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<p>Unidade 3 - Outros meios de impugnação das decisões judiciais</p><p>Introdução</p><p>Durante a vigência do Código de Processo Civil de 1939, o direito processual civil estabelecia um engessamento das decisões interlocutórias. Essa situação direcionou o jurisdicionado a escolher outros meios para combater as decisões contrárias às suas pretensões. Esses impulsos foram batizados pela doutrina jurídica de sucedâneos recursais.</p><p>Em decorrência da prevalência do princípio da irrecorribilidade das interlocutórias em 1939, surgiram os primeiros sucedâneos recursais, quais sejam a correição parcial e o mandado de segurança utilizados contra atos judiciais considerados abusivos para as partes do processo.</p><p>Mais tarde, em 1973, o recurso de agravo de instrumento se transformou em um recurso de relevo, capaz de combater quaisquer decisões interlocutórias. A reforma processual de 1973 tinha como intuito eliminar o instituto da correição parcial e o mandado de segurança enquanto sucedâneos recursais. Ocorre que o efeito das mudanças não foram os desejados pelos doutrinadores. Como o agravo de instrumento não tem efeito suspensivo, o sucedâneo mandado de segurança continuou a ser empregado em casos considerados excepcionais.</p><p>Embora possam causar os mesmos efeitos dos recursos processuais, como a anulação e a reforma da sentença, os chamados sucedâneos recursais não podem ser considerados como recursos processuais. Contudo isso não impede que esses institutos possam substituir os recursos elencados no Código de Processo Civil.</p><p>Atualmente, a doutrina diverge a respeito do que, de fato, pode ser considerado como sucedâneo recursal. Contudo, de um modo geral, os doutrinadores do direito elencam: a reconsideração, a correição parcial, a remessa necessária, o mandado de segurança e a suspensão parcial.</p><p>Nesta unidade, trataremos do estudo sobre o pedido de reconsideração, a correição parcial, a remessa necessária, a suspensão parcial contra ação civil pública e, por fim, o mandado de segurança. A suspensão parcial e o mandado de segurança, por sua vez, serão analisados sob um viés crítico do novo texto do Código de Processo Civil.</p><p>Muito embora a nova redação do Código de Processo Civil de 2015 tenha como objetivo cumprir com a promessa de uma maior celeridade processual, diante de um contexto social permeado por reclamações acerca da morosidade do processo civil no Brasil, a existência dos sucedâneos recursais que se somam aos recursos de impugnação das decisões judiciais tende a postergar esses planos de aumento da celeridade processual.</p><p>Além da busca pela celeridade processual, as promessas de inovação direcionadas aos direitos coletivos e difusos tiveram um complicador. O instituto de suspensão parcial em ação civil pública provou que a nova legislação processual não cumpriu com os processos de inovação em defesa dos direitos da coletividade de maneira completa. Ao atingir as ações civis públicas, o pedido de suspensão viola os direitos coletivos, elencados na Constituição Federal, em nome de uma proteção de caráter individualista e arbitrário, que nos remete ao contexto do Código Processual Civil do passado, de 1973, sob vigência do estado de exceção.</p><p>Embora não seja unânime entre acadêmicos e juristas, ainda se considera o mandado de segurança como um sucedâneo recursal. Essa medida ainda continua sendo utilizada nos meios legislativos, sobretudo para suprir as lacunas nas hipóteses do art. 1.015 do Código de Processo Civil, o qual estabeleceu um rol taxativo para a interposição de agravo de instrumento (BRASIL, 2015). Observa-se que, em casos excepcionais, o mandado de segurança é impetrado como um sucedâneo recursal capaz de impugnar decisões judiciais abusivas, principalmente referentes a conflito de competência, o que, em certa medida, tende a afetar os projetos para um aprimoramento da celeridade judicial do Poder Judiciário brasileiro.</p><p>O pedido de reconsideração: conceito e história</p><p>Conforme sua denominação, o pedido de reconsideração consiste em uma solicitação, na forma de petição inicial, para a revisão de uma decisão judicial. Em regra, o pedido de reconsideração é direcionado à mesma autoridade responsável pela decisão judicial interlocutória. Desse modo, o pedido poderá ser feito uma única vez.