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<p>UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL</p><p>FACULDADE DE MEDICINA - FAMED</p><p>DISCIPLINA: SEMIOLOGIA INTEGRADA (ÁREA DE</p><p>ESTUDO: SEMIOLOGIA DO EXAME MENTAL)</p><p>UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE</p><p>DE ALAGOAS - UNCISAL</p><p>FACULDADE DE MEDICINA - FAMED</p><p>DISCIPLINA: PSIQUIATRIA</p><p>AUTOR: FLÁVIO SOARES</p><p>MANUAL</p><p>SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA - EXAME MENTAL</p><p>Anamnese Psiquiátrica</p><p>e</p><p>Princípios Básicos de Psicopatologia</p><p>das Funções Psíquicas</p><p>REVISADO E ATUALIZADO EM JUNHO/2010</p><p>MACEIÓ/2010</p><p>2</p><p>Ao nos depararmos com um semelhante doente, temos como</p><p>profissionais o dever de aprimorarmos cada vez mais nossa</p><p>capacidade de empatia (colocar-se no lugar do outro). É a empatia</p><p>que definirá nosso sucesso ou fracasso na tarefa de descrevermos</p><p>e compreendermos as alterações psíquicas do homem</p><p>(psicopatologia descritiva – fenomenologia). É bem simples</p><p>treinarmos: nunca deixar de lembrarmos que também somos seres</p><p>humanos passíveis das mais diversas doenças. Com essa</p><p>consciência, faremos todos um bom trabalho. Escutaremos melhor</p><p>nossos pacientes.</p><p>Flávio Soares</p><p>3</p><p>1. ANAMNESE PSIQUIÁTRICA</p><p>Não sei, não sei. Não devia de estar relembrando isto, contando assim o sombrio das</p><p>coisas. Lenga-lenga! Não devia de. O senhor é de fora, meu amigo, mas meu estranho.</p><p>Porém, talvez por isto mesmo. Falar com o estranho assim, que bem ouve e logo longe</p><p>se vai embora, é um segundo proveito: faz do jeito que eu falasse mais mesmo comigo.</p><p>Guimarães Rosa in “Grande sertão: veredas”</p><p>1.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A ENTREVISTA COM O PACIENTE</p><p>As entrevistas iniciais</p><p>Durante a entrevista inicial se faz a anamnese, ou seja, são colhidos todos os dados</p><p>necessários para um diagnóstico pluridimensional do paciente, o que inclui os dados</p><p>sociodemográficos, a queixa ou o problema principal e a história dessa queixa, os</p><p>antecedentes mórbidos somáticos e psíquicos pessoais, contendo os hábitos e o uso de</p><p>substâncias químicas, os antecedentes mórbidos familiares, a história de vida do</p><p>paciente, englobando as várias etapas do desenvolvimento somático, neurológico,</p><p>psicológico e psicossocial e, finalmente, a avaliação das interações familiares e sociais</p><p>do paciente.</p><p>Na anamnese, o entrevistador se interessa tanto pelos sintomas objetivos como pela</p><p>vivência subjetiva do paciente em relação àqueles sintomas; pela cronologia dos</p><p>fenômenos e pelos dados pessoais e familiares. Além disso, o entrevistador permanece</p><p>atento às reações do paciente ao fazer os seus relatos. Realiza, assim, parte do exame</p><p>psíquico e da avaliação do estado mental atual durante a coleta da história (anamnese).</p><p>Em alguns casos, o paciente consegue formular com certa clareza e precisão a “queixa</p><p>principal”, que, ao entrevistador, parece consistente e central no sofrimento do paciente</p><p>e para o seu diagnóstico. Isso pode ajudar o entrevistador a limitar o “campo de</p><p>procura” a ser investigado. Muitas vezes, entretanto, o paciente psiquiátrico não tem</p><p>qualquer queixa a fazer; ou simplesmente não tem crítica ou insight de sua situação, de</p><p>seu sofrimento. Outras vezes, se recusa defensivamente a admitir que tenha um</p><p>problema mental, comportamental ou psicológico e que esteja sofrendo por ele.</p><p>Assim, em algumas situações faz-se necessária a informação de familiares, amigos,</p><p>conhecidos. Os dados fornecidos pelo “informante” também padecem de certo</p><p>subjetivismo, que o entrevistador deve levar em conta. A mãe, o pai ou cônjuge do</p><p>paciente, por exemplo, têm a sua visão do caso, e não a “visão” (correta e absoluta) do</p><p>caso. De qualquer forma, muitas vezes as informações fornecidas pelos acompanhantes</p><p>podem revelar dados mais confiáveis, claros e significativos. Pacientes com quadro</p><p>demencial, déficit cognitivo, em estado psicótico grave e em mutismo geralmente não</p><p>conseguem informar dados sobre a sua história, sendo, nesses casos, fundamental a</p><p>contribuição do acompanhante.</p><p>4</p><p>Condução da entrevista</p><p>De início, pode-se afirmar que a habilidade do entrevistador se revela pelas perguntas</p><p>que formula, por aquelas que evita formular e pela decisão de quando e como falar ou</p><p>apenas calar. É fundamental que o profissional possa estar em condições de acolher o</p><p>paciente em seu sofrimento, de ouvi-lo realmente, escutando-o em suas dificuldades. Às</p><p>vezes, uma entrevista bem conduzida é aquela na qual o profissional fala muito pouco e</p><p>ouve pacientemente o doente. Outras vezes, o paciente e a situação exigem que o</p><p>entrevistador seja mais participante, falando mais, fazendo muitas perguntas, intervindo</p><p>mais freqüentemente.</p><p>Deve-se ressaltar que algumas atitudes são, na maior parte das vezes, inadequadas e</p><p>improdutivas, devendo o profissional evitar: a. posturas rígidas, estereotipadas, fórmulas</p><p>que o profissional acha que funcionaram bem com alguns pacientes e, portando, devem</p><p>funcionar com todos; b. atitude excessivamente neutra ou fria que transmite ao paciente</p><p>sensação de distância e desprezo; c. reações exageradamente emotivas ou</p><p>artificialmente calorosas que produzem, na maioria das vezes, uma falsa intimidade; d.</p><p>comentários valorativos ou emitir julgamentos sobre o que o paciente relata ou</p><p>apresenta; e. reações emocionais intensas de pena ou compaixão; f. responder com</p><p>hostilidade ou agressão às investidas hostis ou agressivas de alguns pacientes; g. fazer</p><p>muitas anotações durante a entrevista. Dessa forma, o profissional deverá buscar: a. uma</p><p>atitude flexível, que seja adequada a personalidade do doente, aos sintomas que</p><p>apresenta no momento, à sua bagagem cultural, aos seus valores e à sua linguagem; b.</p><p>uma atitude receptiva e calorosa, mas discreta, de respeito e consideração pelo paciente;</p><p>c. a criação de um clima de confiança para que a história do doente surja em sua</p><p>plenitude; d. serenidade e firmeza diante de um paciente agressivo ou muito hostil,</p><p>procurando responder, ao doente que eleva a voz e se exalta, sempre em voz mais baixa</p><p>que ele; e. não revidar à agressões, porém mostrar ao paciente que ele está sendo</p><p>inadequadamente hostil e que não aceita agressão física ou verbal exagerada (discussões</p><p>acirradas costumam ser inúteis no contato com os doentes).</p><p>Uma dificuldade comum nas entrevistas realizadas em serviços públicos é a falta de</p><p>tempo dos profissionais, excesso de trabalho, estresse e condições físicas de</p><p>atendimento precárias. Assim, muitas vezes o profissional de saúde está impaciente para</p><p>ouvir pessoas com queixas pouco precisas (poliqueixosos), rejeita aqueles doentes que</p><p>informam de forma vaga ou que estão muito desorganizados psiquicamente. Entretanto,</p><p>no atendimento em saúde, a paciência do entrevistador é fundamental. Ás vezes, o</p><p>profissional dispõe de não mais que cinco ou dez minutos ( ex: emergência, ambulatório</p><p>repleto de pessoas à espera), mas, se nesse pouco tempo, puder ouvir e examinar o</p><p>paciente com paciência e respeito, criando uma atmosfera de confiança e empatia,</p><p>mesmo com as restrições de tempo, isso poderá propiciar o início de um trabalho de boa</p><p>qualidade. Assim, o profissional, ao entrar em contato com o paciente, deve preparar o</p><p>espírito para encarar o desafio de conhecer essa pessoa, formular um diagnóstico,</p><p>entender, quando possível, algo do que realmente se passa em seu interior. Aqui, a</p><p>paciência é um dos elementos mais fundamentais.</p><p>A primeira entrevista é considerada um momento crucial no diagnóstico e no tratamento</p><p>em saúde mental. Esse primeiro contato, sendo bem conduzido, deve produzir no</p><p>paciente uma sensação de confiança e de esperança em relação ao alívio do sofrimento.</p><p>É conveniente que o profissional se apresente, dizendo seu nome, sua profissão e</p><p>especialidade e, se for o caso, a razão da entrevista. A confidencialidade, a privacidade</p><p>a</p><p>ocorrência de amnésias retroanterógradas, ou seja, déficits de fixação para o que ocorreu</p><p>dias, semanas ou meses antes e depois do evento patógeno.</p><p>2.3.4.2. ALTERAÇÕES QUALITATIVAS DA MEMÓRIA (PARAMNÉSIAS)</p><p>As alterações qualitativas da memória envolvem, sobretudo a deformação do processo</p><p>de evocação de conteúdos mnêmicos previamente fixados. O indivíduo apresenta</p><p>lembrança deformada que não corresponde à sensopercepção original. Os principais</p><p>tipos de paramnésias são:</p><p>A. Ilusões mnêmicas – há o acréscimo de elementos falsos há um núcleo verdadeiro de</p><p>memória. Assim, a lembrança adquire caráter fictício. Muitos pacientes informam sobre</p><p>o seu passado indicando claramente deformações de elementos reais. Ocorre na</p><p>esquizofrenia, na paranóia, nos transtornos da personalidade borderline, esquizotípica e</p><p>histriônica.</p><p>B. Alucinações mnêmicas – são verdadeiras criações imaginativas com a aparência de</p><p>lembranças ou reminiscências que não correspondem a qualquer elemento mnêmico, a</p><p>qualquer lembrança verdadeira. Podem surgir de modo repentino, sem corresponder a</p><p>qualquer acontecimento. Ocorrem principalmente na esquizofrenia.</p><p>27</p><p>C. Fabulações (ou confabulações) – elementos da imaginação do doente ou mesmo</p><p>lembranças isoladas completam artificialmente as lacunas da memória, produzidas, em</p><p>geral, por déficits da memória de fixação. Além do déficit de fixação, o doente não é</p><p>capaz de reconhecer como falsas as imagens produzidas pela fantasia. As confabulações</p><p>são invenções, produtos da imaginação do paciente, que preenchem um vazio da</p><p>memória. O paciente não tem intenção de mentir ou enganar o entrevistador. É possível</p><p>produzi-las, direcioná-las ou estimulá-las ao perguntar ao doente, por exemplo, se ele</p><p>lembra o que ele fez na noite passada. Portanto, as confabulações diferem das ilusões e</p><p>das alucinações mnêmicas que não podem ser produzidas, direcionadas ou induzidas</p><p>pelo examinador. As confabulações ocorrem freqüentemente na síndrome de Korsakoff,</p><p>secundária ao alcoolismo crônico, associado a déficit da tiamina (vitamina B1),</p><p>traumatismo craniano, etc. A síndrome é caracterizada por déficit intenso da memória</p><p>de fixação. O paciente preenche as lacunas mnêmicas com histórias fantásticas.</p><p>Lembro-me, ainda estudante de medicina, do atendimento que realizei no ambulatório</p><p>de hepatologia a um paciente alcoolista crônico. Ao perguntar qual foi a refeição que ele</p><p>fez no café da manhã, a reposta foi: “lobisomem com cachorro morto estão perdidos no</p><p>quintal”.</p><p>D. Criptomnésia – é um falseamento da memória, em que as lembranças aparecem</p><p>como fatos novos ao doente, que não as reconhece como lembranças, vivendo-as como</p><p>uma descoberta. Por exemplo, um indivíduo com demência (como do tipo Alzheimer)</p><p>conta a seus amigos uma história muito conhecida como se fosse inteiramente nova,</p><p>história essa que, há poucos minutos, foi relatada por um desses amigos.</p><p>E. Ecmnésia - é a recordação muito nítida de uma certa fase do passado, a ponto de o</p><p>paciente pensar que está vivendo a mesma no momento. Tudo é sentido com muita</p><p>intensidade. Pode ocorrer em alguns pacientes com crises epilépticas. O fenômeno</p><p>denominado visão panorâmica da vida, associado às chamadas experiências de quase</p><p>morte (EQM), é um tipo de ecmnésia. A ecmnésia também pode ocorrer em quadros</p><p>dissociativos.</p><p>Obs: a exploração da capacidade de evocação de fatos remotos começa a ser feita</p><p>no decorrer mesmo da anamnese. Para a exploração da memória recente deve-se</p><p>interrogar o paciente acerca de detalhes do seu internamento ou de fatos bem</p><p>próximos (incidentes da véspera, pessoa com quem falou, etc.).</p><p>...A morte chegou à memória</p><p>Ainda respiro?</p><p>...Morro por que não morro?</p><p>Vivo e já não vivo em mim</p><p>Se for para viver assim</p><p>Prefiro morrer sem ti.</p><p>by Santa Tereza D’Ávila</p><p>28</p><p>2.3.5. INTELIGÊNCIA</p><p>Nem digam não, que o antigo cepticismo chegou aqui.</p><p>Dizer “apenas sei que nada sei” não é inteligência para compreender isto: que a</p><p>verdade está além do ser ou não ser, as duas formas do erro mais simples do pensar.</p><p>by Fernando Pessoa</p><p>A inteligência é um processo de rendimento psíquico utilizável para adaptação a tarefas</p><p>vitais e que pode empregar-se com fim determinado. As principais habilidades incluídas</p><p>nesse processo são: raciocínio, planejamento, resolução de problemas, pensamento</p><p>abstrato, compreensão de idéias complexas, aprendizagem rápida e aprendizagem a</p><p>partir da experiência. A dimensão de rendimento psíquico refere-se às habilidades</p><p>intelectivas que, com um mínimo de esforço empregado, obtêm o máximo de ganho ou</p><p>de rendimento funcional.</p><p>Em geral, entre os 15 e os 16 anos de idade é que os processos intelectuais alcançam o</p><p>máximo do seu desenvolvimento quantitativo. Além desse limite cronológico, o</p><p>processo intelectual far-se-á apenas em qualidade. Entre 40 e 45 anos ocorre uma parada</p><p>quanto à capacidade de novas aquisições, iniciando-se então o declínio.</p><p>Observamos variações do nível de inteligência de acordo com o teste de quociente de</p><p>inteligência (QI). Esse quociente é uma medida convencional da capacidade intelectual</p><p>do indivíduo, baseada na averiguação das distintas habilidades intelectuais (verbais,</p><p>visuoespaciais, abstração, cálculo, etc.). Ele é obtido por meio de testes individuais</p><p>padronizados. Pela aplicação dos testes em extensas amostras populacionais, obtiveram-</p><p>se normas quantitativas do QI. A média populacional do QI é igual a 100. Na faixa de</p><p>85 a 115 (QI normal médio), encontram-se 68% da população. Um QI superior a 115 ou</p><p>120 é considerado uma inteligência superior e um QI acima de 130 é considerado uma</p><p>inteligência muito superior. Um QI entre 70 a 84 é considerado limítrofe entre a</p><p>“normalidade” e o retardo mental. Diversos aspectos são levados em conta quando esses</p><p>testes são aplicados. Principalmente, o contexto cultural da população investigada.</p><p>As alterações da inteligência podem ser de dois tipos: os retardos mentais (QI com</p><p>resultado a partir de 69 para baixo) e as demências. Ambas serão estudadas</p><p>especificadamente nas aulas de Retardo Mental e de Demências.</p><p>Suponho que me entender</p><p>não é uma questão de inteligência</p><p>e sim de sentir,</p><p>de entrar em contato...</p><p>Ou toca, ou não toca.</p><p>by Clarice Lispector</p><p>29</p><p>2.3.6. SENSOPERCEPÇÃO</p><p>Is this a dagger which I see before me.</p><p>The handle to ward my hand?</p><p>Come, let me clutch thee:</p><p>I have thee not, fatal vision, sensible</p><p>To feeling as to sight? or art thou but</p><p>A dagger of the mind, a false creation,</p><p>Proceeding from the heat-opressed brain?</p><p>by William Shakespeare in “Macbeth”</p><p>Todas as informações do ambiente, necessárias à sobrevivência do indivíduo, chegam</p><p>até o organismo por meio das sensações. Os diferentes estímulos físicos (luz, som,</p><p>calor, etc) ou químicos (substâncias com sabor ou odor, estímulos sobre as mucosas, a</p><p>pele, etc) agem sob os órgãos dos sentidos, estimulando os diversos receptores e, assim,</p><p>produzindo as sensações. O ambiente fornece constantemente informações sensoriais ao</p><p>organismo que, por intermédio delas, se auto-regula e organiza suas ações voltadas à</p><p>sobrevivência ou à interação social.</p><p>A sensação é um fenômeno gerado por estímulos físicos, químicos ou biológicos</p><p>variados, originados fora ou dentro do organismo, que produzem alterações nos órgãos</p><p>receptores, estimulando-os. As diferentes formas de sensação são geradas por estímulos</p><p>sensoriais específicos, como visuais, táteis, auditivos, olfativos, gustativos, cinestésicos.</p><p>A percepção é a tomada de consciência, pelo indivíduo, do estímulo sensorial. Defini-se</p><p>também como a tomada de conhecimento sensorial de objetos ou de fatos exteriores</p><p>mais ou menos complexos.</p><p>Atribui-se à sensação a dimensão neuronal, ainda não plenamente consciente,</p><p>no</p><p>processo de sensopercepção. A percepção diz respeito à dimensão neuropsicológica do</p><p>processo, à transformação de estímulos puramente sensoriais em fenômenos perceptivos</p><p>conscientes. A visão do azul do mar, acompanhada de todas as emoções a ela atreladas,</p><p>só chega à nossa consciência a partir do momento que o impulso nervo partindo dos</p><p>nossos olhos (sensação) chega à região do córtex cerebral (occipital) responsável por</p><p>esse reconhecimento (percepção). Fica evidente que nossas percepções vão sendo</p><p>formadas ao longo do nosso desenvolvimento. Estão atreladas às experiências passadas</p><p>registradas na memória e a ao contexto sociocultural em que vivemos. Ou seja, a</p><p>percepção é aprendida ao longo da nossa história.</p><p>O elemento básico do processo de sensopercepção é a imagem perceptiva real, ou</p><p>simplesmente imagem. A imagem se caracteriza pelas seguintes qualidades:</p><p>A. Nitidez – a imagem é nítida, seus contornos são precisos.</p><p>B. Corporeidade – a imagem é viva, corpórea, tem luz, brilho e cores vivas.</p><p>C. Estabilidade – a imagem percebida é estável, não muda de um momento para</p><p>outro.</p><p>30</p><p>D. Extrojeção (projeção para o exterior) – a imagem, provinda do espaço</p><p>exterior, também é percebida neste espaço.</p><p>E. Ininfluenciabilidade voluntária – o indivíduo não consegue alterar</p><p>voluntariamente a imagem percebida.</p><p>F. Completitude – a imagem apresenta desenho completo e determinado, com</p><p>todos os detalhes diante do observador.</p><p>É preciso diferenciar o fenômeno imagem do fenômeno representação. A contrário da</p><p>imagem perceptiva real, a imagem representativa ou mnêmica (representação) se</p><p>caracteriza por ser apenas uma revivescência de uma imagem sensorial determinada,</p><p>sem que esteja presente o objeto original que a produziu. Assim, denomina-se</p><p>representação a reapresentação de uma imagem na consciência, sem a presença real,</p><p>externa, do objeto que, em um primeiro momento, gerou uma imagem sensorial. A</p><p>imagem representativa ou mnêmica (representação) tem as seguintes características:</p><p>A. Pouca nitidez – os contornos, geralmente, são borrados.</p><p>B. Pouca corporeidade – a imagem representativa não tem a vida de uma imagem</p><p>real.</p><p>C. Instabilidade – a representação aparece e desaparece facilmente da consciência.</p><p>D. Introjeção – a imagem representativa é percebida no espaço interno.</p><p>E. Incompletude – a representação demonstra um desenho indeterminado,</p><p>apresentando-se geralmente incompleta e apenas com alguns detalhes.</p><p>Existem alguns subtipos de representações:</p><p>A. Imagem eidética (eidetismo) – é a evocação de uma imagem guardada na</p><p>memória, ou seja, de uma representação, de forma muito precisa, com</p><p>características semelhantes à percepção. A imagem eidética é experimentada por</p><p>alguns indivíduos que, por uma capacidade excepcional, conseguem ver um</p><p>objeto com muita nitidez e clareza (ex.: a face de uma pessoa). A evocação de</p><p>uma imagem eidética é voluntária e não representa necessariamente sintoma de</p><p>transtorno mental.</p><p>B. Pareidolias – são as imagens visualizadas voluntariamente a partir de estímulos</p><p>imprecisos do ambiente. Ao olhar uma nuvem e poder ver nela um animal</p><p>qualquer, um rosto, a criança está experimentando uma pareidolia. Muitos</p><p>olham para a lua, por exemplo, e por meio de esforço voluntário visualiza o que</p><p>seria a figura de São Jorge montado em um cavalo e matando um dragão. São</p><p>formas de percepção artificialmente modificadas, ou seja, são pareidolias.</p><p>2.3.6.1. ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS DA SENSOPERCEPÇÃO</p><p>A. Hiperestesia – as percepções encontram-se anormalmente aumentadas em sua</p><p>intensidade ou duração. Os sons são ouvidos de forma muito amplificada; um ruído</p><p>parece um estrondo; as imagens visuais e as cores tornam-se mais vivas e intensas.</p><p>Pode ocorrer nas intoxicações por alucinógenos como o LSD; em algumas formas</p><p>de epilepsia, na enxaqueca, no hipertireoidismo; na esquizofrenia aguda e em certos</p><p>quadros maníacos.</p><p>31</p><p>B. Hipoestesia - diminuição global da sensopercepção. O mundo circundante é</p><p>percebido como mais escuro; as cores tornam-se mais pálidas e sem brilho; os</p><p>alimentos não têm mais sabor e os odores perdem sua intensidade. Pode ocorrer em</p><p>estados depressivos e orgânicos ou de sensações isoladas (ex.: amaurose dissociativa</p><p>– “cegueira histérica”).</p><p>C. Anestesia – perda da sensação. Usa-se, com freqüência, o termo anestesia para</p><p>indicar também analgesias (perda das sensações dolorosas) de área de pele e parte</p><p>do corpo.</p><p>Obs: anestesias, hipoestesias e analgesias em áreas que não correspondem a</p><p>territórios de nervos anatomicamente definidos em geral são de causa psicogênica.</p><p>Tais alterações ocorrem mais em pacientes com transtornos somatoformes,</p><p>dissociativos e conversivos (antigas neuroses histéricas), em indivíduos com alto</p><p>grau de sugestionabilidade (personalidade patológica dependente, por exemplo),</p><p>em alguns quadros depressivos e psicóticos graves.</p><p>2.3.6.2. ALTERAÇÕES QUALITATIVAS DA SENSOPERCEPÇÃO</p><p>“As ilusões são, por natureza, doces...” Proclamam os poetas.</p><p>Poeticamente, talvez. Às vezes, não nos permitimos perceber que vivemos de</p><p>reminiscências e que tudo é ilusório. Fabricamos a ilusão para sobreviver. É como a</p><p>nuvem leve e passageira, vivendo de nunca chegar a ser.</p><p>by Gilda Kelner* in “Perdidas Ilusões – Carta a um jovem amigo”.</p><p>*médica gastroenterologista; profª drª da ufpe; psicanalista e escritora.</p><p>A. Ilusão – se caracteriza pela percepção deformada, alterada, de um objeto real e</p><p>presente. Na ilusão, há sempre um objeto externo real, gerador do processo de</p><p>sensopercepção, mas tal percepção é adulterada. Ocorrem basicamente em três</p><p>condições: por turvação da consciência, a percepção torna-se imprecisa, fazendo com</p><p>que os estímulos sejam percebidos de forma deformada; em estados de fadiga grave ou</p><p>inatenção marcante (podem ocorrer ilusões transitórias e sem muita importância clínica)</p><p>e em alguns estados afetivos. Por sua acentuada intensidade, o afeto pode formar o</p><p>processo de sensopercepção, gerando as chamadas ilusões catatímicas. Por exemplo:</p><p>pacientes portadores do Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) têm um quadro</p><p>clínico repleto de ilusões catatímicas. Nesses casos, o estado afetivo e a reminiscência</p><p>do trauma sofrido podem fazer com que o doente perceba objetos e situações como se</p><p>fossem idênticas àquela que gerou o trauma. Pacientes deprimidos podem perceber os</p><p>objetos em sua volta de forma deturpada e destituída de interesse e prazer. Tudo que é</p><p>influenciado pelo afeto (será exposto na função psíquica afetividade) recebe em</p><p>psicopatologia a denominação de catatimia. As ilusões mais comuns são as visuais, nas</p><p>quais o paciente geralmente vê pessoas, monstros, animais, entre outras coisas, a partir</p><p>de estímulos visuais como móveis, roupas, objetos ou figuras penduradas nas paredes.</p><p>Também não são raras as ilusões auditivas, nas quais, a partir de estímulos sonoros</p><p>inespecíficos, o paciente ouve seu nome, palavras significativas ou chamamento.