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<p>TEORIAS CONTEMPORÂNEAS</p><p>DAS RELAÇÕES</p><p>INTERNACIONAIS</p><p>AULA 3</p><p>Profª Natali Hoff</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Esta aula da disciplina será dedicada a mais uma abordagem teórica</p><p>pertencente ao chamado quarto debate das Relações Internacionais (Nogueira;</p><p>Messari, 2005), momento de inflexão na disciplina por meio da introdução de</p><p>contribuições oriundas de outras áreas, como a Sociologia, a História e a</p><p>Filosofia. A partir desse debate, os pressupostos epistemológicos e a concepção</p><p>de ciência típicos do positivismo – e que embasavam as teorias dominantes –</p><p>passaram a ser questionados, dando lugar a uma pluralização teórico-</p><p>metodológica de cunho pós-positivista.</p><p>A chamada teoria crítica, em Relações Internacionais, procura romper</p><p>com a separação positivista entre “teoria e prática” ou entre “explicação e</p><p>prescrição”, defendendo uma postura abertamente normativa por parte da</p><p>pesquisa: isso significa que caberia à ciência – e, portanto, à disciplina de</p><p>Relações Internacionais – não apenas descrever e explicar o funcionamento da</p><p>realidade internacional, mas fazer a crítica dela, mostrando formas alternativas</p><p>e possíveis de reorganização dessa realidade.</p><p>Inserindo-se na tradição marxista, essa teoria subscreve o argumento de</p><p>Karl Marx (1818-1883) de que o trabalho intelectual deve ter como meta a</p><p>transformação da realidade, visando à emancipação humana e à destruição dos</p><p>mecanismos de dominação e exclusão. Os autores inseridos nessa abordagem,</p><p>como Robert Cox e Andrew Linklater, procuram levar essa preocupação a um</p><p>campo pouco explorado por ela: o das relações entre os Estados, lugar do</p><p>estabelecimento de formas específicas de exclusão, como aquelas nascidas das</p><p>fronteiras nacionais e dos nacionalismos em geral.</p><p>A aula está organizada da seguinte maneira: no Tema 1, serão abordadas</p><p>as bases teóricas da teoria crítica, como Marx, Gramsci e a Escola de Frankfurt.</p><p>O fundamental aqui é compreender o que se entende por “crítica” e como essa</p><p>noção afasta essa abordagem de outras presentes na área (em particular, o</p><p>realismo e o liberalismo). No Tema 2, serão apresentados alguns dos</p><p>pressupostos fundamentais dessa teoria, como o da necessidade de se romper</p><p>com a separação analítica entre as políticas domésticas e a política internacional.</p><p>Nos Temas 3 e 4, serão apresentados os dois principais representantes da teoria</p><p>crítica: respectivamente, Robert Cox e Andrew Linklater. Por fim, no Tema 5,</p><p>3</p><p>serão sumarizadas algumas das principais contribuições desses autores ao</p><p>desenvolvimento posterior da área.</p><p>TEMA 1 – POR QUE “CRÍTICA”? AS BASES TEÓRICAS DA TEORIA CRÍTICA</p><p>EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS</p><p>A teoria crítica, em Relações Internacionais, se inspira na tradição do</p><p>materialismo histórico, um tipo de filosofia da história associada à obra original</p><p>dos intelectuais e ativistas políticos alemães Karl Marx (1918-1883) e Friedrich</p><p>Engels (1820-1895). Em resumo, tal perspectiva sobre a história salienta o papel</p><p>da dimensão econômica da vida social para a explicação do caráter geral que</p><p>uma sociedade adquire em dado momento do tempo, bem como para a</p><p>explicação de suas transformações.</p><p>Por dimensão econômica, Marx entende a produção material da</p><p>existência humana, quer dizer, os processos de trabalho por meio dos quais as</p><p>diferentes sociedades transformam a natureza a fim de obter sustento e</p><p>sobrevivência. Para levar a cabo essa transformação, as sociedades organizam-</p><p>se de acordo com uma divisão social do trabalho – ou “relações sociais de</p><p>produção” –, que determina a diferentes grupos – as classes sociais – funções</p><p>específicas dentro desses processos de produção material. Marx salienta,</p><p>contudo, que essas relações sociais de produção não podem ser analisadas</p><p>simplesmente como relações de complementaridade, mas sim como relações de</p><p>dominação, já que o produto coletivo do trabalho é desproporcionalmente</p><p>apropriado por um grupo social minoritário – a chamada classe dominante (Marx,</p><p>1988).</p><p>No caso específico do modo de produção capitalista, típico das</p><p>sociedades modernas, as relações sociais de produção caracterizam-se pela</p><p>venda da força de trabalho – por parte da classe dominada ou proletariado – em</p><p>troca de um salário, pago por aqueles que detêm os meios de produção (as</p><p>terras, as máquinas, as indústrias, o capital de investimento etc.) – a classe</p><p>dominante ou burguesia. Por conta dessa forma específica de organização das</p><p>relações de produção – baseadas no trabalho assalariado e na propriedade</p><p>privada dos meios produtivos –, o capitalismo moderno distingue-se de outros</p><p>modos de organização econômica, presentes ao longo da história, como o das</p><p>sociedades escravistas da Antiguidade ou das sociedades feudais da Idade</p><p>Média.