</p><p>Historicamente, os pedidos de reconsideração se disseminaram na prática forense por meio da interposição de agravo de instrumento, durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973. Nessa ocasião, a parte interpunha o agravo de instrumento e, consequentemente, o juiz de primeira instância exercia o juízo de retratação, de acordo com os arts. 522 a 527 do Código de Processo Civil de 1973. Normalmente, a parte apresentava uma petição nominada para a reconsideração de algum ato que poderia causar prejuízo às partes do processo ou ao próprio juiz, no entanto esse pedido seguia sendo processado como agravo de instrumento (BRASIL, 1973).</p><p>Quando a decisão era reconsiderada, automaticamente era atingida a finalidade do pedido. Nesse aspecto, o recurso de agravo de instrumento era utilizado de um modo ambivalente. Foi a partir de então que a prática de reconsideração passou a vigorar como expediente do Poder Judiciário brasileiro.</p><p>CABIMENTO E PROCEDIMENTO</p><p>Assim que o pedido é direcionado às autoridades responsáveis, o processo será analisado novamente. Caso haja evidências que justifiquem o pedido, a decisão judicial inicial será devidamente reconsiderada. Esse procedimento dispensa a avaliação de instância superior.</p><p>O cabimento desse sucedâneo recursal foi fruto de amplos debates e discussões jurisprudenciais. E, apesar de não ser considerado um recurso processual, o pedido de reconsideração deverá ser interposto dentro do prazo recursal. No caso de omissão judicial, a parte deverá interpor o recurso processual adequado que seja capaz de acolher o pedido de reconsideração.</p><p>O objetivo do pedido de reconsideração não é exatamente substituir o recurso cabível. Esse sucedâneo deverá ser utilizado, especificamente, nas hipóteses em que as decisões judiciais não sofram os efeitos da preclusão, ou seja, nos casos de decisões que versam matérias de ordem pública. Ao contrário, a possibilidade de haver reconsideração da decisão ficará limitada à interposição de recurso processual cabível ao juízo.</p><p>Nesse passo, somente caberá o pedido de reconsideração em decisões interlocutórias. As sentenças não admitem reconsideração.</p><p>Conforme exposto, o cabimento do pedido de reconsideração é vinculado de acordo com a preclusão da decisão. A doutrina admite o cabimento do pedido de reconsideração em decisões que tratem de matérias de ordem pública ou de direitos indisponíveis. Nesses casos, o juiz poderá se manifestar a qualquer momento do processo, e a decisão poderá ser revista pelo mesmo juiz ou tribunal superior, a requerimento da parte. Esta requisição poderá ser realizada por meio de uma petição simples ou por intermédio de recurso de agravo de instrumento.</p><p>A petição simples recebeu o nome de pedido de reconsideração. E por meio desse sucedâneo recursal poderá ser realizado reexame da decisão judicial, sem que seja preciso interpor o recurso de agravo de instrumento.</p><p>Embora o pedido de reconsideração seja um sucedâneo voltado às decisões interlocutórias, existem casos de pedido de reconsideração em decisões que não versam matérias de ordem pública. Em alguns desses casos, o magistrado acolhe a petição inicial por entender não haver empecilhos para a sua recusa.</p><p>Esse mesmo entendimento foi defendido por alguns ministros do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em um julgado que considerou como legal o ato de um juiz de primeira instância de revogar uma liminar, por ele próprio concedida, em sede de ação possessória, por meio de um pedido de reconsideração:</p><p>Civil e processual. Ação de reintegração de posse. Liminar concedida. Pedido de reconsideração formulado de imediato. Possibilidade de reparação de erro de direito. Desnecessidade de interposição de agravo de instrumento. Preclusão não configurada. Medida cautelar incidental. Perda</p><p>de objeto.</p><p>I. Inobstante se exija para a revogação de liminar em ação possessória, que ela ocorra ou em juízo de retratação, mediante a interposição de agravo pela parte, ou na sentença que julga a causa, admite-se, em hipóteses excepcionais, tal ato, quando a parte, tendo formulado o pedido de reconsideração dentro do prazo recursal, aponta erro de direito, que venha a ser reconhecido pelo juízo, ainda antes de concretamente realizada a desocupação do imóvel, portanto sem que a liminar houvesse operado qualquer efeito prático;</p><p>II. Recurso especial conhecido e provido para manter o despacho que revogou a liminar, até ulterior decisão das instâncias ordinárias, prejudicada a Medida Cautelar nº 4.833\MT (BRASIL 2002).