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<p>ASPECTOS DO HIV E AIDS</p><p>No ano de 1981, quando foram reconhecidos os primeiros casos de AIDS nos Estados Unidos, identificou-se um agente causador, um retrovírus desconhecido por boa parte do mundo. A aids viria causar medo e deixar suas vítimas marginalizadas, não se conhecendo nada acerca do vírus ou da doença causada. Usando-se dos fatores de risco das pessoas afetadas, identificou-se o patógeno responsável pela doença, o vírus da imunodeficiência humana (HIV)1 transmitido através de sangue e fluidos corporais infectados, por contato sexual e uso de drogas intravenosas. O vírus apresentava um período de latência de quase uma década, entre a infecção e o desenvolvimento de sintomas, e com habilidade de mutação rápida, confundindo os esforços nas pesquisas para desenvolver um tratamento, e corroborando para a existência de um estigma que dura até os dias de hoje. O HIV alcançou proporções pandêmicas, mudando os rumos do desenvolvimento humano, e configurando-se como a infecção emergente mais desafiadora na história humana.2,3</p><p>Apesar das recentes revisões estimarem um declínio do HIV e da aids, o número continua muito elevado, sendo 8 milhões de mortes, 33 milhões de pessoas vivendo com a doença e mais de 15 milhões de crianças órfãs até o ano de 2010.4 Apesar da doença estar presente em quase todo o mundo, foram os países da África Subsaariana os mais afetados, com cerca dois terços de todos os indivíduos infectados pelo vírus HIV e aproximadamente 70% das novas infecções, e neste contexto da África Subsaariana a transmissão ocorreu principalmente através do ato heterossexual, acometendo mais as mulheres que os homens. O panorama mundial difere visivelmente, mostrando que certas subpopulações são mais afetadas que outras, sendo estas, homens que fazem sexo com homens, os consumidores de drogas injetáveis e os profissionais do sexo. Os esforços para o controle do vírus nas últimas décadas ainda mostram melhores resultados com educação, aconselhamento e testes para o HIV, juntamente com a terapia antirretroviral. A busca por uma vacina continua como ponto científico principal, mas seu desenvolvimento ainda é lento.4</p><p>A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) é a mais grave manifestação de um espectro clínico de doença causada pela infecção com o vírus da imunodeficiência humana (HIV). A aids é caracterizada pelo desenvolvimento de infecções oportunistas graves, neoplasias ou outras manifestações potencialmente fatais resultantes da imunossupressão progressiva induzida pelo HIV. A aids foi reconhecida pela primeira vez em meados de 1981, quando foram relatados agrupamentos incomuns de pneumonia por Pneumocystis carinii e sarcoma de Kaposi em jovens, anteriormente homens homossexuais saudáveis nas cidades de Nova York, Los Angeles e San Francisco.5 Essa infecção tornou-se uma causa significativa de doença e morte, especialmente entre os adultos jovens.</p><p>A principal forma de transmissão do HIV é através do contato sexual heterossexual, sendo que atualmente as mulheres representam mais da metade dos novos casos de infecção em adultos. Nos países desenvolvidos, onde a transmissão através do contato sexual masculino era predominante durante a primeira década da epidemia, tem ocorrido um aumento no número de pessoas infectadas por contato sexual heterossexual e uso de drogas injetáveis. Por outro lado, a transmissão por meio de transfusões sanguíneas e produtos derivados do sangue foi praticamente eliminada em países que adotaram triagem sistemática para detecção dos anticorpos contra o HIV em doações de sangue e plasma, bem como tratamento térmico dos fatores coagulantes. Após a ampla utilização da terapia antirretroviral altamente ativa (HAART) a partir de 1996, houve uma redução significativa na incidência e mortalidade relacionadas à aids nos países desenvolvidos.6 No entanto, o número de pessoas vivendo com o HIV continua aumentando. Há indícios preliminares que