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<p>159</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Unidade III</p><p>7 A ARTE CONTEMPORÂNEA E SUAS NUANCES</p><p>7.1 O que é Arte Contemporânea?</p><p>Um objeto de arte – e vou usar uma palavra da moda,</p><p>mas que já uso há muito tempo –</p><p>tem que te sequestrar, mesmo que por milésimos de segundos.</p><p>Tem que te tirar daquele lugar e daquele tempo</p><p>em que você o está vendo.</p><p>Quando essa relação se estabelece,</p><p>você está potencialmente, sob o meu ponto de vista,</p><p>diante de uma situação de arte.</p><p>Cildo Meireles (apud MARIOTTO, 2007, p. 69).</p><p>A pergunta que não quer calar: de quem e do que somos contemporâneos? O que significa ser</p><p>contemporâneo?</p><p>Uma primária e transitória indicação para nortear a nossa busca por uma resposta nos vem de</p><p>Nietzsche. Roland Barthes cita-o desta maneira: “O contemporâneo é o intempestivo” (apud AGAMBEN,</p><p>2009, p. 58).</p><p>Segundo Agamben (2009), em 1874, Friedrich Nietzsche, um moço filólogo que tinha trabalhado</p><p>até então com textos gregos e, bem recentemente, havia alcançado uma inusitada celebridade com</p><p>o Nascimento da tragédia, publicou as Considerações intempestivas, com as quais quis resolver as</p><p>questões com o seu tempo, tomar parte em relação ao hoje. “Intempestiva esta consideração o é”,</p><p>lê-se no começo da próxima “Consideração”, porque busca entender um mal, uma impertinência e uma</p><p>imperfeição da qual o momento exatamente se orgulha, isto é, a sua bagagem histórica, porque somos</p><p>todos engolidos pela febre da história e precisamos ter consciência disso.</p><p>Nietzsche posiciona a sua determinação de “atualidade”, a sua “contemporaneidade” em relação</p><p>ao hoje, numa incongruência e numa dissolução. Pertence realmente ao seu tempo, é efetivamente</p><p>contemporâneo, aquele que não corresponde impecavelmente com este, nem está ajustado às suas</p><p>aspirações e é, dessa maneira, portanto, inatual; mas justamente por isso, precisamente através</p><p>desse afastamento e desse anacronismo, ele é apto, mais do que os outros, de observar e conhecer</p><p>o seu tempo.</p><p>160</p><p>Unidade III</p><p>Para Agamben (2009, p. 59):</p><p>Essa não coincidência, essa discronia, não significa, naturalmente, que</p><p>contemporâneo seja aquele que vive num outro tempo, um nostálgico</p><p>que se sente em casa mais na Atenas de Péricles, ou na Paris de Robespierre</p><p>e do Marquês de Sade do que na cidade e no tempo em que lhe foi dado</p><p>viver. Um homem inteligente pode odiar o seu tempo, mas sabe, em todo</p><p>caso, que lhe pertence irrevogavelmente, sabe que não pode fugir ao</p><p>seu tempo.</p><p>A contemporaneidade, portanto, é uma singular relação com o próprio</p><p>tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais</p><p>precisamente, essa é a relação com o tempo que a este adere através de uma</p><p>dissociação e um anacronismo. Aqueles que coincidem muito plenamente</p><p>com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não</p><p>são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la,</p><p>não podem manter fixo o olhar sobre ela.</p><p>Mariotto (2007) sugere uma outra vertente sobre o contemporâneo: o rompimento com as tradições</p><p>artísticas e o surgimento de novas oportunidades de realce para a arte cederam abertura para se criar</p><p>um dos principais paradigmas da arte contemporânea, isto é, uma linguagem que faz uso de meios que</p><p>até então não podiam ser pensados.</p><p>Nas últimas décadas do século XX, a arte transfigurou-se mais ainda e atingiu momentos fundos de</p><p>reflexão, ratificando, assim, a sua essência de constante transição. Jamais usufruíra de imensa pluralidade</p><p>de meios de manifestação como atualmente.</p><p>Nas palavras de Paviani (2003, p. 44), “hoje, a arte implica um certo imprevisto, pois tudo é arte, nada</p><p>é arte” e o que acontece é que, ao mesmo tempo, convivem variadas formas de expressão, havendo,</p><p>desse modo, a necessidade de que se abram os mecanismos para o seu conhecimento.</p><p>Para Mariotto (2007, p. 72):</p><p>[…] acredita-se que importantes eixos reflexivos da estética kantiana continuam</p><p>atuais, permitindo uma nova leitura do momento artístico pós-moderno.</p><p>Ao fornecer elementos suficientemente fortes para a construção de um</p><p>novo modo de fruição estética, ela pode servir de norte para os incrédulos</p><p>espectadores contemporâneos. É fundamental, entretanto que se apontem</p><p>duas questões sobre as quais hoje a arte se apoia. A primeira seria a</p><p>integração do receptor à obra, que pode ser efetivada principalmente pela</p><p>arte tecnológica; a segunda, a abertura da obra (segundo a visão de Umberto</p><p>Eco), que tem a finalidade de motivar o leitor para dela participar por meio</p><p>161</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>de reflexões, causando uma espécie de fruição produtiva. Portanto, o artista</p><p>contemporâneo não deseja que sua obra transmita uma mensagem pronta</p><p>e completa de maneira indiferente e impessoal, ele pretende, sobretudo,</p><p>atingir o espectador em seu estado mais íntimo. Nisto ele não difere dos</p><p>artistas de outras épocas, mas pode-se apontar que essa intenção torna-se</p><p>hoje elemento preponderante na fruição da arte. Existe, no momento atual,</p><p>uma favorável acolhida por parte dos críticos de arte às teorias que deixem</p><p>de lado o julgamento de valor e concedam maior liberdade aos artistas desta</p><p>época, já abalada pelo desaparecimento de referências. Rejeitam-se, assim,</p><p>os critérios e as normas estabelecidas na modernidade, trazendo para a</p><p>pintura a tarefa de ser portadora de uma expressão da necessidade interior.</p><p>Do espiritual na arte, Vassily Kandinsky explica que essa necessidade pode</p><p>ser satisfeita unicamente pela arte, graças aos meios que lhe são próprios e</p><p>cita Cézanne como exemplo de artista que conseguiu mostrar vida interior</p><p>por meio da pintura. Para ele, Cézanne não pintou um homem, uma maçã</p><p>ou uma árvore, o que ele fez foi servir-se destas imagens para criar “uma</p><p>coisa pintada que proporciona um som interior”.</p><p>Figura 139 – Natureza Morta (1879), de Paul Cézanne. Óleo sobre tela, 46 x 55 cm</p><p>Fonte: Gombrich (2018, p. 856).</p><p>Nessa esteira, Agamben (2009) aponta outra definição da contemporaneidade: contemporâneo</p><p>é aquele que mantém firme o olhar no seu momento, para nele sentir não as luzes, mas a escuridão.</p><p>Todos os momentos são para quem deles prova contemporaneidade, obscuros. Contemporâneo é,</p><p>precisamente, aquele que sabe olhar essa obscuridade, que é capacitado de escrever imergindo a</p><p>pena nas escuridões do presente. Mas o que representa olhar as escuridões, perceber o escuro?</p><p>162</p><p>Unidade III</p><p>Uma primeira explicação nos é proposta pela neurofisiologia da visão. O que ocorre quando</p><p>nos cruzamos num lugar restrito de luz, ou quando fechamos os olhos? O que é o escuro que logo</p><p>enxergamos? Os neurofisiologistas nos afirmam que a falta de luz desembaraça uma sequência de</p><p>células periféricas da retina, referidas propriamente off-cells, que passam em ação e fazem aquele</p><p>gênero peculiar de visão que conhecemos como escuro. O escuro não é, consequentemente, uma</p><p>concepção restrita, a simples falta da luz, qualquer coisa como uma não visão, mas a resultância da</p><p>ação das off-cells, um artefacto da nossa retina. Isso representa, se voltarmos à tese a respeito</p><p>do escuro da contemporaneidade, que observar esse escuro não é uma maneira de imobilidade</p><p>ou de inércia, mas implica uma ação e uma capacidade peculiar, que, no nosso caso, equivalem a</p><p>neutralizar as luzes provenientes do período para desbravar as suas trevas, o seu escuro sublime, o</p><p>qual não é, porém, desprendido daquelas luzes (AGAMBEN, 2009).</p><p>Pode afirmar-se contemporâneo somente quem não se permite cegar pelas luzes do século e</p><p>consegue avistar nesses fragmentos da sombra a sua intrínseca obscuridade.</p><p>Com isso, contudo, ainda não respondemos a nossa questão. Por que conseguir sentir as trevas</p><p>que emanam do período deveria nos importar? Não é por acaso o escuro uma sensação anônima</p><p>e, por significação, blindada, algo que não está dirigido para nós e que não pode, por essa razão,</p><p>nos dizer respeito? Pelo contrário, o contemporâneo é aquele que sente o escuro do seu momento</p><p>como um pouco que lhe pertence e não finda de entendê-lo, algo que, mais do que total luz,</p><p>direciona objetiva</p><p>formação de uma identidade musical negra e nas histórias da luta</p><p>abolicionista, e foi de fato feita por um branco escravagista em busca de remissão.</p><p>Perante tais contradições, Muyanga produziu A Maze in Grace (2020), a grande performance</p><p>coletiva, desempenhada em parceria com o Coletivo Legítima Defesa e com a artista Bianca Turner,</p><p>que abriu a 34ª em fevereiro de 2020 (OSE, 2021).</p><p>Figura 152 – Performance A Maze in Grace (em colaboração com Coletivo Legítima Defesa e Bianca</p><p>Turner), 2020. Fotografia: Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 385).</p><p>192</p><p>Unidade III</p><p>Paulo Kapela</p><p>Continuando a jornada, mais um trabalho grandioso pelo espaço expositivo é o do artista Paulo</p><p>Kapela com sua obra: Sem título (2004-2012). Nascido na província de Uige, Luanda, Angola.</p><p>Suas obras são instigadas de um inclinado sincretismo, em que referências ligadas ao catolicismo, à</p><p>filosofia banto e ao universo rastafári são sobrepostas e inseridas em contato direto. Um novo elemento</p><p>que se destaca de suas atividades é a escrita, algumas pinturas são revestidas por textos, que muitas vezes</p><p>representam seus conhecidos ou amigos, mas também estão cheios de testemunhos e piadas íntimas.</p><p>Conhecido como Mestre Kapela, o artista faleceu em 2020 e foi um modelo e uma fonte inestimável</p><p>de inspiração para os novos artistas da Angola, devido à força excepcional de seu trabalho e à sua pessoa,</p><p>muito carismática, quase um profeta. Sua ação merece ser vista como um ato intimamente político, um</p><p>empenho de pertinência e nova produção da história colonial de Angola, a procura de uma crioulização</p><p>entre camadas da hegemonia ocidental e vivência cultural e social local. O trabalho do Mestre Kapela</p><p>está em área de destaque, suas obras chamam atenção pelos diálogos entre as imagens e os textos.</p><p>Figura 153 – Sem título (2007). Obra do Mestre Kapela, em técnica mista sobre papel,</p><p>diálogo entre imagem e texto</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 390).</p><p>193</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Carolina Maria de Jesus</p><p>Entre várias obras no espaço expositivo um achado, um manuscrito de Carolina Maria de Jesus, do</p><p>seu Diário – 26/10/1960 a 3/12/1960.</p><p>Nascida em Sacramento, Minas Gerais, transitou imensamente até chegar a São Paulo, onde iniciou</p><p>a coleta de cadernos, os quais, em vez de serem vendidos pelo peso, eram usados para a experimentação</p><p>de sua escrita. Desde então, ela se olhava como uma narradora que comentaria exatamente sobre a</p><p>sua situação, de suas angústias, insubordinação e sonhos, mas que poderia também escrever poemas,</p><p>peças de teatro, romances, contos e provérbios. Uma mulher que desejava sair da favela para morar</p><p>em casa de tijolos e que gostaria de andar naturalmente pela sala de estar da alta literatura.</p><p>Para leitores mais despojados, tais ensejos surgiram como marcas de alienação, falta de noção de</p><p>classe e encantamento. Para os declarados racistas, eram impertinentes os desejos de uma mulher negra</p><p>e pobre, que jamais deveria ser permitida a publicar. E, para os mais incautos, era um mistério desmedido,</p><p>o espaço que o meio editorial e público ofertaria para ela.</p><p>Existe uma grande e diversa quantidade de manuscritos originais guardados na cidade de Sacramento,</p><p>trata-se do relato do silenciamento de sua fala complexa na literatura.</p><p>Figura 154 – A presença de Carolina Maria de Jesus nesta Bienal com seus inéditos manuscritos,</p><p>depois do Quarto de despejo, ressalta a eloquência de se enxergar para além desse livro, em que se</p><p>pende a realizar a redução da abrangente imagem da escritora. Um convite para se pensar quais</p><p>corpos e histórias estão em grande processo de transformação. Fotografia: Su Stathopoulos</p><p>Victor Anicet</p><p>Um outro trabalho que chama a atenção é o do Victor Anicet, nascido em Marigot, Martinica. A obra</p><p>é Caldèras (2013/2019) em terracota.</p><p>194</p><p>Unidade III</p><p>Victor Anicet se inspira nas paisagens e na história de sua ilha, Martinica. No Opah, ou peixe-lua,</p><p>muito encontrado nas quentes águas da Martinica, ele encontra a estrutura de suas cuias de cerâmica,</p><p>onde insere sinais ameríndios e africanos, confeccionando texturas marcantes e cercadas de simbologias.