</p><p>Ademais, apesar de o pedido de reconsideração não fazer parte do regramento processual, a reconsideração é considerada um tema bastante recorrente no Poder Judiciário. Em muitas ocasiões, o juiz costuma reconsiderar decisões já proferidas no curso do processo, sempre por provocação e iniciativa das partes. Os pedidos de reconsideração são um regramento atípico, uma vez que não são capazes de suspender qualquer prazo para apresentação ou de impedir a preclusão.</p><p>É importante enfatizar que, de um modo geral, a estabilidade das decisões judiciais é devidamente reafirmada no art. 357 do Código de Processo Civil. Caso não haja inciativas das partes para solicitar a reconsideração de determinada decisão judicial, a questão decidida mantém-se imune à rediscussão. A inatividade é considerada como uma causa eficiente para a estabilidade processual (BRASIL, 2015).</p><p>Embora exista o sucedâneo de pedido de reconsideração, o Código de Processo Civil instituiu, como regra, a inalterabilidade da decisão judicial por meio do art. 494. Nesse sentido, a decisão só poderá ser alterada, via de regra, por meio de interposição de recurso judicial. De acordo com o art. 1.013 do Código de Processo Civil, somente o recurso é capaz de devolver ao tribunal o exame do ato impugnado, juntamente com a obtenção do prazo de preclusão. O pedido de reconsideração, nesse caso, pode ser considerado como uma espécie de exceção à regra processual (BRASIL, 2015).</p><p>A correição parcial: conceito e procedimento</p><p>Embora não possa ser considerada como um recurso processual no sentido formal, a correição parcial é um mecanismo eficiente para a correção da atuação jurisdicional. Esse sucedâneo recursal é uma medida administrativa com aptidão para evitar lesão ou ameaça de direito da parte considerada prejudicada pela decisão judicial. A medida de correição parcial, nesta esteira, tende a afastar a possibilidade de mandado de segurança contra ato judicial questionado.</p><p>A correição parcial tem por objetivo levar ao conhecimento do tribunal superior o ato processual praticado por um juiz contendo algum erro capaz de provocar abuso ou inversão tumultuária do andamento do processo. Nesse passo, a correição parcial tem como finalidade pressionar para que o tribunal corrija o ato que subverteu a ordem procedimental, de forma a zelar pelo bom andamento do processo. A legitimidade para interpor a correição parcial é das partes e do Ministério Público.</p><p>A medida de correição parcial não consta no Código de Processo Civil, entretanto é encontrada geralmente na lei de organização judiciária. É importante ressaltar que muitos profissionais e acadêmicos do Direito, como Nelson Nery Junior (1997, n. p.), consideravam essa medida como um ato inconstitucional.</p><p>Para ser corrigido por meio da correição parcial, o ato judicial não deve ter cunho de decisão. O que deverá ser corrigido, portanto, é algum ato interno administrativo considerado como equivocado e/ou abusivo. Embora não possa ser considerado como um recurso, em sua formalidade, a correição parcial é utilizada com alguma frequência como remédio para impugnar muitas decisões judiciais capazes de acarretar prejuízos às partes.</p><p>De um modo geral, a correição parcial tem por objetivo verificar a regularidade da atuação judicial, sobretudo no que tange aos expedientes e serviços forenses. Essa medida se atenta, particularmente, à toda condução do processo inerente ao comportamento do magistrado e aos eventuais erros processuais cometidos por ele ao longo do processo judicial em curso.</p><p>Até o momento presente, o sucedâneo correição parcial gera algumas controvérsias em torno de seu cabimento. Um antigo acórdão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu não mais ser cabível a correição parcial, desde a vigência do Código de Processo Civil de 1973:</p><p>Não se pode admitir a correição parcial do vigente Código de Processo Civil, porque este concede o agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias do processo, que não lhe ponham termo ou fim, abrangendo todos os abusos e erros judiciais cometidos no processamento de qualquer feito, contencioso ou administrativo (OLIVEIRA, s. d. apud HOMERDING, 2013, p. 11).