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A década de 1960 no Brasil: o debate acerca da estagnação econômica Esperamos que, ao fi nal desta aula, você seja capaz de: identifi car as raízes da estagnação econômica do Brasil na década de 1960; reconhecer as interpretações da Cepal acerca das causas dessa estagnação. 12 ob jet ivo s A U L A Meta da aula Analisar o modelo econômico brasileiro pós-Plano de Metas e o debate sobre a estagnação econômica do país no período. Pré-requisito Para que você acompanhe esta aula sem difi culdade, releia trecho da Aula 11 que apresenta as características dos investimentos realizados no Plano de Metas. 1 2 Aula12.indd 97 2/23/2006, 12:43:36 PM 98 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | A década de 1960 no Brasil: o debate acerca da estagnação econômica Anos PIB Total PIB Indústria PIB Agropecuária 1961 8,6 11,1 7,6 1962 6,6 8,1 0,5 1963 0,6 -0,2 1,0 Fonte: IPEADATA. Tabela 12.1: Taxa de crescimento anual do PIB (%) – Brasil (1961/1963) INTRODUÇÃO Nas Aulas de 8 a 11, você acompanhou a economia brasileira de 1930 a 1950. Percebeu a mudança do papel do Estado iniciada durante o governo Getúlio Vargas (Aula 8), caracterizado por uma intervenção mais direta na economia. Acompanhou, também, a criação da indústria de base, das siderúrgicas, da Petrobrás, todas vinculadas ao Estado. Iniciava-se, de maneira mais efetiva, a industrialização – ainda que tardia – em nosso país. Após um período de grande crescimento da economia brasileira no pós-guerra, sobretudo na vigência do Plano de Metas (1956-1961), o comportamento do crescimento do PIB sofreu forte contração a partir de 1962-3. Observe a tabela a seguir: De quantos pontos percentuais foi a queda do crescimento do PIB de 1961 a 1963? ________________________________________________________________ Em 1963, a taxa real de crescimento do produto foi de apenas 0,6%, o que representou uma queda de 8 pontos percentuais em relação ao primeiro ano da década. O início dos anos 1960, portanto, foi marcado por uma forte queda do ritmo de crescimento da economia brasileira, principalmente a partir de 1962. Em um cenário de grandes transformações econômicas promovidas pelo Plano de Metas, como você viu na aula anterior, a questão mais recorrente no debate econômico relacionava-se às causas do baixo crescimento e às possíveis tendências da economia nacional. Na verdade, um elemento-chave nessas discussões era a perspectiva de longo e sustentado crescimento econômico, que justifi cava o grande esforço de investimentos do Plano de Metas. Se tem sido observado um reduzido ritmo de expansão do PIB, até que ponto as mudanças na estrutura produtiva eram realmente positivas? Para que tamanho esforço do Estado no sentido de garantir essas transformações? Aula12.indd 98 2/23/2006, 12:43:38 PM C E D E R J 99 A U LA 1 2 Uma corrente interpretativa composta em grande parte por economistas da Cepal, como Celso Furtado (veja o verbete sobre ele na Aula 2) e Maria da Conceição Tavares, dominava esse acalorado debate. Segundo esses acadêmicos, a economia brasileira apresentava uma estrutura técnico-produtiva que inviabilizava o crescimento futuro, determinando uma clara tendência à estagnação. Para superá-la, seriam necessárias mudanças estruturais radicais de cunho socioeconômico no Brasil. Essa interpretação foi contraditada de maneira mais severa apenas na década de 1970, fundamentalmente por uma linha de pensamento liberal que associava a recessão a erros de política econômica. No período que se estendeu de 1968 a 1973, o Brasil conheceu o chamado milagre econômico, com taxas de crescimento extremamente elevadas (mais de 11% ao ano em média). Como explicar essa grande expansão sem as reformas estruturais anteriormente preconizadas? É esse debate que você vai ver a seguir. O COMEÇO: A IDÉIA DE HETEROGENEIDADE ESTRUTURAL E SUAS CONSEQÜÊNCIAS O conceito de heterogeneidade estrutural nos países subde- senvolvidos é fundamental no arcabouço teórico da Cepal. A idéia básica está centrada