</p><p>Em Caldèras, Anicet proporciona à argila o formato central de vulcões, exprimindo à gênese da ilha,</p><p>vulcânica, e igualmente ao poeta e pensador concidadão Aimê Césaire, que também se inspirava</p><p>nos vulcões.</p><p>Figura 155 – Carcan (2018). Placa de lava esmaltada. Fotografia de Jean-Baptiste Barret</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 405).</p><p>Alice Shintani</p><p>Algumas obras realmente despertam a atenção pela complexidade ou pela engenhosidade, uma</p><p>delas é o trabalho de Alice Shintani, em Menas (2015-2021), guache e bordado sobre papel sanfonado</p><p>sobre caixas de produtos alimentícios e de limpeza.</p><p>195</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Alice nasceu em São Paulo, Brasil, ficou ausente dos meios expositivos de Arte Contemporânea</p><p>durante um tempo, preferindo a rua como cenário de inspiração, para evidenciar as relações sociais</p><p>do país, que em profundo desmonte foi se desconfigurando. Ao longo desse tempo foram realizados</p><p>os elementos de Menas, uma instalação que muda de configuração e formato a cada ambiente e</p><p>situação que invade.</p><p>Refere-se a um repositório de dimensão leve, confeccionado em papéis cuidadosamente costurados,</p><p>pintados e dobrados pela artista, que pode ser diminuído e levado sem esforço algum, mas que se</p><p>abre de maneira semelhante à montagem da tenda de um feirante ou do tabuleiro de um trabalhador</p><p>ambulante. As bases que dão volume e ritmo para suas características são caixas comuns de papelão</p><p>típicas de supermercado.</p><p>Figura 156 – Guaraná. Série Mata (2019-2021). Guache sobre papel</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 324).</p><p>196</p><p>Unidade III</p><p>Yuko Mohri</p><p>Ainda circulando pelos pavilhões da Bienal, mais uma obra desperta curiosidade é o trabalho de</p><p>Yuko Mohri, nascida em Kanagawa, Japão. A obra em questão é You Locked Me Up in a Grave, You Owe</p><p>Me at Least the Peace of a Grave (2018-2021), instalação de ferro, motor tripé, amplificador, papel,</p><p>computador e outros materiais.</p><p>A obra dialoga num mesmo espaço com mais duas outras instalações de Mohri, estabelecendo</p><p>ecossistemas próprios e permeáveis, nos quais a artista analisa o confronto e o choque entre os variados</p><p>componentes que as integram. Muitas vezes, as peculiaridades do local que abarca as obras também</p><p>agem como fatores fundamentais para o desempenho desses conjuntos. A voz, um dos integrantes</p><p>desses ecossistemas, pode agir como linguagem, como som integral ou mesmo como componente que</p><p>alinhava variados contextos e narrativas. É instigante o trabalho de Yuko Mohri.</p><p>Figura 157 – Orochi (Serpente) AM 88.2 MHz (2019), de Yuko Mohri</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 408).</p><p>197</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Daiara Tukano</p><p>Segundo a curadoria da 34ª Bienal, a presença dos artistas indígenas reforça a identidade do tema,</p><p>que remete à resistência, insistência e esperança.</p><p>O trabalho de Daiara Tukano (seu nome tradicional Duhigô), nascida em São Paulo, Brasil, traz alguns</p><p>questionamentos, pois a obra Kahtiri Ēõrõ – Espelho da vida (2020) em plumária em seda e espelho</p><p>provoca reações diversas nos visitantes; dependendo do ângulo, o espelho reflete algo, como uma dança</p><p>em seu ritmo natural, conforme o som aumenta o estímulo do corpo acentua, as plumas vermelhas</p><p>também impactam, dando vontade de tocá-las.</p><p>Daiara pertence ao clã Uremiri Hãusiro Parameri do povo Yepá Maahsã, denominado como Tukano,</p><p>da região amazônica do Alto Rio Negro, entre Brasil, Colômbia e Venezuela. É artista, ativista, professora,</p><p>comunicadora e pesquisadora em direitos humanos, com ênfase no direito à memória e à verdade</p><p>dos povos indígenas. Sua obra é inseparável da cultura ancestral da etnia Tukano. Como outros povos</p><p>indígenas amazônicos, usa em seus rituais os saberes da medicina nativa da ayahuasca. Motivada por</p><p>esse costume, cujas visões, ou hori, atravessam toda o arcabouço visual Tukano, ela compõe imagens</p><p>que remetem à condição de sentir características da existência que naturalmente não se apresentam ao</p><p>olhar (OSE, 2021).</p><p>Ainda sobre Kahtiri Bôrô (2020), uma das obras de maior significado da maneira de pensar de Daiara</p><p>traz a plumaria inspirada nos tradicionais mantos Tupinambá, confeccionado de penas do Guará,</p><p>e que os brasileiros tiveram de pegar por empréstimo do National Museet da Dinamarca quando</p><p>dos 500 anos da invasão de Portugal. A escultura da artista tem um rosto espelhado, que reflete</p><p>quem olha para dentro da peça.</p><p>Uma outra série que está em outro espaço na Bienal é o Dabucuri no Céu (2021), um conjunto</p><p>de quatro pinturas suspensas que apontam os pássaros sagrados gavião-real, urubu-rei, garça-real</p><p>e arara-vermelha, os miriã porã mahsã que vivem na camada do céu que não permite que o sol</p><p>incendeie a terra fértil. No dorso de cada pintura, um manto feito de pensas interligadas pertence à</p><p>tradição dos volumosos mantos plumários que deixaram de ser feitos pela invasão da terra indígena e</p><p>eliminação das aves.</p><p>Para Daiara, o momento é de ratificar as expressões dos povos indígenas no novo contexto que se</p><p>insinua no mundo contemporâneo. É o momento de confirmar presença em todos os territórios de</p><p>cabeça erguida, contemplando a verdade, a ancestralidade e a cultura da população indígena.</p><p>198</p><p>Unidade III</p><p>Figura 158 – Trabalho de Daiara Tukano. “Existe muito mais no Hori (arte) além daquilo que possa ser</p><p>visto ou compreendido, ali se tece a grande linguagem da arquitetura do universo. Viemos navegando</p><p>na grande cobra-canoa de transformação”</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 247).</p><p>199</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Figura 159 – Dabucuri no Céu (2021), um conjunto de quatro pinturas suspensas que apontam os</p><p>pássaros sagrados gavião-real, urubu-rei, garça-real e arara-vermelha, os miriã porã mahsã que vivem</p><p>na camada do céu que não permite que o sol incendeie a terra fértil</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 338).</p><p>Paulo Freire</p><p>Muitas vezes um espaço expositivo de arte pode ofertar novos olhares para a vida, trazendo</p><p>interatividade, debates, conversas. É o caso da atividade sobre Paulo Freire, que faz parte do Círculo das</p><p>Artes. São momentos de conversa entre o público e a equipe de mediação da Bienal que têm por propósito</p><p>a formação compartilhada de sentidos sobre as obras apresentadas e os naturais diálogos entre elas.</p><p>As possíveis relações entre as obras serão pautadas pela formulação de questões, de maneira a</p><p>aumentar a capacidade de gerar novas perguntas, que surgem da proposta de uma primeira pergunta</p><p>básica, formulada com apoio na realidade dos integrantes. As respostas não têm ponto final, pois não</p><p>estão finalizadas, podem ainda demandar novas indagações e questionamentos.</p><p>200</p><p>Unidade III</p><p>Paulo Freire foi um pedagogo visionário. Em uma de suas experiências de alfabetização de adultos,</p><p>no ano de 1963, quando os analfabetos não podiam votar, ele propiciou em 40 horas a alfabetização de</p><p>cerca de 300 adultos, causando um frisson midiático dentro e fora do país, a atividade teve a presença</p><p>do presidente. Freire compreendia a pedagogia como a camada de um processo de estruturação para</p><p>despontar o que ele depois denominaria de cultura do silêncio, que impede os agentes de atuarem sua</p><p>independência política e intelectual.</p><p>Figura 160 – Painel de interatividade no Círculo das Artes, evento educacional ofertado pela organização da</p><p>34ª Bienal de Arte, cujo tema eram as frases inspiradoras de Paulo Freire. Fotografia: Su Stathopoulos</p><p>Marinella Senatore</p><p>A obra que mais causou impacto, sem sombra de dúvida, foi o trabalho de Marinella Senatore</p><p>– natural de Cava de’ Tirreni, Itália – em Nós Erguemos ao Levantar Outras Pessoas (2021). Trata-se</p><p>de uma escultura de luz.</p><p>Motivada pelas luzes da tradição popular do sul da Itália, seu lugar de origem, Marinella apresenta</p><p>na 34ª Bienal uma luminária decorrente do ofício de imersão e contribuição dos agentes da Cidade</p><p>de Tiradentes.</p><p>201</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>A frase estampada na obra, “Nós erguemos ao levantar outras pessoas” (We rise by lifting others),</p><p>criação do escritor e político Robert Ingersoll (1833-1899), reitera princípios de ativação social e elevação</p><p>de comunidade no cenário pandêmico, em que a aproximação física foi violentamente cortada em grande</p><p>parte do mundo. A conexão de centenas de luzes cria uma edificação passageira e alucinante, tanto</p><p>pelo tamanho quanto pelo próprio esplendor, que nos faz recordar da força das práticas desempenhadas</p><p>coletivamente. Para Marinella, da mesma maneira que as letras, a luz pode denotar-se uma ferramenta</p><p>de resistência e de subversão.</p><p>Figura 161 – Obra de Marinella Senatore: Nós Erguemos ao Levantar Outras Pessoas (We Rise by</p><p>Lifting Others), inspirada na frase do escritor e político Robert Ingersoll (1833-1899), é a obra que</p><p>mais causa impacto no espaço expositivo da 34ª Bienal. Fotografia: Levi Fanan/Fundação</p><p>Bienal de São Paulo</p><p>Lygia Pape</p><p>Alguns artistas são clássicos no cenário das artes, um deles é a brasileira Lygia Pape, nascida em</p><p>Nova Friburgo, RJ, é uma artista expoente da geração que fortaleceu o campo empírico da arte na</p><p>segunda metade do século XX. Participou do Movimento Neoconcreto e do Grupo Frente, mantendo-se</p><p>em relação direta com a realidade do final da década de 1960. Com o tema “Espaço poético – qualquer</p><p>linguagem a serviço do ético”, a artista dialogou com os paradoxos da sociedade brasileira que, em seu</p><p>contraponto, acordam fragilidade e intensidade. Sua proximidade com o contexto social real resultou na</p><p>revisão crítica da ideia antropofágica da formação modernista da década de 1920. Segundo o Catálogo</p><p>da Bienal, “a dupla deglutição que digeriria simultaneamente o vanguardismo cosmopolita e as culturas</p><p>autóctones foi discutida em sua dissertação Catiti-Catiti, na terra dos brasis (1980)” (OSE, 2021, p. 374),</p><p>o que fez a artista revisitar a própria conexão com a cidade do Rio de Janeiro.</p><p>A artista parece ter compreendido que a presença original das ações antropofágicas reproduzidas</p><p>pelos colonizadores – a cultura indígena Tupinambá – resultou em uma incômoda falta contemporânea,</p><p>uma vez que ela já não se identificava em viver na Baía da Guanabara, exceto por poucas memórias</p><p>202</p><p>Unidade III</p><p>de identidade. Essa frequência e distanciamento foram retratados em obras realizadas pela artista no</p><p>final dos anos 1990 e o início dos anos 2000 usando vermelho intenso das penas do pássaro guará,</p><p>inicialmente utilizadas pelos Tupinambá em seus mantos rituais. Antes disso, a artista já havia feito os</p><p>conjuntos de trabalhos O Olho do Guará (1980) e Amazoninos (1990), os primeiros harmonizando linhas</p><p>de neon com desenhos que ligam à fauna mostrado em mitologias ameríndias, e os segundos com</p><p>composições de chapas de ferro com tintas metalizadas que balanceiam pesos e flexões em conceitos</p><p>repletos de relembranças da flora amazônica. Agrupadas, obras desses combos exibem-se como utopias</p><p>que confluem o empirismo de Lygia Pape com marcas do morticínio colonial. Vale a contemplação das</p><p>obras de Pape.</p><p>Figura 162 – Obra Amazoninos Vermelhos (1989-2003), de Lygia Pape. Trabalho feito em ferro e tinta</p><p>automotiva. Fotografia: Genevieve Hanson</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 374).</p><p>Observação</p><p>Do mesmo grupo artístico e linguagem estética que Hélio Oiticica</p><p>e Lygia Clark, Lygia Pape pertenceu, como eles, ao Grupo Frente (1953),</p><p>eixo do Concretismo no Rio de Janeiro. Ao longo dos anos 1950, ligada</p><p>aos demais artistas desse grupo, maturou as diferenças poéticas com os</p><p>concretistas de São Paulo, até chegar à dissidência Neoconcreta, organizada</p><p>numa exposição e em manifesto, em 1959.</p><p>203</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Sueli Maxakali</p><p>A participação dos artistas brasileiros indígenas está surpreendente nessa versão de Bienal, sobretudo</p><p>das mulheres; os trabalhos trazem engajamentos políticos, principalmente sobre a resistência.</p><p>Outra instalação que causa arrebatamento é a de Sueli Maxakali, natural de Santa Helena de Minas,</p><p>MG, Brasil, com a obra: Kūmxop Koxuk yōg (Os espíritos das minhas filhas), 2021.</p><p>A história nas comunidades dos povos indígenas Tikmū’ūn, conhecidos como Maxakali, é estruturada</p><p>em grande parte no entorno e a partir de sua interação com uma imensidão de povos-espíritos da Mata</p><p>Atlântica, os Yãmiyxop, e os seus relativos agrupamentos de partes.