</p><p>4</p><p>Além de representarem a maneira como uma sociedade garante sua</p><p>sobrevivência, as relações sociais de produção são também, de acordo com</p><p>Marx, a chave explicativa para o entendimento da “totalidade social”, quer dizer,</p><p>para a explicação dos aspectos não diretamente econômicos da vida social,</p><p>como as formas específicas de organização política, jurídica e cultural. No</p><p>conhecido Prefácio à contribuição à crítica da economia política, escrito em 1859,</p><p>Marx sintetiza essa concepção por meio de uma metáfora arquitetônica: as</p><p>sociedades poderiam, argumenta ele, ser pensadas em analogia a uma</p><p>edificação, cujos alicerces ou infraestrutura seriam representados pela produção</p><p>econômica e pelas relações sociais (a estrutura de classes) a que ela dá forma.</p><p>Sobre essa base, elevar-se-ia uma superestrutura (os vários “andares” dessa</p><p>edificação”), representada pelas formas político-jurídicas de organização da vida</p><p>coletiva – o tipo de Estado, a natureza do Direito – e pelas formas de consciência</p><p>– as ideias ou, simplesmente, a cultura predominante de uma época (Marx,</p><p>1988).</p><p>Uma noção importante presente nessa metáfora arquitetônica é a que diz</p><p>respeito à maneira como esses diferentes níveis se relacionam: como fica claro</p><p>no recurso à expressão infraestrutura (os “alicerces”), Marx atribui uma força</p><p>causal predominante ao aspecto material ou econômico das sociedades</p><p>humanas. Isso significa que a esfera da produção impõe a sua estrutura (a</p><p>divisão de classes, por exemplo) a todos os demais níveis (político, jurídico e</p><p>cultural), fazendo com que esses possam ser analisados como uma espécie de</p><p>“tradução” das dinâmicas inerentes à base material ou econômica.</p><p>Dessa forma, uma análise baseada no materialismo histórico encarará o</p><p>Estado, o Direito ou a cultura sempre a partir da chave explicativa das classes</p><p>sociais e de seus antagonismos internos: nessa leitura, o Estado, em vez de</p><p>organização política visando ao bem comum, é compreendido como um</p><p>instrumento de dominação; o Direito, como legitimação formal da ordem desigual</p><p>de exploração econômica; a cultura, como ideologia, quer dizer, como a visão</p><p>de mundo particular da classe economicamente dominante, que é então imposta</p><p>às demais classes (Marx, 1988).</p><p>Ainda que se possa depreender uma visão mais sutil e complexa das</p><p>relações entre a economia e os demais aspectos sociais a partir da própria obra</p><p>de Marx, a verdade é que o esquema “infraestrutura/superestrutura” consagrou-</p><p>se como a interpretação mais popular a respeito do materialismo histórico. Boa</p><p>5</p><p>parte dos esforços teóricos daqueles que, já no século XX, se propuseram a</p><p>utilizar a teoria marxista clássica foram ligados justamente à tentativa de</p><p>repensar o lugar da política e das ideias na compreensão da vida social sob o</p><p>modo de produção capitalista. Esse foi o caso, por exemplo, tanto da obra do</p><p>italiano Antonio Gramsci (1891-1937) quanto dos trabalhos oriundos da</p><p>chamada Escola de Frankfurt, influências diretas dos autores vinculados à teoria</p><p>crítica nas Relações Internacionais.</p><p>Gramsci, influência teórica principal de</p><p>Robert Cox, defendia uma</p><p>reformulação da metáfora arquitetônica proposta pelo marxismo clássico, dando</p><p>maior atenção aos efeitos das ideias e da cultura para a manutenção ou</p><p>transformação da ordem de dominação. De acordo com o autor italiano, a</p><p>interação recíproca entre ideias, política e economia deveria ser pensada em</p><p>conjunto, como formadoras de um “bloco histórico”, a fim de explicar a</p><p>dominação de uma classe por outra (Cox, 1986, p. 250).</p><p>No caso específico do capitalismo, isso significaria deixar de reduzir a</p><p>dominação burguesa ao mero controle do Estado, pensado pelo marxismo</p><p>clássico como um instrumento de repressão. Seria preciso, segundo Gramsci,</p><p>analisar também o papel das instituições da sociedade civil – o sistema de</p><p>ensino, as organizações religiosas, os meios de comunicação e a</p><p>intelectualidade – na disseminação de ideias e crenças de aceitação e</p><p>legitimação da ordem capitalista, tal como o individualismo ou mesmo o</p><p>nacionalismo, responsáveis, respectivamente, por atomizar e dividir a classe</p><p>proletária. Seria por meio do controle de tais instituições – quer dizer, por exercer</p><p>“hegemonia” sobre a sociedade civil – que a burguesia manteria sua condição</p><p>de classe dominante (Pereira, 2016, p. 114).</p><p>A noção gramsciana de “hegemonia”, aproveitada por Cox em sua análise</p><p>da ordem internacional, chama a atenção para a dimensão consensual que</p><p>sustenta as relações de dominação de classe, em que ideias e crenças</p><p>disseminadas podem tornar o uso da força até prescindível (Cox, 1986, p. 163).