sugerem um aumento nas novas infecções, especialmente entre populações negras e hispânicas. Nos Estados Unidos, a epidemia do HIV está afetando cada vez mais mulheres, minorias étnicas/raciais, indivíduos infectados por contato sexual heterossexual e pessoas em situação de pobreza. Portanto, é crucial focar no controle e prevenção da infecção pelo HIV tanto globalmente quanto individualmente ao compreender as mudanças na epidemiologia dessa doença.7</p><p>AGENTE ETIOLÓGICO</p><p>Em 1983, o HIV-1 foi isolado de pacientes com AIDS pelos pesquisadores Luc Montaigner, na França, e Robert Gallo, nos EUA, recebendo os nomes de LAV (Lymphadenopathy Associated Virus ou Virus Associado à Linfadenopatia) e HTLV-III (Human T-Lymphotrophic Virus ou Vírus T-Linfotrópico Humano tipo lll) respectivamente nos dois países. Em 1986, foi identificado um segundo agente etiológico, também retrovírus, com características semelhantes ao HIV-1, denominado HIV-2. Nesse mesmo ano, um comitê internacional recomendou o termo HIV (Human Immunodeficiency Virus ou Vírus da Imunodeficiência Humana) para denominá-lo, reconhecendo-o como capaz de infectar seres humanos. O HIV é um retrovírus com genoma RNA, da Família Retroviridae (retrovírus) e subfamília Lentivirinae. Pertence ao grupo dos retrovírus citopáticos e não-oncogênicos que necessitam, para multiplicar-se, de uma enzima denominada transcriptase reversa, responsável pela transcrição do RNA viral para uma cópia DNA, que pode, então, integrar-se ao genoma do hospedeiro. Embora não se saiba ao certo qual a origem do HIV-1 e 2 , sabe-se que uma grande família de retrovírus relacionados a eles está presente em primatas não-humanos, na África sub-Sahariana. Todos os membros desta família de retrovírus possuem estrutura genômica semelhante, apresentando homologia em torno de 50%. Além disso, todos têm a capacidade de infectar linfócitos através do receptor CD4. Aparentemente, o HIV-1 e o HIV-2 passaram a infectar o homem há poucas décadas; alguns trabalhos científicos recentes sugerem que isso tenha ocorrido entre os anos 40 e 50. Numerosos retrovírus de primatas não-humanos encontrados na África têm apresentado grande similaridade com o HIV-1 e com o HIV-2. O vírus da imunodeficiência símia (SIV), que infecta uma subespécie de chimpanzés africanos, é 98% similar ao HIV-1, sugerindo que ambos evoluíram de uma origem comum. Por esses fatos, supõe-se que o HIV tenha origem africana. Ademais, diversos estudos sorológicos realizados na África, utilizando amostras de soro armazenadas desde as décadas de 50 e 60, reforçam essa hipótese.8 O HIV é bastante lábil no meio externo, sendo inativado por uma variedade de agentes físicos (calor) e químicos (hipoclorito de sódio, glutaraldeído). Em condições experimentais controladas, as partículas virais intracelulares parecem sobreviver no meio externo por até, no máximo, um dia, enquanto que partículas virais livres podem sobreviver por 15 dias, à temperatura ambiente, ou até 11 dias, a 37ºC. Recentemente, têm sido descritas, ainda, variantes genômicas (subtipos), tanto de HIV-1 quanto de HIV-2, em pacientes infectados procedentes de diferentes regiões geográficas. Classificam-se, assim, os isolados de HIV-1 em dois grupos, M (major) e O (outlier), com variabilidade genética de até 30%. No grupo M, identificam-se nove subtipos (A, B, C, D, E, F, G, H e I), e no grupo O, apenas um. Em relação ao HIV-2 descrevem-se cinco subtipos: A, B, C, D, e E. Embora ainda não conhecida, especula-se a possibilidade de variantes virais possuírem diferentes índices de transmissibilidade e/ou patogenicidade.9</p><p>HIV-1</p><p>O HIV é subdividido em dois tipos, HIV-1 e HIV-2. O HIV-1 foi transmitido ao homem por pelo menos quatro transmissões zoonóticas dos vírus correspondentes em chimpanzés, dos grupos M-P. Essa transmissão ocorreu por volta de 1930 (±20 anos), conforme estimado a partir dos dados filogenéticos moleculares disponíveis.10 O vírus do chimpanzé SIVcpz pode ter uma origem de muitos milhares de