</p><p>Sueli Maxakali é líder indígena, educadora, fotógrafa e produtora de audiovisual. Sua instalação,</p><p>Kūmxop Koxuk yōg, é um composto de objetos, máscaras e vestidos que transportam ao campo mítico</p><p>das Yãmiyhex mulheres-espírito. A obra foi realizada em grupo, com a participação das meninas e</p><p>mulheres que, no povoado, zelam por cada um desses Yãmiy. O método em conjunto de produção</p><p>da obra condiz com a organização da própria comunidade Tikmū’ūn e de certa forma é partidário e</p><p>mistura a importância, as linhas e a significação da confecção artística numa circunstância tão típica,</p><p>nos ofertando outros estilos de criação e inventividade.</p><p>Figura 163 – Sueli Maxakali é liderança indígena, educadora, fotógrafa e produtora de audiovisual, participa</p><p>da exposição com a instalação Kūmxop Koxuk yōg (Os espíritos das minhas filhas), um composto de</p><p>objetos, máscaras e vestidos que transportam ao campo mítico das Yãmiyhex mulheres-espírito</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 260).</p><p>Jaider Esbell</p><p>Continuando o nosso tour pela 34ª Bienal de Arte, finalmente vamos apreciar o trabalho de Jaider</p><p>Esbell, nascido em Normandia, RR, um grande expoente da arte indígena brasileira que participa com a</p><p>obra: O Ataque do Kanaimé (2011) em acrílica sobre tela.</p><p>204</p><p>Unidade III</p><p>Em uma sequência de cenas místicas, o artista clama a imagem do Kanaimé – geralmente comentado</p><p>como um espírito fatal, que causa a morte de quem o acha – e o lança sobre os atritos contemporâneos</p><p>sentidos pela comunidade Macuxi e por seus familiares, invariavelmente abatidos por estratégias</p><p>oficiais e extraoficiais que almejam usufruir de maneira predatória de seu território. Variando de seus</p><p>vínculos, os Kanaimés podem ser compreendidos como zeladores ou destruidores. O cenário é destacado</p><p>por intimidações claras ou mascaradas, onde várias vezes o que causa óbito é mostrado como um</p><p>medicamento. O autor pondera a permanência real desses espíritos no cotidiano e na resistência do</p><p>povo Macuxi.</p><p>Durante a realização da 34ª Bienal, uma fatalidade aconteceu, Jaider Esbell faleceu no dia 2 de</p><p>novembro de 2021. Deixou um profundo vazio no universo da arte e na história de luta da população</p><p>indígena brasileira.</p><p>Figura 164 – A Guerra dos Kanaimés, série (2020). Trabalho de Jaider Esbell,</p><p>em acrílica e caneta Posca sobre tela</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 359).</p><p>205</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Figura 165 – O Pássaro do Bico Preto (2020). Pincéis marcadores e lápis gizado sobre couro bovino</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 83).</p><p>Ximena Garrido-Lecca</p><p>Por fim, nosso tour vai se encerrando pelo pavilhão da Bienal do Ibirapuera.</p><p>Quando a pandemia começou a pipocar pelo Brasil, em março de 2020, os curadores já tinham</p><p>planejado anteriormente toda a execução da 34ª Bienal de Arte, que seria nesse mesmo ano, mas por</p><p>questões sanitárias e de péssima governança federal na administração da pandemia, eles resolveram</p><p>apresentar um recorte do que seria a mostra, chamada de Vento. Essa exposição exigia um protocolo de</p><p>frequência e bem poucas pessoas podiam circular pelo pavilhão da Bienal.</p><p>Uma obra se destacava nessa versão recortada de Bienal, a instalação da artista Ximena</p><p>Garrido-Lecca: Insurgencias botánicas: Phaseolus Lunatus (Insurgências botânicas: Phaseolus Lunatus)</p><p>(2017-2020), na qual tem uma estrutura hidropônica em que são plantadas mudas de favas da</p><p>espécie Phaseolus Lunatus, numa reanimação emblemática do provável mecanismo de comunicação</p><p>da cultura Moche, uma sociedade peruana pré-inca que aprimorou robustos sistemas hidráulicos de</p><p>irrigação e que, conforme saberes, valia-se das manchas presentes nessas favas, como símbolos para</p><p>uma escrita com ideográficos.</p><p>Ximena Garrido-Lecca, nascida em Lima, Peru, traz sua ancestralidade à flor da pele em suas obras,</p><p>seu imaginário é povoado pela dicotomia, do choque entre a cultura originária andina e os processos de</p><p>violências de colonização.</p><p>206</p><p>Unidade III</p><p>As escolhas de técnicas multifacetadas também reiteram a potência da artista, que não se identifica</p><p>com obras pacificadoras e lineares. Nos últimos anos ela tem produzido uma série de instalações</p><p>designadas pela prática de processos de edificação ou crescimento que podem ser acompanhados</p><p>pelo público, retomando técnicas e produtos aplicados na arquitetura e no artesanato no decorrer</p><p>da história do povo peruano.</p><p>No contexto da 34ª Bienal, a instalação foi apresentada pela primeira vez em fevereiro de 2020,</p><p>como obra única da artista, que marcou a abertura da mostra, e mais uma vez em novembro, quando</p><p>participou na coletiva Vento. Com seu foco no mecanismo contínuo de mutação de tudo que está vivo</p><p>– no caso, uma planta e um saber ancestral –, a obra passou a representar o parâmetro curatorial de</p><p>idealizar a mostra como metamorfose, e não como algo engessado ou pronto.</p><p>Figura 166 – Insurgencias Botánicas: Phaseolus Lunatus (Insurgências botânicas: Phaseolus Lunatus)</p><p>(2017/2020), instalação da artista Ximena Garrido-Lecca, na qual tem uma estrutura hidropônica em</p><p>que são plantadas mudas de favas da espécie Phaseolus Lunatus, numa reanimação emblemática do</p><p>provável mecanismo de comunicação da cultura Moche, uma sociedade peruana pré-inca. É a única</p><p>obra orgânica da 34 ª Bienal. Fotografia: Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 407).</p><p>Alfredo Jaar</p><p>Saindo do Pavilhão da Bienal, no Ibirapuera, vamos para o Sesc Pompeia, outro local emblemático</p><p>da cidade, que está integrado ao universo da 34ª Bienal, com mais outras instituições culturais. Vamos</p><p>apreciar a exposição de Alfredo Jaar. Nascido em Santiago, Chile, o artista nutre profunda admiração</p><p>pelo italiano pensador e político Antônio Gramsci (1891-1937), quem inspirou alguns de seus trabalhos.</p><p>O título dessa série de exposições que olharemos é: Lamento das Imagens. São várias obras espalhadas</p><p>pelo Sesc Pompeia. Começaremos por essa. É uma obra alicerçada em dois ambientes, todos bem escuros.</p><p>Ao adentrar-se no primeiro espaço, o olho é fisgado por três blocos de textos brancos simétricos na</p><p>207</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>horizontal em uma das paredes pretas e divididos por pensados intervalos. Uma outra obra provoca um</p><p>desconforto físico, pelo excesso de luz, causando estranhamento aos olhos.</p><p>Um outro trabalho que chama a atenção é Geografia = Guerra. Ele é formado por mais de uma</p><p>centena de barris pretos metalizados, organizados visceralmente sem uniformidade sobre o chão.</p><p>Olhados com certa distância, remetem à cena de uma carga pronta, para ser enviada ou recebida.</p><p>Dentro dos barris há líquidos escuros, que projetam fotografias humanas, das luminárias vindas de cima.</p><p>É um percurso a ser percorrido pelos barris e suas projeções; segundo o autor, é para sentir a desigual</p><p>distribuição de poder no mundo, como regra, confrontos e barbárie. Essas fotografias foram feitas em</p><p>Koko, na Nigéria, uma pequena cidade ribeirinha no sul do país, em 1980.</p><p>Mais uma obra que vale a pena a apreciação: Outras Pessoas Pensam. Escrita sobre fundo preto e com</p><p>letras brancas, é esta a frase que se pode ler em caixa de luz quadrada fixa na parede. Divididas em três</p><p>linhas, essas palavras agrupadas e luminosas compõem uma epígrafe básica e são, no mesmo momento,</p><p>também imagem. Querem falar, como experimentação delicada, algo a respeito do que não deveria</p><p>conter, supostamente, dúvida alguma (ANJOS, 2021). Essa obra é provocativa, pois a tipologia é garrafal,</p><p>chama a atenção. É possível também retirar cartazes com a frase, que é extremamente necessária em</p><p>tempos de barbárie humana.</p><p>E assim terminamos o nosso tour pela 34ª Bienal de Arte com chave de ouro, com as exposições</p><p>de Alfredo Jaar, um artista questionador, assim como muitos outros, que transmitiram contundentes</p><p>mensagens através de suas obras, graças à afinada curadoria. Os indígenas, as mulheres e a instalação</p><p>orgânica são os destaques dessa Bienal.</p><p>Figura 167</p><p>– Obra de Alfredo Jaar, Geografia = Guerra. Ela é formada por mais de uma centena de barris pretos</p><p>metalizados, organizados visceralmente sem uniformidade sobre o chão, onde são projetadas as fotografias</p><p>Fonte: Anjos (2021, p. 39).</p><p>208</p><p>Unidade III</p><p>Figura 168 – Outra obra de Alfredo Jarr: Outras Pessoas Pensam. Escrita sobre fundo</p><p>preto e com letras brancas, é esta a frase que se pode ler em uma caixa de luz</p><p>quadrada fixa na parede. O cartaz pode ser levado</p><p>Fonte: Anjos (2021, p. 87).</p><p>Saiba mais</p><p>Para entender mais sobre a 34ª Bienal de São Paulo, vale muito a leitura</p><p>do Catálogo Faz escuro mas eu canto:</p><p>OSE, E. D. (ed.). Faz escuro mas eu canto: Catálogo/Elvira Dyangani</p><p>Ose (editora convidada, em associação com The Showroom, Londres).</p><p>Curadoria: Jacopo Crivelli Visconti, Paulo Miyada, Carla Zaccagnini,</p><p>Francesco Stocchi, Ruth Estevez. 34ª Bienal de São Paulo. São Paulo:</p><p>Bienal de São Paulo, 2021.</p><p>209</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Resumo</p><p>O que é ser contemporâneo?</p><p>A contemporaneidade é uma particular relação com o próprio tempo,</p><p>que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distanciamento; mais</p><p>propriamente, essa é a relação com o tempo que a este adere através de</p><p>uma dissolução e de um anacronismo. Aqueles que concordam muito</p><p>integralmente com a época, que em todos os pontos a esta concordam</p><p>absolutamente, não são contemporâneos porque, precisamente por</p><p>isso, não conseguem enxergá-la, não conseguem manter firme o</p><p>olhar sobre ela. É preciso o distanciamento do olhar para poder melhor</p><p>enxergar o tempo atual.</p><p>A arte, sempre em acompanhamento ao seu tempo histórico, traz na</p><p>contemporaneidade a ruptura com as tradições artísticas e o aparecimento</p><p>de novas oportunidades de relevância. É criado, assim, um dos principais</p><p>paradigmas da arte contemporânea: uma linguagem que faz uso de meios</p><p>que até então não podiam ser pensados.</p><p>A tecnologia faz parte da contemporaneidade, que engloba a arte, não</p><p>mais produzida à mão, mas por máquina. Entende-se por arte digital todo</p><p>tipo de expressão artística realizada através de meios eletrônicos, como</p><p>o uso de softwares e hardwares sofisticados que concedem a criação, a</p><p>edição, a reconfiguração e novas transformações no universo virtual.</p><p>Na esteira da contemporaneidade, surgem mudanças de paradigmas,</p><p>aliás, faz parte da gênese da arte romper com as estruturas de linguagens,</p><p>trazendo um novo modo de pensar e olhar para a produção artística de seu</p><p>tempo, dessa maneira, como ruptura surge a criptoarte, que revoluciona a</p><p>forma de negociar, enxergar, entender e produzir a arte. É um novo mundo</p><p>a ser descortinado, o universo dos NFTs.</p><p>NFT é a sigla para Non-fungible Token ou Token não Fungível. Uma</p><p>obra de arte não pode ser substituída por outra, ela é única, é um exemplo</p><p>de Token não Fungível. É necessário um ritual para virar criptoarte, a</p><p>começar pela certificação digital de autenticidade, realizada através de um</p><p>blockchain, que outorga as transações, sendo necessário esse registro pelo</p><p>Ethereum, uma rede blockchain descentralizada que executa implementação</p><p>de aplicações descentralizadas (dapps) e contratos inteligentes. Dapps são</p><p>programas de computador que removem a necessidade de intermediários</p><p>210</p><p>Unidade III</p><p>em basicamente qualquer serviço centralizado, comercializado por meio de</p><p>criptomoedas, moeda digital, ou seja, um novo caminho para a arte.</p><p>E, finalizando a unidade III, percorremos a 34ª Bienal de Arte de São</p><p>Paulo, uma das maiores bienais do mundo. O tema, “Faz escuro mas eu</p><p>canto”, explora um dilema contemporâneo, a pandemia, que atingiu o</p><p>mundo inteiro. Algumas autoridades conseguiram conduzir, com êxito,</p><p>a preservação de vidas, já outras foram omissas diante da tragédia</p><p>anunciada, sonegando políticas públicas imediatas no combate da</p><p>pandemia. O lema da 34ª Bienal é: “Faz escuro mas eu canto porque a</p><p>manhã vai chegar”. E assim, a arte ilumina este momento obscuro, e a manhã</p><p>chegará mais iluminada e acolhedora. Arte e jornalismo andam juntos;</p><p>entender a história da arte contribui muito para um outro olhar, mais</p><p>afinado ao seu tempo.