis masculinos</p><p>e femininos, adulto e criança”.</p><p>O Renascimento estabelecia um novo paradigma para a percepção do mundo, da</p><p>sociedade e da história, abrindo um caminho para os questionamentos dos dogmas</p><p>estabelecidos pela Igreja durante a Idade Média. Os teóricos políticos do século XVII</p><p>realizaram a secularização, separando o pensamento político do pensamento religioso. A</p><p>37</p><p>separação entre Igreja e Estado ocorreu, eliminando a religião da vida pública, removendo</p><p>todas as sanções religiosas da política (ARAÚJO, 2007).</p><p>Com o surgimento do Iluminismo, no século XVIII, movimento também conhecido</p><p>como “Idade das Luzes e da Razão”, os questionamentos do Renascimento serão levados</p><p>adiante com muita efervescência. “A Revolução foi inspirada pelas ideias iluministas, que</p><p>revolucionaram o mundo. O lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” ecoou por toda parte,</p><p>pondo abaixo regimes absolutistas e possibilitando a ascensão dos valores burgueses” (LINS,</p><p>2012, p.77).</p><p>Os dois processos históricos: Renascimento e Iluminismo apontavam para as grandes</p><p>transformações no futuro, contudo colidiram com a monarquia absoluta e a sociedade</p><p>aristocrática, heranças do passado. Mas, esta não foi uma razão suficiente para impedir</p><p>progressos, resultantes destas ideias.</p><p>Portanto, porta-voz dos novos tempos, o Iluminismo projetou, com as luzes da razão,</p><p>as propostas em que se basearia a sociedade prestes a se consolidar: buscou-se a realização da</p><p>igualdade de direitos, bem-estar econômico e social, por meio da democracia política,</p><p>liberdade de pensamento, o Estado constitucional, democracia representativa, livre escolha</p><p>dos governantes, o domínio científico da natureza, um complexo de instituições econômicas,</p><p>em especial a produção industrial e a economia de mercado. Houve um maior incentivo em</p><p>privilegiar mais o indivíduo, com seus valores e capacidades do que sua posição social,</p><p>gênero ou idade, bem como, a universalidade e a autonomia, a centralidade no indivíduo e</p><p>não, do grupo como sujeito de direitos e de decisões, a conquista da liberdade subjetiva</p><p>assegurada pelo direito privado, pela valorização da consciência dos direitos fundamentais,</p><p>decisivos para uma autêntica promoção humana. Emergiu o sujeito autônomo, que se</p><p>posicionou ativamente diante do mundo e transformou a sociedade a serviço dos seus</p><p>interesses, movido por uma construção mental que orientou esta transformação.</p><p>Por universalismo pode-se pensar que o mundo moderno propôs então, não haver mais</p><p>diferenças étnicas, religiosas ou culturais.</p><p>Conforme os estudos de Koltai (2009), o ser humano passou a ser visto em suas</p><p>necessidades individuais e, assim um ser pensante, com autonomia de pensamento, correndo o</p><p>risco de seu próprio pensamento, sem domínio da religião ou de ideologias. O surgimento e a</p><p>disseminação rápida da sociedade de consumo e, depois, a sociedade de informação</p><p>contribuíram para o nascimento do individualismo, o pluralismo e a ideologia, a</p><p>realimentação mútua entre ciência e tecnologia (informática na saúde, na educação, nas</p><p>38</p><p>pesquisas, em tudo), a</p><p>burocratização e a organização política da sociedade. Na sociedade</p><p>moderna, a referência primeira e última tornou-se o indivíduo, como medida inclusive do que</p><p>está além de si mesmo. “De fato, é com a Modernidade que emerge de maneira explícita, forte</p><p>e avassaladora essa onda individualista autocentrada” (ARAÚJO, 2007).</p><p>Na Europa, o século XVIII representa o momento no qual essa luta entre o novo e o</p><p>antigo atingiu seu limiar. Fortalecida com a Revolução Industrial, a burguesia seria a grande</p><p>protagonista dessa era de transformações. Todos esses movimentos trouxeram, também,</p><p>modificações muito importantes para as questões familiares, sob os mais diferentes aspectos,</p><p>possibilitando o desenvolvimento de padrões e condutas muito distintas daquelas até então</p><p>propostas e praticadas como modelos ideais, promovendo o desenvolvimento de outra</p><p>realidade familiar.</p><p>A família de características hierarquizadas foi mudando, deixando para trás as bases</p><p>nas quais foi construída, dando lugar a uma nova família. Comportamentos são modificados,</p><p>homens e mulheres mantêm a mesma diferença, não só de sexo, como de gênero, ganhou-se o</p><p>espaço privado, retirando-se do público aos poucos, as crianças passam a ter um lugar no seio</p><p>da família, com o auxilio da Medicina Higienista, mudam as relações conjugais, baseadas no</p><p>amor romântico, surge a família burguesa, com características de família nuclear: pai, mãe e</p><p>filhos, que perdurará até os nossos dias.</p><p>Desta forma, com a Revolução, a França do Iluminismo, depois de 1815, cria novas</p><p>formas de vida pública, exigindo a presença, exclusiva, da população masculina. A sede era</p><p>exterior à residência familiar, situando-se de início, num lugar público, em geral em uma</p><p>taberna ou em um café e, a partir do começo do século XIX num local fechado, onde só os</p><p>membros tinham acesso. O objetivo era especializar-se na reflexão política ou nas discussões</p><p>literárias, ou mais ainda nos lazeres das classes mais abastadas. As mulheres, ainda,</p><p>continuavam impedidas de exercer algumas atividades, somente aquelas aprovadas pela</p><p>sociedade vigente. Quando muito podiam ter as suas lojas, os seus clubes, as suas pequenas</p><p>mercearias ou lojinhas de roupas femininas, mas sempre à parte, e essa exclusão sistemática</p><p>sugeria outra dimensão de tais associações. A esfera feminina era o universo privado e</p><p>fechado, ao contrário do marido que podia conquistar o mundo exterior, antes de voltar para a</p><p>tranquilidade do lar.</p><p>O modelo burguês de família pressupunha que o papel do homem, enquanto marido e</p><p>pai, era o de provedor, que saía para trabalhar, a fim de obter os meios de subsistência da</p><p>família, enquanto o da mulher, esposa e mãe, era o de a “rainha do lar”, a “dona-de-casa-mãe-</p><p>39</p><p>de-família”, responsável pelos cuidados da casa, pelo preparo dos alimentos e pela educação</p><p>dos filhos. Esta imagem de esposa e mãe era arraigada pela Igreja e pela sociedade civil</p><p>(ARCHANJO, 2004).</p><p>Estabelece-se um novo modelo de sociabilidade restrita, e se libera das obrigações dos</p><p>laços familiares e de amizade. Estabelecem um código de conduta idêntico a todos os</p><p>membros, sem distinções. Homens e mulheres mantiveram a mesma diferença, não só de</p><p>sexo, como de gênero.</p><p>Essa nova forma de sociabilidade pressupõe uma opção pelo isolamento, pela</p><p>segregação, ao preço de uma dupla ruptura: com a família, mas também com essa mistura de</p><p>sexos (homens e mulheres) e idades (crianças e adultos). Traz em suas marcas de origem, sua</p><p>natureza exclusivamente masculina, em nome de uma estrita separação dos sexos. As</p><p>mulheres podiam ter suas lojas ou seus clubes, mas sempre à parte, e essa exclusão</p><p>sistemática sugere outra dimensão de tais associações.</p><p>A justificativa para tal comportamento estava em proteger os bons costumes contra a</p><p>tentação provocada pelas mulheres, já que este grupo congregava celibatários e homens que</p><p>viajavam sozinhos. Além disto, a divisão de tarefas e espaços, confinando as mulheres ao lar,</p><p>impedindo-as de frequentar lugares públicos, onde os homens se reuniam, a submissão à</p><p>autoridade paterna ou à do marido, a falta de qualificação profissional (que lhes vedavam o</p><p>acesso às profissões), o lhes permitiria que se organizassem em associações, relegava as</p><p>mulheres a um lugar secundário, inferior, sem importância, sem direitos, mas com muitos</p><p>deveres.</p><p>É evidente o desejo dos homens de se encontrarem sozinhos para atividades de jogos,</p><p>discussões literárias, sem ter que compartilhar seus momentos de prazer com quem não</p><p>desejassem (ARIÈS; DUBY, 1991). Cultivou-se a privacidade e acentuou-se o afastamento do</p><p>grupo familiar da sociedade. (Lins, 2012).</p><p>Presenciamos desta forma, o estabelecimento de comportamentos bastante</p><p>individualistas e egoístas, estabelecidos pelos interesses dos próprios homens, afastando-os do</p><p>convívio familiar e, relegando à mulher um lugar de total submissão em todos os aspectos.</p><p>Os homens da burguesia, orgulhosos de seus êxitos no comércio e nos negócios,</p><p>confiantes em suas aspirações religiosas, criaram um mundo novo à sua imagem; essa</p><p>imagem estabelecia uma enorme diferença entre a esfera masculina e a esfera feminina. A</p><p>força dessas ideias residia não só no compromisso religioso, mas também numa</p><p>40</p><p>transformação das condições materiais da vida, que apenas acentuava uma divisão de trabalho</p><p>mais nítida entre os sexos (ARIÈS; DUBY, 1991).</p><p>Os negócios e o comércio tornavam-se um campo cada vez mais masculino; as</p><p>mulheres se ocupariam apenas de pequenas mercearias ou lojinhas de roupas femininas. Elas</p><p>eram incentivadas a permanecer dentro de casa, dedicando-se, exclusivamente, ao marido e</p><p>aos filhos. Sua esfera é o universo privado e fechado, ao contrário do marido que conquista o</p><p>mundo exterior, antes de voltar para a tranquilidade do lar. Cultiva-se a privacidade e acentua-</p><p>se o afastamento do grupo familiar da sociedade (LINS, 2012).</p><p>O casamento por amor? Apenas no século XIX. O casamento por amor passa a ser</p><p>defendido abertamente no século XIX, quando as transformações econômicas, advindas</p><p>destes movimentos todos, permitiram as condições materiais necessárias para uma liberação</p><p>da escolha conjugal, fundamentada no amor conjugal, possibilitando à realização pessoal na</p><p>união conjugal. Os conceitos de igualdade passaram a predominar contribuindo para isso o</p><p>surgimento de uma nova perspectiva sobre o amor, a intimidade, o respeito, o desempenho</p><p>dos papéis e das funções masculinas e femininas, as questões de poder na relação do casal, as</p><p>questões de gênero, começam a ser revisitados e observados de forma significativa, com</p><p>outras lentes, propiciando o surgimento de novos modelos de comportamento.</p><p>Com esta nova perspectiva, ou seja, valorizar a importância do amor e do sexo no</p><p>casamento, ocorre o que Shorter (1995) definiu como a primeira revolução sexual e também</p><p>um surto de sentimento. De acordo com o mesmo autor, isto acaba por promover mudanças</p><p>profundas na família com características tradicionais e, desenvolvendo-se em três áreas:</p><p>primeiramente o namoro, caracterizado pela busca de felicidade, desenvolvimento individual,</p><p>possibilidade de escolha, liberdade do controle da comunidade e a possibilidade em realizar</p><p>ambições pessoais; depois na relação mãe-bebê, que passou a se caracterizar pelo bem-estar</p><p>do bebê acima de tudo; e por último na mudança da relação entre a família e a comunidade</p><p>circundante, na qual os laços entre os membros da família reforçaram-se, caracterizando a</p><p>domesticidade, definindo, desta maneira, até o século XX a divisão entre público e privado. A</p><p>crença moderna sustenta-se no progresso e na razão.</p><p>Começa a se delinear a esposa do século XIX: casta, dessexualizada, maternal, capaz</p><p>de resistir aos avanços masculinos. Relações extraconjugais geram um sentimento de</p><p>vergonha. Esse duplo padrão burguês está ligado a uma moral de repressão e do autocontrole</p><p>amplamente</p><p>difundida pelos livros de civilidade e de boas maneiras (LINS, 2012).</p><p>41</p><p>Mudanças continuaram acontecendo e tornaram-se mais visíveis, após a Revolução</p><p>Industrial, nas décadas de 1830 a 1850 e as questões sociais, na década de 1860 e de ordem</p><p>econômica e como consequência deles, este modelo foi se transformando. No modelo da</p><p>família tradicional, há uma clara distinção dos papéis segundo o gênero e a geração. Em</p><p>outras palavras, homem e mulher se percebem intrinsecamente diferentes, assim como pais e</p><p>filhos. Há regras claramente definidas para cada um com base em seus papéis, sendo as</p><p>fronteiras entre situações e pessoas pouco ambíguas. A identidade de seus membros é</p><p>posicional. Dessa forma, os pais têm autoridade sobre os filhos e mantêm com eles relações</p><p>mais distantes e pautadas na hierarquia. Este modelo familiar pode ser resumido em</p><p>hierarquia, desigualdade e privilégios (STENGEL, 2011).</p><p>Assim, a família de características hierárquicas vai se estruturando como uma família</p><p>onde os conceitos de igualdade passaram a predominar, contribuindo para isso o surgimento</p><p>de uma nova perspectiva sobre as questões de gênero. Fatores emocionais e culturais, bem</p><p>como o desenvolvimento da medicina, contribuíram para que os pais responsabilizam-se por</p><p>seus filhos. Esta nova família que, como citamos anteriormente, passa a habitar sozinha um</p><p>espaço, consegue estabelecer uma separação adequada de suas famílias de origem, com as</p><p>quais mantêm relações afetivas, mas não de dependência.</p><p>Também na década de 1960, acontece a descoberta da pílula anticoncepcional, quando</p><p>finalmente, a mulher passa a poder controlar a procriação de forma mais segura, permitindo-</p><p>lhe obter prazer nas relações sexuais, sem associá-la a gravidez, o que também lhe possibilita</p><p>conquistar novos espaços fora de casa e entrar no mercado de trabalho. A sexualidade passa a</p><p>ser percebida com maior naturalidade e a questão da fidelidade torna-se um compromisso</p><p>compartilhado pelo casal, porém com mais possibilidades de ser rompida por ambos os</p><p>cônjuges, tornando as uniões menos duradouras (BUCHER, 1999; MELER; VAITSMAN,</p><p>1994).</p><p>Vários aspectos vão sendo transformados ou conquistados, tais como a busca por</p><p>decisões compartilhadas, não somente sobre as questões dos filhos, mas também nas</p><p>atividades administrativas e financeiras da família. Os direitos e deveres, gradativamente, vão</p><p>se tornando recíprocos. As relações entre pais e filhos modificam-se, havendo uma maior</p><p>possibilidade de diálogo entre as gerações, com expressões de afeto mais explícitas. Em seu</p><p>processo evolutivo, a família também modificou-se quanto ao número de membros</p><p>pertencentes ao sistema: de uma família extensa do início do século XX, passou a ser, na</p><p>42</p><p>segunda metade desse século, uma família denominada nuclear, onde, preferentemente,</p><p>convivem pais e filhos.</p><p>A contribuição do movimento feminista foi muito importante para que estes processos</p><p>ocorressem (HINTZ, 2001). Entre as transformações que vêm ocorrendo desde o século XIX,</p><p>podemos citar: o reconhecimento da criança como tal e os cuidados dedicados a ela, a imagem</p><p>da mulher desvinculdada tão somente da maternidade, resultante das discussões sobre a</p><p>igualdade de gêneros, mudança na relação entre pais e filhos, com liberdade de expressão,</p><p>possibilidade de dissolução do matrimônio, ou seja, liberdade de escolha, mudança no papel</p><p>social da mulher, inserção cada vez maior na vida profissional, entre outras (PONCIANO,</p><p>2002).</p><p>A família moderna nasce como o lugar privilegiado, que possibilita a intimidade, antes</p><p>tão proibida e censurada, sendo também o agente a quem a sociedade confia a tarefa da</p><p>transmissão da cultura, entre outras, consolidando-a na personalidade.</p><p>Esta fase foi denominada por Ariès (1981) como a fase da “domesticidade” da</p><p>“família moderna”. Uma fase onde os membros da “família moderna” preferiram os cuidados</p><p>com a família e com a casa, incluindo horário para as refeições, as relações de afeto e</p><p>intimidade entre os seus membros, a organização da vida familiar de maneira mais privativa,</p><p>distante das demais pessoas definindo, desta maneira, até o século XX a divisão entre público</p><p>e privado.</p><p>A expressão “lar doce lar” sintetizou esta nova forma de relacionamento, onde os</p><p>membros da família puderam sentir-se acolhidos, amados, protegidos longe dos olhares</p><p>alheios. O lar tornou-se um “ninho” quentinho que abrigava e aguardava o retorno dos seus</p><p>membros. Percebeu-se uma mudança no sentimento compartilhado por pais e filhos, em</p><p>especial por mãe e filhos, e no sentimento compartilhado pelo casal, homem e mulher.</p><p>O distanciamento da família conjugal em relação à comunidade circundante formada</p><p>por amigos e vizinhos também alteraria a relação com os parentes mais próximos com os</p><p>quais estabeleceriam laços mais estreitos. Esta nova família que, como citamos</p><p>anteriormente, passou a habitar sozinha num espaço, conseguiu estabelecer uma separação</p><p>adequada de suas famílias de origem, com as quais mantinha relações afetivas, mas não de</p><p>dependência.</p><p>Não resta dúvida que a Modernidade trouxe grandes conquistas nas diferentes áreas da</p><p>vida humana. Isto é inegável. Favoreceu a construção de um mundo mais democrático, onde</p><p>os direitos humanos devem ser respeitados. Criou um campo fértil para as mudanças nos</p><p>43</p><p>comportamentos individuais e, logo familiares. As mulheres ganharam um espaço, como em</p><p>nenhum outro momento da história. Massacradas por determinações moralistas, religiosas e</p><p>culturais, subjugadas pelo machismo exacerbado, impedidas de viver o que tinham direito,</p><p>podem neste momento, começar a vislumbrar uma luz no final do túnel.</p><p>A sociedade muda, fruto da mudança cultural proporcionada pela Modernidade. Há</p><p>uma valorização da subjetividade, da livre escolha pessoal, da liberdade e da consciência dos</p><p>direitos fundamentais, decisivos para uma autêntica promoção humana. Emerge o sujeito</p><p>autônomo, que se posiciona ativamente diante do mundo e transforma a natureza e a</p><p>sociedade a serviço dos seus interesses, movido por uma construção mental que orienta esta</p><p>transformação.</p><p>Como expressão disso surge o sujeito empreendedor e a ciência produtora de</p><p>tecnologia. Com a sociedade moderna, temos uma organização social que acentua o</p><p>isolamento dos indivíduos, incentiva um comportamento que leva ao egoísmo e coloca as</p><p>pessoas numa competição estressante, especialmente nas áreas urbanas. Com as descobertas</p><p>científicas, sobretudo dos meios de comunicação social e dos transportes, o mundo passou a</p><p>ser uma aldeia global. A economia se globalizou, o lucro e o consumismo ganharam muita</p><p>força.</p><p>Com todas estas mudanças, surgiu um pluralismo de modelos morais e religiosos e, ao</p><p>mesmo tempo, a incredulidade e a secularização foram ganhando terreno. Outra marca da</p><p>Modernidade é racionalidade científico-tecnológica, que se enveredou por um caminho</p><p>irreversível. Como expressão destas transformações que ocorreram na Modernidade surgiu o</p><p>sujeito empreendedor e a ciência produtora de tecnologia. A racionalidade científico-</p><p>tecnológica enveredou por um caminho irreversível. O progresso científico ilimitado e o</p><p>desenvolvimento tecnológico vieram para ficar, permitindo um melhor bem-estar à sociedade,</p><p>bem como o aparecimento de novos comportamentos individuais e familiares.</p><p>Contudo, a roda da vida não para e, este momento histórico dará lugar a outro,</p><p>paulatinamente. O século XX é o século do declínio da Modernidade, mesmo sendo o das</p><p>conquistas da técnica.</p><p>Esses dados históricos são importantes para pensarmos a base sobre a qual Freud</p><p>construiu seu arcabouço teórico, tanto no que concerne às relações parentais, de um modo</p><p>geral, e ao complexo de Édipo, em particular, como eles são também fundamentais para uma</p><p>explicitação dos sentidos não só aparentes, mas também latentes, de um grupo familiar. A</p><p>escuta das expressões</p><p>de sofrimento das suas pacientes histéricas, no final do século XIX,</p><p>44</p><p>possibilitaram à Freud investigar a origem das neuroses e inventar a Psicanálise. Foi no auge</p><p>da família burguesa, onde germinaram as modalidades modernas de mal estar, que Freud</p><p>associou às exigências da monogamia, às restrições sexuais impostas, sobretudo, às mulheres,</p><p>à claustrofobia doméstica (KEHL, 2003). “É a história, o passado, que mais uma vez nos</p><p>auxilia a reconhecer o presente” (PASSOS, 2005, p.16).</p><p>Portanto, “a família burguesa tradicional, modelo de família, que perdurou por mais de</p><p>um século e, que ficou no coletivo imaginário como modelo de família, sofreu inúmeras</p><p>transformações” (MACEDO, 1994, p.63).</p><p>De acordo com esta última autora:</p><p>É nesse momento que a família atinge sua máxima importância, transformando-se</p><p>em bastião do desenvolvimento e transmissão dos valores morais, sociais e</p><p>religiosos, responsáveis pela criação de cidadãos saudáveis, dignos e honrados. Os</p><p>papéis paternos e maternos são cada vez mais importantes e, novos desafios são</p><p>constantemente lançados para todos os membros da família em cada momento da</p><p>história. (MACEDO et al., 2011, p.11).</p><p>As mudanças ocorridas durante o final do século XIX e ao longo da primeira metade</p><p>do século XX, após as duas grandes Guerras Mundiais e a Revolução Industrial, por</p><p>influências sociais, políticas e econômicas, tiveram implicações diretas nas famílias da</p><p>segunda metade do século XX. Os alicerces que sustentavam o modelo de família moderna</p><p>(nuclearidade, domesticidade, amor romântico e forte divisão dos papéis sociais) foram</p><p>abalados.</p><p>A Europa estava pagando um preço alto. Presenciou-se violências extremas do nazi-</p><p>fascismo, do comunismo e mesmo do capitalismo liberal, tendo consequências devastadoras</p><p>para centenas de milhões de pessoas, como a pobreza. Esses movimentos sociais de 1968</p><p>teriam sido os últimos, ligados, ainda, aos grandes movimentos sociais do século XIX e XX, e</p><p>por outro lado, o primeiro dos novos movimentos sociais, no sentido de dar vazão a</p><p>reivindicações menos políticas e mais existenciais, baseada em mais liberdade individual do</p><p>que na sociedade (KOLTAI, 2014).</p><p>De acordo com Araújo:</p><p>[...] a Primeira Guerra Mundial colocou em marcha a revolução global que se</p><p>tornaria explícita após a Segunda Guerra: a mudança do paradigma eurocêntrico de</p><p>Modernidade, que tinha uma marca colonialista, imperialista e capitalista. O novo</p><p>paradigma que começava a se desenvolver, o da Pós-Modernidade, seria global,</p><p>policêntrico e de orientação ecumênica. (ARAÚJO, 2007, p.110).</p><p>45</p><p>O caos global das duas grandes guerras tornou evidente que os principais valores da</p><p>Modernidade estavam em crise. A crença na razão, no progresso, no nacionalismo, no</p><p>capitalismo e no socialismo fracassara. O século XX tornou-se o século do declínio da</p><p>Modernidade, mesmo sendo o das conquistas da tecnologia.</p><p>A Pós-Modernidade é um período histórico, economicamente marcado pelo</p><p>capitalismo, pela economia neoliberal, individualismo exacerbado, cultura do hedonismo,</p><p>egoísmo radical, delírio consumista, desinteresse por tudo que diz respeito ao social, ao</p><p>desenvolvimento político e da política (KOLTAI, 2014). Tende à elaboração, o ecletismo, a</p><p>ornamentação, e inclusão, que rejeita a existência de uma realidade absoluta e é</p><p>profundamente desconfiado do conceito de progresso humano (DOHERTY, 1991).</p><p>Este novo paradigma da Pós-Modernidade é um período histórico, o qual “[...]</p><p>procurou a desconstrução da linguagem, relativizando o próprio significado dos discursos.</p><p>Caracterizou-se também pela incerteza, insegurança e dúvida. Foi moldado pela mobilidade e</p><p>pela facilidade ao acesso a notícias e entretenimentos” (O'HARE; ANDERSON, 1991).</p><p>Houve uma busca de um pensamento antiautoritário e iconoclasta, que insistiu na</p><p>autenticidade de outras vozes, celebrando a diferença, a descentralização e a democratização</p><p>(ARAÚJO, 2007).</p><p>Caracterizou-se também por uma crise aguda da ética, com a presença marcante de um</p><p>excesso de narcisismo, da flexibilidade de costumes, da permissividade, uma fragmentação</p><p>religiosa (ecletismo), a desilusão com os pressupostos otimistas de progresso humano e com a</p><p>universalidade e a regularidade das leis da ciência, portanto, a falta de fé na ordem</p><p>previamente estabelecida (DOHERTY, 1991).</p><p>Reconhece e legitima experiência particular de grupos e indivíduos, rejeitando as</p><p>totalidades em geral, inclusive a de um estilo único de vida (GRANDESSO, 2008). Há um</p><p>desaparecimento de dogmas e princípios fixos: agnosticismo, desenvolve-se um acentuado</p><p>subjetivismo pautado, agora, não pela razão, mas pelo sentimento e pela emoção, pluralidade</p><p>de verdades e valores, uma pluralidade ideológica e cultural, numa proliferação do</p><p>relativismo, sob a égide do “não existe nada de absoluto”, do “vale tudo”. Com isso,</p><p>mergulhamos no campo do efêmero, do instável, do banal, do “viver cada instante”, do “viver</p><p>o aqui e agora” à margem de toda moral (GERVILLA, 1993, p.137).</p><p>Caracteriza-se também por uma crise aguda da ética, com um narcisismo, flexibilidade</p><p>de costumes, permissividade e uma fragmentação religiosa. Há uma busca de um pensamento</p><p>antiautoritário e iconoclasta, que insiste na autenticidade de outras vozes, que celebra a</p><p>46</p><p>diferença, a descentralização e a democratização. Procura a desconstrução da linguagem,</p><p>relativizando o próprio significado dos discursos. Caracteriza-se também pela incerteza,</p><p>insegurança e dúvida (ARAÚJO, 2007).</p><p>É moldada pela democracia, a liberdade religiosa, a mobilidade e pela facilidade ao</p><p>acesso a notícias e entretenimentos. Neste mundo Pós- Moderno podemos ver que existem</p><p>muitas crenças, múltiplas realidades e uma profusão emocionante, mas difícil, de visões de</p><p>mundo, uma sociedade que perdeu sua fé na verdade absoluta e em que as pessoas têm de</p><p>escolher em que acreditar. A verdade não é a questão. A questão é o poder (O'HARE e</p><p>ANDERSON, 1991). No âmbito do individual, suscitou-se um maior apreço pelo corpo, pela</p><p>aparência física, valorizando-se e muito este aspecto. O feminismo promove a libertação da</p><p>mulher da tutela masculina e a emergência social da identidade feminina, fenômeno que</p><p>aponta para uma redefinição da própria identidade masculina com relação aos seus papéis</p><p>(PONCIANO, 2002).</p><p>Os meios de comunicação desenvolveram-se bastante e, graças à internet</p><p>desempenham um papel-chave no mundo de hoje. Permitem reduzir as separações que podem</p><p>ser impostas entre as pessoas, seja pela distância física, seja pelas barreiras sociais,</p><p>promovendo a intimidade anônima através de aparelhos eletrônicos. As novas técnicas de</p><p>comunicação nos aproximaram uns dos outros, dando-nos a percepção de pertencermos ao</p><p>mesmo espaço físico, sem distância. As ciências da informática e da engenharia genética de</p><p>ponta proporcionam recursos e facilitações inauditas para a vida humana (ARAÚJO, 2007).</p><p>Os impactos dos avanços na Medicina, também, contribuíram para que essas</p><p>mudanças ocorressem nas famílias. Entre elas, está a possibilidade em limitar o número de</p><p>filhos e a mulher, de certa forma, passou a deter o monopólio da maternidade, escolhendo</p><p>quando, com quem e de que forma (produção independente, técnicas de reprodução assistida</p><p>com doação de esperma), trazendo implicações diretas no tamanho e na estrutura da família.</p><p>Distâncias foram encurtadas e o mundo com os mais diversificados produtos, se</p><p>apresenta bem perto de nós. Despeja-nos, de forma acintosa, uma avalanche de produtos,</p><p>mercadorias, ideias e ideais, promovendo pensamentos, comportamentos, modas, amizades,</p><p>viagens e desejos, em função dos mesmos. A mídia faz uso da publicidade não só para vender</p><p>mercadorias, mas também para oferecer política, religião, cultura, sexo, como bens de</p><p>consumo. Embalados, sobretudo, pelos meios de comunicação social, há um mimetismo do</p><p>que está</p><p>na crista da onda, colocando como valores o dinheiro, a juventude, o sexo, o culto ao</p><p>corpo, o hedonismo e o narcisismo (ARAÚJO, 2007).</p><p>47</p><p>O risco que corremos, é grande, em não prestar a atenção a tudo isto que nos é</p><p>oferecido e de certa forma “jogado” sobre nós. As mudanças não páram. O novo logo fica</p><p>velho. Tudo é praticamente descartável. Amontoam-se lixos de toda sorte. Que ideias e ideais</p><p>estão nos oferecendo? Vivemos a dinâmica de uma sociedade do descartável que significa</p><p>mais do que jogar fora bens produzidos, criando um monumental problema sobre o que fazer</p><p>com o lixo, mas também ser capaz de atirar fora “valores, estilos de vida, relacionamentos</p><p>estáveis entre as pessoas e modos adquiridos de ser e de agir” (ARAÚJO, 2007, 174).</p><p>Mais de trinta anos atrás, Mills (1968) descreveu o período pós-moderno como aquele</p><p>em que a economia iria mudar de um cenário fortemente industrial, para um cenário de</p><p>prestação de serviços e o surgimento de novos setores industriais. Ele previu o surgimento de</p><p>empresas multinacionais, o problema no sistema de bem-estar social, entre outros. Naquela</p><p>época, ele se perguntou como a família iria responder e adaptar-se a este novo período na</p><p>história do mundo.</p><p>Essa mudança da Modernidade para a Pós-Modernidade afetou diretamente a família,</p><p>instituição histórica, social, que sempre existiu e existirá. Alguns fatores contribuíram</p><p>significativamente para que essas mudanças ocorressem no formato das famílias na virada do</p><p>século XXI, principalmente, a saída da mulher para o mercado de trabalho, logo as</p><p>implicações disto na educação dos filhos, no controle da natalidade e no enfraquecimento dos</p><p>laços de parentesco. A mulher tornou-se a principal protagonista das mudanças na família, nas</p><p>últimas décadas do século XX. Há um esforço atual, em curso para refazer a vida familiar</p><p>contemporânea, a família pós- moderna tão impactada por tantas transformações (KOLTAI</p><p>2014; NASCIMENTO, 2013)</p><p>Estas mudanças são observadas por todos nós, invariavelmente, de um jeito ou de</p><p>outro. Elas afetam os seres humanos de uma forma muito significativa. Essa miríade de</p><p>transformações, em curso, traz para o dia a dia das pessoas questões muito relevantes, gerando</p><p>inúmeras perguntas, às vezes com expressões interrogativas, outras exclamativas, como:</p><p>”Antigamente, não era assim!”; “Não entendo mais nada!”; “Está tudo de cabeça para</p><p>baixo!”; “O que fazer?”; “O que é certo ou errado?”; “O que é isso que está acontecendo?”;</p><p>“No meu tempo, naquela época!”. Angústia, ansiedade, insegurança aumentam, pois não se</p><p>sabe como fazer, quando fazer e o que fazer? A incerteza tomou conta, de quase todos os</p><p>âmbitos da vida das pessoas: pessoal, familiar, profissional, afetivo. Essas mudanças são</p><p>percebidas pelas pessoas das mais diferentes faixas etárias e condição social, econômica e</p><p>cultural.</p><p>48</p><p>Parece que saímos de um sono profundo, que acontecia num lugar bem conhecido e</p><p>aparentemente dominado por nós e, estamos despertando em outro lugar chamado Pós-</p><p>Modernidade, lugar este que “padrões universais e oficiais de verdade, objetividade,</p><p>racionalidade e moralidade vêm sendo crescentemente questionados, resultando numa</p><p>constante convivência com a insegurança e, por que não dizer, com a desesperança para os</p><p>que acreditavam que o progresso da ciência tradicional poderia favorecer o alcance da</p><p>felicidade para pessoas em geral, famílias e casais” (GRANDESSO, 2008, p.6).</p><p>Ainda como aponta esta mesma autora (p.6), é lugar comum, nos discursos do</p><p>cotidiano, afirmar que vivemos uma época de mudança de paradigma. “Não apenas as</p><p>ideologias e tradições são questionadas e postas em xeque, mas também todas as formas de</p><p>organização da vida humana, incluindo a vida em família e a família como instituição”.</p><p>Essas mudanças de comportamentos estão sendo vivenciadas por todos nós, por meio</p><p>das relações que estabelecemos com as outras pessoas nos diferentes contextos, nos quais</p><p>estamos inseridos: vida familiar, trabalho, amigos, escola e outras tantas instituições que</p><p>frequentamos.</p><p>O que observamos então, é que a família sente a refração em si mesma deste</p><p>individualismo exacerbado, fazendo com que cada vez mais se façam ouvir os clamores,</p><p>muitas vezes nostálgicos, pela volta dos valores tradicionais, pelo respeito aos mais velhos,</p><p>pelo compromisso com o outro. Não parece suficiente atribuir esta pseudo desagregação</p><p>familiar a fatores de ordem apenas socioeconômicos, tais como o ingresso das mulheres no</p><p>mercado de trabalho ou à revolução sexual. É preciso mergulhar nas águas da nossa atual</p><p>cultura, onde encontraremos o indivíduo mais valorizado do que a comunidade; nossos laços</p><p>estabelecidos mais em função de uma satisfação pessoal do que de alianças e de tradições.</p><p>Nossas identidades negociadas e apoiadas no corpo, na etnia, na indumentária, na preferência</p><p>sexual, do que na cadeia das filiações simbólicas e geracionais e nas tradições (VILHENA,</p><p>2005).</p><p>Na década de 1970, Shorter (1995) pode ter sido o primeiro a descrever a família pós-</p><p>moderna emergente. Ele observou três características importantes: a indiferença do</p><p>adolescente à identidade da família, instabilidade na vida dos casais, acompanhado pelo</p><p>aumento das taxas de divórcio e da destruição do ninho, noção de convivência em família</p><p>nuclear, como consequência da libertação das mulheres. Vejam que o que foi observado na</p><p>década de 1970 por este autor é tão atual nos dias de hoje, no século XXI.</p><p>49</p><p>O que se pode chamar de família pós- moderna para Grandesso (2008, p.8) “é a</p><p>coexistência de distintas possibilidades, apoiadas na crença de que viver bem não depende de</p><p>uma forma padrão”. A nova mulher e o novo homem participam hoje de uma nova</p><p>coreografia, definindo distintos arranjos não só para suas relações afetivo-sexuais, mas para a</p><p>relação de cuidado e convivência com os filhos que geram.</p><p>Seguindo essa mesma linha de pensamento Rosemberg (2010) afirma que o modelo</p><p>tradicional de família virou raridade e aumentam os novos arranjos somando “os meus, os</p><p>seus, os nossos”. Talvez a convivência seja o maior de todos os desafios para a família. É</p><p>preciso um momento de encontro diário para pôr a conversa em dia. Pode ser fazendo uma</p><p>refeição juntos, criando um espaço para ouvir o outro sem ficar pegando no pé. Assim é que a</p><p>intimidade vai se instalando.</p><p>Há um esforço atual, em curso, para refazer a vida familiar contemporânea, a família</p><p>pós- moderna fortemente impactada por tantas transformações.</p><p>Novos pensamentos e posturas foram se revelando e, com eles surgiram mudanças de</p><p>valores, de crenças o que caracteriza o que denominamos de cultura pós-moderna. Entre as</p><p>características desta cultura pode-se também citar</p><p>1. A desilusão com os pressupostos otimistas de progresso humano e com a</p><p>universalidade e a regularidade das leis da ciência, portanto, a falta de fé na ordem</p><p>previamente estabelecida. 2. O desacoplamento das forças econômicas subjacentes,</p><p>conformidade social, tais como a necessidade de as mulheres se casarem com</p><p>vantagem para sobreviver financeiramente e para transmitir seu status de classe para</p><p>a próxima geração, ou a necessidade de ter filhos em casamento para que possam</p><p>herdar a terra da família ou de outros bens que seria sua fonte de sustento. 3. A</p><p>influência da mídia eletrônica, que reflete e legitima a diversidade familiar.</p><p>(SHORTER, 1975 - UNITED NATIONS UNIVERSITY).</p><p>Novas configurações familiares surgem; com frequência, vemos famílias de pais</p><p>separados, onde o pai mora num lugar, a mãe em outro, geralmente com os filhos; vemos</p><p>famílias compostas por casais homossexuais com filhos adotados ou gerados em laboratório;</p><p>famílias formadas por irmãos e sobrinhos, avós e netos, entre outras (ARCHANJO, 2004).</p><p>Os avanços tecnológicos favoreceram os contatos pessoais e as informações</p><p>transmitidas, contudo a comunicação, face a face,</p><p>tornou-se cada vez menor e mais anônima e</p><p>as relações cada vez mais impessoais. Os computadores pessoais permitiram o trabalho em</p><p>casa diminuindo progressivamente as fronteiras entre o trabalho e a casa, facilitando essa</p><p>interface. A cobertura da mídia global coloca-nos em conexão com o mundo. Os meios de</p><p>comunicação reuniram a família pós-moderna ao redor da fogueira da aldeia global, trazendo</p><p>50</p><p>o mundo do lado de fora para a sala de estar, a cozinha e o quarto. Tudo isso cria a</p><p>permeabilidade da família pós-moderna. Como tornar o uso desses meios de comunicação,</p><p>utilizar-se dos avanços tecnológicos, tão necessários hoje em dia, sem perder “a mão”?</p><p>(SHORTER, 1975 - UNITED NATIONS UNIVERSITY).</p><p>A comunicação pessoal fortalece os vínculos afetivos familiares. Como saber qual a</p><p>medida certa para tanta tecnologia? Quando ela ajuda e quando ela escraviza, tomando um</p><p>espaço maior do que o necessário? Cabe a nós tomar esta decisão, valendo-nos do bom senso,</p><p>aproveitando, na medida certa para si e para a família, aquilo que o mundo nos oferece, mas</p><p>com critérios seletivos, bons, o suficiente, para atender a tantas demandas de modo</p><p>satisfatório. Faz-se necessário esta observação, pois a casa pode deixar de ser um local de</p><p>refúgio, de harmonia, serenidade e compreensão para tornar-se o local onde a vida pode</p><p>tornar-se tão mecânica e sem sentido, como as imagens transmitidas na televisão. Os</p><p>indivíduos devem redefinir as suas escolhas pessoais assumindo o compromisso com as metas</p><p>futuras (GERGEN, 1991 - UNITED NATIONS UNIVERSITY).</p><p>Gergen (1991) definiu a família dentro contexto histórico atual, como a família</p><p>saturada, cujos membros sentem as suas vidas perdendo-se nas excessivas ocupações diárias,</p><p>que se intensificaram. Além de absorver uma enorme gama de opiniões, expor-se a outros</p><p>valores, atitudes, estilos de vida e personalidades, os membros da família foram incorporando-</p><p>se a uma multiplicidade de relacionamentos. As tecnologias auxiliaram muito o ser humano,</p><p>contudo, também criaram tumulto na ordem familiar e uma sensação de fragmentação, caos e</p><p>descontinuidade.</p><p>Diante de tantas alternativas de vida, o mundo da família contemporânea poderá</p><p>parecer, para alguns, uma espécie de caos em que tudo pode ocorrer. Nesse sentido, diante de</p><p>tão diferentes línguas, Grandesso (2008, p.14) aponta muitos estudiosos se perguntam “[...]</p><p>vivemos uma nova torre de Babel ou um novo Pentecostes?” A vida pós- moderna reverte</p><p>características como o estilo de vida e valores das pessoas, criando por meio de imagens</p><p>eletrônicas um mundo no qual tudo pode ocorrer como nos contos de fadas. Não há limites.</p><p>Tudo pode.</p><p>Ela está evoluindo para uma nova forma. Assim ouve-se muito: A família acabou?</p><p>Não há mais valores? O que está acontecendo com a família? Para onde o mundo está indo? A</p><p>família realmente mudou, não é mais aquela família clássica da Modernidade, mudaram os</p><p>papéis familiares, mas não foi substituída por outra forma de organização molecular</p><p>(KOLTAI, 2014; KEHL, 2003). Novas configurações familiares surgem, as relações entre os</p><p>51</p><p>“seus membros modificam-se e surgem novas formas de amar”. Pesquisas mais recente</p><p>ressaltam a imensa diversidade de composições familiares no nosso país, que colocam a</p><p>necessidade de estudo e revisão da família brasileira (CERVENY, 2001, p.20).</p><p>Como toda mudança, há um período de ajustamento, no qual as pessoas vão</p><p>procurando o tamanho ideal para elas. Como, ainda, vive-se esse movimento e não se sabe</p><p>onde chegará, estamos vestindo vários tamanhos até poder encontrar aquele que melhor se</p><p>ajuste a nós. Afinal, tudo que é novo e desconhecido assusta e leva um tempo para se</p><p>acomodar. A Pós-Modernidade se sustenta no descartável, no local e no aqui/agora, no prazer</p><p>selfservice e no imediatismo. Assim, só há uma regra fixa na Pós-Modernidade: tudo deve</p><p>mudar, e mudar o mais rápido possível. E os sentimentos como ficam? Os sentimentos</p><p>também mudaram são históricos e o amor se modifica dentro das novas estruturas (KOLTAI,</p><p>2009).</p><p>Desta forma, muitas normas e regras instituídas há tempos atrás, encontram-se</p><p>presentes em nossas vidas até hoje. Elas foram, muitas vezes, necessárias para a evolução do</p><p>homem. Os espaços físicos ocupados pelas pessoas, seus hábitos de higiene, as práticas</p><p>educativas, as funções parentais, o amor, o sexo, a intimidade, o casamento, a atitude</p><p>feminina, o deslocamento da mão de obra do campo para a cidade, entre tantas outras</p><p>mudanças, escreveram a história da humanidade, às vezes marcadas por revoluções, protestos,</p><p>outras sobre a coerção de instituições poderosas. Esse processo nos remete ao caráter histórico</p><p>da família considerada como produção cultural. Nota-se, portanto, uma contínua</p><p>transformação em sua estrutura, organização, crenças, valores e sentimentos (SZYMANSKI,</p><p>1995).</p><p>A família mudou, mudaram os papéis familiares, mas não foi substituída por outra</p><p>forma de organização molecular. Como ocorre com todos os bens sujeitos à escassez, parece</p><p>que hoje a família nuclear em vias de extinção tem sido mais valorizada e idealizada do que</p><p>nunca, criando uma dívida permanente e impagável que pesa sobre os membros das famílias</p><p>que se desviam do antigo modelo. A indústria cultural se alimenta dessas idealizações. A</p><p>dramaturgia popular, veiculada pelo cinema e pela televisão, apela constantemente para a</p><p>restauração da família ideal, ao mesmo tempo em que vende sabonetes, marcas de margarina</p><p>e conjuntos estofados para compor o cenário da perfeita felicidade doméstica (KEHL, 2003).</p><p>Seja como for, marcas foram e serão deixadas por todas as gerações que passaram por</p><p>aqui. Este movimento é contínuo. Vivemos num outro momento que também deixará marcas</p><p>52</p><p>e, assim sucessivamente o homem deixará suas pegadas. As incertezas brotam na nossa época,</p><p>como brotarão em outras.</p><p>A família é um todo organizado portanto apesar das mudanças continua sendo uma</p><p>instituição muito importante no desenvolvimento e formação dos indivíduos, bem como para</p><p>o funcionamento da sociedade como um todo.</p><p>Assim, dada a implicação da família com o casamento e deste com amor e sexo,</p><p>vamos, a partir deste capítulo nos deter nas peculiaridades, em termos de história e de</p><p>construção como evoluíram estes temas.</p><p>53</p><p>CAPÍTULO 3 - CASAMENTO, AMOR E SEXO: UMA LONGA E DIFÍCIL</p><p>CONQUISTA</p><p>O casamento tem significados diferentes de acordo com os diferentes lugares, culturas</p><p>e economias. Da mesma forma a sexualidade. Esta, por sua vez, sempre foi objeto de</p><p>preocupação moral e, como tal, submetida à dispositivos de controle das práticas e</p><p>comportamentos sexuais. Como esses dispositivos são construídos com base nos valores e</p><p>ideologias predominantes na sociedade, eles assumem formas diferentes à medida que a</p><p>sociedade muda.</p><p>Quanto ao amor, poucas mudanças ocorreram sobre este tema entre os séculos XIII e</p><p>XX. No casamento, o amor casto. Fora dele, o amor paixão. Moralistas, eclesiásticos ou laicos</p><p>condenavam a paixão amorosa de todas as formas, sem a preocupação de distinguir o</p><p>verdadeiro amor do simples desejo. A parceria amor e paixão no casamento eram</p><p>incompatíveis, bem como a parceria sexo e prazer eram inexistentes. Primeiro porque havia</p><p>uma dicotomia entre os dois e, segundo porque era impuro, pensar ou sentir algo, de acordo</p><p>com a moral cristã imposta naquela época. Exceto para certos grupos cortesãos ou de elite, a</p><p>sexualidade na família tradicional sempre foi dominada pela reprodução. Era uma questão de</p><p>natureza e tradição combinadas (GIDDENS, 2011). O casamento movido por sentimentos</p><p>colocava em risco a transmissão do patrimônio e a garantia de alianças que aumentava o</p><p>poder de certos grupos sobre outros.</p><p>O Estado e a Igreja exerceram um forte poder sobre ele, à revelia de seus membros.</p><p>Em diferentes partes do mundo, as políticas da família e do casamento foram consideradas</p><p>essenciais no processo de modernização, “quer tivessem sido preconizadas pelos regimes</p><p>socialistas, pela Igreja, pelos administradores das colônias ou por reformadores de toda a</p><p>espécie” (BURGUIÈRE et al., 1998, p. 9).