anos. É um vírus recombinante formado em sua parte gag e pol pelo vírus da imunodeficiência símia (SIV) dos</p><p>macacos mangabeys-de-gorro-vermelho (Cercocebus torquatus) e em sua parte env pelo SIVgsn ou SIVmon do macaco-spotnose-maior (Cercopithecus nicticans) ou macaco-mona (Cercopithecus mona), respectivamente. Chimpanzés infectados com o SIV em regiões da África Central evoluíram para diferentes subespécies (Pan troglodytes troglodytes e P. troglodytes schweinfurthii). Após a separação de grupos de chimpanzés por grandes rios, seus vírus SIVcpz divergiram e apenas os SIVs dos chimpanzés P. troglodytes troglodytes parecem ser ancestrais dos vários HIVs. A presença de um retrovírus semelhante ao HIV em cerca de 5% desses animais indica uma coevolução do hospedeiro e do vírus ao longo de um longo período de tempo. Na maioria dos chimpanzés, o SIVcpz é apatogênico. Até agora, o SIVcpz não foi encontrado nas subespécies de chimpanzé P. troglodytes vellerosus e P. troglodytes verus.11,12</p><p>Devido à sua disseminação e evolução em humanos, o HIV-1 grupo M foi dividido em subtipos A-K, com os subtipos E e I ausentes devido a serem formas recombinantes circulantes (CRF) [1,4]. Existem duas grandes linhagens nos grupos de HIV, M e N, e O e P, sendo raríssimas as pessoas portadoras dos vírus dos grupos N e P. Atualmente, em Camarões há cerca de 20 pessoas infectadas pelo grupo N e aproximadamente 3 pelo grupo P. As infecções pelo vírus do grupo O são prevalentes em cerca de 0.1-1% da população sexualmente ativa em Camarões; alguns indivíduos infectados também foram identificados nos países vizinhos Gabão e Guiné Equatorial.</p><p>O HIV-1 grupo M tem distribuição mundial atualmente com mais de 35 milhões de pessoas infectadas. A maior prevalência de todos os subtipos é encontrada na África subsaariana, do subtipo B nas Américas do Norte e Sul e Europa Ocidental, do subtipo A na Europa Oriental, do subtipo C no sul da África e Índia, e do subtipo A/E (CRF01) no sudeste asiático [5]. O subtipo C do grupo M é o mais prevalente mundialmente no HIV-1; entretanto, raros subtipos podem ocorrer em todos os países.</p><p>As ferramentas diagnósticas para detecção de anticorpos, medição da carga viral e determinação da resistência são principalmente baseadas no subtipo B. É importante considerar esse aspecto juntamente com o fato de que outros subtipos são prevalentes em certos países ao redor do mundo tanto na interpretação dos testes quanto na escolha dos medicamentos para o tratamento dos pacientes - por exemplo inibidores não-nucleosídicos da transcriptase reversa para o subtipo C.13,14</p><p>HIV-2</p><p>A origem do HIV-2 é o SIVsmm, o SIV dos macacos mangabeys negros (Cercocebus atys) na África Ocidental. Hoje, o HIV-2 é dividido em grupos A-H, dos quais os grupos A e B são os mais prevalentes e talvez sejam os únicos patogênicos. A explicação mais simples para a presença desses grupos em humanos é a transmissão zoonótica independente e separada de um vírus de cada grupo para humanos e posterior disseminação entre humanos por meio de transmissão sexual. Cálculos dos dados de sequência de ácido nucleico estimaram a data da introdução do HIV-2 em humanos em 1940, o que é muito próximo da introdução prevista do HIV-1.15 O HIV-2 é caracterizado por ser menos patogênico em comparação com o HIV-1. Isso resulta em um período prolongado até que os sintomas de imunodeficiência e aids se desenvolvam. Além disso, a taxa de transmissão vertical do HIV-2, de mãe para filho, é estimada em cerca de 7‰ a 2%, em contraste com os 10-40% observados nos casos de infecção pelo HIV-1. Embora a prevalência do HIV-2 tenha atingido aproximadamente 10-16% em algumas comunidades africanas ao longo do tempo, atualmente está sendo superada pelo HIV-1. É importante ressaltar que o HIV-2 é raro fora da África Ocidental, Moçambique, Angola e sudoeste da Índia.