</p><p>32</p><p>Vem</p><p>Vem andar sobre os meus sonhos</p><p>Em minhas alucinações o vejo</p><p>O escuto como cachoeiras de águas cristalinas</p><p>O seu caminhar é suave e misterioso</p><p>Não sei quem você é</p><p>Não sei quem eu sou</p><p>Só restam os meus sonhos</p><p>in “A Lagoa” by Janet Frame*</p><p>*escritora neozelandesa – passou anos internada como esquizofrênica devido a um erro</p><p>diagnóstico - teve sua biografia retratada no cinema em “Um Anjo Em Minha Mesa”,</p><p>Nova Zelândia, 1990.</p><p>B. Alucinação – é a percepção clara e definida de um objeto (voz, ruído, imagem), sem</p><p>a presença do objeto estimulante real. As alucinações têm todas as características de</p><p>uma imagem perceptiva real (nitidez, corporeidade, projeção no espaço exterior,</p><p>constância). As mais importantes em psicopatologia fenomenológica são:</p><p>B.1 – Alucinações auditivas – são as mais freqüentes nos transtornos mentais. Podem</p><p>ser simples</p><p>e complexas. As simples são caracterizadas pela queixa do paciente de estar</p><p>escutando ruídos, zumbidos (acoasmas) e são menos freqüentes que as complexas. A</p><p>forma de alucinação auditiva complexa mais freqüente e significativa em psicopatologia</p><p>é a alucinação audioverbal, na qual o paciente escuta vozes sem qualquer estímulo real.</p><p>São vozes que geralmente o ameaçam ou insultam. Quase sempre a alucinação</p><p>audioverbal é de conteúdo depreciativo e/ou de perseguição. Em alguns casos, as vozes</p><p>ordenam que o paciente faça isso ou aquilo (são as chamadas vozes de comando –</p><p>alucinações auditivas complexas imperativas), podendo, inclusive, mandar que ele se</p><p>suicide ou mate outra pessoa. Ás vezes, as vozes comentam as atividades corriqueiras</p><p>do paciente (são as chamadas vozes que comentam a ação – alucinações auditivas</p><p>complexas em forma de vozes comentadoras de atos). As vozes podem ser de duas</p><p>ou mais pessoas conversando sobre questões que envolvem o paciente (alucinações</p><p>auditivas complexas em forma de diálogo). Fenômenos próximos das alucinações</p><p>auditivas são: a sonorização do pensamento, o eco do pensamento e a publicação do</p><p>pensamento. A sonorização é experimentada como a vivência sensorial de ouvir o</p><p>próprio pensamento, no mesmo momento em que está sendo pensado. O eco do</p><p>pensamento é experimentado como a vivencia sensorial de ouvir o pensamento de forma</p><p>repetida, logo após ter sido pensando. Em psicopatologia moderna, considera-se a</p><p>sonorização e o eco do pensamento como fenômenos que se complementam e se</p><p>confundem. Ambos podem ser chamados de Eco do pensamento. Na publicação do</p><p>pensamento, o paciente tem a nítida sensação de que as pessoas ouvem o que ele pensa</p><p>no exato momento em que está pensando (está mais relacionada a uma alteração do</p><p>pensamento). Assim, as alucinações auditivas complexas, resumidamente, podem</p><p>ser fenomenologicamente divididas em quatro tipos: imperativas, em forma de</p><p>diálogo, comentadoras de atos e eco do pensamento. Ocorrem, sobretudo, na</p><p>esquizofrenia; em paciente deprimido grave que pode ouvir vozes que lhe acusa de ser</p><p>mau, merecedor de castigo (depressão delirante - vozes que lhe falam de suicídio não</p><p>33</p><p>lhe são estranhas porque o doente já vem pensando na morte); nos quadros de mania as</p><p>vozes reafirmam ao paciente seu status de poder e grandeza.</p><p>B.2 - Alucinações visuais – são visões nítidas que o paciente experimenta, sem a</p><p>presença de estímulos visuais. Podem ser simples (também são denominadas</p><p>fotopsias) ou complexas. Nas simples, o indivíduo vê cores, bolas e pontos brilhantes.</p><p>Podem ocorrer na esquizofrenia, no abuso de álcool, na epilepsia. As alucinações</p><p>visuais complexas ou configuradas incluem figuras e imagens de pessoas (vivas os</p><p>mortas, familiares ou desconhecidos), de partes do corpo (órgãos genitais, caveiras,</p><p>olhos assustadores, cabeças disformes, etc.), de entidades (o demônio, um fantasma, um</p><p>santo), de objetos inanimados, animais ou crianças. Podem incluir visões de cenas</p><p>completas (p. ex., a casa pegando fogo), sendo então denominadas alucinações</p><p>cenográficas (são relativamente raras). Um outro tipo de alucinação visual complexa é</p><p>a chamada alucinação liliputiana, na qual o indivíduo vê cenas com personagens</p><p>diminutos, minúsculos, “duendes”, entre os objetos e pessoas reais de sua casa. Relatava</p><p>Santa Teresa D’Ávila quando, já vivendo no convento, entrava em surto psicótico:</p><p>Os homenzinhos estão todos soltos no jardim e posso vê-los entre as plantas. Fechem</p><p>todas a portas porque eles planejam invadir o convento e nos molestar. Vão subir pelas</p><p>nossas pernas disfarçados de formigas. Mas, são homens! São do tamanho de insetos.</p><p>Lá vêem eles com a intenção de nos violar.</p><p>Existem pessoas que colocam adesivos em seus automóveis do tipo “eu acredito ou eu</p><p>já vi duendes”. Se elas tiverem visto realmente, podemos está diante de indivíduos que</p><p>apresentaram uma alucinação liliputiana. Mas, sabemos que a maior parte desses</p><p>indivíduos se refere aos duendes de forma mística. Vê de verdade nunca viu! Em nosso</p><p>meio, temos uma apresentadora de tv que divulga bastante, entre os de tenra idade, a</p><p>existência desses “seres”. As alucinações visuais complexas podem ocorrer: nas</p><p>demências por corpos de Lewy (recentemente, publicamos um trabalho sobre esse tipo</p><p>de demência – os interessados solicitem); doença de Parkinson com demência; delirium</p><p>(sobretudo no delirium tremens dos alcoolistas – visão de insetos andando pelo</p><p>corpo – são as chamadas zoopsias); demência vascular; demência de Alzheimer;</p><p>intoxicações por alucinógenos (como o LSD); esquizofrenia (em proporção bem menor</p><p>que as alucinações auditivas). Percebe-se que a grande maioria dos transtornos (onde as</p><p>alucinações visuais podem se apresentar) está relacionada a doenças orgânicas ou a uso</p><p>de substâncias psicoativas. Assim, na presença de alucinações visuais, é</p><p>importantíssima a investigação complementar de causas orgânicas (principalmente</p><p>entre idosos).</p><p>B.3 - Alucinações táteis – o paciente sente espetadas, choques. Os doentes podem se</p><p>queixar que insetos ou pequenos animais correm sobre sua pele (muito freqüente no</p><p>delírio de infestação ou síndrome de Ekbon). São relativamente freqüentes as</p><p>alucinações táteis sentidas nos genitais, sobretudo em pacientes esquizofrênicos, que</p><p>sentem de forma passiva que forças estranhas tocam, cutucam ou penetram seus</p><p>genitais. Além dos quadros citados, podemos encontrar esse tipo de alucinação no</p><p>delirium tremens (associada com as zoopsias o paciente pode se queixar que sente os</p><p>animais caminhando sobre sua pele) e nas psicoses tóxicas (sobretudo naquelas</p><p>produzidas pela cocaína).</p><p>34</p><p>B.4 – Alucinações olfativas e gustativas - são relativamente raras. Em geral, as</p><p>olfativas manifestam-se como o “sentir” o odor de coisas podres, de cadáver, de fezes,</p><p>etc. Nas gustativas, os pacientes sentem, na boca, o sabor de ácido, de sangue, de urina,</p><p>etc., sem qualquer estímulo gustativo presente. As olfativas são mais freqüentes nos</p><p>quadros histéricos, seguidos dos quadros de esquizofrenia e em crises de epilepsia</p><p>temporal (crises uncinadas). As gustativas ocorrem com mais freqüência na</p><p>esquizofrenia e, em seguida, nos quadros histéricos.</p><p>B.5 – Alucinações cenestésicas e cinestésicas – as cenestésicas ou viscerais são</p><p>alucinações descritas pelos pacientes de modo bizarro. Eles referem-se a dores</p><p>dilacerantes, a que os órgãos estão saindo das cavidades, que tem um animal ou objeto</p><p>cortante rastejando ou perfurando dentro do seu corpo. Ocorrem principalmente na</p><p>esquizofrenia. Quando se percebem os órgãos encolhendo ou sumindo ocorrem,</p><p>sobretudo em depressões graves. As cinestésicas ou de movimento são sensações de</p><p>flutuação, de sentir o corpo rodar ou de afundar no leito, de sentir a perna encolhendo</p><p>ou o braço se elevando. Tais fenômenos ocorrem principalmente no delirium tremens e</p><p>nos quadros histéricos.</p><p>B.6 – Alucinações funcionais – são aquelas verdadeiramente desencadeadas por</p><p>estímulos sensoriais. A diferença com a ilusão é que enquanto a ilusão é a deformação</p><p>de uma percepção de um objeto real e presente, a alucinação funcional é uma alucinação</p><p>(ausência de objeto) apenas desencadeada por um estímulo real. Alguns pacientes</p><p>relatam, por exemplo, que quando abrem o chuveiro ou a torneira da pia começam a</p><p>ouvir vozes. São encontradas na esquizofrenia.</p><p>B.7 – Alucinações combinadas, reflexas ou sinestésicas – são experiências</p><p>alucinatórias nas quais podem ocorrer alucinações de várias modalidades sensoriais</p><p>(auditivas, visuais, táteis, etc.), ao mesmo tempo. Por exemplo: um paciente</p><p>esquizofrênico ver (alucinação visual) a pessoa que está falando palavrões para ele</p><p>(alucinação auditiva complexa) e consegue até tocar no corpo dessa pessoa (alucinações</p><p>táteis).</p><p>B.8 – Alucinações extracampinas - são alucinações experimentadas fora do campo</p><p>sensoperceptivo usual,</p><p>como quando o indivíduo vê uma imagem às suas costas ou atrás</p><p>de uma parede. É um fenômeno raro, associado usualmente às psicoses.</p><p>B.9 – Aluncinações Hipnagógicas e Hipnopômpicas – são alucinações auditivas,</p><p>visuais ou táteis, relacionadas à transição sono-vigília. Assim, não são incomuns</p><p>alucinações visuais (com pessoas, objetos, animais, monstros, etc.) que surgem na fase</p><p>de transição entre a vigília e o sono. As hipnopômpicas ocorrem na fase em que o</p><p>indivíduo está acordando e as hipnagógicas surgem no momento em que se está</p><p>adormecendo. Não são sempre fenômenos patológicos. Exemplo patológico:</p><p>narcolepsia.</p><p>B.10. – Alucinação autoscópica (imagem do duplo) – é relativamente rara. Esse tipo</p><p>de alucinação não é precisamente uma alucinação visual porque as sensações</p><p>cinestésicas e cenestésicas podem também estar dando ao indivíduo a impressão de que</p><p>a alucinação é ele próprio. Podem ocorrer em estados de delirium e ocasionalmente é</p><p>35</p><p>um sintoma histérico. O fato de que a alucinação autoscópia pode estar associada com</p><p>desordens do lobo parietal devidas a alterações cérebro-vasculares ou infecções severas</p><p>explica porque no folclore alemão acredita-se que a pessoa quando vê seu duplo é</p><p>indicativo de que ela está próxima de morrer.</p><p>C. Alucinose – é o fenômeno pelo qual o paciente percebe a alucinação como estranha à</p><p>sua pessoa. A escola francesa enfatiza que na alucinose o indivíduo sempre terá o</p><p>sensório claro (estará consciente) e fará crítica ao quadro alucinatório, reconhecendo-o</p><p>como patológico. Aqui, embora o doente veja a imagem ou ouça a voz, falta a crença</p><p>que comumente o alucinado tem em sua alucinação. O exemplo mais clássico é o que</p><p>acontece na alucinose alcoólica (quadro clínico que pode ocorrer na evolução do</p><p>alcoolismo, onde o paciente abstênico sabe que as vozes que escuta na verdade são</p><p>conseqüências psicopatológicas da falta que o álcool está fazendo no seu organismo).</p><p>Considerações finais sobre psicopatologia da sensopercepção - na fase inicial de</p><p>alguns quadros psicóticos, observa-se um fenômeno chamado modernamente como</p><p>estranheza do mundo percebido ou, simplesmente, estranheza do percebido (Karl</p><p>Jaspers denominava de “alterações da síntese perceptiva”). O mundo, como um todo,</p><p>é percebido alterado, bizarro, difícil de definir pelo doente. O mundo parece que se</p><p>transformou, ou parece morto, sem vida, vazio, ou ainda sinistramente outro, estranho.</p><p>Não se trata de erro de julgamento (se fosse, seria uma alteração do juízo), mas, de fato,</p><p>o próprio mundo é percebido de outra forma, a visão do mundo é que está alterada, e</p><p>não o julgamento sobre ele. Pode ocorrer como sintoma que antecede, em cerca de seis</p><p>meses, um surto psicótico. Na maioria das vezes, não o presenciamos na clínica. O</p><p>paciente ou a família relata como uma característica do início da doença (quando ainda</p><p>não se imaginava que o quadro evoluiria para uma psicose, por exemplo). Pode ocorrer</p><p>também em um quadro clínico chamado de desrealização (é estudado nos transtornos</p><p>dissociativos/conversivos).</p><p>2.3.7. JUÍZO (OU JUÍZO DE REALIDADE)</p><p>Tudo transcende tudo e é mais real e menor do que é.</p><p>by Fernando Pessoa</p><p>Ajuizar (produzir juízo) é uma atividade humana por excelência. Por meio dos juízos o</p><p>ser humano afirma a sua relação com o mundo, discerne a verdade do erro, assegura-se</p><p>da existência ou não de um objeto perceptível (juízo de existência), assim como</p><p>distingue uma qualidade de outra (juízo de valor). Juízos falsos podem ser produzidos</p><p>de inúmeras formas, sendo ou não patológicos. Em psicopatologia, a primeira distinção</p><p>essencial a se fazer é entre o erro não determinado por transtorno mental e as diversas</p><p>formas de juízos falsos determinados por uma doença mental, sendo a principal delas o</p><p>DELÍRIO. Não existe limite nítido, fácil e decisivo entre o erro e o delírio. O erro se</p><p>origina da ignorância, do julgar apressado e com base em premissas falsas. O erro pode</p><p>ocorrer por atribuições culturais e de valores falsos a determinadas pessoas ou situações,</p><p>como exemplos: tomar-se uma pessoa simpática, bem vestida, educada como confiável</p><p>e honesta, etc., ou, inversamente, considerar uma pessoa malvestida, com aparência</p><p>36</p><p>desagradável, expressão rude como desonesta; valer-se de uma prática ilegal promovida</p><p>por uma determinada categoria profissional ou por alguma entidade e ter convicção que</p><p>todos os indivíduos que pertencem a esse grupo praticam atos desonestos, etc.</p><p>Os erros são passíveis de serem corrigidos pela experiência, pelas provas e pelos dados</p><p>que a realidade oferece. Uma boa parte dos erros de ajuizamento é determinada por</p><p>situações afetivas intensas ou dolorosas, que impedem que o indivíduo analise a</p><p>experiência de forma objetiva e lógica. Segundo Jaspers, o erro é psicologicamente</p><p>compreensível, pois se admiti que possa surgir e persistir em virtude da ignorância, do</p><p>medo, do fanatismo religioso ou político, da necessidade e da pressa em se solucionar</p><p>um problema, de esclarecer uma dúvida ou de resolver um impasse. Enquanto o delírio</p><p>tem como característica principal ser incompreensível. Nessa concepção, não se pode</p><p>compreender psicologicamente o delírio.</p><p>Os tipos de erros mais comuns, não determinados necessariamente por transtornos</p><p>mentais, são os preconceitos, as crenças culturalmente sancionadas e as superstições.</p><p>2.3.7.1. PSICOPATOLOGIA DO JUÍZO: O DELÍRIO</p><p>Conceito e características do delírio</p><p>A idéia delirante ou delírio são juízos patologicamente falsos. Dessa forma, o delírio é</p><p>um erro no ajuizar que tem origem na doença mental. Não é tanto a falsidade do</p><p>conteúdo que faz um delírio ser incompreensível (existem conteúdos delirantes que são</p><p>passíveis de acontecer), mas, sobretudo a justificativa para a crença que o delirante</p><p>apresenta, o tipo de evidência que lhe assegura que as coisas são assim. Jaspers descreve</p><p>algumas características que, do ponto de vista prático, são muito importantes para a</p><p>identificação clínica do delírio:</p><p>A. O doente apresenta uma convicção extraordinária, uma certeza subjetiva</p><p>praticamente absoluta. A sua crença é total; a seu ver, não se pode colocar em</p><p>dúvida a veracidade de seu delírio;</p><p>B. É impossível a modificação do delírio pela experiência objetiva, por provas</p><p>explícitas da realidade, por argumentos lógicos. Assim, diz-se que o delírio é</p><p>irremovível, mesmo pela prova de realidade mais cabal, ele não é passível de</p><p>ser influenciado externamente por pessoas que queiram demover o delirante de</p><p>suas crenças.</p><p>C. O conteúdo do delírio é impossível. Embora este seja o aspecto mais evidente</p><p>do delírio, mais fácil de caracterizar, é, também, o aspecto, do ponto de vista</p><p>psicopatológico, mais frágil. Existem conteúdos delirantes passíveis de serem</p><p>verídicos. Por exemplo: o delírio de ciúmes que ocorre no alcoolismo crônico; a</p><p>síndrome de Othello (transtorno delirante crônico – um tipo de paranóia, cujo</p><p>tema principal é o delírio de ciúmes), etc. Nesses casos, os pacientes têm a</p><p>certeza delirante que está sendo traído pelo cônjuge. A justificativa, para a</p><p>crença que está sendo traído e o tipo de evidência que o paciente assegura ser,</p><p>37</p><p>esse fato, verdadeiro são determinantes para a caracterização de que está</p><p>ocorrendo um delírio.</p><p>D. O tema do delírio não é compartilhado pelas outras pessoas que fazem</p><p>parte do grupo cultural do delirante. Ao delirar, o indivíduo se desgarra de sua</p><p>trama social, do universo cultural no qual se formou, e passa, mesmo contra</p><p>esse grupo cultural, a produzir seus símbolos e suas crenças individuais.</p><p>Surgimento e evolução clínica do delírio</p><p>Jaspers destacou que, em geral, os delírios surgem após um período pré-delirante. Ele</p><p>denominou essa fase de humor delirante. Nesse período, o paciente sente aflição e</p><p>ansiedade intensas, sente como se algo terrível estivesse por acontecer, sem</p><p>saber</p><p>exatamente o quê... Predominam aqui grande perplexidade, sensação de fim do mundo e</p><p>estranheza do percebido. Esse estado pode durar horas ou dias. O humor delirante cessa</p><p>quando o paciente passa a vivenciar o delírio propriamente dito. Nessa fase, na maioria</p><p>das vezes, o paciente se acalma, fica menos ansioso, como se tivesse encontrado</p><p>explicação plausível para a perplexidade anteriormente inexplicável. Descrevem-se as</p><p>seguintes fases na evolução clínica do delírio:</p><p>A. Trema (a palavra significa a tensão dos atores de teatro antes de entrar em cena)</p><p>– corresponde ao humor delirante descrito por Jaspers. É a fase que precede</p><p>imediatamente o surgimento das idéias delirantes. O paciente tem sensação de</p><p>fim do mundo e estranheza do percebido. Pressente que algo de ruim está por</p><p>acontecer. Sente medo e angústia.</p><p>B. Apofania (o termo significa “torna-se manifesto”) – a tensão acumulada na fase</p><p>anterior agora se desdobra em delírio. O paciente tem a vivência de uma</p><p>verdadeira revelação. Nessa fase, tudo se volta para o indivíduo. Não é ele que</p><p>se dirige intencionalmente para o mundo, mas o contrário. Esse fenômeno é</p><p>chamado de anástrofe (inversão, deslocamento). O paciente se sente de forma</p><p>passiva o centro do mundo, observado por todos. A apofania (revelação do</p><p>delírio) e a anástrofe (quando o mundo se volta para o delirante) formam o</p><p>núcleo da experiência esquizofrênica.</p><p>C. Fase apocalíptica – corresponde a certo grau de desorganização do indivíduo</p><p>após a primeira revelação do delírio inicial. Tal fase é acompanhada de</p><p>vivências ameaçadoras de fim de mundo. O indivíduo delirante parece viver a</p><p>estranha reestruturação do seu mundo. Podem surgir alterações psicomotoras,</p><p>como sintomas catatônicos ou agitação, e alterações da consciência do Eu.</p><p>D. Consolidação – depois de certo tempo do início do processo psicótico, de idas e</p><p>vindas de desorganização e reorganização, ocorre certa estabilização. O delírio</p><p>tente a cristalizar-se, há certa elaboração intelectual em torno dele, com a</p><p>fixação de elementos a partir da personalidade do indivíduo. O paciente diz:</p><p>“finalmente me deixaram em paz apesar de ainda estarem me observando”.</p><p>38</p><p>E. Fase de resíduo – período final do processo psicótico delirante. Hás alterações</p><p>importantes da volição (vontade) e da afetividade. O paciente não pode mais</p><p>confiar e nem se relacionar calorosamente com os outros e busca o isolamento</p><p>social. Às vezes alguns esquizofrênicos se afastam do seu grupo social, porém</p><p>buscam contato com indivíduos que vivem nas ruas, em guetos ou procuram</p><p>relacionamentos exclusivamente virtuais (chats, msn, geralmente, com</p><p>desconhecidos).</p><p>Em relação ao curso, os delírios podem ser agudos ou crônicos. Os agudos surgem de</p><p>forma rápida podendo desaparecer em pouco tempo (horas ou dias). Podem ser</p><p>passageiros e fugazes, estando, nesses casos, associados a transtornos da consciência</p><p>das psicoses tóxicas ou infecciosas. Os crônicos tendem a ser persistentes, contínuos, de</p><p>longa duração (vários anos), pouco modificáveis ao longo do tempo (ex.: esquizofrenia</p><p>e paranóia).</p><p>Mecanismos construtivos do delírio - formação da idéia delirante</p><p>O delírio é formado pelas vivências delirantes primárias. Existem três tipos de</p><p>vivências delirantes: percepções, representações e intuições.</p><p>A. Na percepção delirante, uma percepção real adquire de repente uma significação</p><p>especial, quase sempre com alguma referência ao paciente; às vezes ela é precedida por</p><p>um vago humor delirante, em que o indivíduo pressente que os fatos percebidos</p><p>significam algo sem poder ainda, porém, precisar o que seja. Ex.: uma paciente</p><p>apresentada em aula prática relatava: no domingo fui à missa... vi o padre entrar pela</p><p>porta do lado esquerdo do altar... ele sempre entrava pela outra porta... aí eu entendi</p><p>tudo... fui ao altar...comecei a fazer um sermão...perguntei: por que o senhor está</p><p>armando um complô para me matar?</p><p>B. As representações ou interpretações delirantes são novas colorações e</p><p>significados especiais que o paciente atribui às recordações da sua vida. São</p><p>significados inverossímeis atribuídos a certas reminiscências que repentinamente</p><p>assaltam o paciente. Ex.: um paciente que saiu de casa, estimulado pelos pais, para</p><p>estudar em outra cidade. Infelizmente, fez um quadro psicótico grave e em crise dizia:</p><p>agora entendi porque há dois anos meus pais me mandaram estudar em outra</p><p>cidade...Desde àquela época eles tinham intenção de me matar.</p><p>C. A intuição ou cognição delirante é uma crença falsa, em geral; de grande</p><p>significação para o paciente, que lhe ocorre de modo imediato e compreensível.</p><p>Enquanto na percepção delirante existem dois membros, a percepção normal e o</p><p>significado delirante a ela atribuído, na intuição delirante existe um só membro. Ex.: um</p><p>paciente afirma, de um momento para o outro, que é habitante de Marte. Pergunta-se: o</p><p>que lhe faz pensar assim? Resposta: eu sei, simplesmente tenho certeza disso.</p><p>39</p><p>Estrutura dos delírios</p><p>Segundo a estrutura, os delírios podem ser:</p><p>A. Simples (monotemático) – são idéias que se desenvolvem em torno de um só</p><p>conteúdo, de um tema único.</p><p>B. Complexos (pluritemáticos) – são aqueles que englobam vários temas ao</p><p>mesmo tempo, com múltiplas facetas, envolvendo diversos conteúdos.</p><p>C. Não-sistematizados - os conteúdos e os detalhes dos delírios variam de</p><p>momento para momento e costumam ser encontrados em indivíduos com baixo</p><p>nível intelectual, deficientes mentais ou em pacientes com quadros demenciais.</p><p>D. Sistematizados – são bem organizados, com histórias ricas, consistentes, que</p><p>mantêm, ao longo do tempo, os mesmos conteúdos, com riquezas de detalhes. O</p><p>paciente justifica e sustenta seu delírio de forma bem estruturada e com base em</p><p>suas vivências delirantes primárias.</p><p>Patoplastia dos delírios - os tipos de delírio segundo seus conteúdos (descreveremos</p><p>de acordo com a ordem de freqüência dos temas)</p><p>A. Delírios de perseguição - a perseguição é o tema mais freqüente dos delírios</p><p>(três quartos dos delirantes apresentam essa patoplastia).</p><p>A.1. Delírio persecutório ou de perseguição (propriamente dito) – o paciente</p><p>acredita que está sendo vítima de um complô e está sendo perseguido por pessoas</p><p>desconhecidas ou conhecidas. Tem certeza que querem envenená-lo, prendê-lo,</p><p>prejudicá-lo no trabalho ou na escola, desmoralizá-lo, matá-lo, etc. Pode ocorrer na</p><p>esquizofrenia e nas paranóias.