na coexistência de um centro de produção e acumulação de capital dinâmico (do ponto de vista técnico-produtivo) com regiões cuja estrutura socioeconômica era extremamente atrasada, composta por uma parcela signifi cativa da população. Determinada pela evolução histórica desses países, a hetero- geneidade estrutural envolve, entre outros problemas, uma forte concentração de renda e de propriedade, deixando um grande contingente populacional à margem do processo de crescimento econômico. Não por acaso, o subdesenvolvimento é marcado por um enorme desemprego estrutural e pela criação de mercados informais, caracterizados por subemprego da mão-de-obra. Aula12.indd 99 2/23/2006, 12:43:38 PM 100 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | A década de 1960 no Brasil: o debate acerca da estagnação econômica Uma das conseqüências mais importantes dessa estrutura concentrada e excludente é a manutenção da taxa salarial em níveis muito reduzidos, próxima da subsistência, dada a signifi cativa oferta potencial de mão-de-obra em um contexto de pouca absorção de trabalhadores. Se os TRABALHADORES FORMAIS são poucos, ganhando salários reduzidos, e há muito desemprego e subemprego, o mercado consumidor potencial cresce lentamente, dependendo diretamente do comportamento dos setores mais dinâmicos da economia. Esses, por sua vez, são marcados por uma relação capital-trabalho elevada – ou seja, cujos investimentos não implicam, diretamente, aumento relevante da oferta de postos de trabalho. Estagnação: o problema do mercado restrito Quando a periferia [países periféricos] atravessa a fase do desenvolvimento pela via da industrialização, torna-se necessário adotar essas mesmas técnicas [dos investimentos nos países centrais] de grande escala e elevada densidade de capital, em condições de atraso no que diz respeito aos níveis de renda e de capacidade de poupar [leia-se: fi nanciamento], atraso que se refl ete em problemas de utilização e de acumulação de capital. [...] As técnicas [de investimento] se traduzem em unidades produtivas de grande escala, ao passo que as baixas rendas determinam insufi ciências de mercado, com a conseqüente subutilização deste recurso. [...] Além disso, considera-se que tais difi culdades [da industrialização] também estão estritamente vinculadas à estrutura da propriedade e da posse da terra característica da agricultura periférica, na qual coexistem e proliferam formas precárias de posse. Essas condições tendem a gerar desemprego e a limitar a oferta agrícola. [...] A tendência ao desemprego será mais ou menos grave, dependendo das condições históricas específi cas do desenvolvimento prévio (RODRIGUEZ, 1981:46/47). A idéia central da tendência à estagnação é de que investimentos intensivos em capital, com pouca absorção de mão-de-obra por unidade de capital, num contexto de restrição de mercado consumidor, perdem fôlego ao longo do tempo – não há estímulos de mercado para sua reprodução. Ou seja, cada unidade monetária empregada no investimento nessas indústrias gera menos empregos que as indústrias tradicionais – como a têxtil, por exemplo. ?? TR A B A L H A D O RE S F O R M A I S São aqueles que trabalham com carteira assinada e que estão cobertos, portanto, pelas leis trabalhistas do nosso país. Os informais (subemprego), por sua vez, são aqueles que não têm carteira assinada e que trabalham como autônomos, ou seja, por conta própria. São eles: taxistas, camelôs, prestadores de serviços etc. Aula12.indd 100 2/23/2006, 12:43:38 PM C E D E R J 101 A U LA1 2 Detectando as causas da estagnação econômica A década de 1950 foi marcada por um grande desenvolvimento da indústria no Brasil, especialmente nos setores de base, que foram favorecidos pelo Plano de Metas do governo de JK. Contrariando essa tendência de crescimento, no início da década de 1960 o Brasil experimentou uma forte contração no crescimento do PIB. Esse baixo crescimento era um refl exo direto da estagnação econômica que o país começava a atravessar. Observe atentamente a