É possível que algumas pessoas estejam co-infectadas com ambos os vírus. No entanto, é importante mencionar que o fato de alguém ser infectado pelo HIV-2 não confere imunidade contra uma superinfecção pelo HIV-1 e vice-versa. Pacientes com coinfecção geralmente desenvolvem imunodeficiência e sinais de AIDS mais precocemente. Até o momento, não foram encontrados vírus recombinantes compostos por partes do HIV-1 e do HIV-2 em humanos.16</p><p>Ao contrário de outros retrovírus, o HIV evoluiu uma variedade de genes acessórios que podem modular a replicação do HIV. Alguns desses genes parecem conferir habilidades para estabelecer infecção persistente e controlar a replicação exuberante que pode causar doença e morte mais rapidamente no hospedeiro, apresentando a seguinte sequência vida do HIV na célula humana:</p><p>i. As glicoproteínas virais (gp120) se ligam a um receptor específico na superfície celular (principalmente em linfócitos T-CD4).O envelope do vírus se funde com a membrana da célula hospedeira.</p><p>ii. O core do vírus é liberado para o citoplasma da célula hospedeira.</p><p>iii. O RNA viral é transcrito em DNA complementar, um processo que depende da enzima transcriptase reversa.</p><p>iv. O DNA complementar é transportado para o núcleo da célula, onde pode ser integrado no genoma celular (formando o provírus) pela ação da enzima integrase, ou pode permanecer em forma circular, isoladamente.</p><p>v. O provírus é reativado, produzindo RNA mensageiro viral que se desloca para o citoplasma da célula.</p><p>vi. As proteínas virais são produzidas e quebradas em subunidades pela enzima protease.</p><p>vii. As proteínas virais produzidas regulam a síntese de novos genomas virais e formam a estrutura externa de outros vírus que serão liberados pela célula hospedeira.</p><p>viii. O vírion recém-formado é liberado para o meio circundante da célula hospedeira, podendo permanecer no fluido extracelular ou infectar novas células.</p><p>A interferência em qualquer uma dessas etapas do ciclo de vida do vírus impediria a multiplicação e/ou a liberação de novos vírus. Atualmente, existem medicamentos disponíveis que interferem em duas fases deste ciclo: a fase 4 (inibidores da transcriptase reversa) e a fase 7 (inibidores da protease).17</p><p>VIROLOGIA</p><p>O HIV, que é o agente causador da aids, é um membro da família dos retrovírus humanos (Retroviridae) e da subfamília dos lentivírus. Existem dois grupos distintos de retrovírus que são conhecidos por causar doenças em humanos: o HTLV-1 e o HTLV-2, que são retrovírus transformadores, e o HIV-1 e o HIV-2, que causam efeitos citopáticos diretos ou indiretos. Globalmente, o HIV-1, que inclui vários subtipos com diferentes distribuições geográficas, é a causa mais comum da doença causada pelo HIV. O HIV-2 foi identificado pela primeira vez em 1986 em pacientes da África Ocidental e, a princípio, estava restrito a essa região. No entanto, casos foram identificados em todo o mundo, e puderam ser rastreados até a África Ocidental ou atribuídos a contatos sexuais com indivíduos dessa região. Os grupos atuais do HIV-1 (M, N, O, P) e do HIV-2 (A a H) provavelmente surgiram da transferência diferenciada para humanos a partir de reservatórios de primatas não humanos. É provável que os vírus HIV-1 tenham se originado de chimpanzés e/ou gorilas, enquanto os HIV-2 provavelmente vieram dos sooty mangabeys (Cercocebus atys) que é um macaco do Velho Mundo encontrado nas florestas do Senegal, numa margem ao longo da costa até a Costa do Marfim.</p><p>A pandemia de aids é causada principalmente pelo vírus HIV-1 do grupo M. Embora o grupo O do HIV-1 e os vírus do grupo HIV-2 tenham sido isolados em muitos países, incluindo os desenvolvidos, eles causam epidemias que são muito mais localizadas. Em relação à estrutura do vírus, o HIV-1 tem uma forma esférica e um diâmetro de aproximadamente 100 nm. Ele é envolvido por uma bicamada lipídica, conhecida como envelope, que se origina da membrana celular do hospedeiro. A microscopia eletrônica revela que o vírion do HIV é uma estrutura icosaédrica com muitas espículas externas, formadas pelas duas principais