</p><p>A.2. Delírio de referência (ou de auto-referência) – o paciente experimenta fatos</p><p>cotidianos fortuitos como sendo sempre direcionados à sua pessoa. Diz ser alvo</p><p>constante de referências caluniosas, depreciativas. Por exemplo: ao passar por um bar</p><p>e observar pessoas falando e rindo acredita que estão falando mal dele, chamando-o</p><p>de homossexual, chamando-o de ladrão, etc. Geralmente ocorre associado com a</p><p>temática anterior, ou seja, com o delírio persecutório. Ocorre com freqüência na</p><p>esquizofrenia e nas paranóias. Um mecanismo de defesa importante na formação dos</p><p>delírios persecutórios e de referência é o que Freud denominou de projeção. O</p><p>delirante, do ponto de vista psicodinâmico, projeta para o exterior seus medos e</p><p>angústias internas inconscientes. A projeção está envolvida na teoria</p><p>psicodinâmica da gênese das psicoses.</p><p>A.3. Delírio de influência ou controle (também denominados vivências de</p><p>influência) – o paciente vivencia intensamente o fato de está sendo controlado,</p><p>comandado ou influenciado por força, pessoa ou entidade externa. Exemplos de</p><p>frases dos doentes com vivências de influência: “raios luminosos controlam o que</p><p>40</p><p>devo pensar e falar”; “um espírito maligno guia meus sentimentos para cometer o</p><p>mau”. Ocorre com freqüência na esquizofrenia.</p><p>A.4. Delírio de reivindicação (ou querelância) – de forma completamente</p><p>desproporcional em relação à realidade,</p><p>o paciente afirma ser vítima de terríveis</p><p>injustiças e discriminações e, em conseqüência disso, envolvem-se em intermináveis</p><p>disputas legais, querelas familiares, processos trabalhistas, etc. O indivíduo</p><p>considera-se o representante dos injustiçados, dos perseguidos, e engaja-se</p><p>tenazmente contra o que considera injustiças, das quais julga ser a principal vítima.</p><p>Ocorre mais comumente em transtornos delirantes persistentes (paranóias).</p><p>B. Delírios expansivos</p><p>B.1. Delírio de grandeza - o paciente acredita ser extremamente especial, dotado de</p><p>capacidades e poderes. Acredita ter um destino espetacular, assim como sua origem</p><p>e seus antecedentes indicam que ele é um ser superior. Assim, o delírio é dominado</p><p>por idéias delirantes de poder e riqueza. Ocorre com freqüência nos quadros de</p><p>mania.</p><p>B.2. Delírio místico religioso - o doente acredita ter uma missão importante na</p><p>Terra. Geralmente, essa missão tem características messiânicas. Alguns chegam a</p><p>delirar “ser” o próprio Cristo reencarnado ou o verdadeiro Cristo. Não é um</p><p>fenômeno restrito ao cristianismo. Delírios místicos que envolvem a crença de se</p><p>estar possuído por entidades espirituais diversas são freqüentes (demônios, xangôs,</p><p>pomba-gira, iemanjá, buda, e outros deuses). Às vezes, vem associado com delírios</p><p>persecutórios. O paciente relata que está sendo perseguido e provavelmente será</p><p>exterminado por conta da missão importante que tem de realizar no plano</p><p>terrestre/espiritual ou por conta do ódio à “entidade” espiritual que ele reencarnou.</p><p>Os delírios religiosos freqüentemente apresentam aspecto grandioso, enfatizando a</p><p>própria importância do indivíduo que delira. Esse tema pode ocorrer em todas as</p><p>formas de psicoses, predominando, porém, na mania delirante e na esquizofrenia.</p><p>B.3. Delírio de invenção ou descoberta – mesmo completamente leigo da ciência</p><p>ou na área tecnológica em questão, o indivíduo revela ter descoberto a cura de uma</p><p>doença grave ou ter descoberto um aparelho fantástico que irá mudar o mundo. Pode</p><p>ocorrer na esquizofrenia, paranóia e mania (por exemplos).</p><p>C. Delírio de ciúme e delírio de infidelidade</p><p>O indivíduo percebe-se traído pelo cônjuge de forma vil e cruel, afirma que ela(e) tem</p><p>centenas de amantes, que o(a) trai com parentes, etc. Em geral o indivíduo acometido</p><p>pelo delírio de ciúmes é extremamente ligado e emocionalmente dependente do ser</p><p>amado. O sentimento de ciúmes intenso e desproporcional em indivíduos muito</p><p>possessivos e inseguros pode eventualmente ser difícil de diferenciar do delírio de</p><p>ciúmes. Principalmente, quando o delírio ocorre em indivíduos que já têm um</p><p>comportamento possessivo. O delírio de ciúmes pode ocorrer no alcoolismo crônico; na</p><p>Síndrome de Othello (transtorno delirante crônico – um tipo de paranóia, cujo tema</p><p>principal é o delírio de ciúmes); na esquizofrenia, etc. Nesses casos, os pacientes têm a</p><p>41</p><p>certeza delirante que está sendo traído pelo cônjuge. A justificativa, para a crença que</p><p>está sendo traído e o tipo de evidência que o paciente assegura ser, esse fato, verdadeiro</p><p>são determinantes para a caracterização de que está ocorrendo um delírio.</p><p>D. Delírios dolorosos ou depressivos</p><p>Têm temática marcadamente triste, como ruína ou miséria, culpa ou auto-acusação,</p><p>doenças e mesmo o desaparecimento de partes do corpo (negação de órgãos). São</p><p>extremamente relacionados a estados depressivos graves e profundos (chamados de</p><p>depressões delirantes).</p><p>D.1. Delírio de ruína (ou niilista) – o indivíduo refere que vive em um mundo onde só</p><p>tem desgraças, que ele e sua família está condenado à miséria, irão passar fome, o futuro</p><p>lhes reserva sofrimentos e fracassos. Em alguns casos, o paciente acredita estar morto</p><p>ou que o mundo inteiro está destruído e todos estão mortos.</p><p>D.2. Delírio de culpa e de auto-acusação – o paciente afirma, sem base real para isso,</p><p>ser culpado por todas as desgraças que acontecem na vida dele e daqueles que o cercam,</p><p>ter cometido um grave crime, ser uma pessoa indigna, pecaminosa, suja, irresponsável,</p><p>que deve ser punida por seus pecados.</p><p>D.3. Delírio de negação de órgãos – o indivíduo experimenta profundas alterações</p><p>corporais. Relata que seu corpo está destruído ou morto, que não tem mais um ou vários</p><p>órgãos, como o coração, o fígado, etc., não tem mais uma gota de sangue, seu corpo</p><p>secou ou apodreceu. Denomina-se delírio ou síndrome de Cottard quando o delírio de</p><p>negação de órgãos vem acompanhado de delírio de imortalidade (“Não vou morrer</p><p>nunca mais, vou sofrer para o resto da eternidade”) e, mais raramente, de delírio de</p><p>enormidade (o paciente sente o corpo se expandindo, tomando conta de todo o quarto,</p><p>crescendo até proporções gigantescas)</p><p>E. Delírio erótico (erotomania)</p><p>O paciente afirma que uma pessoa, geralmente de destaque social, está totalmente</p><p>apaixonada por ele e irá abandonar tudo para que possam se casar. É o delírio típico da</p><p>Síndrome de Clerambault (será estudada em transtornos delirantes persistentes –</p><p>paranóia).</p><p>F. Delírios somáticos</p><p>F.1. Delírio hipocondríaco – o indivíduo crê com convicção extrema que tem uma</p><p>doença grave, incurável, que está contaminado pelo vírus da AIDS, que irá morrer</p><p>brevemente em decorrência do câncer. Às vezes é difícil de se diferenciar das idéias</p><p>hipocondríacas não delirantes (são estudadas em transtornos somatoformes). Esse</p><p>delírio pode ocorrer em algumas formas de paranóia, na depressão delirante e na</p><p>esquizofrenia.</p><p>F.2. Delírio de infestação (síndrome de Ekbon) – o paciente acredita que seu corpo</p><p>(principalmente sua pele e/ou seus cabelos) está infestado por pequenos (mas</p><p>42</p><p>macroscópicos) organismos. Pode ocorrer na esquizofrenia, na depressão delirante, no</p><p>delirium tremens, em intoxicações por cocaína ou alucinógenos, etc.</p><p>Conceitos e considerações finais</p><p>Idéias deliróides versus idéias delirantes</p><p>Estamos diante de uma idéia deliróide, quando o delírio é fruto de condições</p><p>psicologicamente rastreáveis e compreensíveis. O delírio de ruína e culpa do paciente</p><p>com depressão grave é compreensível e derivável psicologicamente do estado de humor</p><p>alterado (catatimia) de forma profunda; constitui mais um aspecto, mais uma dimensão</p><p>que o humor deprimido adquiri. O humor elevado em pacientes com mania justifica as</p><p>idéias delirantes (deliróides) de grandeza e poder. Nessas situações, é mais prudente</p><p>denominarmos idéias deliróides e não idéias delirantes (essas não são frutos de</p><p>condições psicologicamente compreensíveis). Além disso, com o uso do termo idéia</p><p>deliróide, clinicamente registramos a evidência que um estado afetivo alterado</p><p>pode estar interferindo na patoplastia da atividade delirante.</p><p>Mitomania versus idéias delirantes</p><p>A mitomania foi descrita pelo francês Ernest Dupré em 1905. É a tendência patológica a</p><p>mentir e criar mitos, de modo mais ou menos voluntário e consciente. O paciente</p><p>mitômano conta longas e complicadas histórias. Seus feitos, suas aventuras, tudo é</p><p>falso. Existem duas formas clínicas da mitomania. Uma delas é a mitomania maligna,</p><p>o indivíduo cria histórias (orais ou escritas), cria fatos falsos e os divulga para</p><p>prejudicar ou depreciar alguém (geralmente uma pessoa das relações do mitômano, que</p><p>confia no mesmo, que, a princípio, nem imagina ser alvo da depreciação pública</p><p>promovida pelo portador de mitomania e que, raramente, descobre de quem partiu a</p><p>calúnia – a não ser quando o próprio mitômano revela). Tais mitômanos comumente se</p><p>mantêm no anonimato e zombam em segredo das especulações em torno da verdadeira</p><p>identidade do caluniador. Esse tipo ocorre mais nos transtornos da personalidade anti-</p><p>social e borderline. A outra forma clínica é a mitomania vaidosa, mais benigna que a</p><p>anterior, o indivíduo, em geral fanfarrão e charlatão, busca apenas impressionar os</p><p>outros para se promover. Pode ocorrer nos transtornos de personalidade</p><p>anti-social,</p><p>borderline, histriônica e em episódios de mania ou hipomania.</p><p>Pseudologia fantástica versus idéias delirantes</p><p>A pseudologia fantástica foi descrita em 1891, pelo psiquiatra alemão Delbrück, como</p><p>uma forma de mentira patológica. É bastante difícil de ser diferenciada tanto da</p><p>mitomania como do delírio mais estruturado e fantástico. A pseudologia fantástica</p><p>ocorre quando o indivíduo mescla dados reais da sua história com fantasia intensa e</p><p>penetrante. Um paciente relatou a Kurt Schneider: “por desgraça, a minha capacidade de</p><p>confundir o meu pensamento e a minha fantasia com a realidade viva é muito grande,</p><p>para que possa discernir os limites entre ser e parecer”. Os relatos são grandiosos e</p><p>extremos, e o indivíduo parece acreditar plenamente no que relata. Ocorre com mais</p><p>freqüência nos transtornos da personalidade borderline e histriônica.</p><p>43</p><p>O delírio se diferencia pelo marcante componente de convicção, não modificável</p><p>por provas de realidade ou confrontações. Já no caso da mitomania versus</p><p>pseudologia fantástica, deve-se levar em conta que ambas contêm uma mescla de</p><p>mentira, manipulação, auto-engano, auto-sugestão e ânsia pela estima e pelo</p><p>reconhecimento dos outros. Na mitomania prevalece o componente da mentira e</p><p>manipulação (principalmente no tipo maligna), e, na pseudologia fantástica, o</p><p>auto-engano, a auto-sugestão e a busca por estima alheia. Mais difícil ainda é</p><p>diferenciar entre a pseudologia fantástica e o tipo clínico mitomania vaidosa. Pois,</p><p>nem sempre é fácil saber o que realmente aconteceu na história do individuo e está</p><p>sendo mesclado com a mentira e a fantasia (no caso da pseudologia) ou se tudo que</p><p>está sendo relatado é absolutamente falso (no caso da mitomania vaidosa).</p><p>Felizmente, eu nunca convivi com gente muito ajuizada.</p><p>by Nise da Silveira</p><p>2.3.8. PENSAMENTO</p><p>Eu sou, eu existo; isso é certo; mas por quanto tempo? A saber, por todo o tempo em</p><p>que eu penso; pois poderia ocorrer que, se eu deixasse de pensar, eu deixaria ao</p><p>mesmo tempo de ser ou de existir. Agora eu nada admito que não seja necessariamente</p><p>verdadeiro: portanto, eu não sou, precisamente falando, senão uma coisa que pensa...</p><p>by Descartes in “Segunda meditação”.</p><p>O pensamento representa uma ligação entre conceitos, juízos e conhecimentos,</p><p>derivando sempre uns dos outros. No processo de pensamento distinguem-se: o curso do</p><p>pensamento, a forma ou estrutura do pensamento e o conteúdo ou temática do</p><p>pensamento. O curso é o modo como o pensamento flui, a sua velocidade e seu ritmo ao</p><p>longo do tempo. A forma do pensamento é a sua estrutura básica, preenchida pelos mais</p><p>diversos conteúdos e interesses do indivíduo. Por sua vez, o conteúdo do pensamento</p><p>pode ser definido como aquilo que dá substância ao pensamento, os seus temas</p><p>predominantes, o assunto entre si. Há tantos conteúdos de pensamento quantos são os</p><p>temas de interesse do ser humano.</p><p>2.3.8.1. ALTERAÇÕES DO CURSO</p><p>A. Aceleração (taquipsiquismo) – o pensamento flui de forma muito acelerada,</p><p>uma idéia se sucedendo à outra rapidamente. Ocorre nos quadros de mania, na</p><p>esquizofrenia, nos estados de ansiedade intensa, nas psicoses tóxicas (sobretudo</p><p>por anfetaminas e cocaína).</p><p>B. Lentificação (bradpsiquismo) – o pensamento progride lentamente, de forma</p><p>dificultosa. Há certa latência entre as perguntas formuladas e as respostas.</p><p>Ocorre principalmente nas depressões graves, em alguns casos de rebaixamento</p><p>do nível da consciência, em certas intoxicações por substâncias.</p><p>44</p><p>C. Bloqueio ou interceptação do pensamento – verifica-se quando o paciente, ao</p><p>relatar algo, no meio de uma conversa, brusca e repentinamente interrompe seu</p><p>pensamento, sem qualquer motivo aparente. O doente relata que, sem saber</p><p>porque, “o pensamento pára”, é bloqueado. Trata-se de alteração quase que</p><p>exclusiva da esquizofrenia.</p><p>D. Roubo do pensamento – é uma vivência, freqüentemente associada ao bloqueio</p><p>do pensamento, na qual o individuo tem a nítida sensação de que seu</p><p>pensamento foi roubado de sua mente, por uma força ou ente estranho, por uma</p><p>máquina, uma antena, lâmpadas elétricas, etc. O roubo do pensamento é um tipo</p><p>de vivência de influência (ver descrição em delírio de influência). É uma</p><p>alteração típica da esquizofrenia.</p><p>2.3.8.2. ALTERAÇÕES DA FORMA OU ESTRUTURA</p><p>A. Fuga de idéias – é uma alteração da estrutura secundária à aceleração do</p><p>pensamento, na qual uma idéia se segue a outra de forma extremamente rápida.</p><p>As associações entre as palavras deixam de seguir uma lógica ou finalidade do</p><p>pensamento e passam a ocorrer associações por assonância (ex.: amor, flor,</p><p>cor... ou cidade, idade, realidade...), e as idéias se associam muito mais pela</p><p>presença de estímulos externos contingentes (as pessoas que estão presentes na</p><p>sala de entrevista, os móveis da sala, um ruído incidental, alguém que entra na</p><p>sala, etc.). Tudo entra como tema do discurso (expressão da fuga de idéias). Há</p><p>o progressivo afastamento da idéia diretriz ou principal. É muito encontrada nos</p><p>quadros de mania.</p><p>B. Dissociação – é como Bleuler definiu a desorganização do pensamento</p><p>encontrada em certas formas de esquizofrenia. Os pensamentos passam a não</p><p>seguir uma seqüência lógica e bem-organizada, e os conceitos não se articulam</p><p>de forma coerente uns com os outros. Em fase inicial, a incoerência pode ser</p><p>discreta, ainda sendo possível captar aquilo que o indivíduo quer comunicar.</p><p>Com o agravamento do processo patológico, o pensamento pode tornar-se</p><p>totalmente incoerente e incompreensível.</p><p>C. Afrouxamento das associações – embora ainda haja concatenação lógica entre</p><p>as idéias, nota-se o afrouxamento dos enlaces associativos. As associações</p><p>parecem mais livres, não tão bem-articuladas. Manifesta-se nas fases iniciais da</p><p>esquizofrenia.</p><p>D. Desagregação – há profunda e radical perda dos enlaces associativos, total</p><p>perda da coerência do pensamento. Sobram apenas “pedaços” de pensamento,</p><p>conceitos e idéias fragmentadas, muitas vezes irreconhecíveis, sem qualquer</p><p>articulação racional, sem que sejam detectadas uma linha diretriz e uma</p><p>finalidade no ato de pensar. Trata-se de alteração típica de formas avançadas de</p><p>esquizofrenia e de quadros demenciais. Na esquizofrenia, de modo geral, o</p><p>progredir da desestruturação do pensamento segue esta seqüência (em ordem de</p><p>gravidade): dissociação, afrouxamento das associações e, finalmente,</p><p>desagregação.</p><p>45</p><p>2.3.8.3. “ALTERAÇÕES” DO CONTEÚDO</p><p>Embora muitos autores classifiquem os delírios como alterações do conteúdo do</p><p>pensamento, outros consideram isso incorreto. Ficamos com a opinião dos autores</p><p>clássicos, ou seja, julgamos incorreto. O conteúdo do pensamento é aquilo que preenche</p><p>a estrutura do processo de pensar. Nesse sentido, o conteúdo corresponde à temática do</p><p>pensamento. Assim, não se pode falar propriamente em alterações patológicas do</p><p>conteúdo do pensamento. Quando um indivíduo acometido por uma psicose afirma que</p><p>os vizinhos preparam um complô para matá-lo, o conteúdo é de perseguição, mas o que</p><p>está patologicamente alterado é a atribuição de realidade absoluta a esse pensamento (ou</p><p>seja, o juízo de realidade). Assim, o conteúdo do pensamento será preenchido com os</p><p>temas dos delírios (estudamos as diversas patoplastias em “juízo”). Os conteúdos</p><p>persecutórios, em psicopatolgia, são os mais freqüentes.</p><p>O espelho reflete certo;</p><p>Não erra porque não pensa.</p><p>Pensar é essencialmente errar.</p><p>Errar é essencialmente estar cego e surdo.</p><p>by Alberto Caeiro (F.P.)</p><p>2.3.9. LINGUAGEM</p><p>Temos à escolha um ou outro dos hemisférios cerebrais; mas vamos por este, que é</p><p>onde nascem os substantivos. Os adjetivos nascem no da esquerda. Descoberta minha,</p><p>que, ainda assim, não é a principal, mas a base dela, como se vai ver. Sim, meu senhor,</p><p>os adjetivos nascem de um lado, e os substantivos de outro, e toda a sorte de vocábulos</p><p>está assim dividida por motivo da diferença sexual...</p><p>- Sexual?</p><p>Sim, minha senhora, sexual. As palavras têm sexo. Estou acabando a minha grande</p><p>memória psico-léxico-lógica, em que exponho e demonstro esta descoberta. Palavra</p><p>tem sexo.</p><p>- Mas, então, amam-se umas às outras?</p><p>Amam-se umas às outras. E casam-se. O casamento delas é o que chamamos estilo.</p><p>Senhora minha, confesse que não entendeu nada.</p><p>Machado de Assis in “O Cônego ou metafísica do estilo”</p><p>É a expressão por meio de palavras. A palavra é o envoltório material do pensamento e</p><p>manifesta a dimensão perceptível das idéias. A linguagem, portanto, é a expressão do</p><p>pensamento por meio das palavras. É, na sua forma verbal, uma atividade</p><p>especificamente humana, talvez a mais característica de nossas atividades mentais. É o</p><p>principal instrumento de comunicação dos seres humanos.</p><p>46</p><p>2.3.9.1. ALTERAÇÕES DO COMPORTAMENTO VERBAL</p><p>A. Logorréia (taquifasia) - o paciente fala constantemente, em um ritmo rápido,</p><p>sem interrupção, acelerado. Freqüentemente associada ao taquipsiquismo,</p><p>podendo haver perda da lógica do discurso. Denomina-se pressão do discurso</p><p>ou pressão para falar a atividade lingüística do paciente maníaco na qual este</p><p>sente a pressão incoercível para falar sem parar.</p><p>B. Latência da resposta ou bradifasia - o paciente fala muito vagarosamente, as</p><p>palavras seguem-se umas às outras de forma lenta e difícil (exemplos:</p><p>depressões graves; demências, esquizofrenia residual).</p><p>C. Mutismo – ausência de resposta verbal oral por parte do paciente. O doente não</p><p>fala, mesmo quando insistentemente solicitado (reina o silêncio profundo). Pode</p><p>ocorrer, por exemplo, na esquizofrenia catatônica, na depressão grave.</p><p>D. Mussitação - voz murmurada em tom baixo e repetitivo. O paciente mal</p><p>movimenta os lábios (o doente fala em tom inaudível, como se estivesse falando</p><p>para si próprio). Pode ocorrer na esquizofrenia, por exemplo.</p><p>E. Solilóquio - o paciente fala só algumas vezes (em voz alta), como se dialogasse</p><p>com um interlocutor imaginário. Exemplo: esquizofrenia.</p><p>F. Coprolalia - é a emissão involuntária e repetitiva de palavras obscenas,</p><p>vulgares ou relativas a excrementos (exemplo: Síndrome de Gilles de la</p><p>Tourette).</p><p>G. Verbigeração - é a repetição de forma monótona e sem sentido comunicativo</p><p>aparente de palavras, sílabas ou trechos de frases. Exemplo: esquizofrenia.</p><p>H. Para-resposta - ao ser perguntado sobre determinado assunto (exemplo, qual</p><p>seu nome, idade, onde mora?), o paciente “responde” algo, com a inflexão</p><p>verbal de uma resposta, como se estivesse respondendo de fato a uma pergunta,</p><p>porém o conteúdo de sua resposta é completamente disparatado em relação ao</p><p>conteúdo da pergunta. Ao ser indagado, por exemplo, “onde o sr. Mora?”, o</p><p>paciente responde “o dia está muito quente”. As para-respostas ocorrem nos</p><p>diversos tipos de psicoses, mas com maior freqüência nas esquizofrenias.</p><p>Obs: na presença de mussitação e/ou solilóquio é importante investigar se o</p><p>paciente está “escutando vozes” (alucinações auditivas).</p><p>2.3.9.2. ALTERAÇÕES MORFOLÓGICAS, SINTÁTICAS E SEMÂNTICAS</p><p>(QUASE EXCLUSIVAS DA ESQUIZOFRENIA):</p><p>A. Ecolalia – o paciente repete, sem nenhuma finalidade, a última ou últimas</p><p>palavras que o entrevistador (ou alguém do ambiente) falou ou dirigiu a ele. É</p><p>um fenômeno quase automático, involuntário, realizado sem planejamento ou</p><p>controle.</p><p>B. Neologismos patológicos - palavras inteiramente novas criadas pelo paciente ou</p><p>palavras já existentes que recebem uma acepção totalmente nova.</p><p>C. Esquizofazia ou jargonofazia - também denominada “salada de palavras”.</p><p>Reflete a repetição de frases inteiras sem sentido, tornando o discurso quase que</p><p>ininteligível, pois há um fluxo verbal desorganizado e caótico.</p><p>47</p><p>D. Criptolalia - o sinal extremo da esquizofazia é o desenvolvimento de uma</p><p>linguagem completamente incompreensível, uma linguagem privada (do doente)</p><p>que ninguém entende.</p><p>...Assim nosso silêncio se serve até das coisas mais comuns</p><p>E nosso encontro é meta livre:</p><p>O lugar indeterminado, em um momento indefinido,</p><p>A palavra ilimitada para o homem não cerceado.</p><p>by Jacob Levy Moreno in “Convite ao encontro”</p><p>2.3.10. CONSCIÊNCIA DO EU</p><p>Eis que em breve nos separaremos</p><p>E a verdade espantada é que eu sempre estive só de ti e não sabia</p><p>Eu agora sei, eu sou só</p><p>Eu e minha liberdade que não sei usar</p><p>Mas, eu assumo a minha solidão</p><p>Sou só, e tenho que viver uma certa glória íntima e silenciosa</p><p>Guardo teu nome em segredo</p><p>Preciso de segredos para viver</p><p>E eis que depois de uma tarde de quem sou eu</p><p>E de acordar a uma hora da madrugada em desespero</p><p>Eis que as três horas da madrugada, acordei e me encontrei</p><p>Fui ao encontro de mim, calma, alegre, plenitude sem fulminação</p><p>Simplesmente eu sou eu, e você é você</p><p>É lindo, é vasto, vai durar</p><p>Eu não sei muito bem o que vou fazer em seguida</p><p>Mas, por enquanto, olha pra mim e me ama</p><p>Não, tu olhas pra ti e te amas</p><p>É o que está certo</p><p>Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca</p><p>E tudo isso ganhei ao deixar de te amar</p><p>Escuta! Eu te deixo ser... Deixa-me ser!</p><p>by Clarice Lispector</p><p>O “Eu” se faz consciente de si mesmo. A consciência do Eu pressupõe a tomada de</p><p>consciência do próprio corpo, do “Eu físico”. A este Eu corporal, psíquico e somático</p><p>ao mesmo tempo, chamamos esquema ou imagem corporal. As alterações da</p><p>consciência do Eu ocorrem tanto a nível psíquico como corporal.