</p><p>Ela também obriga a que se pense o Estado em sua conexão com as instituições</p><p>da sociedade civil, formando o já mencionado “bloco histórico”, ideia que Cox</p><p>também utilizará como unidade de análise para sua teoria crítica.</p><p>Imbuído desse novo enfoque sobre a relação entre ideias e política ou</p><p>entre os aspectos coercitivo e consensual da dominação classista, Gramsci</p><p>procura também reformular a estratégia revolucionária do proletariado: se, para</p><p>6</p><p>o marxismo clássico, ela consistia primordialmente na tomada do Estado, para o</p><p>autor italiano ela deveria se concentrar também na construção da hegemonia da</p><p>classe proletária sobre a sociedade civil, quer dizer, sobre as instituições</p><p>culturais da sociedade.</p><p>Como já mencionado, além de Gramsci – influência principal do tipo de</p><p>teoria crítica desenvolvida por Robert Cox nas Relações Internacionais –, os</p><p>intelectuais associados à chamada Escola de Frankfurt também se propuseram</p><p>reformular alguns dos argumentos do marxismo clássico, a fim de elaborar uma</p><p>teoria social crítica, apta a analisar os desenvolvimentos históricos do</p><p>capitalismo no século XX, e que influenciaria outra abordagem importante das</p><p>Relações Internacionais, aquela associada a Andrew Linklater.</p><p>A expressão Escola de Frankfurt se refere ao círculo de intelectuais cujos</p><p>trabalhos e debates estiveram ligados ao Instituto para a Pesquisa Social,</p><p>instituição acadêmica criada na década de 1920, na cidade alemã de Frankfurt,</p><p>e dirigida inicialmente por Max Horkheimer (1895-1973). Foi justamente</p><p>Horkheimer quem elaborou o programa mais detalhado do que seria uma teoria</p><p>crítica da sociedade, em textos como o clássico Teoria tradicional e teoria crítica,</p><p>publicado originalmente em 1937.</p><p>Nesse trabalho, Horkheimer caracteriza as teorias tradicionais (incluindo</p><p>aí a ciência e a filosofia contemporâneas) como produções intelectuais</p><p>incapazes de se enxergar como parte da totalidade social, ou seja, como práticas</p><p>que levam as marcas de sua condição social de produção: as da divisão social</p><p>do trabalho e da estrutura de classes. Isso significa, continua ele, que a teoria,</p><p>para ser “crítica”, precisa romper com a dicotomia tradicional entre “teoria” e</p><p>“prática”, que nada mais seria do que a expressão, típica do capitalismo, da</p><p>dicotomia entre o trabalho intelectual e o trabalho manual.</p><p>Sendo uma forma de ação sobre o mundo, toda teoria está, portanto,</p><p>fadada a produzir efeitos de conservação ou de transformação desse mundo: daí</p><p>a necessidade de se adotar um objetivo normativo emancipatório como guia para</p><p>a produção teórica, em vez de adotar as premissas positivistas que apregoam</p><p>uma suposta suspensão da normatividade (quer dizer: das crenças e dos valores</p><p>do analista). Na visão de Horkheimer e da Escola de Frankfurt, a pretensa</p><p>“objetividade” das teorias tradicionais seria uma forma de “conservadorismo”,</p><p>uma aceitação irrefletida de problemas e objetos de pesquisa oriundos de uma</p><p>realidade histórica particular (Horkheimer, 2003).</p><p>7</p><p>Como se verá adiante no texto, autores como Cox e Linklater foram</p><p>responsáveis por transportar tais preocupações críticas – oriundas do marxismo</p><p>clássico, de Gramsci e da Escola de Frankfurt – para a análise das relações</p><p>internacionais, questionando o caráter conservador e a-histórico das teorias</p><p>tradicionais da área, como o realismo e o liberalismo.</p><p>TEMA 2 – PRESSUPOSTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA CRÍTICA NAS</p><p>RELAÇÕES INTERNACIONAIS</p><p>A teoria crítica nas Relações Internacionais contrapõe-se às teorias</p><p>dominantes da área, em especial aos pressupostos positivistas em que elas se</p><p>embasam. A crítica a esses pressupostos segue a linhagem argumentativa do</p><p>marxismo clássico e do já citado texto de Horkheimer: realismo e liberalismo</p><p>seriam teorias “tradicionais”, no sentido de serem incapazes de problematizar a</p><p>própria atividade de teorização, pertencente – como todas as atividades</p><p>humanas – ao processo global de produção material da vida e, também, à</p><p>constituição de uma certa ordem social.</p><p>Nesse sentido, Robert Cox nomeia as teorias tradicionais da área como</p><p>teorias de solução de problemas, ou seja, como produções intelectuais que se</p><p>deixam guiar de maneira irrefletida por problemas e questões de pesquisa</p><p>oriundos do senso comum ou de uma visão naturalizada acerca da realidade</p><p>internacional. De maneira intencional ou não, argumenta Cox, elas acabariam</p><p>por sustentar a ordem existente, ao reproduzir, de maneira acrítica, pressupostos</p><p>e vieses oriundos do próprio objeto a ser estudado (Cox, 1986).