</p><p>Como se pode ver o casamento estava longe de ser o lugar do encontro amoroso entre</p><p>um homem e uma mulher. O casamento acima de tudo estava a serviço da reprodução, da</p><p>família e de outras conveniências. É coisa muito recente a Igreja Católica exaltar o amor</p><p>conjugal. Durante a Idade Moderna observou-se outra transformação com o surgimento de um</p><p>contrato que passou a exigir a presença de um padre e de testemunhas, a obrigatoriedade da</p><p>promessa dos esposos, mais a presença do dote, das mãos sobrepostas, do anel e do princípio</p><p>de indissolubilidade. A Igreja preferia que a negociação fosse aceita pelos futuros contraentes</p><p>e não imposta e, que o amor se desenvolvesse depois do casamento, ao longo de uma vida em</p><p>54</p><p>comum. Passou-se a viver de um lado, um sentimento regido por normas mais organizadas,</p><p>além de critérios práticos de escolha do cônjuge: o chamado "bem-querer amistoso". Ao</p><p>mesmo tempo em que o casamento se tornava universal, crescia no fim do século XVIII o</p><p>sexo ilícito. “Lentamente construía-se um tipo de amor no casamento e, outro, fora”</p><p>(PRIORE, 2005, p.75).</p><p>A reivindicação do casamento por amor prosseguiu ao longo de todo o século XVIII,</p><p>conhecido como o período do Iluminismo, Século das Luzes ou Idade da Razão. O amor se</p><p>torna algo muito diferente dos séculos anteriores. Homens e mulheres tinham grande</p><p>preocupação em ocultar os seus verdadeiros sentimentos. Os rigores morais desaparecem. As</p><p>aventuras amorosas acontecem e sem sentimento de culpa. Entretanto, uma influência da</p><p>força do romantismo começou a se fazer presente. A emoção foi cultivada como reação,</p><p>contra a objetividade dos pensadores racionalistas. O hedonismo cede lugar aos rigores</p><p>vitorianos.</p><p>Na verdade, o neoplatonismo do Renascimento teria sido para as elites cultas um meio</p><p>de ignorar a repressão sexual à qual deviam se habituar. Não se casar jamais por prazer e não</p><p>se casar jamais sem o consentimento daqueles a quem se devia obediência (parentes e amigos)</p><p>eram leis nas casas aristocráticas. Havia uma preocupação em eliminar o amor paixão do</p><p>casamento e impor à mulher sua obediência ao marido. “Um deles foi o de levar a sociedade</p><p>ocidental, em princípio condenada, a respeitar a decência e o pudor, a uma obsessão erótica</p><p>ligada, muitas vezes, ao culto clandestino da pornografia” (PRIORE, 2005, p.80). O início do</p><p>Renascimento se despe de falsos pudores e sem disfarces expõe as virtudes do sexo.</p><p>Mas os séculos ditos "modernos" do Renascimento não foram tão modernos assim. As</p><p>marcas repressoras de antes permaneciam com muita força e resistência. Uma dicotomia se</p><p>formou: de um lado os sentimentos, do outro, a sexualidade. As relações sexuais, antes do</p><p>casamento, continuavam proibidas.</p><p>No século XVIII continua a presença das teses anteriores sobre a sexualidade.</p><p>Contudo, outra corrente de letras européia celebra a sexualidade, no mesmo século XVIII,</p><p>com textos poéticos e literários, que exprimem os desejos de uma elite na busca de volúpia</p><p>sensual e de técnicas eróticas. “O triunfo progressivo do casamento e do controle da</p><p>sexualidade impediu a época das Luzes de aparecer como um período de revolução de</p><p>costumes”. Esta vai atingir apenas uma estreita minoria popular, sobretudo no meio urbano</p><p>(PRIORE, 2005, p.130).</p><p>55</p><p>O amor-sexual, amor-paixão, como fundamento do casamento, surgiu na modernidade</p><p>e, com ela, trouxe um elemento revolucionário, pois enunciava uma nova ordem das coisas.</p><p>Assim sendo, na forma do amor romântico, o sentimento ganhou poder.</p><p>Reagindo contra os corações contidos dos racionalistas, os românticos do século XIX</p><p>desenvolveram uma poesia amorosa, recatada e sentimental. A tradição do amor que se</p><p>originou dos cavaleiros medievais, concebida para proporcionar aventuras amorosas</p><p>extraconjugais, foi herdada pela burguesia da revolução industrial. O amor romântico surgido</p><p>no século XII, a partir do amor cortês, foi associado, geralmente aos poetas, trovadores,</p><p>músicos e rebeldes. Ele ressurge no século XIX e povoa as mentalidades até hoje, mediante</p><p>novelas, músicas, cinema, propaganda.</p><p>Ele não é apenas uma forma de amor, e sim todo um conjunto psicológico, uma</p><p>combinação de ideais, crenças, atitudes e expectativas. O amor romântico, que valoriza a</p><p>escolha subjetiva e o afeto, existe como possibilidade no casamento desde o final do século</p><p>XVIII, mas só se torna fenômeno de massa a partir da década de 1940. O amor romântico é</p><p>calcado na idealização. Ocupou um lugar central na vida social em todos os níveis culturais:</p><p>poesias, romances, musicais, revistas populares (LINS, 2012).</p><p>Um dos elementos mais importantes do romantismo era o protesto. Os românticos</p><p>admiravam aquilo que era natural ao homem e aquilo que fosse singular em cada pessoa.</p><p>Prezavam sensação e emoção como essenciais à vida e, consideravam humano que os</p><p>sentimentos das pessoas mudassem a cada momento e de acordo com a situação. Ao contrário</p><p>da burguesia poderosa, que continuava a oferecer códigos de responsabilidade pessoal pelos</p><p>atos de cada um, respeito aos pais e adesão formal à religião.</p><p>“No século XIX emerge um amor doméstico, puritano, casto, controlado e também</p><p>cauteloso em suas maneiras, sob medida para a classe média, passando a guiar uma fração da</p><p>sociedade muito maior do que aquela que a guiara antes” (LINS, 2012, p.105). Outra marca</p><p>do início do século XIX é a dificuldade em confrontar-se com o outro. Os comportamentos</p><p>são regidos pela vergonha. Palavras como suor, gravidez e sexo foram substituídas por termos</p><p>mais evasivos, como por exemplo, o usado para a gestação: estado interessante. Foi também o</p><p>século da confissão, da introspecção, do diário íntimo, próprio das moças de boa família.</p><p>O século XIX também trouxe a mudança nos papéis desempenhados por homens e</p><p>mulheres e, logo, a quebra na divisão sexual do trabalho. O casal passou a ter mais</p><p>privacidade para os jogos do amor. O novo ideal de casamento torna-se a união de amor e</p><p>sexualidade.</p><p>56</p><p>Pouco a pouco, a diferença entre amor fora e dentro do casamento dilui-se, pelo menos</p><p>no imaginário das pessoas letradas. Um ideal de casamento se impõe, em ritmos diferentes,</p><p>para os diversos grupos da sociedade. Nesse ideal, passa a existir um único amor, o amor-</p><p>paixão, enquanto as características que retardavam o triunfo do amor, feito de sentimento e</p><p>sexualidade, começam a ser postas em xeque. A sociedade começava daí em diante, a</p><p>aproximar as duas formas de amor tradicionalmente opostas. Mas não há dúvidas de que o</p><p>cristianismo e seu monopólio espiritual influenciaram ainda por muito tempo o princípio de</p><p>que o amor carnal deveria ser sublimado.</p><p>Essa nova estruturação familiar se caracterizava por entrelaçamentos de sentimentos</p><p>de amor e cumplicidade, não só para com seus cônjuges, mas também com suas crianças, o</p><p>que evidencia o aparecimento do sentimento de infância e das mudanças do papel da mulher</p><p>na sociedade (PONCIANO, 2003).</p><p>O amor romântico era um amor tipicamente feminino, pois cabia às mulheres suavizar</p><p>a natureza rude e instável do amado, que se mantinha frio e distante até que seu coração fosse</p><p>conquistado. Mostra como os homens foram introduzidos, nas transformações que afetam o</p><p>casamento e as relações pessoais, pelas mulheres. Na medida em que, para os homens, o</p><p>apaixonar-se permaneceu vinculado à ideia de acesso à mulher, cuja virtude era protegida até</p><p>o momento em que a união fosse santificada pelo casamento, o amor romântico era</p><p>desvinculado da intimidade e entrava em conflito com as regras da sedução. Os homens</p><p>ficaram, assim, especialistas</p><p>nas técnicas de sedução e conquista e não nas questões de</p><p>intimidade.</p><p>Apesar da difusão de toda a literatura estrangeira iluminista, a estrutura mental lusa</p><p>não apagava a religião. Poucos foram os movimentos contra essa posição da igreja. Por outro</p><p>lado a aliança entre a Medicina e a Igreja fortaleceu-se com o intuito de manter o amor como</p><p>algo perigoso e inconveniente.</p><p>As coisas só começam a mudar e, mesmo assim, de forma muito arrastada entre os</p><p>séculos XIX e XX. Nesta ocasião, instituiu-se um discurso disciplinador para suprimir as</p><p>formas de sexualidade não relacionadas com a reprodução e com o casamento, como lugar</p><p>legítimo da sexualidade. “Os românticos deste século restringem a sexualidade e deixam fluir,</p><p>com exagero as emoções. O amor passou a ser considerado uma finalidade nobre da vida. O</p><p>amor romântico volta a emergir. Um amor doméstico, puritano, casto, controlado e também</p><p>cauteloso em suas maneiras, sob medida para a classe média”. O véu da repressão cai entre</p><p>1800 e 1960 (LINS, 2012, p.342).</p><p>57</p><p>As mudanças que o novo século e a "vida moderna" impunham causaram muitas</p><p>reações. Uma sólida barreira feita de opiniões de juristas, médicos e da própria opinião</p><p>pública reagia a tudo o que pudesse ferir as instituições básicas da sociedade, sobretudo a</p><p>imagem da família e do casamento (PRIORE, 2005, p. 252). A mulher era educada para se</p><p>casar e ser dona de casa. Contra as paixões se constrói uma afetividade conjugal cheia de</p><p>normas, cheia de regras. Sua marca: a presença de ascetismo e de disciplina, características</p><p>que há muito pautavam as relações entre os sexos.</p><p>Muchembled (1998) mostra como as mulheres são afetadas por uma abundante</p><p>literatura, empenhada em lhes ensinar os seus deveres. Invade o espaço público textos</p><p>científicos, médicos, literários sobre as coisas do coração. Os mais diversos discursos sobre a</p><p>família e o casal decretam que é no lar, no seio da família que se estabeleciam as relações</p><p>sexuais desejadas e legítimas, classificadas como decentes e higiênicas. As mulheres eram,</p><p>então, persuadidas de que não casar era um insucesso. Era uma forma de decadência social,</p><p>que deprimia as moças maduras.</p><p>As que permanecessem solteiras eram discriminadas e chamadas de solteironas.</p><p>Conter os excessos masculinos e equilibrar a contabilidade de afetos para a preservação do lar</p><p>fazia parte do conjunto de deveres da mulher. Para isso era preciso manter-se bela, saudável e</p><p>praticar a arte de agradar, de encantar, mantendo-se sempre próximas ao ideal de amizade</p><p>amorosa. Amizade e mútua estima, em busca da união para toda a vida, “até que a morte nos</p><p>separe”, era o que dava sentido ao casamento (PRIORE, 2005).</p><p>O Estado ganha força e limita o controle da família ou da Igreja sobre o indivíduo, a</p><p>fim de ampliar seu próprio controle. Ele garantiu os direitos individuais, encorajou a união</p><p>familiar e limitou o poder paterno. Pode-se avaliar a tensão entre os direitos individuais, a</p><p>família e o controle do Estado especialmente no caso do divórcio, instituído pela primeira vez</p><p>na França pela Revolução. O divórcio foi a consequência lógica das ideias liberais expressas</p><p>na constituição francesa de 1791. O artigo VII tinha secularizado o casamento: A lei agora</p><p>considera o casamento apenas como um contrato civil. A partir de então, o casamento seria</p><p>laico, repousando sobre o livre consentimento de duas vontades. Unidos diante da lei e não</p><p>mais diante de Deus foi uma modificação fundamental sobre a qual, aliás, todo o século XIX</p><p>iria se voltar. (LINS, 2012, p.80). Se o casamento era um contrato civil fundado sobre o</p><p>consentimento de ambas as partes, ele poderia ser rompido. O argumento adquiriu peso pela</p><p>força das circunstâncias.</p><p>58</p><p>A Constituição Civil do clero abriu uma divisão dentro da Igreja católica, e muitos</p><p>casais se recusavam a trocar o juramento de união perante um padre jurado. Ao secularizar o</p><p>casamento, o Estado assumiu o controle do estado civil e substituiu a Igreja como autoridade</p><p>máxima nas questões da vida familiar. Nos debates sobre o divórcio (que, a despeito de sua</p><p>novidade, não foram muito numerosos), apresentaram-se outros argumentos a favor dele: a</p><p>emancipação dos casais infelizes, a liberação das mulheres do despotismo marital e a</p><p>liberdade de consciência para os protestantes e os judeus, cuja religião não proibia o divórcio.</p><p>Nas primeiras décadas do século XX, toda a ameaça ao casamento era alvo de críticas.</p><p>O tema do divórcio, por exemplo, era considerado imoral e vergonhoso. As pessoas que se</p><p>divorciassem eram estigmatizadas, ficavam marcadas, independentemente dos motivos pelos</p><p>quais o divórcio era solicitado e, principalmente para as mulheres. Mesmo anticlericais</p><p>influenciados pelo positivismo, eram contra. Apesar das mudanças que estavam ocorrendo, o</p><p>Código Civil brasileiro de 1916 mantinha o compromisso com o Direito Canônico e com a</p><p>indissolubilidade do vínculo matrimonial. A desigualdade entre homens e mulheres</p><p>continuava. A mulher mantinha-se em posição de dependência e inferioridade, considerada</p><p>incapaz para o exercício de determinadas ações, era a dona de casa e responsável pela</p><p>educação dos filhos, o homem era o chefe de família, que administrava os bens, como</p><p>consequência da lei que regulava o casamento como um contrato (PRIORE, 2005).</p><p>No final do século XIX, as diversas transformações tecnológicas e culturais</p><p>possibilitam novos comportamentos. Contudo, o véu da repressão sexual que caiu a partir de</p><p>1800, começa a ser levantado com os movimentos da contracultura dos anos 1960/1970. Os</p><p>jovens do pós-guerra passam a questionar os valores dos pais e da sociedade, e o advento da</p><p>pílula anticoncepcional, libera a mulher de uma gravidez indesejada.</p><p>Na virada do século XIX para o XX, grandes complexos industriais, tais como usinas</p><p>elétricas, siderúrgicas, refinarias de petróleo, indústrias químicas, com milhares de</p><p>trabalhadores, alteram a própria estrutura da sociedade. A condição de vida e o cotidiano das</p><p>pessoas se transformam. A urbanização crescente contribui para a queda da antiga moral</p><p>sexual. O bem-estar econômico da classe média e a influência religiosa em declínio alteram a</p><p>percepção do objetivo do casamento, passando da satisfação de obrigações familiares e</p><p>religiosas à satisfação das necessidades individuais. Em toda parte opera-se um aflorar do</p><p>indivíduo nas ideias e nos costumes. As pessoas expõem a sua necessidade de um tempo e um</p><p>espaço para si. Exprimem a busca de um direito à felicidade que pressupõe a escolha do</p><p>próprio destino. Manifesta-se o individualismo (LINS, 2012).</p><p>59</p><p>O início do século XX desponta como outra modernidade. Os meios de transporte</p><p>como trem, bicicleta, automóvel favorecem a circulação de pessoas e de produtos. Cartões</p><p>postais e telefonemas personalizam a informação. A moda diversifica as aparências. A foto</p><p>multiplica a imagem de si. Os indivíduos aspiram à livre escolha de seu destino. O cuidado</p><p>com o corpo aumenta. A indústria cinematográfica dá vida a um ideal social, que é imagem de</p><p>família feliz, onde o pai é o senhor do lar e a esposa, o anjo da casa, influenciando a</p><p>mentalidade do século XX (LINS, 2012).</p><p>O amor ocidental, a partir do século XX, procura combinar satisfação sexual, amizade</p><p>com afeto e as funções procriadoras numa única forma de relação. A atração romântica é</p><p>considerada a base adequada e, na verdade, única para qualquer pessoa escolher a sua</p><p>companheira para o resto da vida. A primeira metade do século XX se caracteriza por uma</p><p>busca crescente de prazer sexual. A partir do período entre as guerras, a moral sexual foi se</p><p>tornando cada vez menos rígida. Apesar da Igreja só aceitar o sexo no casamento para a</p><p>procriação e, portanto, o prazer sexual ainda ser visto como pecado, um número crescente de</p><p>pessoas defendia que o amor e o prazer estavam associados. As interdições começam a cair.</p><p>O amor romântico começa a sair de cena levando com ele sua principal característica:</p><p>a exigência de exclusividade. Sem a ideia de encontrar alguém que lhe complete, abre-se um</p><p>espaço para novas formas de relacionamento amoroso, com a possibilidade de se amar e de se</p><p>relacionar sexualmente com mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Entretanto, a busca da</p><p>individualidade característica da época em que vivemos nos leva a um caminho oposto às</p><p>propostas desse tipo de amor. Nunca homens e mulheres se aventuraram com tanta coragem</p><p>em busca de novas descobertas, só que agora para dentro de si mesmos. É difícil harmonizar</p><p>as necessidades individuais com uma vida a dois. As pessoas não estão dispostas a sacrificar</p><p>os seus projetos pessoais. Entre o desejo de simbiose e o desejo de liberdade, o último começa</p><p>a predominar. A tendência é não ter modelos e cada um escolher a sua forma de viver.</p><p>Como consequência do amor romântico, as questões sobre intimidade, passaram longe</p><p>das práticas amorosas. Contudo, as mudanças que aconteceram no amor, no casamento e na</p><p>sexualidade ao longo da modernidade resultaram em transformações radicais na intimidade e</p><p>na vida pessoal dos indivíduos, sobretudo com o declínio do controle sexual dos homens</p><p>sobre as mulheres.</p><p>As questões de intimidade nas sociedades ocidentais transformam-se, é o que se</p><p>observa na visão de Féres-Carneiro (1998) ao ressaltar as características individualistas da</p><p>família e do casal contemporâneos. Esta autora aponta que a relação conjugal irá se manter</p><p>60</p><p>enquanto for prazerosa e útil para os cônjuges. Valorizar os espaços individuais significa,</p><p>muitas vezes, fragilizar os espaços conjugais, assim, fortalecer a conjugalidade, demanda,</p><p>quase sempre, ceder diante das individualidades. Entende-se que a intimidade deve ser uma</p><p>negociação transacional de vínculos pessoais, estabelecida por iguais. A intimidade implica</p><p>uma total democratização do domínio interpessoal, de uma maneira plenamente compatível</p><p>com a democracia na esfera pública (ARAÚJO, 2002).</p><p>Anthony Giddens em “A transformação da Intimidade” (1993 apud ARAÚJO, 2002)</p><p>descreve que as novas formas de relacionamento que resultaram dessas mudanças têm como</p><p>base a igualdade e os princípios democráticos. Para apreender essa realidade atual, Giddens</p><p>lança mão de três categorias básicas: o amor confluente, a sexualidade plástica e o</p><p>relacionamento puro. A primeira categoria, o amor confluente não se pauta pelas fantasias de</p><p>completude. Presume igualdade na relação, nas trocas afetivas e no envolvimento emocional.</p><p>O amor confluente introduz certo ar erótico para a relação conjugal e transforma a realização</p><p>do prazer sexual recíproco em um elemento-chave na manutenção ou dissolução do</p><p>relacionamento. Ao contrário do amor romântico, o amor confluente não é necessariamente</p><p>monogâmico nem heterossexual.</p><p>A segunda categoria, a sexualidade plástica, é uma sexualidade descentralizada,</p><p>liberta das necessidades de reprodução, desenvolvida com a difusão da contracepção moderna</p><p>e das novas tecnologias reprodutivas, seguindo uma tendência à redução da família, iniciada</p><p>no final do século XVIII (ARAÚJO, 2002). A terceira categoria proposta por Giddens (2011),</p><p>o relacionamento puro, é baseado na comunicação emocional, na intimidade, na confiança,</p><p>com o coração aberto, sem falsas intenções, uma relação afetiva, de troca mútua, é estar em</p><p>relação com alguém, cujo único compromisso é estar por querer estar e encontrar satisfação</p><p>nesse encontro é estar sem ter que estar, mas pelo simples prazer de estar. Está isento de</p><p>controle, agressão ou coerção. Ele é sincero, verdadeiro, generoso e se faz mediante uma boa</p><p>conversa. Eles devem estar presentes nos relacionamentos sexuais e amorosos, entre os pais e</p><p>os filhos e nas amizades, nas relações profissionais, enfim na vida.</p><p>A colocação desta diferença apontada por Giddens (2011) é fundamental, pois o</p><p>relacionamento verdadeiro deveria apoiar-se no compromisso, na confiança e na intimidade,</p><p>àquilo que é legitimamente sentido, de coração, sem falsas expectativas, livre, pois não</p><p>promete nada que não possa ser cumprido e que não se queira fazer. O casamento não se trata</p><p>de uma condição natural cuja durabilidade pode ser assumida como certa, exceto em algumas</p><p>61</p><p>circunstâncias extremas. Há responsabilidades, deveres e direitos que nem sempre conversam</p><p>de forma satisfatória.</p><p>Uma característica do relacionamento puro é que ele pode ter fim em qualquer época e</p><p>por decisão de qualquer um dos parceiros. O compromisso é necessário para que um</p><p>relacionamento tenha a probabilidade de durar, mas não evita a sua dissolução. Nesse tipo de</p><p>relacionamento, o que conta é a própria relação, e a sua continuidade depende do nível de</p><p>satisfação que cada uma das partes pode extrair da mesma. Esse processo de democratização</p><p>das relações pessoais afeta profundamente as representações e vivências do casamento. Nesse</p><p>tipo de casamento, a intimidade tende a se reestruturar com base em novos valores, entre os</p><p>quais amizade e companheirismo, se colocam como fundamentais e o que conta é a própria</p><p>relação e a sua continuidade depende do nível de satisfação que cada uma das partes pode</p><p>extrair da mesma (ARAÚJO, 2002).</p><p>A transformação da intimidade passa, invariavelmente pela questão de gênero. Como</p><p>aponta esta mesma autora, a intimidade é acima de tudo uma questão de comunicação pessoal,</p><p>com os outros e consigo mesmo, em um contexto de igualdade interpessoal. Nesse cenário, as</p><p>mulheres tiveram um papel de revolucionárias emocionais da Modernidade e prepararam o</p><p>caminho para expansão da intimidade. No casamento contemporâneo, os ideais do amor</p><p>romântico tendem a se fragmentar, sobretudo pela pressão da emancipação da mulher e da</p><p>autonomia feminina.</p><p>As categorias de para sempre e único do amor romântico, não prevalecem na</p><p>conjugalidade contemporânea. Dão vez ao “seja eterno, enquanto dure”. Algumas disposições</p><p>psicológicas têm sido a condição e o resultado desse processo, assim como também as</p><p>mudanças materiais e sociais que permitiram às mulheres reivindicar a igualdade e propor</p><p>mudanças nas relações de gênero. A construção de relações amorosas e sexuais mais</p><p>democráticas e igualitárias dentro ou fora do casamento é uma conquista de homens e</p><p>mulheres (ARAÚJO, 2002). E tudo indica que as mudanças na organização da família estão</p><p>se dando, fundamentalmente, a partir das mudanças na condição feminina, que terminam por</p><p>afetar, também os papéis masculinos. Assim, é preciso um reexame dos papéis sexuais na</p><p>família que incorpore, também, sentimentos, vivências e percepções masculinas (BILAC,</p><p>2002, p.36).</p><p>Esse é o grande desafio que os casais pós-modernos enfrentam nos dias de hoje, e que</p><p>os leva a redefinir expectativas e idealizações sobre o casamento, sobre o amor e sobre a</p><p>sexualidade. Novas formas de amar e se relacionar estão sendo construídas para responder às</p><p>62</p><p>exigências de uma sociedade onde os valores e as regras econômicas e sociais estão sempre</p><p>em mutação (ARAÚJO, 2002).</p><p>Outro fenômeno surge nas últimas décadas do século XX: as relações virtuais, que são</p><p>o retrato amoroso de nosso tempo. As poucas décadas de mundo virtual já representam muitos</p><p>formatos de contato amoroso (HINTZ, 2001). Comportamentos como a traição virtual são</p><p>muito praticados. Este tema é trazido com frequência, com muito desconforto, pelas pessoas</p><p>que a praticaram ou foram vítimas dela.</p><p>Hoje, os mesmos movimentos de mudança levam os casais a reverem suas</p><p>idealizações sobre o casamento, o amor e a sexualidade. Novas formas de amar e se relacionar</p><p>estão sendo construídas para responder às exigências de uma sociedade onde os valores e as</p><p>regras econômicas e sociais estão sempre em mutação.</p><p>O amor e casamento nos nossos dias é algo desejado e espera-se que se realize,</p><p>contudo, de que forma é possível estabelecer</p><p>22</p><p>MÉTODO ............................................................................................................................ 22</p><p>PROCEDIMENTO .............................................................................................................. 22</p><p>CAPÍTULO 1 - DIFERENTES OLHARES SOBRE O CONCEITO DE FAMÍLIA ............. 23</p><p>CAPÍTULO 2 - UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO FAMÍLIA ............ 31</p><p>CAPÍTULO 3 - CASAMENTO, AMOR E SEXO: UMA LONGA E DIFÍCIL CONQUISTA</p><p>............................................................................................................................................ 53</p><p>CAPÍTULO 4 - DA MODERNIDADE À PÓS-MODERNIDADE: O QUE MUDOU?........ 63</p><p>4.1 Modernidade .................................................................................................................. 63</p><p>4.2 Pós-modernidade ............................................................................................................ 72</p><p>CAPÍTULO 5 - RELACIONAMENTOS FAMILIARES PÓS-MODERNOS: A</p><p>CONJUGALIDADE, A PARENTALIDADE E A CLÍNICA PSICOLÓGICA: UM</p><p>MOMENTO PARA REFLETIR .......................................................................................... 87</p><p>5.1 A clínica psicológica: um momento para refletir ............................................................. 91</p><p>5.1.2 Discussão de Casos Clínicos........................................................................................ 93</p><p>5.1.2.1 Relacionamentos ...................................................................................................... 94</p><p>5.1.2.2 Infidelidade ............................................................................................................ 103</p><p>5.1.2.3 Tecnologia ............................................................................................................. 107</p><p>5.1.2.4 Filhos ..................................................................................................................... 115</p><p>5.1.2.5 Filhos e divórcio ..................................................................................................... 119</p><p>5.1.2.6 A educação dos filhos como fica? ........................................................................... 130</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 139</p><p>REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 149</p><p>9</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>De acordo com Hintz (2001), a família desde sua origem desempenha um papel</p><p>preponderante na vida do ser humano e da própria sociedade. Dela depende a formação do</p><p>indivíduo, garantindo sua sobrevivência (o que pressupõe: segurança, alimentação e um lar</p><p>para viver), o desenvolvimento psíquico, o cognitivo, o social, a transmissão de valores, a</p><p>socialização, o sentimento de aceitação, de amor e de cuidado. É nela que os indivíduos se</p><p>relacionam e trocam experiências e é por meio dessas experiências vividas que os seus</p><p>membros desenvolvem sua personalidade e o seu caráter.</p><p>Szymanski (1995) apoiando-se nos estudos de Berger; Luckmann (1985) aponta que</p><p>lançando mão de práticas educativas com a finalidade de preparar os filhos para a sociedade</p><p>em que vive, a família cumpre sua função de agência socializadora primária. Esta mesma</p><p>autora destaca que a família evidencia seu papel na medida em que integra o social e o</p><p>cultural numa intrínseca rede, criando um contexto para o desenvolvimento humano.</p><p>Além disto, as trocas intersubjetivas que ocorrem na família, numa situação de apego</p><p>emocional com segurança, permitem a seus membros a oportunidade de se desenvolverem</p><p>afetivamente. No seio da família, fruto da convivência social, intensa e longa, seus membros</p><p>vivem conflitos como também podem encontrar o apoio determinante para suas vidas.</p><p>Segundo Nascimento (2006), das alterações da família depende todas as outras</p><p>instituições. Szymanski (1995) pontua que fatores externos e internos, positivos ou negativos,</p><p>colocam esta instituição à prova, constituindo-se numa grande tarefa, mais do que nunca, dada</p><p>as inúmeras transformações contemporâneas que acometem essa instituição, tão fundamental</p><p>para todos nós.</p><p>Maluf (2010) argumenta que com a constante interação entre fatores externos e</p><p>internos na família, o conceito de família sofre, com o passar dos tempos, inúmeras</p><p>transformações de caráter público e privado. As famílias se estruturam de formas diversas em</p><p>função do lugar, tempo, heranças e é desse emaranhado de fios que emergem as funções do</p><p>grupo familiar (PASSOS, 2005).</p><p>Por este emaranhado de fios podemos entender lugar e tempo compreendendo o</p><p>momento histórico, o social, o econômico e o cultural no qual a família está inserida e, que</p><p>por ser uma instituição flexível, de acordo com Hintz (2001, p.9): “ela tem se adaptado às</p><p>mais diversas formas de influências, tanto sociais e culturais como psicológicas e biológicas,</p><p>em diferentes épocas e lugares”.</p><p>10</p><p>De acordo com Cerveny (2001), a família brasileira não é apenas uma instituição</p><p>social, mas se constitui também em um valor. É a menor unidade da sociedade, que pode</p><p>mudar, mas ainda assim é forte o bastante para manter a continuidade social.</p><p>A família possui características muito específicas, podendo assim ser definida como</p><p>um grupo social particular pelas suas qualidades, privacidade (crenças, padrões, tradições e</p><p>conceitos). Suas relações são baseadas em laços afetivos, de consanguinidade, adoção,</p><p>escolhas, em contratos que pretendem ser permanentes; apresenta um intenso envolvimento,</p><p>compartilhando experiências que passam pela intimidade, afeto e ódio (MACEDO, 2012).</p><p>Portanto, não há uma família igual a outra, já que cada uma delas apresenta-se com</p><p>peculiaridades próprias em sua forma de constituição e funcionamento. Elas criam sua própria</p><p>cultura, sua própria identidade, seus próprios códigos, suas próprias normas e regras, tem suas</p><p>crenças e seus próprios valores, seus próprios rituais, como também um universo de</p><p>significados que lhe são próprios, que lhe fazem mais sentido de acordo com suas demandas.</p><p>Desta forma, a família cuja principal tarefa psicossocial é apoiar seus membros</p><p>continua a ocupar um lugar muito importante na sociedade em que vivemos (MINUCHIN,</p><p>1982).</p><p>Há pessoas que definem os grupos domésticos onde vivem como sendo suas famílias,</p><p>ainda que apresentem uma estrutura e organização diferentes do modelo que tradicionalmente</p><p>conhecemos. Podem estar organizadas numa estrutura hierarquizada (por idade ou gênero),</p><p>onde a convivência entre seus membros é afetiva, respeitosa e cuidadora constituindo o que é</p><p>denominado como a família vivida (SZYMANSKI, 1995).</p><p>Na verdade, os laços afetivos estabelecidos, ainda que não sejam com a família de</p><p>origem, eles se fortalecem com outros membros que se unem e se ajudam, numa troca mútua,</p><p>com todos os elementos necessários para o funcionamento de uma família.</p><p>Esta é outra forma de viver a família. Há famílias biológicas e há famílias do coração,</p><p>mas famílias, se a compreendermos como lugar de amor e cuidado, não importa com quem</p><p>seja, mas que funcione como tal.</p><p>Contudo, mudanças ocorridas durante o final do século XIX e ao longo da primeira</p><p>metade do século XX, como a saída da mulher para o mercado de trabalho, o controle sobre a</p><p>natalidade, a divisão de tarefas entre homens e mulheres, os avanços tecnológicos, novos</p><p>valores sociais e religiosos, entre tantos outros eventos, instituiu novos padrões de</p><p>comportamentos familiares. As relações entre os membros dos grupos familiares foram</p><p>11</p><p>profundamente afetadas, incidindo sobre as relações estruturais da família, sobre as</p><p>concepções que as pessoas fazem de si mesmas, tanto fora como no interior da família.</p><p>Tais mudanças acarretaram percepções diferentes dos respectivos papéis que cada</p><p>membro</p><p>a satisfação individual conjuntamente com a</p><p>conjugal. E a intimidade? É só a dois, ou cabe mais alguém: virtual ou concretamente? Que</p><p>acordos são necessários antes e durante a convivência a dois? Estes são alguns dos desafios do</p><p>mundo pós-moderno.</p><p>As normas sexuais ocidentais não sofrem nenhuma mudança no século XVIII, em</p><p>termos de relações entre os sexos, a não ser uma sujeição feminina mais clara do que antes.</p><p>Uma mudança lenta e silenciosa aparece nos discursos, com o enfraquecimento da moral</p><p>religiosa, valorizando a união matrimonial e o exercício rígido dos papéis conjugais, através</p><p>do sentimentalismo dominante no final do século, sob a forma do amor romântico (LINS,</p><p>2012).</p><p>63</p><p>CAPÍTULO 4 - DA MODERNIDADE À PÓS-MODERNIDADE: O QUE MUDOU?</p><p>A partir do final do século XVIII, após a Revolução Francesa (1789), ou seja, depois</p><p>da Abolição da Monarquia na Europa, a família havia deixado de ser uma entidade</p><p>econômica, como no passado, onde o valor da linhagem caracterizada pela integridade do</p><p>patrimônio para os descendentes e proteção dos mesmos contra o Estado era o mais</p><p>importante. Com a ascensão da Burguesia ao poder, surge aos poucos, a família burguesa</p><p>clássica, ou seja, a família conjugal, muito embora, ainda, organizada de forma patriarcal,</p><p>tornou-se a célula central da sociedade e, logo, do Estado, emergindo o modelo familiar</p><p>nuclear, constituída pelo casal e filhos que obedeciam ao pai, econômica e afetivamente.</p><p>Com o anúncio da Modernidade se inicia um processo de transformação no cerne da</p><p>comunidade. A princípio a família moderna ainda era muito próxima à configuração de</p><p>família que se tinha no período medieval, no Antigo Regime, se privatizando à medida que</p><p>a relação com o capital se aprimorava, culminando no modelo nuclear tão estimado no século</p><p>XIX (ENGELS, 1975). Com a Modernidade, a origem de todas as coisas passa a ser</p><p>questionada. O sujeito se torna mais ativo em seu processo de vida e não há mais espaço para</p><p>a tradição (STENGEL, 2011).</p><p>Assim, a Modernidade abriu-se para o futuro e gerou as condições de se pensar e</p><p>produzir progresso. Caracterizou-se como a era da racionalidade, a qual fundamentou não só o</p><p>conhecimento científico, filosófico, como as relações sociais, as relações de trabalho, a vida</p><p>social, a própria arte, a ética, a moral, perpassando toda a sociedade. Além disso, criou</p><p>condições sobre a verdade, que enclausuraram a própria razão e que geraram formas de poder</p><p>e, homogeneizaram contextos e pessoas, impondo-se como instrumento de controle</p><p>(HABERMAS, 1990).</p><p>4.1 Modernidade</p><p>Essa razão que se põe como absoluta e objetivada, sofre críticas; razão que,</p><p>[...] se anunciara como caminho seguro para a autonomia e liberdade do homem,</p><p>revelar-se-ia, ao final, o mais radical e insensível inimigo do homem por transformá-</p><p>lo em objeto a serviço dos ditames da performatividade científico-tecnológica. A</p><p>eficiência alçada ao nível de norma suprema da razão impôs o abandono dos ideais e</p><p>fins humanos. (GOERGEN, 1996, p. 22).</p><p>64</p><p>A partir do século XIX a família começou a voltar-se à afeição, deixando de ser uma</p><p>instituição voltada a manter os bens e a honra. A afeição começou a fazer parte das relações</p><p>conjugais e das parentais. Surge o sentimento de família e de infância, objetivando cuidar</p><p>melhor dos filhos. O amor maternal passa a ser predominante (SHORTER, 1995). As crianças</p><p>passam a ocupar um papel central nessa família. Os pais tornaram-se responsáveis pela</p><p>criação de seus filhos, mudando a concepção de educação das crianças diferentemente de</p><p>épocas anteriores, assumindo os seus filhos dentro do contexto familiar. As famílias</p><p>abandonam o recurso às amas de leite, dada a alta taxa de mortalidade infantil e da epidemia</p><p>de sífilis entre as amas de leite. As crianças deixaram de ser parte do patrimônio da produção,</p><p>para ser patrimônio do coração (PONCIANO; FÉRES-CARNEIRO, 2003).</p><p>Os adultos estavam a serviço do grupo familiar e das crianças, cumprindo homens e</p><p>mulheres funções distintas, visando o bem estar geral do grupo. A instituição do casamento</p><p>era valorizada, pois garantia a realização desses objetivos (ROUDINESCO, 2003; STENGEL,</p><p>2011).</p><p>A família recolhe-se na privacidade do seu lar, modificando a antiga sociabilidade</p><p>feita nas ruas, praças, para ser o local onde se desenvolve a afetividade, uma unidade</p><p>emocional protegida pelo sentimento de solidariedade e pelo isolamento em relação ao</p><p>exterior. Trata-se de uma mudança de sentimentos, que ligam não só os pais aos filhos, estes</p><p>aos pais, o marido à mulher, e entre si: o amor materno criou um ninho sentimental dentro do</p><p>qual a família moderna se aninhava e a mulher desempenhava um papel primordial. Por outro</p><p>lado, a mulher, naturalizada mãe, perde a sua multiplicidade de lugares, reforçando a opressão</p><p>a partir do controle de seu papel materno, distanciando-se do convívio com a comunidade.</p><p>Com o passar do tempo, a família nuclear moderna, adquire uma natureza</p><p>individualista, a relação familiar alia independência, autonomia e obrigação. Este</p><p>individualismo só não desmonta a estrutura familiar moderna, porque dentro dela, há ainda a</p><p>mulher que desempenha o papel de “boa mãe” e que continua a ser um sinal da perpetuação</p><p>da desigualdade (PATEL, 2005, p.24).</p><p>Outra mudança registrada é que passa a fazer parte do casamento o amor romântico,</p><p>baseado no amor recíproco e na fidelidade. O seu lema era: “até que a morte nos separe”. Suas</p><p>principais características eram: a monogamia, e a privacidade. A parceria amor e casamento</p><p>ganham força, neste mesmo século XVIII, quando a sexualidade passa a ocupar um lugar</p><p>importante dentro do casamento com predomínio do erotismo na relação conjugal (ARAÚJO,</p><p>2002).</p><p>65</p><p>O jovem casal pode, então, escolher o seu respectivo par, sem a interferência dos</p><p>respectivos pais e sem outros interesses em jogo, começam um namoro, depois vive um</p><p>período de noivado, durante o qual não há a menor possibilidade de qualquer intimidade, já</p><p>que a supervisão de um adulto impede um contato mais íntimo do casal, muito embora, se</p><p>apregoasse a parceria amor e intimidade, ele estava restrito à noite de núpcias. E, finalmente</p><p>acontece o esperado casamento com todas as pompas e honras.</p><p>O casamento por amor vai assim, lentamente, ascendendo na escala social até a era</p><p>moderna, quando se estabelece como regra básica. De acordo com Patel (2005, p.24) “o</p><p>aparecimento do amor no casamento é atribuído à Igreja Católica, que nos anos trinta, faz</p><p>aparecer a ideia da espiritualidade conjugal”. Esta ideia desenvolve-se, sobretudo durante a</p><p>ocupação alemã na França.</p><p>O amor passa a ser uma condição para a relação conjugal existir. O casamento e a</p><p>sexualidade são uma forma de legitimá-lo, assegurando a procriação. Tanto para homens</p><p>quanto para mulheres o casamento era definido como um estágio da vida que se esperava que</p><p>a ampla maioria atravessasse. Caso não acontecesse, tanto homens, quanto mulheres eram</p><p>estigmatizados como solteirões ou solteironas, ou ainda, com uma expressão muito conhecida,</p><p>indicada principalmente para as mulheres: “ficou para titia”.</p><p>Porém, instalou-se na Modernidade uma crise, uma contradição histórica que se traduz</p><p>nas rupturas trazidas, quer pelas formas cotidianas do existir, fazendo emergir a necessidade</p><p>de consideração das heterogeneidades, das diferenças, das desigualdades gritantes, quer pelas</p><p>fissuras lógicas nas ciências.</p><p>A família moderna surge num tempo ilusório, de rupturas com o passado, típico das</p><p>sociedades organizadas nas grandes cidades. Ao contrário da família pré-moderna, a família</p><p>moderna recorre a uma memória relacional afetiva que valoriza o amor, a abnegação, o calor</p><p>familiar e a força de caráter. O indivíduo vale muito mais do que a comunidade; nossos laços</p><p>são estabelecidos mais em função de uma satisfação</p><p>pessoal do que de alianças e de tradições</p><p>(VILHENA, 2009). Há uma dimensão atemporal na vida cotidiana, que reforça o presente e</p><p>torna ausentes os assuntos relativos às famílias de origem (PATEL, 2005).</p><p>A soma dos avanços tecnológicos mais as alterações das condições de vida resultaram</p><p>na mudança da arquitetura das habitações e na apropriação dos espaços também. A ocupação</p><p>dos espaços domésticos torna-se um elemento decisivo na passagem da família tradicional</p><p>para a família moderna.</p><p>66</p><p>A autoridade paterna torna-se flexível e transfere-se para as escolas que adquirem</p><p>funções socializadoras. As mulheres continuam abdicando de suas vidas pessoais e</p><p>profissionais em cumprimento às atividades domésticas e educação dos filhos. Dentro da</p><p>dinâmica nuclear ao pai recai o papel de proteção física e moral, além do papel de provedor</p><p>da família. Cabia ao pai sustentar seus filhos até a maioridade e o sustento financeiro do lar e,</p><p>à mãe os cuidados básicos para com o filho, para com a casa e o acalento de seu marido</p><p>(SIMIONATO-TOZO e BIASOLI-ALVES, 1998; PONCIANO, 2003). Ser boa companheira</p><p>para o seu marido, cuidar dos filhos e executar as tarefas domésticas com primor, era um</p><p>valor.</p><p>Além disto, devido à nova tendência de diminuição do número de descendentes, a</p><p>partir dos anos de 1950 e começo dos anos de 1960, os casais passaram a ter uma média de</p><p>três a quatro filhos, diferindo da geração anterior, que tinha muitos filhos. (DESSEN, 2010).</p><p>“Este novo arranjo familiar consolidava definitivamente o espaço privado e o individualismo”</p><p>(GALANO, 2006, p.124), e ainda, segundo Lasch (1991), centralizava o casal. A vida</p><p>doméstica assume um lugar de muita importância, significando o ninho seguro para a família</p><p>se recolher. Um lugar de refúgio da sociedade.</p><p>Assim, dava-se a separação radical entre vida pública e vida privada. O domínio</p><p>privado vai se afastando do público, criando novos comportamentos. Por consequência, a</p><p>família é vista “cada vez mais como um refúgio idealizado, um mundo exclusivo, com um</p><p>valor moral mais elevado do que o domínio público” (PONCIANO, 2002, p.5).</p><p>Em torno do novo ideal de conjugalidade instaurado, impõe-se aos esposos que se</p><p>amem ou que pareçam se amar. Criaram-se muitas expectativas e idealizações, entre elas, a</p><p>ideia de casamento como lugar de felicidade, onde o amor e a sexualidade são fundamentais.</p><p>Essa imposição teve muitas consequências e contradições. Uma delas é que acabou criando</p><p>uma armadilha para os casais na medida em que se acentuaram as idealizações e,</p><p>consequentemente os conflitos resultantes da desilusão pelo não atendimento das</p><p>expectativas. Ao contrário do amor conjugal que aumentava com o tempo, o amor-paixão</p><p>tende a acabar com o tempo (KOLTAI, 2009).</p><p>Depois da Segunda Grande Guerra, com os progressos na contracepção, abre-se o</p><p>caminho a novas formas de união. “Há dois fenômenos sociais da modernidade, que</p><p>transformam radicalmente a relação conjugal e que decorrem do uso de contraceptivos: a</p><p>desculpabilização da sexualidade e a emancipação da mulher” (PATEL, 2005, p.98). Os atos</p><p>67</p><p>mais íntimos passaram a ter uma publicidade sem precedentes com a publicação de revistas,</p><p>livros, filmes pornográficos (PIATO, ALVES, MARTINS, 2012).</p><p>A partir dos anos de 1920, com a possibilidade de estudar e trabalhar ocorre a</p><p>emancipação das mulheres da tutela familiar. Sobretudo nas cidades e nas camadas mais altas</p><p>da sociedade, elas podem flertar, namorar e ler romances que falam de amor e de sexualidade.</p><p>Tudo isto colabora para que as mulheres não cheguem sem preparo e nenhuma informação à</p><p>noite de núpcias. Muitas escolhem e seduzem seus futuros maridos. A jovem tímida e passiva</p><p>assume o leme de seu destino. A relação conjugal é ditada pela queda dos tabus à volta da</p><p>sexualidade.</p><p>Pode-se estabelecer dois momentos da existência da conjugalidade moderna: antes e</p><p>depois dos anos de 1960. O primeiro apoia-se na permissão da existência de sentimentos, que</p><p>recentemente passam a ser vividos pelo casal e influenciam o fim da dominação física, com</p><p>base no respeito mútuo. O segundo na crítica mais alargada às instituições e valores sociais da</p><p>época, a todas as formas de dominação a que a mulher é sujeita na relação conjugal, que</p><p>funcionavam como promotores de desigualdades e inibidores da liberdade (PATEL, 2005).