</p><p>48</p><p>Características do Eu segundo Jaspers: a. consciência de atividade do Eu; b.</p><p>consciência de unidade do Eu; c. consciência da identidade do Eu no tempo e d.</p><p>consciência da oposição do Eu em relação ao mundo (limites do eu).</p><p>A. Consciência de atividade do Eu – consciência íntima de que, em todas as atividades</p><p>psíquicas que ocorrem, é o próprio Eu que as realiza e presencia. Jaspers denomina de</p><p>personalização o fenômeno no qual se percebe, em todas as atividades psíquicas, um</p><p>tom especial de “meu”, de pessoal, daquilo que é feito e vivenciado por mim mesmo.</p><p>Esse autor clássico subdivide as alterações da consciência de atividade do Eu em dois</p><p>grupos abaixo especificados:</p><p>A.1. Alteração da consciência da existência – suspensão da sensação normal do</p><p>próprio Eu, corporal e psíquico, na carência da consciência do fazer próprio, no</p><p>distanciamento do mundo perceptivo, na perda da consciência do sentido do Eu. Para</p><p>Jaspers, o curioso desse fenômeno é a condição na qual O HOMEM EXISTINDO JÁ</p><p>NÃO PODER SENTIR SUA PRÓPRIA EXISTÊNCIA. Frases de pacientes com</p><p>essa alteração: “sou apenas um robô, uma máquina”; “sou um nada, como um morto”.</p><p>Pode ocorrer, sobretudo, em quadros psicóticos.</p><p>A.2. Alteração da consciência de execução – o paciente, ao pensar ou desejar alguma</p><p>coisa, sente que de fato foi um outro que pensou ou desejou tais pensamentos ou desejos</p><p>e os impôs de alguma maneira. Todas as tarefas, atividades cotidianas que realiza,</p><p>atribui a ação a outro ser (conhecido, por exemplo o companheiro, ou desconhecido, por</p><p>exemplo um espírito). Os pensamentos podem ser vivenciados como feitos e impostos</p><p>por alguém ou algo externo, ou como roubados, extraídos, arrancados do paciente. O</p><p>doente não só não se sente mais senhor dos seus pensamentos, como passa a viver sob a</p><p>violência e o julgo (escravidão) de um poder desconhecido (Kurt Schneider denomina</p><p>esse fenômeno como pensamentos impostos e pensamentos roubados). A sensação de</p><p>“algo feito” por uma força externa pode abarcar todos os tipos de atividade psíquica,</p><p>não apenas o pensamento, mas também, o falar, o querer, o fazer, o caminhar, os</p><p>impulsos (inclusive sexuais). O doentes passam a sentir-se inibidos ou contidos, mas</p><p>não por algo interno e, sim, por alguma coisa externa,</p><p>totalmente desconhecida.</p><p>B. Consciência de unidade do Eu – a cada momento, o Eu é sentido como algo uno e</p><p>indivisível. Essa é uma qualidade da vivência do Eu sentida como natural e espontânea.</p><p>A vivência de cisão do Eu só existe quando o indivíduo sente-se radicalmente dividido,</p><p>sente-se anjo e demônio ao mesmo tempo, homem e mulher ao mesmo tempo. O Eu</p><p>corporal divide espaço com outro Eu. Eu sou eu e mais uma outra pessoa ou entidade</p><p>que coexistem em mim mesmo. Mais freqüente nas psicoses.</p><p>C. Consciência de identidade do Eu no tempo – consciência de ser o mesmo na</p><p>sucessão do tempo. Mudam aspectos da personalidade, mas o Eu nuclear é vivenciado</p><p>como o mesmo ao longo do tempo. Alguns pacientes relatam que atualmente, em</p><p>comparação à sua vida anterior (em especial “antes do início da psicose”) não são a</p><p>mesma pessoa. Muito utilizam a terceira pessoa para se referirem ao seu Eu do passado.</p><p>Dizem, por exemplo, durante a anamnese: “Esse sujeito de quem estão falando aí não</p><p>sou eu. Esses não são meus pais. Eu não sou brasileiro. Eu pertenço a outra civilização”.</p><p>49</p><p>D. Consciência da oposição do Eu em relação ao mundo (consciência dos limites do</p><p>Eu) – é a percepção evidente da separação entre o Eu subjetivo e o espaço exterior. A</p><p>alteração dessa consciência faz com que os pacientes se identifiquem completamente</p><p>com os objetos do mundo externo. Há a perda da sensação de oposição e fronteira entre</p><p>o Eu e o mundo. O indivíduo sente que seu eu se expande para o mundo exterior e não</p><p>mais se diferencia deste. Os pacientes projetam maciçamente seus estados subjetivos no</p><p>próximo, transladando-se para um Eu alheio, para o corpo de um animal ou para outro</p><p>objeto. Pode ocorrer nas psicoses, mais comumente na esquizofrenia, nas intoxicações</p><p>por substâncias (sobretudo alucinógenos), nos estados de transe e possessão (quadros</p><p>dissociativos), etc.</p><p>Despersonalização e desrealização</p><p>A despersonalização é o sentimento de perda ou de transformação do Eu. Alguns</p><p>autores a consideram como uma alteração da consciência de atividade do Eu. É uma</p><p>vivência profunda de estranhamento e perda da familiaridade consigo mesmo. O doente</p><p>sente-se estranho a si mesmo, vive marcante transformação, com sentimentos de</p><p>angústia e perplexidade. Tem freqüentemente a sensação de que vai enlouquecer, perder</p><p>o controle. Esse fenômeno engloba tanto o Eu psíquico como o Eu corporal (há uma</p><p>sensação de estranhamento com o próprio corpo).</p><p>Comumente associada à despersonalização, pode ocorrer a desrealização, que é a</p><p>transformação e a perda da relação de familiaridade com o mundo comum, no sentido</p><p>de uma relação de profunda estranheza daquilo que, no dia-a-dia, é comum e familiar. O</p><p>doente refere que o mundo está estranho, mudado. As pessoas e os lugares parecem</p><p>estranhos, os sons são percebidos com um timbre novo, as cores têm características</p><p>diferentes.</p><p>Em geral, tanto a despersonalização como a desrealização são vivenciadas com muita</p><p>angústia.</p><p>“O despersonalizado é o homem que perdeu a segurança de uma relação familiar</p><p>consigo mesmo e o desrealizado é o homem que sente essa mesma insegurança em</p><p>relação ao mundo à sua volta. Estão condenados, assim, ao frio de uma terra</p><p>estranha, de um país desconhecido” (Nobre de Melo).</p><p>Não é incomum a ocorrência de despersonalização e desrealização nas crises intensas de</p><p>ansiedade, nas psicoses tóxicas por alucinógenos, nos episódios agudos de esquizofrenia</p><p>e em formas graves de depressão.</p><p>Nessa altura do manual, tendo observado na prática (com a leitura do mesmo e o</p><p>atendimento aos pacientes) que as funções psíquicas são estudadas de forma separadas,</p><p>porém, são totalmente interligadas umas às outras, cabe lançar uma indagação para</p><p>reflexão:</p><p>50</p><p>Qual a diferença entre a estranheza do percebido, descrita na função psíquica</p><p>sensopercepção, e a desrealização?</p><p>O God, I could be bounded in a nutshell and count myself a King of infinite space.</p><p>by William Sheakespeare in “Hamlet”</p><p>[...] o menino é o pai do homem.</p><p>by Machado de Assis in “Memórias Póstumas de Brás Cubas”</p><p>2.3.11. VONTADE (CONAÇÃO)</p><p>Ando repleto de vazios</p><p>Não me encantam as vontades</p><p>Meu desejo de morrer me predomina</p><p>Essa falta de prazer me deixa desajeitado</p><p>Minha independência tem algemas</p><p>Estou sem eternidades</p><p>by Manoel de Barros</p><p>A vontade é uma dimensão complexa da vida mental, relacionada intimamente com as</p><p>esferas instintiva, afetiva e intelectiva (que envolve avaliar, julgar, analisar, decidir),</p><p>bem como com o conjunto de valores, princípios, hábitos e normas socioculturais do</p><p>indivíduo.</p><p>O ato volitivo (ou ato de vontade) é traduzido pelas expressões típicas do “eu quero” ou</p><p>“eu não quero”, que caracterizam a vontade humana. O ato volitivo se dá, de forma</p><p>geral, como um processo, o chamado processo volitivo, no qual se distinguem quatro</p><p>etapas ou momentos fundamentais e, em geral, cronologicamente seguidos.</p><p>1ª - Fase de intenção ou propósito, na qual se esboçam as tendências básicas</p><p>do indivíduo, suas inclinações e interesses. Nesse momento, os impulsos,</p><p>desejos e temores inconscientes exercem influência decisiva sobre o ato</p><p>volitivo, muitas vezes imperceptíveis para o próprio indivíduo.</p><p>2ª - Fase de deliberação (apreciação e opção), que diz respeito à ponderação</p><p>consciente, tomando-se em conta tanto os motivos como os móveis implicados</p><p>no ato volitivo. O indivíduo aqui faz uma análise básica do que seria positivo ou</p><p>negativo, favorável ou desfavorável, benéfico ou maléfico na sua decisão. É um</p><p>momento de apreciação, consideração dos vários aspectos e implicações de</p><p>determinada ação.</p><p>51</p><p>3ª - Fase de decisão propriamente dita é o momento culminante do processo</p><p>volitivo, instante que demarca o começo da ação, no qual os móveis e motivos</p><p>vencidos dão lugar aos vencedores.</p><p>4ª - A Fase de execução constitui a etapa final do processo volitivo, no qual o</p><p>conjunto de atos psicomotores simples e complexos decorrentes da decisão são</p><p>postos em funcionamento, afim de realizar e consumar aquilo que mentalmente</p><p>foi decidido e aprovado pelo indivíduo.</p><p>O ato de vontade pautado por essas quatro fases, em que ponderação, análise e reflexão</p><p>precedem a execução motora, é denominado ação voluntária. Denomina-se</p><p>pragmatismo à capacidade de exercer plenamente o ato volitivo.</p><p>2.3.11.1. ALTERAÇÕES DA VONTADE</p><p>A. Hipobulia/abulia – há uma diminuição ou até abolição da atividade volitiva. O</p><p>indivíduo refere que não tem vontade para nada, sente-se muito desanimado, sem</p><p>forças. Ocorre freqüentemente em episódios depressivos.</p><p>B. Ato impulsivo – em oposição à ação voluntária, há os atos impulsivos, que são uma</p><p>espécie de curto circuito do ato voluntário (da fase de intenção à fase de execução). O</p><p>ato impulsivo abole abruptamente as fases de intenção, deliberação e decisão, em</p><p>função tanto da intensidade dos desejos ou temores inconscientes como da fragilidade</p><p>das instâncias psíquicas implicadas na reflexão, na análise, na ponderação e na</p><p>contenção dos impulsos e dos desejos. Os impulsos patológicos são tipos de atos</p><p>impulsivos, nos quais predominam as ações psicomotoras automáticas, se reflexão,</p><p>ponderação ou decisão prévias, de tipo instantâneo e explosivo. Eles também se</p><p>caracterizam por serem incontroláveis. São características do ato impulsivo: é</p><p>realizado sem fase prévia de intenção, deliberação e decisão; é realizado, de modo</p><p>geral, de forma egossintônica (o indivíduo não percebe tal ato como inadequado,</p><p>não tenta evitá-lo ou adiá-lo, o ato não é contrário aos valores morais e desejos de</p><p>quem o pratica); geralmente é associado a impulsos patológicos, de natureza</p><p>inconsciente, ou à incapacidade de tolerância à frustração e necessária adaptação à</p><p>realidade; o indivíduo dominado pelo ato impulsivo tende a desconsiderar os</p><p>desejos e as necessidades</p><p>das outras pessoas. Exemplo: a frangofilia é um impulso</p><p>patológico de destruir os objetos que circundam o indivíduo. Está associado geralmente</p><p>a agressividade. Ocorre nas psicoses (principalmente esquizofrenia e mania), em alguns</p><p>quadros de intoxicação por substâncias psicoativas, nos transtornos da personalidade</p><p>anti-social e borderline, etc.</p><p>C. Ato compulsivo ou compulsão – difere do ato impulsivo por ser reconhecido pelo</p><p>indivíduo como indesejado e inadequado, assim como pela tentativa de refreá-lo ou</p><p>adiá-lo. A compulsão é geralmente uma ação motora complexa que pode envolver desde</p><p>atos compulsivos relativamente simples, como coçar-se, arranhar-se, até rituais</p><p>compulsivos complexos, como tomar banho de forma repetida e muito ritualizada, etc.</p><p>Os atos e os rituais compulsivos apresentam as seguintes características: há</p><p>vivência freqüente de desconforto subjetivo por parte do indivíduo que realiza a</p><p>compulsão; são egodistônicos, isto é, vividos como indesejáveis, contrários aos</p><p>valores morais e anseios de quem os sofre; há a tentativa de resistir ou adiar à</p><p>52</p><p>realização do ato compulsivo; há a sensação de alívio ao realizar o ato compulsivo,</p><p>alívio que logo é substituído pelo retorno do desconforto subjetivo e pela urgência</p><p>de realizar novamente a compulsão.</p><p>D. Negativismo – é a oposição do indivíduo às solicitações do meio ambiente. Verifica-</p><p>se uma resistência automática e obstinada a todos ou quase todos os pedidos que a</p><p>equipe de saúde ou a família faz ao paciente. O indivíduo nega-se a colaborar nas</p><p>condutas diagnósticas ou terapêuticas, opõe-se ao contato nas tentativas de</p><p>relacionamento interpessoal. No negativismo ativo, o paciente faz o oposto ao</p><p>solicitado. No negativismo passivo, o paciente simplesmente nada faz quando</p><p>solicitado pelo ambiente. Pode ocorrer, principalmente, na esquizofrenia catatônica.</p><p>E. Obediência automática – é o oposto ao negativismo. O indivíduo obedece</p><p>automaticamente, como um robô teleguiado, as solicitações de pessoas que entram em</p><p>contato com ele. Há profunda alteração da atividade volitiva, na qual a pessoa perde a</p><p>autonomia e a capacidade de conduzir seus atos volitivos. Pode ocorrer, principalmente,</p><p>na esquizofrenia catatônica.</p><p>F. Fenômenos em eco – o indivíduo repete de forma automática, durante a entrevista,</p><p>os últimos atos do entrevistador (ecopraxia), suas palavras ou sílabas (ecolalia), reações</p><p>mímicas (ecomimia) ou escrita (ecografia). Os fenômenos em eco revelam acentuada</p><p>perda do controle da atividade voluntária e sua substituição por atos automáticos,</p><p>sugeridos pelo ambiente circundante. Pode ocorrer, principalmente, na esquizofrenia</p><p>catatônica.</p><p>G. Atos, vontades, impulsos controlados – fazem parte das vivências de influência</p><p>corporal descritas por Kurt Schneider. O paciente se queixa que forças externas estão</p><p>comandando todas as suas vontades e atitudes. Geralmente, há também alteração da</p><p>consciência de atividade do Eu. São comuns na esquizofrenia.</p><p>Um encontro entre dois: olho no olho, cara a cara.</p><p>E quando estiveres próximo, tomarei teus olhos</p><p>E os colocarei no lugar dos meus,</p><p>E tu tomarás meus olhos</p><p>E os colocarás no lugar dos teus,</p><p>Então te olharei com teus olhos</p><p>E tu me olharás com os meus...</p><p>by Jacob Levy Moreno in “Convite ao encontro”</p><p>53</p><p>2.3.12. PSICOMOTRICIDADE</p><p>Sapo não pula por boniteza, mas por precisão.</p><p>by Guimarães Rosa in “Sagarana”</p><p>Assim como o ato motor é o componente final do ato volitivo, as alterações da</p><p>psicomotricidade freqüentemente são a expressão final de alterações da vontade.</p><p>2.3.12.1. ALTERAÇÕES DA PSICOMOTRICIDADE</p><p>A. Agitação psicomotora (hipercinesia) - caracterizada por uma movimentação</p><p>intensa e desordenada que pode durar horas ou até mesmo dias e que apresenta</p><p>peculiaridades distintas conforme o quadro mórbido em que ocorre. As agitações</p><p>maníacas caracterizam-se pela euforia, atitudes jocosas e fuga de idéias. Na agitação do</p><p>catatônico, domina a impulsividade, o desinteresse pelo ambiente e as condutas</p><p>discordantes. Comumente se associa à hostilidade e à heteroagressividade. É um sinal</p><p>psicopatológico freqüente e inespecífico.</p><p>B. Bradicinesia (lentificação e inibição psicomotora) – a lentificação generalizada de</p><p>todos os movimentos, acompanhada sempre por uma mímica parada, que ora exprime</p><p>dor (estados depressivos), ora exprime perplexidade (estados confusionais). Reflete</p><p>também a lentidão de todas as atividades psíquicas (bradipsiquismo). Toda</p><p>movimentação voluntária torna-se lenta, difícil, podendo haver período de latência entre</p><p>uma solicitação ambiental e a resposta motora do paciente. Já a inibição psicomotora é</p><p>um estado acentuado e profundo da lentificação, com ausência de respostas motoras</p><p>adequadas, sem que haja paralisias ou déficit motor primário (lesão neurológica).</p><p>C. Estupor – perda de toda a atividade espontânea, que atinge o indivíduo globalmente,</p><p>na vigência de um nível de consciência aparentemente preservado e de capacidade</p><p>sensório-motora para reagir ao ambiente. Envolve toda a atividade voluntária, incluindo</p><p>a comunicação verbal (mutismo), mímica, olhar, gesticulação e marcha. Em geral, o</p><p>paciente em estupor fica restrito ao leito, acordado, porém sem reagir de modo algum ao</p><p>ambiente. Suas reações ficam como se estivessem congeladas; o doente chega a defecar</p><p>e urinar no leito, não se alimenta voluntariamente e, se lá deixado, fatalmente irá</p><p>falecer.</p><p>D. Catalepsia – é um acentuado exagerado do tônus postural, com grande redução da</p><p>mobilidade passiva dos vários segmentos corporais e com hipertonia muscular global do</p><p>tipo plástico.</p><p>E.Flexibilidade cerácea – o indivíduo, ou uma parte do seu corpo (braço, perna,</p><p>cabeça) é colocado pelo examinador em uma determinada posição (mesmo posições</p><p>muito desconfortáveis), e assim permanece, como se fosse um homem de cera,</p><p>moldável por uma outra pessoa. A catalepsia e a flexibilidade cerácea são sintomas</p><p>freqüentes na esquizofrenia catatônica.</p><p>54</p><p>Obs: há divergências, entre os autores, na definição dos fenômenos descritos em D</p><p>e E. Existem pesquisadores que definem a flexibilidade cerácea como um</p><p>acentuado exagero do tônus postural, com grande redução da mobilidade passiva</p><p>dos vários segmentos corporais e com hipertonia muscular global do tipo plástico,</p><p>ou seja, com o conceito que vimos acima de catalepsia. Esses autores conceituam</p><p>que a manutenção de partes do corpo em posições desagradáveis, por horas</p><p>seguidas, é que se denomina catalepsia. A flexibilidade cerácea, seguindo o</p><p>pensamento desses pesquisadores, em psiquiatria seria uma pseudo-flexibilidade</p><p>cerácea, já que a verdadeira acontece em quadros patológicos onde existem lesões</p><p>neurológicas. Fazemos, assim, esse alerta. Esses conceitos podem mudar de autor</p><p>para autor. A opção, na atualização do manual, foi por definir como a maioria dos</p><p>autores atuais tem feito. O importante é saber que são fenômenos com conceitos</p><p>diferentes, mas que fazem parte de uma mesma dimensão em psicopatologia</p><p>fenomenológica, ou seja, são sintomas da série catatônica das alterações da</p><p>psicomotricidade.</p><p>F. Cataplexia – perda abrupta do tônus muscular, geralmente acompanhada de queda</p><p>ao chão. Presente em doenças do sono, como na narcolepsia.</p><p>G. Estereotipias motoras – são repetições automáticas e uniformes de determinado ato</p><p>motor complexo, indicando geralmente marcante perda do controle voluntário sobre a</p><p>esfera motora. O paciente repete o mesmo gesto com as mãos dezenas ou centenas de</p><p>vezes em um mesmo dia. Observa-se na esquizofrenia crônica, no retardo mental, etc. O</p><p>maneirismo é um tipo de estereotipia motora caracterizado por movimentos bizarros e</p><p>repetitivos, geralmente complexos, que buscam certo objetivo, mesmo que esdrúxulo.</p><p>e</p><p>5</p><p>o sigilo poderão ser explicitamente garantidos caso se note o paciente tímido ou</p><p>desconfiado ou se o contexto da entrevista assim o exigir. Para isso, em alguns casos, é</p><p>importante que o profissional: a. esclareça ao paciente (e aos familiares, quando</p><p>necessário) que aquilo que for revelado durante as entrevistas não será revelado a</p><p>ninguém. Caso isso se faça necessário por exigência do próprio tratamento</p><p>(encaminhamento a um outro profissional, carta à alguma instituição, informação à</p><p>família para proteger o paciente, etc.), só será feito após consulta e concordância do</p><p>entrevistado. O sigilo poderá ser rompido no caso de idéias, planos ou atos seriamente</p><p>auto ou heterodestrutivos; b. ressalte a necessidade de colaboração do paciente e,</p><p>quando for o caso, da família. Todos devem trabalhar ativamente para que o processo</p><p>terapêutico tenha bons resultados.</p><p>Embora a atitude básica do entrevistador na fase inicial da avaliação seja de escuta, isso</p><p>não significa colocar-se em posição totalmente passiva. Pelo contrário, os dados</p><p>essenciais da clínica psicopatológica emergem basicamente de uma observação</p><p>participativa e da interação intensa entre o paciente e o profissional. O entrevistador</p><p>desempenha um papel ativo na introdução de interrogações, não para mostrar que é</p><p>inteligente ou cético, mas literalmente para ter certeza que ele sabe o que está sendo</p><p>dito. O entrevistador deve lembrar que, nas fases mais iniciais da entrevista, o paciente</p><p>pode estar muito ansioso e usar manobras e mecanismos defensivos como riso, silêncio,</p><p>perguntas inadequadas, comentários circunstanciais sobre o profissional, etc. Podem</p><p>significar estratégias involuntárias ou propositais que podem ser utilizadas para que o</p><p>doente evite falar de si, de seu sofrimento, de suas dificuldades. O profissional deve</p><p>lidar com tais manobras, lembrando polidamente ao paciente que a entrevista tem por</p><p>finalidade identificar seu problema para, assim, poder melhor ajudá-lo. Também deve</p><p>deixar claro para o paciente que a pessoa do entrevistador não é o tema da entrevista.</p><p>Nos primeiros encontros, o entrevistador deve evitar pausas ou silêncios prolongados,</p><p>que possam aumentar muito o nível de ansiedade do paciente e deixar a entrevista muito</p><p>tensa e improdutiva. Alguns procedimentos podem facilitar a entrevista no momento em</p><p>que o entrevistador lida com o silêncio prolongado do doente: a. fazer perguntas e</p><p>colocações breves que assinalem a sua presença efetiva e mostrem ao paciente que ele</p><p>está atento e tranqüilo para ouvi-lo; b. evitar perguntas muito direcionadas, fechadas,</p><p>que possam ser respondidas com um sim ou um não categóricos; c. evitar perguntas</p><p>muito longas e complexas, difíceis de serem compreendidas pelo paciente.</p><p>A duração e o número de entrevistas iniciais, com fins diagnósticos e de planejamento</p><p>terapêutico não são fixos, dependendo do contexto institucional onde se dá a prática</p><p>profissional, da complexidade e gravidade do caso e da habilidade do entrevistador.</p><p>São consideradas regras “de ouro” da entrevista em saúde mental:</p><p>A. Pacientes organizados (mentalmente), com inteligência normal, com escolaridade</p><p>boa ou razoável, fora de um “estado psicótico”, devem ser entrevistados de forma mais</p><p>aberta, permitindo que falem e se apresentem de maneira mais fluente e espontânea. O</p><p>apresentador fala pouco, fazendo algumas pontuações para que o paciente “conte a sua</p><p>história”.</p><p>B. Pacientes desorganizados, com nível intelectual baixo, em estados psicóticos ou</p><p>paranóides, “travados” por alto nível de ansiedade, devem ser entrevistados de forma</p><p>mais estruturada. Nesse caso, o entrevistador fala mais, faz perguntas mais simples e</p><p>dirigidas (perguntas fáceis de serem compreendidas e respondidas).</p><p>6</p><p>C. Nos primeiros contatos com pacientes muito tímidos, ansiosos ou paranóides, deve-</p><p>se fazer primeiro perguntas neutras (nome, onde mora, estado civil, profissão, nome de</p><p>familiares, etc), para apenas, gradativamente, começar a formular perguntas “mais</p><p>quentes” (às vezes, constrangedoras para o paciente), como: “qual o seu problema?”;</p><p>“por que foi trazido ao hospital?”; “o que aconteceu para que você agredisse seus</p><p>familiares?”, etc.</p><p>Avaliação inicial e perguntas introdutórias:</p><p>A. Providenciar um local com o mínimo de privacidade e conforto para a entrevista (no</p><p>caso de pacientes muito irritados, potencialmente agressivos, evitar lugares trancados e</p><p>de difícil acesso ou evasão).</p><p>B. Apresentar-se ao paciente e depois explicar brevemente o objetivo da entrevista.</p><p>C. Buscando estabelecer um contato empático com o paciente, iniciar com as perguntas</p><p>gerais sobre quem ele é: como se chama; quantos anos tem; qual seu estado civil; tem</p><p>filhos; com quem mora; até que ano foi à escola; qual sua profissão; em que trabalha;</p><p>qual sua religião.