</p><p>É imperioso esclarecer que, para o Código de Processo Civil de 1973, o recurso de agravo de instrumento era bastante abrangente. Esse recurso, no entanto, sofreu alterações no novo Código de Processo Civil de 2015. Nessa nova legislação processual, o agravo de instrumento passou a contar com um limitado rol taxativo de hipóteses para a interposição desse recurso. Essa mudança foi fruto de debates e discussões acerca da viabilização da celeridade processual no Poder Judiciário brasileiro (BRASIL, 1973; BRASIL, 2015).</p><p>Apesar de alguns juristas e doutrinadores considerarem a correição parcial como uma medida incabível, admitiu-se, ainda, ser possível a existência da correição parcial, pois “sempre poderão ocorrer despachos de mero expediente, irrecorríveis, que justifiquem uma correição parcial, para emendá-los, nas hipóteses de erro, ou abusos, que importarem inversão tumultuária dos atos e fórmulas de ordem legal do processo” (HESKEN, s. d. apud HOMERDING, 2013, p. 11).</p><p>Embora ainda sejam prevalecentes as divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto, é possível falar de correição parcial nos dias de hoje.</p><p>Contudo é imperioso destacar que diante da amplitude das hipóteses para a interposição de agravo de instrumento no novo Código de Processo Civil de 2015, sobretudo após a decisão pela taxatividade mitigada, que permite uma interpretação extensiva das hipóteses de interposição desse recurso, não sobra muito mais espaço para o pedido de correição parcial e para o mandado de segurança contra ato judicial considerado abusivo (BRASIL, 2015).</p><p>HISTÓRIA</p><p>A correição parcial tem origem na legislação de Roma, sob a denominação de supplicato. A medida tinha por objetivo levar ao conhecimento do imperador as irregularidades processuais cometidas pelos juízes. Essa mesma medida surgiu, mais tarde, em Portugal, com a mesma finalidade, de modo a preencher a lacuna de recursos processuais em certas oportunidades.</p><p>No Brasil, a correição parcial foi muito utilizada durante a vigência do Código de Processo Civil de 1939 e adotava praticamente a mesma função de um recurso em sentido formal, uma vez que, até então, não havia um recurso processual que fosse capaz de corrigir atos administrativos jurisdicionais (BRASIL, 1939).</p><p>É importante não confundir reclamação com correição parcial. A reclamação, elencada nos arts. 988 a 993 do Código de Processo Civil, tem por objetivo preservar a competência e garantir a autoridade dos Tribunais Superiores. Por intermédio da reclamação será possível noticiar o Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) caso haja usurpação arbitrária de competência e/ou em caso flagrante de desobediência dos julgados dessas cortes (BRASIL, 2015).</p><p>A remessa necessária: conceito, procedimento e cabimento</p><p>A remessa necessária é um ato administrativo, de ofício. A motivação para tanto advém dos privilégios processuais, os quais a fazenda pública, seus entes autárquicos e fundações de direito público dispõem na legislação processual civil.</p><p>Esse sucedâneo recursal ocorre em defesa dos interesses coletivos da sociedade, o que</p><p>não significa que a remessa necessária impeça que as partes usufruam desses benefícios. Não existe, de modo algum, uma afronta à isonomia processual.</p><p>Esse instituto sujeita a aplicabilidade da sentença a um duplo grau de jurisdição e à necessidade de revisão da decisão. Durante o procedimento deste sucedâneo recursal, o processo é remetido ao tribunal em razão de uma determinação legal, o que o torna obrigatório. Essa medida ocorre quando a fazenda pública e/ou seus entes autárquicos e fundações de direito público são condenados em processo ou mesmo quando houver procedência aos embargos de execução fiscal, ambos oriundos de prejuízos a essas instituições.</p><p>Importante ressaltar que a remessa necessária pode ocorrer independentemente da existência de interposição de recurso, tanto por parte da fazenda pública quanto pela outra parte do processo. Nesse passo, a remessa necessária poderá ocorrer independentemente da existência de recurso processual.