Figura 12.1. Atividade 1 A TENDÊNCIA À ESTAGNAÇÃO O Plano de Metas contribuiu decisivamente para essa situação, pois os investimentos foram bastante concentrados em setores intensivos em capital, sobretudo para a produção de bens de capital e bens duráveis de consumo. Dessa forma, foi constituído um perfi l de oferta industrial de grande concentração de capitais e, ao mesmo tempo, responsável pela produção de bens de alto valor – você deve lembrar que o carro-chefe do Plano de Metas era a indústria de bens duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, não é? Esse padrão de investimentos implica menor demanda por mão-de- obra e, com salários estáveis (ou estagnados), a MASSA SALARIAL é reduzida, determinando um crescimento lento do mercado consumidor. Assumindo que os preços das mercadorias não caiam muito, mesmo com aumento da efi ciência e da produtividade (considerando uma redução de custos decorrente da utilização de tecnologias mais modernas), o resultado é uma grande concentração da renda, acentuando o quadro de heterogeneidade estrutural. Com uma estrutura precária de fi nanciamento para a aquisição de bens de capital, desfavorecendo ainda mais os investimentos, efetiva-se uma tendência natural ao baixo crescimento da economia. TENDÊNCIA À ESTAGNAÇÃO ECONÔMICA Investimentos maciços em setores intensivos em capital Preços das mercadorias não incorporam aumentos de produtividade Precárias condições de fi nanciamento de bens de capital Pouca absorção de mão-de-obra e salários baixos e estagnados Figura 12.1: Determinantes da tendência à estagnação. MA S S A S A L A R I A L Massa salarial representa o total de salários pagos na economia em um determinado período de tempo. 1 Aula12.indd 101 2/23/2006, 12:43:38 PM 102 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | A década de 1960 no Brasil: o debate acerca da estagnação econômica ALÉM DA ESTAGNAÇÃO: A REVISÃO DE MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES E JOSÉ SERRA Maria da Conceição Tavares e José Serra, ao escreverem o artigo “Além da estagnação: uma discussão sobre o estilo do desenvolvimento recente no Brasil” (apud TAVARES, 1972), partem de uma suposição trivial: as decisões de investimento são tomadas em função do lucro esperado pelo empresário. A relação capital/produto, nesse sentido, não faz parte desse cálculo – traduz apenas o resultado das decisões. A partir desse quadro de tomada de decisões empresariais, os autores sugerem uma releitura da idéia de tendência à estagnação – até porque o artigo em questão foi escrito no início da década de 1970, quando o Brasil já apresentava taxas recordes de crescimento econômico (o chamado milagre econômico), como você verá no curso de Economia Brasileira, mais à frente. Na verdade, a concentração de renda, apesar de sua perversidade, contribuiu para a retomada posterior do crescimento brasileiro, pois “criou” um mercado consumidor adequado para os produtos que compunham os setores dinâmicos da economia, como automóveis e eletrodomésticos. É possível explicar o baixo crescimento da economia brasileira em função dos fatores apresentados? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada A idéia de estagnação associava basicamente dois fatores: mercado consumidor restrito, o que desestimulava novos investimentos e, em conseqüência, o crescimento da renda e do emprego; a menor capacidade de gerar renda e postos de trabalho determinava o menor crescimento do mercado consumidor, fechando um circuito de tendência à estagnação. Aula12.indd 102 2/23/2006, 12:43:38 PM C E D E R J 103 A U LA 1 2 Como você pode perceber, são produtos caros que exigem poder aquisitivo alto para sua venda – interessa, portanto, a qualidade do mercado consumidor, não necessariamente a quantidade em termos de participantes. A renda mais concentrada defi ne um subgrupo da população apto a essa compra, ou seja, permite a adequação do perfi l de demanda ao perfi l de oferta resultante do Plano de Metas – por mais indesejável que seja do ponto de vista