</p><p>Outro momento importante ocorre com a explosão do capitalismo industrial,</p><p>particularmente em 1930 e a coexistência de realidades predominantemente agrárias e, do</p><p>movimento crescente de êxodo rural, influenciando a composição e os modos de vida familiar</p><p>desse período. Portanto, a família da primeira metade do século XX já era caracterizada como</p><p>a família da Modernidade (ALMEIDA, 1987).</p><p>O movimento de nuclearização da família continuou na década de 1950 e o início da</p><p>década de 1960. No período de 1920 a 1940, predominava a família nuclear, com muitos</p><p>filhos, havendo uma hierarquização clara nas relações familiares e uma divisão de tarefas em</p><p>função do gênero, seguindo regras rígidas e estáveis tornando segura a vida privada, sem a</p><p>inspeção e a intromissão externas, preconizando uma estrutura, uma hierarquia, papéis sociais</p><p>e normas de funcionamento (VAITSMAN, 1994; VIEIRA, 1998).</p><p>“Nos meios de comunicação e livros didáticos essa família é sempre branca, de classe</p><p>média, composta de pai, mãe, filhos e avós, e os sentimentos associados a esse modelo são de:</p><p>amor, acolhimento, apoio e segurança.” (SZYMANSKI, 2002, p. 17).</p><p>Durante a primeira metade do século XX, ainda persiste fortemente, o tabu da</p><p>virgindade e da gravidez não desejada. Somente nos anos de 1960, com o aperfeiçoamento da</p><p>pílula e a sua legalização em 1967, que a mulher passa a ter a liberdade de escolha de</p><p>engravidar ou não. As mulheres passam reivindicar igualdade com os homens, mas também</p><p>68</p><p>serem respeitadas nas suas diferenças. A sexualidade deixa de ser um assunto da Igreja, da</p><p>sociedade ou da família e passa a ser uma questão pessoal.</p><p>A relação conjugal caracteriza-se pelo amor e pelo respeito entre os cônjuges. O</p><p>modelo da mãe-esposa-sem-profissão triunfa e ao mesmo tempo, democratiza-se. O discurso</p><p>médico sobre a educação dos filhos e o discurso psicológico sobre as relações mãe-filho,</p><p>pressionam a mulher no sentido de restringi-la às funções domésticas e familiares. O conceito</p><p>de amor romântico contribui para esta situação. Os ideais de amor romântico têm um impacto</p><p>sobre a situação das mulheres, pois estes contribuem para situá-la em seu lugar: a casa</p><p>(PATEL, 2005).</p><p>A pressão da Igreja faz-se sentir em toda a sociedade, com princípios muito</p><p>conservadores; é inflexível quanto à contracepção. Mantém-se uma situação de dominação</p><p>masculina sobre a mulher, quer em termos psicológicos, quer em termos econômicos e de lei.</p><p>A mulher deve ser submissa ao seu marido e buscar a sua proteção.</p><p>Por sua vez o marido deve respeitá-la e fazê-la feliz. Apesar de entrar para o mercado</p><p>de trabalho, emancipando-se economicamente, esperava-se que a mulher não colocasse a sua</p><p>profissão, à frente dos interesses familiares, ao contrário dos homens, a quem se incentivava o</p><p>trabalho, uma vez que a ele era atribuído o ganha-pão das famílias.</p><p>Uma das definições de uma segunda fase da Modernidade é a da mulher dona-de-casa</p><p>e profissional, rainha do lar e consumidora prudente. Um modelo respeitado e venerado por</p><p>toda a sociedade, igreja, programas de televisão, rádio e reverenciado em entrevistas a atrizes</p><p>famosas da época. Era um ideal de vida e um valor considerado e respeitado pela sociedade</p><p>vigente.</p><p>Na segunda metade do século XX, estamos perante uma nova fase da Modernidade,</p><p>em que as relações conjugais, se desenvolvem cada vez mais, fora do casamento. Apoiam-se</p><p>no amor livre. As uniões de fato, deixam de ser uma consequência das condições sociais</p><p>ideais de vida e passam a ser um ideal de luta,</p><p>um símbolo de liberdade. A representação</p><p>desta luta feminista, nos anos 60, está na voz de Simone de Beauvoir, que em 1949, denuncia</p><p>a situação de opressão e de dominação masculina sobre a mulher na sociedade, que renuncia a</p><p>praticamente tudo, especificamente no casamento.</p><p>As mudanças ocorridas nesta mesma época na relação conjugal levam a</p><p>transformações da dominação masculina em termos físicos, legais e também escolares. As</p><p>jovens se rebelam, expressando a sua vontade de cortar tudo que está associado à geração</p><p>passada. A Modernidade é o tempo de mudança na relação conjugal, apoiada por novas leis</p><p>69</p><p>que definem um tratamento igual e iguais oportunidades para os homens e as mulheres,</p><p>pautadas pela reconquista do corpo, da liberdade de sentimentos. (PATEL, 2005).</p><p>Em todos os países da Europa, o número de jovens escolarizadas progride muito</p><p>rapidamente: as jovens passam a conviver desde cedo, com a abertura de escolas mistas e os</p><p>namoros, deixam de ser vigiados pelos pais. A democratização do ensino leva a uma presença</p><p>feminina cada vez maior, ainda que inferior à dos homens, no ensino superior. O acesso ao</p><p>ensino superior revela-se de extrema importância para as mulheres, pois dele depende o</p><p>acesso a uma atividade profissional.</p><p>No século XIX, a Europa passa por uma revolução sentimental: o amor e a vida</p><p>privada passam a ser um problema, uma questão a ser estudada. A separação do público e do</p><p>privado é muito recente, historicamente cerca de dois séculos apenas. Essa separação foi</p><p>muito difícil. Assim, ao final do século XIX, início do século XX, o privado se tornou</p><p>público. Entrou em crise a célula base da família, o casamento: monogâmico, com ou sem</p><p>amor, com ou sem desejo, por consentimento mútuo, tinha que durar. Era inimaginável a</p><p>separação ou o divórcio.</p><p>O amor romântico, a expulsão da reserva tradicional nas relações íntimas, a permissão</p><p>do erotismo e a escolha dos cônjuges não foram suficientes para manterem os casamentos “até</p><p>que a morte nos separe”.</p><p>Outro aspecto importante aparece colocando à prova a duração do casamento: o</p><p>divórcio. Com ele coloca-se uma possibilidade para a dissolução do casamento, dentro do</p><p>qual um dos dois encontrava-se infeliz. Isto suposto, também dependia da independência</p><p>econômica da mulher e nessa mesma época, a proporção de mulheres que saía para trabalhar</p><p>ainda era relativamente baixa e, continuava sendo difícil para elas obter o divórcio sem</p><p>estigma; homens e mulheres eram mais iguais do que haviam sido anteriormente, tanto de</p><p>fato, quanto legalmente. Esta é uma das principais características do casamento moderno,</p><p>aponta Araújo, 2002. Desde então, a instituição casamento, moldada pelas determinações</p><p>econômicas, sociais, culturais, de classe e gênero tem assumido inúmeras formas.</p><p>Esta família moderna exigia e esperava alguns padrões de comportamentos femininos,</p><p>que subordinavam as mulheres, ainda a um lugar de muitas responsabilidades e poucos</p><p>direitos. A mulher ainda mantinha seu papel exclusivamente voltado para a maternidade,</p><p>sendo rigorosa no cuidado da casa e na educação dos filhos, complementando o papel do pai,</p><p>que era quem exercia a autoridade e se responsabilizava pelo sustento financeiro do lar</p><p>(SIMIONATO-TOZO; BIASOLI-ALVES, 1998).</p><p>70</p><p>A insatisfação sexual das mulheres, o sofrimento vivido por elas nessa fase da família</p><p>burguesa dá lugar ao nascimento da subjetividade moderna, a figura paterna, o poder do pai</p><p>começa a se fragilizar. Pede-se cada vez mais amor, cada vez mais desejo; quer se juntar os</p><p>dois, contudo desejo tem prazo de validade, é difícil sustentá-lo o tempo todo. E assim, de</p><p>repente, muda o roteiro, o caminho a ser seguido é outro (KOLTAI, 2009).</p><p>A domesticidade das mulheres era outra característica bem difundida da modernidade.</p><p>Ao domesticar a mulher identificada com esta frase bem conhecida de todas nós, como: “A</p><p>Rainha do Lar”, divulgava-se um valor e um ideal, propagado aos quatro ventos, inclusive</p><p>em entrevistas na TV e no rádio, dadas por mulheres famosas desta época, mantinha-se e</p><p>reforçava-se este lugar, e só Deus sabe a que preço. Ser a “rainha do lar” era uma premiação</p><p>incomensurável.</p><p>Crescia-se ouvindo a importância de ser uma boa dona-de-casa. Com o tempo, a</p><p>insatisfação e o sentimento de impotência vivido naquela realidade, forjada por práticas</p><p>entendidas como as ideais, provoca uma desordem geral. Cansadas, sufocadas de terem</p><p>muitos deveres e serem orientadas em seus comportamentos, sobre, o que, como e quando</p><p>fazer ou não fazer as coisas, elas se fortalecem, reúnem-se e solicitam igualdade de direitos.</p><p>Esta domesticidade burguesa ajudou, entre outras razões, a promover o movimento feminista,</p><p>como antítese desta domesticidade.</p><p>Obviamente, as repercussões foram inegáveis para a divisão de papéis sexuais, tanto</p><p>no espaço público quanto no espaço privado, incluindo o da família (CHAVES, 2006),</p><p>especialmente no que diz respeito às mulheres (VAITSMAN, 1994).</p><p>No âmbito das relações sociais, começava uma nova participação social da mulher,</p><p>com a ascensão do movimento feminista, a revolução técnico-científica e o desenvolvimento</p><p>acelerado de novas ciências, especialmente as humanas (TRINDADE, 2001). Neste último, a</p><p>mulher ainda mantinha seu papel exclusivamente voltado para a maternidade, sendo rigorosa</p><p>no cuidado da casa e na educação dos filhos, complementando o papel do pai, que era quem</p><p>exercia a autoridade e se responsabilizava pelo sustento financeiro do lar (SIMIONATO-</p><p>TOZO; BIASOLI-ALVES, 1998).</p><p>Somente em 1943, segundo a legislação brasileira, a mulher casada passou a ter o</p><p>direito de trabalhar fora de casa sem a necessidade da autorização do marido, desde que este</p><p>não pudesse prover sua subsistência ou a de seus filhos. Em sua maioria eram analfabetas.</p><p>Adquiriram o direito ao voto em 1934 e, finalmente em 1962 ganharam seu próprio estatuto, o</p><p>71</p><p>que finalmente as colocou num lugar de legitimação e reconhecimento dos seus direitos e não</p><p>apenas dos seus deveres, enquanto cidadãs.</p><p>As mulheres reivindicaram seus direitos, correndo atrás de suas aspirações ao</p><p>crescimento pessoal, às quais o casamento e a família não podiam satisfazer, provocando uma</p><p>crise do casamento no final do século XIX. Estas mudanças no comportamento feminino</p><p>trouxeram muitas tensões no interior da família. “A educação das crianças tornou-se um</p><p>problema, e levou a família à busca dos especialistas, que consideravam os pais inaptos como</p><p>educadores e necessitados de suas informações” (PONCIANO, 2002, p.6).</p><p>Os mesmos movimentos de mudança levaram os casais a rever suas idealizações sobre</p><p>o casamento, o amor e a sexualidade. Novas formas de amar e se relacionar estão sendo</p><p>construídas para responder às exigências de uma sociedade onde os valores e as regras</p><p>econômicas e sociais estão sempre em mutação.</p><p>Portanto, a concepção moderna, que funda as relações familiares, baseando-as no</p><p>diálogo livre e aberto e na democracia. As dificuldades agora são outras. Sem um roteiro</p><p>definido para orientar os papéis de seus membros, a família terá de construí-los a cada</p><p>momento, com ajuda do saber especializado (FIGUEIRA, 1987). E, este saber especializado</p><p>precisa mais do que nunca, ouvir os sentimentos que ecoam das diferentes vozes que o</p><p>procuram e preparar-se para esta audiência.</p><p>E, por fim, o desejo de amor e proteção, afinidade e proximidade são comuns aos</p><p>sujeitos. Esse desejo fundamental,</p><p>na ausência de expressões mais livres, reaparece sob a forma que lhe empresta a</p><p>representação normativa idealizada. As aspirações legítimas de afeição e aconchego</p><p>organizam-se, hoje, no modelo ideal da família burguesa, de tal modo que é esse</p><p>ideal que povoa a imaginação de todos, mesmo daqueles que tiveram experiências</p><p>familiares desastrosas ou nem mesmo viveram a experiência da família. (MELLO,</p><p>2002, p.59).</p><p>Então, como já foi</p><p>pontuado anteriormente, a família nuclear fermentou antes da</p><p>industrialização e teve um formidável poder de resistência ao longo da história. Esta família</p><p>que surge desta fermentação entra em crise ao deixar transparecer os conflitos entre os valores</p><p>igualitários e as práticas hierárquicas.</p><p>Hoje, ainda, é tomada como referência, relembrada com nostalgia e considerada como</p><p>ideal, muito embora questionada. Continua no imaginário coletivo e aparece com maior</p><p>freqüência nos resultados de pesquisas até hoje. “Desse modo, a família nuclear é ainda</p><p>vivenciada como mais valorizada e legítima, como se o que fugisse a esse padrão fosse de</p><p>menor valor” (BOTTOLI et al., 2012, p.5).</p><p>72</p><p>Dando continuidade a estas mudanças Morin (1996) nos aponta para a importância da</p><p>consideração das proposições da Modernidade, da cientificidade clássica, que penetraram nas</p><p>ciências sociais e humanas, lembrando, por exemplo, que na Psicologia o sujeito foi</p><p>substituído por estímulos, respostas, comportamentos; na História também retirou-se o</p><p>sujeito, eliminaram-se as decisões, as personalidade, para só ver determinismos sociais.</p><p>Expulsou-se o sujeito da Antropologia, para só ver estruturas, e ele também foi expulso da</p><p>Sociologia. A consideração da existência do sujeito, sua reposição nas ciências humanas e</p><p>sociais que vem se processando sob variadas formas, trouxe a implicação necessária de se</p><p>considerar a incerteza nas vidas e na história humanas (GATTI, 2005). Incerteza essa que</p><p>aparece a cada nova situação que surge. A história não para. A decepção com as mudanças</p><p>propostas e não realizadas na modernidade trouxeram consigo um novo movimento: o da Pós-</p><p>Modernidade.</p><p>4.2 Pós-modernidade</p><p>“O não cumprimento das propostas modernas trouxe consigo a perda da fé no</p><p>progresso, o pragmatismo como forma de vida e de pensamento, o desencanto, a indiferença,</p><p>a flexibilidade na política e tomada de decisões, uma redução nas especializações (mescla de</p><p>papéis), o historicismo, o multiculturalismo e uma primazia da estética sobre a ética”.</p><p>(PÉREZ-GÓMEZ, 2001, p.26-29). Com base nesta insatisfação geral e com o avanço de</p><p>outros conhecimentos, em meados do século XX, a partir da década de 70, pós Segunda</p><p>Grande Guerra Mundial, as técnicas e a tecnologia assumem papel de destaque, trazendo</p><p>muitas transformações, bem como novos comportamentos.</p><p>De acordo com Gatti (2005), Ampliam-se as formas e as técnicas de construção do</p><p>conhecimento, os consensos teóricos científicos se diluem, rompem-se os grandes modelos</p><p>epistemológicos, com suas pretensões de verdade, objetividade e universalidade; ruptura essa</p><p>que se faz pela ideia da indeterminação, da descontinuidade, do pluralismo teórico e ético, da</p><p>proliferação de modelos e projetos, dando passagem à interdisciplinaridade, uma das</p><p>principais marcas na construção do saber e figura marcante no debate sobre a legitimidade</p><p>científica em finais do século XIX e no decorrer do século XX.</p><p>Assiste-se a um questionamento dos postulados pela própria ciência. Os caminhos</p><p>buscados pelas ciências afirmam esse posicionamento. O avanço do capitalismo no Ocidente,</p><p>a sociedade de serviços, a globalização da tecnologia foram outras consequências desta nova</p><p>73</p><p>fase. Viu-se emergir o triunfo das indústrias de serviços, das finanças e da informação. O</p><p>determinismo das leis da natureza, como afirma Prigogine (1996) foi colocado em xeque.</p><p>Esse modelo, segundo este autor teve um imenso sucesso.</p><p>Instaurou-se assim, aos poucos o desejo de escapar a um mundo duro e do qual não se</p><p>tinha esperança de transformação, exacerbando a individuação, a fuga da realidade, a falta de</p><p>ideais partilháveis, a afirmação da falta de sentido da vida. Há um esvaziamento cético de</p><p>palavras emblemáticas como liberdade, justiça, solidariedade, propostos pela Modernidade.</p><p>(PRIGOGINE, 1996). Trata-se, pois, de um movimento crítico que se desenvolveu com</p><p>relação à pretensão de autonomia e de emancipação (PATEL, 2005).</p><p>A evidência destes novos fatos socioculturais levou alguns estudiosos a caracterizá-los</p><p>como pós-modernos, instalando-se uma polêmica sobre o fim da Modernidade. De acordo</p><p>com Lyotard (1993), este período pode ser entendido como o estado da cultura após as</p><p>transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes. Este</p><p>pensamento tenta traduzir as mudanças de estatuto dos saberes que se processam ao mesmo</p><p>tempo em que as sociedades entram na idade dita pós-industrial. É por si só um conceito que</p><p>se apóia na mudança, na contracorrente, na diferença. Não se encontra de forma definitiva em</p><p>qualquer lado e circula por todo o lado um pouco (PATEL, 2005).</p><p>É inegável a presença desta “movimentação”, desta “circulação”, que promove tantas</p><p>incertezas, inseguranças e muita ansiedade e, que na maioria das vezes não se pode definir o</p><p>que seja, mas é sentida por todos nós. Não possuindo um "ideal comum e homogêneo", a Pós-</p><p>Modernidade é um movimento, contrário à tradição e à Modernidade. Parece que o pós-</p><p>moderno tenta preencher seus espaços vazios com a "enumeração de mudanças e</p><p>modificações", buscando rupturas e eventos, "em vez de novos mundos, busca o instante</p><p>revelador depois do qual nada mais foi o mesmo" (JAMESON, 2000, p.13).</p><p>A Pós-Modernidade desenvolveu-se a partir da crítica ao pensamento dominante e à</p><p>razão autoritária, isto não significa uma crítica à racionalidade. Um de seus principais</p><p>objetivos parece ser, desde finais do século XIX, mediante o pensamento de se postar</p><p>criticamente a quase toda forma de pensamento que se pretenda único e universal (moral e</p><p>dogmático) (FRANCELIN, 2004).</p><p>Os impulsos iniciais dessas ocorrências são desvencilhamentos, desligamentos,</p><p>individualização, fragmentar-se para crescer, personificar-se em uma unidade para distinguir-</p><p>se das demais. A aceitação do indeterminado e a "intensa desconfiança de todos os discursos</p><p>74</p><p>universais ou (para usar um termo favorito) “totalizantes” são o marco do pensamento pós-</p><p>moderno" (HARVEY, 2002, p.19).</p><p>Dill (2011) define a era pós-moderna marcada por um caráter romântico e sentimental,</p><p>tido como irracional e indeterminado, ligado à sociedade de massa e à cultura de massa. As</p><p>sociedades ocidentais, cada uma no seu ritmo, chegam ao final do século XX, integradas num</p><p>mesmo processo de globalização e numa igual procura de melhores condições de vida que</p><p>passam por questões ambientais, de justiça e de igualdade para todos, o que inclui iguais</p><p>direitos para homens e mulheres, assim como para as diferentes raças, etnias, culturas e faixas</p><p>etárias da população (PATEL, 2005, p.110).</p><p>A definição de Pós-Modernidade para Iskandar (2001) pode ser mais bem</p><p>compreendida sob o ponto de vista deste esgotamento, oposição, ruptura, crítica ou</p><p>distanciamento como contraponto da Modernidade e encontra em Nietzsche (1844-1900) e</p><p>Heidegger (1887-1976) segundo o autor, os precursores da Pós-Modernidade.</p><p>Iskandar (2001), baseando em Nietzsche, afirma que a transição da Modernidade para</p><p>a Pós-Modernidade se dá ao se alcançar o nihilismo, que é a desvalorização dos valores</p><p>supremos, tais como verdade, bem, mal, certo, errado, razão, humanidade, religião. A questão</p><p>aqui colocada está no fato de que esses valores não foram substituídos por outros.</p><p>Ainda este mesmo autor (2001), respaldando-se nos estudos de Heidegger, pensa que</p><p>o nihilismo dá-se na redução ou dissolução do ser no valor, como valor de mudança. Com o</p><p>nihilismo, primeiro de Nietzsche e posteriormente de Heidegger, termina um período</p><p>importante na história do pensamento e da razão.</p><p>Argumenta-se que esses eventos tratados como novos, não o são em essência, estando</p><p>eles ainda sob a regência da Modernidade, colocando-se esta como um período histórico-</p><p>cultural e científico que ainda não acabou (GATTI, 2005; FRANCELIN, 2004).</p><p>Pós-moderno designaria uma ruptura com as características</p><p>do período moderno, o que</p><p>para muitos analistas ainda não aconteceu de modo claro, movimento que ainda está se</p><p>produzindo nas diferentes sociedades em maior ou menor rapidez, não se distinguindo</p><p>consolidações que ajudem a qualificá-lo melhor. Pode-se adotar a posição de que estamos</p><p>vivendo a transição para a Pós-Modernidade e que os sinais, as tendências verificáveis,</p><p>traduzem caminhos mais do que posições consolidadas. É um conceito que transcende a</p><p>Modernidade, mas não a dissolve em sua fragmentação e descontinuidade, apresenta-se na</p><p>diversidade e na incerteza na cultura, nas ciências, nas artes e na filosofia.</p><p>75</p><p>Lechte (2002) diz que o período moderno estava baseado na produção e o pós-</p><p>moderno, na reprodução. Nesse caso, a Pós-Modernidade é uma linha de pensamento que</p><p>questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e objetividade, a ideia de</p><p>progresso ou emancipação universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os</p><p>fundamentos definitivos de explicação (EAGLETON, 1998).</p><p>Considerando esta interdependência entre a Modernidade e a Pós-Modernidade Patel</p><p>(2005, p.25), respaldando-se em Harvey (2002), fala numa “continuidade dentro da</p><p>descontinuidade e assume uma posição mais crítica em relação ao conceito de Pós-</p><p>Modernidade, entendendo-o como uma versão da Modernidade. A mais difícil questão sobre</p><p>o movimento pós-moderno seria o seu relacionamento com a cultura da vida diária e a sua</p><p>integração nela”. Não obstante, a Pós-Modernidade reflete-se atualmente no cotidiano social,</p><p>coexistindo de forma mais ou menos pacífica, com a Modernidade e a tradição.</p><p>Baseando-se no pensamento de Giddens (2000), Patel resolve as contradições deste</p><p>conceito, recorrendo a outro:</p><p>[...] o de sociedade pós-tradicional. Uma sociedade global, no sentido de espaço</p><p>indefinido. Uma sociedade em que os laços sociais têm de ser construídos, ao invés</p><p>de herdados do passado. Uma ordem social descentralizada em termos de</p><p>autoridades, mas recentralizada em termos de oportunidades e dilemas. A</p><p>intensificação do processo de globalização exige uma justificação para tudo o que</p><p>tradicionalmente é aceito pela típica frase do: "é assim porque é". (PATEL, 2005,</p><p>p. 26).</p><p>Desta forma, como os que postulam a continuidade da Modernidade nos tempos</p><p>atuais, a posição dos que postulam o contrário, o seu fim, emerge da crise nos estatutos da</p><p>própria Modernidade. O termo Pós-Modernidade tem se mostrado polissêmico, sendo</p><p>utilizado no mais das vezes de modo genérico, como nos explica Francelin, (2004), afirmando</p><p>que esta polissemia é devida ao fato de que ele reflete um estado de espírito, mais do que uma</p><p>realidade já cristalizada. Porém, efetivamente é isto o que é o pós-moderno: o tudo e o seu</p><p>oposto.</p><p>Há, portanto, uma indefinição no próprio espírito da Pós-Modernidade. Essa</p><p>indefinição se estabelece em contrapartida à cristalização: a certeza da incerteza. Uma</p><p>definição impõe limites, categoriza e reduz. A Pós-Modernidade existe pela possibilidade de</p><p>se negarem os limites, as categorias e as reduções impostas pelo pensamento moderno</p><p>(FRANCELIN, 2004). De qualquer modo, não se pode falar em Pós-Modernidade sem fazer</p><p>um contraponto com a Modernidade (GATTI, 2005).</p><p>76</p><p>No entanto, o termo Pós-Modernidade, tem sido usado cada vez com maior freqüência</p><p>e vem sendo empregado para traduzir a posição do saber nas sociedades mais desenvolvidas,</p><p>posição que se delineia nos cenários atuais, cibernético-informáticos, informacionais e</p><p>comunicacionais.</p><p>Alguns pontos característicos da Pós-Modernidade foram sintetizados por Azevedo</p><p>(1993, p.91), a saber:</p><p>1) A Pós-Modernidade surge pela invalidação histórica e cultural das grandes</p><p>análises e seus decorrentes relatos de emancipação, 2) as amplas visões filosóficas,</p><p>políticas ou religiosas típicas da Modernidade, que pretendiam tornar aceitáveis</p><p>normas unicistas, pelas quais deveriam se reger as coletividades, a ciência, o</p><p>progresso, dando uma visão integrada, explicativa de eventos e fatos, passam a ser</p><p>consideradas apenas como narrações estilizadas e não como visões objetivas da</p><p>realidade, 3) a uniformização que impõem, a sua pretensão a uma objetividade</p><p>universal, e suas decorrentes promessas de salvação para indivíduos e grupos, foram</p><p>desqualificadas pelos eventos históricos, pelos totalitarismos, pela dizimação de</p><p>populações, pelas coletivizações agressivas, restritivas e pauperizantes, 4) os sonhos</p><p>de alcance universal foram abalados e as posturas pós-modernas desqualificam essas</p><p>narrativas, essas visões amplas, colocando os contextos locais, com suas</p><p>singularidades e particularidades próprias "como fontes de resistência a toda</p><p>pretensão moderna e hegemônica de uma cultura universal, 5) uma última</p><p>característica seria que a era pós-moderna "minimiza o sentido emancipador da</p><p>história que o moderno dá ao homem, através dos mitos do progresso, da salvação e</p><p>da construção da própria história. Não é negado este sentido, mas sua unicidade.</p><p>(AZEVEDO, 1993, p.91).</p><p>Azevedo (1993, p.32) conclui suas colocações sobre a Pós-Modernidade afirmando</p><p>que, num sentido negativo, ela traz "um estilo de pensamento desencantado da razão moderna</p><p>e dos conceitos a ela vinculados vendo na Modernidade os "riscos de: coerção, totalitarismo,</p><p>desenvolvimento competitivo e funcionalista"; de outro lado, num sentido positivo, a Pós-</p><p>Modernidade traz uma nova forma de racionalidade, "pluralista e fruitiva", longe de</p><p>pretensões universalistas.</p><p>Com a intensificação da fragmentação da realidade social e cultural desencadeada</p><p>pelas tecnologias, pela comunicação de massa, pela informação intensa, instantânea e rasa,</p><p>sem reflexão, resvala-se para uma multiplicidade de sentidos sem sentido e para a perda de</p><p>referências mais sólidas, estas se substituindo em avalanches marqueteiras ou midiáticas.</p><p>Francelin (2004) discorda que a Pós-Modernidade tenha essa característica de</p><p>fragmentação quando reduzida a aspectos midiáticos e tecnológicos. Acredita, sim, que é</p><p>caracterizada por uma flexibilidade que não deve ser confundida com fragmentação. Para esta</p><p>autora, o desenvolvimento técnico e tecnológico, nestes moldes, já se encontrava fragmentado</p><p>bem antes da Pós-Modernidade. Dessa maneira, a saída é chamar a Pós-Modernidade de</p><p>subjetiva, e pode até comportar este aspecto, mas não é o único. Aliás, não há a possibilidade</p><p>77</p><p>de se captar este caráter de único na Pós-Modernidade. Muito pelo contrário, as nuances são</p><p>muitas e nos deparamos com elas diariamente em nosso mundo pós-moderno.</p><p>A conquista da liberdade não é mais a busca de plenitude de vida ética para si e para a</p><p>sociedade, mas a própria autonomia. A liberdade do indivíduo se expressa como uma forma</p><p>de obediência a si mesmo, não sendo acompanhada de uma responsabilidade pelo bem</p><p>comum ou por uma doutrina política baseada no princípio da utilidade (ARAÚJO, 2007,</p><p>p.90). Neste mundo pós-moderno observamos a insensibilidade que tomou conta do</p><p>indivíduo, perante as mazelas de um mundo em constante clima de caos: a fome, a miséria, as</p><p>guerras, as epidemias e tudo aquilo que enche páginas e mais páginas de livros, jornais e</p><p>revistas, além dos programas jornalísticos nos mais variados tipos e formas de apresentação.</p><p>O materialismo exagerado, ávido de riquezas, não tem qualquer atenção pelas</p><p>exigências e sofrimentos dos mais fracos, nem consideração pelo próprio equilíbrio dos</p><p>recursos naturais. Em nossa época, incentivada por uma cultura utilitarista e tecnocrática,</p><p>tende-se a avaliar a importância das coisas e também das pessoas sobre a base da sua</p><p>“funcionalidade imediata” (KEHL, 2003, p.160). É efeito da Pós-Modernidade? Não.</p><p>Conforme Francelin (2004), a Pós-Modernidade não surge dessa maneira. São muitas as</p><p>questões a serem consideradas. Entre elas, a Pós-Modernidade assenta essencialmente num</p><p>conceito individualista e flutuante,</p><p>na medida em que se assume em tempos e espaços</p><p>diferentes, consoante os indivíduos em questão.</p><p>É possível definir a Pós-Modernidade como o conflito permanente entre o um e o</p><p>todo, o eu e os outros, um conflito que gera perturbações sociais, familiares, profissionais,</p><p>econômicas, políticas e individuais. A Pós-Modernidade depende do resultado da relação de</p><p>forças que se estabelece entre o eu e o nós e da capacidade que os indivíduos têm para mantê-</p><p>la. Esta relação tem se mostrado bastante complexa e exigido de cada indivíduo certo esforço,</p><p>no sentido de rever sua posição individualista, em favor do nós. Um exemplo disto é a perda</p><p>de vidas por diferentes razões, que parece uma questão muito teórica, que diz respeito ao</p><p>conjunto de uma população, isto é, que diz respeito, geralmente aos outros e não à nós</p><p>(PATEL, 2005).</p><p>Conforme aponta Moraes (2000, p.212), estamos passando "por uma nova era quando</p><p>a produção da cultura tornou-se integrada à produção de mercadorias em geral: a frenética</p><p>urgência de produzir bens com aparência cada vez mais nova". O impacto instantâneo</p><p>prevalece sobre os significados e a falta de profundidade de grande parte da produção cultural</p><p>atual é posta em evidência (JAMESON, 1996).</p><p>78</p><p>Presenciamos estes comportamentos em todos os âmbitos de nossas vidas. Objetos,</p><p>aparelhos eletrônicos, carros, TVs, mobília, tudo é trocado com muita facilidade. A</p><p>permanência dos mesmos angustia, já que a percepção é de ter ficado para trás, dada a</p><p>velocidade com que tudo se transforma. A vida da família pós-moderna é marcada por uma</p><p>preocupação com o bem-estar e conforto de todos os seus elementos e faz surgir uma</p><p>identidade apoiada no reconhecimento social marcado mais pelo ter, do que pelo ser (PATEL,</p><p>2005). O consumo excessivo é outra característica das sociedades atuais, mantendo-as</p><p>totalmente dependentes dos rendimentos para realizá-los, tornando-se uma condição básica e</p><p>necessária, que motiva horas infindáveis de trabalho para alcançá-lo.</p><p>Este consumo exagerado pode ter outros significados, além do prazer na aquisição de</p><p>um bem material. Pode significar o preenchimento de outros vazios, como o do coração. “A</p><p>perspectiva pós-moderna identifica o ser feliz com toda forma de prazer, com a liberação e a</p><p>satisfação do desejo, com a fuga do sofrimento. A dimensão ética e espiritual da felicidade é</p><p>subordinada à dimensão sensível e psíquica” (KEHL, 2003, p.160). Para fugir de um tipo de</p><p>sofrimento criamos outros novos sofrimentos. O homem pós-moderno trocou o desejo de</p><p>felicidade por não aceitar ser infeliz (KOLTAI, 2009). Trocou algo para ganhar outro. Sempre</p><p>há ônus e bônus nas escolhas que fazemos. Não há ganho sem perda.</p><p>Koltai (2009), apoiando-se em Bauman (2003), também entende que o ser humano</p><p>está aceitando perder para poder ganhar. Uns encontram esse caminho sendo eremitas, outros</p><p>se diluem na massa, outros no erotismo intenso. Para cada um haverá uma escolha para</p><p>encurtar o caminho para a felicidade. Segundo esta mesma autora, baseando agora em Freud</p><p>(1969), aponta que o ser humano pós-moderno trocou um quinhão de liberdade por um</p><p>quinhão de segurança. No mundo pós-moderno trocou-se a segurança moderna e criou-se a</p><p>sociedade do medo, a conquista da felicidade a qualquer preço está em primeiro lugar, tudo</p><p>em nome de uma liberdade individual.</p><p>O mal estar faz parte da humanidade; ele é estrutural, não é conjuntural, faz parte da</p><p>civilização. Koltai (2009) reconhece que o mal estar existe na Pós-Modernidade. O mal estar</p><p>vem da dívida que nos cobramos ao comparar a família que conseguimos improvisar com a</p><p>família que nos ofereceram nossos pais, ou com a família que nossos avós ofereceram a seus</p><p>filhos, ou com o ideal de família que nossos avós herdaram das gerações anteriores, que não</p><p>necessariamente o realizaram. Até onde teremos de recuar no tempo para encontrar a família</p><p>ideal com a qual comparamos as nossas? (KEHL, 2003).</p><p>79</p><p>Esta virada da Modernidade para a Pós-Modernidade é provocada pela procura de uma</p><p>sociedade mais justa em termos de direitos e de oportunidades. A Pós-Modernidade encerra</p><p>em si o dilema da igualdade, porque a coexistência de diferentes vivências não é pacífica e</p><p>gera contradições. O conceito da igualdade é moderno, mas a sua operacionalização é pós-</p><p>moderna. Na verdade os interesses individuais masculinos, tradicionalmente voltados para o</p><p>trabalho e para o lazer, chocam com os interesses coletivos da família na Pós-Modernidade.</p><p>Assim como a sociedade contemporânea tenta romper com o padrão hierárquico, a</p><p>família igualitária também o faz e valoriza os indivíduos por suas idiossincrasias. O princípio</p><p>regulador das relações no interior dessa família é a equivalência, promovendo o</p><p>relacionamento dos indivíduos com base no ideal de igualdade e respeito, rompendo com a</p><p>ideia de que as categorias homem/mulher e adulto (pais) / criança (filhos) sejam</p><p>intrinsecamente diferentes (HEILBORN et al., 2004; COELHO, 2007).</p><p>A relação conjugal que se desenvolve numa base de igualdade, mantém traços da</p><p>dominação masculina, mas aponta para a mudança efetiva de comportamentos. A Pós-</p><p>Modernidade não elimina as desigualdades, mas questiona-as e procura novos caminhos onde</p><p>seja possível desfazê-las. Observa-se ainda, na relação conjugal pós-moderna, a falta de</p><p>participação dos homens no espaço doméstico. Um dos motivos, pelos quais as análises</p><p>feministas, sublinham a apropriação do trabalho doméstico (invisível porque não está incluído</p><p>nas contas da nação) pelos maridos, que se beneficiam de todas as vantagens do casamento.</p><p>Na relação conjugal que se desenvolve na base do dominante versus dominado, não há</p><p>negociação de novas formas de organização familiar, o poder é reconhecido e legitimado pela</p><p>história das gerações anteriores.</p><p>Facilmente se atribuem à mulher, as responsabilidades domésticas e familiares, a que</p><p>está vinculada sem querer, mesmo quando trabalha fora de casa. A atribuição do doméstico à</p><p>mulher faz funcionar a vida conjugal. Ao contrário do que se imaginava na década de 1960</p><p>com os avanços na contracepção, que tiveram consequências diretas na fecundidade, na taxa</p><p>de divórcios, e em decorrência na expansão do trabalho profissional feminino e na década</p><p>1970 com a progressiva entrada das mulheres no mercado de trabalho, não é acompanhada de</p><p>forma idêntica ao aumento de participação dos homens nas tarefas domésticas. A mulher</p><p>ainda ocupa-se com a maioria das tarefas relacionadas com a casa, com os cuidados e a</p><p>socialização das crianças. Torna-se necessário um aumento da competência masculina nas</p><p>tarefas tradicionalmente femininas, para que se possa pensar em troca, ou em partilha de</p><p>tarefas.</p><p>80</p><p>Há uma estreita dependência entre as opções profissionais das mulheres e os encargos</p><p>domésticos que lhes são atribuídos. Portanto, há um investimento feminino, ao nível escolar e</p><p>profissional que não pode ser desenvolvido em condições iguais ao investimento masculino,</p><p>uma vez que a não emancipação da mulher ao nível familiar e a ausência do envolvimento dos</p><p>homens, nas atividades do foro doméstico são desiguais (PATEL, 2005). De acordo com este</p><p>posicionamento está a socióloga francesa Irene Théry, citada por Barbosa (2002, p. 48) que</p><p>contempla a família contemporânea sob o enfoque da pluralidade, diversidade,</p><p>heterogeneidade, multiplicidade e variedade. “No entanto, há um hiato entre a construção</p><p>teórica, no seio da comunidade científica, e a realidade que se repete e se estrutura,</p><p>transformando os usos e costumes”.</p><p>Nesse contexto, começam a emergir diferentes sociedades, com identidades culturais</p><p>plurais, e juntamente com tal emergência, inicia-se uma nova estrutura familiar com</p><p>transformações, tais como: envolvimento parental com o cuidado do bebê, desvinculação da</p><p>mulher com a imagem de mãe, liberdade de expressão, independência financeira da mulher</p><p>com</p><p>a possibilidade do exercício de uma profissão e a luta pela igualdade de gênero. Emergiu</p><p>assim uma diversidade de configurações familiares, observando-se a impossibilidade de se</p><p>elaborar um conceito único e fechado para o significado de família (VILHENA, 2004,</p><p>KOLTAI, 2009).</p><p>O matrimônio deixa de ser a única possibilidade para os casais se relacionarem</p><p>enquanto tal. Os papéis desempenhados pelas mulheres e pelos homens, nas relações que</p><p>estabelecem, são fruto da socialização destes, nos respectivos gêneros. Cria-se desta forma a</p><p>imagem, ou a miragem, pós-moderna da igualdade, em que o casal improvisa e transmite a</p><p>ideia de que não há qualquer tipo de preconceitos, ou injustiça, na relação conjugal (PATEL,</p><p>2005).</p><p>Outra dimensão da família pós-moderna tem a ver com a destruição do ninho. Os pais</p><p>vão perdendo seu papel exclusivo na educação dos filhos. A tarefa passa a ser igualmente uma</p><p>responsabilidade pública, que o Estado assume por meio de suas instituições e os adolescentes</p><p>afastam-se do seio familiar. Novamente, o papel das mulheres é decisivo. O aumento da</p><p>escolarização feminina, a entrada da mulher para a vida profissional ativa, a divisão de</p><p>funções familiares para a execução de algumas tarefas e a consequente transformação dos</p><p>papéis conjugais e parentais resulta na desvinculação da mulher do espaço doméstico e da sua</p><p>exclusividade na educação dos filhos (PATEL, 2005).</p><p>81</p><p>As questões da família de hoje, são questões de uma família pós-moderna. Uma</p><p>família que vive num tempo acelerado, de incerteza, de inovação. Abre-se um espaço ao</p><p>diálogo que permite a manutenção dos vínculos interpessoais. Na ausência deste espaço, a</p><p>única possibilidade, é a da desvinculação que nos dias de hoje, se manifesta mediante os</p><p>elevados números de separações e divórcios. Trata-se do primado do “eu sobre o nós”</p><p>conjugal que desvaloriza a fidelidade e a perenidade, em favor da autorrealização de cada um</p><p>(PATEL, 2005, p.27).</p><p>Para Shorter (1995, p.27) “este fenômeno decorre de um primeiro, caracterizado pela</p><p>intensificação da vida erótica do casal que injetou uma boa dose de material explosivo na</p><p>relação conjugal”. O desejo torna-se cada vez mais importante do que o amor neste mundo</p><p>pós-moderno, a ponto dos casamentos se tornarem cada vez mais frágeis, justamente porque</p><p>não podem dar o que o ser humano procura em busca da felicidade.</p><p>O desejo torna-se o único parâmetro essencialmente real e produtor de realidade.</p><p>Isso leva à passagem da cultura dos direitos do homem à cultura do homem dos</p><p>direitos, dos quais o mais reivindicado é o do prazer, enquanto fonte e base da</p><p>felicidade, e substituto da virtude. Todo prazer possível é legítimo, pelo fato de que</p><p>possa ser experimentado e não porque seja moralmente bom. (KEHL, 2003, p.161).</p><p>No campo sexual os extremos se tocam, do tabu à libertinagem. O sexo se tornou</p><p>passatempo, sem assumir a responsabilidade de uma relação mais profunda e duradoura. Há</p><p>uma busca da autorrealização sexual, sendo a sexualidade libertada do controle social (KEHL,</p><p>2003). Na verdade, se as mulheres se sentem insatisfeitas com a relação que têm, o amor se</p><p>fragiliza, um emprego lucrativo favorece sua independência econômica em relação ao marido,</p><p>permitindo-lhes desfazer a união. O centro da família é formado cada vez mais pela mãe e os</p><p>filhos, o polo mais frágil que era a mulher, com a conquista da sua independência econômica</p><p>muda esse fato (KOLTAI, 2009; HINTZ, 2001). Desta forma, o casamento torna-se uma</p><p>relação iniciada e mantida pelo maior tempo possível e a relação pura encontra-se à deriva.</p><p>“A força do amor por si só não gera o compromisso, nem lhe confere autoridade”</p><p>(PATEL, 2005, p.28). As expectativas que pesam sobre o casal em relação aos aspectos</p><p>afetivo, sexual e material, impedem-no de estabelecer uma relação duradoura e explicam quer</p><p>o número de divórcios, quer a ruptura das uniões de fato. Às uniões livres e ao casamento</p><p>legalmente instituído, sucedem-se novos modelos familiares que decorrem da instabilidade e</p><p>da efemeridade dos primeiros. A cultura hedonista separa a sexualidade de qualquer norma</p><p>moral objetiva, reduzindo-a frequentemente ao nível de objeto de diversão e consumo,</p><p>82</p><p>favorecendo, com a cumplicidade dos meios de comunicação social, uma espécie de idolatria</p><p>do instinto (KEHL, 2003, p.159.)</p><p>Apesar da instabilidade familiar e da sua estrutura cada vez mais diversificada, nos</p><p>dias de hoje, continua a ser no seio da família, que se constrói a identidade de cada indivíduo,</p><p>a construção dia após dia desta continuidade de si mesmo, desta rotina que faz de cada ser</p><p>humano uma pessoa única e singular (PATEL, 2005).</p><p>A família contemporânea é essencialmente relacional e suas relações são valorizadas,</p><p>bem como a satisfação encontrada em cada um dos seus membros (SINGLY, 2007). Contudo,</p><p>ela tem trazido desafios para seus membros. O que se observa no cotidiano é que as relações</p><p>familiares são mais complexas, ou seja, a família vivida é mais flexível em suas regras e</p><p>plural em suas formas, e desempenho de papéis, as relações familiares têm de ser reinventadas</p><p>e negociadas cotidianamente (VAITSMAN, 1994).</p><p>E as características de um modelo e de outro se mesclam de inúmeras maneiras,</p><p>compondo famílias singulares. Essas reinvenções e negociações são atravessadas pelas</p><p>contradições que os modelos hierárquicos e igualitários trazem e pelas transformações que</p><p>têm tido lugar em nossa sociedade atual. Pais que foram criados em famílias primordialmente</p><p>hierárquicas buscam educar seus filhos de forma mais igualitária. Empregam um estilo</p><p>participativo-igualitário baseado no diálogo, afeição e compreensão (KEHL, 2003).</p><p>No modelo igualitário, os pais saem do seu papel tradicional para serem amigos dos</p><p>filhos, deixando uma lacuna no lugar da figura da autoridade. Contudo, é na adolescência que</p><p>se observam as transformações que se tornam mais visível e os pais precisam estar mais</p><p>atentos e presentes do que nunca. A visibilidade nessa fase advém do fato do sujeito buscar</p><p>independência e autonomia, fazendo um movimento de individuação e separação progressiva</p><p>dos pais. afirmando que a família educa seus filhos hoje, enfatizando a iniciativa e a</p><p>autonomia, e deprecia a obediência (SINGLY, 2000).</p><p>Vivemos em uma cultura em que a autonomia e a independência são valores centrais e</p><p>exaltados. Desse modo, os pais transmitem a seus filhos a ambição de não repetir a vida e</p><p>o status dos adultos que os engendraram (CALLIGARIS, 2000). Nesse momento, a</p><p>autoridade dos pais pode ser destituída ou, ao menos, minada conforme os filhos sentem que,</p><p>para corresponderem aos valores transmitidos, têm que superar os pais. A superação implica</p><p>um questionamento da autoridade parental e esta é inquestionável.</p><p>Esta situação causa vários impactos no relacionamento entre pais e filhos. A educação</p><p>dos filhos na Pós-Modernidade tornou-se um grande desafio para os pais. A paternidade e a</p><p>83</p><p>maternidade têm sofrido uma série de alterações nos últimos tempos. Esta dificuldade, diz</p><p>respeito a não saber sustentar sua posição de autoridade responsável perante as crianças.</p><p>É como se sentissem impedidos de legitimara suas funções no âmbito das estruturas</p><p>familiares que eles foram capazes de constituir. Seja como for, cabe aos adultos que</p><p>assumiram o encargo das crianças, o risco e a responsabilidade de educá-las e ser capazes de</p><p>lhes impor as restrições necessárias a um processo educativo. O número crescente de</p><p>divórcios e recasamentos também colaboram com esta situação, agravando-a, dado o</p><p>crescente número de responsáveis pela criança, tornando a transmissão da autoridade mais</p><p>problemática (ROUDINESCO, 2003).