proteínas do envelope, a gp120 externa e a gp41 transmembrana. O envelope do HIV existe como um heterodímero trimérico. O vírion emerge da superfície da célula infectada e incorpora várias proteínas do hospedeiro</p><p>em sua bicamada lipídica.18</p><p>Além disso, a partícula do HIV-1 contém três enzimas virais: protease, transcriptase reversa e integrase. A transcriptase reversa (TR) tem a função de transcrever o RNA genômico viral em uma fita dupla de DNA, criando uma cópia de DNA fita dupla (cDNA) e degradando a fita-molde de RNA viral. A integrase, por sua vez, é responsável pela integração do cDNA no genoma da célula hospedeira.</p><p>O genoma do HIV tem aproximadamente 9.8 Kb e é composto por três genes principais: gag, pol e env, além de seis genes regulatórios. Os genes gag e env codificam proteínas estruturais, enquanto o gene pol codifica as enzimas virais mencionadas anteriormente. Os demais genes regulatórios desempenham um papel importante na regulação do ciclo viral e na patogênese do vírus. O gene env, uma das regiões mais variáveis do genoma do HIV, é responsável pela codificação das glicoproteínas transmembrana e de superfície, que têm como principal função facilitar a entrada do HIV na célula hospedeira. No ciclo replicativo, a entrada do vírus na célula hospedeira depende da presença de receptores de membrana. As primeiras células a entrar em contato com o HIV-1 são aquelas da linhagem de monócitos, principalmente as células dendríticas. O HIV infecta células que possuem o marcador CD4 (CD4+), principalmente linfócitos T auxiliares, mas também macrófagos teciduais e células da micróglia do sistema nervoso central. Isso resulta em uma doença crônica e progressiva, levando a uma depressão imunológica.</p><p>O ciclo replicativo do HIV-1 pode ser dividido em duas fases, a fase precoce e a fase tardia. A fase precoce começa com o reconhecimento da célula alvo pelo vírus maduro e envolve todos os processos que conduzem à integração do cDNA genômico no cromossoma da célula hospedeira. A fase tardia começa com a expressão do genoma proviral, envolvendo todos os processos que incluem a formação e maturação de novas partículas virais. Na fase precoce do ciclo replicativo, as partículas virais ligam-se especificamente na célula CD4+ através da proteína de superfície gp120. A ligação do receptor CD4 permite que a gp120 se ligue a correceptores (CCR5 ou CXCR4) sobre a superfície da célula hospedeira. Após a ligação da gp120 e correceptores, a glicoproteína gp41 é incorporada na membrana celular, resultando na fusão do revestimento viral e da membrana da célula alvo, produzindo um poro, através do qual o núcleo viral penetra no citoplasma da célula. Após a fusão, o processo de transcrição reversa se inicia. A transcrição reversa do RNA genômico é feita por meio da enzima viral, transcriptase reversa, no citoplasma da célula hospedeira. O produto da transcrição reversa, cDNA de cadeia dupla, é transportado para dentro do núcleo onde o cDNA é integrado, ou seja, incorporado no genoma da célula hospedeira, resultando no DNA proviral. Esta integração é devida à atividade catalítica da enzima integrase.19</p><p>Inicia-se então a fase tardia com a expressão regulada do genoma proviral. O processamento das proteínas virais com as proteases virais ocorre, seguido pela montagem do novo virion, que é liberado através da membrana da célula hospedeira por brotamento. Agora dentro da resposta do organismo para o vírus, após a transmissão desse, há um período de aproximadamente dez dias, denominado fase eclipse, antes que o RNA viral seja detectável no plasma. Estudos que utilizaram técnicas avançadas de sequenciamento genético das primeiras partículas virais detectadas no plasma permitiram demonstrar que aproximadamente 80% das infecções sexuais pelo HIV-1 dos subtipos B e C são iniciadas por um único vírus. A homogeneidade do vírus, dito fundador, indica que o estabelecimento da infecção é resultado de um único foco de linfócitos T-CD4+ infectados da mucosa. A resposta imunológica inata que se estabelece no foco da infecção atrai uma quantidade adicional de células T, o que, por sua vez, aumenta a replicação viral.