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1 Escola de Música-U.F.R.J. Anotações para o curso de Metodologia do Ensino de Música I Prof. José Alberto Salgado e Silva Sobre Zoltán Kodály (1882-1967) Compositor, etnomusicólogo e educador. Desde agosto de 1905, fez viagens pelo país para recolher material musical, uma prática que manteve por décadas. “Teorias se tornam antiquadas, mas materiais publicados com perfeição, nunca”. Essas pesquisas geraram colaboração e amizade com outro músico húngaro, cultivador de uma integração entre estilos populares e música erudita: Béla Bartok. Sobre essa colaboração e o mútuo interesse por música do folclore, disse: “A visão de uma Hungria educada, renascida de seu povo, ergueu-se à nossa frente. Decidimos dedicar nossas vidas à realização dessa visão”. Especialmente a partir de 1925, Kodály dedicou-se à educação musical de jovens, produzindo exercícios para leitura e canto, e compondo corais que fizeram renascer o movimento de música coral no país. Com palestras, artigos e concertos, lançou uma batalha contra o analfabetismo musical e o que entendia ser uma educação incompleta. Suas idéias sobre educação cristalizaram-se naquilo que se tornou conhecido como o “método Kodály”, com material tomado da música folclórica e de composições no estilo folclórico. O método é à base de canto coletivo, e seu objetivo é uma alfabetização musical em larga escala. Kodály estava convencido de que o canto em grupo, e não a habilidade instrumental, seria a base de uma cultura musical ampla. Tecnicamente, é dada ênfase ao uso das escalas pentatônicas – por conta da familiaridade com seus usos no folclore local – e evitam-se semitons e trítonos no início da aprendizagem, por serem de entoação mais difícil. Os exercícios começam com dois sons, e daí o material se amplia gradualmente. Para o solfejo, utiliza-se um sistema de alturas relativas (“solmização relativa” ou 2 “dó móvel”). Aproveitam-se canções já conhecidas das crianças, e usam-se movimentos corporais para trabalhar o ritmo em conjunto com a palavra. (Kodály, aliás, dava muita atenção ao trabalho sobre a expressão lingüística e o idioma pátrio). Um sistema específico de silabação no ritmo e no solfejo também foi produzido para os exercícios. O método foi introduzido no Brasil por George Geszti, em 1957, e depois divulgado por seu filho, Ian Guest, fundador da escola CIGAM, no Rio de Janeiro. Ian lembra que originalmente o trabalho não é apenas vocal e inclui um elemento lúdico, com percussão e flauta doce. Educado na Hungria, o professor diz que, segundo Kodály, “para ser cidadão, a música é fundamental; ela acompanha o estudo do primário ao secundário, com aulas (...) no mínimo duas vezes por semana”. Em texto de apresentação de um “curso intensivo”, Ian Guest cita Kodály: “A música é uma manifestação do espírito humano, similar à língua falada. Os seus praticantes deram à humanidade coisas impossíveis de dizer em outra língua. Se não quisermos que isso permaneça um tesouro morto, devemos fazer o possível para que a maioria dos povos compreenda esse idioma.” E quanto à responsabilidade do educador musical, acreditava que da qualidade de sua atuação dependia o amor de várias gerações de estudantes à música. * Kodály entende que um percurso histórico tem sido traçado pelos povos europeus como “contínua transição da cultura folk não escrita para a cultura urbana de livros e fábricas” (Kodály, 1960, p. 13). O autor caracteriza a cultura musical de seu país como baseada na tradição oral. Tanto nas canções solo sem acompanhamento como nos cantos corais, “a música era aprendida inteiramente de ouvido” (p.14). “Em termos musicais, todos os húngaros (incluindo as classes médias) estavam em estado de analfabetismo até o início do séc. XIX” (ibid., p.13). A dedicação ao estudo dos padrões locais de cultura musical e linguística articula-se, no pensamento de Kodály, ao interesse pela educação em nível nacional. Em palestra de 1945, na cidade de Pécs, há destaque para os seguintes pontos: 3 Justificativa para uma educação musical de âmbito nacional, baseada em padrões da cultura local (“educação musical húngara”). Invoca para isso dois tipos de argumento: 1) artístico (expectativa das platéias quanto ao trabalho de compositores e intérpretes) (p. 152) 2) político (com apelo para um sentido de emancipação e uma definição bem delimitada de democracia) (p. 154-155) Crítica da hierarquia cultural entre o que é estrangeiro (treinamento e formação do gosto baseados em padrões externos) e o que é magiar (menosprezado nos círculos artísticos) (p. 152- 153) Estética e metodologia: “A estrada que vai da música húngara para a compreensão da música internacional é fácil, mas na direção oposta a estrada é difícil ou inexistente” (p.154). Estratégias educacionais: 1) Reconhecimento de ações bem-sucedidas e sustentadas ao longo de vinte anos levou à publicação oficial de material didático (p. 153) 2) Deve-se ter perspectiva de longo prazo para os projetos 3) Ação em pequenas cidades pode constituir exemplo para a capital (p.154) Em palestra de 1947, intitulada “Um plano de cem anos”, volta a enfatizar pontos semelhantes: Sintetiza meta e meios de um plano de longo prazo (p.160) Faz uma cronologia (ponto de vista pessoal) de iniciativas educacionais (160-161) Narrativa sobre disputas políticas no campo da ed. Musical (161) Em defesa da centralidade do pentatonismo na educação musical, argumenta em mais de uma base: 1) Toca brevemente numa argumentação científica e tecno-pedagógica (161) 2) Ilustra com imagem geométrica a posição do pentatonismo na cultura musical magiar (162) 4 3) Faz analogia com aprendizagem da língua falada e escrita (162) 4) Finalmente, afirma que “a pentatonia é uma introdução à literatura mundial: é a chave para muitas literaturas musicais estrangeiras, desde o canto gregoriano antigo, passando pela China, até Debussy”. (162) Seguindo-se o plano de longo prazo, Kodály acredita que (no ano 2000), “(…) toda criança que frequentou a escola primária será capaz de ler música fluentemente. Isso não é uma conquista tremenda. No entanto, será apenas o sinal externo daquilo que seguramente se terá desenvolvido até então, e que será chamado com justeza de cultura musical húngara” (162). Fontes consultadas: GUEST, Ian. “Curso intensivo de “Método Kodály” (texto de apresentação). Rio de Janeiro: CIGAM, 1990. PAZ, Ermelinda A. Um estudo sobre as correntes pedagógico-musicais brasileiras. Cadernos Didáticos da U.F.R.J. Rio de Janeiro: U.F.R.J., 1995. PEIXOTO, Valéria e JARDIM, Antônio. “Kodály” (texto em coletânea desconhecida), 1980. SADIE, Stanley (ed.). The New Grove Dictionary of Music and Musicians. London: Macmillan, 1980. KODÁLY, Zoltán. The Selected Writings of Zoltán Kodály. London: Boosey & Hawkes, 1974 [1964]. ______________. Folk Music of Hungary. London: Barrie and Rockliff, 1960.
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