</p><p>211</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Exercícios</p><p>Questão 1. Leia o texto a seguir.</p><p>Além dos memes e obras de arte: existe futuro para o NFT?</p><p>Bruno Pavan – 28/10/21</p><p>Figura 169 – NFT de Zoë Roth foi vendida por R$ 2,7 milhões</p><p>(Crédito: DAVE ROTH/Reprodução Internet)</p><p>A sigla NFT já não é mais desconhecida. O Non-Fungible Token (ou token não-fungível) tem ficado</p><p>mais popular, principalmente, pela sua relação com o mundo da arte.</p><p>Alguns momentos históricos da internet, como o primeiro tuíte publicado, o vídeo Charlie bit My</p><p>Finger, ou a foto da menina Zoë Roth, que sorri em frente a um incêndio, já movimentaram muitos</p><p>milhões de dólares.</p><p>Mas a tecnologia pode ir além dos memes, obras de arte digitais e relação com celebridades. É nisso</p><p>que muita gente está apostando.</p><p>Assim como você pode usar a tecnologia para vender uma obra de arte, você também pode usá-la</p><p>de diversas outras maneiras. Thiago Valadares e seu sócio Lucas Tavares criaram, há sete meses, a NF</p><p>Market Agency, primeira agência especializada em NFTs no Brasil. Ele explica de maneira simples o que</p><p>a tecnologia significa.</p><p>“É um cartório digital onde você pode subir e guardar qualquer categoria de documento com a</p><p>segurança de um blockchain. Desde uma planilha de trabalho até o diploma da faculdade”, diz.</p><p>212</p><p>Unidade III</p><p>A maior segurança é no sentido de que quando você transforma um arquivo em NFT, e sobe em uma</p><p>plataforma, é gerada uma chave onde só você consegue acessá-lo. As carteiras de criptomoedas, como</p><p>o bitcoin, por exemplo, usam o mesmo sistema.</p><p>Fan tokens é a nova arma de arrecadação para clubes de futebol</p><p>Além de tudo isso, diversas ligas esportivas e clubes de futebol pelo mundo descobriram, recentemente,</p><p>o potencial de arrecadação deste mercado. A tradicional liga norte-americana de basquete, a NBA, já</p><p>lançou produtos não fungíveis para os fãs e arrecadaram milhões.</p><p>Os times de futebol mais tradicionais do mundo como Barcelona, Paris Saint German e Manchester</p><p>United também lançaram produtos para esse segmento. No Brasil, os casos de maiores sucessos são do</p><p>Atlético Mineiro e do Corinthians.</p><p>O time paulista lançou o $SCCP no dia do seu aniversário de 111 anos no último dia 1º de setembro.</p><p>O clube vendeu 850 mil unidades da moeda em apenas duas horas, gerando algo em torno de</p><p>R$ 8,5 milhões de reais. Apesar de não abrir os valores, que ficaram com o clube, estima-se que o</p><p>Corinthians ficou com 50% do valor.</p><p>Quem conseguiu fazer a compra pôde votar na enquete que escolheu o atacante Ronaldo</p><p>Fenômeno como o próximo atleta a entrar no hall da fama do clube. Cada uma das moedas foi vendida,</p><p>no dia 2 de setembro, por R$ 10,50. De acordo com o site Coin Market Cap, às 16h42 desta quinta-feira</p><p>(28) a moeda está sendo negociada por R$ 7,39. Thiago acredita que essa será, também, uma forma do</p><p>torcedor ajudar o clube.</p><p>“É algo geracional, hoje para os jovens comprar arquivos digitais é normal. Meu filho tem 14 anos e</p><p>diversos itens, dentro de jogos”, disse Thiago.</p><p>NFT como ferramenta de marketing</p><p>Apesar de já ter movimentado cerca de US$ 250 bilhões no mundo todo, esse mercado ainda é</p><p>muito recente no Brasil. Thiago explica que precisa romper algumas desconfianças em grandes empresas</p><p>para convencer de que o investimento em NFT faz sentido.</p><p>“Ainda há muita dúvida na questão operacional, mas eu acredito que daqui a alguns anos todo plano</p><p>de marketing vai ter que, obrigatoriamente, contemplar o NFT assim como hoje contempla as redes</p><p>sociais”, diz.</p><p>O virtual passando a ser real</p><p>Para muitos ainda pode não fazer tanto sentido ter uma obra de arte virtual, mas e se ela se</p><p>transformar em algo palpável e transformador? Uma das iniciativas da NFMarket é o NFT Amazônia.</p><p>213</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Quem comprar uma das obras disponíveis, que retratam árvores, animais e lendas da região, estará</p><p>plantando uma árvore real na floresta amazônica e cada uma delas poderá ser rastreada via</p><p>Google Maps.</p><p>Um dos artistas que desenvolveram obras para a iniciativa é Lito. Ele explica que arte e tecnologia</p><p>sempre andaram juntos em sua obra e que juntar isso com responsabilidade social e ambiental é</p><p>significativo.</p><p>“A tecnologia vem para agregar na arte e deixá-la ainda mais profunda. Quando entraram em contato</p><p>comigo com a ideia do reflorestamento eu achei muito legal, a arte precisa ter esse background”, afirmou.</p><p>Disponível em: https://bit.ly/35v2phG. Acesso em: 27 jan. 2022.</p><p>Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas.</p><p>I – De acordo com o texto, a arte virtual só tem valor se tiver correspondência com uma ação real.</p><p>II – Os memes não têm valor artístico, por isso não são exemplos de NFT.</p><p>III – O NFT, tipo especial de token criptográfico que representa algo único, tem relação com o mundo</p><p>atual das artes.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>A) I, II e III.</p><p>B) I e II, apenas.</p><p>C) I e III, apenas.</p><p>D) II e III, apenas.</p><p>E) III, apenas.</p><p>Resposta correta: alternativa E.</p><p>Análise das afirmativas</p><p>I – Afirmativa incorreta.</p><p>Justificativa: o texto cita um caso de correspondência entre arte virtual e ação real, mas não coloca</p><p>isso como condição para que uma obra tenha valor.</p><p>214</p><p>Unidade III</p><p>II – Afirmativa incorreta.</p><p>Justificativa: os memes são um exemplo de NFT.</p><p>III – Afirmativa correta.</p><p>Justificativa: segundo o texto, a sigla NFT “tem ficado mais popular, principalmente, pela sua relação</p><p>com o mundo da arte”.</p><p>Questão 2. Leia o texto.</p><p>Painel ‘Boca do Inferno’, de Carmela Gross, é destaque da 34ª Bienal, que começa sábado</p><p>“A cultura brasileira parece estar sempre pegando fogo”, afirma a artista</p><p>Maria Hirszman, Especial para o Estadão –1 de setembro de 2021</p><p>Em 1969, aos 23 anos de idade, Carmela Gross mostrava um grupo desafiador de trabalhos na</p><p>10ª Bienal de São Paulo. Barril, Presunto e A Carga corporificavam elementos tirados da instável</p><p>paisagem urbana. Eram signos vindos diretamente do cotidiano dos trabalhadores das cidades, mas que,</p><p>indiscutivelmente, remetiam também à cena opressiva do momento. Tortura, desova de corpos, ações</p><p>furtivas e dissimuladas eram questões ali presentes de forma intensa, numa crítica mordaz à ditadura</p><p>militar. O próprio aspecto gasto dos objetos, construídos em lona desbotada, plástico e ferro gasto, traz</p><p>à cena essa sensação de precariedade. O retorno desses mesmos trabalhos à 34ª Bienal de São Paulo,</p><p>que tem início no sábado, 4, não é mera coincidência. É claramente uma forma de conexão simbólica e</p><p>crítica entre dois momentos opressivos da história do Brasil.</p><p>Figura 170 – Medindo 30 metros de comprimento por 6 metros de altura, Boca do Inferno é formada</p><p>por 160 monotipias em torno da imagem de vulcões. Foto: Daniel Teixeira/Estadão</p><p>215</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Cercadas por outras obras de cunho histórico e crítico – como as gravuras de sombras de armas bélicas,</p><p>de Regina Silveira, ou o texto propositivo da performance Ronda da Morte, projeto nunca realizado de</p><p>Hélio Oiticica – essas peças fazem remissão direta ao tema da mostra: “Faz escuro mas eu canto”. O verso</p><p>provém de um poema de Thiago de Mello dá à edição do evento um caráter de resistência, de desejo</p><p>de reunir discursos e práticas artísticas que confrontem o desmanche atual. Entretanto, apesar de seu</p><p>forte peso simbólico e histórico, esses objetos propostos por Carmela no passado e reconfigurados no</p><p>presente não são o trabalho mais explosivo, literalmente, da artista nesta Bienal.</p><p>A noção de fogo, luminosidade e risco é frequente em sua produção. E volta agora com carga</p><p>redobrada no grande painel de 30 metros de comprimento por 6 metros de altura, formado por</p><p>160 monotipias em torno da imagem de vulcões, intitulado Boca do Inferno, em clara relação com o</p><p>codinome de Gregório de Matos e sua violenta crítica social. Não se trata de representações literais</p><p>de crateras, magma ou material vulcânico, mas sim do resultado de um lento processo de apreensão</p><p>e elaboração poética de um conceito; se assemelham a manchas, pegadas repetitivas em torno desse</p><p>elemento que tanto nos atrai e apavora. “Elas remetem à ideia de vulcão, de explosão e de grande</p><p>impacto, da terra que se convulsiona e que fica carbonizada quando traduzida no preto”, explica a artista.</p><p>Figura 171 – A artista Carmela Gross. Foto: Leda Abuhab/Estadão</p><p>O resultado final desse processo ganhou corpo em duas sessões de trabalho no ateliê de gravura</p><p>da Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre, com o auxílio de Eduardo Haesbaert, que dirige a oficina.</p><p>Mas ele ainda não estava concretizado quando os curadores da mostra, Jacopo Crivelli Visconti e Paulo</p><p>Miyada, viram os desenhos preparatórios e o elegeram como um dos elementos medulares do</p><p>projeto da 34º Bienal. Há, na persistente transfiguração que ela faz desses resíduos vulcânicos,</p><p>uma conexão poética, visual e simbólica com aquele que foi eleito um dos enunciados da mostra:</p><p>o meteorito que pertencia ao Museu Nacional. Ao simbolizar parte do acervo que conseguiu sobreviver</p><p>ao incêndio, exatamente por ser uma densa massa metálica endurecida, materializa a noção de resistência.</p><p>Na frente de Boca do Inferno, foi instalado o meteoro Santa Luzia (cujo nome surpreendentemente</p><p>remete à protetora da visão), como forma de corporificar essa e outras tragédias porque vêm passando</p><p>216</p><p>Unidade III</p><p>as instituições culturais brasileiras. “A cultura brasileira parece estar sempre pegando fogo”, lamenta</p><p>ela, enfatizando a importância desse movimento de reforço da prática do artista, do exercício poético</p><p>em busca de algo coletivo, como se vê expresso na proposta da Bienal.</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3HcwHDN. Acesso em: 27 jan. 2022.</p><p>Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas.</p><p>I – A 34ª Bienal de São Paulo teve como tema “Faz escuro mas eu canto” e mostra, por meio da arte,</p><p>resistência à obscuridade de um mundo pandêmico.</p><p>II – Por meio da monotipia, técnica de impressão, a artista Carmela Gross gerou uma coleção de</p><p>imagens de vulcões que representa sua visão crítica em relação aos problemas enfrentados pela cultura</p><p>na realidade brasileira.</p><p>III – A referência ao poeta barroco no título da obra de Carmela Gross se deve ao fato de que a artista</p><p>considera que a cultura brasileira não evoluiu ao longo dos séculos.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>A) I, II e III.</p><p>B) I e II, apenas.</p><p>C) II e III, apenas.</p><p>D) I e III, apenas.</p><p>E) I, apenas.</p><p>Resposta correta: alternativa B.</p><p>Análise da questão</p><p>O verso do poeta Thiago de Mello expressa o canto como resistência à escuridão e foi escolhido como</p><p>tema da 34ª Bienal de São Paulo. Isso revela a intenção da exposição: a arte como resistência a tempos</p><p>sombrios. A obra de Carmela Gross, Boca do Inferno, expressa sua visão em relação aos problemas</p><p>enfrentados pela cultura atualmente. O título faz referência a Gregório de Matos devido ao tom crítico</p><p>do poeta em relação à sociedade brasileira.</p><p>217</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>Audiovisuais</p><p>CAVE of forgotten dreams. Direção: Werner Herzog. EUA: History Films, 2010. 90 min.</p><p>TROPICÁLIA. Compositor e intérprete: Caetano Veloso. In: CAETANO Veloso. Intérprete: Caetano Veloso. Rio</p><p>de Janeiro: Philip Records, 1968. (3min40s). Disponível em: https://spoti.fi/3okYomk. Acesso em: 3 fev. 2022.</p><p>Textuais</p><p>AGAMBEN, G. O que é o Contemporâneo? E outros ensaios. Trad. Vinicius Nicastro Honesko.</p><p>Chapecó/SC: Argos, 2009.</p><p>ALVARENGA, N. A.; JUNQUEIRA, F. C. Novos meios, modernas linguagens: sobre a presença do</p><p>Modernismo na linguagem e na estética contemporânea. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS</p><p>DA COMUNICAÇÃO, 32., 2009, Curitiba. Anais […]. Curitiba: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2009.</p><p>AMARAL, A. A. Artes Plásticas na Semana de 22. 5. ed. São Paulo: Editora 34, 1998.</p><p>AMARAL, A. A. Tarsila cronista. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2003.</p><p>ANDRADE, M. Poesias Completas. Ed. crítica Diléa Zanotto Manfio. Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo:</p><p>Editora da Universidade de São Paulo, 1987.</p><p>ANJOS, M. Curadoria e textos. São Paulo: Sesc</p><p>Pompeia, 2021.</p><p>ARGAN, G. C. Arte moderna na Europa: de Hogarth a Picasso. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.</p><p>ARGAN, G. C. História da arte italiana. São Paulo: Cosac&Naify, 2003.</p><p>ASSUNÇÃO, L. S. Pabllo Vittar lança NFT em parceria com Nicopanda e The Fabricant. FFW Fashion</p><p>ForWard, 30 jun. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3GFuBw6. Acesso em: 17 jan. 2022.</p><p>BARBOSA, G. S.; BARROS, A. M.; SANTOS, F. M. 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Ou ainda: ser pontual num compromisso ao qual se pode apenas não ir.</p><p>Figura 140 – Dilatáveis (1981/2020). Série da artista contemporânea Regina Silveira. Obra feita em vinil</p><p>laminado adesivo sobre chapa de compensado de madeira. Tamanhos diversificados</p><p>163</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 395).</p><p>7.2 As ligações da arte com o presente</p><p>Com o decorrer do tempo, a Arte Moderna, que almejava especialmente a experimentação, sofreu</p><p>uma deterioração. Ela se permitiu tanto ao experimentalismo que acabou por se distanciar da plateia,</p><p>que passou a se deparar com suas expressões, ora inquietantes, ora estranhas, tendo muita dificuldade</p><p>em compreendê-las.</p><p>Distintamente do legado do novo, que fomentou vivências que tomaram envergadura a partir do</p><p>século XX com as vanguardas, a Arte Contemporânea, que aparece no encadeamento da era moderna,</p><p>se corporifica a partir de uma combinação contínua entre vida e arte, arte e vida. Segundo Canton</p><p>(2014), nessa área de forças, artistas contemporâneos procuram um significado, mas o que crava suas</p><p>convicções e aprimora a Arte Contemporânea são as interdependências entre as díspares áreas do saber</p><p>humano. Para Agambem (2009), contemporâneo é aquele que mantém firme o olhar no seu momento.</p><p>7.3 Arte Digital</p><p>A arte acompanha seu tempo histórico, como já discutimos em outros tópicos. A tecnologia faz</p><p>parte da contemporaneidade, que engloba a arte, mas não mais produzida à mão, mas por máquina,</p><p>entende-se por arte digital todo tipo de expressão artística realizada através de meios eletrônicos, como</p><p>o uso de softwares e hardwares sofisticados que concedem a criação, a edição, a reconfiguração e novas</p><p>transformações entre o universo virtual.</p><p>As artes digitais se segmentam em algumas categorias, entre elas, a Web art, a pintura digital,</p><p>gravura digital, programas de modelação, fotografias, edição fotográfica, animações e vídeos digitais.</p><p>Os resultados podem ser impressos em um suporte 2D, em papéis especiais, objeto 3D, ou serem olhados</p><p>no próprio âmbito de criação, o computador ou aparelho celular.</p><p>Algumas discussões são pertinentes ao universo da produção artística contemporânea. A tendência à</p><p>tecnologia e arte aperfeiçoa-se conforme os artistas vão se atualizando das propensões tecnológicas,</p><p>especialmente com o surgimento do computador, e dos domínios em linguagens de comunicação e</p><p>das mídias digitais, que se converteram no meio e na linguagem a partir da qual faz-se a produção.</p><p>A tendência arte e comunidade insere fazeres artistísticos criados após os anos 2000 e que</p><p>estão cada vez mais ativos em nossa contemporaneidade. Nelas, o criador (produtor de arte) opera</p><p>como desenvolvedor de um método cooperador e interativo ao lado de variados agrupamentos,</p><p>comunidades socialmente fragilizadas, população LGBTQIA+ minorias de gênero, grupos étnicos</p><p>perseguidos, refugiados, população originária, entre outros.</p><p>As atividades de fazeres artistícos da arte e coletividade implicam o comprometimento e</p><p>empenhamento por parte dos integrantes, que mais do que atuar contribuem na elaboração da</p><p>própria atividade, desierquizando o status de criador que se move do artista para todas as pessoas</p><p>que pertencem à comunidade.</p><p>164</p><p>Unidade III</p><p>O foco de quem é o autor da obra fica então secundarizado. Nesse momento o produtor de arte não</p><p>está entusiasmado na preservação do seu ego de artista e de conservação de fama da obra. Todos são atores</p><p>da criação e execução do projeto artístico. O coletivo assume os louros pelo desempenho.</p><p>Lembrete</p><p>A fotografia digital teve um processo migratório revolucionário. Em tão</p><p>pouco tempo, pode-se observar muita mudança estrutural. Atualmente</p><p>o fotógrafo tem um arquivo de imagem que pode ser manipulado no</p><p>computador ou no celular.</p><p>7.4 Arte e tecnologia</p><p>Como comentamos anteriormente a arte e tecnologia andam juntas, várias tendências artísticas são</p><p>derivadas da arte digital. Como, por exemplo: Video art, Mail art, Web art e Bio art. Abordaremos com</p><p>mais profundidade a Web art, por sua significância no universo das artes.</p><p>7.5 Web art</p><p>Uma estética da invasão, pirataria, leitura, fala, navegação, compra, desejo.</p><p>David Garcia e Geert Lovink, Ativistas da mídia, 1997 (apud DEMPSEY, 2010, p. 286).</p><p>A World Wide Web, criada em 1989 pelo cientista britânico Timothy Berners-Lee para contribuir</p><p>com os físicos que labutavam no Laboratório Europeu de Física de Partículas, deu lugar à atividade</p><p>de arte por volta dos anos 1990, quando ainda havia por volta de 5 mil usuários com seus próprios</p><p>sites. Nos últimos anos do século XX, um imenso aumento de usuários contribuiu com o rápido</p><p>avanço global da Web art.</p><p>Os inveterados comunistas do Leste Europeu, por exemplo, se inseriram entre os primeiros</p><p>integrantes. O centro midiático Ljudmila, na Eslovênia, lançado pelo Open Society Institute, de</p><p>George Soros, renovou ao combinar sites de artistas com iniciativas de educação.</p><p>A Web art é democrática e a interatividade é sua principal característica. Imagem, movimento,</p><p>texto e som agrupados pelos artistas podem ser navegados pelos usuários em suas próprias</p><p>composições multimídias, da qual a autoria final será aberta.</p><p>Os audientes tornam-se usuários. Meu Namorado Voltou da Guerra (1996), da russa Olia Liálina,</p><p>evidencia uma história política e pessoal, com uma seleção de textos e imagens que o espectador</p><p>dispõe numa continuação, a fim de inventar novas versões de uma amor infeliz. O analista de</p><p>sistemas britânico Heath Bunting, que iniciou a Irational.org em 1994 (seu nome recomenda</p><p>subversão em um mundo racional empresarial), vem desbravando outras formas de interconexão da</p><p>web. Seu site King’s Cross Phone-in enviou através da web os números dos telefones de 36 cabines</p><p>165</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>telefônicas localizadas em uma estação de trem de Londres e em sua vizinhança, convidando</p><p>os visitantes do site a telefonar para os usuários dos trens, inserindo assim uma nota inédita de</p><p>interação – e confusão na rotina do mundo dos negócios.</p><p>Figura 141 – Meu Namorado Voltou da Guerra (1996), da russa Olia Liálina</p><p>Fonte: Dempsey (2010, p. 288).</p><p>O projeto também ressaltou o quanto a Web art é multímodo, interconectando-se com outras</p><p>linguagens artísticas, como a arte perfomática.</p><p>Segundo Dempsey (2010), para os artistas, o universo da internet oferta uma nova maneira</p><p>de distribuir e uma nova mídia, com peculiaridades próprias. Umas dessas peculiaridades é a</p><p>tecnologia, que molda os materiais. Tornar aparentes códigos habitualmente ocultos, tais como</p><p>HTML (hypertext mark-up language), tem sido uma dessas estratégias, que mostram a anarquia</p><p>visível da tecnologia.</p><p>O uso de ferramentas autorais apoiadas em vetores (como o Macromedia Flash) é outro recurso.</p><p>Ao contrário de processos fundados em pixels, formas respaldadas em vetores podem ser levadas</p><p>para qualquer escala de dimensão sem perder a qualidade.</p><p>O norte-americano Peter Stanick inventa pinturas digitais de alto impacto que relembram a</p><p>arte pop e se referem a cenas de Nova York, como continuidade da abordagem mecânica dos</p><p>artistas pop Roy Lichtenstein e Andy Warhol. Outros provam paletas de cor típicas da tecnologia</p><p>da web, que surgem da máquina, em contrapartida às propriedades físicas do pigmento, como a</p><p>paleta de cor hexadecimal – 256 cores inventadas na web, concebidas de vermelho, verde e azul.</p><p>166</p><p>Unidade III</p><p>Figura 142 – Web art de Jake Tilso. Seleção de telas de O Cozinheiro, desde 1994</p><p>Fonte: Dempsey (2010, p. 286).</p><p>7.6 NFT – Non-Fungible Token ou Token não Fungível</p><p>Você sabe o que é NFT?</p><p>Talvez o primeiro pensamento que passe pela sua cabeça</p><p>quando lê essa sigla possa ser algo</p><p>relacionado à Nota Fiscal, mas, longe disso, embora você dificilmente vá encontrar um enorme leque</p><p>de opção de teorias e livros acadêmicos sobre esse tema, é possível entender o que é, para que serve e</p><p>como funciona.</p><p>NFT é a sigla para Non-Fungible Token ou Token não Fungível. Se você tem uma nota de cinco reais</p><p>você pode trocá-la por outra de mesmo valor, logo ela é um exemplo de Token Fungível, já uma obra de</p><p>arte não pode ser substituída por outra, esse é um exemplo de Token não Fungível, ele é algo único.</p><p>É uma criptoarte (GARRET, 2021).</p><p>O termo existe desde 2012, e, para Macus Walena, você pode pensar em NFT como um certificado</p><p>digital de autenticidade. Para entender exatamente como funciona e como se aplica ao mundo da arte,</p><p>é necessário primeiro entender dois conceitos (COINDESK, 2021).</p><p>• Blockchain: é um livro-razão ou livro contábil compartilhado e imutável utilizado para registrar</p><p>transações e rastrear ativos de uma rede empresarial (FOXBIT, [s.d.]).</p><p>167</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>• Ethereum: é uma rede blockchain descentralizada que executa implementação de aplicações</p><p>descentralizadas (dapps) e contratos inteligentes. Dapps são programas de computador que</p><p>removem a necessidade de intermediários em basicamente qualquer serviço centralizado</p><p>(RAPHAEL, 2017).</p><p>Saiba mais</p><p>Conheça o site de Marcus Walena:</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3nAWWMy. Acesso em: 17 jan. 2022.</p><p>Os NFTs podem ser qualquer tipo de ativo digital, desde imagens, músicas, obras de arte, ou até</p><p>memes. O NFT começa com registro da propriedade de um ativo digital em um blockchain (geralmente</p><p>na Ethereum) e em seguida pode ser comercializado por meio de criptomoedas (DOWLING, 2021).</p><p>Em 2021 esse assunto foi pauta em todo o mundo, em especial em março, quando o artista Mike</p><p>Winkelmann, conhecido como Beeple, vendeu a obra digital Everydays: The First 5000 Days em uma das</p><p>empresas de arte mais importantes do mundo, a Christie’s, pelo valor de 69 milhões de dólares.</p><p>O item se trata de uma “colagem” de 5 mil obras do artista, que no dia 1º de maio de 2007 postou</p><p>uma nova obra de arte on-line, repetiu esse processo por mais de 13 anos e reuniu tudo em Everydays:</p><p>The First 5000 Days (NEVES, 2021).</p><p>Embora tenha atingido grande repercussão, Beeple não foi o único a se destacar no universo dos NFTs.</p><p>Até abril de 2021 as obras mais caras vendidas por meio dessa tecnologia foram:</p><p>• Everydays: The First 5000 Days, de Beeple, por 69,3 milhões de dólares.</p><p>• CryptoPunk #7804 de Dylan Field, por 7,57 milhões de dólares. CryptoPunk’s são as obras de arte</p><p>digital populares do mercado de NFTs. Trata-se de pequenas imagens de 24 x 24 pixels com estilo</p><p>8-bit, geradas automaticamente por um algoritmo (RUBINSTEINN, 2021).</p><p>• Crossroad, também de Beeple, foi vendida por 6,66 milhões de dólares. Essa obra traz mensagens</p><p>anti-Trump, em que uma figura parecida com o ex-presidente dos Estados Unidos aparece deitada</p><p>nua com palavrões e outras ofensas escritas pelo corpo (SOLOMON, 2021).</p><p>Embora os NFTs estejam causando grande comoção no mundo da arte, esse não é o único universo</p><p>a decidir investir nessa tecnologia.</p><p>168</p><p>Unidade III</p><p>Esporte</p><p>Em 2021, a National Basketball Association (NBA) não realizou a partida Rising Stars Challenge</p><p>devido a limitações de eventos em decorrência da covid-19, no entanto a NBA Top Shot, junto com</p><p>a NBA e a National Basketball Players Association, escolheram a dedo 20 momentos individuais da</p><p>temporada 2020-21. Esses momentos foram imortalizados como colecionáveis digitais, disponíveis em</p><p>um set inédito da NBA Top Shot. Podem ser comprados como Tokens não Fungíveis.</p><p>No Brasil temos exemplo no esporte também. O Vasco da Gama anunciou em 2021 o planejamento</p><p>de lançar primeiro uma ação envolvendo desenhos de crianças de todo o país, uma iniciativa inspirada</p><p>na frase “enquanto houver um coração infantil, o Vasco será imortal”. Além da arte feita por crianças, o</p><p>Vasco anunciou que planeja:</p><p>o lançamento de NFTs com material do acervo do Centro de Memórias do</p><p>clube, cards colecionáveis de jogadores e de grandes momentos do futebol,</p><p>camisas históricas e NFTs que reforcem e relembrem o histórico do time</p><p>de luta pela inclusão de minorias e contra o racismo, a homofobia e o</p><p>capacitismo, entre outras ideias em desenvolvimento (NETVASCO, 2021).