</p><p>O exercício de autoridade espelha o modo como a família lida com a hierarquia em</p><p>seu interior. Assim sendo, podemos observar que, nos variados modelos familiares, a</p><p>hierarquia se faz presente.</p><p>Tem-se, desse modo, uma distinção nos papéis desempenhados</p><p>pelos membros da família, os quais implicam em diferentes funções, em responsabilidades,</p><p>em direitos e em deveres. Esse é o desafio que se coloca nas famílias contemporâneas, o de</p><p>estabelecer a hierarquia, mantendo o exercício da autoridade (STENGEL, 2011).</p><p>No caso dos filhos adolescentes, estes creem que sabem tudo e se sentem com</p><p>autonomia para tomar decisões, não cabendo um controle externo, ou seja, o controle parental.</p><p>Tudo o que é esforço e disciplina está desvalorizado em benefício do culto do desejo e de sua</p><p>realização imediata. Cabe aos pais tornarem-se os freios de mão dos seus filhos adolescentes,</p><p>já que os mesmos não têm condições de fazê-lo. Educar não é uma tarefa fácil. Exige</p><p>presença, firmeza, disciplina, repetição e diálogo. Um primeiro ponto a ser considerado é que</p><p>a possibilidade de deixar que o outro se afaste está diretamente ligada à confiança que se tem</p><p>nele.</p><p>As normas e os valores que são apreendidos no seio da família permanecem com os</p><p>sujeitos ao longo da vida, atuando como base para a tomada de decisões e atitudes. Mesmo na</p><p>fase adulta, a família continua dando sentido às relações entre os sujeitos e sendo um espaço</p><p>em que as experiências vividas são elaboradas (SARTI, 2004 b).</p><p>Os filhos que não rompem com os modelos de parentalidade, têm parâmetros bem</p><p>definidos para serem pais e mães, ou seja, têm como recorrer à tradição (KEHL, 2003) e</p><p>sentirem-se mais seguros na educação dos seus próprios filhos, tornando-se cada vez mais</p><p>sensíveis à qualidade de suas relações, que serão projetadas nos relacionamentos externos à</p><p>famílias (BARBOSA, 2002).</p><p>84</p><p>Sem dúvida, diversos fatores externos ao grupo familiar advindos das modificações</p><p>cultural e econômica, da aquisição tecnológica, de novos valores sociais e religiosos levaram</p><p>“à modificação da estrutura familiar, provocando nos indivíduos a necessidade de se</p><p>adequarem internamente. reformulando seus valores familiares e individuais” (HINTZ, 2001,</p><p>p.11).</p><p>Surgiu a família moderna, também denominada de família burguesa, modelo de</p><p>organização familiar que começou a se solidificar no século XVIII com características de</p><p>família nuclear: pai, mãe e filhos.</p><p>Por esta razão, a relação entre pais e filhos pode e deve ser revisitada e remodelada</p><p>atendendo ao chamado de uma nova época. Esse processo demanda modificações na família,</p><p>havendo necessidade de adaptação às regras e, consequentemente, de ajustamento no</p><p>exercício da autoridade sem ter que abandoná-la (KEHL, 2003). Suposto isto, como resolver</p><p>esta situação que cria tantos impasses? Se há tanta solicitação de mudanças permanecer no</p><p>modelo tradicional seria um retrocesso.</p><p>Com certeza, o que temos que observar não é o abandono do modelo anterior, mas sim</p><p>aos ajustes que se fazem necessários à adoção de um novo padrão, que atendam às novas</p><p>demandas, permitindo experimentar todas as nuances e o que vier a contribuir para esta</p><p>modelagem, buscando o equilíbrio, o diálogo e, assim, poder definir o que é melhor para cada</p><p>família, já que não há uma família igual à outra, sem abandonar as devidas funções de cada</p><p>um dos papéis adquiridos.</p><p>No ocidente, a família que foi duramente criticada e questionada pelos movimentos de</p><p>contestação dos anos 1960, em nome das liberdades sexuais, dos direitos dos homossexuais,</p><p>das reivindicações feministas e dos movimentos de jovens, hoje tem sido revalorizada pelos</p><p>próprios grupos que a contestavam. Hoje, lutam por direitos que lhes permitam constituir uma</p><p>família normal. Então, o modelo familiar tradicional do passado, ainda, parece preencher o</p><p>vazio das modalidades de desamparo que enfrentamos no presente, quando falamos sobre</p><p>modelos familiares atuais (KEHL, 2003).</p><p>Como a família contemporânea reúne sujeitos que pautam suas relações na</p><p>individualidade, na liberdade, que tende a imperar em todos os setores da vida, com fortes</p><p>doses de subjetivismo, esta tarefa é árdua demais, mas sem esta lição de casa realizada, só há</p><p>reprovações, ninguém passa ileso. O sujeito centraliza-se em si mesmo e nas suas relações</p><p>interpessoais, com um único objetivo: o de realizar-se. “Faz valer os seus direitos contra o dos</p><p>outros, sem querer reconhecer para si próprio qualquer responsabilidade ou dever. Desaparece</p><p>85</p><p>a perspectiva do outro. Não importa o que acontece com os outros e, principalmente, o</p><p>sofrimento dos outros. Cada um busca o seu bem-estar” (ARAÚJO, 2007, p. 140).</p><p>De acordo com este mesmo autor, com isto, o compromisso com o outro é</p><p>extremamente afetado, pois compromete a vida nas relações fundamentais quer da pessoa com</p><p>ela mesma, quer com os outros. A morte e a velhice passam despercebidas, como se não</p><p>existissem, são deixadas de lado. O indivíduo autônomo é jovem e nunca morre.</p><p>Para Freud (1969) os seres humanos querem ser felizes. Sofrem por três razões que</p><p>são as fontes de infelicidade: A natureza sempre mais poderosa do que eles; não conseguem</p><p>dominá-la; a decrepitude e decadência do corpo, ser mortal (envelhecer, adoecer, morrer),</p><p>lidar com a não beleza, um valor do corpo e a velhice um pecado, como se fosse um</p><p>imperativo ser jovem e bonito para sempre e por último, responsável, de fato pelo mal estar na</p><p>civilização, o convívio com o semelhante, viver, dividir esse mundo com os outros que não se</p><p>escolheu, queixar-se frequentemente dos outros, seja dos pais, dos amigos, dos chefes.</p><p>As questões em torno da Pós-Modernidade são muitas. A discussão, ao contrário de se</p><p>pensar esgotada, está apenas começando. A Pós-Modernidade realmente pode constituir-se</p><p>como algo finalista. Existe uma dissolução do eu, que explica a nova ética permissiva e</p><p>hedonista. Vive-se a passagem da cultura dos direitos do homem à cultura do homem dos</p><p>direitos, dos quais o mais reivindicado é o do prazer, enquanto fonte e base da felicidade e de</p><p>preferência acompanhado de muito consumo, entre outros, de objetos de toda a sorte,</p><p>aparelhos eletrônicos, onde tudo se torna facilmente descartável e logo substituído. Age quase</p><p>sempre com os instintos e com as emoções. Vive-se a fugacidade do momento. No campo da</p><p>Medicina, há esperanças fundadas de vitórias definitivas sobre muitas enfermidades e de</p><p>prolongação significativa da média de vida das pessoas.</p><p>Ao mesmo tempo, tenta-se desenvolver a tolerância para com o diferente, a</p><p>inexistência de verdades absolutas do estabelecido, um novo apreço ao corpo e a psique como</p><p>um lugar central na preocupação das pessoas. As mudanças no comportamento feminino</p><p>promoveram a libertação da mulher da tutela masculina e a emergência social da identidade</p><p>feminina, fenômeno que aponta para uma redefinição da própria identidade masculina com</p><p>relação aos seus papéis (ARAÚJO, 2007). Mas não é apenas isso. A Pós-Modernidade nada</p><p>mais é do que uma consequência natural de um mundo em desenvolvimento (FRANCELIN,</p><p>2004).</p><p>86</p><p>Mudanças são necessárias e esperadas, ocorrem ao longo dos tempos, e quando se</p><p>trata de mudança de valores, mudança de paradigmas, logo, mudança de vida, sua assimilação</p><p>é lenta, constante e profunda, de tal modo que leva tempo para se estabelecerem.</p><p>Portanto, todo esse processo demanda das pessoas persistência, dedicação, paciência,</p><p>para a devida acomodação, respeitando o tempo de cada um, de cada família, de cada</p><p>relacionamento, para se ajustar, na medida do possível, com responsabilidade e consciência</p><p>às escolhas de cada um de nós.</p><p>87</p><p>CAPÍTULO 5 - RELACIONAMENTOS FAMILIARES PÓS-MODERNOS: A</p><p>CONJUGALIDADE, A PARENTALIDADE E A CLÍNICA PSICOLÓGICA: UM</p><p>MOMENTO PARA REFLETIR</p><p>Na década de 1960, de acordo com o que coloca Giddens (2011), não se falava sobre</p><p>relacionamentos, como também não se falava sobre as questões de intimidade ou</p><p>compromisso. A questão era estar casado</p><p>ou não. O casamento era o principal compromisso.</p><p>O casamento era um espaço de segurança. Podia-se até abrir mão da felicidade em nome da</p><p>segurança.</p><p>Com a liberalização feminina conquistada pelos movimentos sociais, a pílula</p><p>anticoncepcional possibilitando encontrar prazer no sexo, desatrelando-o de gravidez, esta</p><p>“segurança” foi substituída por uma maior independência, dando-lhe cada vez mais condições</p><p>de sair do casamento. Como consequência, o compromisso do casamento foi se modificando e</p><p>a dinâmica familiar foi profundamente afetada.</p><p>Essas mudanças na condição feminina também afetaram o papel masculino, geraram</p><p>modificações nas funções masculinas, que por sua vez, geraram reformulações na relação</p><p>conjugal e, naturalmente, na relação pais e filhos.</p><p>Contudo, a liberdade de escolha que esta mudança de valores proporcionou, com a</p><p>possibilidade de se tentar corrigir um sem número de vezes o próprio destino, mediante o</p><p>desquite, e depois com a aprovação do divórcio, trouxeram outras questões.</p><p>Como consequência, o número de separações e divórcios aumentou, assim como</p><p>aumentou a idade que as mulheres vêm decidindo se casar e ter filhos, crescendo, assim,</p><p>também a busca por uma carreira profissional. A conquista de sua independência econômica</p><p>lhe permitiu ingressar nas relações conjugais informais, tendo condições de arriscar um pouco</p><p>em nas suas escolhas amorosas, como também usufruir de sua liberdade sexual, tão duramente</p><p>adquirida. Desta forma, o casamento “até que a morte nos separe”, ou seja, para toda a vida,</p><p>deixou de fazer sentido.</p><p>Com isto, estamos presenciando uma dificuldade bastante generalizada das novas</p><p>gerações em assumir compromissos duradouros. As relações de hoje se fundamentam em falta</p><p>de compromisso, refletindo um medo real tão grande do amor, quanto da morte (KOLTAI,</p><p>2014). Busca-se a intensidade afetiva do laço interpessoal, no entanto, de uma forma</p><p>descomprometida quanto à durabilidade deste laço, regido pela lei menos confiável entre os</p><p>humanos: a lei dos afetos e dos impulsos sexuais (ARAÚJO, 2007; KEHL, 2003). Tudo é</p><p>88</p><p>provisório e se está sempre à espera de algo novo. Homens e mulheres sentem-se</p><p>despreparados para construírem relações, sem saber o que fazer com a liberdade tão ansiada.</p><p>Os laços são cada vez mais desfeitos.</p><p>Assim, as relações que homens e mulheres buscam são as relações íntimas, relações de</p><p>satisfação sexual. Há um enfraquecimento da consciência, diante do fortalecimento das</p><p>paixões e do privilégio destas serem as únicas verdades possíveis.</p><p>Não interessa adquirir alguma coisa para toda a vida. Importa viver o presente. Não se</p><p>pensa nas consequências para o futuro (ARAÚJO, 2007). Por esta razão, uma das</p><p>características da relação conjugal pós-moderna, “é a aparente ausência de ideias pré-</p><p>definidas sobre os papéis a desempenhar. Os casais improvisam e constroem pouco a pouco o</p><p>seu universo conjugal” (PATEL, 2005, p. 271).</p><p>Então, o ser humano vive um paradoxo. Sozinho não sobrevive. Não é da natureza</p><p>humana a solidão. Contudo, quer ser feliz a qualquer custo. Como resultado desta aventura</p><p>chamada felicidade, o ser humano pretensamente livre, autônomo, sujeito de si e da história,</p><p>percebe-se de fato numa situação extremamente frágil e vulnerável. Expõe-se ao que está em</p><p>alta no momento, sugerida, sobretudo, pelos meios de comunicação social, pela mídia</p><p>eletrônica, sem avaliar os ganhos e as perdas, deixando-se levar, muitas vezes, pela</p><p>massificação de alguns comportamentos. Não se detém para avaliar o que lhe serve, o que lhe</p><p>cabe ou não. Arma para si uma cilada.</p><p>No dizer de Araújo (2007) o ser humano encontra-se instável e, por isso, muitas vezes</p><p>torna-se incapaz de estabelecer relações mais duráveis e de se engajar por um tempo mais</p><p>longo. Entrega-se facilmente ao consumismo, muitas vezes como compensação dos vazios</p><p>existenciais. Por isso, cada vez mais homens e mulheres, sobretudo os jovens, que vivem</p><p>neste mundo contemporâneo estão levando uma vida cada vez mais vazia sobre o real</p><p>significado do sentido da vida, de valores e de normas.</p><p>Por outro lado, os papéis masculinos e femininos, menos rígidos do que no passado,</p><p>ainda encontram resistência e permanência de um preconceito em relação ao que é feminino e</p><p>ao que é masculino. Embora, muito se fale nas mudanças das funções masculinas, nos dias de</p><p>hoje, elas ainda estão ocorrendo. O modelo anterior de homem provedor e da mulher dona-de-</p><p>casa, continua muito presente, apesar de todas as outras responsabilidades que a mulher</p><p>assumiu. A sobrecarga maior ainda recai sobre as mulheres (FÉRES-CARNEIRO, 2003).</p><p>Por mais que os homens desempenhem tarefas domésticas, geralmente entendem isso</p><p>como uma concessão às mulheres. Muitas vezes ouvimos, no consultório, maridos contando</p><p>89</p><p>envaidecidos como ajudam as suas esposas em casa. Falam como se tratasse de um favor que</p><p>fazem a elas e não como parte da divisão de tarefas que cabe a cada um.</p><p>Outra questão que afeta a vida das pessoas e das famílias é relativa às horas</p><p>infindáveis de trabalho. Cada vez mais, trabalhamos mais horas e isso tem uma significativa</p><p>repercussão na vida familiar e na vida do casal. Isto interfere nas relações como um todo.</p><p>Homens e mulheres ficam menos disponíveis para si próprios e para as respectivas famílias.</p><p>Nas palavras de Grandesso (2008, p.13) é preciso que se pense nas “transformações da</p><p>intimidade no contexto da vida cotidiana das pessoas, nos grupos sociais e na família pela</p><p>vulnerabilidade psicológica que o mundo globalizado contribui para acentuar nos seres</p><p>humanos”. Isto porque, cada vez mais, as relações de confiança no outro, que são básicas para</p><p>o desenvolvimento das relações pessoais, são substituídas no mundo globalizado pela</p><p>necessidade de confiar em sistemas amplos anônimos, instituições abstratas, não pessoais de</p><p>tal modo que a confiança local, de caráter comunitário das ordens tradicionais, foi dando lugar</p><p>à impessoalidade da vida social moderna que não favorece a mutualidade nem a intimidade.</p><p>Desse modo, se, por um lado, observa-se o enfraquecimento dos valores e modelos da</p><p>tradição, as incertezas sobre as propostas novas abrem uma ampla gama de possibilidades que</p><p>se concretizam em exercícios de ensaio e erro que levam a família a conviver com certa</p><p>fluidez, dada a multiplicidade de improvisações, às vezes muito criativas que precisa fazer,</p><p>porém, nem sempre bem-sucedidas.</p><p>Contribuindo com estas mudanças socioeconômicas e culturais temos as novas</p><p>tecnologias, que passam a fazer parte do cotidiano das pessoas, logo, mais rapidamente novos</p><p>comportamentos são adquiridos, surgindo novas necessidades e expectativas.</p><p>Estes e outros fatores vão se agregando e contribuindo para que a estrutura familiar</p><p>tradicional composta por pai, mãe e filhos, não seja a única forma de relacionamento familiar</p><p>(HINTZ, 2001).</p><p>O casamento formal, heterossexual com fins de constituição da família, continua</p><p>sendo uma referência e um valor importante, mas convive com outras formas de</p><p>relacionamento conjugal, como as uniões consensuais, os casamentos sem filhos ou sem</p><p>coabitação, e também as uniões homoafetivas, entre outras. Nesse processo de transformação</p><p>da intimidade, dos valores e das mentalidades, a tendência da sociedade é tornar-se cada vez</p><p>mais flexível para acolher essas novas configurações das relações amorosas (ARAÚJO,</p><p>2002).</p><p>90</p><p>Esta é uma realidade sem volta. As pessoas estão construindo e assumindo as famílias</p><p>que podem, do jeito que podem, saindo do engessamento de modelos padrões, tidos como</p><p>certos. O certo parece ser hoje em dia, o que é possível ser feito, por diferentes razões, como</p><p>as escolhas afetivas que interessem a cada um dos indivíduos e como podem vivê-las. Ainda,</p><p>tudo é muito novo. O importante é fazer estas escolhas refletindo com consciência e</p><p>responsabilidade sobre elas e as suas consequências.</p><p>Acredito que essa dança entre o eu e o nós, na contemporaneidade, está ensaiando</p><p>novos passos e, sem este treinamento como destaca Horta (2007), torna-se difícil o convívio</p><p>da individualidade com a conjugalidade, nos casamentos contemporâneos. A autora costuma</p><p>dizer que o casal encerra, ao mesmo tempo, em sua dinâmica, duas individualidades, e uma</p><p>conjugalidade, ou seja, cada um traz em sua bagagem pessoal de vida, histórias e projetos,</p><p>famílias de origem diferentes, entre tantas outras vivências pessoais distintas, sendo assim, o</p><p>casal contém tudo em dobro: dois sujeitos, duas inserções no mundo, duas percepções do</p><p>mundo, duas histórias de vida, dois projetos de vida, duas identidades individuais que, na</p><p>relação amorosa, convivem com uma conjugalidade, um desejo conjunto, uma história de vida</p><p>conjugal, um projeto de vida de casal, uma identidade conjugal. Como ser dois sendo um?</p><p>Como ser um sendo dois? (FÉRES-CARNEIRO, 1998).</p><p>Entendo que essa bagagem individual levada para o casamento precisa ser revisitada.</p><p>Abri-la, faz-se necessário, ver o que fica e o que sai de cada um, para deixar entrar o “nós”, o</p><p>que nós vamos construir juntos? Então, o “velho” precisa ser revisto, talvez sair para que o</p><p>novo e o “nós” tenham espaço para acontecer. Na lógica do casamento contemporâneo, “um e</p><p>um são três”, na expressão de Caillé (1991). Para Caillé, cada casal cria seu modelo único de</p><p>ser casal, que ele chama de absoluto do casal, que define a existência conjugal e determina</p><p>seus limites. Sua definição de casal contém, portanto, os dois parceiros e seu modelo único,</p><p>seu absoluto.</p><p>Como aponta Macedo (2013), antigas ideias, usos e costumes, tradições, convivem</p><p>com situações atuais, trazendo insegurança, dificuldades, problemas, tanto do ponto de vista</p><p>do casal propriamente dito, do casamento, da separação, quanto aos filhos. Porém, nunca as</p><p>mudanças são totais. Há um trânsito no qual as ideias, ideais, tradições, crenças vão e voltam,</p><p>se esbarram, se distanciam, se encontram, se desencontram na tentativa de se chegar a um</p><p>lugar satisfatório. Não há certezas. Muito pelo contrário, são muitas as dúvidas. Mas, acredito</p><p>que há sempre uma saída para esse trânsito, que toda situação comporta várias alternativas.</p><p>Não é necessário, diante de tais situações tirarmos tudo da nossa mala pessoal. Há, com</p><p>91</p><p>certeza o que aproveitar. Mudanças requerem revisão, mas algumas coisas podem e devem</p><p>ficar, pois foram e são muito úteis, nos orientaram e permitiram que chegássemos até aqui.</p><p>Não precisamos descartar tudo. A família e o casamento continuam fascinando o ser humano</p><p>como espaço de amor e segurança.</p><p>Mais uma vez a história apresenta outras demandas a todos nós propondo novos</p><p>ajustes. É preciso enfrentá-las, adequando-se a elas, na medida do possível, sem desistir,</p><p>apesar de todos os medos que o desconhecido carrega consigo.</p><p>5.1 A clínica psicológica: um momento para refletir</p><p>Vivemos um momento de incertezas, dúvidas, inseguranças, o não saber fazer, tem</p><p>tomado conta da vida das pessoas, gerando muita ansiedade, desamparo, angústia e solidão.</p><p>Estes sentimentos são repetidos na clínica psicológica privada, diariamente, há muitos anos.</p><p>Falar é uma coisa. Viver esses processos é outra. Estamos e somos envolvidos como pessoas e</p><p>como profissionais. É necessário oferecer um espaço de conversação e orientação onde as</p><p>pessoas possam pensar e refletir sobre o que está acontecendo em diferentes áreas das suas</p><p>vidas e, assim, poderem escolher e decidir o que querem. O que mudou? Na família, nos</p><p>relacionamentos afetivos, na educação dos filhos? E como devem e podem lidar com tudo</p><p>isso?</p><p>Inúmeros fatores externos contribuem para influenciar e moldar o modo de ser e agir</p><p>de cada um dos membros da família, crianças e adultos: escolas, ambientes de trabalho, meios</p><p>de informação, associações culturais, de lazer ou religiosas, cada qual com seus valores,</p><p>regras, exigências. Essas influências constituem-se num desafio à família que precisa estar o</p><p>tempo todo alerta para resolver valores conflitantes, avaliar os riscos e benefícios de cada</p><p>atitude a ser tomada em vista da tolerância social, com os limites do imediatismo e das</p><p>aspirações consumistas muito estimuladas pela mídia, a fim de traçar e perseguir objetivos,</p><p>mantendo-se consciente do que representa a família como um bem comum e do valor das</p><p>relações que, sejam como forem, perduram no tempo (MACEDO et al., 2011, p. 14)</p><p>Em sendo assim, como uma profissional com 34 anos de prática clínica, que tem seus</p><p>valores e crenças, educada à moda tradicional, me pergunto: como orientar, como trabalhar</p><p>com os problemas que surgem nestes casais e famílias que chegam ao consultório</p><p>psicológico?</p><p>92</p><p>Durante esses longos anos de trabalho, no exercício clínico, ouço grande parte das</p><p>pessoas que atendo em diferentes idades, em diferentes fases da vida (solteiras, casadas,</p><p>divorciadas, viúvas, com ou sem filhos), que atuam em diferentes áreas profissionais, com</p><p>diferentes situações sócio, econômica e culturais sobre o grande desejo em encontrar alguém</p><p>que possa se tornar um companheiro ou um marido ou ser o pai de seus filhos, enfim um amor</p><p>para poder sonhar junto e constituir uma família ou um lar.</p><p>Falas que se repetem e que exprimem a mesma angústia da incerteza, às vezes da</p><p>desesperança, trazendo para si próprias as falhas do insucesso amoroso. Se, de um lado às</p><p>mulheres queixam-se desse comportamento masculino, que na maioria das vezes busca um</p><p>contato com o sexo feminino para um sexo casual e mais dificilmente para um compromisso,</p><p>os homens relatam que há muitas mulheres “disponíveis no mercado”, contudo poucas são</p><p>especiais. Segundo eles mulheres interesseiras, às vezes sem ter um bom papo, imaturas,</p><p>dependentes emocionalmente (controladoras, ciumentas, pegajosas). Também se queixam das</p><p>atuais exigências femininas. As mulheres têm sido muito seletivas quanto à aparência, à</p><p>cultura, ao sucesso profissional e às questões econômicas oferecidas pelos homens.</p><p>Assim, há um medo excessivo em ficar só, ao mesmo tempo em que há um medo</p><p>excessivo do compromisso, como é excessiva a valorização do ter, em contrapartida do ser. A</p><p>possibilidade de conhecer melhor a pessoa, mediante encontros presenciais, onde possam</p><p>conversar, trocar informações e avaliar se a “cola” entre elas é possível, é cada vez menor.</p><p>Não há interesse em permanecer com uma única pessoa, já que as possibilidades de escolha</p><p>são muitas e há sempre a expectativa de conhecer alguém mais interessante.</p><p>Neste mundo consumista há o consumo de bens e de pessoas também. O consumismo</p><p>penetra no íntimo da vida de muitos e no costume coletivo, procurando forjar as pessoas de tal</p><p>maneira na busca insaciável do novo, do ideal, que o prazer e a felicidade estão sempre além</p><p>do alcançado (ARAÚJO, 2007). O ter está muito associado com a felicidade e o desejo</p><p>desmedido tem escravizado as pessoas. “Eu quero, mas o que dou em troca?”. Em toda</p><p>relação deve haver uma troca mínima. O egoísmo e o individualismo apresentam-se como</p><p>protagonistas deste momento atual, dificultando muito os relacionamentos.</p><p>As pessoas procuram seu bem estar de alguma forma, contudo colocando sobre si uma</p><p>carga emocional muito pesada, como se as responsabilidades fossem apenas contribuição de</p><p>um único lado e não de dois, esquecendo-se que relação é a ação de dois e não apenas de um.</p><p>Há outros modelos muito fortes que concorrem com o modelo familiar. Com a mídia</p><p>televisiva e escrita, imagens de pessoas famosas e bem sucedidas são veiculadas, promovendo</p><p>93</p><p>o luxo, como sinal de sucesso, com uma máscara da verdadeira felicidade. Torna-se cada vez</p><p>mais difícil as pessoas saberem distinguir os reais valores da vida.</p><p>As mudanças propostas pelo paradigma pós-moderno são muitas. A família foi</p><p>profundamente afetada. Aumenta cada vez mais a procura dos pais pela</p><p>da família desempenha, ocasionando reavaliações de expectativas e redefinindo as</p><p>situações, de acordo com as regras que têm origem no modo como as pessoas começam a</p><p>perceber a realidade. Assim, essa onda de mudanças, suscitou uma redefinição do modelo de</p><p>família nuclear, provocando nos indivíduos a necessidade de se adequarem internamente,</p><p>reformulando tanto valores familiares, quanto pessoais (MELLO, 2002; ROMANELLI, 2002;</p><p>SARTI, 2002), o que vem promovendo uma série de novos padrões de comportamentos nas</p><p>relações familiares, na tentativa de se ajustarem a todas estas novas demandas.</p><p>A família é marcada pela diferença complementar, tanto na relação entre os papéis de</p><p>marido e de mulher, quanto entre os papéis de pai e mãe e os de pais e filhos. Por ter uma</p><p>função de socialização em relação a seus filhos menores, ela estabelece com os mesmos, num</p><p>determinado momento, uma condição de igualdade e, em outro de autoridade (SARTI, 2002).</p><p>Isto posto, diante de tantas mudanças no mundo atual, os pais têm encontrado</p><p>dificuldade em estabelecer com os filhos suas funções de pais, exercendo a autoridade que</p><p>lhes cabe e tão importante na formação dos mesmos. Os casais, por sua vez, também tentam</p><p>se ajustar às novas demandas e a família com tudo isto tudo sofreu um profundo impacto.</p><p>Se antes na Modernidade havia um autoritarismo exagerado, como forma de contenção</p><p>do comportamento das crianças, hoje, confunde-se autoritarismo com autoridade. A</p><p>autoridade parental faz parte da hierarquia estrutural das famílias. Ela é que garante aos pais</p><p>exercer a função paterna e materna com amor, com segurança, firmeza, determinação,</p><p>ensinando os limites necessários para se viver e conviver, orientando, educando e formando</p><p>indivíduos afetuosos, responsáveis por suas atitudes, capazes de assumirem as consequências</p><p>dos seus atos, com integridade, com caráter, contribuindo para o desenvolvimento psíquico,</p><p>emocional e preparando-os para o mundo no qual vivemos.</p><p>Esta formação é ensinada, aprendida e apreendida no interior da família, mediante</p><p>muito diálogo, com as vivências das frustrações do “não”, tanto pelos pais como pelos filhos,</p><p>sabendo que isto fará a diferença para todos, no futuro, no enfrentamento de dificuldades que</p><p>se farão presentes ao longo da vida. No entanto, a falta de tempo para uma boa conversa, a</p><p>falta de paciência para repetir algumas vezes a mesma coisa e, depois manter-se firme em sua</p><p>decisão, encontram muitos obstáculos. O cansaço do dia a dia, as preocupações, às vezes a</p><p>frouxidão na decisão tomada por não suportar comportamentos de birra, de choro e de mau</p><p>12</p><p>humor tomam conta do “não” e o “sim” aparece. Como dizer “sim” que significa “sim” e</p><p>“não” que significa “não” e, não, “talvez”?</p><p>Para Giddens (2011) e Sarti (2002) esta gigantesca onda global, como um “tsunami”,</p><p>está percorrendo por entre nosso mundo contemporâneo e provocando duas mudanças básicas</p><p>na família. Elas referem-se ao declínio do sentido da tradição na vida cotidiana nas</p><p>instituições públicas e, incidiram de forma significativa na ordem familiar tradicional</p><p>modificando a autoridade patriarcal e a divisão de papéis familiares, atingindo as relações</p><p>entre homens e mulheres, e aquelas entre os pais e os filhos no interior da família. Assim, o</p><p>amor, o casamento, a família, a sexualidade e o trabalho antes vividos, a partir de papéis</p><p>preestabelecidos, “passam a ser concebidos como parte de um projeto em que a</p><p>individualidade, conta decisivamente e, adquire cada vez mais importância social” (SARTI,</p><p>2002, p.43,44).</p><p>Então, as relações familiares, fundadas tradicionalmente no princípio da reciprocidade</p><p>e da hierarquia, sofrem mudanças em sua estrutura, com o desenvolvimento desta necessidade</p><p>de afirmação da individualidade de seus membros, o que traz implicações evidentes nas</p><p>relações familiares, conjugais e filiais. Por sua vez, esse individualismo encontra ressonância</p><p>no espaço social e, o exercício dos papéis familiares, torna-se cada vez mais difícil e</p><p>conflituoso, embora a família continue sendo valorizada. “O que se põe em questão, na</p><p>família, com a introdução da individualidade, não é a autoridade em si, mas o princípio da</p><p>hierarquia no qual se baseia a autoridade tradicional” (SARTI, 2002, p.43).</p><p>O individualismo, presente nas sociedades contemporâneas, está em alta. Como</p><p>compatibilizar a individualidade e a reciprocidade familiar? “As pessoas querem aprender, ao</p><p>mesmo tempo, a serem sós e a serem juntas. Para isso, têm que enfrentar a questão de que, ao</p><p>se abrir espaço para a individualidade, necessariamente se insinua uma ou outra concepção</p><p>das relações familiares” (SARTI, 2002, p.43). Conjugar “nós”, quando há vários “eus” é</p><p>muito complicado. Não há conversa possível entre a primeira pessoa do singular e a primeira</p><p>pessoa do plural, a menos que haja diálogo e, acordos possíveis e satisfatórios alcançados pelo</p><p>casal. Concessões são necessárias e esperadas, porém qual a medida delas?</p><p>Esta difícil convivência entre a individualidade e a conjugalidade pode resultar numa</p><p>soma onde um mais um pode ser igual a três. Como administrar duas individualidades e uma</p><p>conjugalidade? Da mesma maneira, a administração das outras relações intrafamiliares</p><p>também é afetada sob o mesmo impacto: pais e filhos, filhos e família, família e sociedade,</p><p>sociedade e mundo.</p><p>13</p><p>Para Magalhães; Féres-Carneiro (2007, p.213) “o individualismo e o igualitarismo de</p><p>hoje em dia, ao conviver com as diferenças, ainda existentes entre os sexos, podem provocar</p><p>um alto nível de conflito entre os membros de um casal”.</p><p>Além dos fatores citados antes, as inovações, em diversas áreas, como o aparelho de</p><p>microondas, a Internet, o celular concorrem para alterar de diversas formas as relações</p><p>familiares. Então, devemos considerá-las. Elas modificaram em menor ou maior grau, uma</p><p>gama de atividades ligadas à sexualidade, à diminuição das tarefas dentro do lar e à</p><p>comunicação (facilitando ou dificultando o processo de interação entre os casais).</p><p>O fácil acesso às diferentes formas de tecnologia facilita muito nossas vidas, e trouxe</p><p>inúmeros benefícios nas diferentes áreas que se desenvolveu, não há dúvida, contudo, faz-se</p><p>necessário aprender a regular o tempo que as pessoas despendem, se ocupam, se dedicam a</p><p>elas e de que forma as utilizam. Esta medida precisa ser observada com cuidado e atenção.</p><p>Como administrar tudo isso, sem desconsiderar a velha e boa conversa feita</p><p>pessoalmente, olho no olho, numa visita a casa de alguém ou numa pizzaria, ou em um</p><p>parque, ou no portão de uma casa, ou do alto de uma janela, ou até pelo telefone, que foi, em</p><p>grande parte substituída, pela invasão de aparelhos eletrônicos, resultantes do avanço</p><p>tecnológico, fazendo parte do cotidiano das famílias?</p><p>Refiro-me também à comunicação eletrônica. Filhos trancados em seus quartos</p><p>interagindo com o mundo, por meio das redes sociais (facebook, twitter, tinder), pais colados</p><p>em seus celulares super, hipermodernos acessando seus emails e enviando mensagens por</p><p>meio de torpedos (sms), whatsapp, lendo um livro no seu “kindle” e, crianças distraídas com</p><p>seus minicomputadores (Ds, Tablets, Smartphone, Iphone, Ipad), sentadas à mesa de um</p><p>restaurante, enquanto os pais fazem o mesmo; carros com dispositivos para a instalação de</p><p>TVs, onde possam ser transmitidas imagens de desenhos ou vídeos, distraindo as crianças,</p><p>enquanto os pais dirigem para um determinado destino. É comum vermos as pessoas se</p><p>dividindo, parcelando a atenção, o contato, como se a tela do computador ou do celular, com</p><p>muitos ícones em aberto, fosse uma representação gráfica adequada das pessoas que</p><p>conversam, e imediatamente postam um comentário daquela mesma conversa no Facebook.</p><p>Em todas as ocasiões, a todo momento, tudo é motivo para se conectar. Quando se está em</p><p>uma festa, tira-se uma foto e se compartilha (via Facebook,</p><p>orientação</p><p>psicológica. Sem saber como agir com os seus filhos chegam ao consultório ou por solicitação</p><p>da escola, ou do pediatra, ou pela persistência de algum comportamento inadequado na</p><p>própria relação familiar, buscando a orientação psicológica. Programas televisivos de</p><p>orientação educacional ganham visibilidade e cada vez mais audiência, como um guia</p><p>norteador que orientam os pais em como devem proceder, agir em relação aos seus filhos.</p><p>Ouvimos adolescentes filhos de pais separados que se ressentem da ausência do pai ou</p><p>da mãe no lar. Mulheres sozinhas queixam-se de que não conseguiram constituir famílias, e</p><p>mulheres separadas acusam-se de não ter sido capazes de conservar as suas.</p><p>Homens e mulheres divorciados perseguem uma segunda chance de formar uma</p><p>família. Mães solteiras sentem culpa porque não deram aos filhos uma “verdadeira família”. E</p><p>os jovens solteiros depositam grandes esperanças na possibilidade de constituir famílias</p><p>diferentes, isto é, melhores, daquelas de onde vieram (KEHL, 2003). Há uma insatisfação</p><p>generalizada.</p><p>O relacionamento por amor é uma construção em comum que é preciso aprender a</p><p>consolidar e cuidar com atenção, respeito, cumplicidade e, sobretudo admiração (PATEL,</p><p>2005).</p><p>Enquanto psicólogos clínicos, devemos orientar um diálogo transformador, por meio</p><p>de uma conversa entre o pensar, o sentir e o querer de cada um dos membros da família,</p><p>fortalecendo os seus vínculos afetivos, o respeito mútuo, a cumplicidade, os valores éticos, o</p><p>conhecimento de si próprio para saber se pode dar conta das escolhas que faz, assumindo a</p><p>autoria responsável das suas atitudes perante a vida.</p><p>5.1.2 Discussão de Casos Clínicos</p><p>Para preservar a identidade das pessoas que contribuíram para este estudo, todos os</p><p>seus nomes verdadeiros foram substituídos por outros fictícios.</p><p>94</p><p>5.1.2.1 Relacionamentos</p><p>São tantos os encontros e desencontros, que sentimentos como frustração, carência,</p><p>angústia e solidão aumentam a ansiedade e desânimo nas pessoas, nas mais diferentes</p><p>posições socioeconômicas e culturais. As características pós-modernas do imediatismo,</p><p>individualismo, consumismo tomam conta dos comportamentos, gerando insegurança e</p><p>muitas questões sobre o quê e como fazer.</p><p>1) Ana, 34 anos, separada há sete anos, não tem filhos, trabalha como gerente de</p><p>produtos de uma indústria farmacêutica, descreve a angústia de sair de uma balada,</p><p>onde os homens bebem muito, para ganhar “coragem” para se aproximar das</p><p>mulheres, até que um se aproxima, tenta beijá-la, ela não permite, ele insiste, pede o</p><p>número do seu telefone, ela dá, na esperança que possa haver uma conversa e quem</p><p>sabe “rolar” um namoro, já que está sozinha há muito tempo. Sai animada do local,</p><p>fica na angustiosa expectativa de uma ligação ou uma mensagem, via celular para um</p><p>convite para sair. A esperança não morre e ela aguarda pacientemente, mas a ligação</p><p>ou mensagem nunca chegam.</p><p>Anotar o número do telefone pode ser uma estratégia conveniente para se manter no</p><p>“bolso”, quando precisar de um encontro sem compromisso, sem nenhum esforço o que se</p><p>convencionou chamar de “ficar”. As pessoas “ficam” por um curto espaço de tempo. O</p><p>“ficar” pode repetir-se ou não, depende: se houve “cola”, quando bater uma vontade de</p><p>“ficar” de novo, em algum dia, de alguma semana, sem nenhum compromisso, pode então</p><p>“rolar”. Caso contrário, é mais um número a ser guardado, quando houver alguma</p><p>necessidade.</p><p>Sem compromisso, cada um continua levando sua vida até ouvir o barulho do celular,</p><p>entrando uma mensagem, fazendo um convite para se encontrarem. Se este processo de</p><p>“ficar” for cada vez mais interessante e começar a “rolar” um bem querer, um sentimento</p><p>entre eles, então, poderá transformar-se num compromisso de namoro.</p><p>“A falta de tomada de posição, com receio de assumir compromisso, pode ser medo de</p><p>perder coisas melhores que virão. Investir em algo que não vai durar é inseguro e causa</p><p>ansiedade” (MACEDO, 2013).</p><p>95</p><p>De maneira geral, a expectativa feminina de um possível encontro é muito alta. O</p><p>aparelho de celular não sai das mãos delas, verificando quase que em tempo integral se</p><p>receberam alguma mensagem. Como consequência, bate às suas portas a senhora ansiedade,</p><p>acompanhada da tristeza, trazendo o desânimo como parceiro.</p><p>Os relacionamentos numa cultura consumista como a nossa tornam-se bens de</p><p>consumo como outros quaisquer. Segundo Bauman (2003), as pessoas na contemporaneidade</p><p>buscam pelo prazer imediato e a qualquer custo, sem a exigência de esforços prolongados, tão</p><p>pouco de garantias “apostam tudo no aqui e no agora". Sem referência de passado e sem</p><p>projeto de futuro, os indivíduos permitem-se dispor de uma liberdade total, sem limites</p><p>(PETRINI, 2003). Não querem ser cobrados por nada. Querem ser e estar livres de</p><p>compromisso.</p><p>Este comportamento de “ficar” várias vezes com o mesmo homem parece desenvolver</p><p>nas mulheres, uma forte angústia em poder definir estes encontros como um compromisso.</p><p>Mas qual? Ansiosas por namorar elas “cobram” os homens, no sentido de saber se o que eles</p><p>estão vivendo é um namoro ou o quê? Compromisso versus liberdade. Num mundo onde a</p><p>liberdade tornou-se a virtude suprema, como suportar a incerteza, a insegurança, o tempo que</p><p>voa, a paciência que parece acabar?</p><p>2) Débora, 28 anos, solteira, reside com a mãe, é advogada, adora sair à noite,</p><p>frequenta baladas, bares, vai à shows, gosta de jantar com amigas e numa dessas</p><p>saídas conhece um rapaz de 34 anos, que se aproxima gentilmente, com um bom papo,</p><p>pede o número do seu telefone e diz que vai ligar para combinarem algo. Ele</p><p>realmente liga, vão jantar e vem o convite para “ficarem” juntos. Ela aceita.</p><p>Combinam novamente se encontrarem. Outro encontro, outro jantar, outra noite de</p><p>sexo. E assim, continua por um período, com seu consentimento, até que ela resolve</p><p>fazer a fatídica pergunta: “Você tem namorada?”. “E nós o que somos?”. As respostas</p><p>a essas perguntas são respectivamente: “Tenho, mas não estamos muito bem, estou</p><p>pensando em terminar” e, “Somos amigos, eu curto ficar com você, você me curte.</p><p>Vamos levando assim, para ver no que dá”. A combinação de sentimentos: traição,</p><p>mentira, raiva, a sensação de ter sido usada, embora quisesse estar ali, a paixão que já</p><p>estava acontecendo e, a total falta de perspectiva de algum compromisso afetivo</p><p>efetivo resulta em uma grande frustração, ansiedade, angústia, tristeza, decepção.</p><p>96</p><p>Temos de um lado, alguém que anseia por um compromisso e do outro, alguém que</p><p>está “curtindo o momento”. Para um, o compromisso é desejado. É tão grande, que conhecer</p><p>muitas pessoas e sair com tantas outras não leva a nada, não preenche o vazio existencial.</p><p>Estas pessoas sentem-se abandonados aos seus próprios sentidos e sentimentos facilmente</p><p>descartáveis, ansiando pela segurança do convívio e pela mão amiga com que possam contar</p><p>num momento de aflição, desesperados por “relacionar-se” (BAUMAN, 2004, p.8). Para o</p><p>outro não. Não é desejado. No todo, o que aprendem é que o compromisso é a maior</p><p>armadilha a ser evitada no esforço por relacionar-se (BAUMAN, 2004, p. 22). Quem busca</p><p>relacionar-se e não consegue sofre muito. Quem não quer relacionar-se acredita que está</p><p>aproveitando bem a vida, enquanto dá.</p><p>Atualmente, o amor transforma-se em tabu, assim como a sexualidade o foi durante</p><p>grande parte do período da Modernidade. O uso da palavra amor, tal qual sua verdadeira</p><p>acepção, já não está relacionado ao que se sente, mas o que se faz e, em determinados meios,</p><p>é mais compensador fazer amor do que fazer sentimentos. Pudor? Medo? Exigência</p><p>excessiva? (PATEL, 2005).</p><p>“A sexualidade, que costumava ser definida tão estritamente em relação ao casamento</p><p>e a legitimidade, agora pouca conexão tem com eles” (GIDDENS, 2004, p. 66). Busca-se a</p><p>obtenção pelo prazer imediato seja como</p><p>for. Mas, quando a conta vem, ela traz consigo o</p><p>esvaziamento, a expectativa de um compromisso, a frustração de não se encontrarem mais, as</p><p>incertezas brotam logo ao amanhecer depois de uma noite de sexo.</p><p>A cultura hedonista separa a sexualidade de qualquer norma moral objetiva,</p><p>reduzindo-a frequentemente ao nível de objeto de diversão e consumo, e favorecendo, “com a</p><p>cumplicidade dos meios de comunicação social, uma espécie de idolatria do instinto” (KEHL,</p><p>2005, p. 160). A obtenção de prazer, especialmente sexual, coloca as pessoas em lugares bem</p><p>curiosos: por atrás de uma web câmera, ao telefone e nas baladas.</p><p>3) Paula, 16 anos, estudante, espera ter um namorado, mas não consegue porque não</p><p>quer transar, se não for alguém especial. Criticada por amigas, chamada de “santinha”</p><p>sofre muito com as pressões dos rapazes e de “amigas”. Diz sentir-se frustrada com</p><p>esta situação. Todos os rapazes com quem já “ficou” tentam “forçar a barra”, segundo</p><p>ela. Como ela não cede, logo deixam de procurá-la. E o sentimento de rejeição,</p><p>abandono, “só eu não tenho um namorado”, fortalece-se com a repetição de tais</p><p>histórias.</p><p>97</p><p>Se houvesse um manual de instruções de como proceder para conquistar um</p><p>relacionamento, seria sucesso total, ainda que o resultado fosse duvidoso. Nas conversas que</p><p>ocorrem entre as pessoas que passaram por experiências semelhantes, há trocas das diferentes</p><p>maneiras sobre como atuaram nos diferentes flertes. As respostas parecem indicar quase</p><p>sempre os resultados infrutíferos dessas manobras. Às vezes ousadas, outras nem tanto,</p><p>convergem para um lugar de decepção, tristeza, frustração, desesperança, desistência, ainda</p><p>que temporária.</p><p>A busca por um relacionamento é incessante, é o assunto do momento, apesar de todos</p><p>os riscos, não se desiste. “As expectativas em obter uma relação satisfatória e plena são</p><p>grandes, contudo o preço dessa conquista é considerado excessivo e inaceitável” (BAUMAN,</p><p>2004, p.9). Em algum momento, parece que estas pessoas ficam anestesiadas, paralisadas pelo</p><p>medo de uma nova experiência e, logo de uma nova frustração. Não sabem como agir. Às</p><p>vezes, esperam do psicólogo clínico respostas prontas para esses sofrimentos, a fim de aliviar</p><p>a angústia, tristeza e dor que sentem nessas investidas amorosas infrutíferas.</p><p>4) Pedro, 37 anos, separado, tem uma filha de um ano e meio, mora com a mãe,</p><p>trabalha na área de produção de eventos, “fica” com várias mulheres ao mesmo tempo,</p><p>porque, segundo ele, ainda não encontrou “aquela mulher especial”. Enquanto isto,</p><p>diverte-se com os amigos, gosta de andar de skate, bater uma bola no campo de</p><p>futebol, uma balada aqui, outra ali e uma mulher aqui outra ali e por aí vai. Sente-se</p><p>bem fazendo isso, porque teve um relacionamento de muito tempo com uma mulher</p><p>que o traiu com um amigo muito próximo. De lá para cá relata que não encontrou</p><p>alguém que pudesse iniciar um relacionamento. Diz: “As mulheres estão muito</p><p>interesseiras”; “Não sei se elas estão falando a verdade”; “Tenho medo de levar outro</p><p>tombo”.</p><p>O medo, a incerteza, a insegurança levam às pessoas a adiar um possível interesse por</p><p>alguém. Vão tocando a vida como podem, acreditando naquilo que realmente tem em mãos,</p><p>como a mãe, a filha, amigos, o trabalho, um esporte, pelo menos por enquanto. Estar num</p><p>relacionamento pode significar muita dor de cabeça, mas, sobretudo uma incerteza</p><p>permanente. Não tem outro jeito. Relacionamentos são tentativas, ensaios de acertos e erros.