</p><p>D. Qual o seu problema? (alternativas: como tem se sentido? que o traz aqui? tem</p><p>alguma dificuldade? sente que algo não vai bem? está se sentido doente?).Como</p><p>começaram seus problemas?</p><p>E. Como tem passado nos últimos anos (meses ou semanas)?</p><p>F. A que atribui seus problemas?</p><p>Relato do caso por escrito</p><p>Ao final da entrevista, forma-se o esboço do quadro na mente do entrevistador. O estado</p><p>mental foi observado durante toda a coleta dos dados, surgindo, dessa forma, a síntese</p><p>do estado mental do paciente para o profissional. O relato do caso por escrito deve</p><p>conter, de preferência, as próprias palavras que o paciente e os informantes usaram ao</p><p>descrever os sintomas mais relevantes. O uso de termos técnicos deve ser sóbrio e</p><p>proporcional ao grau de conhecimento que o profissional obteve do caso.</p><p>Deve-se evitar terminologia por demais tecnicista que geralmente revela a insegurança</p><p>do profissional, que busca compensar, na linguagem rebuscada, os vácuos de sua</p><p>ignorância sobre o caso, ou que quer demonstrar de modo exibicionista sua erudição e</p><p>seu saber. Além disso, o profissional deve evitar a interpretação precoce dos dados, seja</p><p>ela psicológica, psicanalítica, sociológica ou biológica. Uma interpretação precoce,</p><p>feita muitas vezes de modo apressado ou excessivo por um profissional que quer logo</p><p>ver um sentido em tudo, pode impedir que se enxergue o paciente que está à sua frente.</p><p>Apesar de serem descritos fenômenos irracionais em uma história psicopatológica,</p><p>muitas vezes de forma desorganizada e caótica, o relato deve ser organizado e coerente,</p><p>facilitando o estabelecimento de hipóteses diagnósticas e o planejamento terapêutico</p><p>adequado. O paciente tem o direito de ser confuso, contraditório, ilógico; já o</p><p>profissional, ao relatar o caso, não.</p><p>Além do diagnóstico clínico, a entrevista e o seu relato devem fornecer uma</p><p>compreensão suficientemente ampla da personalidade do paciente, da dinâmica de sua</p><p>família e de seu meio sociocultural imediato. O relato também tem um valor legal. É um</p><p>7</p><p>documento que, sendo bem redigido, poderá ser decisivo em questões legais futuras,</p><p>impensáveis no momento em que a avaliação está sendo feita.</p><p>Resumindo: o relato deve ser redigido com um estilo claro, preciso, com frases e</p><p>parágrafos curtos; a história clínica deve ser redigida com uma linguagem simples</p><p>e compreensível; o relato deve ser pormenorizado, mas não prolixo, detalhado</p><p>naquilo que é essencial ao caso e conciso naquilo que é secundário.</p><p>1.2. IDENTIFICAÇÃO</p><p>Consta dos seguintes dados:</p><p>A. Nome do examinador; data e local da entrevista;</p><p>B. Nome do paciente; sexo; idade ou data de nascimento; nome dos pais (filiação).</p><p>C. Estado Civil: solteiro – casado/amasiado – separado/divorciado – viúvo. Obs:</p><p>qualquer união estável pode ser considerada como casamento, deixando-se os</p><p>detalhes para serem descritos nos antecedentes sociais.</p><p>D. Número de filhos.</p><p>E. Escolaridade (anos de escola com sucesso). Registrar se apenas assina o nome, se</p><p>é alfabetizado (lê e escreve), se tem curso primário</p><p>Trata-se de alteração do comportamento expressivo (mímica, gestos, linguagem), em</p><p>que a harmonia normal do conjunto de gestos do indivíduo é substituída por posturas e</p><p>movimentos estranhos, exagerados, afetados ou bizarros.</p><p>2.3.13. AFETIVIDADE</p><p>Os diamantes são indestrutíveis?</p><p>Mais é o meu amor.</p><p>O mar é imenso?</p><p>Meu amor é maior,</p><p>mais belo sem ornamentos,</p><p>do que um campo de flores.</p><p>Mais triste do que a morte,</p><p>mais desesperançado</p><p>do que a onda batendo no rochedo,</p><p>mais tenaz que o rochedo.</p><p>Ama e nem sabe mais o que ama.</p><p>by Adélia Prado in “Pranto para comover Jonathan”</p><p>A vida afetiva é a dimensão psíquica que dá cor, brilho e calor a todas as vivências</p><p>humanas. Sem afetividade, a vida mental torna-se vazia, sem sabor. Afetividade é um</p><p>55</p><p>termo genérico, que compreende várias modalidades de vivências afetivas, como o</p><p>humor, as emoções e os sentimentos. Distinguem-se cinco tipos básicos de vivências</p><p>afetivas: humor ou estado de ânimo; emoções; sentimentos; afetos; paixões.</p><p>Humor</p><p>É o tônus afetivo do indivíduo, o estado emocional basal e difuso em que se encontra a</p><p>pessoa em determinado momento. É a disposição afetiva de fundo que penetra toda a</p><p>experiência psíquica, a lente afetiva que dá as experiências do indivíduo, a cada</p><p>momento, uma cor particular, ampliando ou reduzindo os impactos das experiências</p><p>reais.</p><p>Emoções</p><p>São reações afetivas agudas, momentâneas, desencadeadas por estímulos significativos.</p><p>Assim, a emoção é um estado afetivo intenso, de curta duração, originado geralmente</p><p>como a reação do indivíduo a certas aceitações externas e internas, conscientes ou</p><p>inconscientes. A emoção é uma tempestade anímica, desconcerta, comove e perturba o</p><p>instável equilíbrio existencial.</p><p>Obs: O humor e as emoções são freqüentemente acompanhados de reações somáticas</p><p>(neurovegetativas, motoras, hormonais, viscerais e vasomotoras, etc.). São, ao mesmo</p><p>tempo, experiências psíquicas e somáticas.</p><p>Sentimentos</p><p>São estados e configurações afetivas estáveis; em relação às emoções são mais</p><p>atenuados em sua intensidade e menos reativos a estímulos passageiros. Os sentimentos</p><p>estão comumente associados a conteúdos intelectuais, valores e, em geral, não implicam</p><p>concomitantes somáticos. Constituem fenômeno muito mais mental que somático. São</p><p>vivenciados, de modo geral, em dois pólos: agradável e desagradável, prazeroso e</p><p>desprazível. A seguir, são expostos vários sentimentos de acordo com suas tonalidades</p><p>afetivas: sentimentos da esfera da tristeza (melancolia, tristeza, saudade, nostalgia,</p><p>vergonha, impotência, aflição, culpa, remorso, desesperança, etc.); sentimentos da</p><p>esfera da alegria (euforia, júbilo, contentamento, satisfação, confiança, gratificação,</p><p>etc.); sentimentos da esfera da agressividade (raiva, revolta, rancor, ciúme, ódio, ira,</p><p>inveja, vingança, desprezo, etc.); sentimentos associados ao perigo (temor, receio,</p><p>desamparo, abandono, rejeição, etc.); sentimentos de tipo narcísico (vaidade, orgulho,</p><p>onipotência, superioridade, prepotência, etc.); sentimentos relacionados à atração</p><p>pelo outro (amor, atração, tesão, estima, carinho, gratidão, amizade, apego, apreço,</p><p>respeito, consideração, admiração).</p><p>Luis de Camões (1524-1580), em um breve verso, tenta expressar preciosamente o que</p><p>é o amor:</p><p>Amor é um fogo que arde sem se ver;</p><p>é ferida que dói e não se sente;</p><p>é um contentamento descontente;</p><p>é dor que desatina sem doer.</p><p>56</p><p>Afetos</p><p>Define-se como a qualidade e o tônus emocional que acompanha uma idéia. Os afetos</p><p>acoplam-se a idéias, anexando a elas um colorido afetivo. São, assim, o componente</p><p>emocional de uma idéia. Amplamente, usa-se também o termo para designar, de modo</p><p>inespecífico, qualquer estado do humor, sentimento ou emoção.</p><p>Paixões</p><p>É um estado afetivo extremamente intenso, que domina a atividade psíquica como um</p><p>todo, captando e dirigindo a atenção e o interesse do indivíduo em uma só direção,</p><p>inibindo os demais interesses.</p><p>De quanto mais paixão do que razão não nos fez Júpiter? Além disso,</p><p>confinou a razão a um canto do cérebro, e deixou todo o resto do corpo às nossas</p><p>paixões.</p><p>by Erasmo de Roterdam</p><p>Conceitos importantes para o estudo da afetividade</p><p>Catatimia</p><p>Bleuler denominou de catatimia a importante influência que a vida afetiva, o estado de</p><p>humor, as emoções, os sentimentos e as paixões exercem sobre as demais funções</p><p>psíquicas. A afetividade influencia toda a vida mental. Não é à toa que essa função</p><p>psíquica finaliza a segunda parte desse manual. Exemplos: a atenção é captada,</p><p>desviada, dirigida ou concentrada em função do valor afetivo de determinado estímulo;</p><p>a memória é extremamente detalhada ou muito pobre dependendo do significado afetivo</p><p>dos fatos ocorridos; a sensopercepção pode se alterar em função de estados afetivos</p><p>intensos, etc.</p><p>Reação afetiva</p><p>A vida afetiva ocorre sempre em um contexto em relações do Eu com o mundo e com as</p><p>pessoas, variando de um momento para outro à medida que os eventos e as</p><p>circunstâncias da vida se sucedem. A afetividade caracteriza-se principalmente por sua</p><p>dimensão de reatividade. Nesse sentido, há duas importantes dimensões da resposta ou</p><p>reação afetiva de um indivíduo. Denomina-se sintonização afetiva a capacidade de o</p><p>indivíduo ser influenciado afetivamente por estímulos externos; assim, o indivíduo</p><p>entristece-se com ocorrências dolorosas, alegra-se com eventos positivos, ri com uma</p><p>boa piada, enfim, entra em sintonia com o ambiente. A irradiação afetiva, por sua vez,</p><p>é a capacidade que o indivíduo tem de transmitir, irradiar ou contaminar os outros com</p><p>seu estado afetivo momentâneo; por meio da irradiação afetiva faz com que os outros</p><p>entrem em sintonia com ele. Na condição de rigidez afetiva, o indivíduo não deseja, tem</p><p>dificuldade ou impossibilidade tanto de sintonização como de irradiação afetiva; ele não</p><p>produz reações afetivas nos outros nem reage afetivamente diante da situação</p><p>existencial externa.</p><p>57</p><p>Ansiedade vital e ansiedade patológica</p><p>A ansiedade é definida como estado de humor desconfortável, apreensão negativa em</p><p>relação ao futuro, inquietação interna desagradável. Inclui manifestações somáticas e</p><p>fisiológicas (dispnéia, taquicardia, tensão muscular, tremores, sudorese, tonturas, etc.) e</p><p>manifestações psíquicas (desconforto mental, inquietação interna, apreensão, etc). Os</p><p>seres humanos são dotados do mecanismo de ansiedade como um sinal de alerta para</p><p>diversas situações de perigo eminente, como risco de morte por um assalto, necessidade</p><p>de se alimentar para não morrer desnutrido, necessidade de estudar para ter um futuro</p><p>melhor, de juntar algo para construir uma família, etc. Esse tipo de vivência afetiva é</p><p>chamado de ansiedade vital. Ao contrário, na ansiedade patológica, o medo irá dominar</p><p>a experiência afetiva da pessoa, surgirá de situações que, a priori, não refletem perigo</p><p>eminente para a maioria das pessoas. É vivenciado, na grande maioria dos casos, como</p><p>um medo irracional, que traz sofrimento. Porém, o paciente fica escravizado a ele. Passa</p><p>a viver em função desse sentimento (medo). Nesses casos, estamos diante da ansiedade</p><p>patológica.</p><p>2.3.13.1. ALTERAÇÕES DA AFETIVIDADE</p><p>2.3.13.1.1. ALTERAÇÕES DO HUMOR</p><p>A. Distimia – termo que designa a alteração básica do humor, tanto no sentido da</p><p>inibição como no sentido da exaltação. A distimia hopitímica, ou mais comumente</p><p>chamada hipotimia, refere-se ao humor deprimido, tristeza patológica. A distimia</p><p>hipetímica, ou simplesmente hipertimia, designa a euforia ou alegria patológica.</p><p>A hipotimia e a hipertimia são as alterações psicopatológicas presentes nos atualmente</p><p>denominados transtornos do humor (por ex.: depressão e mania). O estado de humor</p><p>normal, sem tendência ao pólo de depressivo ou ao pólo de eufórico, denomina-se</p><p>eutimia. O termo disforia, por sua vez, diz respeito</p><p>à distimia acompanhada de uma</p><p>tonalidade afetiva desagradável, mal-humorada, com intensa irritabilidade. Quando se</p><p>fala em depressão disfórica ou mania disfórica, significa que esses quadros estão se</p><p>apresentando clinicamente com uma intensa irritabilidade, amargura e agressividade.</p><p>Não é raro encontrarmos, na clínica cotidiana, o emprego do termo distimia e</p><p>disforia para designar, de modo geral, uma intensa irritabilidade. Na prática</p><p>clínica, não está incorreto. Porém, em psicopatologia descritiva, têm significados</p><p>semelhantes, porém não idênticos.</p><p>B. Puerilidade – alteração do humor que se caracteriza pelo aspecto simplório, infantil,</p><p>regredido. O indivíduo ri ou chora por motivos banais; sua vida afetiva é superficial,</p><p>sem afetos profundos, consistentes e duradouros. Está presente, principalmente, na</p><p>esquizofrenia hebefrênica e em indivíduos com retardo mental.</p><p>C. Moria - assemelhando-se a puerilidade, a moria é uma forma de alegria muito pueril,</p><p>ingênua, boba, que ocorre principalmente em pacientes com retardo mental e em</p><p>pacientes com quadros demenciais acentuados.</p><p>D. Estado de êxtase – há uma experiência de beatitude, uma sensação de</p><p>compartilhamento íntimo do estado afetivo interior com o exterior, muitas vezes com</p><p>colorido hipertímico ou expansivo. É comum em estados de dissociações</p><p>58</p><p>proporcionadas por experiências místicas, religiosas, como no transe e na possessão.</p><p>Pode ocorrer também na esquizofrenia e na mania.</p><p>2.3.13.1.2. ALTERAÇÕES DAS EMOÇÕES E DOS SENTIMENTOS</p><p>A. Apatia – diminuição da excitabilidade emotiva e afetiva. Os pacientes se queixam de</p><p>não poderem sentir nem alegria, nem tristeza, nem raiva, nem nada... Na apatia, o</p><p>indivíduo, apesar de saber da importância afetiva que determinada experiência deveria</p><p>ter para ele, não consegue sentir nada. O paciente torna-se hiporeativo, é um “tanto faz</p><p>quanto tanto fez”, para tudo na vida. É comum nos quadros depressivos, mas pode</p><p>ocorrer de forma inespecífica em um grande número de transtornos mentais.</p><p>B. Inadequação do afeto ou paratimia – reação completamente incongruente a</p><p>situações existenciais ou a determinados conteúdos ideativos, revelando desarmonia</p><p>profunda na vida psíquica. Exemplo: um esquizofrênico crônico que ao receber uma</p><p>notícia ruim ou em pleno velório, começa a sorrir espontaneamente e sem sentido</p><p>aparente, chamando a atenção de todos e provocando constrangimento geral.</p><p>C. Embotamento afetivo – perda profunda de todo tipo de vivência afetiva. Ao</p><p>contrário da apatia, que é basicamente subjetiva, o embotamento afetivo é observável,</p><p>constatável por meio de mímica, da postura e da atitude do paciente. Ocorre tipicamente</p><p>nas formas residuais (crônicas) das esquizofrenias.</p><p>D. Sentimento da falta de sentimento – vivência de incapacidade para sentir emoções,</p><p>experimentada de forma muito penosa pelo paciente. É percebido claramente pelo</p><p>doente, que se queixa de sentir-se intimamente morto ou em estado de vazio afetivo. Ao</p><p>contrário da apatia, o sentir o “não sentir” é vivenciado com muito sofrimento, como</p><p>uma tortura. Pode ocorrer em quadros depressivos graves.</p><p>E. Labilidade afetiva e incontinência afetiva – são os estados no quais ocorrem</p><p>mudanças súbitas e imotivadas do humor, sentimento ou emoções. O indivíduo oscila</p><p>de forma abrupta, rápida e inesperada de um estado afetivo para outro. O paciente está</p><p>conversando sobre algo ameno, alegre e começa a chorar convulsivamente, passando,</p><p>logo a seguir, a sorrir de forma tranqüila. O indivíduo não consegue conter de forma</p><p>alguma suas reações afetivas. Podem ocorrer em estados depressivos, maníacos, estados</p><p>graves de ansiedade, esquizofrenia ou serem indicativos de quadros psico-orgânicos</p><p>(tumores cerebrais, demências, encefalites, etc).</p><p>F. Ambivalência afetiva – termo usado por Bleuler para descrever sentimentos opostos</p><p>em relação a um mesmo estímulo ou objeto, sentimentos que ocorrem de modo</p><p>absolutamente simultâneo. Assim, o indivíduo sente, ao mesmo tempo, ódio e amor,</p><p>rancor e carinho por alguém. Pode ser um sintoma importante da experiência afetiva do</p><p>esquizofrênico. Ela indica um processo de cisão radical do Eu, de desarmonia profunda</p><p>das vivências psíquicas.</p><p>G. Neotimia – vivência afetiva bizarra, completamente nova e estranha, que acompanha</p><p>alguns quadros psicóticos. É estranha para a própria pessoa que a experimenta. Faz</p><p>parte da experiência peculiar e radicalmente diferente da esquizofrenia.</p><p>H. Indiferença afetiva – foi descrita particularmente na histeria com uma “bela</p><p>indiferença” (belle indifference). Trata-se de certa frieza afetiva incompreensível diante</p><p>59</p><p>dos sintomas que o paciente apresenta, que parece indicar que, no fundo (de forma</p><p>inconsciente), o paciente sabe que seus sintomas são psicogênicos e potencialmente</p><p>reversíveis. Não é uma indiferença profunda, sendo mais aparente e teatral que real (daí</p><p>bela). A bela indiferença da esquizofrenia contrapõe-se à triste indiferença do</p><p>paciente depressivo com apatia marcante e à pálida indiferença do paciente</p><p>esquizofrênico crônico com embotamento afetivo marcante.</p><p>I. Anedonia – é a incapacidade parcial ou total de obter e sentir prazer com</p><p>determinadas atividades e experiências da vida. O paciente relata que, diferentemente</p><p>do que ocorria antes de adoecer, agora não consegue mais sentir prazer sexual, não</p><p>consegue desfrutar mais de um bom papo com os amigos, de um almoço gostoso com a</p><p>família, de um bom filme, etc. Os doentes dizem: “Agora não vejo mais graça em nada,</p><p>as coisas perderam o sabor, não vibro e nem sinto prazer com mais nada”. A anedonia é</p><p>um sintoma central das síndromes depressivas. A apatia (incapacidade de sentir afetos)</p><p>e a anedonia (incapacidade de sentir prazer) são fenômenos muito próximos que</p><p>ocorrem, na maioria das vezes, de forma simultânea.</p><p>Reflexões finais em relação à afetividade e às perdas afetivas</p><p>Por que amar se a perda é tão dolorosa?</p><p>Eu não tenho mais respostas</p><p>Só a vida que tenho vivido</p><p>Por duas vezes nesta vida foi-me dada a escolha</p><p>Quando garoto e quando homem</p><p>O garoto escolheu a segurança</p><p>O homem escolheu o sofrimento</p><p>A dor de agora é parte da felicidade de então</p><p>Esse, para sempre, é o nosso trato</p><p>by C.S. "Jack" Lewis*</p><p>*escritor e poeta britânico. Sua biografia foi brilhantemente retratada no filme “Terra</p><p>das Sombras”.</p><p>O que é ter? O que é perder? Vamos pensar a respeito. Se alguém não se importa em perder</p><p>é porque na verdade nunca teve aquilo que perde. Sendo esse "não se importar" o que o</p><p>escritor José de Morais, em sua análise sobre a obra do escritor britânico C.S. "Jack" Lewis,</p><p>chama de “a arte da perda”. O que é perder? O que é ter? Vamos falar de pessoas,</p><p>relacionamentos. Nesse contexto, seria ter um sinônimo de amar? E sendo esse amor</p><p>verdadeiro, pode-se chamar a separação de perda? Mesmo quando separados carregamos</p><p>ainda no peito a lembrança e a intensidade de um sentimento que nem distância, nem</p><p>tempo, e talvez, nem a morte conseguem apagar? E se o sentimento sobrevive, ter-se-á</p><p>mesmo perdido algo? Perder é não ter? Não ter é estar longe? Longe do coração amado?</p><p>Não sei e não tenho respostas. Porém, há um momento em que o ter se torna ser, quando o</p><p>sentimento se apega de tal maneira a alma que esta já não o é sem ele. Alguém diz: "Toda</p><p>dor vem do desejo de não sentir dor". Talvez, mas não é só isso que move a alma. A alma</p><p>60</p><p>sabe que não há alegria sem sofrimento. O que a alma quer é uma dor que valha a pena, um</p><p>preço justo que ela possa pagar por aquilo que imagina ser felicidade. A alma não rejeita a</p><p>dor, muito menos as lágrimas. O que a alma se recusa é sofrer em vão ou sem saber quando</p><p>ou quanto basta, ou ainda mais, se receberá ao final os louros da vitória. Pois uma vez que</p><p>se experimenta o sabor da alegria, como a define Lewis, alma nenhuma mede esforços para</p><p>obtê-la. Mesmo que seu valor seja inestimável e que o coração tenha</p><p>já gasto toda sua</p><p>fortuna tentando alcançá-la.</p><p>Boa leitura, Flávio Soares.</p><p>61</p><p>3. CASOS CLÍNICOS</p><p>O amor comeu o meu nome, minha identidade, meu retrato</p><p>O amor comeu a minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço</p><p>O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu</p><p>escrevera meu nome</p><p>O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas</p><p>O amor comeu metros e metros de gravatas</p><p>O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de</p><p>meus chapéus</p><p>O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos</p><p>O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu</p><p>verão</p><p>Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte!</p><p>by João Cabral de Melo Neto</p><p>A terceira parte desse manual traz, para que o leitor possa se exercitar na tarefa de</p><p>descrever a fenomenologia das funções psíquicas, o relato de três casos clínicos. Não é</p><p>objetivo, nesse momento, buscarmos hipóteses diagnósticas para os quadros</p><p>apresentados. Aliás, algumas patologias, diagnósticos, já são mencionadas na descrição</p><p>dos mesmos. O objetivo é descrevermos, em cada caso, as alterações psicopatológicas</p><p>encontradas. Dessa forma, o primeiro relato clínico traz alterações, a serem</p><p>investigadas, das seguintes funções psíquicas: consciência vígil, atenção, orientação,</p><p>memória e inteligência. No segundo caso a busca será pela psicopatologia da</p><p>sensopercepção, do juízo, do pensamento, da linguagem e da consciência do Eu.</p><p>Finalmente, pesquisaremos no terceiro quadro clínico alterações fenomenológicas que</p><p>envolvem a vontade, a psicomotricidade e a afetividade. Porém, todas as funções</p><p>psíquicas devem ser investigadas em todos os casos. Além de exercitarmos a descrição</p><p>psicopatológica de cada caso, também é uma boa oportunidade para revermos aspectos</p><p>importantes a serem descritos na história clínica (anamnese) dos pacientes.</p><p>62</p><p>CASO CLÍNICO 1</p><p>MEMÓRIA</p><p>Amar o perdido</p><p>deixa confundido</p><p>este coração.</p><p>Nada pode o olvido</p><p>contra o sem sentido</p><p>apelo do Não.</p><p>As coisas tangíveis</p><p>tornam-se insensíveis</p><p>à palma da mão.</p><p>Mas as coisas findas,</p><p>muito mais que lindas,</p><p>essas ficarão.</p><p>by Carlos Drummond de Andrade</p><p>“ELE NÃO LEMBRA... ELE NÃO SABE”.</p><p>L. de 49 anos, sexo masculino, branco, casado, terceiro grau completo, com</p><p>queixas iniciais de "falhas de memória".</p><p>Aos 40 anos, o paciente começou a apresentar esquecimento para eventos</p><p>recentes da sua vida ou "distrações" freqüentes, como referido pelos pais e</p><p>pela ex-esposa. Concomitantemente, passava por crises conjugais e</p><p>insatisfação no trabalho, vindo a se separar da mulher.</p><p>Nesse período, observou-se uma piora dos esquecimentos descritos no</p><p>parágrafo anterior.</p><p>Por ocasião do seu segundo casamento, obteve uma bolsa de pós-graduação,</p><p>porém não foi capaz de levá-la adiante em função dos esquecimentos</p><p>freqüentes. À época, foi acometido por um episódio depressivo leve, com</p><p>insônia, perda do interesse e prazer especialmente para com seus familiares e</p><p>sensação de angústia. Fez uso de fluoxetina 20 mg/dia por seis meses, com</p><p>remissão total do quadro.</p><p>Aos 43 anos parou de trabalhar, apesar de ter construído uma carreira</p><p>brilhante, em função dos prejuízos provocados pelos esquecimentos. Passou a</p><p>cuidar de sua filha e a realizar pequenos trabalhos domésticos diariamente.</p><p>Seu discurso era marcado por repetições constantes. Foi submetido a uma</p><p>avaliação neuropsicológica que mostrou as alterações psicopatológicas a</p><p>serem descritas nesse caso. Fez uso de donepezil 5 mg/dia por um curto</p><p>período, pois não tolerou os seus efeitos colaterais, e vitamina E 800 mg/dia.