social. Uma pequena parcela da população participa desse setor mais moderno, e um grande contingente é excluído, piorando sistematicamente a distribuição da renda. CONCLUSÃO A década de 1960 marcou o início de uma queda substantiva dos níveis de crescimento da economia brasileira, o que gerou um intenso debate acerca das causas dessa situação. Uma versão que se tornou predominante foi a tese da tendência estrutural à estagnação, compartilhada por vários pensadores associados à Cepal, defi nindo os traços de uma corrente interpretativa. De maneira sucinta, essa interpretação associava a estagnação da economia às condições estruturais dos países periféricos (subdesenvolvidos), em que uma grande parcela da população estava à margem dos setores dinâmicos dessas economias – reduzindo drasticamente o salário médio e o mercado consumidor, conformando uma situação de relevante concentração da renda. Determinada por condições históricas e pelo modelo de desenvolvimento da indústria (concentrada em setores intensivos em capital), a estagnação só seria superada com reformas estruturais que revertessem a heterogeneidade estrutural dessas economias. Entretanto, essa retomada de níveis de alto crescimento do PIB se deu dentro de um contexto de acirramento da concentração de renda. A tese levantada por Conceição e Serra (1972) leva em conta esse resultado perverso, garantindo que o crescimento depende apenas da qualidade dos compradores, isto é, do poder de compra do mercado consumidor, para o que a concentração de renda acabou sendo funcional, pois criou um mercado capaz de adquirir bens duráveis. Aula12.indd 103 2/23/2006, 12:43:39 PM 104 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | A década de 1960 no Brasil: o debate acerca da estagnação econômica Observe as Tabelas 12.2 e 12.3. Brasil 10+/10- 1960 34 1970 40 1980 47 1990 78 Fonte: IBGE apud: BARROS, Ricardo Paes de; MENDONÇA, Rosane Silva Pinto de. “Geração e reprodução da desigualdade no Brasil”. In: Perspectivas da economia brasileira 1994. Rio de Janeiro: IPEA, 1993. v. 2. Tabela 12.2: Razão entre a parcela da renda total apropriada pelos 10% mais ricos (10+) e pelos 10% mais pobres (10-) em 1960, 1970, 1980, 1990 Anos PIB Total PIB Indústria PIB Agropecuária 1961 8,6 11,1 7,6 1962 6,6 8,1 0,5 1963 0,6 -0,2 1,0 1964 3,4 5,0 1,3 1965 2,4 -4,7 12,1 1966 6,7 11,7 -1,7 1967 4,2 2,2 5,7 1968 9,8 14,2 1,4 1969 9,5 11,2 6,0 1970 10,4 11,9 5,6 1971 11,3 11,9 10,2 1972 11,9 14,0 4,0 1973 14,0 16,6 0,1 Fonte: IPEADATA. Tabela 12.3: Taxade crescimento anual do PIB (%) – Brasil (1961/1973) Como você explicaria o grande salto de crescimento do PIB exposto na Tabela 12.3, num quadro de piora signifi cativa das condições de distribuição de renda, como você pode observar na Tabela 12.2, em que se registra o aumento da parcela de renda dos 10% mais ricos? Atividade Final 2 Aula12.indd 104 2/23/2006, 12:43:39 PM C E D E R J 105 A U LA 1 2 ___________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ Resposta Comentada De acordo com a interpretação de Maria da Conceição Tavares e José Serra no artigo “Além da estagnação”, a concentração de renda acabou favorecendo, entre outros fatores, a formação de um mercado consumidor mais adequado ao padrão industrial brasileiro pós-Plano de Metas. O crescimento, ainda que em um contexto perverso, não dependia de reformas estruturais que melhorassem a distribuição de renda do País. A economia brasileira interrompeu, a partir de 1962, um ciclo de grande expansão do PIB. A interpretação estagnacionista da Cepal relacionava esse contexto à heterogeneidade estrutural da economia brasileira, característica típica de países subdesenvolvidos, e suas conseqüências para a constituição do mercado consumidor. Todavia, a forte retomada do crescimento do PIB ao fi nal da década de 1960 contrariou essa relação assumida – a interpretação foi então superada pela tese assumida em “Além da estagnação”. R E S U M O Aula12.indd 105 2/23/2006, 12:43:39 PM
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