</p><p>Tenta-se acertar, mas o erro também faz parte da vida. A plenitude da segurança pelas</p><p>escolhas realizadas não existe. Nem o momento em que se fez (BAUMAN, 2004). Como</p><p>98</p><p>estabelecer um relacionamento sem convívio, sem investimento, sem conversa, sem</p><p>compartilhar momentos, histórias, interesses? Encontros rápidos e esporádicos para um jantar</p><p>e talvez um sexo casual, seja bom o suficiente para não estabelecer garantias de nenhum tipo</p><p>de compromisso. Curtir o momento é a proposta.</p><p>5) Antonio, 27 anos, solteiro, advogado, namora há pouco mais de um ano. Queixa-se</p><p>do assédio insistente de sua namorada. Envia várias mensagens para ele, via celular,</p><p>para saber onde está e o que irá fazer depois. Reclama que ele quase não liga para ela e</p><p>não diz: “eu te amo”, implica quando sai com os amigos ou vai jogar futebol. Está</p><p>sentindo-se sufocado por tanto controle. Ele gosta de “não ter que” dar satisfação para</p><p>ninguém. Prefere vê-la quando sente vontade, adora “curtir” uma balada com os</p><p>amigos, jogar futebol, participar de um happy hour com o pessoal do trabalho, sem</p><p>maiores dor de cabeça.</p><p>Algumas pessoas querem ter um relacionamento. Mas, afinal o que significa</p><p>relacionar-se? No mínimo, é uma ação conjunta, onde duas pessoas querem se conhecer,</p><p>porque algo as uniu e atraiu naquela primeira troca de olhares. A conversa, as perguntas, as</p><p>respostas criam um ambiente propício para se conhecerem. Novos encontros tornam-se</p><p>possíveis se houver uma empatia entre os dois. Mas, para tudo isto acontecer é preciso querer</p><p>estar aberto para um compromisso, um relacionamento.</p><p>Contudo, as pessoas temem limitar a liberdade que têm em função do relacionamento.</p><p>A líquida razão moderna enxerga nos compromissos duradouros a opressão e a dependência</p><p>que incapacita (BAUMAN, 2004). Os vínculos afetivos são vistos como algo que não se</p><p>precisa consumir. São dispensáveis, exigem muito investimento, retornam em cobranças e</p><p>satisfações, que ninguém está a fim de dar. A oferta é grande, tem muito para ser consumido,</p><p>sem a necessidade de se compromissar, então, para quê se “amarrar”, como diriam nossos</p><p>jovens?</p><p>6) Juliana, 31 anos, dentista, separada há quatro anos, não teve filhos, voltou a morar</p><p>com os pais. Busca um companheiro desde então. Saiu com muitos homens, mas por</p><p>diferentes razões, nunca mais voltou a namorar. Reclama muito desta falsa felicidade</p><p>que algumas pessoas representam viver, mediante o facebook, o tinder, ou até</p><p>mediante propagandas televisivas. Comenta que as pessoas não falam a verdade;</p><p>99</p><p>vendem a “felicidade”, com fotos em família, ou acompanhadas de amigos, ou mesmo</p><p>sozinhas. Diz:” É tudo mentira. Uma utopia”. Sofre muito e sente um desamparo. Às</p><p>vezes acredita que “irá conhecer alguém quando Deus achar melhor”, em outras</p><p>acredita que o “seu fim será ficar sozinha”.</p><p>7) Ana Maria, 28 anos, separada, não teve filhos, reside com os pais, é ortodontista, sai</p><p>com diferentes rapazes, em dias diferentes. Procura encontrar alguém, com quem</p><p>possa desenvolver um vínculo afetivo e estabelecer um novo relacionamento. Já foi</p><p>casada e quer recasar-se e construir uma família, ter filhos. Enquanto isto leva a vida</p><p>desta forma, embora, muitas vezes não dê conta da frustração e desânimo que sente.</p><p>Chora, desespera-se, acalma-se e nesta gangorra de sentimentos, o tempo passa.</p><p>8) Ronaldo, 49 anos, separado há seis anos, tem dois filhos adolescentes, 17 e 13 anos,</p><p>respectivamente, mora sozinho, intercala a permanência com os filhos nos fins de</p><p>semana com a ex-esposa. Diz que mulher solteira, viúva, separada tem muito, mas que</p><p>valha à pena, poucas. Quer muito conhecer alguém, para refazer sua vida como</p><p>homem casado. Sai muito, diverte-se, mas ainda não encontrou quem fizesse seu</p><p>coração bater mais forte. A exigência é grande. Medo de se vincular? Ou comodismo</p><p>com a situação na qual se encontra?</p><p>Neste mundo tão individualista no qual vivemos, no líquido cenário da vida moderna,</p><p>segundo Bauman (2004), os relacionamentos oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há</p><p>como determinar quando um se transforma no outro. As formas de relacionamento íntimo</p><p>atuais portam a mesma máscara de falsa felicidade que foi usada pelo amor romântico.</p><p>Ao retirarmos esta máscara, “descobrimos anseios não realizados, nervos em</p><p>frangalhos, amores frustrados, sofrimentos, medos, solidão, hipocrisia, egoísmo e compulsão</p><p>à repetição, que aumenta a ansiedade das pessoas” (BAUMAN, 2004, p.73).</p><p>As pessoas chegam a deprimir-se seriamente com a repetição destes eventos.</p><p>Adoecem. A “síndrome do coração partido” instala-se e o remédio é encontrar um</p><p>relacionamento o quanto antes, como medida curativa. Como não é assim que funciona,</p><p>outras saídas precisam ser encontradas e aprender a lidar com esta situação de outro modo é</p><p>fundamental. A vida de alguns jovens parece girar em torno disto. Para muitos esta questão</p><p>torna-se o mote de vida e assim transforma-se numa obsessão e logo os sintomas aparecem.</p><p>100</p><p>Busca-se o relacionamento como um tratamento, na expectativa de mitigar a</p><p>insegurança que infestou sua solidão, mas o tratamento só fez expandir os sintomas, e agora a</p><p>pessoa talvez se sinta mais insegura do que antes (BAUMAN, 2004). Esta busca aumenta a</p><p>ansiedade e a carência, como o sentimento de frustração.</p><p>As situações descritas nos casos acima, se repetem na vida de muitas pessoas,</p><p>promovendo muita ansiedade, angústia e solidão. Procuram a orientação de um psicólogo</p><p>clínico, uma vez que a vivência repetida destas situações faz com que elas desenvolvam</p><p>sentimentos de tristeza, desânimo, amargura, angústia, sem vislumbrar a possibilidade de um</p><p>futuro com alguém, porque esse alguém nunca chega. Deixam de dormir, param de comer,</p><p>trabalham mal. As consequências são muitas, atrapalhando efetivamente as outras áreas da</p><p>vida como um todo.</p><p>9) Maria Isabel, 46 anos, advogada, foi casada por 19 anos, separou-se há quatro anos,</p><p>não teve filhos e reside sozinha. Gosta muito de viajar e, em especial adora ir ao Rio</p><p>de Janeiro, onde fez muitos amigos e amigas. Frequenta rodas de samba e conhece</p><p>muitos artistas da noite. Se, por ventura conhece alguém e entusiasma-se, fica</p><p>angustiada, olhando para o celular ansiosamente, para verificar se entrou alguma</p><p>mensagem, na expectativa de ser chamada para um encontro e quem sabe dessa vez</p><p>dar certo. Costuma ser abordada por homens mais jovens. Embora não pretenda casar-</p><p>se novamente, quer ter a seu lado alguém compatível, tanto no RG quanto na</p><p>experiência de vida. A esperança se renova a cada novo flerte e a frustração também.</p><p>O tempo passa e as consequências dele aparecem.</p><p>Principalmente entre as mulheres, frases como: “O que eu tenho de errado?”, “Será</p><p>que um dia conseguirei encontrar alguém?”, “Sou tão feia e desinteressante assim?”, “Será</p><p>por que não sou a mulher que faz o tipo “gostosa”? “Foi por que “dei” (fizemos sexo) na</p><p>primeira vez que nos conhecemos”?, repetem-se com muita frequência. Na tentativa de</p><p>encontrar uma resposta, trazem para si a total responsabilidade do desencontro amoroso. Que</p><p>desencontro é esse? Ou não é só desencontro, mas a postura de cada um diante da situação?</p><p>Será que assumem uma atitude da qual não podem dar conta? Ou é uma questão de se</p><p>acostumar a esses novos padrões e deixar para lá o que é respeitoso? Como acostumar-se a</p><p>isto?</p><p>101</p><p>Pois bem, vimos discutindo que não temos mais verdades absolutas, contudo,</p><p>minimamente, temos que ter uma postura diante da vida sobre o que queremos ou não para</p><p>nós. Temos que ter consciência e refletir com muita atenção sobre as escolhas que fazemos.</p><p>Todas, invariavelmente, têm uma consequência. As pessoas precisam aprender e apreender a</p><p>assumirem as rédeas da própria vida.</p><p>10) Claudia, 62 anos, separada há 24 anos, tem três filhos: a mais velha com 38 anos,</p><p>bancária, recém casada, mora com o marido, está grávida de 3 meses. A filha do meio,</p><p>que tem 34 anos, é solteira, trabalha com publicidade e mora com ela e, um filho</p><p>caçula casado, com uma filha de três anos. Como outras mulheres que estão sozinhas,</p><p>espera encontrar um companheiro. Amigas sugeriram e ensinaram-lhe a entrar em sites</p><p>de relacionamento. Na esperança de conhecer alguém, já que está sentindo-se muito</p><p>sozinha nessa fase do ciclo vital, passou a “navegar” por esses sites. Conheceu uma</p><p>pessoa, catorze anos mais jovem do que ela, libanês, diga-se de passagem, que reside</p><p>no Líbano. Muito entusiasmada com a conversa que passou a estabelecer com o</p><p>mesmo, deu continuidade às suas expectativas e logo, às frustrações. Haviam</p><p>combinado, depois de muitas conversas por meio do site, de se conhecerem</p><p>pessoalmente. A princípio ele viria ao Brasil. Um amigo, achando estranha essa</p><p>história, resolveu obter informações e constatou que tudo era mentira. Que decepção!</p><p>Muito choro e angústia. Esperanças vão por água abaixo. Agora, depois de tanto</p><p>sofrimento sai para um cinema, um café, um teatro com amigas, tentando se distrair.</p><p>Expectativas frustradas não param de acontecer. Uma sucessão delas. A esperança que</p><p>desta vez será diferente assemelha-se ao jogo de azar. Agora vai dar certo. Aposta-se nova e</p><p>sucessivamente. Às vezes ganha-se, às vezes perde-se e não se desiste, mesmo que o saldo</p><p>devedor seja grande. A esperança é a última que morre e a desilusão a primeira que chega.</p><p>11) Sérgio, 32 anos, namora há quatro anos, pretende se casar, assim que a namorada</p><p>entrar na residência médica. Adora uma balada. Viaja pelo mundo conhecendo os</p><p>lugares mais badalados da noite. Tudo é motivo de comemoração: se está feliz ou</p><p>aborrecido ou muito deprimido ou se briga com sua namorada. Corre para a balada</p><p>com alguns amigos “solteiros” (sem compromisso), bebe muito e fica com uma ou</p><p>102</p><p>com outra. Seu sentimento sobre isso é que não tem nada demais. É só para</p><p>descontrair com seus amigos.</p><p>Em primeiro lugar “eu”, em segundo lugar “eu” e quem sabe qual o lugar do “nós”.</p><p>Em cumprimento da total autonomia, para exercer a sua vontade, vale tudo que atenda</p><p>às suas necessidades. Os vínculos pessoais e sociais são livremente escolhidos e, naturalmente</p><p>devem satisfazer-lhe a conveniência ou qualquer outra expectativa (PETRINI;</p><p>CAVALCANTI, 2005). Concessões e acordos tão necessários na administração da vida a</p><p>dois, na vida familiar parecem permanecer nas prateleiras, esquecidos, empoeirados, em</p><p>desuso, fora de moda neste mundo pós-moderno.</p><p>12) Maria Alice, 19 anos, solteira, estudante, mora com os pais e começou a transar</p><p>aos catorze anos, sem conhecimento deles. Sai com vários rapazes da universidade que</p><p>freqüenta e está se cansando de ter esse comportamento. Quer muito conhecer alguém,</p><p>com quem possa estabelecer um relacionamento. Os rapazes que conhece na balada,</p><p>ou no bar, só querem “ficar”. No início, achou que sair com todos seria divertido.</p><p>Contudo, agora sente um vazio, um aperto no peito, uma solidão. Anda bem</p><p>desanimada e aborrecida. Sempre se cuidou nas relações sexuais que teve. Algo</p><p>aconteceu, segundo o que relata, mas não sabe explicar o quê. Diz: “Acho que estava</p><p>doente, procurando algo para preencher aquela sensação estranha, mas foi pior”.</p><p>A possibilidade de obtenção de prazer sexual, conquistada pelas mulheres, permitindo-</p><p>lhes exercer a sexualidade antes do casamento (BARBOSA, 2007), diminuiu a desigualdade</p><p>legal entre homens e mulheres. Por outro lado, as mulheres colocaram-se num lugar muito</p><p>masculinizado e que, muitas vezes, não podem dar conta, dada suas características</p><p>diferenciadas, como por exemplo, serem mais românticas, sonhadoras, idealizadoras. As</p><p>consequências aparecem e com elas o sofrimento e às vezes “vergonha” de ter ficado com</p><p>mais de um homem na mesma noite.</p><p>Este comportamento feminino de “ficar” com várias pessoas tem sido bem comum.</p><p>Preferem ter um contato, ainda que efêmero e descompromissado, em função da carência que</p><p>sentem, do que estar totalmente sozinhas. Embora esporádico, elas têm a expectativa que</p><p>alguém possa ligar ou escrever e podem ter um “compromisso”, afinal, ainda que para “ficar”.</p><p>Acabam conformando-se com o que podem ter naquele momento. Contudo, esta possibilidade</p><p>103</p><p>está longe de atender o que realmente desejam: encontrar alguém com quem possa estabelecer</p><p>um relacionamento</p><p>amoroso.</p><p>Cabe estarmos atentos, pois as mudanças vieram para ficar, então, continuarão seu</p><p>curso, remodelando tudo e todos. Mas as escolhas são nossas e as consequências também.</p><p>Assumir com consciência e responsabilidade as nossas tomadas de decisão é nosso dever e</p><p>nossa obrigação.</p><p>5.1.2.2 Infidelidade</p><p>Em meio a tantas mudanças de conceitos em diferentes áreas da vida, o conceito de</p><p>infidelidade também mudou. E agora, o que significa para as pessoas ser infiel? Este conceito</p><p>precisa ser desembrulhado/esmiuçado porque varia de pessoa para pessoa. Facilitada,</p><p>incentivada, não requer muitos esforços, ela é praticada por homens e mulheres que se</p><p>encontram namorando, noivando ou casados. Jurar ser fiel, nos bons e maus momentos, na</p><p>saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, “até que a morte nos separe", implica em nunca</p><p>interessar-se por mais ninguém, comprometendo-se permanecer juntos até o fim da vida. Mas</p><p>esteja alerta: quando se entra num relacionamento, as promessas de compromisso são</p><p>irrelevantes em longo prazo. Afinal, prêmios maiores podem estar acenando lá fora. Para que</p><p>privar-se destas oportunidades? Pode-se arriscar assumir o prêmio e seguir, dia após dia.</p><p>Contudo, se cometer um erro, não terá o conforto de pôr a culpa numa informação equivocada</p><p>(BAUMAN, 2004).</p><p>A fidelidade é algo muito amplo em cada relação. Fidelidade é a subjetividade da</p><p>lealdade. Lealdade está relacionada ao todo. Fidelidade é um contrato numa relação, em</p><p>função de traçar os limites do que é permitido. Lealdade é negociável. Fidelidade também é. É</p><p>importante negociar portas de entrada e de saída, para evitar pulos pela janela. Os valores</p><p>mudaram. Os casais não costumam tratar deste problema, pois acreditam que está implícito.</p><p>Mas é preciso falar, negociar a relação, quais são os limites que pautam a relação, que portas e</p><p>janelas podem ser abertas ou permanecem fechadas, mediante um acordo entre o casal.</p><p>A chamada infidelidade pode ocorrer em diferentes locais: no café, no carro, no</p><p>trabalho, no local de estudo, no restaurante ou pela Internet.</p><p>Presenciamos cada vez mais um estímulo ao sexo virtual. Seja pela web câmera, seja</p><p>por meio de sites de relacionamento, seja por aplicativos disponíveis em celulares, seja um</p><p>casal gravando-se enquanto faz sexo, jovens tirando fotografias de si mesmas nuas, mediante</p><p>104</p><p>seus aparelhos de celular, enviando tais fotos a quem de interesse, até que tudo isso caia em</p><p>mãos erradas e o escândalo é esperado. O que observamos é que apesar dos benefícios da</p><p>ciência e da tecnologia, isso não impede o ser humano de viver suas angústias existenciais.</p><p>O diálogo, a comunicação “olho no olho”, presencial têm sido substituídos pela</p><p>tecnologia. O prazer é imediato e clandestino. Não exige conversa e nunca diz não ou que está</p><p>com dor de cabeça. A falta de diálogo, que auxilia a estabelecer um contrato claro e objetivo</p><p>entre o casal é outro fator bem importante e um dos principais motivos de desajustes nos</p><p>relacionamentos.</p><p>1) André, 48 anos, casado há 19 anos, com uma filha de 10 anos, executivo de uma</p><p>empresa multinacional, relata que de vez em quando frequenta uma casa noturna,</p><p>muito conhecida em São Paulo, onde diz relaxar do estresse do dia a dia.</p><p>Naturalmente, sua esposa não sabe, mas para ele isto não é infidelidade. “É diversão</p><p>sem maldade”; “Eu amo a minha mulher, não quero me separar”; “Temos uma linda</p><p>família”.</p><p>“A definição romântica do amor como: “até que a morte nos separe” está</p><p>definitivamente fora de moda”. Foi substituída por: ”Seja eterno enquanto dure”. Noites</p><p>avulsas de sexo são referidas pelo codinome de “fazer amor” (BAUMAN, 2004). Sentimento?</p><p>Como diz-se popularmente: “A fila anda ou a vida que segue”. É apenas uma descontração,</p><p>não tem nada demais. Afinal, pode se tudo. O limite é o céu.</p><p>Atualmente, dá-se o nome de amor ao que se faz sexualmente e não ao que se sente</p><p>(PATEL, 2005). A repetição de eventos amorosos, curtos e impactantes acredita-se que</p><p>amplia o conhecimento sobre o “amor”. Essa é outra ilusão. As habilidades adquiridas são as</p><p>de terminar rapidamente e começar do início, dada a sua fragilidade e curta duração</p><p>(BAUMAN, 2004).</p><p>2) Jorge, 69 anos, administrador, casado há quase 45 anos, sua esposa inicialmente</p><p>trabalhava (mas deixou a atividade profissional quando engravidou da primeira filha),</p><p>com duas filhas casadas, diz que não é fiel à sua esposa desde a lua de mel. Com</p><p>quem? Com suas secretárias. Arrependeu-se de ter casado, já logo depois da lua de</p><p>mel. Muitas brigas, discussões, pontos de vista discordantes em sua maioria, mas ele</p><p>pensou que pudesse dar conta. A esposa desconfiou várias vezes, devido à mudança de</p><p>105</p><p>comportamento que manifesta quando está “apaixonado” por alguém. Ele jura a ela, de</p><p>pé junto que não tem ninguém, presenteia-a, “faz cara de paisagem” e a vida segue</p><p>com uma linda viagem e um carro novo na porta da garagem.</p><p>3) Marcos, 55 anos, engenheiro, casado há 34 anos, três filhos, uma casada e os outros</p><p>dois solteiros, sua esposa é dona de casa. Casaram-se porque ela engravidou, ainda</p><p>namorando. Ele continuou os estudos e ela ficou cuidando dos filhos que vieram. Ele</p><p>queixa-se que ela não o acompanhou intelectualmente. Em sua atividade profissional</p><p>viaja muito. E, em uma dessas viagens ao interior de São Paulo, conheceu uma mulher</p><p>(42 anos), separada com uma filha. Desde então, toda vez que viaja, faz uma breve</p><p>parada neste lugar para encontrá-la. Esta história tem alguns anos.</p><p>Não se separa porque adora a estrutura familiar. Casa organizada, café da manhã</p><p>servido diariamente, cachorro latindo e abanando o rabo, quando chega do trabalho, os filhos</p><p>e a esposa sentados à mesa esperando-o para o jantar. Mantém uma pequena “caverna”, um</p><p>quarto que transformou em seu escritório e refúgio particular, onde escreve no Facebook,</p><p>ouve música e lê. Faz uma boa viagem com toda a família de vez em quando, e assim mantém</p><p>o status quo da família feliz. Apesar de sofrer muito com toda esta situação, não consegue sair</p><p>dela. Entende que não trai, pois nunca prometeu nada à outra pessoa com quem se relaciona</p><p>quando viaja. Não quer dividir o patrimônio conquistado com suor, e muito menos perder a</p><p>mordomia que desfruta.</p><p>Este é um, dos muitos casos, cuja argumentação, principalmente masculina, repete-se</p><p>na justificativa para não se desfazerem de seus casamentos, ou porque não querem</p><p>compartilhar patrimônio, bem como desfazer-se do conforto do lar e toda a dor de cabeça que</p><p>a separação traria, ou porque não querem ficar longe dos seus filhos ou netos, deixando de</p><p>acompanhar o seu desenvolvimento.</p><p>E as esposas? Ou fazem vista grossa porque dependem financeiramente deles, ou</p><p>porque têm medo de recomeçar agora com mais idade. Não nos cabe julgar ou criticar. Cada</p><p>um lida com a sua história como pode.</p><p>Concorda-se com o que PETRINI (2003, p. 48) coloca sobre a relação amorosa na</p><p>conjuntura atual, que “parece deixar de lado, rapidamente o sonho romântico, passando a</p><p>medir as vantagens que cada uma das partes pode extrair do relacionamento. Sua estabilidade</p><p>106</p><p>será justificada até quando cada parte considerar suficientes os benefícios obtidos”. São</p><p>escolhas, ainda que a infelicidade esteja presente e o problema também.</p><p>4) Paola, 36 anos, casada, sem filhos, é escritora, gosta de sair com as amigas a bares,</p><p>cafés, para bater um papo e descontrair. Contudo, se alguém que ela julgue</p><p>interessante, abordá-la para uma conversa e quem sabe um sexo casual, ela não rejeita</p><p>a proposta. Quando pergunto a ela como se sente quando chega à sua casa e vê o</p><p>marido, ela responde: “Normal, foi só uma transa ”.</p><p>Manter relações sexuais casuais parece refrigerar as relações conjugais atuais. São</p><p>praticadas pela obtenção do prazer momentâneo, como bálsamos para as coisas que não vão</p><p>muito bem no relacionamento. Como</p><p>remédios, são ingeridas, proporcionando alívio imediato</p><p>e talvez com o mínimo de efeitos associativos. Cabe a pergunta: Faz passar a dor? De quem?</p><p>Terá que medicar-se quantas vezes? E os efeitos adversos a curto, médio e longo prazo? Esta</p><p>é a melhor indicação?</p><p>Nesses novos tempos, para HINTZ (2001, p.14): “A sexualidade passa a ser percebida</p><p>com maior naturalidade e a questão da fidelidade torna-se um compromisso compartilhado</p><p>pelo casal, porém com mais possibilidades de ser rompida por ambos os cônjuges, tornando as</p><p>uniões menos duradouras”.</p><p>5) Luiza, 26 anos, solteira, mora sozinha, a sua família é do interior paulista. Veio para</p><p>São Paulo, para estudar. Formou-se e acabou ficando. Conheceu um homem, dez anos</p><p>mais velho, casado, por quem se apaixonou e mantém um relacionamento há dois anos</p><p>e meio. Ele lhe disse que a ama, mas não deixaria a família. Tem dois filhos pequenos,</p><p>que são a sua “vida” e não quer deixar de acompanhar o crescimento e</p><p>desenvolvimento deles. Quer estar por perto. Ela cobra-o por uma decisão em ficar</p><p>juntos. Brigam. Desmancham e voltam. Ela não consegue sair desta enroscada. O</p><p>tempo está passando. Não conhece outros rapazes, porque não se permite. Gosta muito</p><p>dele e tolera esta situação, com recaídas e voltas intermináveis.</p><p>Bem, são inúmeras e diferentes as queixas que ocorrem nos relacionamentos atuais. O</p><p>não saber como fazer toma conta desse momento histórico. As certezas do passado deram</p><p>lugar à dúvida, à ansiedade e à solidão também. Para BAUMAN (2004, p. 32) “o amor é uma</p><p>107</p><p>das respostas paliativas a essa bênção/maldição da individualidade humana, que tem como um</p><p>de seus muitos atributos a solidão que a condição de separação traz consigo”.</p><p>As pessoas precisam amar e serem amadas. Mas de que amor estamos falamos? Qual é</p><p>esse sentimento? Amor pelo outro? Amor por si próprio? Amor por uma condição idealizada</p><p>de felicidade? Amores. Sobre isto, LINS (2012) complementa que a idealização faz do amor</p><p>algo maior do que desejo sexual e companheirismo. O amor tão ansiado é cúmplice, presente,</p><p>correspondido, cuidador, respeitoso. Contém admiração, empatia, sinceridade. Como tratar a</p><p>infidelidade? Qual a demanda de quem trai?</p><p>O conceito de infidelidade difere de pessoa para pessoa. Sem um diálogo aberto sobre</p><p>este tema pode-se correr o risco de cometer equívocos, acreditando-se que há um censo</p><p>comum sobre o significado de infidelidade. O casal pode encontrar um caminho, através do</p><p>diálogo, que atenda melhor as suas necessidades e se, fizer parte desta escolha, a possibilidade</p><p>de ter outro parceiro, que seja decidida pelos dois e, não arbitrariamente.</p><p>No clima cultural de Pós-Modernidade, o ritmo das mudanças e o caráter efêmero das</p><p>contínuas novidades tornaram-se exasperados. Este fenômeno é facilitado pelo novo poder</p><p>dos meios de informação, que permitem a comunicação instantânea com qualquer parte do</p><p>mundo e induzem à tomada de decisões imediatas e emocionais, não refletidas e não</p><p>amadurecidas, baseadas na obtenção de prazer imediato. Em conseqüência, as pessoas</p><p>encontram dificuldade em aceitar um compromisso estável e definitivo, inclusive no</p><p>matrimônio (ARAÚJO, 2007).</p><p>Bauman comenta que: “Não admira que, os relacionamentos estejam entre os</p><p>principais motores do atual boom do aconselhamento”. A complexidade é densa, persistente e</p><p>difícil demais para ser desfeita ou destrinchada sem auxílio (2004, p. 9).</p><p>A tarefa de ajustar-se aos novos padrões de comportamentos implica numa grande saia</p><p>justa para a maioria das pessoas. Sem diálogo, consciência e responsabilidade as</p><p>consequências são funestas para todos.</p><p>5.1.2.3 Tecnologia</p><p>Quando a telefonia móvel foi introduzida no Brasil, ela permitiu que as pessoas fossem</p><p>encontradas a qualquer momento. Os pais, à distância, podem saber onde os filhos estão ou o</p><p>que precisam, por exemplo. Assim como o casal pode resolver questões mais rapidamente</p><p>pelo celular, seja ligando ou enviando mensagem. Foi uma forma bem útil e rápida para se</p><p>108</p><p>falar ou escrever para as pessoas. As pessoas ao redor do mundo também estão</p><p>compartilhando informações pessoais, vídeos e comentários de toda espécie, através das redes</p><p>sociais.</p><p>O fácil acesso à Internet permite, entre tantas outras coisas, que pessoas se conheçam,</p><p>passem a conversar dentro de suas próprias casas e com isto, muitas vezes interferem na</p><p>privacidade e na intimidade da família. O número de modelos de aparelhos celulares,</p><p>computadores de toda a sorte que surgiram e surgem são incontáveis.</p><p>O uso dos dispositivos tecnológicos com acesso à internet: celular, tablets, laptop,</p><p>para conexão às mídias sociais, sites e blogs, é um comportamento que vem se tornando cada</p><p>vez mais frequente no dia a dia, em especial entre os mais jovens (crianças e adolescentes),</p><p>mas também entre adultos (em menor intensidade nos de mais idade) (BARBOSA, 2014).</p><p>A mesma tecnologia que deve ser utilizada como instrumento para facilitar e melhorar</p><p>a qualidade de vida pode causar dificuldades no relacionamento conjugal e entre pais e filhos.</p><p>Encontramos famílias nas quais os pais ficam um pouco intimidados frente aos filhos por não</p><p>entenderem tão bem o manejo do computador. “Aparentemente, mostram-se orgulhosos de</p><p>como seus filhos aprendem facilmente a mexer no computador, mas esta satisfação,</p><p>frequentemente, encobre uma dificuldade de dar limites a seu uso” (HINTZ, 2001, P.12). O</p><p>que ocorre com muita frequência não só com os pais, mas também em locais de trabalho e nas</p><p>escolas.</p><p>Nesta sociedade informático-cibernética, as pessoas são chamadas a priorizar o</p><p>domínio de certas habilidades a ela relacionadas e, os que não possuem as habilidades</p><p>necessárias para lidar com a informação ou não têm os conhecimentos que a rede valoriza</p><p>ficam totalmente excluídos ou dependentes de quem possa manejá-los. Resta aprender ou</p><p>depender. Não tem saída. Está tudo praticamente automatizado. Então, a crise surge pela</p><p>inexistência de uma única forma de vida e pensamento, porque as tradições têm que se</p><p>explicar e porque a informação não é um terreno restrito aos especialistas (GATTI, 2005). A</p><p>crise designa um período de dificuldades, que incorpora aspectos positivos e negativos, que</p><p>nos movimentos sóciohistóricos se entrechocam. É esperado e natural que isto aconteça.</p><p>Contudo, ou propiciamos a transformação ou a exclusão.</p><p>É importante observar também o papel da mídia, particularmente da televisão,</p><p>doméstica e onipresente, no rompimento do isolamento familiar e consequentemente, na</p><p>dificuldade crescente dos pais controlarem o que vai ser transmitido para seus filhos (KEHL,</p><p>2003). Há uma invasão de tecnologia em nossos lares, em nossas vidas. Temos que fazer um</p><p>109</p><p>filtro do que pode e do que não pode entrar. Se não prestamos atenção, temos aparelhos</p><p>ligados em quase todos os espaços da casa. Vale lembrar que foi uma grande luta a família</p><p>conquistar o domínio do espaço privado. Hoje, o público, por outros meios, invade e como</p><p>invade o privado. Precisamos pensar sobre o que queremos que entre ou não.</p><p>No caso das crianças, alguns programas devem ser assistidos em companhia de um</p><p>dos pais, pelo menos, que possa explicar-lhes, enquanto assistem a um determinado desenho</p><p>ou outro entretenimento televisivo, o que significa o que estão vendo, intervindo, orientando,</p><p>quando necessário, no sentido de valorizar comportamentos, que estão mais de acordo com os</p><p>da família, valendo-se daquela programação como exemplo de vida sobre o que fazer ou não</p><p>fazer.</p><p>É muito mais comum e às vezes cômodo, ligar o aparelho de TV e deixar a criança ali</p><p>sentada sozinha, enquanto se precisa fazer alguma coisa e manter a criança ocupada. As</p><p>imagens transmitidas têm muito poder e a criança é uma “esponjinha”, que absorve o certo e o</p><p>errado como muita facilidade.</p><p>A pressão de outras crianças</p><p>sobre ela também ocorre, e se elas não acompanham o</p><p>que as outras assistem sentem-se discriminadas. É preciso acreditar nos valores que se quer</p><p>transmitir e assumir uma postura compatível com isto.</p><p>1) Daniel, 39 anos, casado há dezenove anos, executivo de uma empresa nacional, sua</p><p>mulher de 37 anos, coordenadora de um escritório de contabilidade. Têm uma filha de</p><p>8 anos e discutem muito sobre a programação que a mãe autoriza a filha assistir. Ele</p><p>viaja muito a trabalho. Tem uma telenovela infantil, muito divulgada e assistida pelas</p><p>crianças, que traz temas, segundo o pai: “de muito sofrimento, mazelas” e que ele</p><p>prefere que ela não veja, não sozinha, sem a companhia de um dos dois que possa</p><p>explicar-lhe algumas coisas transmitidas. Assina a TV a cabo, que oferece outras</p><p>programações mais indicadas. Mas é só ele viajar, que ela retorna àquela programação.</p><p>É fato que os avanços tecnológicos “têm favorecido uniões entre pessoas, bem como o</p><p>isolamento de outros em suas casas, onde a opção possível é uma tela de TV ou de um</p><p>computador As famílias estão falando das dificuldades de colocar limites aos filhos e, os</p><p>adultos estão expressando prejuízos em suas vidas particulares e profissionais” (HORTA,</p><p>2007, p. 16).</p><p>110</p><p>Os pais precisam prestar atenção e aprender a controlar o acesso dos filhos a tudo que</p><p>está na tela da TV e do computador, determinando o período de uso, a fim de que outras</p><p>atividades sociais, como os esportes, os jogos, os parques infantis sejam incentivadas e</p><p>colocadas em prática, favorecendo o convívio “real” e não somente virtual.</p><p>“A ideia de que a conexão protege da solidão e do desamparo pode ser benéfica em</p><p>um mundo contemporâneo no qual as configurações familiares e sociais providenciam cada</p><p>vez menos companhia e apoio” (BARBOSA, 2014 apud TIRKLE, 2012, p.61).</p><p>Predomina, muitas vezes, a valorização de uma realidade virtual, criada por simulação</p><p>e as possíveis consequências deste isolamento são depressão, tristeza, embotamento</p><p>emocional e enfraquecimento no enfrentamento das frustrações, onde não pode se deletar a</p><p>vida real.</p><p>O sistema técnico a partir do final do século XX desenvolveu-se na linha da eletrônica,</p><p>das biotecnologias constituindo-se na grande era da informática. Porém, o mundo das técnicas</p><p>e das ciências, da produção e das invenções, não está preenchendo e realizando o mundo da</p><p>vida (ARAÚJO, 2007).</p><p>“Não temos como medir as consequências dos feitos da tecnociência os que são e os</p><p>que não são “compatíveis com a permanência da genuína vida humana”, pelo menos antes que</p><p>um dano, frequentemente irreparável, tenha sido feito” (BAUMAN, 2004, p.71).</p><p>2) Carolina, 32 anos, casada há um ano e meio, sem filhos, achava estranho seu</p><p>marido toda a noite ficar com o celular na mão. Quando perguntava a ele, o que era ou</p><p>quem era, ele respondia: “nada”, ou “ninguém”, apenas um joguinho. Como este</p><p>comportamento persistiu, certa noite, distraidamente ele larga o celular, para tomar um</p><p>banho. Desconfiada, pega o celular, destrava a chave de segurança e quase cai para</p><p>trás, quando viu que ele havia entrado no “Tinder”, um aplicativo para</p><p>relacionamento. Ela nem espera ele sair do banho e pergunta o que era aquilo e ele</p><p>responde: ”Nada. Bobagem. Só estava me divertindo”. Brigaram. Ela o fez sair do</p><p>aplicativo. Mas, isto não foi o suficiente para tranquilizá-la.</p><p>O desenvolvimento de tecnologias que nos ajudam a desenvolver diversas e diferentes</p><p>atividades têm sido utilizadas com fins muito distintos. Também possibilitam novas formas de</p><p>encontros. Site de relacionamentos, aplicativo de relacionamento que permitem as pessoas</p><p>111</p><p>solteiras se conhecer, também tem sido usados por pessoas comprometidas. Curiosidade,</p><p>diversão, brincadeira, obter prazer sexual?</p><p>Esta questão sobre o sexo virtual tem colocado em xeque a fidelidade das pessoas e</p><p>ocasionado vários problemas nas relações conjugais.</p><p>Se a saída para a virtualidade busca uma fuga da solidão, uma tentativa de</p><p>compartilhamento de toda espécie de laços, na forma de fotos, opiniões, informações, sexo,</p><p>enfim, uma maneira das pessoas se fazerem presentes umas na vida das outras, obtendo toda a</p><p>sorte de prazeres e à medida que isto se torna natural, a solidão passa a ser vista e sentida com</p><p>pavor, como aterrorizante, como um estado de desligamento contra o qual se tem de lutar, um</p><p>problema a ser resolvido, um estado que ameaça o sujeito em sua identidade e na percepção</p><p>de si mesmo (BARBOSA, 2014 apud TIRKLE, 2012, p.61).</p><p>3) Solange, 42 anos, casada há 15 anos, tem uma filha de 9 anos, parou de trabalhar</p><p>para cuidar da mesma. Seu marido trabalha na área comercial de uma grande empresa</p><p>e voltou a estudar à noite. Desconfiada de seu comportamento distante, perfumado</p><p>mais do que o normal, ouvindo música romântica, resolveu acessar seu facebook e</p><p>encontrou várias conversas que estava mantendo com uma colega de classe. Muita</p><p>discussão, muita negação e ele saiu do facebook por determinação dela. Os dois ainda</p><p>não estão se falando direito e ela está em dúvida, se continua ou não com ele.</p><p>Contudo, pensa muito na filha e em sua dependência econômica.</p><p>Observamos também discussões entre os casais, entre pais e filhos, por interferência</p><p>da própria Internet, afetando a convivência conjugal, por que um dos parceiros passa horas</p><p>entretido com o computador, ou pelo uso abusivo do celular pelos filhos. Parece não haver</p><p>limites para o uso de tanta tecnologia, que veio facilitar e, ao mesmo tempo dado seu mau uso</p><p>corrobora para desentendimentos em família, no trabalho e nas escolas.</p><p>As pessoas ficam cada vez mais individualistas, portando seus aparelhos eletrônicos</p><p>em qualquer lugar que vão ou estejam (cinema, festa, consultório, trabalho, sala de aula, bar</p><p>ou dentro da própria casa), como um amigo de braço dado, inseparável, que o acompanha</p><p>aonde for e com quem divide a atenção, seja para um comentário, exibir uma foto, contar um</p><p>segredo ou compartilhar um pensamento interessante de alguém. A postura que se observa é</p><p>de pessoas caminhando com a cabeça para baixo, voltada na direção dos seus respectivos</p><p>112</p><p>aparelhos eletrônicos e as mãos ocupadas tocando a tela dos mesmos. Dá para enxergar o</p><p>outro deste jeito, em todos os sentidos?</p><p>Como as pessoas estão usando a tecnologia a seu favor? Ela é fundamental nos dias de hoje,</p><p>mas que comportamentos são esses?</p><p>Estes comportamentos acabam por diminuir as possibilidades de diálogo, afastando os</p><p>casais, afastando os pais dos filhos e afastando as pessoas de modo geral. O diálogo real, ou</p><p>seja, com presença física toma um tempo real e não se pode controlar o que se fala. É</p><p>espontâneo, natural, ao vivo, a cores, sem ensaios e sem controle. As palavras surgem,</p><p>através de um pensamento do “sentir”. Ao contrário da comunicação virtual, ou seja, da</p><p>conversa escrita, que nos permite um maior domínio e uma apresentação controlada de nós</p><p>mesmos, com direito a escrever, apagar, pensar melhor antes de escrever de novo e por aí vai.</p><p>“A tecnologia possibilitaria, portanto, lapidar relações. As pessoas preferem escrever a falar”</p><p>(BARBOSA, 2014 apud TIRKLE, 2012, p.61).</p><p>O falar exige uma habilidade, uma postura, uma prática no convívio social, na troca</p><p>intersubjetiva, em como lidar com o outro e com as diferentes situações que surgem quando em</p><p>relação com o outro e com o mundo. Portanto, no mundo real as relações interpessoais podem causar</p><p>ansiedade, frustração e angústia. Não se pode esconder atrás de uma tela, nem apagar, nem bloquear o</p><p>outro. É preciso enfrentar a situação.</p><p>“O contato virtual é sentido como mais ameno e tranquilo, mais agradável e digerível, pode-se</p><p>controlar melhor o que se diz” (BARBOSA, 2014 apud ZIZEK, 2003, p.62). Não exige que</p><p>encaremos de frente a realidade, nem tão pouco que tenhamos habilidades sociais desenvolvidas,</p><p>afinal a realidade virtual, como a própria palavra diz, aparece e desaparece numa tela mágica, apenas</p><p>ao toque de um dedo apertando o botão de deletar ou desligar.</p><p>4) Isadora, 39 anos, casada há dez anos, com dois filhos, um menino de oito anos e</p><p>uma menina de cinco, trabalha como gerente de um banco e seu marido trabalha numa</p><p>empresa de tecnologia. O casamento não anda bem há anos e embora tenham feito</p><p>várias tentativas, ela não quer mais. Recentemente numa festa de encontro dos amigos</p><p>de colégio de vinte anos atrás, encontrou um colega. Foi uma grata surpresa para</p><p>ambos se reencontrarem e marcaram um café. Ele casado, 40 anos, com uma filha de</p><p>um ano e meio, a sua esposa trabalha com chocolates. Um encontro virou vários</p><p>encontros, viagens ao exterior com a desculpa de ambos de ser a trabalho e conversas</p><p>diárias pelo whatsapp. Os respectivos companheiros desconfiam, mas não têm certeza.</p><p>Ela pretende seguir adiante com a separação, mesmo que o seu “amigo” de escola, não</p><p>113</p><p>tenha prometido nada. Quando não conseguem conversar pelo whatsapp, conversam</p><p>pelo facebook. Tudo com a maior naturalidade.</p><p>5) Fernando, 50 anos, casado pela segunda vez há doze anos, tem duas filhas do</p><p>segundo casamento, uma com oito e a outra com cinco anos, é engenheiro, a sua</p><p>esposa deixou de trabalhar para cuidar das meninas. Reclama muito de tudo, o tempo</p><p>todo, segundo ela. Exigente e intransigente quer que ela volte a trabalhar e não</p><p>valoriza seu trabalho com as meninas e com a administração doméstica. Ela está sem</p><p>rumo sobre o que fazer com a profissão e com o casamento. Eis que numa determinada</p><p>noite ela acordou para ir ao banheiro e deparou-se com ele masturbando-se na frente</p><p>do computador, assistindo a um site de pornografia. Se a relação já estava abalada,</p><p>com este episódio então, quase acabou de ruir. Estão tentando se acertar. Ela está</p><p>muito magoada e não consegue perdoá-lo, embora ele se desculpe dia e noite.</p><p>A fidelidade entre os casais também está sendo colocada à prova por motivos bem</p><p>diferentes. Sites de traição veiculam na Internet sugerindo que a monogamia é monotonia,</p><p>“saia da rotina” é a proposta. Os modos tradicionais de se fazer as coisas estão se dissolvendo</p><p>tamanha a mudança sofrida pelas instituições do casamento e da família. Atualmente,</p><p>encontramos conflitos entre os casais motivados pela infidelidade virtual.</p><p>O fácil acesso ao cybersex (sexo virtual) tem conduzido os casais a novas dificuldades.</p><p>Conversas por meio de chats, entre outros comportamentos, fazem surgir um sentimento de</p><p>infidelidade e, logo um segredo, ainda que a satisfação se realize no plano da fantasia,</p><p>trazendo muitas implicações para a vida conjugal. Segundo Guimarães citado por Hintz</p><p>(2001, p.13), "a infidelidade virtual é uma nova forma de relacionamento que interessa ao</p><p>Direito porque pode provocar a alteração dos vínculos formais e jurídicos". Já se somam</p><p>muitos os casos de mulheres que surpreenderam seus companheiros, flagrantes desta prática.</p><p>A tecnologia nos permite fazer com que relações reais que não vão muito bem, ou até</p><p>mesmo a busca de uma pitadinha de sal a mais no dia a dia, para aliviar o estresse, seja</p><p>possível buscar e encontrar nas relações virtuais um momento de prazer, sem compromisso,</p><p>sem cobrança, com rostos “desconhecidos”, corpos se fazem presentes pela webcamera e o</p><p>simples toque de um botão desliga e faz desaparecer como mágica tudo o que foi</p><p>compartilhado. Pronto! A vida continua, até um belo dia ser descoberto(a).</p><p>114</p><p>“Nessa perspectiva, inverte-se a ordem esperada de percepção entre realidade concreta</p><p>e virtual para nos parecer mais real o virtual e irreal, como um “pesadelo fantástico”, o real”</p><p>(BARBOSA, 2014 apud ZIZEK, 2003, p.62). A comunicação virtual está posta como</p><p>realidade.</p><p>6) Irene, 44 anos, casada há 21 anos, um único filho de 16 anos, trabalha como</p><p>consultora de moda, seu marido é diretor de uma multinacional. O trabalho dela</p><p>demanda muitas viagens para o exterior, para pesquisar tendências da moda feminina.</p><p>Ele também viaja muito a trabalho. Numa de suas viagens, estava no hotel à noite sem</p><p>fazer nada, resolveu acionar um aplicativo no Iphone que tem a função de rastrear a</p><p>pessoa com quem temos contato. Qual não foi a surpresa. Ele disse estar num lugar</p><p>“X” e o rastreador indicava um lugar “Y”. Ficou quieta. Continuou nos dias seguintes</p><p>a “segui-lo” e o mesmo lugar “Y” continuava a aparecer. Chegou ao Brasil, contratou</p><p>um detetive que lhe informou que o seu marido estava saindo com uma pessoa do</p><p>trabalho e encontrando-se às escondidas nesse lugar.</p><p>Não podemos passar batido por estas histórias. Elas realmente acontecem, trazendo</p><p>muito desconforto para todos os envolvidos. Não se fala abertamente, até porque não se pode</p><p>falar, quando se trata de um segredo, que quem faz, não quer que o outro saiba. E, quando se é</p><p>descoberto, a surpresa pelo acontecido e o sofrimento provocado são imensuráveis.</p><p>Quem poderia imaginar que a tecnologia chegaria a este ponto? É fundamental</p><p>reconhecermos como no mundo atual globalizado surgem conflitos resultantes de diferenças</p><p>geradas pelas facilidades de troca de informações e de uma era tecnológica e digital, na área</p><p>da comunicação (FEIJÓ; MARRA, 2005)</p><p>As pessoas usam cada vez mais os meios eletrônicos, as famosas redes sociais para se</p><p>manterem conectadas, em relação virtual com alguém. Elas não exigem compromisso. Podem</p><p>aceitar o outro, apagá-lo ou ainda mantê-lo oculto por escolha, livremente, sem</p><p>constrangimentos, apenas com um toque de uma tecla e a conexão faz-se ou desfaz-se. Elas</p><p>parecem feitas sob medida para o líquido cenário da vida moderna, em que se espera e se</p><p>deseja que as "possibilidades românticas" surjam e desapareçam numa velocidade crescente e</p><p>em volume cada vez maior. “Diferentemente dos "relacionamentos reais", é fácil entrar e sair</p><p>dos “relacionamentos virtuais”. A facilidade do desengajamento e do rompimento (a qualquer</p><p>115</p><p>hora) não reduz os riscos, apenas o distribui de modo diferente, junto com as ansiedades que</p><p>provoca” (BAUMAN, 2004, p. 12-13).</p><p>5.1.2.4 Filhos</p><p>A literatura nacional e internacional, mediante diferentes vozes, seja de sociólogos,</p><p>antropólogos, advogados, filósofos, pediatras e psicólogos, descreve o paradigma pós-</p><p>moderno em inúmeras publicações. É fato que até bem pouco tempo convivíamos com um</p><p>modelo tradicional de família, onde o modelo de como fazer as coisas eram bem claro. Havia</p><p>uma diretriz para absolutamente tudo. Como “paquerar” (palavra usada naquela época), como</p><p>devia ser o comportamento na hora de namorar, noivar e, finalmente casar. O número de</p><p>filhos também era maior. Os casais viravam pais e a orientação de como melhor educá-los era</p><p>sugerida em diferentes publicações na escrita de psicólogos, pediatras e psiquiatras.</p><p>Diferentes correntes das teorias psicológicas do desenvolvimento orientavam sobre as</p><p>diferentes fases do desenvolvimento da criança; o que se esperava que acontecesse em cada</p><p>uma delas, e como os pais deveriam agir para propiciar um crescimento satisfatório de seus</p><p>filhos e um melhor funcionamento dessas relações pais e filhos e, assim tentar garantir o</p><p>melhor possível.