</p><p>A partir dessa pequena população de células infectadas, o vírus é disseminado inicialmente para os linfonodos locais e depois sistemicamente, em número suficiente para estabelecer e manter a produção de vírus nos tecidos linfoides, além de estabelecer um reservatório viral latente, principalmente em linfócitos T-CD4+ de memória. A replicação viral ativa e a livre circulação do vírus na corrente sanguínea causam a formação de um pico de viremia por volta de 21 a 28 dias após a exposição ao HIV. Essa viremia está associada a um declínio acentuado no número de linfócitos T-CD4+. Na fase de expansão e disseminação sistêmica, há a indução da resposta imunológica, mas esta é tardia e insuficiente em magnitude para erradicar a infecção. A ativação imune, por outro lado, produz uma quantidade adicional de linfócitos T-CD4+ ativados que servem de alvo para novas infecções. Ao mesmo tempo, o número crescente de linfócitos T-CD8+ exerce um controle parcial da infecção, mas não suficiente para impedir, na ausência de terapia, a lenta e progressiva depleção de linfócitos T-CD4+ e a eventual progressão para a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids). A ativação de linfócitos T-CD8+ específicos contra o HIV ocorrem normalmente antes da soroconversão. O aparecimento de uma resposta imune celular HIV-específica e a subsequente síntese de anticorpos anti-HIV levam a uma queda da carga viral plasmática (viremia) – até um nível (set point) que é específico de cada indivíduo – e à cronicidade da infecção pelo HIV. A resposta imune mediada por células é mais importante do que a resposta imune humoral no controle da replicação viral durante a infecção aguda, mas os anticorpos têm um papel relevante na redução da disseminação do HIV na fase crônica da infecção.20</p><p>A resposta imunológica humoral contra vários antígenos virais é vigorosa. A maioria das proteínas do HIV é imunogênica, mas uma resposta de anticorpos precoce e preferencial é induzida contra as glicoproteínas do envelope, a gp120 e a gp41, e contra a proteína do capsídeo viral, a p24. Como em qualquer outra infecção viral, a primeira classe de anticorpo produzida durante uma resposta imune primária é a imunoglobulina M (IgM). Devido à persistência do HIV, nosso organismo é continuamente exposto aos mesmos antígenos e a produção inicial de IgM é substituída pela produção de imunoglobulina G (IgG). Entretanto, ao contrário de outras doenças infecciosas, a presença da IgM não permite diferenciar uma infecção recente de uma infecção crônica, tendo em vista que a IgM pode reaparecer em outros momentos durante o curso da infecção. A IgG anti-HIV atinge níveis séricos elevados e persiste por anos, enquanto os níveis séricos de IgM tendem a desaparecer com o tempo ou apresentar padrão de intermitência. É observado um aumento da afinidade do anticorpo pelo antígeno, ou seja, os anticorpos de baixa afinidade que são produzidos no início da resposta humoral são pouco a pouco substituídos por anticorpos de alta afinidade. Esse é um fenômeno devido à ocorrência de mutações somáticas em determinadas regiões (hot spots) dos genes que codificam a imunoglobulina (Ig). Essas mutações ocorrem ao acaso e o aparecimento de clones de linfócitos B com maior especificidade antigênica é o resultado de um processo de seleção positiva decorrente dessas mutações. Essa característica de aumento de afinidade, juntamente com o aumento da concentração sérica de anticorpos específicos anti-HIV durante a fase inicial da resposta imune humoral, é a base racional para o desenvolvimento de testes laboratoriais que classificam a infecção em recente ou crônica.21 A prevalência mais alta do HIV é observada em países africanos, com jovens mulheres sendo as mais impactadas. No Brasil, apesar da diminuição geral da taxa de infecção, há um aumento notável entre indivíduos com 50 anos ou mais.