</p><p>Tal tendência pode ser notada em teorias como o neorrealismo de</p><p>Kenneth Waltz, que naturaliza e, por essa via, eterniza, características – do</p><p>comportamento dos Estados e da estrutura da realidade internacional – que são</p><p>na verdade o produto de processos históricos específicos e que podem, portanto,</p><p>ser alteradas no futuro. Essa incapacidade de incorporar a dimensão histórica à</p><p>análise faz com que tais teorias não consigam explicar nem prever</p><p>satisfatoriamente as mudanças da realidade internacional, como as que</p><p>ocasionaram o fim da Guerra Fria e da União Soviética no final dos anos 1980 e</p><p>começo dos 1990. Mesmo no caso de teorias que fazem uso de exemplos</p><p>históricos, como o realismo de Hans Morgenthau, estes são utilizados como</p><p>ilustrações de regularidades e padrões comportamentais dos atores: o recurso</p><p>8</p><p>ao passado, nesse caso, serve à argumentação de que o futuro será semelhante</p><p>a ele (Cox, 1986).</p><p>Nessa perspectiva, o neorrealismo de Waltz também sofreria do mesmo</p><p>problema: os comportamentos dos Estados – baseados em uma racionalidade</p><p>egoísta focada na segurança e na sobrevivência e pouco afeita à cooperação –</p><p>são vistos como fixos e naturais, pois são condicionados por uma estrutura</p><p>imutável: a da anarquia do sistema internacional. Os teóricos críticos, ao</p><p>contrário, procuram demonstrar que as características da ordem internacional</p><p>são históricas, ou seja, mutáveis, já que produzidas pelas decisões e ações</p><p>tomadas pelos Estados, eles próprios entidades sujeitas à mudança (Cox, 1986).</p><p>A ênfase na mudança, por parte dos teóricos críticos, vem da concepção</p><p>de história inerente ao materialismo histórico, desenvolvido por Marx e Engels,</p><p>que compreende as transformações dos Estados como resultado de alterações</p><p>no processo de produção material – expressão utilizada</p><p>para designar o esforço</p><p>coletivo de transformação da natureza por meio do trabalho humano. Ainda que</p><p>partam de um materialismo histórico já reinterpretado – pelas obras de Gramsci</p><p>e dos autores da Escola de Frankfurt –, deixando de lado o economicismo e</p><p>dando mais ênfase às ideias, à cultura e à política, Cox e Linklater encaram a</p><p>ordem internacional como sendo o produto de processos vindos “de baixo”, ou</p><p>seja, oriundos da dinâmica social e material presente nas políticas internas ou</p><p>domésticas dos países. Cox, em particular, afirma que a atuação dos Estados</p><p>na arena internacional só pode ser compreendida quando se analisa a relação</p><p>interna ou doméstica que mantêm com as sociedades civis: o já mencionado</p><p>“bloco histórico”, conceito gramsciano que designa o complexo</p><p>Estado/sociedade civil (Cox, 1986, p. 216).</p><p>Em resumo, as premissas básicas da teoria críticas nas Relações</p><p>Internacionais podem ser agrupadas da seguinte forma: (I) a análise da estrutura</p><p>da ordem mundial deve incorporar a pesquisa histórica e a ênfase nos processos</p><p>de mudança – como, por exemplo, na natureza dos Estados; (II) essa estrutura</p><p>histórica constitui-se de condições materiais, mas também de padrões de</p><p>pensamento e de instituições criadas pelos atores. A análise dela, portanto, deve</p><p>ser feita “a partir de baixo”, olhando para os processos socioeconômicos e para</p><p>as dinâmicas internas dos países, cujos efeitos produzem mudanças na ordem</p><p>internacional; (III) as teorias produzidas na área serão sempre relativas a</p><p>9</p><p>determinado tempo e lugar, carregando, de maneira mais ou menos explícita,</p><p>uma visão de mundo ou normatividade inerentes (Pereira; Blanco, 2021).</p><p>Estando salientadas as premissas básicas comuns à teoria crítica, cabe</p><p>agora mostrar as particularidades de seus dois autores principais, Robert Cox e</p><p>Andrew Linklater. O primeiro lança mão de conceitos gramscianos a fim de</p><p>realizar os objetivos da abordagem crítica; o segundo, por sua vez, ancora-se na</p><p>Escola de Frankfurt e, sobretudo, na maneira como um dos teóricos ligados a</p><p>ela, Jürgen Habermas, repensou o projeto original de Horkheimer.</p><p>TEMA 3 – ROBERT COX</p><p>A abordagem crítica associada a Robert Cox é bastante influenciada pela</p><p>obra de Gramsci, sendo por isso conhecida como uma vertente neogramsciana</p><p>da teoria crítica (Pereira, 2016, p. 135). Ela se assenta em conceitos importantes</p><p>do autor italiano – como bloco histórico e hegemonia –, mas repensados para a</p><p>utilização nas Relações Internacionais.</p><p>Cox compreende a ordem mundial como uma “estrutura histórica”, quer</p><p>dizer, como um conjunto de relações, entre atores internacionais, que muda ao</p><p>longo do tempo. A mudança na ordem mundial é dependente de transformações</p><p>na natureza dos Estados que a compõem, bem como de processos</p><p>socioeconômicos que transcendem as fronteiras nacionais (tal como a</p><p>internacionalização da produção capitalista). De acordo com Cox, a mudança</p><p>nas formas de Estado – como a passagem de um Estado de bem-estar social a</p><p>um Estado liberal – deriva dos arranjos dinâmicos por meio dos quais Estado e</p><p>sociedade civil se articulam: alterações na estrutura de classe e nos processos</p><p>produtivos funcionam como motores de transformações no plano das ideias e</p><p>das instituições políticas, gerando efeitos sobre a forma do Estado. Vê-se, assim,</p><p>que essa abordagem não considera, ao contrário da tradição realista, os Estados</p><p>como entidades monolíticas e estáticas: eles possuem uma dinâmica conflituosa</p><p>interna e mudam ao longo do tempo (Pereira; Blacno, 2021).