</p><p>1) Sonia, 32 anos, casada há 5 anos, mãe de Antonio, tem um único filho de um ano e</p><p>oito meses, sente-se extremamente angustiada por deixá-lo na escolinha em período</p><p>integral desde os quatro meses de vida. Sente que ele está crescendo rápido demais e</p><p>que ela não está aproveitando tudo o que poderia dessa fase dele. Seu marido tem um</p><p>negócio próprio, mas a renda dela compõe o orçamento familiar. Neste momento, ela</p><p>não quer e nem pode deixar de trabalhar. Não pensam em ter outro filho, justamente</p><p>pelas questões de trabalho e tempo.</p><p>Alguns fatores contribuíram para a mudança da família contemporânea, como a saída</p><p>da mulher para o mercado de trabalho por escolha</p><p>ou necessidade, reduzindo seu tempo para</p><p>as atividades domésticas, bem como para a educação dos filhos. Segundo o entendimento de</p><p>Horta (2007, p. 12) ocorreu uma revolução sexual, a perda do poder econômico da população,</p><p>a influência do amor romântico e o igualitarismo.</p><p>116</p><p>“Isso não quer dizer que esta nova mulher ao trabalhar fora de casa deixará de ser a</p><p>dona de casa. A mulher atual almeja o sucesso pessoal incluindo em seus ideais de vida a</p><p>realização profissional sem deixar de participar na subsistência da família” (BOTTOLI et al.,</p><p>2012, p. 3). Na realidade, as mulheres assumiram muito mais responsabilidades, além das que</p><p>já tinham. Assim sendo, somaram direitos e mais deveres também. Compõem a renda</p><p>familiar, na maioria dos casos, já que a vida anda muito cara e assumir tantos compromissos</p><p>financeiros requer fôlego duplo.</p><p>2) Célia, 29 anos, casada há dois anos, quer muito ter filhos, mas pensa com quem irá</p><p>deixá-los. Ela trabalha muito e está construindo sua carreira. O marido também quer</p><p>muito formar uma família, mas também está em ascensão profissional. A questão é</p><p>que as famílias de origem moram em outro estado e eles dependerão de babá para</p><p>cuidar do bebê, já que não querem deixá-lo em creche ou escolinha em período</p><p>integral. Estão evitando engravidar, enquanto a condição financeira e a falta de tempo</p><p>não permitirem. Mas é de fato uma preocupação: conciliar a carreira e a construção</p><p>familiar.</p><p>Com isto, diminui a desigualdade legal entre homens e mulheres. Ela pode, agora,</p><p>decidir sobre a maternidade, diferentemente do que havia sido anteriormente, quando estava</p><p>submetida a gestações ininterruptas, tornando-se uma “matrona” ainda muito jovem.</p><p>A emancipação das mulheres com a conquista da independência profissional e</p><p>financeira e o poder de decisão sobre a hora da maternidade, resultou numa maternidade</p><p>tardia, que com o auxílio da medicina tem ampliado a idade na qual as mulheres podem</p><p>conceber, com segurança cada vez maior, para a saúde da gestante e da criança, fato este que</p><p>influi no número de filhos, ficando algumas mulheres numa única gestação.</p><p>3) Marta, 35 anos, casada há 7 anos, tem um único filho de um ano, trabalha numa</p><p>empresa de aviação e o seu marido numa indústria alimentícia. O filho fica na creche</p><p>da empresa do marido. Pensam em aumentar a família, mas não se continuarem</p><p>morando em São Paulo. As duas famílias de origem residem fora de São Paulo, em</p><p>lugares diferentes. Querem ter o apoio dos avós. Se isto não puder acontecer não terão</p><p>mais filhos. Ela não gosta da ideia de deixá-lo aos cuidados de terceiros, mas não tem</p><p>117</p><p>o que fazer. Os dois precisam trabalhar. Esta situação traz muita angústia,</p><p>principalmente para ela.</p><p>Em função da redução do número de filhos, o tamanho da família também fica cada</p><p>vez menor. Este decréscimo está em relação direta com as transformações surgidas na</p><p>ocupação das mulheres e nos métodos de contracepção.</p><p>As atitudes dos pais mudaram radicalmente em relação às crianças ao longo de</p><p>algumas gerações. A decisão de ter um filho é agora muito diferente do que foi para gerações</p><p>anteriores. “Na família tradicional, os filhos eram uma vantagem econômica. Hoje, nos países</p><p>ocidentais, um filho, ao contrário, representa um grande encargo financeiro para os pais. A</p><p>decisão de ter um filho é muito mais definida e específica do que costumava ser, e é guiada</p><p>por necessidades psicológicas e emocionais” (GIDDENS, 2008, p. 69).</p><p>4) Cristina, 33 anos, casada há três anos, trabalha como promotora de eventos, seu</p><p>marido tem 38 anos, trabalha em uma empresa de cosméticos. Eles planejam ter um</p><p>filho, apenas quando ela puder parar de trabalhar. Quer educar o próprio filho. Este é</p><p>um combinado que eles têm e esperam alcançar.</p><p>Os novos casais são aqueles em que marido e mulher trabalham e têm um filho</p><p>programado, frequentemente pelas mulheres que estão na posse do controle da fecundidade.</p><p>Um filho é um projeto de grande investimento afetivo e financeiro nos dias atuais (PATEL,</p><p>2005). Segalen citado por Patel (2005, p.29) verifica que no casal que mantém relações de</p><p>igualdade, há uma redefinição das funções de paternidade e maternidade e existe um capital</p><p>de autoridade parental a repartir.</p><p>A situação econômica atual demanda muito dos pais que tem que trabalhar muito mais</p><p>para poder assumir tantos custos altos, como assistência médica, escola, escolas que oferecem</p><p>atividades extracurriculares em período integral para os pais que trabalham fora, pessoas que</p><p>auxiliam com a administração doméstica, lazer e tudo mais que envolve a vida das pessoas.</p><p>Planejar um filho, nos dias de hoje é muito necessário.</p><p>5) Antonieta, 31 anos, médica, atende no hospital e no consultório, casada há dois</p><p>anos, com um médico de 33 anos, que mantém a mesma rotina que a dela, tem um</p><p>bebê de três meses e tiveram que montar uma estrutura gigantesca para acomodar a</p><p>118</p><p>vida do bebê. Contratou a empregada, que cuida da roupa e da cozinha, a faxineira que</p><p>vem duas vezes por semana, para limpar a casa, a babá que dorme em casa todas as</p><p>noites e a folguista que cobre os fins de semana quando a babá não está. Foi uma</p><p>estratégia necessária para continuarem trabalhando.</p><p>As crianças de hoje, demandam muito dos pais. Em que sentido? Além das aulas na</p><p>escola, há outras aulas fora dela como: inglês, natação, jogo de futebol, aprendem a tocar um</p><p>instrumento musical, aulas de circo. Os pais disponibilizam motoristas, babás (quando</p><p>podem), tudo para dar conta de tanta coisa. Há um estresse de todos os lados. Isto quando não</p><p>têm professores particulares para auxiliá-los em alguma disciplina que estejam com</p><p>dificuldade. Imaginem a responsabilidade dos pais, como fica? A falta de tempo, seja pelo</p><p>trânsito, seja pela carga excessiva de trabalho, viagens de negócios, enfim, muita demanda</p><p>também para os pais, faz com que a impaciência, a intolerância, a comodidade de colocar a</p><p>criança na frente da TV assistindo a um filme ou a permanência por horas no banho, tomem</p><p>um tempo fundamentalmente importante para o diálogo, a brincadeira, o jantar juntos, a</p><p>leitura de uma história, até mesmo assistir um desenho ou um filme. Esses momentos tornam-</p><p>se cada vez mais raros, se não houver um esforço.</p><p>Além disto, as crianças e os adolescentes conversam muito entre si, pelo celular, pelas</p><p>redes sociais, e a ampliação do conhecimento se faz diariamente. O principal desafio dos pais</p><p>é justamente oferecer um bom espaço no qual os filhos possam crescer sem riscos nem</p><p>consequências dramáticas (PINHEIRO, 2014, p.12).</p><p>Os pais são responsáveis pela educação e socialização das crianças. Entretanto, hoje, a</p><p>escola, outros espaços de socialização e outras pessoas dividem esse papel. Com a saída dos</p><p>pais de casa para exercerem suas atividades profissionais, surgiram as creches como solução</p><p>para o cuidado dos filhos pequenos. Este cuidado, em algumas situações, também passou a ser</p><p>realizado pelas pessoas de mais idade da família, geralmente os avós, que, sem o poder</p><p>anteriormente exercido, passam a ter a tarefa de cuidar dos netos enquanto seus pais não estão</p><p>presentes. Outros recorrem à contratação de babás, principalmente aqui no Brasil. A crescente</p><p>repartição do processo de socialização por diferentes instituições sociais, faz com que a</p><p>educação das crianças seja exercida não somente pelos pais, o que pode ser fonte de diversos</p><p>conflitos (HINTZ, 2001).</p><p>119</p><p>5.1.2.5 Filhos e divórcio</p><p>Mudanças significativas, na família, ao longo dos séculos, escrevem a história atual. A</p><p>família contemporânea tem criado formas particulares de organização, não mais se limitando</p><p>à família nuclear (pai, mãe e filhos dos mesmos pais) como já foi colocado no corpo do texto,</p><p>mas a uma forma distinta e decorrente dos tempos pós-modernos, onde os casais se unem e se</p><p>desunem por diversas vezes</p><p>e passam a conviver ou não, com filhos, frutos de antigas relações</p><p>conjugais e filhos que nascem de suas novas uniões (SZYMANSKI, 1992; BOTTOLI et al.,</p><p>2007).</p><p>A contemporaneidade permitiu diferentes formas de se relacionar entre casais, que não</p><p>mais apenas pelo sacramento do casamento.</p><p>Os casais ganharam espaço para expressarem livremente sua sexualidade, com quem,</p><p>quando e como quisessem. Assim, a obrigatoriedade do passado de ter relações sexuais</p><p>apenas mediante a consagração do matrimônio, foi sendo substituída por esta nova forma, que</p><p>gerou muitas mudanças, entre elas a possibilidade de dissolução do casamento.</p><p>Esta possibilidade fez com que o tempo que um casal permanece junto diminuísse</p><p>assustadoramente. Nas palavras de Burguière et al., (1998, p.6) “Esta privatização do</p><p>casamento está associada à facilidade e à frequência com que se dissolve”.</p><p>Então poderíamos perguntar: por que, então as pessoas se separam tanto? Separam-se</p><p>tanto porque têm expectativas muito elevadas em relação ao casamento e às relações</p><p>familiares. O espírito de individualismo, ora reinante, coloca a perda da liberdade e da</p><p>privacidade como os principais aspectos ruins ou desvantajosos do casamento (FÉRES-</p><p>CARNEIRO, 2007).</p><p>O desejo de ser feliz e encontrar alguém para formar um casal ou uma família são</p><p>parte da natureza humana, dada sua característica essencialmente social e, esta é uma prática</p><p>histórica.</p><p>Mas se observarmos bem, a maioria das pessoas que se separam caminha para o</p><p>recasamento (FÉRES-CARNEIRO, 2003).</p><p>Porque por mais que se questione se a família está viva ou está morta, conclui-se que</p><p>ela está cada vez mais viva, cada vez mais importante.</p><p>Aliás, a família é “o lócus privilegiado para garantir a dignidade humana e permitir a</p><p>realização plena do ser humano” (GRANDESSO, 2008, p. 9).</p><p>120</p><p>1) Lourdes, 42 anos, separada há três anos, tem dois filhos, uma menina de 9 anos,</p><p>Patrícia, e um menino de 7 anos, Pedro. Mora com os dois filhos, que estudam em</p><p>período integral. Ela trabalha o dia todo e não conta com a ajuda de ninguém.</p><p>Esporadicamente seus pais dela podem ajudá-la. O ex-marido casou-se novamente.</p><p>Mora com toda a família de origem: mãe separada, irmã separada com um filho, sua</p><p>filha mais velha de outro casamento, também casada com dois filhos, mais um filho de</p><p>16 anos e agora a atual companheira. É prestador de serviços. Seu trabalho tem altos e</p><p>baixos e a pensão que paga a Lourdes é muito baixa. Ela sente-se muito sozinha e</p><p>muito cansada. Quase não tem tempo para um lazer sem as crianças, mesmo porque</p><p>não tem com quem deixá-los. Quer muito encontrar alguém para ser seu companheiro.</p><p>As suas amigas estão casadas e tem uma ou outra amiga solteira ou separada para lhe</p><p>fazer companhia. Mas, mesmo assim é raro ela sair sem as crianças.</p><p>O convívio social é parte da essência humana. A solidão não é compatível com as</p><p>exigências psíquicas. Todos precisam de alguém em algum momento da sua existência. Seja</p><p>para a formação de um casal, para a formação da família, na doença, no trabalho, para o</p><p>crescimento pessoal, de que forma for, estar em relação é o que faz a diferença para o nosso</p><p>desenvolvimento enquanto indivíduos e forma a sociedade.</p><p>Apesar de todas as dificuldades, continuamos ainda a presenciar a um grande número</p><p>de casamentos. Embora conscientes das dificuldades envolvidas, traduzidas pelo crescente</p><p>número de divórcios, não parecem preocupados de antemão com a busca de soluções,</p><p>parecendo continuar acreditando que com eles “será diferente” (FÉRES-CARNEIRO, 2007,</p><p>p.204).</p><p>Para Bottoli et al. (2012, p. 5), muitos casais buscam o divórcio por acreditarem que o</p><p>casamento possa ser algo mais do que aquilo que suas relações oferecem.</p><p>Isso pode ser também compreendido com a afirmação de Carter e McGoldrick (1995)</p><p>citados por Bottoli et al. (2012, p.5) de que, no recasamento, as pessoas buscam encontrar a</p><p>satisfação de expectativas anteriores ao primeiro casamento. Aumentando assim a expectativa</p><p>de vidas das pessoas após o divórcio, buscando relacionamentos mais felizes do que o</p><p>anterior.</p><p>121</p><p>2) Joana, 38 anos, separada há 6 anos, tem um único filho, Paulo de 10 anos. Separou-</p><p>se porque seu marido é usuário de drogas e não trabalhava. A princípio sustentou esta</p><p>situação porque o amava e acreditou que poderia ajudá-lo a mudar. Engravidou e a</p><p>história deles não mudou. Por fim, resolveu separar-se porque já estava prestando</p><p>atenção no personal da academia. Pediu o divórcio e ele saiu de casa. Conheceu vários</p><p>homens, mas nenhum queria assumir um compromisso. A história de sempre: saía,</p><p>ficava junto e sabe-se lá quando a pessoa daria sinal de vida novamente. O tempo foi</p><p>passando e a tristeza em continuar sozinha foi aumentando. Queria ter um</p><p>companheiro e refazer sua vida amorosa e familiar. Há dois anos conheceu um colega</p><p>de trabalho, também separado, 41 anos, com um filho de 6 anos. O sentimento entre</p><p>eles cresceu, as expectativas de ambos eram as mesmas e assim decidiram morar</p><p>juntos. Organizaram-se no apartamento dela para receber o namorado e o filho dele.</p><p>Estão numa fase de acertos, mas muito felizes. Ficaram noivos e pretendem casar-se.</p><p>As pessoas continuam buscando um companheiro ou uma companheira para constituir</p><p>um relacionamento compromissado, considerando o amor a base para uma união feliz. Os</p><p>homens mais rapidamente que as mulheres (FÉRES-CARNEIRO, 1998), uma vez que as</p><p>mulheres “têm sua liberdade um pouco reduzida para contraírem rapidamente uma nova</p><p>união, devido às crianças que ficam ao seu cuidado” (BURGUIÈRE et al., 1998, p. 11)</p><p>Daí o casamento continuar a ser praticado, as uniões consensuais terem aumentado de</p><p>frequência e um novo casamento ou uma nova união estável consistir numa expectativa para</p><p>quem se separa ou se divorcia, não importando a idade ou o sexo. Se o tradicional “até que a</p><p>morte nos separe” foi substituído pelo “seja eterno enquanto dure”, o desejo de que esse</p><p>eterno possa durar para sempre está presente nos vínculos que estabelecem as novas parcerias</p><p>amorosas. Um relacionamento íntimo compromissado, projetos compartilhados,</p><p>companheirismo e respeito tanto pelas individualidades como pela vida em comum</p><p>conformam as expectativas a serem realizadas num universo pluralístico que cria e recria a</p><p>vida em família, numa variedade de arranjos de parentescos, domicílios e sistemas</p><p>colaborativos (GRANDESSO 2008, p.8).</p><p>3) Terezinha, 43 anos, separada há sete anos, tem duas filhas, uma de 10 anos e outra</p><p>de 7 anos. Trabalha em uma instituição financeira e conheceu Ângelo, que atua em</p><p>outra área do mesmo banco. Ele é mais velho que ela treze anos, tem três filhos</p><p>122</p><p>adultos casados e já é avô. Moram juntos há um ano. Além da própria família materna</p><p>e paterna, as meninas ganharam um padrasto e com isto, outras possibilidades de</p><p>relacionamentos, aumentando o número de pessoas no dia a dia da vida delas, como o</p><p>número de casas a visitar e o número de comemorações realizadas. Surgiram mais</p><p>avós, avôs, tios, tias, primos, primas e outras relações que não podem ainda ser</p><p>“nomeadas” de acordo com o que aprendemos sobre parentesco, mais estão,</p><p>temporariamente adaptadas à estas novas configurações atuais.</p><p>Em virtude da frequência do divórcio criam-se complexos entrelaçamentos de</p><p>parentesco nas famílias reconstituídas, podendo acontecer que um divórcio venha a cortar a</p><p>cadeia geracional para os avôs, como no caso em que o divorciado não tem a guarda do</p><p>próprio filho. Para os pais do divorciado, a experiência de ser avós modifica-se</p><p>significativamente, em alguns casos, aumentando a responsabilidade com relação aos netos e,</p><p>em outros, reduzindo os contatos (PETRINI; CAVALCANTI, 2005).</p><p>A família recasada tem características próprias, e é importante não tomá-la como a</p><p>família nuclear recriada cita Féres-Carneiro (1998). Na família recasada os</p><p>limites dos</p><p>subsistemas familiares são mais permeáveis, a autoridade paterna e materna é dividida com</p><p>outros membros da família, assim como os encargos financeiros. Há uma complexidade maior</p><p>na constituição familiar: às vezes oito avós, filhos da mulher do pai, filhos do marido da mãe,</p><p>logo mais irmãos ou meio irmãos. É preciso muita flexibilidade e originalidade para lidar com</p><p>tudo isso. E é importante não interpretar a complexidade das relações que se estabelecem</p><p>nestas famílias como disfuncionalidade (FÉRES-CARNEIRO, 1998).</p><p>Surgem assim, novas configurações familiares que testemunham que viver bem não</p><p>depende de um arranjo-padrão (GRANDESSO, 2008). Corroborando com esta posição Féres-</p><p>Carneiro (1998) enfatiza que a competência das famílias não depende do fato de serem</p><p>casadas, separadas ou recasadas, mas da qualidade das relações estabelecidas entre seus</p><p>membros. Esta autora discute ainda as características das famílias reconstituídas, enfatizando</p><p>a possibilidade de interação funcional e ressaltando as questões de linguagem.</p><p>A tendência de considerar as famílias separadas ou as famílias recasadas como</p><p>disfuncionais deve, sem dúvida, ser questionada. É importante ressaltar que estes núcleos</p><p>familiares reconstituídos promovem a união, a harmonia, o respeito como nas famílias do</p><p>primeiro casamento. Todos esperam que tudo corra bem. A qualidade da saúde familiar não</p><p>está na configuração na qual se encontra, mas na administração desta. Ser uma família</p><p>123</p><p>depende de outros fatores como o amor que os une, o cuidado, o bem estar comum, a</p><p>solidariedade, o comprometimento, assumir as responsabilidades que cabem a cada membro</p><p>familiar, a proteção, a transmissão de valores, de crenças e cultura, entre outros. A qualidade</p><p>como estas questões são transmitidas, tratadas e cuidadas é que faz a diferença no futuro.</p><p>As crianças, filhos de pais separados passam a conviver com outras realidades. Muitas</p><p>casas para ir, muitos avôs, muitos tios, muitas e diferentes maneiras de educar. Enfim, tudo</p><p>muito, como já foi dito anteriormente. Contudo, “muitas famílias só se expandem pelas</p><p>múltiplas uniões após os divórcios e separações, e assim temos os irmãos, co-irmãos e meio</p><p>irmãos, convivendo às vezes com maior número de avós e frequentando vários núcleos</p><p>familiares” (MACEDO et al., 2011, p.14). Podemos olhar para este lado da situação</p><p>positivamente, como uma grande possibilidade de aprendizado por parte de todos os</p><p>envolvidos e, ao mesmo tempo em que as complicações surgem, neste emaranhado de</p><p>relacionamentos, as adaptações também são demandadas e alcançadas com o esforço e</p><p>dedicação de todos.</p><p>Enfim, há infinitas relações de afinidade e afeto, que poderão se tornar importantes na</p><p>formação do caráter das crianças (BOTTON, 2011).</p><p>Nesse panorama atual, Grandesso (2008, p.9) considera que não se trata mais de</p><p>reconhecer os novos modelos familiares, cuja existência e visibilidade são inegáveis, mas sim</p><p>protegê-los. Diante de tantas possibilidades, “temos enfrentado dificuldades em colocar em</p><p>linguagem os novos vínculos que se apresentam, formados de tão distintas maneiras, trazendo</p><p>inclusive implicações legais e éticas”.</p><p>E a educação dos filhos, com tantas pessoas que entram nas suas vidas? E agora? O</p><p>que fazer com aquelas teorias psicológicas sobre o desenvolvimento da criança construídas há</p><p>tanto tempo, quando a criança, supostamente estava inserida numa família constituída de pai,</p><p>mãe, avós maternos e paternos, tios maternos e paternos, primos? E a escola de período</p><p>integral?</p><p>As teorias estudadas sobre o desenvolvimento da criança não cabem mais. A maior</p><p>parte dos arranjos familiares não cabe no modelo. Como pensar o desenvolvimento</p><p>de uma criança envolvida nesse tipo de relação? São questões que pedem novos</p><p>estudos e novas teorias; uma atualização das teorias psicológicas em função dos</p><p>ritmos das novas configurações, que vão tomando conta deste nosso momento de</p><p>vida. Os pais estão desorientados. Os próprios jovens também se tornam</p><p>angustiados, ansiosos com tudo isso e acabam muito inseguros. (MACEDO, 2013).</p><p>As crianças que estão envolvidas nessas novas estruturas de família com a entrada de:</p><p>companheiro da mãe, companheira do pai, mais avôs, mais tios, mais primos, mais irmãos,</p><p>124</p><p>mais casas, mais “culturas” e mais orientações educacionais “distintas”, enfim tudo mais deve</p><p>continuar a ser acompanhado pelos pais com toda atenção e carinho. Elas aprendem a lidar</p><p>com toda essa gama de pessoas que entram em suas vidas, desde que os pais saibam conduzir</p><p>com habilidade estas mudanças todas. Para isto é preciso estabelecer uma comunicação clara,</p><p>honesta, firme e objetiva com a criança, ficar atento a mudanças de comportamento que esta</p><p>eventualmente venha a apresentar e, sobretudo haver uma mesma linha de orientação, de</p><p>condução da educação da criança pelos responsáveis, valendo-se de uma linguagem comum,</p><p>amorosa e cuidadosa.</p><p>4) Eduardo, 57 anos, separado há nove anos, com dois filhos, um rapaz de 32 anos, e</p><p>uma moça de 28 anos, ambos solteiros. Moram juntos. Todos trabalham. O pai traz sua</p><p>namorada para casa, aos finais de semana; o rapaz viaja muito com amigos ou com a</p><p>namorada, quando está namorando e, a moça também leva sua vida. Eventualmente,</p><p>marcam um almoço ou um jantar para ficarem juntos e conversarem, para não</p><p>quebrarem o vínculo entre eles. A relação com a mãe é mais difícil. Contudo, segundo</p><p>eles, ela não faz questão deste convívio. Trabalha e namora, os vê de vez em quando.</p><p>O pai faz questão de que a relação entre ele e os filhos seja aberta, honesta e acima de</p><p>tudo harmoniosa.</p><p>Embora, sejam reconhecidos os vários arranjos familiares que surgiram com tantas</p><p>transformações (monoparental, homoafetiva, reconstituídas, união estável), não se fala como</p><p>as pessoas se sentem neles. Como que é? As pessoas envolvidas nestas situações estão bem?</p><p>Sem problemas? Adaptaram-se imediatamente? Está tudo bem? Como é na vida real? A</p><p>sociedade aceita união estável e as pessoas que estão vivendo uma situação desse tipo, existe</p><p>aceitação total? As pessoas estão bem resolvidas, acomodadas? Nas famílias reconstituídas</p><p>será que todos os membros estão bem, estão de acordo, adaptaram-se a nova situação? Não</p><p>existe nenhum tipo de problema? Como que é o dia a dia? Uma situação como esta gera</p><p>dúvidas, perguntas, expectativas, inseguranças e muita ansiedade. Muitos recorrem à ajuda de</p><p>psicólogos clínicos, pois não sabem muitas vezes como proceder diante de situações tão</p><p>distintas.</p><p>É durante os períodos de mudança no desenvolvimento dos indivíduos, que novas</p><p>necessidades e demandas têm que ser integradas ao estilo e ao conjunto de regras da família,</p><p>ocorrendo, então, transformações em todo o grupo familiar (KREPPNER, 2000). Como os</p><p>125</p><p>membros das novas configurações familiares estão se organizando e lidando com a situação</p><p>atual é fator preponderante para o desenvolvimento emocional das crianças envolvidas nestas</p><p>situações.</p><p>5) Patrícia, 38 anos, separada há dois anos, dois filhos, 8 e 6 anos, respectivamente.</p><p>Trabalha o dia todo e deixa os filhos na escola em período integral. Nos fins de</p><p>semana, a cada quinze dias, as crianças ficam com o pai. Na casa da avó materna, onde</p><p>moram ela, o pai, a namorada do pai, outros dois filhos do pai, a tia materna e dois</p><p>primos. Toda vez que retornam deste fim de semana, a mãe queixa-se que as crianças</p><p>voltam sem tomar banho, escovar os dentes e tendo comido “porcarias” o fim de</p><p>semana todo. Não sabe mais como fazer para o pai respeitar o acordo feito entre eles, a</p><p>fim das crianças seguirem a rotina combinada.</p><p>Observam-se alterações importantes nos padrões familiares com a separação dos pais,</p><p>e isto requer considerável ajustamento por parte de todos os seus membros (BOTTOLI et al.,</p><p>2012, p.46).</p><p>Nas novas condições criadas pelo aumento dos divórcios,</p><p>Instagram), quando se está no</p><p>cinema em uma cena pouco interessante, muitos “conversam” com algum amigo via</p><p>mensagem no celular (SHIRKY, 2010).</p><p>14</p><p>Repetindo, a tecnologia trouxe inúmeros benefícios nas diferentes áreas em que se</p><p>desenvolveu, mas a medida precisa ser observada com cuidado e atenção. Estes são apenas</p><p>alguns exemplos observados nos diferentes espaços que frequentamos no nosso dia a dia.</p><p>Para Giddens (2011) e Bauman (2004) a comunicação é a base dos relacionamentos e o</p><p>meio de estabelecer os laços afetivos, acima de qualquer outro. Nada substitui a comunicação</p><p>feita no contato direto entre as pessoas, quando se trata de estabelecer vínculos afetivos,</p><p>criando um espaço de intimidade e acolhimento. Nas famílias atuais, muitas vezes,</p><p>observamos a falha na comunicação. O que contribui? A rapidez com que tudo passa, com</p><p>que tudo muda, a correria, falta de tempo, estresse, trânsito, impaciência, imediatismo tornam</p><p>o dia-a-dia do ser humano inviável. Cabe-nos cavar um espaço nesse tanto de tarefas que</p><p>desempenhamos diariamente, a fim de preservarmos as relações familiares, tão desgastadas</p><p>nesse contexto atual.</p><p>Computadores, laptops, Internet, email, telefones celulares, NET, e tantos outros,</p><p>constituem-se</p><p>[...] num grande desafio para os relacionamentos e a comunicação familiares. As</p><p>pessoas têm que reformular seus significados e valores, o tempo despendido no</p><p>convívio familiar, fazer novas escolhas de lazer, rituais diários, interação entre pais e</p><p>filhos e, inclusive, reformular sua privacidade e intimidade. A mesma tecnologia que</p><p>deve ser utilizada como instrumento para facilitar e melhorar a qualidade de vida</p><p>pode causar dificuldades no relacionamento entre pais e filhos. (HINTZ, 2001,</p><p>p.12).</p><p>Se por um lado, graças aos avanços tecnológicos, cada vez maiores, comunicamo-nos</p><p>(conectamo-nos) com quem quer que seja, a qualquer instante, vencendo distâncias</p><p>inimagináveis, com uma rapidez e qualidade incríveis, mediante aparelhos cada vez mais</p><p>desenvolvidos, com sofisticada tecnologia, por outro lado, nos desconectamos com a mesma</p><p>facilidade e rapidez, das relações face a face, ao vivo e a cores. Podemos tornamo-nos</p><p>invisíveis, ocultos, bloquear e ser bloqueado, desconectar e ser desconectado, com um simples</p><p>toque numa única tecla. Pronto. Está feito. Não precisamos mais entrar em contato com o</p><p>desconforto de uma determinada situação, envolvendo quem quer que seja. Tudo é efêmero.</p><p>Sem necessidade de assumir nada. A solidão e horas “conversando”, jogando, paquerando,</p><p>“xeretando”, trabalhando, estudando, lendo, por meio de uma tela, qualquer que seja ela:</p><p>computador, celular, tablets, que tomam conta de grande parte das nossas vidas.</p><p>Concorda-se com Hintz (2001, p.8) quando aponta que com a emergência de novas</p><p>tecnologias que passam a fazer parte do cotidiano das pessoas, mais rapidamente novos</p><p>comportamentos são adquiridos, “surgindo novas necessidades e expectativas. Resultante</p><p>15</p><p>dessas mudanças no âmbito social, econômico e emocional as relações familiares são</p><p>profundamente afetadas”.</p><p>A respeito deste tema, Bauman (2004) também afirma que nenhuma das conexões que</p><p>venham a preencher a lacuna deixada pelos vínculos ausentes ou obsoletos tem a garantia da</p><p>permanência. Os vínculos são atados e desatados com muita facilidade, preparados para a</p><p>rápida mudança de cenário, o que é esperado na modernidade líquida.</p><p>A falta de compromisso, o excesso de individualismo, o imediatismo, o consumismo</p><p>excessivo e o hedonismo são, entre tantas outras, características da Pós-Modernidade, desse</p><p>nosso mundo líquido que se apresenta cada vez mais desafiador para as relações como um</p><p>todo.</p><p>As pessoas estão mais impacientes umas com as outras, não sabem ouvir, só escrever</p><p>e, mesmo assim, o mínimo e o mais rápido possível. Perder tempo? De forma alguma.</p><p>Esperam-se respostas rápidas em seus comportamentos e em seus sentimentos. Este ritmo</p><p>mais acelerado, no qual, não há espaço para a perda de tempo, é corroborado por Hintz (2001)</p><p>quando aponta que é aprendido por meio do uso de toda uma nova tecnologia.</p><p>As transformações são muitas e estão em andamento. As discussões sobre as</p><p>metamorfoses processadas no contexto familiar não cessam. Novas e antigas questões vêm e</p><p>vão. Neste momento de tantos questionamentos dois aspectos mostram-se evidentes. Em</p><p>primeiro lugar a constatação de que por mais inusitadas que possam parecer certas expressões</p><p>do indivíduo no grupo, ou mesmo do grupo em sua totalidade, elas certamente evidenciam</p><p>novas roupagens ou diferentes arranjos e atualizações de experiências já vividas por outras</p><p>gerações. O segundo aspecto, relacionado ao primeiro, diz respeito ao fato “de que o novo e o</p><p>velho estão sempre engendrados nas experiências de um sujeito ou de uma família, sem que</p><p>necessariamente essa situação seja visível” (MAGALHÃES; FÉRES-CARNEIRO, 2009,</p><p>p.7).</p><p>Como reflete Giddens (2011) as famílias apresentam-se como instituições “casca”, ou</p><p>seja, por fora são as mesmas, a casca permanece, mas por dentro, seu caráter básico mudou.</p><p>Esta mudança traz para o seio das famílias, um desafio, pois, na maioria dos casos um não</p><p>saber toma conta das diferentes relações estabelecidas dentro da família e a incerteza, muitas</p><p>vezes, leva à uma inadequação para exercer as funções para as quais são demandadas. Na</p><p>verdade, não sabemos ao certo qual virá a ser a relação entre vantagens e problemas. Assim, o</p><p>arcaico e o novo continuam conversando. O resultado desse diálogo? Ainda não sabemos. Só</p><p>o tempo.</p><p>16</p><p>Esta é uma realidade inexorável, com a qual todos nós convivemos e, precisamos parar</p><p>e refletir como podemos dar conta de tantas demandas, respeitando as nossas verdades. Não</p><p>podemos deixá-las de lado, contudo, precisam ser revisitadas para dar conta desse novo</p><p>paradigma. A dança da família tem que se adaptar aos novos estilos musicais desta época.</p><p>“Ou você dança, ou dança</p><p>1</p><p>”. Todas essas transformações invadiram nossas vidas e colocaram</p><p>em xeque nossas crenças, nossos valores, nossos costumes e nossas tradições. A entrada de</p><p>tanta tecnologia e informação, se por um lado ajuda e, muito, por outro como tudo aquilo que</p><p>é novo, desconhecido, causa medo, desconfiança, estranheza. Como orquestrar tantas coisas?</p><p>Entre as mudanças ocorridas, está o comportamento das mulheres, que reivindicando</p><p>mais autonomia que no passado e, ingressando na força de trabalho em grandes números,</p><p>colaborou para importantes transformações na dinâmica familiar.</p><p>As mulheres passaram a colaborar na composição da renda familiar, frente à</p><p>necessidade econômica, buscando fora de casa uma atividade profissional, não só porque</p><p>possibilita atingir um padrão de vida melhor para a família, como também Dadas as</p><p>características desta época, porque o sucesso profissional passou a ser encarado como uma</p><p>forma de realização pessoal e social (JABLONSKI, 2007). Além da busca de uma carreira</p><p>profissional, ingressaram em atividades acadêmicas, esportivas, artísticas, culturais e</p><p>políticas. Esta postura feminina conferiu-lhe uma nova posição na estrutura doméstica,</p><p>segundo Romanelli (2002, p.77): “[...] e tanto altera os vínculos que as unem ao marido e aos</p><p>filhos, quanto contribui para o redimensionamento da divisão sexual do trabalho”.</p><p>Com a falta de tempo, a enorme correria, entre tantos outros aspectos desta época,</p><p>grande parte da comunicação ao “vivo” foi amplamente substituída, pela invasão de modernos</p><p>aparelhos eletrônicos, resultantes do avanço tecnológico, fazendo parte do cotidiano das</p><p>famílias. As mensagens trocadas entre as pessoas por Sms ou Whatsapp ou por Facebook ou</p><p>pelo Twitter ultrapassam disparadamente em relação as possibilidades de diálogo feito</p><p>pessoalmente, presencialmente. Acreditem! Discussões entre casais ou entre amigos são feitas</p><p>pelas trocas de mensagens através destes</p><p>separações e recasamentos,</p><p>criam-se relações complexas entre domicílios. Precisar quais relações estão estabelecendo-se</p><p>entre unidades domésticas e “como essas relações interferem no modo como estão sendo</p><p>elaboradas novas percepções de família é uma tarefa empírica fundamental para a análise</p><p>teórica” (BILAC, 2002, p. 36-37).</p><p>Neste caso, as crianças têm que se adaptar à diminuição do tempo despendido com seu</p><p>pai/mãe e às mudanças na rotina da casa, enfrentar o conflito que surge frequentemente entre</p><p>a “lealdade” ao pai ou à mãe biológicos, e a formação de uma relação mais íntima com o</p><p>padrasto ou madrasta e novos irmãos/irmãs (SCHÜSSLER, 2008).</p><p>Há estatísticas que indicam um crescente aumento de crianças que vivem nesta</p><p>configuração de lar com apenas um genitor (STRATTON, 2003).</p><p>Contudo, não podemos deixar de lado e esquecer que mesmo com essa diversidade de</p><p>configurações familiares as famílias influenciam o futuro de uma pessoa e não importa se há</p><p>ou não casamento, se é monoparental ou biparental, ela existe de variadas formas e arranjos, o</p><p>importante é que ela exista, como confirma Hironaka (1999). O que realmente importa é fazer</p><p>parte de uma família, conviver com os seus membros, aprender e apreender com o que eles</p><p>126</p><p>têm para oferecer em termos de vida, de educação, de formação, unindo esforços de todos</p><p>para o alcance de um bem comum, que são os filhos em questão.</p><p>6) Mirela, 31 anos, solteira, tem uma filha, Rebeca, de dois anos e assume a criação e</p><p>a educação da filha sozinha. Foi um encontro casual, numa noite de balada, que</p><p>resultou na gestão. Apesar de ter encontrado com o pai da filha, apenas uma noite, quis</p><p>assumir a gravidez e tocar a vida em frente.</p><p>O novo casal representa, entretanto, uma nova família, seja ela constituída pelo</p><p>casamento ou pela união estável. Trata-se de uma definição abstrata, que pretende regular as</p><p>situações cada vez mais crescentes de filhos nascidos de uniões livres, que não chegam a se</p><p>tornar estáveis, ou as chamadas produções independentes, ou famílias transformadas pela</p><p>ruptura do casal conjugal, decorrentes da separação, do divórcio ou da viuvez (BARBOSA,</p><p>2002, p.49). As mulheres lideram a iniciativa da ruptura do casal conjugal, suportando os</p><p>efeitos dela advindos em família monoparental, com a guarda dos filhos (ROUDINESCO,</p><p>2002).</p><p>Na verdade, o número de mulheres que assume a educação e a criação dos seus</p><p>próprios filhos é muito grande e por duas razões principais: primeiro que as mulheres chamam</p><p>a maternidade/paternidade para si, dificilmente abrem mão da guarda do filho (s), por pior que</p><p>seja a sua situação e, em segundo lugar porque os homens também permitem, acreditando que</p><p>a mulher desempenha melhor esta função de cuidadora. Afinal, ser mãe continua sendo um</p><p>valor e tem muito peso na sociedade, ainda hoje. Elas ficam com menor disponibilidade/</p><p>liberdade para tocar a sua vida afetiva e profissional e, com mais responsabilidades, uma vez</p><p>que não tem o marido/companheiro para compartilhar as tarefas domésticas necessárias aos</p><p>cuidados e manutenção do bem estar das crianças. Precisam convocar a ajuda de alguém ou</p><p>de creches para bancar essa árdua missão Eles, por sua vez, de modo geral, tem mais tempo</p><p>para cuidar da carreira profissional e disfrutar de momentos de lazer.</p><p>7) Renata, 40 anos, dentista, separada, há dois anos, tem uma filha de um ano e oito</p><p>meses. Foi abandonada pelo marido e cuida da filha sozinha. Colocou-a numa</p><p>escolinha período integral e tem uma senhora que a ajuda com os afazeres domésticos.</p><p>Sente-se culpada por não ter mais tempo com a filha, mas precisa de seu trabalho para</p><p>se manter.</p><p>127</p><p>De acordo com Petrini; Cavalcanti (2005), o aumento das famílias monoparentais</p><p>chefiadas por mulheres indica uma crescente matrifocalidade. “A mulher fica, nesses casos,</p><p>com as maiores responsabilidades para sustentar e educar os filhos devendo administrar a casa</p><p>e ter, de fato, dupla jornada de trabalho” (PETRINI E CAVALCANTI, 2005, p.45).</p><p>O que vale lembrar é a importância da qualidade do relacionamento que pode se</p><p>estabelecer nessa nova forma de convivência. A jornada não é fácil. Mas, pode favorecer o</p><p>fortalecimento do vínculo, desde que se tenha o amor e cuidados necessários. Administrar a</p><p>vida doméstica com a vida profissional tem sido uma experiência cada vez mais comum entre</p><p>as mulheres.</p><p>8) Marina, 38 anos, casada há treze anos, ainda não tem filhos, mas tem dois enteados</p><p>do primeiro casamento de seu marido. Eles têm 16 anos e 10 anos, respectivamente. A</p><p>sua queixa é que ela ocupa-se com a organização da casa, com a alimentação, com a</p><p>higiene e com os estudos, e os meninos não. Quando chegam para o final de semana,</p><p>diz ela: “é um tormento”. Não esticam a cama, nem dobram o pijama, não comem</p><p>frutas, legumes ou salada. Tenho que insistir para tomarem banho. Se deixar eles</p><p>comem biscoitos, iogurte e outras bobagens o dia inteiro. Não tiram um copo ou um</p><p>prato da mesa e muito menos lavam. Estou tentando fazer o que eu posso quando estão</p><p>comigo, mas é muito difícil estabelecer uma educação equilibrada com a mãe deles e o</p><p>namorado liberando tudo. Quanto à comida resolvi não me estressar mais, pois não</p><p>vou mudar os hábitos deles num fim de semana, mas fico de olho e negocio as</p><p>bobagens para depois das refeições.</p><p>Os temores acerca do efeito do divórcio sobre os filhos, e a existência de muitas</p><p>famílias sem pai têm de ser compreendidos contra o pano de fundo das expectativas muito</p><p>mais elevadas que temos com relação ao modo como as crianças deveriam ser cuidadas e</p><p>protegidas (GIDDENS, 2011, p.70).</p><p>A questão em torno dos filhos, quando da separação dos pais, está mais no cuidado</p><p>que os pais deverão ter dando a continuidade ao que ofereciam durante o período em que</p><p>estavam juntos, não abandonando estas práticas, apesar de morarem em lugares diferentes.</p><p>Preservar a rotina que se tinha e adaptar um novo modelo com respeito aos horários da</p><p>criança, com as tarefas de casa, com a saúde e cuidados com a higiene pessoal, e naturalmente</p><p>o amor, carinho e afeto são práticas fundamentais sempre.</p><p>128</p><p>Apesar da dor da perda que toda separação provoca, é importante ressaltar que os</p><p>filhos, quase sempre, são mais capazes de enfrentar a separação dos pais do que estes podem</p><p>imaginar. Os pais tendem, em geral, a subestimar a capacidade dos filhos para lidar com a</p><p>separação, projetando neles um mundo que não é vivido por eles. Muitas vezes, entre os</p><p>colegas de colégio e os amigos, com os quais aprenderam a respeito da separação dos pais, as</p><p>crianças se identificam e encontram apoio e compreensão (ARAÚJO, 2002).</p><p>9) Marco Antonio, 38 anos, separado há uma ano e dois meses, com uma única filha</p><p>de 7 anos, chamada Ana. Ela permanece o período integral na escola, porque os pais</p><p>trabalham. Ela mora com a mãe, mas o pai é muito presente e a avó paterna também.</p><p>Na maioria das vezes é a avó paterna que a retira mais cedo da escola. Ana começou a</p><p>se queixar de dores: cabeça, barriga, perna. Chora muito quando o pai a deixa de volta</p><p>na casa da mãe. Quer ficar com ele. Começou também a pedir para sair mais cedo da</p><p>escola.</p><p>São os pais que chegam à decisão de se separarem e, em geral, os filhos reagem com</p><p>raiva, medo, tristeza ou culpa. Estes sentimentos podem se alternar durante semanas ou meses</p><p>após a separação. O importante, no processo de divórcio, é deixar os filhos fora do conflito</p><p>conjugal. Quem se separa é o par amoroso, o casal conjugal. O casal parental continuará para</p><p>sempre com as funções de cuidar, de proteger e de prover as necessidades materiais e afetivas</p><p>dos filhos. É muito importante que isto possa ficar claro para eles (ARAÚJO, 2002). Mas,</p><p>nem sempre é o que acontece, infelizmente. Muitos pais usam a criança como uma forma de</p><p>barganhar outras coisas.</p><p>A separação conjugal pode ter efeitos construtivos</p><p>para os membros de uma família,</p><p>sobretudo quando o preço para manter o casamento é a autodestruição e a destruição do outro.</p><p>Quer os pais estejam casados ou separados, o mais importante para o desenvolvimento</p><p>emocional dos filhos é a qualidade da relação que se estabelece entre os membros do casal e</p><p>entre estes e os filhos (ARAÚJO, 2002).</p><p>10) Monica, 34 anos, advogada, separada há dois anos e sete meses, mora com o filho</p><p>de 8 anos, Pedro e tem uma relação muito difícil com o ex-marido, 38 anos. Ele “usa”</p><p>o filho como um menino de recados, dizendo a ele, que “Foi sua mãe quem quis se</p><p>separar” ou “Você vai morar comigo”. Ele chega da casa do pai contando estas coisas</p><p>129</p><p>para a mãe. Monica fica enlouquecida, perde a paciência e diz ao filho: “Ele me traiu;</p><p>por esta razão a mamãe não quis mais ficar com ele”, “O papai não pode decidir</p><p>sozinho se você vai morar com ele”. Pedro, às vezes chora, outras vezes tem diarreia</p><p>ou dor de cabeça. A situação fica pior, à medida que o tempo passa. Os avós maternos</p><p>também são envolvidos. A mãe trabalha e Pedro fica com eles depois da escola,</p><p>esperando às vezes por horas o pai vir pegá-lo, o que gera muita ansiedade na criança</p><p>e muita raiva nos avós.</p><p>O pior conflito que os filhos podem vivenciar, na situação de separação dos pais, é o</p><p>conflito de lealdade exclusiva quando exigida por um ou por ambos os pais. A capacidade da</p><p>criança e do adolescente de lidar com a crise que a separação deflagra irá depender,</p><p>sobretudo da relação que se estabelece entre os pais e da capacidade destes de distinguir, com</p><p>clareza, a função conjugal da função parental, podendo assim transmitir aos filhos a certeza de</p><p>que as funções parentais de amor e de cuidado serão sempre mantidas (ARAÚJO, 2002).</p><p>É sempre importante enfatizar a relevância da relação conjugal para o</p><p>desenvolvimento emocional dos filhos. A separação leva toda a família a reestruturar os</p><p>padrões de relacionamento vigentes. Há um período de transição até que se atinja um novo</p><p>patamar de organização. Alguns efeitos do divórcio aparecem rapidamente, outros aumentam</p><p>durante o primeiro ano para depois irem desaparecendo, e outros ainda demoram até dois anos</p><p>para emergir (ARAÚJO, 2002).</p><p>O divórcio impacta a todos. Às crianças em especial. Os pais devem aprender a tomar</p><p>medidas razoáveis ao disciplinar seus filhos, principalmente quando estão vivendo uma</p><p>separação. Na medida em que tornam os filhos um meio para se atingirem, estão não só</p><p>desrespeitando as crianças, como às suas funções paternas, deixando de lado o dever, o</p><p>compromisso e a responsabilidade que assumiram quando decidiram ser pais, comprometendo</p><p>e muito o desenvolvimento e a saúde psíquica da família.