</p><p>Fotografia</p><p>Em 2021 a fotógrafa Kate Woodman vendeu a fotografia Always Coca Cola como NFT pelo valor de</p><p>20 mil dólares (IPHOTOCHANNEL, [s.d.]b).</p><p>No mercado da fotografia, não são apenas fotógrafos autônomos que estão embarcando nesses</p><p>ativos, grandes marcas estão aderindo a ideia. A Playboy, que interrompeu a publicação das revistas</p><p>impressas em 2020 e se tornou digital depois de mais de 60 anos de história, fez uma parceria com uma</p><p>plataforma de ativos digitais, a Nifty Gateway. Essa parceria visa a comercialização de coleção de fotos</p><p>como NFT por tempo limitado e horário específico (IPHOTOCHANNEL, [s.d.]c).</p><p>Esse investimento pode ser feito também em fotos já muito famosas, como é o caso da fotografia</p><p>de Zoë Roth. Talvez você não saiba de qual foto se trata pelo nome da garota, que na época tinha</p><p>4 anos de idade. Você provavelmente a conhece como “Garota desastre”, a foto foi tirada em 2005</p><p>da menina em frente a uma casa em chamas. A foto venceu um concurso de fotografia em 2007 e,</p><p>quando publicada na internet, se tornou viral. A cópia original foi vendida como NFT por 510 mil dólares</p><p>(IPHOTOCHANNEL, [s.d.]a).</p><p>Meme</p><p>Quem poderia imaginar que aquelas imagens em qualquer contexto que muitas vezes são</p><p>combinadas com frases poderiam render um bom investimento aos seus criadores? São os memes, que</p><p>não escaparam de ser ativos digitais únicos.</p><p>169</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>O meme da cadela da raça Shiba Inu com “cara de preocupada” se popularizou nos últimos anos e</p><p>foi vendido como NTF por 4 milhões de dólares (BARCELLOS, 2021).</p><p>A animação de um gatinho voando no espaço, Nyan Cat, completou 10 anos de história, ganhou</p><p>versão exclusiva, que foi vendida pelo criador Chris Torres por 3 milhões de dólares (STANLEY, 2021).</p><p>Já o meme do garotinho na praia, o Success Kid, com a boca e a mão fechadas, utilizado como meme</p><p>de situações de vitórias e grandes acontecimentos, foi comercializado como NFT por 32 mil dólares</p><p>(ROSENBLATT, 2021).</p><p>Música</p><p>A banda estadunidense Kings of Leon lançou seu último álbum, When You See Yourself, como Token</p><p>não Fungível, junto foram comercializados itens colecionáveis como versões digitais de luxo do novo</p><p>disco. A iniciativa rendeu à banda 2 milhões de dólares (CRUZ, 2021).</p><p>O DJ 3LAU vendeu um álbum exclusivo como NFT por 11 milhões de dólares (NASCIMENTO, 2021).</p><p>Pabllo Vittar lançou seu novo álbum, Batidão Tropical, aderindo à tendência dos NFTs. A marca</p><p>de moda digital The Fabricant lançou uma colaboração com Pabllo e o diretor criativo e fundador da</p><p>Nicopanda, o stylist Nicola Formichetti. Foram desenvolvidos dois looks digitais inspirados na drag queen</p><p>e na herança cultural e riqueza natural do Brasil (ASSUNÇÃO, 2021).</p><p>Cinema</p><p>O renomado diretor Quentin Tarantino anunciou em novembro de 2021 o leilão de sete cenas</p><p>inéditas da obra Pulp Fiction como NFTs, além de incluir nos ativos roteiros manuscritos originais da</p><p>obra e comentários de áudio exclusivos do próprio diretor (BRASIL NFT, 2021b).</p><p>O filme 007, Sem Tempo Para Morrer será o primeiro da franquia a ter NFTs colecionáveis.</p><p>O Metro-Goldwyn-Mayer Studios e a EON Productions fecharam uma parceria com a plataforma</p><p>VeVe para lançar os colecionáveis digitais (BRASIL NFT, 2021a).</p><p>Quem viu o filme Matrix lançado em 1999 muito provavelmente se perguntou sobre a pílula que</p><p>tomaria, a azul ou a vermelha. A Warner Bros anunciou em 2021 a comercialização de NFTs para</p><p>promoção do 4º filme da franquia, Matrix Resurrections. Os compradores receberão um avatar base,</p><p>que se parecerá com pessoas comuns em Matrix, e poderão escolher entre tomar a pílula azul ou a</p><p>pílula vermelha, em referência ao filme. A pílula azul</p><p>manterá os avatares presos em seu estado atual</p><p>e ambiente digital, enquanto a pílula vermelha os transformará em lutadores da resistência da Matrix</p><p>(BRASIL NFT, 2021c).</p><p>Como foi possível perceber pelos exemplos anteriores, qualquer conteúdo digital pode ser um NFT:</p><p>um vídeo, um gif, ou até mesmo um Tweet, como no caso de Jack Dorsey, cofundador do Twitter, que</p><p>vendeu seu primeiro Tweet como um NFT por 2,9 milhões de dólares (GRANDCHAMP, 2021).</p><p>170</p><p>Unidade III</p><p>Para Usman W. Chohan, 2021, os NFTs têm conquistado investidores em um período muito curto</p><p>e recente. Ele apresenta uma reflexão sobre o significado que o “valor” e a “escassez” podem ter nesse</p><p>cenário de tecnologia blockchain. O autor chama a atenção para o que parece ter sido criado como uma</p><p>categoria de objetos para os quais as pessoas atribuam valor. Segundo Usman W. Chohan (2021, p. 2):</p><p>Em dezembro de 2020, a venda de NFTs foi estimada em US$ 12 milhões,</p><p>mas explodiu para algo próximo a US$ 340 milhões dois meses depois em</p><p>fevereiro de 2021. Naturalmente, a pessoa está predisposta a pensar em</p><p>grandes peças de arte como objetos exclusivos pelos quais os compradores</p><p>pagam para mantê-los por sua exclusividade.</p><p>Usman atribui o aumento repentino das buscas e compras de NFT à venda da obra Everydays: The</p><p>First 5000 Days de Beeple. Além do valor contabilizado da venda que gerou agitação no mundo da arte</p><p>e no mundo digital, isso levanta possibilidades interessantes de monetização de trabalhos para artistas</p><p>na era digital (CHOHAN, 2021).</p><p>O autor levanta outra questão a respeito dos NFTs, sobre quão valiosos de fato são. Para ele, o</p><p>valor desses ativos tem relação com a disposição dos indivíduos; o critério para um objeto digital</p><p>é o mesmo para objetos colecionáveis e de objetos de arte.</p><p>Surgem duas questões para os NFTs:</p><p>• Eles são realmente tão caros quanto devem ser?</p><p>• Um proprietário realmente “possui” um objeto?</p><p>Usman sugere que a escassez artificial ainda requer um mercado que aceite que os Tokens representam</p><p>a raridade.</p><p>Para Michael Dowling, 2021, é importante levar em consideração que não há estudos anteriores.</p><p>Os NFTs foram a primeira aplicação da tecnologia blockchain a alcançar a proeminência pública. Para</p><p>ele, embora essa tecnologia tenha semelhanças com as criptomoedas, não são iguais. As criptomoedas</p><p>podem ser fungíveis, já os ativos especificados nesse texto, não. Então, mesmo que sejam necessárias as</p><p>criptomoedas para adquirir ativos colecionáveis, ou exclusivos (não fungíveis), essas duas tecnologias</p><p>não são a mesma coisa. Mas, ainda assim, no estudo do autor, é possível compreender que a variação de</p><p>preços de um ativo pode influenciar no outro (DOWLING, 2021).</p><p>Para Rujia Li, Quin Wang, Qi Wang e Shiping Chen, uma forma simplificada de explicar o NFT com</p><p>relação a outros ativos NFT é que este não pode ser trocado de igual para igual.</p><p>Para eles, embora esses ativos tenham um enorme impacto em potencial no atual sistema</p><p>descentralizado, desafios potenciais devem ser enfrentados com cautela (WANG et al., 2021).</p><p>171</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>A reboque dessa novidade, a Vogue Singapore (Singapura) entrou completamente na vanguarda</p><p>do universo da moda, pois produziu duas capas disponíveis em ativos digitais, no mês de setembro,</p><p>entrando de cabeça no mundo NFT.</p><p>A Vogue fez uma parceria com Olivier Rousteing, da Balmain, para uma roupa NFT seletiva da Vogue</p><p>Singapore, um “Flame Dress” (um vestido que se transmuta, e vai performando-se, conforme o tempo</p><p>permite), criado em parceria com a Altava, empresa de jogos e comércio virtual. O próximo passo: criar</p><p>a própria coleção, intitulada de: Novos começos: uma coleção NFT da Vogue Singapore.</p><p>Figura 143 – As duas capas, denominadas de The RanaiXance Rising, foram elaboradas pela casa de</p><p>moda digital The Fabricant, criadas para edição de setembro e fotografadas pela fotógrafa Shavonne</p><p>Wong, que transformou a imagem em 3D, mostrando um avatar andrógino ornamentado numa</p><p>Kebaya majestosa e saltada, inspirada no sudeste asiático e nos deslumbrantes trajes do Império</p><p>Majaphati, que remetem aos anos 1300</p><p>Fonte: Vogue (2021).</p><p>8 A 34º BIENAL DE SÃO PAULO</p><p>8.1 A mais importante exposição de arte da América Latina</p><p>A primeira Bienal Internacional de São Paulo ocorreu em 20 de outubro de 1951. Há 70 anos</p><p>a maior cidade da América Latina recebeu uma das mais significativas bienais de arte do mundo.</p><p>A cidade fica na região Sudeste do Brasil. São Paulo também é o maior polo cultural do país, com</p><p>inúmeros grandes museus, teatros, galerias de arte, espaços culturais, livrarias, restaurantes, feiras</p><p>temáticas e cinemas.</p><p>172</p><p>Unidade III</p><p>O Brasil e a cidade foram formados pelos milhares de estrangeiros que vieram para esta terra</p><p>e colaboraram na construção da nação, marcada pela pluralidade cultural. Diversos hábitos e</p><p>tradições foram assimilados pelas pessoas daqui, criando uma culinária diversa adaptada através</p><p>de interferência de vários países. Pura fruição cultural.</p><p>Uma das maiores riquezas é a música; sons e instrumentos de vários lugares formaram um estilo</p><p>cheio de ritmos, alegria e harmonia. As danças, ricas em gingados e nuances, também compõem</p><p>esse caldeirão cultural, ao lado da arte, ímpar e ao mesmo tempo plural, repleta de formas, cores,</p><p>movimentos amalgamados.</p><p>Muitos estrangeiros vieram para esta pauliceia desvairada – termo cunhado para designar a</p><p>cidade de São Paulo, inspirado na antologia de contos de Mário de Andrade (1987) – contribuindo</p><p>com sua cultura emblemática e típica. Desses grupos, destacaram-se os africanos, portugueses,</p><p>italianos, japoneses, alemães, entre outros.</p><p>Saiba mais</p><p>Paulicéia desvairada, antologia de poemas, chegou em uma atmosfera</p><p>de transição em São Paulo, que ganhava um cenário cada vez mais urbano</p><p>e menos rural. Ademais, naquela época teve início o processo de expansão</p><p>demográfica na cidade com a vinda dos imigrantes de diversos países.</p><p>Leia o livro:</p><p>ANDRADE, M. Poesias completas. Ed. crítica Diléa Zanotto Manfio. Belo</p><p>Horizonte; Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987.</p><p>Provenientes do mundo todo vieram morar em São Paulo. Estima-se que por volta de 3 milhões</p><p>de imigrantes tenham se fixado na cidade, escolhendo essa localidade para morar desde que o</p><p>Brasil se permitiu ao processo imigratório no século XIX. Italianos, portugueses, gregos, espanhóis,</p><p>árabes, japoneses, chineses, alemães, coreanos, judeus, africanos, norte-americanos, e assim por</p><p>diante. Esses são alguns dos grupos organizados nessa cidade pelos estrangeiros de muitos países.</p><p>Desta salada de hábitos e saberes aparecem expressões culturais e artísticas que estruturam parte</p><p>do caldeirão cultural da cidade.</p><p>Há muitas festividades que animam a cidade de São Paulo. Alguns tipos são os encontros</p><p>folclóricos oriundos das comunidades de imigrantes como: Festa do Imigrante, no Museu da</p><p>Imigração; as festas da colônia italiana na Festa de Nossa Senhora de Achiropita, São Vito. Vários</p><p>outros eventos fomentam essa diversão, como a festa africana da Feira Preta, a feira na praça da</p><p>Kantuta, com os bolivianos, e a festa da Páscoa grega.</p><p>173</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Lembrete</p><p>O agrupamento de expressões de cultura e arte forma coleções</p><p>globais e fomenta o pluriculturalismo étnico através da música, dança,</p><p>gastronomia, exposições, debates, prática da língua matriz, artesanatos,</p><p>saberes e convenções. A arte da cidade de São Paulo é um amálgama de</p><p>culturas oriundas de várias regiões do Brasil e do planeta. É significativa</p><p>a reconhecença dessas culturas. A impressão das linguagens e expressões</p><p>artísticas, a intercessão como instrumento da educação e do saber através</p><p>da bagagem cultural e artística dos integrantes engendram a construção do</p><p>arcabouço cultural do município de São Paulo.</p><p>Uma curiosidade: no bairro da Chácara Santo Antônio, na Zona Sul, na cidade de São Paulo, há</p><p>uma grande comunidade de portugueses. É exatamente nessa localidade que ocorre todos os anos</p><p>a Festividade de Santo Antônio</p><p>da Chácara e tem como motivo a literatura de Cordel, manifestação</p><p>popular da cultura nacional cuja bola da vez é falar do próprio Santo.</p><p>A região Sudeste foi a que recebeu a maioria dos imigrantes da Itália, embora tenha sido a</p><p>região Sul a pioneira na imigração italiana. Isso se deve ao crescimento das produções de café em</p><p>São Paulo. Com a abolição da escravatura e o sucesso da colonização italiana no Sul, o Governo</p><p>de São Paulo começou a estimular a vinda dos imigrantes italianos para as regiões de cafezais.