</p><p>Voltando ao conceito de “estrutura histórica”, Cox a pensa como a</p><p>integração de três forças distintas: as capacidades materiais; as ideias e as</p><p>instituições. As capacidades materiais designam os potenciais produtivos e</p><p>destrutivos dos Estados: os recursos naturais disponíveis a eles, o</p><p>desenvolvimento industrial, bem como as capacidades tecnológicas e militares.</p><p>O plano das ideias é pensado como o dos significados compartilhados</p><p>10</p><p>intersubjetivamente pelos atores internacionais e podem se referir à (I) natureza</p><p>das relações entre eles (qual comportamento esperar de cada Estado, por</p><p>exemplo) ou à (II) ordem da qual fazem parte (qual a legitimidade das relações</p><p>de poder existentes, como se pensa as noções de justiça ou de bem público etc.)</p><p>(Cox, 1986, p. 219).</p><p>Por último, a terceira força que molda a estrutura histórica da ordem</p><p>mundial, interagindo com as outras duas, é a das instituições: elas são pensadas</p><p>como “amálgamas particulares de ideias e capacidades materiais, as quais por</p><p>sua vez influenciam o desenvolvimento de ideias e capacidades materiais” (Cox,</p><p>1986, p. 219). Essas instituições formalizam-se por meio de arranjos jurídico-</p><p>políticos (organismos internacionais, tratados, convenções etc.) que se tornam o</p><p>palco privilegiado de disputas entre os Estados, contribuindo para estabilizar e</p><p>perpetuar as relações de poder entre eles. Além disso, as instituições são</p><p>também propagadoras de ideias, que servem à legitimação e manutenção</p><p>dessas mesmas relações, cooptando as elites dos países periféricos e</p><p>neutralizando ideias contra-hegemônicas (Pereira, 2016, p. 138).</p><p>Cox chama a atenção, portanto, para o fato de que as relações entre os</p><p>Estados não podem ser resumidas à dimensão das capacidades materiais de</p><p>cada um: as instituições e as ideias criam meios para que os Estados possam</p><p>administrar conflitos com um menor uso da força. O conceito gramsciano</p><p>utilizado por Cox para compreender essa utilização das ideias e da</p><p>institucionalidade internacional como formas de manutenção das hierarquias</p><p>entre os Estados é o de “hegemonia” (Pereira; Blanco, 2021). Quando aplicado</p><p>à análise das relações internacionais, ele se refere a essa ordem nascida mais</p><p>da persuasão e do consenso entre os atores do que da coerção: nesse sentido,</p><p>a dominação pela via da capacidade material pode ser condição necessária, mas</p><p>não é condição suficiente para a hegemonia de um Estado sobre outros.</p><p>Comparando o domínio britânico, no século XIX, ao domínio</p><p>estadunidense, no século XX, pode-se notar que este último é mais</p><p>institucionalizado do que o primeiro, contando com um processo histórico de</p><p>criação de instituições internacionais ao fim da Segunda Guerra Mundial (como</p><p>o chamado sistema Bretton Woods, por exemplo). A crise da hegemonia</p><p>estadunidense, que vem sendo debatida desde a década de 1970, resulta, na</p><p>visão de Cox, de transformações no processo de produção capitalista, cada vez</p><p>mais internacionalizado. Essa internacionalização da produção traz</p><p>11</p><p>consequências para a estrutura de classes dos países, alterando as dinâmicas</p><p>internas ao Estados (a articulação sociedade civil/Estado) e instaurando novas</p><p>fontes de conflito e possibilidades de mudança.</p><p>Ainda segundo Cox, uma outra consequência dessa alteração global do</p><p>capitalismo, a partir da década de 1970, é a da formação de uma “estrutura</p><p>global de classes”, nascida das interações entre forças sociais que ultrapassam</p><p>cada vez mais os limites de cada Estado. Nessa estrutura emergente, forma-se</p><p>uma “classe social transnacional”, formada por executivos de grandes</p><p>corporações multinacionais, funcionários de alto escalão de organismos</p><p>internacionais e gerentes locais de empresas associadas aos sistemas de</p><p>produção internacional, capazes de influir coletivamente sobre o funcionamento</p><p>das instituições internacionais – como o Banco Mundial e o Fundo Monetário</p><p>Internacional (FMI) – e sobre a natureza das ideias e políticas disseminadas por</p><p>essas instituições.</p><p>Pode-se concluir que, de acordo com a abordagem crítica desenvolvida</p><p>por Cox, a compreensão das mudanças na estrutura histórica da ordem mundial</p><p>demanda a análise das determinações mútuas entre esses três níveis: o</p><p>primeiro, correspondente aos processos de produção material e aos conflitos ali</p><p>gerados; o nível dos Estados, dotados de formas</p><p>políticas que se alteram a partir</p><p>da articulação com os conflitos oriundos da produção material; e a ordem</p><p>mundial, cuja institucionalidade se transforma a partir da generalização das</p><p>mudanças na forma política dos Estados (Cox, 1986, p. 220).