</p><p>63</p><p>Aos 46 anos, iniciou avaliação diagnóstica e tratamento no Centro para</p><p>Pessoas com Doença de Alzheimer e outros Transtornos Mentais do HC -</p><p>UFPE. O miniexame do estado mental (MEEM) revelou que o paciente não</p><p>sabia o nome da sua cidade, do local onde se encontrava e em que dia, mês e</p><p>ano estava, dificuldades para lembrar fatos da sua vida passada e os mais</p><p>recentes. A avaliação funcional para atividades de vida diária (AVD) revelou</p><p>um comprometimento de moderado a grave. Apesar de não apresentar</p><p>dificuldades na realização de AVD básicas (cuidados pessoais), o paciente</p><p>pouco comparecia a eventos sociais, se perdia freqüentemente na rua e não</p><p>administrava mais suas finanças nem sua medicação. Mostrava-se sem</p><p>interesse por nada, sua fala era disártrica, embora compreendesse sem</p><p>dificuldade o que lhe era dito. Não apresentava quaisquer alterações de</p><p>comportamento.</p><p>História pessoal e familiar sem relatos de patologias.</p><p>Exame físico dentro dos padrões de normalidade.</p><p>Exame neurológico: alerta, sem déficit motor focal, com reflexos profundos</p><p>simétricos (3+/4), reflexo glabelar inesgotável e orbicular dos lábios presente.</p><p>Nervos cranianos mostram-se sem alterações, tônus muscular normal. Prova</p><p>índex-nariz lentificada e simétrica. Marcha apráxica. Equilíbrio estático</p><p>preservado. Sensibilidade superficial e profunda sem alterações.</p><p>Exames complementares</p><p>Hemograma completo, bioquímica sangüínea, provas de função tireoidiana,</p><p>sorologia anti-HIV, sorologia para Lues, exame qualitativo da urina, perfil</p><p>liquórico e radiografia de tórax dentro dos padrões de normalidade.</p><p>Eletroencefalograma (EEG) com mapeamento cerebral – atividade lenta (teta)</p><p>com predomínio frontotemporal à esquerda. Ressonância nuclear magnética</p><p>(RNM) do encéfalo com espectroscopia de prótons e volumetria de</p><p>hipocampos áreas hiperintensas na substância branca dos cornos occipitais</p><p>dos ventrículos laterais, acentuação dos sulcos corticais temporais e,</p><p>notadamente, occipitoparietais, redução volumétrica dos hipocampos – e</p><p>importante aumento da relação mio-inositol/creatina (Mi/Cr) e redução da</p><p>relação N-acetil-aspartato/creatina (Naa/Cr).</p><p>Tomografia por emissão de fóton único (SPECT) – área extensa e bilateral de</p><p>hipoperfusão em região parietal posterior).</p><p>Avaliação neuropsicológica</p><p>A primeira avaliação realizada revelou uma síndrome amnésia grave do tipo</p><p>anterógrada sem quadro demencial estabelecido. O paciente também</p><p>apresentou um grave déficit da atenção comprometendo discretamente a</p><p>memória de trabalho. Desempenho normal em testes de linguagem expressiva</p><p>e receptiva, capacidade de abstração, cálculos e funções visuoperceptivas e</p><p>um leve comprometimento da inteligência "fluida" e preservação da</p><p>inteligência "cristalizada".</p><p>64</p><p>Após quatro anos, a segunda avaliação revelou alterações de memória</p><p>(estruturação de estratégias, fixação, evocação e seletividade), atenção,</p><p>processamento executivo e de planejamento e visuoconstruccionais</p><p>relacionados funcionalmente à região cortical associativa anterior e posterior,</p><p>bilateral e circuitos subcórtico-frontais. Os índices de memória global, verbal,</p><p>visual e evocação tardia mostraram-se inferiores aos limites dos testes</p><p>utilizados de acordo com os percentis para a idade.</p><p>Evolução</p><p>Uma vez realizado o diagnóstico de DA provável (NINCDS-ADRDA) iniciou</p><p>uso de rivastigmina 3 mg/dia, vitamina C 1 g/dia e vitamina E 800 mg/dia.</p><p>A rivastigmina foi gradualmente aumentada até 10,5 mg/dia, com melhora</p><p>significativa da apatia, porém notou-se maior prejuízo na praxia e disartria.</p><p>Apresentou piora da qualidade do sono, com constantes despertares noturnos.</p><p>A redução da rivastigmina para 7,5 mg/dia melhorou parcialmente este</p><p>quadro, que remitiu totalmente com a introdução de zolpidem 10 mg/dia.</p><p>No ano seguinte, houve sensível piora da apraxia, acarretando maior</p><p>dependência nas Atividades da Vida Diária (AVDs). Uma acompanhante foi</p><p>contratada para auxiliá-lo. Seus pais observaram também alguns episódios de</p><p>agitação psicomotora</p><p>à noite, com hipersexualidade e coprolalia.</p><p>Inicialmente, fez uso de lorazepam 2 mg/dia e, posteriormente, mirtazapina</p><p>30 mg/dia, sem sucesso. Após extensa avaliação clínica e laboratorial</p><p>(hemograma, bioquímica sangüínea, EEG e RNM), que não revelou</p><p>informações adicionais, iniciou-se olanzapina 5 mg/dia, com remissão total</p><p>dos sintomas noturnos.</p><p>O último MEEM mostrou grave comprometimento de orientação, atenção,</p><p>cálculo e memória de evocação. Outros domínios que se encontraram</p><p>alterados foram memória imediata, linguagem (repetição), comando, escrita e</p><p>cópia de pentágonos (08/30 pontos).</p><p>65</p><p>CASO CLÍNCO 2</p><p>Seja o senhor quem for, não importa...</p><p>Eu sempre dependi da gentileza de estranhos.</p><p>by Tenessee Williams in “Um bonde chamado desejo”</p><p>“SEMPRE PRECISEI DA BONDADE DE ESTRANHOS”</p><p>Paciente M., 45 anos, evangélica, solteira, recebera diagnóstico de esquizofrenia paranóide</p><p>aos 25 anos de idade. Aos 30 anos, passou a relatar que sentia um forte cheiro de enxofre e</p><p>que tudo o que ofereciam para ela comer tinha um gosto amargo. Dessa forma, tinha certeza</p><p>que os familiares queriam envenená-la. O primeiro surto se caracterizou pela presença de</p><p>vozes que a acusavam de ser prostituta e por intensa agitação (quebrou todos os objetos do</p><p>lar). Posteriormente, passou a relatar que, na verdade, se chamava por outro nome e que</p><p>seus pais não eram seus genitores biológicos. Dizia que havia sido abduzida por discos</p><p>voadores e implantada nessa nova casa onde morava. Segundo a família, M. mora no lugar</p><p>onde nasceu e nunca saiu nem mesmo da sua cidade. Não aceitava tratamento e foi</p><p>submetida a diversos internamentos em hospitais psiquiátricos.</p><p>Atualmente, relata que ouve vozes dizendo para ela ir embora e procurar sua verdadeira</p><p>família (que mora nos Estados Unidos). A voz atual é identificada como a voz do Diabo ("O</p><p>Diabo que me manda quebrar tudo e fugir daqui"). A paciente relata que as vozes também</p><p>são uma forma de provação que todos os evangélicos tinham que passar para alcançar o</p><p>Reino dos Céus.</p><p>Diz também que ouve vozes de anjos que conversam com ela. “São vozes boas e que me</p><p>deixam calminha” (as vozes comentam as suas ações ou, às vezes, conversam entre si).</p><p>Relata que os anjos são enviados pelo Espírito Santo para orientá-la e que todo evangélico,</p><p>quando aceitava Jesus, tinha que passar por uma provação.</p><p>Apresenta ainda isolamento social, dificuldade em demonstrar e compartilhar afeto,</p><p>passividade ("Tenho que fazer o que as vozes mandam, senão coisas piores podem ocorrer</p><p>comigo"), comportamento esquivo e desconfiada na maior parte do tempo, falta de vontade</p><p>para fazer qualquer tarefa.</p><p>Nos dias que antecedem os piores surtos, há uma clara alteração de seu comportamento. Ela</p><p>torna-se mais arredia com a família, aumenta sua atividade psicomotora, seu olhar torna-se</p><p>perplexo e eventualmente torna-se agressiva. Após os internamentos, refere que a qualidade</p><p>das vozes alterava (passava a ouvir as vozes do Diabo, que ordena que ela fuja).</p><p>Durante o último internamento, a paciente usou olanzapina 20 mg, haloperidol 10 mg e</p><p>clonazepam 4 mg. Optou-se pela troca da olanzapina pela clozapina devido à falta de</p><p>resposta do quadro clínico à primeira. Durante a retirada da olanzapina e a introdução da</p><p>clozapina, houve exarcebação da sintomatologia psicótica. Aumentou-se a dose do</p><p>haloperidol para 15 mg e introduziu-se diazepam até a dose 50 mg para controle desses</p><p>episódios. Após o alcance da dose de 200 mg de clozapina, não houve novos a intensidade</p><p>das vozes diminuíram bastante. Aumentou-se a dose de clozapina gradualmente para 700</p><p>mg, mantendo-se as demais medicações com doses inalteradas (haloperidol 15 mg</p><p>diazepam 50 mg). Com esse esquema terapêutico, foi observada resposta significativa dos</p><p>66</p><p>sintomas negativos (melhorou a interação com outros pacientes e equipe do hospital,</p><p>aumentou a sua comunicabilidade, passou a realizar atividades terapêuticas do hospital).</p><p>Entretanto, houve resposta parcial dos sintomas positivos e apresentou novos episódios de</p><p>agitação psicomotora de leve intensidade, controlados com baixas doses de haloperidol</p><p>intramuscular - IM (por exemplo, 5 mg). Paciente continua em acompanhamento</p><p>ambulatorial.</p><p>Sempre relata que vive mais nas casas dos vizinhos do que na sua própria e diz pedir ajuda</p><p>a todos a quem encontra na rua. “Os estranhos são muito bons doutor. Eles são as pessoas</p><p>que mais me tratam bem”.</p><p>67</p><p>CASO CLÍNICO 3</p><p>O sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão.</p><p>by Antônio Conselheiro</p><p>“A TRISTE SECA DO SERTÃO NORDESTINO”</p><p>A., mulher, 25 anos, com antecedentes pessoais de dois episódios de convulsão na</p><p>infância (aos 9 e aos 12 anos de idade) na ausência de hipertermia e sem crises</p><p>convulsivas desde essa época. História familiar de epilepsia negativa e pai com história</p><p>de alcoolismo e depressão.</p><p>A paciente fez uso de 10 mg/dia de dextroanfetamina, por prescrição médica, visando a</p><p>redução do apetite devido à obesidade que apresentava desde a adolescência. Após dois</p><p>meses de uso, passou a apresentar insônia, desconfiança dos familiares, delírios de</p><p>conteúdo místico e agitação, que persistiram mesmo após uma semana de interrupção da</p><p>medicação. Trazida ao serviço psiquiátrico, foi tratada com haloperidol 10 mg/dia, com</p><p>o qual obteve remissão completa dos sintomas após quatro semanas. Fez uso dessa</p><p>medicação nos dois meses seguintes, sendo essa suspensa devido à evolução favorável.</p><p>Depois de cinco meses sem uso de antipsicóticos, apresentou quadro compatível com</p><p>depressão grave e idéias de que era a grande responsável pela seca que há décadas mata</p><p>milhares de nordestinos. Após dois meses de tratamento com fluoxetina até 40 mg/dia,</p><p>obteve melhora significativa da depressão, porém apareceram idéias que era uma grande</p><p>assassina. Dizia que as pessoas podiam ler seus pensamentos e que havia na TV e na</p><p>Bíblia mensagens especialmente dirigidas a ela. A fluoxetina foi suspensa e introduzido</p><p>um antipsicótico (haloperidol até 20 mg/dia) com remissão do quadro delirante.</p><p>Manteve-se bem por dois anos, quando interrompeu o tratamento espontaneamente.</p><p>Após seis meses, apresentou novamente quadro depressivo, sendo tratada então com</p><p>imipramina até 175 mg/dia, tendo permanecido eutímica por um ano. Durante o novo</p><p>episódio depressivo grave, voltou a dizer que ouvia vozes que a acusavam de ser a</p><p>responsável pela falta de chuva no sertão do Nordeste. Devido a um aumento da ingesta</p><p>alimentar e ganho de peso, substituiu-se a imipramina por sertralina 50 mg/dia. Após</p><p>seis semanas de uso apresentou quadro delirante, idéias paranóides e agressividade sem</p><p>alteração do humor. Foi reiniciado uso de antipsicótico. A melhora do quadro clínico</p><p>tem sido gradativa.</p><p>68</p><p>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</p><p>*artigos da nossa autoria</p><p>American Psychiatric Association. DSM-IV-TR: manual diagnóstico e estatístico dos</p><p>transtornos mentais. 4. ed. rev. Porto Alegre: Artemed, 2002.</p><p>*Ardant, F.S.A; Petribú, K.C.L.; Bastos Filho, O.C. Characterization of depressive</p><p>syndrome in schizophenic outpatients. Brazilian Journal of Psychiatry no MEDLINE, v.</p><p>25, n. 3, 2008, p. 18-25.</p><p>*Ardant, F.S.A; Petribú, K.C.L.; Bastos Filho, O.C. Depressão em Esquizofrenia. In:</p><p>Bressan, R.A.; Mari, J.; Mercadante, M.T.; Rhode, L.A.; Miguel, E.C. (Org.).</p><p>Atualização em Psiquiatria – Vol. 2. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004, p. 402-415.</p><p>*Ardant, F.S.A; Bastos Filho, O.C. Recherches sur la dépression post-psychotique chez</p><p>des patients schizophréniques. Cahiers Henri Ey, Paris, v. 10, 2008, p. 223 – 233.</p><p>Bastos, C. L. Manual do exame psíquico. Rio de Janeiro: Revinter, 1997.</p><p>Bernard P.; Trouvé, S. Sémiologie Psychiatrique. Paris: Masson, 1976.</p><p>Bleuler, E. Psiquiatria. Rio de Janeiro: Guanbara Koogan,</p><p>1985.</p><p>Calderoni, D. Psicopatologia: vertentes, diálogos. São Paulo: Via Lettera, 2002.</p><p>Carlat, D.J. Entrevista psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed, 2007.</p><p>Cheniaux, E. Manual de psicopatologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.</p><p>Dalgalarrondo, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre:</p><p>Artmed, 2008. LIVRO DIDÁTICO – EXCELENTE!</p><p>Ey, H. Manuel de Psychiatrie. Paris: Masson, 1965.</p><p>Fiks, J.P. Delírio: um novo conceito projetado em cinemas. São Paulo: Via Lettera,</p><p>2002.</p><p>Freud, S. A projeção. Rio de Janeiro: Imago, 1974.</p><p>69</p><p>Haerer, A.F. DeJong’s the neurologic examination. Philadelphia: Lippincott-Haven,</p><p>1992.</p><p>Jaspers, K. Psicopatologia geral. Rio de Janeiro: Atheneu, 1979. CLÁSSICO!</p><p>Nobre de Melo, A.L. Psiquiatria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.</p><p>CLÁSSICO!</p><p>Sá Jr., L.S.M. Fundamentos de psicopatologia: bases do exame psíquico. Rio de</p><p>Janeiro: Atheneu, 1988. CLÁSSICO!</p><p>Schneider, K. Psicopatologia clínica. São Paulo: Mestre Jou, 1976. CLÁSSICO!</p><p>Silva Filho, J.F. Psicopatologia hoje. Rio de Janeiro: CCS/UFRJ, 2006.</p><p>Sims, A. Delusions and awareness of reality. The British Journal of Psychiatry, v. 159,</p><p>suplem. 14, 1991.</p><p>Sims, A. Sintomas da mente: introdução à psicopatologia descritiva. Porto Alegre:</p><p>Artmed, 2001. LIVRO DIDÁTICO – EXCELENTE!</p><p>completo, se tem curso</p><p>superior e qual.</p><p>F. Etnia: branco – pardo – preto</p><p>G. Quem acompanha o doente</p><p>H. Qual instituição o encaminha</p><p>I. Procedência/endereço. Se mora na cidade, anotar a rua, o número da casa, o</p><p>bairro e a cidade. Se mora em zona rural, anotar o nome da propriedade, usina,</p><p>engenho, fazenda ou sítio, o distrito e o município. Anotar o número do telefone</p><p>da residência, se houver, ou de algum contato próximo (vizinho, posto médico,</p><p>prefeitura, etc.).</p><p>J. Naturalidade (cidade/Estado)</p><p>K. Há quantos anos mora no local atual de residência</p><p>L. Profissão – registrar não só o título genérico (funcionário público, militar, etc.)</p><p>como também precisar realmente a função exercida (vínculo empregatício):</p><p>escriturário, delegado, motorista, servente, etc.</p><p>M. Ocupação atual: dona de casa – ativo – ativo, mas irregular – inativo.</p><p>N. Religião – em caso de ser evangélico, precisar a denominação da igreja: batista,</p><p>presbiteriana, pentecostal. No caso de se ser católico, precisar se realmente</p><p>freqüenta a igreja, se faz parte de alguma comunidade carismática. Se for espírita,</p><p>definir bem se freqüenta centros ou se, na verdade, freqüenta locais determinados</p><p>às práticas de religiões afro-brasileiras.</p><p>O. Há quanto tempo está nessa religião e com que freqüência vai à igreja.</p><p>OBSERVAÇÕES</p><p>Desses dados alguns (como cor e filiação) servem, sobretudo, para uma melhor</p><p>identificação nos casos de igualdade de nomes; outros são esclarecedores quanto às</p><p>condições do organismo ou ao tipo de problemas psicológicos próprios de</p><p>determinados pacientes (idade, sexo, estado civil, profissão, instrução, religião),</p><p>outros constituem dados que serão úteis para eventuais estudos sobre epidemiologia</p><p>das doenças mentais e sobre suas condições reais de assistência, indispensáveis a</p><p>qualquer tentativa séria de planejamento de assistência psiquiátrica no Estado</p><p>8</p><p>(naturalidade, residência, entidade ou pessoa que solicitou internamento).</p><p>Finalmente, aspectos relacionados ao estado civil e à religião, por exemplo, podem</p><p>atuar como estressores psicossociais (life events). Esses estressores podem ter</p><p>contribuído para o desencadeamento do transtorno mental, bem como para uma pior</p><p>ou uma melhor evolução do mesmo.</p><p>1.3. QUEIXA PRINCIPAL E HISTÓRIA DA DOENÇA</p><p>Descrever (de preferência com as palavras do paciente) sintomas, sinais e</p><p>comportamentos desde o início do último episódio até o presente momento. São</p><p>recomendadas as seguintes perguntas: você já consultou, no passado, algum profissional</p><p>para tratar de problemas nos nervos, psicológicos ou psiquiátricos; há quanto tempo foi</p><p>a primeira consulta; já tomou remédios para os nervos; há quanto tempo tomou pela</p><p>primeira vez; você já procurou ajuda de padre, pastor, benzedeira, centro espírita para</p><p>solucionar o seu problema; deixou de fazer tratamento por orientação de algum deles; já</p><p>houve internação psiquiátrica; há quanto tempo foi a primeira internação; quantas</p><p>internações psiquiátricas você teve até hoje; em média, quanto tempo duram as</p><p>internações;</p><p>Quando o paciente é trazido por outras pessoas, procurar saber do acompanhante quais</p><p>foram os primeiros indícios de anormalidade do comportamento observado e há quanto</p><p>tempo ocorreram. Descrever a seguir a evolução cronológica dos sintomas e sua ordem</p><p>de aparecimento, quais tratamentos foram realizados ou tentados e quais as respostas</p><p>aos mesmos.</p><p>Na reconstituição dos tratamentos anteriores, deve-se anotar os médicos e serviços</p><p>consultados, remédios tomados, duração de seu uso e hipótese acerca das causas de seus</p><p>eventuais fracassos.</p><p>1.4. INTERROGATÓRIO SINTOMATOLÓGICO</p><p>1.5. ANTECEDENTES MÓRBIDOS PESSOAIS E HÁBITOS</p><p>Registrar em primeiro lugar as condições de gestação e parto do paciente; se a mãe</p><p>passou bem durante a gravidez; se houve alguma doença infecciosa, tóxica ou carencial,</p><p>ou se sofreu traumatismo emocionais, se a gestação foi a termo ou prematuro; se o parto</p><p>foi normal, muito demorado, a fórceps ou operatório; e finalmente se o paciente ao</p><p>nascer estava em cianose ou se custou muito a respirar. Todos esses dados são</p><p>importantes porque tanto as doenças maternas ocorridas durante a gestação (sobretudo</p><p>as infecciosas) como os traumatismos do parto ou asfixia prolongada ao nascer podem</p><p>determinar na criança lesões cerebrais mais ou menos extensas capazes de condicionar,</p><p>por exemplos, retardamento intelectual e predisposição convulsiva. Investigar, em</p><p>seguida, o desenvolvimento psicomotor na primeira infância, sobretudo se aprendeu a</p><p>falar, a andar e a controlar esfíncteres nas idades habituais. Um grande atraso nesses</p><p>aprendizados é em geral sintomático de um retardamento intelectual global. É</p><p>importante procurar saber se o paciente urinou na cama até muito tarde, se andava</p><p>durante o sono (sonambulismo) e se apresentava pesadelos freqüentes, pois todos esses</p><p>sinais podem ser indicativos de lesão cerebral localizada, capaz de condicionar sintomas</p><p>paroxísticos epilépticos ou transtornos da personalidade. Essa investigação é</p><p>9</p><p>importante, principalmente, nos casos de pacientes adolescentes e jovens. Pode se tornar</p><p>absolutamente desnecessária diante de pacientes adultos ou idosos.</p><p>Se for um paciente do sexo feminino, conseguir informes acerca do funcionamento dos</p><p>órgãos da reprodução: idade da menarca (primeira menstruação); condições habituais</p><p>dos catamênios (menstruações); intervalo de um para o outro; ocorrência de cefaléia</p><p>durante o mesmo ou de insônia na fase pré-menstrual.</p><p>Se for casada: idade do casamento, número total de gestação, número de gestações a</p><p>termo e de abortos, número de filhos vivos e respectivo estado de saúde.</p><p>Se já está na menopausa: idade em que teve o último catamênio; a ocorrência de</p><p>sintomas neurovegetativos ou psíquicos. Todos esses dados são importantes em face da</p><p>repercussão que os distúrbios endócrinos podem ter sobre o equilíbrio psíquico da</p><p>mulher.</p><p>Finalmente, todo o passado mórbido do paciente:</p><p>Doenças próprias da infância e demais doenças infecciosas ou parasitarias = sarampo,</p><p>catapora, parotidite, difteria, asma, disenterias (amebíase, giardíase), febre tifóide,</p><p>hepatite infecciosa, malária, coqueluche.</p><p>Doenças venéreas: gonorréia, cancro duro, sífilis, aids.</p><p>Traumatismo craniano grave com perda prolongada da consciência; registrar a idade da</p><p>ocorrência e o período de inconsciência.</p><p>Convulsões.</p><p>Quaisquer outras doenças graves, prolongadas ou invalidantes – tuberculose pulmonar,</p><p>cardiopatias, polimielite, etc.</p><p>Intervenções cirúrgicas em geral.</p><p>Certas doenças infecciosas como o sarampo, a febre tifóide podem se acompanhar de</p><p>reações meningoencefalíticas, às vezes clinicamente imperceptíveis, capazes, porém, de</p><p>deixar seqüelas duradouras no córtex cerebral.</p><p>Os traumatismos cranianos graves podem deixar lesões duradouras, capazes de</p><p>condicionar sintomas epilépticos ou distúrbios de conduta mais ou menos graves. As</p><p>doenças graves, prolongadas ou invalidantes e as intervenções cirúrgicas são</p><p>importantes, sobretudo pelas repercussões psicológicas que possam ter tido sobre a</p><p>personalidade do paciente.</p><p>Descrever os episódios psiquiátricos anteriores.</p><p>Tentativas de suicídio (forma e números).</p><p>Brigas e agressões.</p><p>Problemas legais (processos).</p><p>Problemas com a polícia.</p><p>Hábitos tóxicos: fumo (cigarro comum – relatar a quantidade), álcool (relatar como o</p><p>paciente faz uso da bebida), uso de benzodiazepínicos, anfetaminas, maconha, crack,</p><p>drogas injetáveis, cola, etc.</p><p>O abuso do álcool, das anfetaminas e do crack, por exemplos, podem levar a psicoses</p><p>graves; o uso da maconha pode significar um sintoma de desajuste emocional.</p><p>1.6. ANTECEDENTES FAMILIARES</p><p>Procurar saber, inicialmente, se os progenitores ainda são vivos e que idade têm;</p><p>gozam-se saúde ou sofrem de alguma doença. Se forem mortos quais as causas da</p><p>morte. Pesquisar os respectivos traços de personalidade</p><p>dos pais: calado, falante, calmo,</p><p>irritável, explosivo, alegre, triste, seco, afetuoso, autoritário, intransigente, tolerante,</p><p>compreensivo, reclamador, gosta de se fazer de vítima, etc.</p><p>10</p><p>Procurar saber se entre os antecedentes (avós ou colaterais – irmãos tios e primos)</p><p>houve algum caso de nervosismo, retardamento mental, loucura (com ou sem</p><p>tratamento), ataques (epiléticos ou histéricos), uso imoderado de bebidas alcoólicas,</p><p>conduta anti-social ou criminosa e suicídios.</p><p>Os informes acerca da idade, estado de saúde, causa da morte dos progenitores e do</p><p>número total de filhos mortos ou sobreviventes fornecem uma idéia acerca das</p><p>condições sanitárias da família e da existência de possíveis predisposições a doenças</p><p>degenerativas ou infecciosas.</p><p>Os traços de personalidade dos pais ajudam não só a identificar a presença de certas</p><p>predisposições hereditárias (como esquizofrenias p. ex.), como, sobretudo permitem</p><p>compreender as condições psicológicas em que se deu a formação da personalidade do</p><p>paciente. Os dados acerca de doenças mentais e de distúrbios do comportamento entre</p><p>parentes, antecedentes e colaterais dão uma idéia das predisposições das psicopatias</p><p>familiares em geral.</p><p>1.7. ANTECEDENTES SOCIAIS - CURVA DE VIDA - PERSONALIDADE PRÉ-</p><p>MÓRBIDA</p><p>Neste item procura-se investigar as circunstâncias da formação da personalidade do</p><p>paciente e explorar todos os setores de sua vida em que possam ter ocorrido</p><p>traumatismo ou conflitos afetivos.</p><p>Os diversos aspectos investigados podem ser agrupados nos cinco tópicos seguintes:</p><p>a) Condições sociais e psicológicas da vida infantil.</p><p>– Registrar quantos filhos houve ao todo do matrimônio dos pais, quantos são</p><p>atualmente vivos e qual é a posição do paciente na ordem dos irmãos. É muito prático</p><p>representar a série de irmãos por símbolos masculino e feminino com a idade inscrita no</p><p>centro e o símbolo correspondente ao paciente devidamente assinalado.