</p><p>O intuito da remessa é primar pela revisão da decisão por completo. A especificação sobre a obrigatoriedade da remessa necessária deverá constar na sentença, com ressalvas acerca da necessidade de reanálise por razões de interesse público.</p><p>Nesse sentido, a remessa ocorre, de certo modo, em sobreposição ao próprio recurso, para complementar as lacunas da sentença e para devolver a matéria já impugnada. A remessa independe da iniciativa das partes, por isso não há efeito devolutivo. De acordo com o professor de processo civil da Faculdade de Rondônia (FARO), Vinícius Silva Lemos (2017, p. 314), “além da amplitude das espécies de sentença em que a remessa é necessária, outras também serão possíveis, como na ação de improbidade administrativa, na ação civil pública, em mandado de segurança e na ação popular”.</p><p>A remessa necessária conduz a uma revisão ampla e automática sobre toda matéria da decisão desfavorável à fazenda pública. Será por meio desse instituto que se possibilitará uma reanálise da sentença, nos moldes do arts. 496 do Código de Processo Civil, de modo eficaz diante das especificações circunstanciais dispostas (BRASIL, 2015).</p><p>EXCEÇÕES</p><p>Existem algumas circunstâncias nas quais o instituto da remessa necessária será dispensado. Esse é o caso de sentenças cujo conteúdo condenatório não ultrapasse um valor pré-estipulado. O art. 496, § 3º, do Código de Processo Civil estabelece que serão dispensadas as sentenças relacionadas aos entes da União de valores abaixo de mil salários mínimos, as sentenças relacionadas aos estados e às capitais com valores abaixo de quinhentos salários mínimos e as sentenças relacionadas aos entes dos municípios com valores abaixo de cem salários mínimos (BRASIL, 2015).</p><p>É importante ressaltar que a dispensa do instituto de remessa necessária pelo valor já persistia desde a vigência do Código de Processo Civil de 1973. Contudo a alteração realizada pelo Código de Processo Civil de 2015 ocorreu em atenção ao escalonamento econômico de cada fazenda pública. Afinal, cada ente público detém capacidade diferenciada para responder às decisões contrárias, do mesmo modo que as diferentes quantias de condenações determinam impactos diferentes em cada ente da federação (BRASIL, 1973; BRASIL, 2015).</p><p>A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO</p><p>Durante a vigência do Código de Processo Civil de 1939, o sucedâneo remessa necessária era admitido em casos de sentenças que versavam sobre nulidade de casamento, no caso de sentenças homologatórias de desquite e contrárias à União, ao estado e ao município (BRASIL, 1939).</p><p>A nova redação do Código de Processo Civil de 1973, por sua vez, implementou algumas mudanças. Esta legislação processual retirou esse sucedâneo da parte de reexame necessário e o elencou no capítulo referente à coisa julgada. Nessa ocasião, a remessa necessária continuava a ser cabível nas hipóteses de sentenças que versavam sobre a nulidade do casamento, nas sentenças proferidas contra a União, os estados e os municípios e nos casos de improcedência da execução fiscal de dívida ativa (BRASIL, 1973).</p><p>Mais adiante, a Lei nº 10.352 excluiu a hipótese de remessa necessária nos casos de nulidade do casamento, por considerar, posteriormente, que o instituto do divórcio produzia os mesmos efeitos (BRASIL, 2001).</p><p>Após a alteração provocada pela redação da Lei nº 10.352, o Código de Processo Civil de 1973 sofreu correção terminológica e passou a estabelecer o cabimento da remessa necessária em seu art. 475, em relação à sentença proferida contra a União, o estado, o Distrito Federal, o município e as respectivas autarquias e fundações de direito público, e julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da fazenda pública (BRASIL, 1973; BRASIL, 2001).</p><p>Mais tarde, o novo Código de Processo Civil de 2015 passou a prever o cabimento da remessa necessária em seu art. 496, com pequena correção da redação anterior. A nova legislação processual alterou os termos estado e município para o plural (estados e municípios) (BRASIL, 2015).