</p><p>Começou em 1880 o incentivo à imigração dos italianos.</p><p>Com o encolhimento do plantio de café, os italianos migraram para os centros urbanos nos</p><p>quais depararam com ofertas de trabalhos nas indústrias paulistanas. Mooca e Bixiga eram os</p><p>destinos desses estrangeiros, tratava-se de bairros bem urbanizados. A Festa de Nossa Senhora da</p><p>Achiropita, a festa italiana mais animada da cidade, localiza-se precisamente no Bixiga.</p><p>A festa acontece anualmente em agosto, durante os finais de semana. Festejada desde 1926</p><p>pelos estrangeiros italianos naturais da Calábria, é hoje um dos eventos mais badalados da cidade de</p><p>São Paulo. Segundo os organizadores, são utilizadas cerca de 5 toneladas de mozarela, 11 toneladas</p><p>de macarrão e 10 mil litros de vinho, com um público previsto em 200 mil pessoas fracionadas em</p><p>cinco finais de semana. Entre as preciosidades está a fabricação de fogaccias, que chegam a 10 mil</p><p>por noite, e a procissão em louvor a Nossa Senhora que circula no entorno, onde é preparado o</p><p>tradicional tapete artístico de serragem na Rua São Vicente.</p><p>São confeccionados pratos típicos italianos, servidos em 30 barracas espalhadas pelas ruas 13 de Maio,</p><p>Dr. Luiz Barreto e São Vicente. Na Cantina Madona Achiropita colocam-se mesas onde poderão</p><p>ser curtidos saborosos pratos quentes e frios. Há também sorteio de brindes, shows ao vivo com</p><p>música e dança típica italiana. A festa é dividida em três espaços: externo, interno e religioso.</p><p>No lado de fora ficam as barracas que servem pratos típicos como: fricazzas, fogazzas, peperoni,</p><p>polentas e melanzanas ao forno, pizzas, macarrão, bebidas e diversos tipos de doces. No espaço</p><p>174</p><p>Unidade III</p><p>interno, onde ficam as cantinas, há músicas italianas, cantores populares italianos, líricos e bandas</p><p>italianas. No setor religioso, há bênçãos de hora em hora no decorrer da festa, visitação e orações</p><p>à Nossa Senhora Achiropita.</p><p>Os afrodescendentes e as festas da comunidade africana</p><p>Os grupos africanos no Brasil iniciaram-se como resistência. Organizaram centros de convivência</p><p>iniciados por escravos oriundos de várias regiões da África que puderam escapar de seus algozes.</p><p>Desse modo, conseguimos definir os quilombos que viveram no Brasil e em muitas outras partes</p><p>do continente americano no qual houve o abuso do trabalho de escravos originários da África.</p><p>A chegada dos africanos em São Paulo associa-se especialmente ao ciclo do ouro e ao movimento</p><p>das bandeiras, fatos que absorveram grande parte da mão de obra cativa.</p><p>Novamente o Bixiga aparece em cena: as maiores comunidades africanas localizavam-se no</p><p>bairro e na Barra Funda, onde se formaram as Escolas de Samba Camisa Verde e Branco e da Vai-Vai</p><p>(TODA, 2015).</p><p>No presente, um dos mais importantes eventos da comunidade afrodescendente acontece na</p><p>Feira Preta. Desde 2002 acontecia na famosa Praça Benedito Calixto, localizada em Pinheiros, o</p><p>Brechó da Troca. Esse evento, mais tarde, tornou-se Feira Preta, transformando-se no principal</p><p>acontecimento da América Latina de empreendedorismo negro.</p><p>No evento conseguimos perceber uma feira que reúne afrodescendentes que estilizam seus</p><p>cabelos, apresentam seus estilos, suas roupas, suas tradições e costumes culturais, gastronomia,</p><p>ritmos e grandes ideias. O evento, que surgiu para agregar o empreendedorismo étnico e ratificar a</p><p>cultura negra no Brasil, está em sua 20ª edição e se assentou como Feira Cultural Preta. Conta com</p><p>palestras, videomapping, workshops e a tradicional feira de empreendedorismo, shows musicais,</p><p>mostra de artes plásticas, cinema, literatura, moda, gastronomia, economia, educação e afeto.</p><p>A feira é uma excelente ocasião para o público contemplar a riqueza cultural negra, a história dos</p><p>afrodescendentes e a resistência da comunidade.</p><p>A 20ª edição ocorreu entre os dias 10 e 20 de novembro de 2021. O “Existe um futuro preto</p><p>e ele não se constrói sozinho” acentuou a ideia de coletivo. A programação do evento dessa vez</p><p>foi remota, todas as atividades aconteceram de forma on-line, a feira foi toda transmitida pelo</p><p>Facebook e pelo Instagram. A parceria expandiu o alcance da Feira Preta nas redes sociais com uma</p><p>agenda repleta de atividades antes e durante o evento, abrindo espaço para criadores de conteúdo,</p><p>influenciadores e grupos no Facebook.</p><p>A programação dividiu-se nas atividades nomeadas de: Todes, para o público LGBTQIA+;</p><p>Preta sonora; Preta se cuida, saúde e bem-estar; Preta na moda; Preta gourmet; Preta erê – infantil; Preta</p><p>degusta week; experiências da Preta; Afrolab SPerifas; Celebrando o corre – empreendedorismo;</p><p>apresentação do filme Celebrando o corre; Pretatalk e muito mais. Durante os dias de evento</p><p>100% on-line, a feira abrigou uma programação extensa de temas variados, objetivando provocar</p><p>reflexão e interação com o público. Foi possível contar a história dos povos africanos que vieram</p><p>175</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>para o Brasil, através de várias atividades. Os shows foram bem variados, contando com os</p><p>principais nomes da música negra. A feira também teve um Market Place e o chamado Preta Hub,</p><p>um hub, ou seja, uma concentração de criatividade, inventividade e tendências pretas. É o resultado</p><p>de 18 anos de atividades do Instituto Feira Preta no trabalho de mapeamento, capacitação técnica e</p><p>criativa, aceleradora e incubadora do empreendedorismo negro no Brasil. É a compreensão de que muito</p><p>já foi feito, mas que o futuro é promissor, vasto e precisa ser olhado a partir da inventividade preta para</p><p>fazer negócio. Inventividade que não é apenas potente, mas o que de mais criativo e inovador existe nas</p><p>práticas de um mercado saturado da falta de representação e proporcionalidade em seus modos de criar,</p><p>desenvolver e escoar produtos e serviços.</p><p>É essa cidade, com um rico arcabouço cultural, movimentos artísticos, tradições e costumes,</p><p>vindos de todos os lados do mundo pelos imigrantes, que abriga uma das mais significativas</p><p>exposições do planeta.</p><p>Reputada como a maior exposição de Arte Moderna e Contemporânea da América Latina, a</p><p>Bienal de São Paulo faz parte do distinto grupo de expositores de arte e do circuito das mais</p><p>importantes bienais do mundo.</p><p>O tema da 34ª Bienal de São Paulo, “Faz escuro mas eu canto”, explora um dilema contemporâneo,</p><p>um mundo pandêmico, no qual o planeta todo foi atingido. Algumas autoridades conseguiram</p><p>conduzir, com êxito, a preservação de vidas, já outras foram omissas diante da tragédia anunciada,</p><p>sonegando políticas públicas imediatas no combate da pandemia, resultando em muitas mortes</p><p>e sofrimentos.</p><p>A 34ª Bienal de São Paulo tem algumas curiosidades: a Bienal fez 70 anos em 2021, a data</p><p>correta para ocorrer o evento era em 2020, mas como houve a pandemia pela covid-19 nesse ano,</p><p>os curadores pensaram, então, num formato expositivo mais tímido, pelas questões sanitárias, mas</p><p>que teria continuidade em 2021. Essa versão foi chamada de Tempo, com bem poucas obras pelo</p><p>espaço do Pavilhão da Bienal.</p><p>A versão atual, “Faz escuro eu canto”, teve 1.100 trabalhos de 91 artistas, de todos os continentes.</p><p>Além das obras de artes, a Bienal exibiu ainda 14 enunciados, instalações que narram histórias</p><p>com a colaboração de objetos diversos. As exposições ficaram descentralizadas, com apoio de</p><p>25 diferentes instituições culturais, abrindo múltiplas possibilidades de leituras das obras e artistas</p><p>selecionados. Outros aspectos relevantes da edição foram: uma maior abertura para a entrada de</p><p>trabalhos de caráter histórico, uma verticalidade clara</p><p>entre os gêneros e um interesse em propiciar</p><p>encontros, conversas entre diferentes obras e poéticas.</p><p>Para corroborar nosso compromisso com a Arte Moderna, a Arte Contemporânea e com as</p><p>principais obras de arte construídas na atualidade, falaremos sobre a exposição da 34ª Bienal de</p><p>São Paulo. Além da experiência da percepção de olhar e sentir as obras originais, amarramos nosso</p><p>estudo buscando referências no catálogo oficial da exposição da Bienal para entender cada obra,</p><p>o pensamento do artista e suas propostas de mensagem e comunicação nas artes produzidas</p><p>hoje em dia.</p><p>176</p><p>Unidade III</p><p>Observação</p><p>Se olharmos a definição de bienal no dicionário, teremos uma visão</p><p>entediante cujo conceito também é enfadonho. Toda exposição que ocorra</p><p>a cada dois anos condiz a ela. Contudo, a Bienal propõe-se a atingir uma</p><p>finalidade digna: aferir os desdobramentos dos últimos 24 meses no vasto</p><p>campo da Arte Contemporânea internacional e condensá-los em uma</p><p>exposição única.</p><p>Nos últimos 20 anos, as bienais se reverteram à superexposição por</p><p>excelência, à forma definitiva de exposição em grande proporção em</p><p>tempos de globalização. Nenhum outro formato de exposição foi observado,</p><p>criticado e refutado mais do que a Bienal (HOFFMANN, 2017).</p><p>8.2 A 34ª Bienal de Arte de São Paulo – tema</p><p>Madrugada camponesa,</p><p>faz escuro ainda no chão,</p><p>mas é preciso plantar.</p><p>A noite já foi mais noite,</p><p>a manhã já vai chegar.</p><p>Não vale mais a canção</p><p>feita de medo e arremedo</p><p>para enganar solidão.</p><p>Agora vale a verdade</p><p>cantada simples e sempre,</p><p>agora vale a alegria</p><p>que se constrói dia a dia</p><p>feita de canto e de pão […]</p><p>Trecho do poema de Thiago de Mello, “Madrugada Camponesa” (apud OSE, 2021, p. 9).</p><p>O verso do poema “Madrugada Camponesa” de Thiago de Mello, poeta amazonense, publicado em</p><p>1965, foi inspiração ao título da 34ª Bienal, “Faz escuro mas eu canto”.</p><p>Foi escrito entre os anos de 1962, no estado do Amazonas, e 1963, em Santiago, no Chile. Os últimos</p><p>dois versos desse poema são: “Faz escuro mas eu canto/porque a manhã vai chegar”. São versos de</p><p>esperança encaminhados aos que transpassavam a noite do campo e necessitavam plantar verdade,</p><p>alegria e amor para um futuro urgente. Era um período com algumas promessas de transformação,</p><p>embebidas por projetos progressistas e algum desejo de expansão dos direitos mais básicos, como a</p><p>educação, época de profunda utopia.</p><p>177</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Quando o poema foi publicado em livro em 1965, todavia, o cenário era muito distinto. O Brasil</p><p>havia sido metamorfoseado por um golpe militar, avalizado por parte da sociedade civil, e uma ditadura</p><p>se fortalecia. Poucos sinais de alguma manhã. O livro de poemas de Thiago de Mello foi denominado,</p><p>meramente, Faz escuro mas eu canto. Dessa ocasião, mais insistência do que comemoração.</p><p>Com Thiago de Mello, é de se idealizar que se cantará sobre os tempos nebulosos, mas não apenas</p><p>sobre eles. Isso é significativo. Particularmente aqueles que se encontram mais atacados, sob a mira de</p><p>esquemas que desejam seu extermínio, sabem bem que nessa circunstância todo canto é por si mesmo</p><p>um poder de vida e, como tal, instiga o desejo de morte.</p><p>8.3 A 34ª Bienal de Arte de São Paulo – Curadoria</p><p>A 34ª Bienal de Arte de São Paulo foi idealizada por uma equipe curatorial formada por cinco integrantes:</p><p>Paulo Miyada, curador-adjunto, Carla Zaccagnini, curadora convidada, Jacopo Crivelli Visconti,</p><p>curador-geral, Ruth Estévez, curadora convidada, e Francesco Stocchi, curador convidado. Durante o</p><p>ano de 2020, após o anúncio da pandemia de coronavírus (covid-19), os cinco curadores trocaram</p><p>cartas sobre o tema. Para o tema, primeiro foi pensado em um nome de pessoa, Luzia, em homenagem</p><p>à mais primitiva habitante reconhecida no Brasil (primeira ossada arqueológica encontrada na História),</p><p>posteriormente foi escolhido o verso do poema de Thiago de Mello, “Faz escuro mas eu canto”, por</p><p>melhor corresponder ao momento obscuro que vivemos, com pandemia e questões políticas. Como já</p><p>vimos, o verso diz respeito à luta em um momento de escuridão e ao murmurinho de esperança. A ideia</p><p>do texto é transposta da década de 1960 para os dias de hoje, questionando qual seria o “escuro” e o</p><p>“canto” do momento.</p><p>Observação</p><p>Os curadores eram os guardiões intelectuais dos museus, do século XVIII</p><p>até o século XX. Na atualidade, contudo, essa designação mudou drasticamente.