</p><p>- Situação jurídica, social, econômica da família; se os pais são casados no civil</p><p>e no religioso, se houve separação; profissão do pai e da mãe, situação econômica de</p><p>um modo geral (equilibrada, apertada, extrema penúria, satisfatória); situações de</p><p>moradia atual.</p><p>- Relações efetivas e atividades dos pais, grau de harmonia entre os progenitores,</p><p>atitudes de predileção ou rejeição em relação aos filhos, métodos pedagógicos (mimos</p><p>excessivos, castigos físicos, etc.).</p><p>- Ajustamento do paciente em criança: traços de temperamento, relação com os</p><p>adultos e com as demais crianças (isolamento, liderança nas brincadeiras coletivas,</p><p>brinquedos preferidos, distúrbios emocionais), tiques, gagueira, chupar dedo, roer unha,</p><p>fobias, crises de birra, etc.</p><p>OBS: fica evidente que em paciente adulto e idoso não se faz tão importante a</p><p>investigação do item a. Ou seja, quanto mais jovem o paciente maior será a importância</p><p>da investigação descrita no item acima.</p><p>b) Escolaridade – idade da alfabetização, tempo que freqüentou escola e série</p><p>atingida, curso realizado, idade em que foi concluído e respectivo aproveitamento.</p><p>c) Vida profissional – idade em que começou a trabalhar regularmente,</p><p>empregos sucessivos, situação atual, aposentadoria por invalidez (deve ser especificado</p><p>se a causa da invalidez foi o transtorno mental ou não).</p><p>11</p><p>d) Psicosexualidade e vida sentimental – idade que teve as primeiras noções</p><p>sobre sexo (gestação, parto, coito) e reação psicológica às mesmas, idade das primeiras</p><p>experiências masturbatórias; ocorrência de experiências homossexuais, idade e</p><p>vicissitudes das primeiras experiências heterossexuais, idade do noivado e casamento,</p><p>ajustamento conjugal, disfunções eréteis, uso de métodos anticoncepcionais; aventuras</p><p>extraconjugais; frustrações e desenganos amorosos; idade em que começou a namorar,</p><p>etc.</p><p>OBS: a não ser em situações específicas como nos transtornos da sexualidade e</p><p>nos transtorno mentais que evoluam com alterações na esfera sexual, não é apropriado</p><p>realizar essa investigação em todos os casos. O bom senso não nos permitirá, por</p><p>exemplo, realizar investigação de caráter tão íntimo diante de pacientes que vemos pela</p><p>primeira vez na vida, muitas vezes adultos ou idosos, e com os quais ainda não</p><p>tenhamos praticamente nenhum vínculo terapêutico.</p><p>e) Padrões de ajustamento anterior à doença:</p><p>Situação econômica – hábitos sociais: visitas aos amigos, freqüência e reuniões</p><p>festivas, diversões preferidas, militância sindical e política, prática religiosa. Traços de</p><p>personalidade: calado, falante, alegre, triste, emotivo, ansioso, sensível, desconfiado,</p><p>ciumento, irritável, explosivo, meticuloso, intransigente, agressivo, submisso, capaz de</p><p>liderar, sempre disposto a obedecer, preocupado em agradar, gostando de se fazer de</p><p>mártir, etc.</p><p>ENFATIZANDO: esses dados dos antecedentes sociais possuem tanto maior</p><p>importância quanto mais jovem for o paciente e mais provável a influência dos</p><p>fatores emocionais no condicionamento de sua doença atual. No caso de um</p><p>paciente senil, por exemplo, será suficiente reconstituir as grandes etapas da curva</p><p>de vida. Num paciente de vinte anos, porém, cujo quadro mórbido, segundo a</p><p>história, parece ter sido precipitado por um traumatismo efetivo, quanto mais</p><p>minuciosos forem os informes colhidos neste item, mais elementos terá o terapeuta</p><p>para fundamentar o diagnóstico e programar o tratamento. Certos diagnósticos,</p><p>como os dos transtornos conversivos ou da personalidade, dependerão quase que</p><p>exclusivamente desse informes.</p><p>1.8. EXAME FÍSICO GERAL</p><p>Registrar o estado geral de nutrição, o estado do panículo adiposo, da musculatura, da</p><p>pele e das mucosas; a temperatura axilar, a existência de enfartamentos ganglionares e</p><p>de edemas. Proceder em seguida a um exame sumário dos aparelhos da vida vegetativa.</p><p>Aparelho Circulatório:</p><p>Verificar a pressão arterial e auscultar o coração, registrando todas as anormalidades</p><p>encontradas ou apenas chamando a atenção para alguma anormalidade que não tenha</p><p>sido possível identificar bem.</p><p>Aparelho Respiratório:</p><p>Registrar as alterações do ritmo respiratório e a ocorrência de tosse e expectoração.</p><p>Aparelho Digestivo:</p><p>Indagar inicialmente sobre queixas digestivas em geral: pirose, vômitos, cólicas,</p><p>constipação intestinal, etc. Fazer uma palpação sumária do abdômen.</p><p>12</p><p>Aparelho Gênito-Urinário:</p><p>Registrar quaisquer queixas relativas à micção e às funções genitais. Obs: essas queixas</p><p>já devem ter sido registradas no interrogatório sintomatológico. Aqui são descritas</p><p>sumariamente.</p><p>Sistema endócrino:</p><p>Estar atento aos indícios mais evidentes: bócio, exoflalmia, hirsutismo, acromegalia,</p><p>etc.</p><p>1.9. EXAME NEUROLÓGICO</p><p>Um exame neurológico sumário deve incluir as seguintes pesquisas:</p><p>A.Inspeção: malformações grosseiras da cabeça, da coluna ou das extremidades.</p><p>B. Pares cranianos:</p><p>I – Identificação dos odores</p><p>II – Diminuição da acuidade visual, sobretudo se recente ou rápida, amaurose,</p><p>campos visuais, fundo do olho.</p><p>III, I, VI – Diplopia, ptose palpebral, paralisia isoladas dos pares e do olhar.</p><p>Alterações pupilares: midríase, miose, anisocoria, deformações pupilares. Reflexos foto-</p><p>motor, de acomodação e convergência.</p><p>V – Reflexo córneo-palpebral, sensibilidade da face</p><p>VII – Paralisia facial</p><p>VIII – Ramo coclear: hipoacusia, anacusia,. Ramo vestibular: vertigens, nistagmos.</p><p>C. Troficidade: alterações tróficas mais evidentes da pele, dos músculos e dos</p><p>ossos.</p><p>D. Tono Muscular: hipotonia. Hipertonias: sinal de canivete e da roda dentada (não</p><p>esquecer que paciente impregnado com antipsicóticos apresenta sinais</p><p>extrapiramidais).</p><p>E. Força muscular: alterações da força global ou segmentar.</p><p>F. Reflexos clônicos: superficiais: cultâneo-plantares; abdominais. Profundos: estilo</p><p>radiais, bicipitais, tricipitais, patelares, aquileus (registrar o grau de vivacidade e a</p><p>simetria).</p><p>G.</p><p>Motricidade involuntária e espontânea: tremores, coréia, mioclonias, fasciculações.</p><p>H. Coordenação: Estática – equilíbrio na posição de Romberg. Dinâmica: índice nariz</p><p>e calcanhar – joelho.</p><p>I. Sensibilidade subjetiva: dores, parestesias. Objetiva: superficial e profunda.</p><p>J. motricidade automática: marcha parética, espástica, atáxica, cerebelar, etc. Fala</p><p>disártrica, etc. Mímica: riso e choro espasmódicos.</p><p>K. Sistema nervoso vegetativo: sudorese, palidez, rubor, cianose.</p><p>L. Linguagem: disfasia, afasias.</p><p>M. Gnosias e praxias.</p><p>No caso de ser encontrada qualquer anormalidade é indispensável realizar um exame</p><p>neurológico completo. O exame neurológico é de fundamental importância para a</p><p>identificação da natureza da lesão cerebral condicionadora dos quadros psiquiátricos</p><p>orgânicos, retardo mental, epilepsias, demências, etc. O retardo mental acompanha</p><p>algumas vezes as malformações neurológicas ou as encefalopatias precoces.</p><p>Os estados demências e as manifestações epilépticas podem ser condicionados por</p><p>diferentes processos orgânicos: atrofia cerebral, tipo Alzheimer (sintomas afaso-agnoso-</p><p>apráxicos); processos vasculares cerebrais: arteriosclerose cerebral generalizada,</p><p>tromboses, hemorragias, angiomas; meningoencefalite sifilítica (com sinais pupilares,</p><p>13</p><p>disartria e sintomas motores), tumores cerebrais, etc. OBSERVAÇÃO: o exame físico</p><p>geral e neurológico devem ser mais ou menos detalhados a partir das hipóteses</p><p>diagnósticas que se formam com os dados da anamnese e do exame do estado</p><p>mental do paciente. Caso o profissional suspeite de doença física, deverá examinar</p><p>o paciente somaticamente em detalhes, caso suspeite de distúrbio neurológico ou</p><p>neuropsiquiátrico, o exame neurológico deve ser completo e detalhado.</p><p>1.10. EXAME MENTAL</p><p>É a avaliação do estado psíquico em um determinado momento.</p><p>Ele se integra à entrevista psiquiátrica e começa ao primeiro contato com o paciente. O</p><p>exame mental objetiva reconhecer, auxiliar e descrever, da forma mais precisa possível,</p><p>a presença de sinais e sintomas psíquicos.</p><p>O examinador deve evitar interpretações pessoais e procurar descrever detalhadamente</p><p>o que ouve e observa. Se o paciente não fala, a descrição do seu exame poderá limitar-se</p><p>a uma exposição cuidadosa do seu comportamento.</p><p>Para melhor ordem de exposição, os diversos aspectos a serem investigados são</p><p>apresentados no item dois desse manual, em tópicos separados, seguidos de suas</p><p>respectivas alterações mais freqüentes. Na descrição, porém, os dados obtidos devem</p><p>ser expostos em texto contínuo.</p><p>1.11. SOLICITAÇÃO E/OU AVALIAÇÃO DE EXAMES COMPLEMENTARES</p><p>Exames e dosagens laboratoriais gerais, exame do líquido cerebrospinal,</p><p>eletroencefalograma (EEG), psciodiagnóstico, testes neuropsicológicos, exames de</p><p>neuroimagem estrutural e funcional, etc.</p><p>1.12. HIPÓTESES DIAGNÓTICAS (DIAGNÓSTICO MULTIAXIAL – CINCO</p><p>EIXOS – A HISTÓRIA DA PESSOA E NÃO APENAS DA DOENÇA)</p><p>A. EIXO I - devem ser diagnosticados os transtornos mentais (exceto os especificados</p><p>no eixo II). Pesquisamos esse eixo nos seguintes tópicos da Anamnese Psiquiátrica:</p><p>HDA; Antecedentes Pessoais (AP); Interrogatório Sintomatológico (IS); Antecedentes</p><p>Sociais – Personalidade Pré-mórbida – Curva de Vida (AS); Exame Físico Geral (EFG);</p><p>Exame Neurológico (EN) e Exame Mental (EM).</p><p>B. EIXO II - devem ser especificados, se houver, os transtornos da personalidade</p><p>(Personalidades Patológicas - PPs) e retardo mental. Pesquisamos esse eixo na HDA;</p><p>nos AP; nos AS; no EFG, no EN e no EM.</p><p>C. EIXO III – devem ser especificadas quaisquer doenças, diferentes das mencionadas</p><p>nos eixos I e II (exemplos: infecções, hipertensão arterial, diabetes, câncer, etc) que o</p><p>paciente possa apresentar ao longo da sua história e que possam interferir ou não na</p><p>evolução clínica dos transtornos dos eixos I e II. Serão descritas as condições médicas</p><p>gerais (clínica médica) que porventura coexistam com o transtorno mental.</p><p>Pesquisaremos na HDA; no IS, nos AP; no EFG e no EN.</p><p>D. EIXO IV - devem ser especificados os problemas psicossociais e ambientais.</p><p>Descreveremos a ocorrência de fatores (chamados “life events” – estressores</p><p>psicossociais) que possam ter sido importantes no desencadeamento de um transtorno</p><p>mental e/ou que estejam prejudicando a evolução clínica/tratamento dos mesmos.</p><p>Pesquisamos na Identificação; na HDA e nos AS.</p><p>E. EIXO V - devem ser realizadas avaliações globais do funcionamento do paciente</p><p>(comparando o funcionamento antes e depois do início dos transtornos especificados no</p><p>14</p><p>eixo I e II). Avaliação do funcionamento global atual do paciente (tendo como</p><p>comparação o ano anterior ao início do transtorno mental). Pesquisamos na HDA e nos</p><p>AS.</p><p>Exemplo clínico de um diagnóstico multiaxial: em minha dissertação de mestrado e</p><p>tese do primeiro doutorado estudei a presença de quadros depressivos que podem</p><p>ocorrer na Esquizofrenia . Usei o diagnóstico multiaxial e darei o exemplo de uma das</p><p>pacientes acompanhadas no estudo. Eixo I: Transtorno Esquizofrênico – tipo clínico –</p><p>Esquizofrenia Paranóide; Eixo II: não havia evidência de transtorno da personalidade</p><p>ou de retardo mental; Eixo III: Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes; Eixo IV:</p><p>desenvolveu o primeiro surto esquizofrênico seis meses após ter sofrido estupro e</p><p>atualmente (20 anos de evolução da doença), deixou de usar os antipisicóticos, pois</p><p>entrou em um movimento carismático e acredita está curada. Esse fato leva ao</p><p>aparecimento de novos surtos com alucinações e delírios; Eixo V: advogada, há 18 anos</p><p>não exerce a profissão, tendo sido aposentada por invalidez. Dessa forma, temos um</p><p>olhar não só sobre a doença mental, mas sobre o doente. Buscamos a “história da</p><p>pessoa” e não apenas da doença!</p><p>1.13. PLANEJAMENTO TERAPÊUTICO E AÇÕES TERAPÊUTICAS</p><p>IMPLEMENTADAS</p><p>A. Medicamentos que vem utilizando</p><p>B. Medicamentos prescritos no momento atual</p><p>C. Proposta para tratamento psicoterapêutico</p><p>D. Encaminhamento para a Terapia Ocupacional</p><p>E. Cuidados de enfermagem</p><p>F. Procedimentos socioterapêuticos indicados</p><p>Em situações de urgência, por exemplo, uma agitação psicomotora com</p><p>heteroagressividade, deve-se especificar como foi ministrada a medicação proposta, se</p><p>foi necessária a contensão mecânica do paciente, quanto tempo o paciente deve</p><p>permanecer contido, etc. Em situações ambulatoriais, descrever a forma como foi</p><p>prescrita a medicação para o paciente fazer uso em casa, anotar se no momento da</p><p>consulta foi realizada a administração oral o parenteral de alguma substância. Caso haja</p><p>a necessidade de internamento, fazer uma proposta terapêutica para o caso com</p><p>cobertura de, no máximo, 48 horas. Após esse período o paciente deverá ser reavaliado.</p><p>O tempo não avança</p><p>Não muda nada</p><p>Porque tudo que ocorre no presente</p><p>E vai ocorrer no futuro</p><p>Já ocorreu no passado</p><p>Voltar a sonhar o já sonhado</p><p>É o destino dos poetas</p><p>É reiterar o ritual da memória</p><p>O castigo dos homens</p><p>Posso tratar-me e interromper o ciclo infinito dos astros?</p><p>by Manoel de Barros (escritor e poeta pantaneiro)</p><p>15</p><p>2. PRINCÍPIOS BÁSICOS DE PSICOPATOLOGIA DAS FUNÇÕES</p><p>PSÍQUICAS</p><p>(EXAME MENTAL)</p><p>...Não se aprende, senhor, na fantasia</p><p>sonhando, imaginando ou apenas estudando,</p><p>senão vendo, tratando e pelejando”</p><p>Camões in “Os Lusíadas”</p><p>Adicionado ao exame físico e à anamnese, o exame mental, PSICOPATOLOGIA, é a</p><p>ferramenta profissional fundamental em saúde mental. A psicopatologia é o estudo</p><p>sistemático do comportamento, cognição e das experiências anormais: é o estudo dos</p><p>produtos de uma mente com um transtorno mental. Uma das divisões da psicopatologia</p><p>é: a. Explicativa e b. Descritiva.</p><p>A. Explicativa: divide-se em diversas abordagens, como por exemplos, a</p><p>PSICODINÂMICA e a COMPORTAMENTAL. Elas buscam supostas explicações,</p><p>com base em conceitos teóricos (a partir de uma base psicodinâmica - mecanismos</p><p>de</p><p>defesas, comportamental ou existencial, etc). Teóricos que abordam esse tema: Jaspers,</p><p>Freud, Jung, Melaine Klein, Lacan, etc. Não é objetivo desse manual estudá-la.</p><p>B. Descritiva: consiste na descrição e na categorização precisas de experiências</p><p>anormais (da forma como são informadas pelo paciente e observadas em seu</p><p>comportamento). Ou seja, a descritiva evita explicações teóricas para eventos</p><p>psicológicos. Ela pode se dividir em B.1. OBSERVACIONAL (descreve aspectos</p><p>objetivos, como por exemplo o comportamento do paciente durante a entrevista – vide</p><p>conduta explícita abaixo). Porém, existe a necessidade de observa-se mais que o</p><p>comportamento. Precisamos realizar a avaliação empática das experiências subjetivas,</p><p>ou seja, exercer a B.2. FENOMENOLOGIA, que estuda os eventos psicológicos ou</p><p>físicos, sem “enfeitá-los” com explicação de causa ou função. Quando usada em</p><p>psiquiatria, a fenomenologia envolve a observação e a categorização de eventos</p><p>psíquicos anormais, as experiências internas (subjetivas) do paciente e seu</p><p>comportamento conseqüente. O profissional tenta entender o evento ou fenômeno</p><p>psíquico. Para ter sucesso, necessita exercitar sua capacidade de empatia. EMPATIA,</p><p>como termo psicodinâmico, significa “sentir-se como” e ou “colocar-se no lugar do</p><p>outro”. Em psicopatologia descritiva é um instrumento clínico que precisa ser utilizado</p><p>com habilidade para “medir” o estado subjetivo interno de outra pessoa. Experimentar</p><p>algo com a experiência de outra pessoa – o paciente – não pode ser medido, computado.</p><p>Depende da troca (relação terapeuta-paciente). Todas as descrições fenomenológicas</p><p>das funções psíquicas abordadas nesse manual seguirão o modelo fenomenológico</p><p>proposto por Karl Jaspers (neurofisiologista alemão e considerado o “pai” da</p><p>psicopatologia). Seu tratado é a “bíblia” para o profissional que optar pela atuação em</p><p>saúde mental. Porém, buscamos em obras atualizadas uma linguagem de mais fácil</p><p>compreensão. O presente manual se comparado, porventura, ao Tratado de</p><p>Psicopatologia de Karl Jaspers seria como um grão de areia em um imenso deserto.</p><p>Dessa forma, esse resumo é voltado para o estudante que trabalhará com a saúde das</p><p>pessoas (independente da área de estudo que possa seguir).</p><p>16</p><p>2.1. PSICOPATOLOGIA DESCRITIVA OBSERVACIONAL</p><p>Através do domínio de uma arte nobre, Érika Kohut esconde</p><p>a sua busca pelo pornográfico, a sua fragilidade e o seu sofrimento. A arte dela é o seu</p><p>“cartão de visita”. Deixa-nos a indagação: o que há por trás da bagagem emocional</p><p>do “cartão de visita” de cada um de nós?</p><p>by Bernardo Krivochein em sua crítica sobre o filme “La Pianiste” (A Professora de</p><p>Piano)</p><p>2.2.1. CONDUTA EXPLÍCITA – “CARTÃO DE VISITA” – APRESENTAÇÃO</p><p>Descrever, da maneira mais objetiva possível, as circunstâncias em que se realizaram a</p><p>entrevista e o exame somático e a atitude do paciente durante os mesmos; reação ao</p><p>convite para ser entrevistado, postura, marcha, expressão facial, olhar, gesticulação,</p><p>peculiaridades do vestuário e do arranjo pessoal (por exemplo: cabelos), rapport</p><p>(relação com o examinador durante à entrevista) . Atitude geral: amigável, cooperativa,</p><p>indiferente, negativista, perplexa, desconfiada, de devaneio, etc. Cuidados com higiene,</p><p>odores, presença de fezes ou urinas, etc.</p><p>Logo no início da entrevista, o olhar e, com ele, toda comunicação não verbal, já tem</p><p>sua importância: é o centro da comunicação, que inclui toda carga emocional do ver e</p><p>ser visto, do gesto, da postura, das vestimentas, do modo de sorrir ou expressar</p><p>sofrimento. A primeira impressão que o paciente produz no entrevistador é, na verdade,</p><p>o produto de uma mescla de vários fatores, como a experiência clínica do profissional, a</p><p>transferência que o paciente estabelece com ele, aspectos contratransferenciais do</p><p>entrevistador, valores pessoais e preconceitos que o profissional, querendo ou não,</p><p>carrega consigo. Além disso, há grande dose de intuição que, lapidada pelo estudo e</p><p>amadurecida pela prática clínica, pode se tornar instrumento valioso de conhecimento e</p><p>ação.</p><p>Um fator importante nas fases iniciais de avaliação do paciente é notar e descrever o</p><p>aspecto global do doente, expresso pelo corpo e pela postura corporal, pela</p><p>indumentária (roupas, sapatos, etc.), pelos acessórios (colares, brincos, piercing, etc.),</p><p>por detalhes como maquiagem, perfumes, odores, marcas corporais (tatuagens,</p><p>queimaduras, etc.). A aparência do paciente, suas vestes, seu olhar, sua postura, revela</p><p>muito do seu estado mental interior e é recurso fundamental para o diagnóstico.</p><p>Descrevemos, a seguir, alguns elementos a serem detalhados ao ser exposta a conduta</p><p>explícita do paciente durante a entrevista. Observemos o quanto eles devem ser bem</p><p>utilizados na clínica. Caso contrário, cairemos no risco de se “etiquetar” as pessoas.</p><p>A. POSTURA GERAL - ATIVA – verificada por meio da postura, da iniciativa, da</p><p>fala. Paciente com energia toma iniciativa, sugere o que fazer. Exemplos de posturas</p><p>excessivamente ativas são: pacientes histriônicos, maníacos, alguns delirantes, etc.</p><p>17</p><p>PASSIVA – paciente apático, “largado”, indiferente ao que acontece na entrevista.</p><p>Exemplos: quadros demenciais, depressões, personalidade dependente, esquizofrenia</p><p>crônica, etc.</p><p>B. ROUPAS E ACESSÓRIOS SEGUNDO OS QUADROS CLÍNICOS –</p><p>ANOREXIA NERVOSA: roupas largas e escuras; DEMÊNCIA: pode apresentar</p><p>higiene e roupas descuidadas, dentes sujos, ausência de senso crítico em relação à</p><p>aparência; DEPRESSÃO: às vezes, roupas desalinhadas ou sujas, cabelos despenteados</p><p>(em desalinho), higiene descuidada, sem maquiagem, preferência por roupas escuras;</p><p>ESQUIZOFRENIA: nos pacientes mais crônicos, pode-se notar higiene e roupas</p><p>descuidadas e sujas, indiferença pela vestimenta. Podem apresentar roupas e acessórios</p><p>bizarros que expressão delírios (medalhas, colares e coroas que podem ter significado</p><p>no delírio) ou desorganização comportamental; HISTERIA E MANIA: roupas</p><p>chamativas, roupas excessivamente eróticas (exemplos: muito curtas ou decotadas),</p><p>roupas impróprias para o horário e/ou para a ocasião, muita maquiagem, perfume em</p><p>excesso; PERSONALIDADE BORDERLINE: roupas extravagantes, muitos</p><p>piercings, marcas no corpo (podem ser marcas de tentativas de suicídio), tatuagens em</p><p>excesso, cabelos coloridos; TRANSTORNO OBSESSIVO COMPULSIVO E</p><p>PERSONALIDADE OBSESSIVA: às vezes, roupas e acessórios muito “certinhos”</p><p>(roupas passadas de forma impecável, cabelos penteados de modo ultracuidadoso, etc.).</p><p>C. ATITUDES GLOBAIS: AFETADA - modo de falar, gesticular e andar muito</p><p>teatral e artificial; ARROGANTE - coloca-se como superior, acima do entrevistador,</p><p>ironiza e critica constantemente; AMANEIRADA - comportamento caricatural, curva-</p><p>se diante do entrevistador, diz “vossa excelência”; CONFUSA - parece não entender</p><p>nada, não estar na situação da entrevista; DEPRIMIDA - paciente triste e desanimado</p><p>de modo geral; DESCONFIADA - pelo olhar, postura, pelo modo de ouvir e responder,</p><p>revela desconfiança, medo; DESINIBIDA - contato extremamente fácil, próximo</p><p>fisicamente, trata como se conhecesse o entrevistador há anos, fala e pergunta sobre</p><p>intimidades, sem inibição; DISSIMULADORA - tenta ocultar sintomas ou fatos da sua</p><p>vida com algum intuito; DRAMÁTICA OU TEATRAL - quer chamar a atenção, dá</p><p>grande expressão a coisas corriqueiras; EVASIVA - evita responder a perguntas, dá</p><p>respostas muito gerais e inespecíficas; ESQUIVA: não deseja o contato e foge dele;</p><p>EXCITADA - fala e gesticula muito e de forma acelerada; EXPANSIVA - fala alto, é o</p><p>“dono do pedaço”, comporta-se como se fosse muito importante; GLISCRÓIDE –</p><p>VISCOSA - “GRUDENTA” OU “PEGAJOSA” - difícil de encerrar a entrevista, quer</p><p>atenção na sua prolixidade; HOSTIL OU BELIGERANTE - provoca, irrita, parece</p><p>querer confronto; INDIFERENTE - não parece estar na entrevista, não se sente</p><p>incomodado por estar na entrevista; INIBIDA OU CONTIDA - não encara o</p><p>examinador, demonstra estar pouco à vontade, se segura para não falar; IRÔNICA - faz</p><p>comentários críticos a toda hora, mas não revela superioridade como o arrogante;</p><p>LAMURIOSA OU QUEIXOSA - queixa-se o tempo todo de seus problemas,</p><p>demonstra autopiedade; MANIPULADORA - tenta obrigar o entrevistador a fazer o</p><p>que ele quer, com chantagens, indiretas, ameaças; NÃO-COOPERANTE - não</p><p>colabora com solicitações básicas na entrevista; OPOSICIONISTA OU</p><p>NEGATIVISTA - recusa-se a participar da entrevista, se opõe a tudo que solicitam;</p><p>PERPLEXA - assustado, parece não entender nada do que está acontecendo na</p><p>entrevista; QUERELANTE - discute ou briga com o entrevistador por se sentir</p><p>18</p><p>ofendido ou prejudicado; REINVINDICATIVA - exige, de forma insistente, aquilo</p><p>que julga ser seu direito, mesmo se inadequado; SEDUTORA - elogia e tenta agradar o</p><p>entrevistador, às vezes sexualmente; SIMULADORA - tenta parecer que tem um</p><p>sintoma ou problema que realmente não tem; SUBMISSA - atende passiva e</p><p>imediatamente, sem questionar, a todas as solicitações do entrevistador.