</p><p>Se conseguem lidar com tranquilidade, segurança e respeito mútuo, estas vivências</p><p>podem ser enriquecedoras e não tão sofridas, uma vez que são muitas as mudanças a serem</p><p>enfrentadas e leva-se tempo até a situação acomodar-se melhor.</p><p>130</p><p>5.1.2.6 A educação dos filhos como fica?</p><p>Em meio a tudo isso, a educação das crianças tornou-se outro grande desafio. As</p><p>famílias com filhos sentem-se, muitas vezes perdidas, desorientadas sobre qual a melhor</p><p>forma de educar. Há um chamado muito intenso da mídia, das redes sociais que induzem a</p><p>determinados comportamentos, muito sedutores, muito consumidores e também muito</p><p>egoístas.</p><p>As intensas transformações registradas nas sociedades ocidentais tendem a fazer com</p><p>que a experiência dos adultos seja considerada, pela nova geração, inadequada para oferecer</p><p>modelos que possam organizar e orientar suas formas de sociabilidade (MEAD, 1971;</p><p>TOURAINE, 1974).</p><p>Os pais não devem ter medo de transmitir aos seus filhos o que receberam dos seus</p><p>pais: valores, cultura, crenças, educação. Essa transmissão é parte da responsabilidade</p><p>familiar. Caberá aos filhos experimentar por si mesmos a riqueza da tradição que agora lhe foi</p><p>confiada para verificá-la e enriquecê-la (PETRINI, 2003).</p><p>Tais mudanças, que vêm ocorrendo com rapidez na sociedade brasileira, levam o</p><p>grupo de pares a se constituir como referência fundamental na orientação da conduta de</p><p>crianças e de adolescentes (ROMANELLI, 2002, p. 73). Muitos questionamentos virão. A</p><p>pressão é grande. A determinação, a coragem e a firmeza de propósito vingarão. A batalha é</p><p>diária, a repetição também, mas no final vale a pena.</p><p>A união de amor e disciplina nas mesmas pessoas, mãe e pai, criam um ambiente</p><p>fortemente carregado, no qual a criança aprende lições que nunca esquecera, não</p><p>necessariamente as lições explícitas que seus pais desejam que conheça.</p><p>[...] os pais encarnam o amor e o poder, e cada um de seus atos transmite à criança,</p><p>de forma totalmente independente de suas intenções manifestas, os preceitos e as</p><p>obrigações mediante os quais a sociedade trata de organizar a experiência. Se a</p><p>reprodução da cultura fosse apenas uma questão de disciplina e instrução formais</p><p>poderia ser deixado a cargo das escolas. Mas também é necessário que a cultura</p><p>esteja incrustada na personalidade. Todavia, nesse processo de mudança, ainda não</p><p>se produziu um modelo suficientemente claro para ordenar a conduta dos sujeitos</p><p>em face de novas situações geradas pela reordenação familiar. (ROMANELLI,</p><p>2002, p.76).</p><p>Giddens (2011, p.70) sugere “uma democracia das emoções”, que segundo ele é tão</p><p>importante quanto à democracia pública para o aperfeiçoamento da qualidade de nossas vidas.</p><p>Isto se aplica aos relacionamentos entre pais e filhos tanto quanto a outras áreas. No entanto,</p><p>131</p><p>esses relacionamentos deveriam, em princípio, pressupor uma igualdade. Numa família</p><p>democrática, a autoridade dos pais deveria ser baseada num contrato implícito. O pai ou a</p><p>mãe, de fato, deveriam dizer à criança: "Se você fosse um adulto, e soubesse o que eu sei,</p><p>concordaria que o que estou pedindo que faça é bom para você." Nas famílias tradicionais as</p><p>crianças deviam e devem ser vistas e não ouvidas. Muitos pais, talvez derrotados pela rebeldia</p><p>dos filhos, gostariam muitíssimo de ressuscitar essa regra. Mas não há como retomar a ela,</p><p>nem deveria haver. Numa democracia das emoções, as crianças podem e devem ser capazes</p><p>de responder, o que não significa serem mal educadas, mas sim aprenderem a ser responsáveis</p><p>pelo que fazem.</p><p>Para Petrini e Cavalcanti (2005, p. 46): As relações entre pais e filhos ganham respeito</p><p>e flexibilidade, “deixam os modelos centrados na autoridade e na disciplina, enquanto são</p><p>incorporados os valores de diálogo, negociação, tolerância, no horizonte de um amplo</p><p>pluralismo ético e religioso”.</p><p>1) Henrique, 40 anos, casado há onze anos, com duas filhas, uma de cinco anos, Júlia e</p><p>a outra de três anos, Luiza, não deixa de jogar o seu tênis ou surfar ou ainda correr.</p><p>Sua esposa, Letícia de 36 anos reclama do excesso de trabalho com as meninas que</p><p>acaba assumindo sozinha. Ela também trabalha fora. Conversou com ele para entrarem</p><p>num acordo, mais satisfatório para os dois, quanto à divisão das tarefas domésticas e</p><p>quanto aos cuidados das crianças. Ela não se importa que ele faça as suas atividades,</p><p>desde que não deixe de lado a família.</p><p>Concorda-se com o raciocínio de Macedo quando aponta que:</p><p>A crise do patriarcado induzida pelo capitalismo e seus correlatos, pela globalização,</p><p>além dos movimentos sociais e progressos tecnológicos da reprodução, se manifesta</p><p>diretamente na maneira como as pessoas convivem e criam seus filhos. Além das</p><p>questões de hierarquia patriarcal, dando lugar cada vez mais à igualdade e à</p><p>democracia nas relações familiares, é importantíssimo assinalar aqui, a mudança de</p><p>valores relativos à relação entre a disponibilidade de um membro para o benefício do</p><p>outro, bem como o individualismo em relação à satisfação pessoal imediata, sem</p><p>considerar as possibilidades ou necessidades dos outros, que hoje são</p><p>em geral</p><p>muito menores ou até desconhecidas pelas novas gerações. (MACEDO et al.,</p><p>2011, p. 14).</p><p>Neste processo de contestação do padrão tradicional de autoridade familiar, dos pais</p><p>sobre os filhos e do homem sobre a mulher, “houve uma confusão entre os excessos da</p><p>autoridade na família, levando a uma permissividade que tem prejudicado particularmente as</p><p>crianças, que ficaram sem limites estabelecidos” (ROMANELLI, 2002, p.45).</p><p>132</p><p>Levando-se em conta que na maioria das famílias, os dois trabalham, compondo a</p><p>renda familiar, essa mesma divisão de responsabilidades parentais deve ser assumida.</p><p>Além disso, ter filhos é, em nossa época, uma questão de decisão, não um acidente, o</p><p>que aumenta a ansiedade. Tê-los ou não, é comprovadamente a decisão com maiores</p><p>consequências e de maior alcance que existe e, portanto também a mais angustiante e</p><p>estressante (BAUMAN, 2004, p.60). É uma missão eterna. Como os pais preparam-se para</p><p>assumir esta responsabilidade?</p><p>Filhos não são bens materiais que vem com o manual de garantia, e quando</p><p>apresentam defeito de fabricação não podemos trocá-los ou deixá-los na assistência técnica,</p><p>tão pouco vem com manual de instrução que nos ensina como devemos proceder, em caso de</p><p>dúvida.</p><p>2) Gustavo e Michelle, 34 e 32 anos, respectivamente, casados há dois anos e seis</p><p>meses, planejam apenas um filho. Dizem que: “O custo de vida está muito alto.</p><p>Queremos proporcionar o melhor para o nosso filho”.</p><p>De fato, a vida está muito cara. A necessidade de dois rendimentos é cada vez maior.</p><p>O tempo disponível para a educação dos filhos é cada vez menor e o número de pessoas que</p><p>entram na rede da criança aumenta muito. Precisa-se pensar muito mesmo, hoje em dia, antes</p><p>de se ter um filho. As condições atuais de vida são bastante adversas.</p><p>Verifica-se uma intensidade maior de dedicação e de investimento de recursos,</p><p>especialmente em relação à saúde e à educação. Estes comportamentos estão associados ao</p><p>número menor de filhos que o casal está disposto a criar, “de acordo com um planejamento</p><p>mais ou menos rigoroso.” (PETRINI E CAVALCANTI, 2002, p. 46).</p><p>O cotidiano das relações familiares, os sentimentos que emergem dessas novas formas</p><p>de se relacionar não são descritos nos livros, revistas, artigos. O excesso de trabalho, a</p><p>correria, o trânsito, a falta de tempo, o cansaço, as preocupações gerais da vida, levam à falta</p><p>de paciência para uma boa conversa, necessária para a educação, assim como a dificuldade, às</p><p>vezes em manter a decisão tomada sobre determinado assunto discutido com os filhos,</p><p>acreditando nos próprios valores e na experiência vivida enquanto adulto.</p><p>Para Botton:</p><p>133</p><p>[...] quando se trata da educação dos filhos, espontaneamente, favorecemos a</p><p>intervenção moralista em detrimento da neutralidade. Ao frustrarem os desejos dos</p><p>filhos, os pais têm certeza de que os orientam a agir de acordo com normas que</p><p>seguiriam de modo voluntário se já tivessem discernimento e autocontrole</p><p>desenvolvidos. A suposição do pensamento contemporâneo é que devemos viver</p><p>como queremos, sem sermos importunados, sem termos o julgamento moral e sem</p><p>estarmos sujeitos a autoridades. A liberdade tornou-se a virtude suprema. “em um</p><p>mundo obcecado por liberdade, restam poucas vozes que ainda ousam nos</p><p>incentivara a agir bem”. Ainda citando o autor: “A verdadeira liberdade não</p><p>significa ser de todo abandonado à própria sorte; deveria ser compatível com ser</p><p>estimulado e orientado”. (BOTTON, 2011, p.66).</p><p>Torna-se cada vez mais difícil ser mãe e pai neste mundo pós-moderno. Dizer não aos</p><p>filhos pode colocar, de alguma forma, limites necessários e ensiná-los a lidar com as</p><p>frustrações da vida.</p><p>Como suportar esse lugar, até para poder funcionar de modelo para as gerações que</p><p>virão? Como funcionar como modelo de pai e mãe com essa sedução generalizada? O que</p><p>aceitam perder nessa passagem da infância para a idade adulta? (KOLTAI, 2014).</p><p>Pais angustiados e inseguros veem em busca de uma orientação psicológica em como</p><p>proceder com seus filhos: “O que eu faço?”.</p><p>Dizer a uma criança: “Eu não permito que você faça tal ou tal coisa” é um ato</p><p>performático de linguagem que não precisa ser justificado, nem pode se sustentar com base</p><p>em chantagens e ameaças. Nada funda este ato a não ser a profunda convicção, por parte do</p><p>adulto, de sua responsabilidade em relação à criança e nada garante também que ele não seja</p><p>injusto. Educar, no contexto contemporâneo, é assumir riscos ante a geração seguinte (KEHL,</p><p>2003).</p><p>Talvez a maior dificuldade apresentada hoje pelos pais esteja relacionada à</p><p>dificuldade que têm de ser autoridade para os filhos. Entre o arcaico e o moderno, os</p><p>pais ficaram meio perdidos nessa função de autoridade, de educadores, daqueles que</p><p>precisam colocar limites para os filhos. Muitas vezes eles confundem autoridade</p><p>com autoritarismo. E para não serem autoritários, deixam de ser autoridade. Uma</p><p>coisa, por exemplo, é o que uma criança de três anos decide a respeito dela: se está</p><p>com fome ou não está. Outra coisa é essa mesma criança decidir se vai estudar nesta</p><p>ou naquela escola. Isso não é coisa para criança resolver! E por aí vai. O que uma</p><p>criança de dez anos pode, uma de três não pode. O que uma de 15 anos, pode uma</p><p>de dez não pode. É como se os pais estivessem perdidos por medo de serem</p><p>ultrapassados e autoritários. Então, eles deixam de ser autoridade. Mas crianças e</p><p>adolescentes precisam de autoridade para se desenvolverem, para crescerem e para</p><p>se constituírem”. (FÉRES-CARNEIRO, 2003).</p><p>Muitos querem permanecer cegos para a evidência de que a mera manutenção de um</p><p>modelo não garante a criação de um ambiente adequado ao desenvolvimento dos membros da</p><p>família, e “que muitos desses problemas de desenvolvimento com crianças e adolescentes</p><p>134</p><p>estão ocorrendo em famílias que, na sua aparência, mantém o modelo tradicional”.</p><p>(SZYMANSKI, 1995, p.4).</p><p>Simultaneamente, a adolescência se prolonga e a entrada na vida ativa é retardada,</p><p>não só devido a dificuldades econômicas e a falta de empregos resultantes de</p><p>transformações estruturais a longo prazo no mundo do trabalho, mas igualmente por</p><p>via do aumento da duração dos estudos e das aprendizagens. Os filhos têm a</p><p>possibilidade de deixar a casa dos pais antes de organizarem a sua própria família.</p><p>Podem, contudo, manter uma espécie de base junto dos pais, sobretudo se depende</p><p>do seu apoio suplementar devido, por exemplo, à carência de habitação; mas esta</p><p>fase é geralmente breve, mesmo se reiterada quando de uma separação num casal em</p><p>que há filhos em jogo. Por outras palavras, a separação da família já não está</p><p>relacionada com o casamento dos filhos nem com a sua entrada na vida ativa. A</p><p>independência se faz mais cedo, gerindo uma adolescência prolongada e autônoma</p><p>que se confunde com a coabitação e, frequentemente um retardar do casamento.</p><p>(BURGUIÈRE et al., 1998, p. 9).</p><p>Uma das características da Pós-Modernidade é ser eterno adolescente. Entra-se cada</p><p>vez mais cedo na adolescência e sai-se cada vez mais tarde dela. A falta de compromisso em</p><p>todos os aspectos: nos relacionamentos afetivos, em assumir a independência financeira, os</p><p>estudos eternos que seguem além da graduação, para depois se firmarem na profissão, tornam</p><p>a adolescência cada vez mais esticada. Não estamos questionando aqui a validade dos estudos,</p><p>e sim a falta de experiência de vida somada a experiência de aprender através dos livros.</p><p>3) Paula, 45 anos, casada há 21 anos, dois filhos, 16 anos e 09 anos, respectivamente.</p><p>A queixa é com a filha de 16 anos, que não arruma o quarto, estuda ouvindo música,</p><p>fala por mensagens pelo celular com as amigas o tempo todo, inclusive durante as</p><p>aulas, e está indo muito mal na escola. Está muito preocupada com o corpo e com as</p><p>roupas que irá vestir nas festas nos fins de semana. Andou</p><p>emprestando roupas caras</p><p>às amigas, que não devolveram e quando o fizeram voltaram estragadas.</p><p>É frequente os pais expressarem um desejo intenso de dialogar com seus filhos, mas o</p><p>diálogo muitas vezes é visto como uma forma de convencê-los a lhes obedecer, constituindo-</p><p>se, assim, em instrumento de uma prática autoritária. Nessa perspectiva, a inexperiência da</p><p>criança é vista como impeditivo para trocas em igualdade de valor. Para dialogar, é preciso</p><p>reconhecer a contribuição do outro na troca interpessoal (SZYMANSKI, 1995, p.7).</p><p>Macedo et al. (2011, p.15) aponta que “o excesso de diálogo, a falta de limites claros,</p><p>o medo de ser "careta", entre outros, levam os pais a colocar o filho em posição de igualdade</p><p>na hierarquia familiar”. Botton (2011, p.82) reforça a posição de Macedo, citada acima e eu</p><p>135</p><p>concordo, dizendo: “A obsessão com a liberdade ignora o quanto de nossa necessidade</p><p>infantil original, por limite e orientação, permanece dentro de nós, e, portanto, o quanto</p><p>podemos aprender com estratégias paternalistas. Não é muito bom, e no fim das contas nem</p><p>mesmo muito libertador, ser considerado tão adulto a ponto de ser abandonado para fazer tudo</p><p>como se desejar”.</p><p>A dinâmica familiar foi altamente afetada pelos meios de comunicação na</p><p>atualidade. Celulares e computadores entraram no seio da família substituindo as</p><p>visitas, as cartas, o contato face a face e muitas atividades em conjunto. Até pouco</p><p>tempo atrás, ouvíamos a crítica à televisão que monopolizava a família diante da tela</p><p>sem imaginar que logo teríamos telas individuais para cada membro da família.</p><p>(MACEDO et al., 2011, p.15)</p><p>O fato é que tanta mudança tem gerado muita angústia, um sentimento de vazio no</p><p>cotidiano das nossas vidas, tornando as pessoas ansiosas por não saberem mais como fazer.</p><p>Contudo, não estamos sozinhos em nossos problemas. Ele é global. “A busca de certezas da</p><p>Modernidade instituiu a dúvida, a relatividade, o caráter multifacetado dos acontecimentos; a</p><p>globalização ampliou de tal maneira não só fronteiras físicas do conhecimento, provocando</p><p>uma sensação desestabilizante em relação aos valores e tradições locais, sobretudo pelo</p><p>caráter circular e reflexivo desse conhecimento que se produz ao mesmo tempo em que é</p><p>produzido e que obriga ao reconhecimento da presença do risco e do acaso, provocando</p><p>dúvidas e tornando as pessoas inseguras” (MACEDO et al., 2011, p.12).</p><p>4) André, 44 anos, casado há 15 anos, com uma filha de 16 anos, reclama das</p><p>constantes brigas entre eles, por que ela quer ficar trancada no quarto com o namorado</p><p>e ele não deixa. A mãe tenta abrandar a situação, porém não é ouvida pela filha. As</p><p>brigas na casa são freqüentes, o pai está perdendo a paciência e a filha ameaçando sair</p><p>de casa. Ela justifica que os pais da melhor amiga deixam a filha ficar com o</p><p>namorado no quarto. Só ele que não. Ele responde: “Você é a minha filha, não ela”.</p><p>Dialogar com uma criança e adolescente não significa abdicar da autoridade,</p><p>significa instaurar um pensar crítico, mostrar sensibilidade e abertura para</p><p>compreender o outro, confiança na sua capacidade de compreensão, disponibilidade</p><p>para criar novas soluções, considerar os fundamentos éticos da educação, transmitir</p><p>o conhecimento e interpretação do mundo. Não significa ausência de conflitos, eles</p><p>estão presentes na dialética entre o vivido e o pensado. É na sua superação que se</p><p>constrói um novo saber. Há um saber que vem sendo transmitido de geração em</p><p>geração. Mas há também aquele que a psicologia e a educação vêm acumulando e</p><p>que precisa ser divulgado, tal como os conhecimentos da medicina. E a prática</p><p>crítica de pais que deles se utilizam vai também enriquecer essas áreas. Psicólogos e</p><p>educadores, ainda, se encontram sem respostas para muitos desafios enfrentados</p><p>hoje na educação de crianças e jovens. (SZYMANSKI, 1995, p.7).</p><p>136</p><p>Somado a isso, há que se considerar as transformações nas famílias quanto ao processo</p><p>decisório. Se, na família tradicional, as decisões que tocavam os filhos e a própria família</p><p>eram exclusivas dos pais, hoje vemos mudanças. Os filhos podem opinar e contribuir na</p><p>decisão. Implicar os filhos adolescentes nas decisões cotidianas é um exercício de autonomia</p><p>para eles e de responsabilidade por suas atitudes e desejos, sem esquecer que a situação de</p><p>desigualdade entre pais e filhos é real (KEHL, 2003).</p><p>Como uma das tarefas dessa fase é a construção de uma identidade adulta, o jovem</p><p>deve renunciar a seus papéis infantis, abarcando o abandono de um tipo de relação</p><p>estabelecida com os pais. Esse processo demanda modificações na família, havendo</p><p>necessidade de adaptação das regras e, consequentemente, de ajustamento no exercício da</p><p>autoridade.</p><p>Há outro impasse colocado. Se a diferença dos lugares geracionais é apontada como a</p><p>única ancoragem possível da autoridade parental no contexto contemporâneo, parece-nos</p><p>então impossível, ou quase, a manutenção do contrato intergeracional, já que este implica em</p><p>equiparação dos sujeitos envolvidos. A viabilidade do contrato intergeracional requer novas</p><p>formas de viver a família e em família. Podemos pensar que o exercício da autoridade terá de</p><p>ser negociado cotidianamente, considerando cada uma das situações colocadas em cena</p><p>(KEHL, 2003).</p><p>Como fica a clínica psicológica numa época de exigências pessoais desse porte?</p><p>Uma vez que estas transformações atingem-nos tanto sob o aspecto pessoal como o</p><p>profissional, já que estamos inseridos no mesmo contexto cultural, social e econômico, que os</p><p>nossos clientes, quais são as nossas responsabilidades enquanto pessoas e psicólogos clínicos?</p><p>Os nossos valores, crenças, o nosso modus operandi de viver precisam ser revisitados.</p><p>As teorias e técnicas aprendidas na época da minha formação já não cabem mais. O mundo</p><p>mudou, os valores, as crenças, a família, a forma de se relacionar, a educação das crianças,</p><p>enfim, praticamente tudo mudou. Estamos inseridos em outro mundo, em outra realidade,</p><p>com outras demandas. E assim precisamos ser mais cuidadosos, cautelosos com as nossas</p><p>posições diante da diversidade das demandas da clientela que atendemos. Cada um é único.</p><p>Cada um tem um som, um tom, uma cor, um aroma. É preciso estar atento para</p><p>desenvolvermos o nosso trabalho.</p><p>O que está sendo produzido em termos acadêmicos sobre a postura do psicólogo</p><p>clínico na Pós-Modernidade? Que teorias colaboram para o desempenho da nossa profissão</p><p>atualmente? Quais as técnicas mais indicadas para atendermos tantas demandas?</p><p>137</p><p>Cabe-nos olhar como podemos unir experiências e criarmos situações para debates e</p><p>discussões em torno deste tema, produzindo conversações orientadoras. A certeza não existe e</p><p>não é a proposta diante de tantas mudanças. Mas parece-me que estamos isolados em nossas</p><p>“cavernas” pessoais e profissionais. Precisamos sair delas e buscar apoio na troca com outros</p><p>profissionais da Psicologia e áreas afins. Várias vozes unidas formam um coral. Ouvir assim é</p><p>mais enriquecedor e melodioso. Temos muito que aprender. A busca é incessante. Ouvir</p><p>imprescindível.</p><p>Não há verdades absolutas como vimos, nem mapas que orientem nossa trajetória. Há</p><p>a consciência em estar conectado com o mundo lá fora, responsabilizando-nos pelas nossas</p><p>atitudes, perante nós mesmos e diante do outro. Cada um que chega à nossa clínica</p><p>psicológica chega pela dor e não pelo amor. Ouvi certa vez de uma pessoa muito especial algo</p><p>que me fez parar e pensar: “Não há dois dias na vida: o passado e o futuro. Somente o</p><p>presente”. O que podemos construir neste presente que realmente faça a diferença para o</p><p>futuro?</p><p>Como disse, sou uma profissional, com muitos anos de formação e de trabalho e,</p><p>portanto aprendi a adotar os ditados populares como uma herança dos meus avós maternos e</p><p>lembrei-me de um que pode dar ênfase ao que estou querendo dizer: “ uma andorinha só</p><p>não</p><p>faz verão”.</p><p>Quanto trabalho temos pela frente! Há várias portas de entrada. A primeira é saber o</p><p>que está ocorrendo, prestando atenção aos fatos e comportamentos que estão sendo adotados,</p><p>frente a tantas mudanças. Não podemos e nem devemos julgar, este não é nosso papel.</p><p>Padrões de comportamentos diferentes, não são necessariamente ruins, mas novos. Conhecê-</p><p>los permite-nos nos adequarmos a eles, com sabedoria, é claro. Não precisamos incorporá-los</p><p>como verdades absolutas, mas compreender como funcionam. As queixas que chegam à</p><p>clínica psicológica são principalmente em relação às dificuldades nos relacionamentos</p><p>amorosos, à educação dos filhos, o uso abusivo da tecnologia, à sobrecarga feminina, à</p><p>infidelidade, à falta de compromisso das pessoas, as dificuldades do casamento, a família, a</p><p>solidão, angústia, tristeza, medo e desânimo que estas situações geram, bem como outros</p><p>resultados como o aumento da ansiedade.</p><p>O que os diferentes autores pesquisados trouxeram em seus trabalhos a respeito destes</p><p>temas comprova-se na prática da clínica psicológica. Nossa postura diante de tal situação é</p><p>extremamente importante. As pessoas sabem e sentem que algo mudou. Solicitam orientação.</p><p>Buscam cada vez mais o saber especializado nas diferentes áreas, principalmente da</p><p>138</p><p>Psicologia. Juntos, psicólogo clínico e cliente percorrem um caminho a ser construído no não</p><p>saber, compartilhando experiências e construindo com humildade, paciência e consciência</p><p>novas narrativas, que modifiquem nossas ações, adaptando-as aos novos contextos atuais e</p><p>para que assim possamos escrever histórias alternativas, para construir nossa realidade, tal</p><p>qual entendemos que seja nossa verdade, sem, contudo nos perdermos de nós mesmos.</p><p>139</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>As transformações paradigmáticas, ocorridas principalmente a partir de meados do</p><p>século XX, trouxeram mudanças rápidas e profundas dos valores que norteiam nossas ações</p><p>sociais, permearam nossos comportamentos, impondo um ritmo de vida jamais visto, em</p><p>busca da autorrealização, da felicidade consumista, da obtenção de prazer a qualquer preço,</p><p>do individualismo e do imediatismo, entre outras características. No que diz respeito à</p><p>configuração e ao funcionamento familiar, houve alterações importantes na estrutura e na</p><p>dinâmica de suas relações, levando a um processo de assimilação e de construção de novos</p><p>padrões de funcionamento.</p><p>Nesta pesquisa buscou-se acompanhar ao longo da história, como estas transformações</p><p>ocorreram e qual foi o palco no qual se apresentaram. O cenário foi bem diversificado e os</p><p>figurinos também mudaram. Logo, os comportamentos também foram afetados.</p><p>Ciência e tecnologia ganharam espaço e vieram contribuir significativamente para</p><p>muitos avanços, dos quais usufruímos e muito nos beneficiamos em praticamente todas as</p><p>áreas das nossas vidas. Os impactos destas mudanças foram percebidos por todos nós, como</p><p>sempre ocorreu na história da Humanidade, uma vez que, usualmente, somos diretamente</p><p>atingidos por cada novo movimento significativo que surja no mundo.</p><p>Adaptamo-nos a ele, até um novo surgir e, assim por diante. A devida “acomodação”</p><p>ocorre com o passar do tempo. Lenta e silenciosamente muitas coisas acontecem e mudam as</p><p>estruturas pessoais, familiares, parentais, sociais, culturais e econômicas. Às vezes como num</p><p>“tsunami”, coisas são levadas, destruídas, carregadas e precisam ser reconstruídas. Outras</p><p>ficam. A foto antes do tsunami é uma. Após, é outra. A história da vida nunca se repete,</p><p>transforma-se, modifica-se e, a cada novo “tsunami” a paisagem irá se modificar e com ela a</p><p>tudo e a todos os envolvidos.</p><p>A literatura relata sob as vozes de diferentes autores as diferenças entre a</p><p>Modernidade e a Pós-Modernidade. Utilizei várias vozes, principalmente da Psicologia, para</p><p>descrever essas diferenças. Contudo, como as pessoas sentem-se neste turbilhão de mudanças</p><p>não há registros. Há várias posições de autores a respeito destas novas formas de pensar e</p><p>agir, expressando suas opiniões em relação a tudo isto, mas como aparece no comportamento</p><p>dos indivíduos, como afeta a vida e aparece no consultório?</p><p>Não se fala das consequências destas novas “ondas” de comportamento. Parece tratar-</p><p>se de algo que é normal. As pessoas se inserem no modelo como se não tivessem escolha. É</p><p>140</p><p>difícil para elas furar esta onda e discriminar quando devem pegá-las ou não. Muitas vezes,</p><p>assumem comportamentos sem pensar em suas consequências. “Vão no embalo” do</p><p>pensamento coletivo, seus valores, suas crenças estão ali. Gritam por serem ouvidas, mas há</p><p>uma surdez, às vezes, em nome da obtenção do prazer imediato ou do consumo imediato, não</p><p>só de bens materiais, mas dos imateriais também.</p><p>Como resultado encontramos correspondência entre o que a literatura discorre sobre as</p><p>consequências das características pós-modernas e o que observamos no dia a dia da clínica</p><p>psicológica. Observou-se que foi estabelecida uma correlação entre o que foi e o que está</p><p>sendo produzido nas pesquisas acadêmicas, até o presente momento, com as falas que</p><p>chegam, por meio das pessoas que procuram a clínica psicológica. Contudo, não encontramos</p><p>relatos sobre os sentimentos que emergem nas pessoas, fruto destas vivências pós-modernas e,</p><p>do novo paradigma, que propõe novas formas de pensar, sentir e agir. As pessoas estão</p><p>tentando se adaptar a estes novos padrões de comportamento, ainda com muitas dúvidas,</p><p>inseguranças e incertezas.</p><p>Nos casos relatados pudemos encontrar sentimentos como: angústia, tristeza, solidão,</p><p>insegurança, medo, autoestima ruim, decepção, frustração, repetindo-se nas diferentes</p><p>situações vividas pelas pessoas em questão. Há um não saber como se comportar, como se</p><p>posicionar, como seguir a vida.</p><p>As mudanças de comportamento observadas, no mais das vezes, são sugeridas pelos</p><p>meios de comunicação, pela mídia eletrônica, que promove uma massificação de</p><p>comportamentos e um real esvaziamento do sentido da vida.</p><p>Em relação às mudanças que se observam no comportamento conjugal pode-se citar:</p><p>facilidade nas separações, desinteresse por compromissos duradouros, alterações nas relações</p><p>de intimidade, relações conjugais informais, troca do “até que a morte nos separe” pelo “que</p><p>seja eterno, enquanto dure”, o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade, e</p><p>relacionamentos virtuais.</p><p>Em relação à família observam-se laços afetivos frágeis, bens materiais associados à</p><p>felicidade, dificuldade em distinguir os reais valores, satisfação imediata de todos os desejos,</p><p>hedonismo, enfraquecimento da consciência diante do fortalecimento das paixões,</p><p>enfraquecimento dos valores, das normas, das tradições, surgimento de novas configurações</p><p>familiares, convivência em vários domicílios, a influência da tecnologia nos relacionamentos</p><p>entre pais e filhos e na educação dos mesmos, e ainda a terceirização da parentalidade, que</p><p>pode ser estendida a cuidadores que não sejam os próprios pais.</p><p>141</p><p>Já em relação ao jovem observa-se: falta de compromisso ou a busca incessante por</p><p>um relacionamento, medo do amor, compromissos instáveis e indefinidos, relações sexuais</p><p>casuais, amores frustrados, liberdade total, entre outros.</p><p>De um modo geral, as pessoas também estão assumindo maior individualismo,</p><p>posturas materialistas e consumistas frente ao mundo, apreciação do que está em alta no</p><p>momento, vulnerabilidade psicológica provocada pelo mundo globalizado, aumento das</p><p>incertezas, ansiedade, sofrimento, solidão, egoísmo, compulsão à repetição.</p><p>Não se pode também deixar de mencionar as mudanças havidas no comportamento</p><p>feminino com maior liberdade sexual e maiores possibilidades de arriscar em suas escolhas</p><p>amorosas.</p><p>Enfim, todas essas mudanças</p><p>refletem na clínica psicológica. Por esta razão decidi</p><p>trazer os anos de trabalho para fora da clínica e apresentar os problemas que as pessoas têm</p><p>trazido. As questões se sobrepõem, e se repetem. Vêm ao encontro com o que alguns autores</p><p>apresentam, deixando claros os reflexos, as mudanças nas tradições, nos valores, nos</p><p>relacionamentos das pessoas.</p><p>Diante de tantas transformações, perguntas não cessam: Como faço? O que está</p><p>acontecendo? Outras pessoas também passam por isto? Tem saída?</p><p>O mundo contemporâneo exige novos comportamentos, novas posições diante da vida</p><p>a cada novo movimento. Os mais velhos estranham e tentam adaptar-se a estas mudanças, do</p><p>jeito que podem. Tentativas de acerto e erro são colocadas em prática, como um modo de não</p><p>ficar para trás e nem ser resistente. Flexibilidade mais do que nunca é esperada. Os mais</p><p>jovens vivem do jeito que a maioria vive. Há um padrão de funcionamento quase coletivo.</p><p>Quando um não segue a regra, torna-se diferenciado. Os pais recorrem a toda ajuda que for</p><p>possível. Exercer as funções maternas e paternas mostra-se um grande desafio, dado o</p><p>contexto no qual se vive, como falta de tempo, excesso de trabalho, construção de carreira,</p><p>pais trabalhando fora, crianças cuidadas por creches ou babás, adiamento da gestação e a vida</p><p>muito cara e difícil.</p><p>Não podemos fechar os olhos e nem tapar os ouvidos para tudo isto. Todos estão em</p><p>busca de uma saída, de uma orientação para as dificuldades encontradas em suas diferentes</p><p>histórias de vida. Uma mistura do que se fazia antes com o que se deve fazer agora, gera</p><p>crises e demandas, que necessitam de muita reflexão para acompanhar tudo isto, e sair deste</p><p>lugar do não saber. Somos afetados por estas transformações dentro e fora da clínica.</p><p>142</p><p>Pudemos também constatar como o uso da tecnologia, tão útil para diferentes</p><p>aplicações, tornou-se para muitos um “ser animado”, com quem se conversa, chora-se, transa-</p><p>se, ofende-se, vinga-se, conecta-se e desconecta-se, tudo com a mesma facilidade.</p><p>Pessoas apertam os botões, ou melhor, clicam e ganham muitos “amigos”. Quando</p><p>discutem ou se desentendem, tornam-nos invisíveis, bloqueados. Rápido e simples. Horas e</p><p>horas diante de um aparelho celular ou de um computador nas redes sociais ou “fofocais”. Um</p><p>simples toque e pronto, a mágica está feita. Que difícil renunciar a isto tudo. Fast</p><p>comunicação, fast relação, fast conhecer e esquecer. Tudo é imediato. Aqui e agora são as</p><p>palavras do momento.</p><p>Nos casos citados verificam-se, inclusive, atitudes de infidelidade por meio de sites de</p><p>relacionamento ou de conversas pelas redes sociais, que acabam por se transformar num</p><p>relacionamento “clandestino”. As consequências são muitas. Positivas e negativas. Parece-me</p><p>que o consumo excessivo desta nossa época, também pode ser direcionado para os excessos,</p><p>muitas vezes, do uso destes recursos para determinados fins.</p><p>Estas pessoas procuram-nos em número cada vez maior. Estamos preparados ou nos</p><p>preparando para este momento? Dar conta de tantas transformações que saltam aos olhos,</p><p>mesmo dos menos conectados com a realidade, não é tarefa fácil na clínica psicológica. A</p><p>demanda é grande. O sofrimento pelo não saber também o é. Dificuldades em todas as áreas:</p><p>pessoal, familiar, parental e afetiva são apresentadas a nós na clínica psicológica privada. O</p><p>que vivemos atualmente é tão distinto do que nos foi oferecido como modelo familiar,</p><p>acadêmico, de vida, de educação, de valores, em se tratando de uma profissional com tantos</p><p>anos (34) de prática clínica como eu.</p><p>Somos arquitetos do diálogo, facilitadores da conversa, diálogos externos e internos.</p><p>Quantas vozes internas habitam nos diferentes momentos histórico, social e econômico?</p><p>Como isto reflete em nosso trabalho? Quando vozes do passado conversam com vozes do</p><p>presente? Como lidar com isto? Devemos estabelecer um constante questionamento dos</p><p>valores que estão sendo mantidos, explícita ou implicitamente, nas histórias que ajudamos a</p><p>construir no que diz respeito à diversidade cultural.</p><p>Muitos acusam as mudanças na composição familiar pelo “caos” vivido, pela crise</p><p>ética na sociedade contemporânea. Mas não é bem assim. Várias foram as razões para que isto</p><p>acontecesse. A família sofre impactos externos e internos, como consequência da diversidade</p><p>cultural, social, histórica e econômica.</p><p>143</p><p>Concorda-se com Macedo (2013)</p><p>3</p><p>quando afirma que “A única maneira de lidar com</p><p>isso é assumir a mudança de paradigma, pois o tradicional não se aplica para compreender a</p><p>miríade de possibilidades de organizações que se desenvolvem no seio deste mundo pós-</p><p>moderno”.</p><p>É necessário mais do que nunca ouvirmos nossas crenças e nossos valores, as nossas</p><p>histórias construídas mediante outras gerações que nos antecederam, assim como estamos</p><p>ajudando a construir as histórias daqueles que vieram, por meio de nós e os que ainda virão.</p><p>Assim sendo, a família nesta época de tantas modificações, muitas vezes vê-se confusa</p><p>em suas próprias transformações. O ser humano recebe todas as influências culturais do</p><p>momento em que vive, acrescidas das informações transmitidas por meio das gerações por</p><p>seus ascendentes. Precisa aprender a elaborar os novos comportamentos, ideias, sentimentos,</p><p>valores, integrando-os adequadamente aos recebidos transgeracionalmente.</p><p>Por esta razão, não se pode afirmar que a família do passado seja melhor ou pior que a</p><p>família do presente. É preciso compreendê-la sob o ponto de vista de um contexto social,</p><p>histórico e cultural em constante transformação. Curiosamente, o modelo familiar nuclear</p><p>persiste e continua sendo perseguido. Observamos algumas vestes novas que deram a ele,</p><p>contudo o manequim parece ter o mesmo número de antes. Os estilos mudam, mas parecem</p><p>preservar a forma original.</p><p>O psicólogo clínico precisa estar a par das coisas que acontecem, conectado com a</p><p>realidade e a diversidade da vida, para desenvolver um bom diálogo com o cliente, a fim de</p><p>encontrar alternativas e possibilidades diante dos entraves que encontra em suas relações</p><p>amorosas e familiares.</p><p>A atuação do psicólogo nessa família contemporânea deve ser a de promover e</p><p>facilitar melhores níveis de saúde a seus membros e realizar uma reflexão sobre estes</p><p>fenômenos juntamente com quem o procura. A intervenção terapêutica permanece como uma</p><p>forma de desencadear transformações na vida daqueles que vêm em busca de uma orientação,</p><p>sobretudo com consciência, refletindo sobre sua própria vida e as consequências de suas</p><p>atitudes sobre a dos outros, enfim sobre a sociedade.</p><p>A nossa responsabilidade é grande. Nossas ações não são inocentes, tendo implicações</p><p>sobre pessoas e contextos, dado que as pessoas que nos procuram nos concedem poder para</p><p>interferir em suas vidas. Como não temos acesso à realidade objetiva, nossas distinções</p><p>refletem nossas lentes e preferências, colocando a objetividade entre parênteses,</p><p>3 MACEDO, Rosa Maria Stefanini. Comunicação oral 16 Dez. 2013.</p><p>144</p><p>Para isto, são necessárias conversações úteis, no sentido de desenvolver um</p><p>desenvolvimento do pensar, do sentir e do agir conscientes, compatíveis com o que a pessoa</p><p>possa dar conta de aprender, apreender e colocar em prática em sua vida.</p><p>As teorias psicológicas desenvolvidas a partir do século XIX ficaram para trás diante</p><p>de tantas transformações sofridas nas diferentes áreas da vida das pessoas. O contexto no qual</p><p>foram pesquisadas era totalmente diferente do que se vive atualmente. Construir novas teorias</p><p>psicológicas a partir deste contexto cultural, social e econômico faz-se muito necessário,</p><p>sobretudo estudos e pesquisas que considerem os sentimentos dos seres humanos inseridos em</p><p>tantas transformações.</p><p>Como sou de outra geração aprendemos formas de relacionamento baseadas no</p><p>respeito, no colocar-se no lugar do</p><p>outro, na simpatia, na humildade, na cooperação. Na</p><p>formação acadêmica as diferentes correntes da Psicologia do Desenvolvimento propunham</p><p>orientações claras em como proceder, para o melhor desenvolvimento da criança. Os pediatras</p><p>davam conta de instruir os pais quanto aos aspectos educacionais e alimentares.</p><p>Os professores ensinavam os conteúdos de cada disciplina e a própria disciplina em</p><p>sala de aula. Professores e pais eram autoridades a serem respeitadas e nunca questionadas.</p><p>Havia uma condução dos comportamentos, singular, única para quase todos. A norma, a ética</p><p>era ditada com muita clareza e segurança. Sabíamos como nos comportar nas diferentes</p><p>situações. Os tabus acompanhavam-nos também. A virgindade era um valor a ser cumprido.</p><p>Intimidades mais ousadas, só escondidas. Mas, preservando a virgindade. Moças que</p><p>engravidavam, antes do casamento eram “mal faladas”. Mulheres separadas também. Um</p><p>falso pudor evidenciado pela sociedade e pela religião. Assim crescemos. O tempo passou e</p><p>muitos anos de trabalho também.</p><p>Muitas coisas mudaram em minha própria vida e em meu próprio trabalho. Aliás, as</p><p>demandas dos clientes também, decorrência das mudanças citadas. Estar a par do que</p><p>acontece no mundo, estudar sempre, estar em relação com outros psicólogos e profissionais de</p><p>outras áreas da saúde, permitiram-me estar conectada, acompanhando as transformações,</p><p>contudo sempre atenta, reflexiva, numa busca constante pelo saber orientar os clientes.</p><p>Certeza nunca. Busca eterna.</p><p>Algumas perguntas foram feitas no corpo deste trabalho. Temos respostas ao</p><p>chegarmos às Considerações Finais? Não. Mas, muitas reflexões. Enquanto seres humanos</p><p>como estamos nos comportando nas diferentes áreas das nossas vidas? Enquanto pais como</p><p>145</p><p>andam nossas atitudes? Enquanto avós? Enquanto amigos? Enquanto pessoas? E, por fim,</p><p>enquanto psicólogos clínicos?</p><p>Penso que uma reflexão em todas as áreas de nossas vidas se faz mais do que</p><p>necessária, na medida em que trabalhamos com pessoas de diferentes gerações, culturas,</p><p>religiões, condição socioeconômica, solteiras, casadas, divorciadas e outras formas atuais de</p><p>convivência. Tantas transformações também nos atingem em cheio, muito antes de sermos</p><p>psicólogos clínicos.</p><p>Como foi discutido neste trabalho, os relacionamentos assumiram outro lugar, muito</p><p>distinto do amor romântico. A possibilidade de “ficar” e com isto, desfrutar de muitos</p><p>encontros, sem ter que assumir nada, e poder ter pessoas diferentes em encontros diferentes,</p><p>com tamanha facilidade, sem assumir compromisso algum, torna os encontros superficiais,</p><p>rasos, na maioria das vezes em busca de um sexo casual. Diálogo, querer conhecer realmente</p><p>o outro, um novo encontro para esta aproximação ocorrer, não só objetivando o sexo, mas o</p><p>outro, enquanto pessoa torna-se cada vez mais difícil. Os sentimentos que surgem nas pessoas</p><p>envolvidas nesta situação é o desânimo, frustração, tristeza, como exemplificada por meio dos</p><p>casos clínicos citados. A ansiedade gerada em decorrência desta falta de perspectiva em ter</p><p>um encontro que possa “virar” um relacionamento, traz consequências importantes para a vida</p><p>das pessoas, chegando a atrapalhar, interferir no dia a dia de sua atividade profissional.</p><p>Compartilha-se do mesmo ponto de vista de Macedo (2013)</p><p>4</p><p>, quando aponta que a</p><p>aceitação social e a maior complacência com os comportamentos, com a falta de</p><p>compromisso, desejo de novidade, entre tantas outras características da Pós-Modernidade</p><p>entram e criam problemas que o profissional precisa ter uma posição de valores para trabalhar</p><p>com o outro, que estão permeadas com permissividades, com as funções que as relações</p><p>tomaram no nosso tempo.</p><p>Não podemos fechar os olhos uma vez que todos nós somos afetados. Há</p><p>consequências boas e ruins. Temos que entender que para cada ação há uma reação e às vezes</p><p>o resultado é desastroso. O fato é que as pessoas não sabem como fazer, quando as mudanças</p><p>e o desconhecido chegam. O mau uso da tecnologia tem trazido situações difíceis para os</p><p>relacionamentos. Cada um com um aparelho na mão ou no colo, em seu próprio mundo. A</p><p>relação com o outro, o diálogo, a brincadeira, a troca? É possível? Sem dúvida. Mas,</p><p>precisamos nos posicionar para que não sejamos engolidos. Muitos casais discutem seu</p><p>relacionamento por sms ou whatsapp. Falta de tempo? Pode ser. Não querer discutir</p><p>4 MACEDO, Rosa Maria Stefanini. Comunicação oral 16 Dez. 2013.</p><p>146</p><p>pessoalmente e gerar maior desconforto? Pode ser. Mas, para onde vamos quando agimos</p><p>assim? O que ensinaremos às pessoas, a nossos filhos e netos? Como fica a comunicação, o</p><p>enfrentamento da vida e das frustrações?</p><p>E como isto é sentido por todos nós? Antes de sermos profissionais, somos seres</p><p>humanos, inseridos em diferentes contextos. As pessoas como um todo se dão conta do que</p><p>está acontecendo? E nós, psicólogos clínicos, revisitamos nossa formação teórica? E, como</p><p>fica nossa atuação profissional, sem conexão com o momento histórico atual?</p><p>Não há uma única forma, certa ou errada de se viver, mas sim a que escolhemos, como</p><p>melhor para nós. Aquela, na qual medimos as consequências e, se podemos dar conta das</p><p>mesmas. Com responsabilidade, consciência, assumindo compromissos, seja relacional,</p><p>afetivo ou profissional, cientes de nossos papéis e funções na vida. Os tempos mudaram.</p><p>Tudo muda. É um movimento incansável, como as ondas do mar que vem e vão. A cada</p><p>chegada trazem algo, e quando retornam levam outro algo. Como aproveitar o que este</p><p>movimento nomeado de pós-moderno traz de importante e significativo? Como perceber o</p><p>que não serve, ou melhor, ainda, como se ajusta à nossa personalidade?</p><p>É uma nova construção. Contudo, não precisamos retirar tudo de nossa bagagem.</p><p>Revê-las sim. Com certeza experiências significativas, marcantes, ficarão. Outras darão lugar</p><p>às novas que estão por vir. É uma organização necessária para acomodar tantas mudanças.</p><p>Mas há outro jeito na vida, que não o de se adaptar à medida que seja bom o suficiente para</p><p>nós, para não ficarmos para trás, paralisados no tempo e no espaço?</p><p>Nossas verdades são nossas verdades. Podemos abrir mão de algumas, e de outras não.</p><p>Basta ter uma lente cuidadosa para não desperdiçar o que é bom. O novo entra e pode se</p><p>acomodar, desde que haja espaço para ele.