</p><p>TEMA 4 – ANDREW LINKLATER</p><p>Enquanto Cox baseia-se em um conjunto de conceitos gramscianos a fim</p><p>de construir um modelo analítico que busca descrever e explicar o</p><p>funcionamento e, sobretudo, as transformações da ordem mundial – salientando</p><p>as possibilidades de construção de ordens alternativas –, a teoria crítica de</p><p>Linklater dedica-se, como ponto de partida, a questões de caráter normativo.</p><p>Sua preocupação fundamental é a de imaginar, por meio do diálogo com a Teoria</p><p>Política e com as Relações Internacionais, uma outra realidade internacional, em</p><p>que os princípios de emancipação universal se encontrem realizados em novas</p><p>institucionalidades.</p><p>Mais especificamente, Linklater preocupa-se com a possibilidade de</p><p>formação de uma comunidade global regida por uma ética cosmopolita. O</p><p>12</p><p>“cosmopolitismo” designa a defesa filosófica de uma cidadania ligada ao</p><p>pertencimento à espécie humana, e não mais baseada no pertencimento a um</p><p>Estado nacional. Entre seus defensores, encontram-se desde filósofos da Grécia</p><p>antiga (em especial aqueles ligados ao cinismo e ao estoicismo) até autores</p><p>modernos, como Immanuel Kant (1724-1804). Foi este último que deu ao</p><p>cosmopolitismo sua defesa mais notória, definindo-o como um senso de</p><p>responsabilidade perante a violação de direitos em geral, ainda que esta ocorra</p><p>fora dos limites do Estado nacional de determinado cidadão. Kant projeta, com</p><p>isso, o ideal de uma comunidade universal de indivíduos, cujos direitos de</p><p>cidadania seriam assentados sobre o pertencimento a uma humanidade comum</p><p>(Held, 1995).</p><p>Retornando à teoria do cosmopolitismo, Linklater problematiza a</p><p>tradicional separação, no seio da disciplina de Relações Internacionais, entre</p><p>duas esferas de análise: a política doméstica e a política internacional. Tal</p><p>separação teórica acarreta, segundo o autor, consequências práticas</p><p>importantes, sobretudo em relação à garantia dos direitos humanos e à gestão</p><p>de problemas globais urgentes, como as crises ambiental e migratória. Atingindo</p><p>a totalidade da espécie humana, esses problemas não podem ser</p><p>satisfatoriamente enfrentados por uma institucionalidade internacional baseada</p><p>em Estados e organizações intergovernamentais, demandando, ao contrário, a</p><p>constituição de uma autêntica comunidade mundial capaz de exercer uma</p><p>governança humana dos riscos globais (Pereira; Blanco, 2021).</p><p>A premissa, aqui, é de que a crescente interconexão política, econômica</p><p>e ambiental entre os Estados produz efeitos que podem afetar potencialmente a</p><p>toda a humanidade, sendo, portanto, imprescindível que se pense em uma nova</p><p>institucionalidade internacional em que os cidadãos de todos os países tenham</p><p>o direito de influenciar os processos decisórios que afetam suas vidas. A fim de</p><p>investigar a possibilidade de constituição de uma tal comunidade global de</p><p>cidadãos, Linklater salienta a importância de que as Relações Internacionais se</p><p>unam a outras disciplinas, como a História e a Sociologia Política, com o objetivo</p><p>de analisar como diferentes sistemas de Estados puderam constituir</p><p>“convenções cosmopolitas de dano”, capazes de proteger pessoas de maneira</p><p>universalista, não importando diferenças de nacionalidade, religião, língua ou</p><p>etnia (Linklater, 2007, p. 4).</p><p>13</p><p>A noção de “dano”, segundo Linklater, pode servir como um ponto de</p><p>partida para a constituição de uma ética cosmopolita, ao estabelecer deveres</p><p>negativos e positivos vinculando os cidadãos de diferentes Estados nacionais.</p><p>Na sua versão negativa, essa ética prescreve a obrigação de “não causar dano”</p><p>ao cidadão estrangeiro, o que historicamente tem embasado as legislações</p><p>internacionais sobre guerra e sobre o banimento de práticas produtoras de</p><p>“sofrimento ou crueldade desnecessária”, como no caso da tortura ou do ataque</p><p>a alvos civis. Mas tais obrigações negativas são ainda insuficientes para a</p><p>constituição de um cosmopolitismo robusto, já que a evitação do “dano” aos “de</p><p>fora” demanda também deveres positivos, como as ações de protesto contra a</p><p>exploração de mão de obra estrangeira por empresas multinacionais ou ainda</p><p>contra a destruição ambiental por parte de Estados ou empresas (Linklater,</p><p>2002).</p><p>De acordo com Linklater, há um claro avanço na direção de uma</p><p>comunidade e de uma ética cosmopolitas nas últimas décadas, como poder ser</p><p>visto no estabelecimento de leis internacionais sobre direitos humanos ou na</p><p>constituição de tribunais para crimes de guerra. Também são exemplos disso a</p><p>criação de redes transnacionais de organizações não governamentais em</p><p>diferentes áreas de atuação, como no caso do meio ambiente ou dos direitos da</p><p>mulher. Ainda assim, o cosmopolitismo tem sido visto mais como uma maneira</p><p>de melhorar e pacificar as relações entre Estados do que como uma alternativa</p><p>séria à institucionalidade internacional tal como presentemente constituída</p><p>(Linklater, 2002).