</p><p>Alguns estudiosos do direito processual civil, entre eles, a procuradora federal Renata Espíndola Virgílio (2014), avaliam o predomínio do sentido privado no diploma processual civil brasileiro, mesmo após a promulgação da Carta Magna de 1988. O Direito brasileiro, de um modo geral, tem como propósito a garantia da propriedade privada dentro de um contexto de economia de mercado. Para Virgílio (2014), “o Brasil caminhou de um estado liberal para um estado neoliberal, onde permanece a predominância da lei do mercado e a defesa dos interesses de poucos”. Essa percepção vale tanto para o Código de Processo Civil de 1973, quanto para o novo Código de 2015.</p><p>A disciplina de recursos e outros meios de impugnação da decisão judicial refere-se, em certa medida, à proteção aos direitos difusos e coletivos. De um modo geral, os direitos coletivos são divididos entre direitos difusos, coletivos e individuais. Esses direitos são reconhecidos em lei, como é o caso do direito à saúde, ao meio ambiente equilibrado e à segurança de todos. Os direitos difusos, por sua vez, são aqueles cujos titulares são indeterminados e, por serem capazes de atingir a todos, merecem especial proteção.</p><p>O pedido de suspensão nas ações civis públicas</p><p>O sucedâneo recursal na forma de pedido de suspensão atinge diretamente a ação civil pública, instrumento que exerce efetiva proteção dos direitos coletivos e difusos com assento constitucional desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. A ação civil pública está amparada pela Lei nº 7.347 (BRASIL, 1988; BRASIL, 1985).</p><p>O novo Código de Processo Civil de 2015 acolheu a possibilidade de aplicação do pedido de suspensão em seu art. 1.059 (BRASIL, 2015). Além disso, o pedido de suspensão está previsto nas Leis nº 12.106 e nº 8.437. Nesse aspecto, o presidente do tribunal terá legitimidade para suspender uma decisão, independentemente da matéria disposta na ação civil pública, baseada em critérios de ordem política e administrativa e sem ao menos levar em consideração os interesses difusos, coletivos ou individuais envolvidos na ação, e nem sequer a evidente necessidade de proteção imediata desses direitos envolvidos (BRASIL, 2009; BRASIL, 1992).</p><p>Por isso, o sucedâneo pedido de suspensão nos convida a refletir acerca das controvérsias que inspiraram o novo texto do Código de Processo Civil. Isso ocorre porque o pedido de suspensão traz uma arbitrariedade ao autorizar o engessamento dos direitos fundamentais, por meio de uma ação de franca e evidente violação dos princípios constitucionais que nortearam o novo Código de Processo Civil de 2015. Esse sucedâneo recursal foi idealizado a partir do art. 13 da Lei nº 191, sob uma visão individualista da supremacia do interesse público. O caráter político do pedido de suspensão torna-se evidente à medida que a ação advém de interesses de governos em detrimento de políticas de Estado (BRASIL, 1936; BRASIL, 2015).</p><p>Nesse passo, a substituição do Código de Processo Civil de 1973 pelo novo Código de Processo Civil de 2015 pouco avançou na defesa</p><p>da tutela coletiva (BRASIL, 2015). De acordo com a Subprocuradora-Geral da República do Ministério Público Federal, Ana Borges Coêlho Santos, e com o Subprocurador Geral da República, Carlos Frederico Santos (2018, p. 33), a nova redação processual “falhou quando perdeu a oportunidade de conferir tratamento adequado ao processo coletivo e ao reafirmar o pedido de suspensão, revelando-se como um código anacrônico nesse ponto, apegado ainda ao padrão consistente no processo individual”. O novo Código de Processo Civil permitiu a manutenção de privilégios de apenas uma das partes e a não observância às garantias do devido processo legal, do direito ao contraditório e à ampla defesa.</p><p>O pedido de suspensão de liminar voltado especificamente contra as ações civis públicas está elencado no art. 4º da Lei nº 8.437, com modificações introduzidas pela Medida Provisória nº 2.180-35 (BRASIL, 1992; BRASIL, 2001).</p><p>É importante ressaltar que a ação civil pública é designada em defesa dos direitos fundamentais revestidos em direitos difusos e coletivos. A Lei nº 7.347 atua, sobretudo, em defesa do meio ambiente e do direito do consumidor. Os efeitos do pedido de suspensão são sentidos sobretudo nas ações civis públicas contra grandes obras no Brasil. É o caso da construção de grandes hidrelétricas que afetam diretamente o meio ambiente e as comunidades originárias da região designada (BRASIL, 1985).