</p><p>D. ASPECTO CORPORAL: GLOBAL – atlético, magro, caquético, frágil, abaixo do</p><p>peso, acima do peso, musculoso, robusto, atarracado, disforme, obeso ou obeso</p><p>mórbido, baixo, alto; FÁCIES/ROSTO – agradável, atraente, bonito, feio, disforme,</p><p>repugnante, neutro, pálido, cansado, doloroso, bronzeado, corado, rosado, magro, gordo,</p><p>ossudo, redondo, quadrado, sem maquiagem, maquiagem adequada, maquiagem</p><p>excessiva ou bizarra, lavado, sujo, ensebado, perplexo, triste, alegre, angustiado,</p><p>assustado, desanimado, sem expressão (hipomímico); OLHAR – vivaz, intenso,</p><p>agressivo, vago, sonolento, esquivo, perdido, confuso, assustado, amedrontado,</p><p>perplexo, fixo, abatido, doloroso, bondoso, afetuoso, de compaixão, tedioso, maligno,</p><p>de desprezo, arrogante, irônico; OLHOS – penetrantes, tristes, alegres, arregalados,</p><p>lacrimejantes, avermelhados, inchados por choro, pálpebras caídas (sono ou</p><p>sonolência); CABELOS – limpos, bem-penteados, emaranhados, sujos, oleosos,</p><p>sebosos, com muita caspa, despenteados, curtos, longos, raspados (total ou parcial),</p><p>lisos, crespos, ondulados, encaracolados, encarapinhados ou pixaim, rabo-de-cavalo,</p><p>maria-chiquinha, tranças, afro, alisados, rastafári, punk (moicano), pintados,</p><p>artificialmente aloirados ou oxigenados; PÊLOS FACIAIS – barbeado adequadamente,</p><p>barba bem-feita, longa ou curta, descuidada, bem-cuidada, por fazer, suja, tingida, rala,</p><p>com corte bizarro, tipo de bigode, cavanhaque, costeletas; UNHAS – bem-cortadas,</p><p>longas, limpas, sujas, esmaltadas, com esmalte cuidado ou descascado; DENTES – bem</p><p>ou mal-conservados, limpos, sujos, apodrecidos, com falhas (banguela), muitas cáries,</p><p>gengivite, prótese (dentadura), uso de aparelho ortodôntico; ODOR – agradável,</p><p>desagradável, perfumado adequadamente ou em excesso, fétido, odor de fezes, de urina,</p><p>mau hálito; MOVIMENTOS, POSTURAS E GESTOS – inquieto, esfregando as</p><p>mãos, pernas inquietas, trêmulo, tiques, espasmos, estala lábios ou articulações, franze</p><p>os olhos e/ou lábios, parado, rígido, flácido, largado, curvado, bizarros, afeminados em</p><p>homens e masculinizados em mulheres.</p><p>Ele chegou como quem chegou do nada</p><p>Com as vestes desbotadas</p><p>E com um velho chapéu na mão</p><p>Não sei se era rei ou se era servo</p><p>Se era senhor ou se era escravo</p><p>Não sei se disse sou ou não sou</p><p>Mas, sei que dos seus lábios</p><p>Ecoou, sublime, uma canção.</p><p>by Adélia Prado</p><p>19</p><p>2.3. PSICOPATOLOGIA DESCRITIVA FENOMENOLÓGICA DAS FUNÇÕES</p><p>PSÍQUICAS</p><p>Os seres humanos são como parte de um corpo</p><p>Criados da mesma essência</p><p>Quando uma parte está ferida e sofre,</p><p>As outras não podem permanecer em paz e calmas.</p><p>Se o sofrimento dos outros o deixa indiferente</p><p>E sem sentimentos de tristeza,</p><p>Você não pode ser chamado de ser humano.</p><p>by Sa’adi, século XIII, Pérsia</p><p>A seguir, começaremos a abordar a PSICOPATOLGIA GERAL, com base na</p><p>FENOMENOLOGIA de cada função psíquica.</p><p>Apesar de ser absolutamente necessário o estudo analítico das funções psíquicas</p><p>isoladas e de suas alterações, é necessário sempre ressaltar que a separação da vida e da</p><p>atividade mental em distintas áreas ou funções psíquicas é um procedimento</p><p>essencialmente artificial. Trata-se apenas de uma estratégia de abordagem da vida</p><p>mental que, por um lado, é bastante útil, mas, por outro, um tanto arriscada, pois pode</p><p>suscitar enganos e simplificações inadequadas. É útil porque permite o estudo mais</p><p>detalhado e aprofundado de determinados fatos da vida psíquica normal e patológica;</p><p>arriscada, porque facilmente se passa a acreditar na autonomia desses fenômenos, como</p><p>se fossem objetos naturais.</p><p>Com o passar do tempo, na prática clínica diária, passa-se inadvertidamente a crer que a</p><p>memória, a sensopercepção, a vontade, a afetividade, etc., são áreas autônomas e</p><p>naturais, separadas umas das outras e com vida própria. Deixa-se de lembrar o que elas</p><p>realmente são, isto é, construtos aproximativos da psicologia e da psicopatologia que</p><p>permitem uma comunicação mais fácil e um melhor entendimento dos fatos.</p><p>Eugen Bleuler (psiquiatra suíço radicado em Paris e marco referencial na história da</p><p>psiquiatria mundial) advertiu:</p><p>Em um ato psíquico, apenas pode ocorrer uma separação teórica, não uma separação</p><p>real, entre as distintas qualidades psíquicas de que se trata. Na observação e descrição</p><p>do mundo das manifestações psíquicas e psicopatológicas tendemos, de há muito, à</p><p>fragmentação: descrevemos funções psíquicas singulares (como a sensação, a</p><p>percepção, a memória, o pensamento...). Se reunirmos estes fragmentos, ficamos com a</p><p>impressão de que a vida psíquica pode ser compreendida como um mosaico, a partir de</p><p>uma soma de manifestações isoladas. Esta impressão, não obstante, não corresponde à</p><p>realidade. Cada função parcial na vida psíquica e cada aspecto da realidade psíquica</p><p>só existem em vinculação estreita com toda a vida e com a realidade psíquica total.</p><p>20</p><p>Dessa forma, nunca podemos esquecer: não existem funções psíquicas isoladas e</p><p>alterações psicopatológicas compartimentalizadas desta ou daquela função. É</p><p>sempre a pessoa na sua totalidade que adoece.</p><p>Nesse manual, optamos pela “divisão” das funções psíquicas de acordo com a</p><p>predominância de suas alterações em determinados transtornos (ISSO NÃO</p><p>SIGNIFICA QUE ESSAS FUNÇÕES SÓ ESTEJAM ALTERADAS NESSES</p><p>QUADROS CLÍNICOS).</p><p>Transtornos psico-orgânicos: consciência vígil, atenção, orientação, memória e</p><p>inteligência.</p><p>Transtornos psicóticos: sensopercepção, juízo, pensamento, linguagem e consciência</p><p>do Eu.</p><p>Transtornos afetivos (do humor), antigas neuroses (transtornos ansiosos, somatoformes</p><p>e dissociativos) e personalidades patológicas: vontade, psicomotricidade e</p><p>afetividade.</p><p>2.3.1 CONSCIÊNCIA VÍGIL</p><p>Agora, porém, o caminho é escuro. Passamos da consciência para a inconsciência,</p><p>onde se faz a elaboração confusa das idéias, onde as reminiscências dormem ou</p><p>cochilam. Aqui pulula a vida sem formas, os germens e os detritos, os rudimentos e os</p><p>sedimentos; é o desvão imenso do espírito.</p><p>Machado de Assis in “O Cônego ou metafísica do estilo”</p><p>O termo consciência origina-se da junção de dois vocábulos latinos: cum (com) e scio</p><p>(conhecer), indicando o conhecimento compartilhado com o outro e, por extensão, o</p><p>conhecimento compartilhado consigo mesmo. Na língua portuguesa, a palavra</p><p>consciência tem, pelos menos, três acepções diferentes: a. definição neuropsicológica</p><p>– emprega o termo consciência no sentido de estado vígil (vigilância), o que, de certa</p><p>forma, iguala consciência ao grau de clareza do sensório. Consciência aqui é</p><p>fundamentalmente o estado de estar desperto, acordado, vígil, lúcido. Trata-se</p><p>especificamente do nível de consciência (SERÁ O NOSSO OBJETO DE ESTUDO</p><p>EM PSICOPATOLOGIA</p><p>FENOMENOLÓGICA DA CONSCIÊNCIA); b.</p><p>definição psicológica – conceitua como a soma total das experiências conscientes de</p><p>um indivíduo me determinado momento. Nesse sentido, consciência é o que se designa</p><p>campo da consciência. É a dimensão subjetiva da atividade psíquica do sujeito que se</p><p>volta para a realidade. Na relação do Eu com o meio ambiente, a consciência é a</p><p>capacidade de o indivíduo entrar em contato com a realidade, perceber e conhecer os</p><p>seus objetos; c. definição ético-filosófica – o termo consciência refere-se a capacidade</p><p>de tomar ciência dos deveres éticos e assumir as responsabilidades, os direitos e os</p><p>deveres concernentes a essa ética. É atributo do homem desenvolvido e responsável,</p><p>engajado na dinâmica social de determinada cultura. Trata-se da consciência moral ou</p><p>ética.</p><p>2.3.1.1. ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS DA CONSCIÊNCIA</p><p>(REBAIXAMENTO DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA) - em diversos quadros</p><p>neurológicos e psicopatológicos, o nível de consciência diminui de forma progressiva,</p><p>21</p><p>desde o estado normal, vígil, desperto, até o estado de coma profundo. Os diversos</p><p>graus de rebaixamento da consciência são:</p><p>A. Obnubilação ou turvação da consciência – rebaixamento da consciência em grau</p><p>leve a moderado. À inspeção inicial, o paciente pode já estar claramente sonolento ou</p><p>parecer desperto, o que dificulta o diagnóstico. Há sempre diminuição do grau de</p><p>clareza do sensório, com lentidão da compreensão e dificuldade de concentração. Nota-</p><p>se que o paciente tem dificuldade para integrar as informações sensoriais oriundas do</p><p>ambiente. Assim, mesmo não se apresentando claramente sonolento, observa-se, nos</p><p>quadros leves de rebaixamento do nível da consciência, que o doente encontra-se um</p><p>tanto perplexo, com a compreensão dificultada, podendo o pensamento já está</p><p>ligeiramente confuso.</p><p>B. Sopor – é um estado de marcante turvação da consciência. O paciente sempre se</p><p>apresenta evidentemente sonolento. Embora ainda possa apresentar reações de defesa,</p><p>ele é incapaz de qualquer ação espontânea. A psicomotricidade encontra-se mais inibida</p><p>do que nos estados de obnubilação.</p><p>C. Coma – grau mais profundo do rebaixamento do nível de consciência. Não é</p><p>possível qualquer atividade voluntária consciente.</p><p>Iremos encontrar o rebaixamento do nível da consciência, principalmente, no estudo dos</p><p>transtornos mentais orgânicos, mais especificamente: O DELIRIUM.</p><p>2.3.1.2. ALTERAÇÕES QUALITATIVAS DA CONSCIÊNCIA – estados alterados</p><p>da consciência, nos quais se têm mudanças parciais ou focais do campo da consciência.</p><p>Uma parte do campo da consciência está preservada, normal, e outra parte, alterada. De</p><p>modo geral, há quase sempre, algum grau de rebaixamento (mesmo que mínimo) do</p><p>nível de consciência. São alterações qualitativas:</p><p>A. Estados crepusculares – é um estado patológico transitório no qual uma</p><p>obnubilação da consciência (mais ou menos perceptível) é acompanhada de relativa</p><p>conservação da atividade motora coordenada. Há estreitamento transitório do campo da</p><p>consciência, afunilamento da consciência (que se restringe a um círculo de idéias,</p><p>sentimentos ou representações de importância particular para o indivíduo acometido),</p><p>com a conservação de uma atividade psicomotora global mais ou menos coordenada,</p><p>permitindo a ocorrência dos chamados atos automáticos. Caracteriza-se por surgir e</p><p>desaparecer de forma abrupta e ter duração variável, de poucos minutos ou horas a</p><p>algumas semanas. Durante esse estado, ocorrem, com certa freqüência, atos explosivos</p><p>violentos e episódios de descontrole emocional (podendo haver implicações legais de</p><p>interesse à psiquiatria forense). Geralmente ocorre amnésia lacunar para o episódio</p><p>inteiro, podendo o indivíduo se lembrar de alguns fragmentos isolados. Ocorrem nas</p><p>epilepsias, em intoxicações por álcool ou outras substâncias, após traumatismo</p><p>craniano, em quadros dissociativos histéricos agudos e, eventualmente, após choques</p><p>emocionais intensos.</p><p>B. Dissociação da consciência – ocorre a perda da unidade psíquica comum do ser</p><p>humano e sua interação com o meio ambiente. Geralmente é desencadeada por</p><p>22</p><p>acontecimentos psicológicos significativos (conscientes ou inconscientes) que geram</p><p>grande ansiedade para o paciente. Essas crises duram de minutos a horas, raramente</p><p>permanecendo por dias. São clássicas dos Transtornos Dissociativos. Podem ocorrer</p><p>também em alguns quadros de transtornos que evoluem com ansiedade intensa.</p><p>C. Transe – assemelha-se ao sonhar acordado, diferindo disso, porém, pela presença de</p><p>atividade motora automática e estereotipada acompanhada de suspensão parcial dos</p><p>movimentos voluntários. Podem ocorrer em contextos religiosos e culturais. Assim, não</p><p>se deve confundir o transe religioso, culturalmente contextualizado e sancionado, com o</p><p>transe histérico (exposto nesse item e que é estudado na psicopatologia dos transtornos</p><p>dissociativos).</p><p>D. Experiência de quase-morte (EQM) – um estado especial de consciência é</p><p>verificado em situações críticas de ameaça grave à vida, como parada cardíaca,</p><p>isquemias, acidente automobilístico grave, entre outros, quando alguns sobreviventes</p><p>afirmam ter vivenciado as chamadas experiências de quase morte. São muito rápidas (de</p><p>segundos a minutos) em que um estado de consciência particular é vivenciado e</p><p>registrado por essas pessoas. A maioria relata que viveu uma sensação de paz e</p><p>tranqüilidade imensa, deslocamento muito rápido ao longo de um túnel escuro que, ao</p><p>fim, tinha uma luz particularmente brilhante. Há ainda referência há uma vivência</p><p>rápida de tudo o que aconteceu na vida da pessoa e da sensação da presença de um</p><p>espírito pleno de amor. Recente estudo científico divulgou as sensações mais comuns,</p><p>sendo que 87% dos investigados relataram sensação de paz, 80% de estar fora do corpo,</p><p>78% de estar rodeado de uma luz intensa, 75% de estar em outro mundo, etc.</p><p>OBSERVAÇÕES EM RELAÇÃO À SEMIOLOGIA DA CONSCIÊNCIA</p><p>A. lembrar que qualquer alteração do nível da consciência repercute no</p><p>funcionamento global do psiquismo. Ele deve ser avaliado em primeiro</p><p>lugar;</p><p>B. observar a fácies e a atitude do paciente e, se possível, notar se ele está</p><p>desperto ou sonolento;</p><p>C. observar se o paciente está perplexo, com dificuldade de integrar</p><p>coerentemente os estímulos ambientais;</p><p>D. lembrar que e por meio da ORIENTAÇÃO (sobretudo temporoespacial)</p><p>que, muitas vezes, se avalia o nível de consciência;</p><p>O mistério das cousas, onde está ele?</p><p>Onde está ele que não aparece</p><p>Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?...</p><p>... Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: --</p><p>As cousas não têm significação: têm existência.</p><p>As cousas são o único sentido oculto das cousas.</p><p>by Alberto Caeiro (F. P.)</p><p>23</p><p>2.3.2 ATENÇÃO</p><p>Milhões de itens que são apresentados aos meus sentidos nunca ingressam</p><p>propriamente em minha consciência. Por que? Porque esses itens não são de interesse</p><p>para minha pessoa. Minha experiência é aquilo que eu consinto em captar. Todos</p><p>sabem o que é a atenção. É o tomar posse pela mente, de modo claro e vívido, de um</p><p>entre uma diversidade enorme de objetos ou correntes de pensamentos simultaneamente</p><p>dados. Focalização, concentração da consciência são a sua essência. Ela implica</p><p>abdicar de algumas coisas para lidar eficazmente com outras.</p><p>by William James</p><p>A atenção pode ser definida como a direção da consciência, o estado de concentração da</p><p>atividade mental sobre determinado objeto. É um conjunto de processos psicológicos</p><p>que torna o ser humano capaz de selecionar, filtrar e organizar as informações. Os</p><p>termos consciência e atenção estão estreitamente relacionados. A determinação do nível</p><p>de consciência é essencial para a avaliação da atenção.</p><p>Existem a atenção voluntária e a espontânea. A primeira exprime a concentração ativa</p><p>e intencional da consciência sobre um objeto. A segunda é suscitada</p><p>pelo interesse</p><p>momentâneo, incidental, que desperta este ou aquele objeto.</p><p>É importante destacarmos dois conceitos relacionados à atenção. TENACIDADE</p><p>consiste na capacidade do individuo de fixar sua atenção sobre determinada área ou</p><p>objeto. Na tenacidade, a atenção se prende a certo estímulo, fixando-se sobre ele. A</p><p>VIGILÂNCIA é definida como a qualidade da atenção que permite ao indivíduo mudar</p><p>seu foco de um objeto para outro.</p><p>2.3.2.1. PSICOPATOLOGIA DA ATENÇÃO</p><p>A. Hipoprosexia – diminuição global da atenção. É a alteração mais comum e menos</p><p>específica da atenção. Há a perda básica da capacidade de concentração, com</p><p>fatigabilidade aumentada, o que dificulta a percepção dos estímulos ambientais e a</p><p>compreensão; as lembranças tornam-se mais difíceis e imprecisas, há dificuldade</p><p>crescente em todas as atividades psíquicas complexas, como o pensar; o raciocinar; a</p><p>integração de informações, etc. Pode ocorrer na esquizofrenia (o déficit de atenção é</p><p>central e há intensa distraibilidade), em quadros depressivos, demenciais, em</p><p>intoxicações por substâncias, no delirium, no transtorno do déficit de atenção e</p><p>hiperatividade (TDAH). O deprimido grave terá hipertenacidade (atenção se fixa em</p><p>aspectos ruins da vida, em situações pessimistas, sentimentos de culpa) e alguma</p><p>diminuição da capacidade de mudar o foco da atenção (hipovigilância).</p><p>B. Aprosexia - total abolição da capacidade de atenção, por mais fortes e variados que</p><p>sejam os estímulos utilizados. Pode ocorrer em paciente com demência em estado</p><p>avançado e nos estados de coma.</p><p>24</p><p>C. Hiperprosexia – consiste em um estado de atenção exacerbada, no qual há uma</p><p>tendência incoercível a obstinar-se, a deter-se indefinidamente sobre certos objetos com</p><p>surpreendente infatigabilidade. Pode ocorrer, por exemplo, nos quadros de transtorno</p><p>obsessivo compulsivo, nos episódios de mania, etc. Nos quadros maníacos há</p><p>diminuição da atenção voluntária e aumento da atenção espontânea, ou seja,</p><p>hipotenacidade e hipervigilância. A atenção de um indivíduo em fase maníaca salta</p><p>rapidamente de um estímulo para o outro, sem se fixar em algo.</p><p>D. Distraibilidade – é um estado patológico que se exprime por instabilidade marcante</p><p>e mobilidade acentuada da atenção voluntária, com dificuldade ou incapacidade para</p><p>fixar-se ou deter-se em qualquer coisa que implique esforço produtivo. A atenção do</p><p>indivíduo é muito facilmente desviada de um objeto para o outro. Pode ocorrer, por</p><p>exemplo, na mania e na esquizofrenia.</p><p>OBS: ao contrário da distraibilidade, A DISTRAÇÃO não é patológica, não é um sinal</p><p>de déficit, mas de superconcentração ativa da atenção sobre determinados conteúdos ou</p><p>objetos, com a inibição de tudo o mais. Há, nesse sentido, certa hipertenacidade e</p><p>hipovigilância. Exemplo: um estudante universitário extremamente concentrado em seu</p><p>trabalho de conclusão de curso, está com a atenção totalmente voltada para a finalização</p><p>do mesmo, esquece-se de onde estacionou o carro ou colocou objetos de uso cotidiano.</p><p>OBSERVAÇÕES EM RELAÇÃO À SEMIOLOGIA DA ATENÇÃO</p><p>A. perguntar ao paciente e à pessoa que o acompanha se o doente: tem</p><p>dificuldades para se concentrar?; distrai-se com facilidade?; não escuta</p><p>quando lhe falam?; tem problemas para terminar tarefas?; não consegue</p><p>organizar as tarefas?; perde coisas necessárias para a realização de</p><p>tarefas?;</p><p>B. a avaliação mais simples e prática da atenção é pedir ao paciente que olhe</p><p>os objetos que estão na sala da entrevista e que logo em seguida cite o que</p><p>viu.</p><p>2.3.3 ORIENTAÇÃO</p><p>So she was considering in her own mind (as well as she could, for the hot day made her</p><p>feel very sleep and stupid)...when suddenly a White Rabbit with pink eyes run close by</p><p>her.</p><p>Lewis Carroll in “Alice’s Adventures in Wonderland”</p><p>Processo integrativo que permite ao individuo saber que ele é ele mesmo, onde se</p><p>encontra e qual é a sua situação no tempo e no espaço. A capacidade de orientar-se é</p><p>classificada em orientação autopsíquica e alopsíquica. A orientação autopsíquica é a</p><p>orientação do indivíduo em relação a si mesmo. Revela se o paciente sabe quem é:</p><p>nome, idade, data de nascimento, profissão, filiação, estado civil, etc. A orientação</p><p>alopsíquica diz respeito à capacidade de orientar-se em relação ao mundo, isto é,</p><p>quanto ao espaço (orientação espacial) e quanto ao tempo (orientação temporal).</p><p>25</p><p>Orientação espacial</p><p>É investigada perguntando-se ao paciente o lugar onde ele se encontra, a instituição em</p><p>que está, o andar do prédio, o bairro, a cidade, o Estado e o país. Também é investigada</p><p>a capacidade do paciente de identificar a distância entre o local da entrevista e a sua</p><p>residência (em quilômetros ou horas de viagem). Em relação à orientação espacial, é</p><p>importante verificar claramente se o paciente sabe o tipo de lugar em que está (por ex.</p><p>hospital, ambulatório, consultório particular, centro de atenção psicossocial – caps), se</p><p>pode dizer o nome do lugar (por ex. Hospital Portugal Ramalho) e onde se situa esse</p><p>lugar.</p><p>Orientação temporal</p><p>Trata-se de orientação mais sofisticada que a espacial e a autopsíquica. Indica se o</p><p>paciente sabe em que momento cronológico está vivendo, a hora do dia, se é manhã,</p><p>tarde ou noite, o dia da semana, o dia do mês, o mês do ano, a época do ano, bem como</p><p>o ano corrente. Se o paciente tiver dificuldades em responder, deve-se perguntar do</p><p>mais fácil para o mais difícil: Em que ano estamos? Que mês? Que dia da semana?</p><p>Que dia do mês?</p><p>Desorientação</p><p>É a denominação genérica do transtorno da orientação. Ela ocorre, sobretudo nos</p><p>estados confusionais, em que a obnubilação da consciência impede um uso adequado</p><p>das percepções do ambiente (ex.: delirium), mas pode ocorrer também em pacientes</p><p>com transtornos de memória (desorientação ammésica das demências); desinteressados</p><p>pelo ambiente (desorientação apática das depressões) ou pela presença de atividade</p><p>delirante (desorientação delirante dos psicóticos).</p><p>2.3.3.1. PSICOPATOLOGIA DA ORIENTAÇÃO</p><p>A. Desorientação alopsíquica: é a perturbação ou impossibilidade de uma pessoa</p><p>situar-se no espaço e/ou no tempo (desorientação espacial e/ou temporal).</p><p>B. Desorientação autopsíquica: é a alteração da capacidade de estabelecer sua própria</p><p>identidade pessoal.</p><p>Obs: em situações psicopatológicas, geralmente a desorientação ocorre, em</p><p>primeiro lugar, em relação ao tempo. Só após o agravamento do transtorno, o</p><p>indivíduo se desorienta quanto ao espaço e, finalmente, quanto a si mesmo.</p><p>26</p><p>2.3.4. MEMÓRIA</p><p>A memória é aquilo que nos separa do caos.</p><p>by S. Korsakoff, neurologista russo do século XIX</p><p>A memória é o elo temporal da vida psíquica. É a capacidade de registrar, manter e</p><p>evocar as experiências e os fatos já ocorridos. Podemos identificar três fases no</p><p>processo da memória: a. fase de registro (percepção, gerenciamento e início da fixação);</p><p>b. fase de conservação (retenção) e c. fase de evocação (também denominada de</p><p>lembranças, recordações ou recuperação).</p><p>2.3.4.1. ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS DA MEMÓRIA</p><p>A. Hipermnésias – as representações (elementos mnêmicos) afluem rapidamente,</p><p>ganhando em número, perdendo, porém, em clareza e precisão. Pode ocorrer, por</p><p>exemplo, em episódios de mania.</p><p>B. Amnésias ou Hipomnésias – denomina-se amnésia, de forma genérica, a perda da</p><p>memória, seja a da capacidade de fixar ou a da capacidade de manter ou evocar antigos</p><p>conteúdos mnêmicos. Amnésia de fixação ou anterógrada é a perda da capacidade de</p><p>fixar as lembranças do momento (do início da doença em diante). Amnésia de</p><p>evocação ou retrógrada é a perda da capacidade de evocar as lembranças antes do</p><p>início da doença. Sua ocorrência sem amnésia anterógrada pode ser observada em</p><p>quadros dissociativos. De modo geral, é comum, após trauma cranioencefálico,</p>

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