</p><p>Os pais sentem-se inseguros quanto a educar os seus filhos. A pergunta se repete: O</p><p>que eu faço? Os filhos por sua vez, nunca tiveram tantos “educadores” em suas vidas, bem</p><p>como tantas atividades extracurriculares, o que demanda também muitos professores, logo</p><p>muitos educadores. Sejam filhos de famílias ditas funcionais, ou disfuncionais, os pais não</p><p>podem temer exercer seu papel e as suas funções.</p><p>Dada a importância das relações familiares para o entendimento do processo de</p><p>desenvolvimento humano, há a necessidade de pesquisas que concentrem esforços no estudo</p><p>das inter-relações entre os processos familiares e os processos de desenvolvimento humano,</p><p>visando conhecer melhor as diferentes modalidades de famílias que estão se constituindo e</p><p>147</p><p>suas implicações para a trajetória de vida da pessoa em desenvolvimento, bem como os</p><p>sentimentos das pessoas envolvidas nestas relações.</p><p>O psicólogo clínico tem este papel de orientar seus clientes, facilitando a reflexão</p><p>sobre seus comportamentos, por meio do desenvolvimento da consciência sobre suas ações.</p><p>Juntos, tijolo por tijolo erguem uma parede, direcionada para um pensar mais ativo,</p><p>comprometido com sua verdade e o que podem realmente assumir. O importante é o</p><p>psicólogo criar condições para que estes espaços sejam de bem estar para todos, capaz de</p><p>oferecer a cada um de seus membros a possibilidade de vivenciar relações de verdadeira</p><p>intimidade.</p><p>Isto posto fica aqui registrado a necessidade de continuar esta pesquisa, pois são</p><p>muitas</p><p>as questões a serem trabalhadas. Este trabalho pretende aguçar o interesse dos</p><p>envolvidos na prática da Psicologia Clínica para uma reflexão sobre nossas responsabilidades,</p><p>como cuidadores, diante de tantos medos, incertezas, inseguranças vividas pelas mais</p><p>diferentes pessoas que nos procuram e, diga-se de passagem, não são poucas, neste</p><p>movimento pós-moderno que vivemos. Precisamos revisitar nossas crenças, nossos valores,</p><p>nossa formação moral e acadêmica, nossas práticas teóricas e nos conectarmos com a mesma</p><p>rapidez proposta por este mundo pós-moderno.</p><p>O desafio é imenso, contudo, com determinação, perseverança, responsabilidade,</p><p>cuidado, atenção, e, sobretudo consciência, podemos enfrentá-lo, sem tirar os olhos sobre nós</p><p>e sobre os outros. A dança é rápida e o ritmo pede movimentos acelerados. Podemos tropeçar,</p><p>cair, enrolarmo-nos em nossos próprios pés, mas tão logo, nos desembaraçamos desta</p><p>situação, procurando ajuda, trocamos com outros companheiros de profissão, as angústias</p><p>vividas nesta prática, às vezes tão solitária.</p><p>Portanto, quero reiterar a importância de futuras pesquisas a respeito deste tema e dar</p><p>ênfase aos sentimentos de profunda tristeza, solidão, insegurança, incerteza, medo e muitas</p><p>vezes de desamparo, revelados nas palavras das pessoas aqui citadas, causados pelo não saber</p><p>como pensar, sentir ou agir, neste momento histórico, denominado pós-moderno, marcado</p><p>pela indiferença pelo outro, consequência do individualismo exacerbado, pelo poder que as</p><p>pessoas se outorgam, quando adquirem bens materiais, transmitindo a “falsa” ideia de</p><p>felicidade, ou pelo poder de ter vários nomes, em suas agendas de bolso, com quem possam</p><p>escolher sair, quando e como quiserem.</p><p>Precisamos parar e pensar o que realmente nos faz feliz. Que busca enlouquecida é</p><p>essa por ganhos cada vez maiores? Quais os verdadeiros valores da vida e os nossos? Temos</p><p>148</p><p>condições de pensarmos por nós mesmos, ou precisamos ser guiados? Como aproveitar o que</p><p>tem de positivo e útil nessas mudanças e transformar o que não serve com consciência e</p><p>responsabilidade, assumindo novas experiências e desfrutando delas com sabedoria e paz.</p><p>Mas parece-me que estamos isolados em nossas “cavernas” pessoais e profissionais.</p><p>Precisamos sair delas e buscar apoio na troca com outros profissionais da Psicologia e áreas</p><p>afins. Várias vozes unidas formam um coral. Ouvir assim é mais enriquecedor. Temos muito</p><p>que aprender. A busca é incessante. Ouvir imprescindível.</p><p>149</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ALMEIDA, A. M. (Org.). Pensando a família no Brasil: Da colônia à Modernidade. Rio</p><p>de Janeiro: Espaço e Tempo/UFRJ, 1987.</p><p>ARAÚJO, José William Corrêa de. 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Disponível em: Dicionário Popular</p><p>de Gírias e Expressões. Disponível em: <http://dicionariopopular.blogspot.com.br/>. Acesso em 5 Dez. 2014.</p><p>http://dicionariopopular.blogspot.com.br/</p><p>17</p><p>reformulações em vários âmbitos da vida familiar, como na relação doméstica, onde marido e</p><p>mulher passam a dividir os afazeres da casa, na relação conjugal e na relação pais e filhos.</p><p>Estas mudanças nos padrões de comportamentos masculinos estão em andamento, ou seja,</p><p>ainda em desenvolvimento.</p><p>Segundo pesquisadores:</p><p>[...] os homens estão chegando. Estão chegando, mas não chegaram! Alguns</p><p>chegaram à frente, mas, esse movimento é geral e irreversível. Nas décadas de 1960,</p><p>1970, nós saímos para conquistar um lugar no mundo do trabalho, e eles estão</p><p>fazendo o mesmo, só que abrindo um território dentro de casa, da família, mas não</p><p>encontraram tapetes vermelhos estendidos. Eles ficaram muito perdidos com a gente</p><p>e a gente ficou perdida sem eles. (ROSENBERG, 2010, p.111).</p><p>E, embora muito se fale desta mudança no comportamento dos homens, o que se</p><p>observa em pesquisas, é que ainda a distribuição de tarefas dentro de um lar é marcada pela</p><p>divisão sexual, com as mulheres arcando ainda com a maior parte delas. Há muito por se</p><p>conquistar. Parece persistir, a par das diferenças culturais, uma visão conservadora dos papéis</p><p>dos cônjuges, no que se refere às tarefas domésticas e à responsabilidade pelo cuidado e</p><p>educação dos filhos (JABLONSKI, 2007).</p><p>Ainda segundo este autor, a prática do dia a dia não implica em atitudes mais</p><p>igualitárias, apesar das contribuições masculinas nos afazeres domésticos, na educação e</p><p>cuidados com os filhos estarem aumentando. As mulheres convocam, ou pelo menos tentam</p><p>convocar a participação dos homens, ao menos, nos cuidados dos filhos. A teoria é uma, a</p><p>prática é outra. Neste sentido, papéis mais tradicionais estariam competindo com as escolhas</p><p>contemporâneas. Isto pode levar o casal à expectativas irrealizáveis, com sentimentos de</p><p>incompreensão, de ressentimento e de rejeição.</p><p>Como não fosse suficiente esta jornada dupla de trabalho podemos também falar sobre</p><p>os gastos em tempo e energia na esfera feminina, em relação à beleza e ao corpo “perfeito”,</p><p>pelos quais são cobradas. Desta maneira, as mulheres assumem uma tripla jornada, dividida</p><p>entre a casa, a família, os filhos, a carreira e os cuidados com o corpo.</p><p>Esses novos comportamentos tiraram as mães de casa e, com a saída dos pais para</p><p>exercerem suas atividades profissionais, a parentalidade foi terceirizada. Surgiram as creches</p><p>como solução para o cuidado dos filhos pequenos, bem como as babás, tão disputadas,</p><p>principalmente aqui no Brasil, além das escolas em período integral, que oferecem atividades</p><p>extracurriculares para mantê-las ocupadas o dia todo. De acordo com Jablonski (2007), babás</p><p>e empregadas domésticas, no Brasil, fazem muita diferença, no sentido de suprir, em parte, a</p><p>ausência das mães que se dedicam mais substancialmente ao trabalho fora de casa.</p><p>18</p><p>Em algumas situações, esses cuidados também passaram a ser desempenhados pelas</p><p>avós, que, cuidam dos netos, enquanto os seus pais estão fora exercendo outras atividades. As</p><p>conseqüências dessa terceirização na educação das crianças, é que elas passam a ter mais que</p><p>um educador em sua formação, o que pode gerar muitos conflitos (HINTZ, 2001). Esta</p><p>preocupação pela crescente repartição do processo de socialização por diferentes agências ou</p><p>instituições sociais também é apontada por Bilac (2002, p.33), quando entende que esta</p><p>terceirização é “resultado da contração familiar, em conseqüência da especialização funcional</p><p>da sociedade”.</p><p>Para Bilac (2002, p.33,34), o crescimento das profissões assistenciais, educacionais e</p><p>de saúde termina por tirar dos pais e da família qualquer autoridade na reprodução. “Os pais</p><p>abdicam de seus juízos e emoções em prol do conhecimento técnico dos especialistas. A</p><p>autoridade se impõe de fora para dentro, e os efeitos são vários, tanto do ponto de vista</p><p>sociológico, quanto psicológico”.</p><p>Esta posição vem de encontro com o que Szymanski (1995, p.5) considera como</p><p>primordial na função dos pais, que “é se responsabilizar pelo desenvolvimento humano e</p><p>pelas práticas educativas, com a finalidade de preparar seus filhos e filhas para a sociedade em</p><p>que vivem, cumprindo a sua função de agência socializadora primária”.</p><p>Este é um comportamento que requer muita atenção e, estudos por parte dos</p><p>formadores e cuidadores das crianças, desde, naturalmente, seus responsáveis, os pais, como</p><p>também os profissionais de áreas afins, tais quais a Psicologia, a Pediatria, a Pedagogia e a</p><p>Psiquiatria. Devemos considerar a importância destas atitudes, frente à educação e formação</p><p>das crianças, como futuros adultos. O que se esperar?</p><p>De acordo com Giddens (2011) entre todas as mudanças ocorridas neste mundo</p><p>globalizado, nenhuma delas é mais importante do que aquela que está ocorrendo na família e,</p><p>no modo, como pensou sobre nós mesmos e como formamos laços e ligações com os outros.</p><p>Precisamos estar atentos, presentes e conscientes que há, de fato, muitas mudanças em</p><p>trânsito e não sabemos, de verdade, aonde isto chegará, assim como tantos outros movimentos</p><p>sociais decorridos ao longo da história da Humanidade. Nossa responsabilidade é grande,</p><p>enquanto pais e profissionais da área da saúde.</p><p>Acompanhar a rapidez dessas mudanças e as consequências delas, não é tarefa fácil,</p><p>mas fundamental, para nós cuidadores. Isto aparece na clínica psicológica, na fala das mais</p><p>diferentes pessoas, quando trazem, entre outros sentimentos, a angústia, insegurança, medo e</p><p>ansiedade, diante de tantas mudanças.</p><p>19</p><p>Dada a forma como a própria sociedade pós-moderna vem se comportando em</p><p>diferentes áreas de suas vidas, outro fenômeno observa-se cada vez mais: o aumento do</p><p>número de casos de divórcios. As mulheres que alçaram sua independência econômica e estão</p><p>insatisfeitas com os seus relacionamentos assumem uma posição de tentarem ser felizes</p><p>sozinhas ou em outra relação. São elas que mais solicitam o divórcio. De acordo com Bauman</p><p>(2004, p.9) “as atenções humanas se concentram nas satisfações que esperamos obter das</p><p>relações, precisamente porque, de alguma forma, estas não têm sido consideradas plena e</p><p>verdadeiramente satisfatórias”.</p><p>Na opinião de Romanelli (2002, p.76), “ainda não se produziu um modelo</p><p>suficientemente claro, para ordenar a conduta dos sujeitos face às novas situações geradas</p><p>pela reordenação familiar”. Estamos em transição. Algumas mudanças foram mais amenas,</p><p>outras nem tanto. Necessariamente não são negativas. São diferentes do que estávamos</p><p>habituados. Reitera-se mais uma vez, a importância do papel do psicólogo, quando recebe em</p><p>sua clínica psicológica clientes que buscam ordenar sua conduta frente a esse momento</p><p>histórico, em desenvolvimento.</p><p>Para encerrar cita-se uma frase de Cerveny (2004): “A família não é mais como era,</p><p>mas continua a mesma”. Ou seja, mudanças, mudanças, mudanças e mais mudanças e, por</p><p>fim, a família continua sendo o esteio de todos nós. Momentos de paz, momentos de conflito,</p><p>entrada e saída de membros familiares, por uma ou outra razão, semelhanças, diferenças, fases</p><p>do ciclo vital distintas, confronto de ideias e problemas ora de saúde, ora financeiro, enfim, a</p><p>vida,</p><p>que não para por que estamos assim ou assado e, a família continua. De que modo for,</p><p>se faz e se fará presente, dada a importância fundamental que tem e sempre terá na formação</p><p>psicossocial e no desenvolvimento emocional dos indivíduos. Não podemos negar que a</p><p>família, ainda continua sendo uma instituição forte e de influência, mas, um pouco mais</p><p>complexa e flexível do que as imagens do passado nos levariam a pensar (DESSEN, 2010).</p><p>A família continua sendo esse lugar onde as pessoas se identificam, aprendem sobre a</p><p>vida, relacionam-se e desenvolvem-se. Ela nunca deixará de ser a referência mais importante,</p><p>sobretudo se considerarmos que os pais são os principais modelos para os filhos. Assim,</p><p>ninguém consegue escapar da família que tem. Por mais que os filhos questionem o</p><p>procedimento dos pais em relação a eles, o que observamos é que acabam repetindo seus pais</p><p>quando vão constituir suas próprias famílias (FÉRES-CARNEIRO, 2003).</p><p>As novas configurações familiares mostram que a família não desapareceu, e sim</p><p>continua se alterando e se adaptando às demandas da Pós-Modernidade. A família mudou,</p><p>20</p><p>mudaram os papéis familiares, mas não foi substituída por outra forma de organização.</p><p>Continua exercendo um papel fundamental na vida de um individuo, onde mesmo com esta</p><p>diversidade, o afeto, o apoio, o sentimento e a dedicação não mudam (BOTTOLI et al., 2012).</p><p>Parece que hoje a família nuclear tem sido mais valorizada e idealizada do que nunca,</p><p>criando uma dívida permanente e impagável, que pesa sobre os membros das famílias que se</p><p>desviam do antigo modelo. A indústria cultural alimenta-se dessas idealizações. A</p><p>dramaturgia popular, veiculada pelo cinema e pela televisão, apela constantemente para a</p><p>restauração da família ideal, ao mesmo tempo em que vende sabonetes, marcas de margarina</p><p>e conjuntos estofados para compor o cenário da perfeita felicidade doméstica (KEHL, 2003).</p><p>É fato, que chegamos até aqui, porque tivemos o olhar cuidadoso, fiel, firme,</p><p>confiante, silencioso, da nossa família de origem. Um caminho que começa antes de nosso</p><p>nascimento, com o desejo dos nossos pais em serem pais e constituírem uma família. O</p><p>resultado do exame de sangue positivo que inicia as primeiras sensações e emoções desta</p><p>etapa da vida. As incertezas, os medos e as alegrias indescritíveis que acompanham esta</p><p>tomada de decisão. A história começa aqui. A nossa história, a história da nossa família e a da</p><p>que construiremos em algum momento. Uma longa caminhada de altos e baixos, com</p><p>encontros e desencontros, alegrias e tristezas, afetos e desafetos, mas unidos. A família</p><p>sempre será e estará na nossa história de vida e na história das gerações que nos antecederam</p><p>e nas que virão. Nosso porto seguro, onde podemos atracar e descansar das lutas inevitáveis</p><p>da vida e juntos nos fortalecermos. Sem a família não seríamos possíveis.</p><p>JUSTIFICATIVA</p><p>Com essa miríade de transformações globalizadas, que vem incidindo sobre todos nós</p><p>desde a década de sessenta do século passado, a família berço de todos nós, foi atingida em</p><p>cheio. Essa percepção não é só fruto da própria vivência familiar, como é também observada</p><p>em clientes na clínica psicológica onde atendo há muitos anos, lugar de onde ecoam vozes, de</p><p>diferentes faixas etárias, crenças, raças, valores culturais e religiosos, posição social e</p><p>econômica, em busca de uma orientação, uma compreensão sobre o que está acontecendo em</p><p>suas vidas pessoais e familiares. Sentimentos de insegurança, medo, ansiedade, solidão,</p><p>incerteza acompanham o dia a dia destes indivíduos, perdidos em tantas mudanças, dada a</p><p>quebra de muitos paradigmas e, colocando-nos em contato com outra realidade, onde novos</p><p>desafios e a necessidade de modificação de atitudes demandam novos ajustes e novos</p><p>comportamentos de todos os membros da família. Relações satisfatórias são frutos de</p><p>21</p><p>contínuos diálogos, de contínuas negociações e de acordos resultantes disto tudo. Sem isto,</p><p>não revisitamos nossas bagagens pessoais, idealizando e não assumindo a realidade da vida.</p><p>Daí sofremos e experimentamos muita expectativa e muita frustração.</p><p>Tendo em vista as mudanças havidas na família contemporânea, e ainda a posição do</p><p>psicoterapeuta frente às suas demandas, urge um entendimento sobre como as pessoas estão</p><p>tentando lidar com os sentimentos advindos destas transformações pós-modernas. A literatura</p><p>nos fala, e muito, sobre as mudanças sofridas nas relações conjugais, nas relações parentais,</p><p>enfim nas famílias e como esta foi impactada de forma irreversível pela Pós-Modernidade.</p><p>Porém, como nos prepararmos individualmente e, como profissionais da área da</p><p>Psicologia para lidar com essas questões que também atingem as nossas vidas pessoais e</p><p>familiares? Somos um todo e um todo constituído de partes. Não é uma situação isolada,</p><p>individual, específica. Nos afeta diretamente, de um jeito ou de outro. Como conversar</p><p>“individualidade com família?”, “individualidade e o outro?”. Sem querer ouvir? Sem</p><p>paciência? Sem compreensão? Sem concessão? Sem boa vontade? Fica difícil. Esta</p><p>comunicação, sem estes elementos primordiais, apenas produz sentimentos de tristeza,</p><p>desconforto, solidão, desesperança, desânimo e muita, muita ansiedade, presentes no</p><p>pensamento e no coração dos indivíduos.</p><p>Reconhecemos e identificamos tais mudanças nos atendimentos diários realizados na</p><p>clínica psicológica. Trata-se de fatos inquestionáveis. Contudo, não se fala sobre como as</p><p>pessoas trazem, por meio de suas falas, estas questões vividas em seu dia a dia, nas diferentes</p><p>relações que constituem sua vida pessoal e familiar, bem como sobre as dificuldades</p><p>enfrentadas na tentativa de se adequar a elas. Confronto de gerações, logo de crenças, valores</p><p>e tradições fazem parte dos ajustes necessários para viver e conviver em qualquer tempo da</p><p>Humanidade. Lidar com o novo é sempre desafiador e intrigante e às vezes muito assustador,</p><p>mas necessário. O que era tido como padrão de comportamento e servia como um guia</p><p>norteador mudou. Temos que correr atrás e nos ajustarmos as essas novas demandas. Desafios</p><p>implicam, não necessariamente, em coisas ruins, mas diferentes. E esses desafios podem</p><p>ajudar-nos a transformar muitas coisas em nós e conhecermo-nos de um jeito novo.</p><p>Diante de tal justificativa, os objetivos do presente estudo podem ser sistematizados da</p><p>seguinte maneira:</p><p>22</p><p>OBJETIVO GERAL</p><p>- Investigar a evolução social da família ao longo dos tempos, apontando reflexos das</p><p>mudanças havidas sobre as famílias da contemporaneidade, tomando-se por base as demandas</p><p>de atendimento da clínica psicológica.</p><p>OBJETIVOS ESPECÍFICOS</p><p>- Refletir sobre como as mudanças advindas com a Pós-Modernidade têm afetado as famílias</p><p>quanto às relações conjugais e entre pais e filhos.</p><p>- Refletir sobre os sentimentos que surgem em decorrência destas novas relações familiares,</p><p>presentes nas vivências atuais.</p><p>MÉTODO</p><p>Quanto ao método, o presente trabalho foi elaborado mediante uma revisão da</p><p>literatura, por meio de artigos, livros, revistas e discussões acerca do assunto, com a</p><p>finalidade de refletir sobre como as questões da Pós-Modernidade afetam a família</p><p>contemporânea: sua organização, funções, responsabilidades, deveres, comportamentos e</p><p>atitudes de seus membros, e ainda sobre como o psicólogo clínico deve se preparar para</p><p>atender a tais demandas.</p><p>PROCEDIMENTO</p><p>A partir de casos clínicos atendidos ao longo dos 34 anos de experiência na clínica</p><p>psicológica pela pesquisadora, foi feita uma reflexão sobre o tema das relações familiares,</p><p>buscando estabelecer uma relação entre as mudanças sociais ocorridas ao longo dos tempos, e</p><p>como as pessoas estão vivenciando estas diferentes situações, confrontando se o que está</p><p>presente na literatura confirma-se na clínica psicológica.</p><p>23</p><p>CAPÍTULO 1 -</p><p>DIFERENTES OLHARES SOBRE O CONCEITO DE FAMÍLIA</p><p>Para a compreensão do significado da família buscou-se subsídios em várias</p><p>disciplinas, como a Psicologia, a Antropologia Social, a Sociologia e Demografia. De acordo</p><p>com os estudos de Dessen (2010); Hintz (2001); Vilhena (2004), a família vem sofrendo o</p><p>impacto de diversas mudanças estruturais, sociais e culturais nos últimos tempos, afinal sua</p><p>configuração é tecida em contextos históricos e sociais distintos, conceituá-la e/ou encontrar</p><p>consenso sobre sua definição tornou-se uma tarefa difícil.</p><p>A realidade familiar tem um caráter eminentemente construído e o seu conceito,</p><p>segundo Macedo (1994), em função do contexto, pode variar indefinidamente tanto para o</p><p>senso comum como para os especialistas. A família é, portanto, um elemento histórico que,</p><p>em intrínseca relação com a dinâmica social, se modifica (LEGNANI et al. 2009).</p><p>A palavra família é tão corrente na literatura, seja erudita ou popular, que se constitui,</p><p>sem dúvida, num testemunho das mutações que esta instituição sofreu ao longo da história da</p><p>humanidade. Para Therborn (2006, p.12), a família é uma instituição social, a mais antiga e a</p><p>mais disseminada de todas. A palavra latina, família, aparece em Roma como derivada de</p><p>famulus (servidor). Na Roma Antiga “família” designava o conjunto dos escravos e dos</p><p>servidores, mas também toda a “domus” (casa), isto é, todos os indivíduos que viviam sob o</p><p>mesmo teto e os bens patrimoniais pertencentes a essa casa, numa hierarquia que mantinha,</p><p>por um lado, o senhor e, por outro, a mulher, os filhos e os servidores, vivendo sob sua</p><p>dominação. Portanto, o antigo conceito de família não se aplica ao que habitualmente</p><p>entendemos pelo termo, a palavra “casa” representava o conjunto dos indivíduos que viviam</p><p>sob o mesmo teto; “gens” representava a comunidade formada por todos os descendentes de</p><p>um mesmo antepassado; “agnati” representava os parentes paternos, “cognati” representava os</p><p>parentes maternos e, por extensão, o conjunto dos consanguíneos.</p><p>Contudo, cada um destes círculos de pertença apresenta extensões variáveis, consoante</p><p>o lugar, a época, os grupos sociais e as circunstâncias nas quais está inserido, adquirindo tais</p><p>entidades sociais, um caráter de multiplicidade de formas e designações, transformando e</p><p>perdurando nas grandes civilizações ocidentais e orientais. Assim, todas estas unidades</p><p>parentais reunidas são chamadas hoje sob o vocábulo de família.</p><p>24</p><p>Quando se tenta definir o fenômeno família, concordando-se com a reflexão de alguns</p><p>autores (CERVENY, 2001) observa-se quão pouco este fenômeno é conhecido, fenômeno</p><p>este que se sabe ter uma existência real apesar de todas as dificuldades de enfocá-lo.</p><p>Como é um construto que está em constante processo de adaptação e readaptação,</p><p>pelas influências externas que sofre diretamente, as configurações familiares reorganizam-se</p><p>de forma diferente e sucessiva, ao longo do tempo, com processos de alargamento ou retração,</p><p>seja pela ocorrência de casamentos ou de nascimentos ou de óbitos, por divisão ou</p><p>reagrupamento.</p><p>Portanto, ela deve ter flexibilidade suficiente para atender às necessidades evolutivas</p><p>de seus membros e do mundo, construindo relações adequadas, oferecendo estrutura para o</p><p>desenvolvimento dos mesmos, considerando-se também a influência de outros fatores</p><p>comentados por Zamberlan e Biasoli-Alves (DESSEN, 2010) que definem a família como um</p><p>grupo primário mantido pelo parentesco e pelas relações interpessoais entre os familiares, as</p><p>quais são sustentadas por afeição, apoio, partilha de tarefas domésticas, cuidados com a prole</p><p>e cooperação mútua em várias outras atividades.</p><p>Essa diversidade de aspectos apresentados pela família pode também ter assumido um</p><p>papel fundamental na organização das leis orais e escritas que governaram as sociedades em</p><p>questão.</p><p>Segundo reflexões de alguns estudiosos:</p><p>A família tem uma natureza dual. Essa dualidade de perspectivas é inerente à</p><p>instituição da família. Ao mesmo tempo, que nasce fundamentalmente graças as</p><p>necessidades biológicas (filhos, cuidados com eles), é também responsável pela</p><p>existência da sociedade, pois se cada família biológica formasse um universo</p><p>fechado e se reproduzisse por si mesma, a sociedade como tal não existiria. A</p><p>família, entre a natureza e a cultura realiza sempre um compromisso. (BURGUIÈRE</p><p>et al. 1996, v.1, p.8).</p><p>Faz-se necessário que em determinados pontos do tecido social esses laços não sejam</p><p>interrompidos e continuem a ser tecidos. A família como uma pequena unidade biológica não</p><p>pode se fechar em si mesma para não levar uma existência precária abrindo-se ao grande jogo</p><p>das alianças matrimoniais (BURGUIÈRE et al., 1996,v.1).</p><p>A família conjugal parece muito frequente e sua forma se altera, porque estamos na</p><p>presença de sociedades cuja evolução social, política e econômica ou religiosa tomou um</p><p>rumo particular, tornando essas formações sociais altamente especializadas. A família</p><p>conjugal representa certo estado de equilíbrio entre fórmulas possíveis e que outras</p><p>sociedades efetivamente preferiram.</p><p>25</p><p>Segundo Legnani et al. (2009), as restrições impostas ao matrimônio reconfiguraram-</p><p>se ao longo da história, produzindo estruturas familiares diferentes. Mesmo no modelo</p><p>matrimonial monogâmico a organização familiar se modifica. Cada uma dessas famílias</p><p>possui uma dinâmica própria que produz e reproduz estruturas sociais, emocionais e psíquicas</p><p>para cada contexto.</p><p>Ainda de acordo com os estudos de Burguière et al. (1996, v.1), família, instituição</p><p>social, mas com fundamento biológico, está presente em qualquer sociedade, seja ela de que</p><p>tipo for. Fundada em necessidades naturais, a família elementar seria a pedra fundamental de</p><p>toda organização social. Sem família não há sociedade e vice-versa. A família não evolui</p><p>partindo de formas arcaicas e definitivamente extintas para outras que, destas se distinguindo,</p><p>assinalem outros tantos progressos. Talvez o ser humano tenha colocado desde cedo todas as</p><p>modalidades da instituição familiar.</p><p>O que tomamos como evolução, não passaria de uma sequência de escolhas</p><p>resultantes de movimentos distintos nos limites de uma rede já traçada, “uma infinidade de</p><p>combinações harmônicas e contrárias, e uma perpetuidade de destruições e renovações” diz</p><p>Buffon (apud BURGUIÈRE et al., 1996, v.1, p.11).</p><p>A família surge como um fato natural, como algo semelhante à linguagem, um atributo</p><p>da condição humana e, por mais evidente que seja a família ter raízes naturais não se pode,</p><p>portanto abordar seu estudo num espírito dogmático.</p><p>Existe uma multiplicidade de formas e sentidos da palavra família, construída com a</p><p>contribuição das várias ciências sociais e humanas resultando uma visão muito parcial das</p><p>coisas.</p><p>Quando se tenta definir o fenômeno família, concordando-se com a reflexão de alguns</p><p>autores (MEDINA 1974; PÔSTER, 1978 apud CERVENY, 2001) observa-se quão pouco este</p><p>fenômeno é conhecido, fenômeno este que se sabe ter uma existência real apesar de todas as</p><p>dificuldades de enfocá-lo. As próprias Ciências Sociais encontram dificuldades em defini-la</p><p>de forma mais satisfatória, pois quais seriam as categorias de base que serviriam para analisá-</p><p>la coerentemente, ou qual poderia ser o esquema conceitual para especificar o que há de</p><p>significativo nela?</p><p>Os demógrafos examinam-na detalhadamente, mas têm tendência para tratar as opções</p><p>preferenciais, nos casos em que tratam mais como dados estatísticos do que como normas. Os</p><p>sociólogos separam o núcleo conjugal do conjunto dos parentes.</p><p>26</p><p>Os antropólogos prestam muita atenção às opções matrimoniais preferenciais, mas</p><p>pouca à idade do casamento; os demógrafos examinam-na detalhadamente, mas têm tendência</p><p>para tratar as opções preferenciais, nos casos em que tratam mais como dados estatísticos do</p><p>que como normas.</p><p>Os sociólogos separam o núcleo conjugal do conjunto dos parentes. Essas visões</p><p>devem ser combinadas visando ampliar os paradigmas anteriores. Os historiadores e</p><p>antropólogos necessitam dos progressos da demografia histórica para compreenderem um</p><p>pouco os modelos pré-industriais, quanto mais não seja para estabelecer uma base comum</p><p>para o estudo das sociedades ocidentais. Os antropólogos descobriram a universalidade da</p><p>organização doméstica que não é senão o simples microcosmos de grupos sociais mais vastos.</p><p>Simultaneamente, aperfeiçoando suas análises, puderam perceber as modificações</p><p>radicais introduzidas universalmente nas sociedades e evidenciar exemplos de revolução dos</p><p>modelos familiares.</p><p>O olhar etnológico, por sua vez, contribuiu com as observações, descrições e análises</p><p>dos universos familiares, mergulhando nas sociedades ditas primitivas onde o parentesco</p><p>constitui a instituição social chave, aquela que estrutura o grupo, regula a residência, organiza</p><p>o modo de transmissão dos haveres e saberes e define as formas da aliança matrimonial.</p><p>(BURGUIÈRE et al, 1996, v.1).</p><p>Ainda de acordo com Burguière:</p><p>Os etnólogos reconheceram com a exploração de todos esses universos as</p><p>referências essenciais e a identificação de instrumentos de medida indispensáveis à</p><p>compreensão da existência e do papel da instituição sem, contudo, tentar buscar a</p><p>pureza original da instituição. (BURGUIÈRE et al., 1996, v.1, p.14).</p><p>Para a Psicologia a família é vista como:</p><p>[...] o primeiro espaço psicossocial, protótipo das relações a serem estabelecidas</p><p>com o mundo. É a matriz da identidade pessoal e social, uma vez que nela se</p><p>desenvolve o sentimento de pertinência que vem com o nome e fundamenta a</p><p>identificação social, bem como o sentimento de independência e autonomia, baseado</p><p>no processo de diferenciação, que permite a consciência de si mesmo como alguém</p><p>diferente e separado do outro. O pertencer é constituído, por um lado, pela</p><p>participação da criança nos vários grupos familiares, ao se acomodar às regras,</p><p>padrões interacionais e compartilhar da cultura particular da família, que se mantêm</p><p>através do tempo, como mitos, crenças, hábitos. (MINUCHIN, 1976 apud</p><p>MACEDO, 1994, p.63).</p><p>Essas visões devem ser combinadas visando ampliar os paradigmas anteriores. Deve-</p><p>se lembrar de que, há três séculos, a transformação para o atual modelo nuclear de família</p><p>27</p><p>“também foi vista com desconfiança e chegou-se até a preconizar o seu fim” (ARIÈS, 1978</p><p>apud SZYMANSKI, 2001, p.17).</p><p>O próprio conceito de família, tal qual a concebemos, data da Idade Moderna, sendo</p><p>importante frisar, que se fala da família ocidental moderna. Tal família, fruto do Iluminismo é</p><p>caracterizada pelo predomínio dos valores democráticos e igualitários que tornaram possíveis,</p><p>pelo menos em nível das aspirações, a ideia de igualdade e dos direitos individuais entre</p><p>homens e mulheres (VILHENA, 2004).</p><p>A partir do século XVI ocorre a transição do imaginário da família como linhagem</p><p>para o modelo nuclear.</p><p>São quatro séculos de formação de um modelo que se instalou no pensamento dos</p><p>ocidentais, mantido pelas várias instituições como escola, igreja, medicina, sistema</p><p>de justiça e meios de comunicação. Não é de se estranhar que mudanças sejam</p><p>difíceis de serem assimiladas. (GÉLIS, 1991 apud SZYMANSKI, 2001, p.16).</p><p>Minuchin (1992) reafirma a importância da família no favorecimento da</p><p>individualidade de seus membros, reforçando o desenvolvimento da autonomia, mediante as</p><p>diferentes relações que se estabelecem entre si e com o mundo exterior, permitindo a</p><p>manutenção da vida em sociedade. A família que educa e, confia nessa educação, que foi</p><p>baseada em modelos parentais com amor, respeito mútuo, confiança, intimidade e valores</p><p>possibilitará essa ida para o mundo e aguardará o retorno dele, trazendo na bagagem de volta,</p><p>elementos externos, que poderão agregar-se aos estabelecidos anteriormente e, permitir uma</p><p>lente mais ampla sobre o que é a vida, enriquecendo suas próprias experiências.</p><p>Singly corrobora essa afirmação (1993 apud FÉRES-CARNEIRO, 1998), apontando</p><p>que numa sociedade onde o valor de referência é derivado do "eu", a família é importante, na</p><p>medida em que ajuda cada um a se constituir como indivíduo autônomo. Essa função da</p><p>família põe em evidência suas contradições internas: ao mesmo tempo em que os laços de</p><p>dependência são necessários, eles são negados. No laço conjugal, assim como na família, a</p><p>necessidade de interdependência e a negação desta necessidade criam tensões internas. É</p><p>preciso ser um em sendo dois.</p><p>A família é, também, definida por um tipo especial de relação, as relações</p><p>intergeracionais entre, pelo menos, pai ou mãe e seu filho (KREPPNER, 2000, 2003 apud</p><p>DESSEN, 2010). Nesse caso, a família é constituída pelas relações e pela transmissão de</p><p>padrões de uma geração para outra (DESSEN, 2010).</p><p>28</p><p>Um complexo entrecruzamento entre o novo e o velho, o individual e o coletivo,</p><p>engendrados nas experiências de um sujeito ou de uma família, sem que necessariamente se</p><p>façam sentir.</p><p>Essas mudanças estão sempre presentes quando se pensa nas metamorfoses familiares</p><p>e, portanto, deve-se considerá-las, para a compreensão da família. Cerveny, (2001, p.21)</p><p>referindo-se à dimensão invisível da mudança social com relação à família brasileira, ao que</p><p>significa ser moderno e acompanhar transformações afirma: “no momento, o moderno</p><p>convive com o arcaico na família brasileira de modos sutis e complexos que só recentemente</p><p>começam a ser estudados”. Neste momento pode-se fazer a seguinte colocação: Justamente</p><p>por se ter a consciência de que, na família brasileira, o pós-moderno convive com o moderno</p><p>e vice-versa, sem que se saiba onde termina um e começa o outro, qual seria, então, o ponto</p><p>de partida? Não se sabe.</p><p>Os dados de cada novo censo demográfico realizado no Brasil reafirmam que a família</p><p>não é mais a mesma. Mas, não é mais a mesma em relação a que? Esta percepção indica que a</p><p>vida familiar é avaliada em comparação a um modelo de família idealizado, o modelo da</p><p>família clássica burguesa, que começou a aparecer em meados do século XIX. Contudo,</p><p>observa-se mediante estudos demográficos recentes, as tendências de afastamento em relação</p><p>a este padrão, em especial das classes médias brasileiras, que anteriormente haviam adotado</p><p>este modelo como ideal. Embora o modelo estivesse posto e “im-posto”, as mudanças</p><p>naturais da vida obrigaram as pessoas a se moldarem às circunstâncias, no que diz respeito à</p><p>organização e à estrutura familiares.</p><p>As pessoas criam novas formas de viver em família, que se afastam do modelo</p><p>preconizado. “Tenta-se passar a ideia de que as mudanças na família podem trazer o caos</p><p>social e lança-se uma cortina de fumaça nas reais causas da desagregação moral de nossa</p><p>sociedade”, atribuindo-a ao afastamento do modelo nuclear e às transformações na condição</p><p>de vida das mulheres. (SZYMANSKI, 1995, p.17).</p><p>De fato, responsabiliza-se o afastamento do modelo nuclear, pelas mudanças ocorridas</p><p>nas pessoas e nas famílias, contudo sabemos que as causas foram outras e externas à própria</p><p>instituição que foi atingida diretamente.</p><p>Mas, ao contrário do que se possa imaginar, como ocorre com todos os bens sujeitos à</p><p>escassez, parece que hoje a família nuclear em vias de extinção tem sido mais valorizada e</p><p>idealizada do que nunca, criando uma dívida permanente e impagável que pesa sobre os</p><p>membros das famílias que se desviam do antigo modelo. A indústria cultural se alimenta</p><p>29</p><p>dessas idealizações. A dramaturgia popular, veiculada pelo cinema e pela televisão, apela</p><p>constantemente para a restauração da família ideal, ao mesmo tempo em que vende sabonetes,</p><p>marcas de margarina e conjuntos estofados para compor o cenário da perfeita felicidade</p><p>doméstica (KEHL, 2003).</p><p>De acordo com Szymanski (2001, p.5),</p><p>apesar de toda pressão social para a adoção do</p><p>modelo de família nuclear, que se vive, atualmente, são vários arranjos familiares, várias</p><p>possibilidades e soluções para adultos e crianças viverem sua intimidade e trocas afetivas e</p><p>para a criação de ambientes para o desenvolvimento de crianças e adolescentes.</p><p>Ainda segundo reflexões desta autora (p.5), ao se olhar para os grupos domésticos, tal</p><p>como vivem, encontram-se pessoas que os definem como sendo suas famílias, mesmo</p><p>apresentando uma estrutura e organização diferentes das do modelo. Estão organizadas numa</p><p>estrutura hierarquizada (por idade ou gênero), convivem com a proposta de uma ligação</p><p>afetiva, duradoura, incluindo uma relação de cuidado entre os adultos e deles com as crianças,</p><p>para com os jovens e também com os idosos, constituindo a família vivida. O importante é</p><p>poder encontrar o devido respeito, a harmonia, a comunicação, o apoio, a verdade, a aceitação</p><p>e a eterna presença amorosa entre os seus membros. Esta é uma luta contínua.</p><p>A família mudará à medida que a sociedade muda, o que é inerente à sua vontade. E</p><p>muito provavelmente, de modo complementar, “a sociedade desenvolverá estruturas</p><p>extrafamiliares para se adaptar às novas correntes de pensamento e às novas realidades sociais</p><p>e econômicas” (MINUCHIN, 1982, p.55), adquirindo um caráter de multiplicidade de formas</p><p>e designações, transformando e perdurando nas grandes civilizações ocidentais e orientais.</p><p>No seio das sociedades ocidentais, a célula familiar se modifica em consequência das</p><p>mudanças técnicas, econômicas e psicológicas que se desenrolam sob os nossos olhos:</p><p>mulheres casadas que trabalham fora de casa, o aumento do número de uniões livres, a</p><p>importância crescente da mídia favorecendo a comunicação horizontal entre membros de cada</p><p>grupo, em detrimento da que se produzia verticalmente, de uma geração para a outra.</p><p>Surgem novas configurações familiares possíveis adotadas como soluções para se</p><p>continuar dando apoio e cuidados às crianças (SZYMANSKI, 1995).</p><p>E, independentemente dessa diversidade, a tendência de manter um compromisso, o</p><p>suporte social, afetivo e econômico entre os membros de uma família, visando fornecer uma</p><p>infraestrutura para o desenvolvimento dos filhos, permanecem enraizados (STRATTON,</p><p>2003).</p><p>30</p><p>A afetividade e a proximidade com os entes queridos é um dos critérios para a</p><p>composição de família (DESSEN, 2010).</p><p>Tenta-se passar a ideia de que as mudanças na família podem trazer o caos social e</p><p>lança-se uma cortina de fumaça nas reais causas da desagregação moral de nossa sociedade,</p><p>atribuindo-a ao afastamento do modelo nuclear e às transformações na condição de vida das</p><p>mulheres (SZYMANSKI, 1995, p.17).</p><p>[...] Ao olhar-se para os grupos domésticos, tal como vivem, encontra-se pessoas</p><p>que os definem como sendo suas famílias, mesmo apresentando uma estrutura e</p><p>organização diferentes das do modelo. Estão organizadas numa estrutura</p><p>hierarquizada (por idade ou gênero), convivem com a proposta de uma ligação</p><p>afetiva, duradoura, incluindo uma relação de cuidado entre os adultos e deles com as</p><p>crianças, jovens e também com os idosos, constituem a família vivida.</p><p>(SZYMANSKI, 1995, p.5).</p><p>Portanto, não há uma forma certa ou errada de se relacionar. Trata-se de uma busca</p><p>difícil, pois pretende atender as expectativas individuais e às da família como um todo, da</p><p>melhor forma possível, qualquer que seja a modalidade de vida familiar que tenha sido</p><p>escolhida. O importante é poder encontrar o devido respeito, a harmonia, a comunicação, o</p><p>apoio, a verdade, a aceitação e a eterna presença amorosa entre os seus membros. Esta é uma</p><p>luta contínua.</p><p>A família estará em constante transformação sempre, na base de que ela influencia e é</p><p>influenciada pelos diferentes contextos históricos, sociais, culturais e econômicos nos quais</p><p>estiver inserida. Um complexo entrecruzamento entre o novo e o velho, o individual e o</p><p>coletivo, estão engendrados nas experiências de um sujeito ou de uma família, sem que</p><p>necessariamente se façam sentir.</p><p>Dada essas multiplicidade e complexidade de fatores, conceituá-la em constante</p><p>movimento, num mundo em ininterrupta transformação, requer estudos sistemáticos,</p><p>principalmente para os profissionais que trabalham com ela. É preciso estar atento tanto para a</p><p>família de fora, quanto com a família de dentro, no caso, a nossa, uma vez que estamos</p><p>inseridos nesse mesmo mundo. A família deve ser pensada e repensada o tempo todo, pois</p><p>poucas instituições sociais colocam problemas tão diversos e de tão grande complexidade</p><p>como a família.</p><p>31</p><p>CAPÍTULO 2 - UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO FAMÍLIA</p><p>Como vimos anteriormente antropólogos, sociólogos, etnólogos, demógrafos e</p><p>psicólogos, entre outros, têm procurado apreender as formações dos diferentes tipos de</p><p>configurações familiares nas sociedades, definindo-as de acordo com o contexto histórico,</p><p>social, político, cultural e econômico às quais elas pertencem e, de acordo com a lente de</p><p>quem as veem.</p><p>Os acontecimentos que vão modificar as mentalidades, em especial, a ideia do</p><p>indivíduo e de seu papel na vida cotidiana da sociedade, estão ligados, em especial, com o</p><p>novo papel do Estado, a partir do século XV e, até com maior frequência, as Revoluções</p><p>Francesa e Industrial ao longo do século XVIII. Esta estratégia teve importantes</p><p>consequências, para a sociedade, que foi dividida em três zonas: a sociedade cortesã, as</p><p>classes populares das cidades e dos campos e a corte. Outro fato foi o desenvolvimento da</p><p>alfabetização e a difusão da leitura graças à imprensa e por fim as novas formas de religião</p><p>que se estabelecem nos séculos XVI e XVII. Surgem então os primeiros indícios de</p><p>privatização: 1) A literatura da civilidade (código de polidez, tratados de civilidade, de</p><p>cortesia) que propõe padrões de comportamentos diferentes daqueles até então conhecidos e</p><p>adotados, 2) A literatura autografa que atesta os progressos da alfabetização e uma relação</p><p>estabelecida entre leitura, escrita e autoconhecimento (escrita em diários íntimos, cartas,</p><p>confissões de modo geral), 3) O gosto pela solidão, antes vista como tédio e considerado um</p><p>estado contrário à condição humana, 4) A amizade por um amigo querido, escolhido do</p><p>círculo habitual de pessoas, um sentimento mais polido, um relacionamento tranquilo, uma</p><p>prazerosa fidelidade, 5) Todas essas mudanças contribuem para uma nova maneira de</p><p>conceber e levar a vida cotidiana, como uma exteriorização de si mesmo e dos valores</p><p>íntimos.</p><p>O movimento renascentista também desempenhou um papel fundamental (século</p><p>XIV-XVI) na história da Humanidade, propondo um novo paradigma para a percepção do</p><p>mundo, da sociedade e da história, abrindo um novo caminho para os questionamentos dos</p><p>dogmas estabelecidos pela Igreja durante a Idade Média. Descobertas e invenções</p><p>colaboraram para o aquecimento destas mudanças.</p><p>Passa-se a prestar mais atenção na vida cotidiana, dentro de casa e no próprio</p><p>comportamento, mudando os hábitos antes adquiridos, como por exemplo, transportar a</p><p>mobília que era simples e desmontável, quando o seu proprietário se deslocava, ou montá-la e</p><p>32</p><p>desmontá-la quando se recebia visitas, como era o caso dos leitos, baús e bancos. Assim, era</p><p>grande parte do mobiliário no início do século XVII. Este fato devia-se também, à existência</p><p>de um único espaço na casa, que funcionava como sala, onde se cozinhava, comia-se,</p><p>recebiam-se visitas de toda ordem, dormia-se, dançava-se, trabalhava-se; não havia</p><p>privacidade e o mundo público dominava. As idas e vindas constantes dos visitantes distraíam</p><p>as crianças de suas atividades; era uma verdadeira ocupação, que comandava a vida da casa e,</p><p>ditava até mesmo as horas das refeições. Essas visitas não eram apenas de amizade, eram</p><p>também profissionais.</p>