</p><p>INFECÇÃO PELO HIV</p><p>A progressão da infecção pelo HIV é marcada pela ativação crônica do sistema imunológico do paciente, levando à deterioração das células LTCD4+ e resultando em AIDS, uma imunodeficiência severa. Esta condição facilita o</p><p>surgimento de infecções oportunistas e cânceres, podendo levar à morte. O uso de uma combinação de antirretrovirais no tratamento de indivíduos infectados, seja eles assintomáticos ou já com AIDS, tem contribuído para a redução da mortalidade e aumento da expectativa de vida desses pacientes. No entanto, o tratamento não elimina a condição de portador do vírus, mantendo o risco de transmissão do HIV. Devido à natureza genética do HIV, têm surgido linhagens virais com mutações, o que resulta em resistência clínica aos antirretrovirais e dificulta a cura do paciente. Os estudos acumulados indicam a necessidade de mais pesquisas para expandir nosso entendimento sobre a dinâmica do vírus durante a infecção e sua interação com as células de defesa do hospedeiro. Isso pode ajudar a minimizar os efeitos imunopatológicos e identificar possíveis alvos para o desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz.22</p><p>A infecção pelo HIV tem relação com diversos problemas na função metabólica, especialmente hiperlipidemia, alterações na distribuição da gordura corporal, lipodistrofia ou lipoatrofia, acidose láctica, resistência à insulina e hiperglicemia. A produção aumentada de lipídios no fígado em pessoas infectadas pelo HIV é um dos fatores que contribuem para o aumento dos níveis de triglicerídeos no organismo.23 A infecção pelo HIV pode se tornar altamente contagiosa. Assim como em outras infecções virais agudas, a infecção pelo HIV é acompanhada por uma série de sintomas clínicos conhecidos como Síndrome Retroviral Aguda (SRA). Os principais sintomas da SRA incluem febre, dor de cabeça, cansaço, aumento dos gânglios linfáticos, inflamação na garganta, erupções cutâneas e dores musculares. A SRA também pode apresentar febre alta, suor excessivo e aumento dos gânglios linfáticos nas cadeias cervicais anterior e posterior, submandibular, occipital e axilar. Além disso, podem ocorrer outros sintomas como aumento do baço, letargia, cansaço extremo, falta de apetite e depressão. Sintomas digestivos como náuseas,vômitos, diarreia, perda de peso e úlceras na boca também podem estar presentes.23 Quando a infecção pelo HIV progrede para a aids, é comum o aparecimento de infecções oportunistas e neoplasias. Entre as infecções oportunistas mais frequentes estão a pneumocistose (infecção pulmonar causada por um fungo), neurotoxoplasmose (infecção cerebral causada pelo parasita Toxoplasma gondii), tuberculose pulmonar atípica ou disseminada, meningite criptocócica e retinite por citomegalovírus. Já as neoplasias mais comuns na AIDS são o sarcoma de Kaposi (um tipo de câncer dos vasos sanguíneos), linfoma não Hodgkin e câncer do colo do útero em mulheres jovens. Geralmente, quando essas complicações ocorrem, a contagem de células CD4+ no sangue está abaixo de 200 células/mm3.24 O Brasil tem registrado avanços significativos no diagnóstico e tratamento de pacientes infectados pelo HIV nos últimos anos.</p><p>Houve um considerável progresso no desenvolvimento de ferramentas que facilitam o diagnóstico precoce e o acesso aos tratamentos antirretrovirais disponibilizados pelo SUS (Sistema Único de Saúde), com o objetivo principal de garantir uma saúde adequada aos portadores da doença, mesmo que a cura ainda não seja alcançada. Como resultado desses avanços, a expectativa de vida dos pacientes diagnosticados e em tratamento tem aumentado em comparação com décadas anteriores, proporcionando também uma melhor qualidade de vida aos mesmos.</p><p>1. Barre-Sinoussi F, Chermann JC, Rey F, et al. Isolation of a T-lymphotrophic retrovirus from a patient at risk for acquired immune deficiency syndrome (AIDS). Science. 1983;220:868-870.</p><p>2. 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