</p><p>O pedido de suspensão de liminar tem efeito devastador, pois perdura até o trânsito em julgado da ação, ou seja, poderá se estender por muitos anos. Durante esse tempo, pode haver um sério comprometimento dos recursos ambientais e do meio ambiente como um todo, além de gerar um grande prejuízo aos povos originários da região afetada ao tornar permanentes os danos ambientais e sociais resultantes das grandes obras contestadas nas ações civis públicas.</p><p>O mandado de segurança e a ampliação do rol do art. 1.015 do CPC/2015</p><p>O atual Código de Processo Civil sofreu algumas modificações em sua nova sistemática recursal. Tais mudanças foram sentidas principalmente ao tratarmos do recurso de agravo de instrumento. Essas novidades no agravo de instrumento continuam a impactar as práticas forenses ainda hoje.</p><p>O recurso de agravo de instrumento, elencado no art. 1.015 do Código de Processo Civil de 2015, passou a demandar um rol taxativo para a sua interposição. Ocorre que, inevitavelmente, algumas hipóteses ficaram de fora desse rol taxativo. Isso acarretou a incidência de alguns sucedâneos recursais, entre eles o mandado de segurança, para impugnar decisões judiciais consideradas como abusivas e que versam sobre conflito de competência (BRASIL, 2015).</p><p>Em casos excepcionais de decisões judiciais que versam sobre competência, a postergação do reexame de decisões interlocutórias que possam, enfim, definir a competência do juízo para a ocasião do julgamento de apelação pode gerar sérios prejuízos às partes envolvidas no processo judicial. Embora alguns operadores do direito recorram, neste caso, ao uso do mandado de segurança para contornar alguns entraves, o uso desenfreado desse remédio constitucional não é considerado adequado.</p><p>Nessas situações, o agravo de instrumento é o recurso ideal para impugnar as decisões interlocutórias e, assim, possibilitar a análise de questões decididas no curso do processo judicial.</p><p>As mudanças na recorribilidade das decisões judiciais trazidas no novo Código de Processo Civil de 2015 tem o intuito de reduzir o uso indiscriminado do agravo de instrumento e, assim, tentar cumprir com as promessas de economia e de celeridade processual no Poder Judiciário brasileiro. Por isso, algumas hipóteses foram deixadas de lado no rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil. Desse modo, cogitou-se a possibilidade de impetração de mandado de segurança, principalmente quando, em determinados casos, o recurso de apelação é considerado inútil (BRASIL, 2015).</p><p>Ocorre que, de acordo com o art. 5º, II, III, da Lei nª 12.016, “o mandado de segurança não será concedido, quando se tratar de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo ou de decisão judicial transitado em julgado” (PARANHOS, 2018, p. 100). É nesse mesmo sentido que foi editado o enunciado 267 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (STF), que dispõe o não cabimento de mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição (BRASIL, 1964).</p><p>Por outra parte, a jurisprudência autoriza o uso do mandado de segurança contra ato judicial contendo ilegalidade e/ou abuso flagrante.</p><p>Para evitar que as hipóteses de não cabimento de agravo de instrumento fiquem desamparadas, há uma admissão do uso de mandado de segurança. Todavia, de acordo com a especialista em Ordem Jurídica e Ministério Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT), Fabiana Castro Paranhos (2018, p. 100), “tal solução esbarra em diversos problemas, dentre os quais se destaca a banalização da ação constitucional e a sobrecarga do judiciário em decorrência da propositura de nova demanda para resolução da questão”.</p><p>De um modo geral, o uso do mandado de segurança, como sucedâneo recursal, não é considerado adequado. A ampliação do rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil, que obedeceu a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela proposta de taxatividade mitigada, inviabilizou a razão de ser dessa opção legislativa (BRASIL, 2015).</p><p>Durante a construção da hidrelétrica de Belo Monte, foram propostas várias ações que questionavam a sua construção. Dentre as ações civis, destaca-se a Ação Civil Pública nº 2006.39.03.000711-8 (TRF, 2012).</p>