</p><p>A fim de levar adiante o projeto de uma comunidade e ética cosmopolitas,</p><p>continua o autor, é preciso produzir uma cidadania global ou pós-nacional</p><p>substantiva, quer dizer, garantir o direito e a capacidade de que todas as</p><p>pessoas, independentemente da nacionalidade, possam efetivamente participar</p><p>das tomadas de decisão sobre questões que afetem suas vidas, especialmente</p><p>a fim de evitar fontes próximas ou distantes de “dano”. Para tal, a concepção de</p><p>democracia também deve avançar para além dos limites colocados pelos</p><p>Estados, a fim de criar uma governança humana da interdependência política e</p><p>econômica global (Linklater, 2007, p. 5).</p><p>A expansão da comunidade política para além das fronteiras nacionais e</p><p>a construção de uma institucionalidade cosmopolita que a sustente traz</p><p>necessariamente a reflexão sobre as diferenças morais e culturais entre as</p><p>14</p><p>diversas sociedades, bem como dos procedimentos dialógicos para lidar com</p><p>tais diferenças. Daí o recurso de Linklater à Escola de Frankfurt, em particular à</p><p>chamada teoria da ação comunicativa, de Jürgen Habermas. Juntando a</p><p>problemática marxista clássica aos estudos sobre linguagem, Habermas</p><p>defende que a produção da vida material por meio do trabalho não seja vista</p><p>como o eixo fundamental do desenvolvimento histórico – como para o marxismo.</p><p>Ao lado do “trabalho”, a “comunicação” é também uma dimensão fundamental</p><p>da existência humana, que não poderia se sustentar sem o esforço – sobretudo</p><p>linguístico – de compreender (o outro) e de se fazer compreender (Honneth,</p><p>1999).</p><p>O foco da teoria de Habermas recai, portanto, sobre o papel da</p><p>comunicação para a sociabilidade humana e sobre a racionalidade específica</p><p>que emerge das interações comunicativas: ao nos comunicarmos, produzimos</p><p>regras de entendimento e de validade para o que é comunicado; produzimos,</p><p>portanto, acordos e sentidos comuns. Normativamente, Habermas se preocupa</p><p>em particular com a formalização de uma “ética do diálogo”, capaz de aplicar a</p><p>razão comunicativa humana ao esforço de conciliar perspectivas morais e</p><p>políticas distintas: “a ética do discurso estabelece os procedimentos a serem</p><p>seguidos para que os indivíduos sejam igualmente livres para expressar suas</p><p>diferenças morais e possam proceder para resolvê-las, quando possível”</p><p>(Linklater, 2007, p. 56).</p><p>Fundamental para essa ética do diálogo é o reconhecimento de que não</p><p>há nenhuma perspectiva cultural superior às demais, assim como a aceitação de</p><p>que todas as escolhas e preferências estão sujeitas a críticas. Com base nisso,</p><p>os indivíduos devem se orientar não pelos argumentos de autoridade, mas pela</p><p>autoridade do melhor argumento, sendo o consentimento de todos e de todas o</p><p>único critério de validade e legitimidade</p><p>para a elaboração de normas (Linklater,</p><p>2007, p. 56). A comunidade cosmopolita só poderá ser construída, portanto, por</p><p>meio do diálogo crescentemente inclusivo entre comunidades políticas</p><p>expandidas para além de suas fronteiras nacionais, configurando, por essa via,</p><p>um novo tipo de cidadania, global ou pós-nacional.</p><p>15</p><p>TEMA 5 – PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA CRÍTICA ÀS RELAÇÕES</p><p>INTERNACIONAIS</p><p>Como dito, os teóricos críticos possuem em comum a negação da</p><p>epistemologia e da concepção de ciência oriundas do positivismo: negam,</p><p>sobretudo, a suposta neutralidade normativa defendida pelas teorias dominantes</p><p>na disciplina de Relações Internacionais, como o realismo e o liberalismo. Ao</p><p>aceitar uma problemática produzida pela própria realidade que pretendem</p><p>analisar, tais teorias apenas ratificam e naturalizam características que são na</p><p>verdade históricas e, portanto, variáveis ao longo do tempo. Essa recuperação</p><p>da importância da história para a disciplina, assim como o questionamento da</p><p>normatividade implícita a todas as teorias estão entre as grandes contribuições</p><p>da teoria crítica. Autores como Charles Beitz, Mervyn Frost e Michael Walzer têm</p><p>dedicado atenção especial a tais temas: Beitz e Frost, em particular, procuram</p><p>avaliar as implicações da primazia teórica e prática da “soberania estatal” para a</p><p>discussão sobre direitos humanos e justiça global (Beitz, 1979; Frost, 1996).</p><p>A obra de Linklater, informada pela perspectiva habermasiana, expande</p><p>a agenda de pesquisa a respeito de diversas formas de exclusão no cenário</p><p>internacional: (I) exclusões de base étnica ou racial; (II) de gênero; e também</p><p>(III) as oriundas de conflitos e de guerras, como no caso de refugiados. Ela abre</p><p>também a possibilidade de se pensar a democracia e o direito em uma</p><p>perspectiva cosmopolita ou pós-nacional.</p><p>Os trabalhos de Robert Cox, por outro lado, permitem a análise das</p><p>interações existentes entre economia, classes sociais, política doméstica, ideias</p><p>e política internacional, por meio de conceitos inspirados na teoria gramsciana,</p><p>como “hegemonia” ou “bloco histórico”. Tais trabalhos ajudaram a oxigenar as</p><p>agendas de pesquisa concernentes às transformações do capitalismo global e</p><p>ao papel das instituições e das ideias nessas transformações. Tal pespectiva,</p><p>chamada por alguns de neogramsciana, tem sido seguida por outros importantes</p><p>autores da área (ver Gill, 2007), como Stephen Gill e A. Claire Cutler.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>De acordo com a vertente neogramsciana da teoria crítica, a manutenção</p><p>de uma ordem hegemônica mundial baseia-se, sobretudo, na produção de</p><p>consensos, mais do que no recurso à força. Para tal, segundo Cox, as</p><p>16</p><p>organizações internacionais – e as ideias por elas disseminadas –</p><p>desempenham um papel fundamental, descrito pelo autor nos seguintes termos:</p><p>(I) as organizações internacionais incorporam as regras que facilitam a expansão</p><p>da ordem hegemônica mundial; (II) essas organizações são, elas próprias, o</p><p>produto da ordem hegemônica mundial; (III) elas legitimam ideologicamente as</p><p>normas dessa ordem, além de (IV) cooptar as elites dos países periféricos e (V)</p><p>absorver ideias contra-hegemônicas (Cox, 2007).</p><p>Tendo isso em mente, selecione uma organização internacional e</p><p>pesquise a respeito de sua gênese e trajetória, procurando aplicar a chave</p><p>interpretativa proposta por Cox.</p><p>FINALIZANDO</p><p>Nesta aula, foram abordadas as contribuições da teoria crítica para a área</p><p>de Relações Internacionais, a partir das obras de dois de seus principais</p><p>representantes: Robert Cox e Andrew Linklater. O primeiro desenvolve uma</p><p>vertente gramsciana da teoria crítica, procurando utilizar conceitos marxistas</p><p>para a compreensão das transformações do capitalismo global. O segundo</p><p>dedica-se a desenvolver um projeto normativo de comunidade global</p><p>cosmopolita, baseada na expansão das comunidades políticas para além das</p><p>fronteiras dos Estados nacionais: a noção de cidadania pós-nacional sintetiza o</p><p>direito de todas as pessoas a participar das tomadas de decisão que possam</p><p>gerar “dano” em suas existências, sejam elas internas ou externas a seu Estado</p><p>de origem.</p><p>Acima de tudo, a teoria crítica oferece instrumentos teórico-metodológicos</p><p>para a compreensão das transformações globais do capitalismo e do sistema</p><p>internacional, incorporando fortemente a contribuição de outras áreas do</p><p>conhecimento, como a Teoria Política e a História, a fim de desnaturalizar e</p><p>historicizar as categorias utilizadas pelas teorias dominantes, como Estado,</p><p>soberania e cidadania.</p><p>17</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BEITZ, C. Political theory and international relations. Princeton: Princeton</p><p>University, 1979.</p><p>COX, R. Social Forces, States and World Orders: Beyond International Relations</p><p>Theory. In: KEOHANE, R. (Ed.). Neorealism and its critics. New York:</p><p>Columbia University, 1986.</p><p>_____. Gramsci, hegemonia e relações internacionais: Um ensaio sobre o</p><p>método. In: GILL, S. (Org.). Gramsci, materialismo histórico e relações</p><p>internacionais. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007.</p><p>FROST, M. Ethics in International Relations: a constructive theory.</p><p>Cambridge: Cambridge University, 1996.</p><p>GILL, S. (Org.). Gramsci, materialismo histórico e relações internacionais.</p><p>Rio de Janeiro: UFRJ, 2007.</p><p>HELD, D. Cosmopolitan Democracy and the Global Order: Reflections on the</p><p>200th Anniversary of Kant’s Perpetual Peace. Alternatives, v. 20, n. 4, 1995.</p><p>HONNETH, A. Teoria Crítica. In: GIDDENS, A.; TURNER, J. (Org.). Teoria</p><p>social hoje. São Paulo: Unesp, 1999.</p><p>HORKHEIMER, M. Teoría Crítica. Buenos Aires: Amorrortu, 2003.</p><p>LINKLATER, A. Cosmopolitan Political Communities in International Relations.</p><p>International Relations, v. 16, n. 1, 2002.</p><p>_____. Critical Theory and World Politics: Citizenship, Sovereignty and</p><p>Humanity. London; New York: Routledge, 2007.</p><p>MARX, K. Infraestrutura e superestrutura. In: IANNI, O. (Org.). Marx: Sociologia.</p><p>São Paulo: Ática, 1988.</p><p>NOGUEIRA, J. P.; MESSARI, N. Teoria das relações internacionais: correntes</p><p>e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.</p><p>PEREIRA, A.; BLANCO, R. Teorias contemporâneas das Relações</p><p>Internacionais. Curitiba: Intersaberes, 2021.</p><p>PEREIRA, A. Teoria das Relações Internacionais. Curitiba: Intersaberes,</p><p>2016.</p>

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