</p><p>Desse modo, como os artistas, os curadores têm cada vez mais de brigar</p><p>contra a dispersão e a falta de definição do seu próprio campo. Nos últimos</p><p>10 anos, o termo curar tem sido cada vez mais utilizado para especificar algo</p><p>que abarque a seleção e a ordenação de objetos ou meios de comunicação,</p><p>a começar pela escolha da lista de música da festa até a acomodação</p><p>engenhosa dos móveis, e essas novas apropriações banalizadas apontariam</p><p>que a sua função seria menos criteriosa e mais generalizada do que ela já</p><p>foi em tempos anteriores.</p><p>O curador ainda é incumbido por oferecer o contexto. Em vez de colocar</p><p>os objetos em uma narrativa singular, sequencial e cronológica, a ordem</p><p>atual é fazer com que as coisas conversem entre si, colocando-as com uma</p><p>série distinta de histórias, ficções e micro-histórias (HOFFMANN, 2017).</p><p>Ao longo do ano de 2020, através de cartas como a que segue, o corpo curatorial da 34ª Bienal de</p><p>São Paulo torna públicas reflexões sobre a construção da mostra. Esta sexta carta foi escrita por Paulo</p><p>Miyada (curador-adjunto) (OSE, 2021, p. 33-36):</p><p>178</p><p>Unidade III</p><p>Um ensaio. Tentativa de estar junto de uma certa ideia sem isolá-la, mas, antes,</p><p>caminhando a seu lado enquanto ela se entretece com fluxos de pensamentos, acontecimentos</p><p>e reminiscências.</p><p>Isto é um ensaio sobre o ensaio. Uma associação de reflexões sobre o exercício processual</p><p>de chegar mais perto de alguma coisa pela tentativa e pelo erro. Uma forma aberta que</p><p>debate a abertura dos aprendizados.</p><p>O artista carioca Hélio Oiticica viveu no exterior durante os anos documentados como os</p><p>mais violentos do regime militar, aqueles que sucederam o Ato Institucional No. 5 (AI-5) de</p><p>dezembro de 1968. De volta ao Brasil, em 1978, testemunhou a incompletude da distensão</p><p>“lenta, gradual e segura” da ditadura prometida pelo general Ernesto Geisel: apesar da</p><p>diminuição dos ataques aos políticos, ativistas, jornalistas, estudantes, sindicalistas, artistas,</p><p>advogados e professores, a violência institucionalizada pelo regime havia agravado uma</p><p>ferida muito mais antiga, mais abrangente e mais profunda – a do genocídio premeditado</p><p>da população negra, pobre e marginal – e isso estava longe de acabar.</p><p>Isto é um ensaio sobre o ensaio que foi escrito na América Latina, onde forças políticas</p><p>e projetos de poder recorrentemente proclamam novas eras de progresso e civilização, que</p><p>nascem prematuras e destinadas ao abandono. Onde o ensaio especulativo é a forma por</p><p>excelência do crescimento urbano e infraestrutural, em detrimento do planejamento e da</p><p>construção coletiva das ideias de cidade e de território.</p><p>Em francês, essayer é “tentar”, mas também pode ser “fazer um ensaio”. Em inglês, essay</p><p>não tem a mesma raiz de rehearsal. Em macuxi, esenupan é “ensaiar” e “treinar”, mas é</p><p>também “ensinar” e “aprender”. Em japonês, 復習える (saraeru) equivale a “ensaiar” e traz</p><p>a combinação de ideogramas que remetem às ideias de repetição e aprendizado.</p><p>Na América Latina, muitas vezes sobra 復 (repetição) e falta 習 (aprendizado). O ensaio</p><p>do desenvolvimento se repete e não aprendemos suas lições. Eternamente emergentes, nações</p><p>se lançam eufóricas a novas construções e as abandonam, semiprontas ou já-ruínas, para</p><p>retornar a seu lugar comum de fornecedoras de commodities. As Olimpíadas, as hidrelétricas,</p><p>as barragens, as catequizações. O cobre, o nióbio, o pau-brasil. Ou então: a república, a</p><p>democracia, a integração racial, logo antes e logo depois da dependência econômica, da</p><p>ditadura, da escravidão. A educação e a censura em uma fita de moebius.</p><p>Em uma entrevista feita após seu retorno ao Rio de Janeiro,</p><p>Oiticica falou sobre a</p><p>tristeza de perceber que não poderia encontrar mais muitos dos amigos que havia feito</p><p>em meados da década de 1960 no samba e nas favelas do Rio: “Sabe o que eu descobri?</p><p>Que há um programa de genocídio, porque a maioria das pessoas que eu conhecia na</p><p>Mangueira ou tão presas ou foram assassinadas”. Em 1965, Hélio acompanhara de perto a</p><p>179</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>ascensão de uma das primeiras milícias cariocas, o Esquadrão da Morte “Scuderie Detetive</p><p>Le Cocq”, cujo líder inspirador foi um detetive de polícia morto em confronto com o</p><p>bandido Cara de Cavalo, amigo de Oiticica que foi tratado como inimigo número 1 do país</p><p>e executado de forma brutal. Uma década depois, ele percebeu quão amplo era o saldo</p><p>da escalada da violência estatal e paraestatal e foi uma das primeiras vozes a desafinar o</p><p>tom da “redemocratização”, apontando para a persistência do ataque massivo à população</p><p>periférica, majoritariamente negra.</p><p>Aqui, quando há monumentos, são sobretudo aqueles que descaradamente reescrevem</p><p>a história em versão gloriosa. Há poucos museus da violência e do conflito. Quase nenhum</p><p>aprendizado.</p><p>Seria melhor abandonar esses monumentos e multiplicar o ensaio como verbo que apalpa</p><p>e respira. Ensaiar aproximações e distâncias, justaposições e encadeamentos provisórios</p><p>para deixar mais ou menos evidentes certos conjuntos de relações.</p><p>Em 1979, abalado pela execução de mais um amigo, Oiticica concebeu um “parangolé-área”</p><p>chamado A ronda da morte. No formato de uma tenda de circo negra, teria luzes</p><p>estroboscópicas e música tocando em seu interior, convidativas, para que as pessoas</p><p>pudessem entrar e dançar. Enquanto a festividade se desenrolasse no seu interior, o</p><p>perímetro da tenda seria cercado por homens a cavalo, que dariam voltas em torno dessa</p><p>área emulando uma ronda. A música no interior embalaria o risco iminente que estaria</p><p>do lado de fora, alusão direta ao estado de vigilância e violência que persistia apesar da</p><p>aparente normalização do cotidiano.</p><p>Enquanto viajavam as primeiras notícias sobre a epidemia do novo coronavírus em</p><p>Wuhan, as chuvas de verão trouxeram a diversas capitais brasileiras um ciclo de repetições</p><p>e retornos do que antes fora recoberto. Se tantas cidades foram construídas pela ganância,</p><p>cravando vias expressas sobre os leitos encanados de seus principais rios, bastaram algumas</p><p>tempestades mais inclementes para que as águas se indisciplinassem, recompondo os rios</p><p>por sobre as ruas submersas. Alguns meses se passaram e aquela epidemia cujas notícias</p><p>vinham de longe se transformou em pandemia global, outra forma de catástrofe que coloca</p><p>em dúvida a sustentabilidade do modo como ocupamos e consumimos o planeta.</p><p>Em 2019, imaginamos que poderia ser a hora de retirar do papel a proposta da A ronda</p><p>da morte, pois o programa de genocídio de que falava Oiticica infelizmente segue presente na</p><p>realidade do país, patente por exemplo nas aplicações assimétricas da lei que se refletem</p><p>na racialização do sistema penal brasileiro. Persistem também os esquadrões da morte e</p><p>as milícias, atuando não apenas de forma local, mas vinculados a figuras de poder de alto</p><p>escalão. Ainda que a estratificação social e racial do país blinde certos setores da sociedade</p><p>para seguir dançando como se tudo estivesse bem, basta sair um pouco dos bairros elitizados</p><p>das grandes capitais para perceber que a morte nunca deixou de estar à espreita.</p><p>180</p><p>Unidade III</p><p>Planejamos, por isso, que a última performance a anteceder a abertura da mostra principal</p><p>da 34ª Bienal seria a A ronda da morte. Não se tratava de um processo simples, pois as</p><p>instruções de Oiticica são bastante abrangentes, deixando muita margem para interpretação</p><p>e muitos desafios de tradução para o tempo presente. Agora a situação agravou-se pela</p><p>pandemia, que desafia qualquer planejamento e desfavorece, especialmente, grandes</p><p>aglomerações – como a que Oiticica almejava.</p><p>O mais provável é que, mais uma vez, a A ronda da morte siga como uma ideia não</p><p>realizada; mas os motivos dessa suspensão possibilitam uma reconsideração sobre a</p><p>presença da morte. Por um lado, a covid-19 rompeu todas as bolhas protetoras que deixavam</p><p>parcelas da população se iludirem sobre a segurança de suas câmeras de vigilância, sistemas</p><p>de alarme e vidros blindados – o vírus pouco se importa com as salvaguardas oferecidas</p><p>por esses dispositivos. Por outro, a conduta de alguns políticos e empresários materializa</p><p>de forma brutal o projeto genocida de construção deste país, alimentando a angústia e a</p><p>revolta frente aos efeitos multiplicados que a pandemia pode ter em periferias, comunidades</p><p>e presídios. A morte se universaliza como ameaça comum, ao mesmo tempo que se agrava</p><p>como realidade desigual. Talvez A ronda da morte não precise acontecer no Pavilhão da</p><p>Bienal, porque ela está em todo lugar. Só não há música e nem o estampido das patas de</p><p>cavalos. O silêncio da cidade amordaçada é interrompido apenas pelas sirenes, panelaços e</p><p>pelos cantos que cruzam as vizinhanças.</p><p>Outra lembrança: o músico baiano Dorival Caymmi gostava de repetir palavras muito</p><p>simples em suas canções. Bonito, bonito; palmeira, palmeira; areia, areia; saudade, saudade.</p><p>Seu canto contido trazia apenas o suficiente para deixar transpirar a diferença sutil que</p><p>cada signo trazia, inevitavelmente, a cada repetição. Uma diferença da mesma ordem de</p><p>grandeza da diferença entre as ondas que quebram na beira do mar.</p><p>Para além da lição de forma, Caymmi transformava em canto uma proposta</p><p>alternativa de relação com o território, na qual os humanos é que deviam aprender a</p><p>amoldar-se à temporalidade cíclica da natureza, em vez de impor a ela sua temporalidade</p><p>cumulativa e linear.</p><p>O texto anterior do curador-adjunto, Paulo Miyada, que descreve a atmosfera do processo curatorial,</p><p>é um ensaio sobre o modo de pensar expositivamente, enquanto os cinco curadores trocavam cartas</p><p>(em um total de 20 cartas) até chegar a um denominador comum em relação à concepção da Bienal,</p><p>que, conforme já afirmamos, foi atravessada por um tsunami chamado coronavírus (covid-19) e um país</p><p>devastado socialmente por falta de políticas públicas e ações sanitárias precisas. Realmente Thiago de</p><p>Mello tem razão, “Faz escuro mas eu canto/porque a manhã vai chegar”.</p><p>181</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Observação</p><p>Segundo a pesquisadora Maria Cristina de Oliveira Bruno (2015), a</p><p>definição de curadoria recebeu propriedades atualizadas que trouxeram</p><p>para este cenário a supervalorização das atividades expositivas das coleções</p><p>e dos acervos, a possibilidade de conexão com os próprios autores das</p><p>obras e um protagonismo sem preliminares que se mistura com o mercado</p><p>de artes, com os meios de comunicação e com a projeção social.</p><p>8.4 A 34ª Bienal de Arte de São Paulo – Artistas e obras</p><p>A partir deste momento faremos um tour pela 34ª Bienal de Arte de São Paulo. É preciso</p><p>bastante disposição para andar pelos pavilhões; pensar antes num roteiro é uma ótima ideia.</p><p>Outra dica: adquirir o catálogo da exposição. Existe uma curadoria também nesses conteúdos,</p><p>nuances que muitas vezes não percebemos a grosso modo, geralmente eles são esteticamente</p><p>deslumbrantes, vale a pena a aquisição, além de representar um momento muito especial, pois</p><p>cada evento artístico traz uma história, um sentido, uma construção muito bem pensada, que</p><p>muitas vezes nos arrebata.</p><p>Lembrete</p><p>A versão atual, “Faz escuro mas eu canto”, tem a participação de 91 artistas</p><p>e 1.100 trabalhos de todos os continentes. Além das obras de artes, a</p><p>Bienal exibe ainda 14 enunciados, pontos de entrada tênues para alguns</p><p>arcabouços curatoriais e narrativas que o público encontrará no espaço</p><p>expositivo. Carregados de histórias marcantes e complexas, pontuam a</p><p>34ª Bienal para fazer ressoar, com maior intensidade, algumas das questões</p><p>que as obras ao redor provocam.</p><p>Também apreciaremos instalações (uma demonstração artística contemporânea construída por</p><p>elementos organizados em um ambiente expositivo que pode ter um</p><p>caráter fugaz ou pode ser desmontada</p><p>e reformulada em outro espaço) que narram histórias com a colaboração de objetos diversos. As exposições</p><p>estão descentralizadas, com apoio de 25 diferentes instituições culturais, abrindo múltiplas possibilidades de</p><p>leituras das obras e artistas selecionados, outro dado inédito da Bienal, pois a preocupação da organização era</p><p>a integração da cidade com o evento, contribuindo com uma nova circulação pela cidade. Os cinco principais</p><p>curadores comentam que nos espaços culturais parceiros, a curadoria é realizada pela própria instituição,</p><p>agregando recortes de linguagens curatoriais diversos.</p><p>A seguir, veremos alguns artistas que participaram da 34ª Bienal de São Paulo.</p><p>182</p><p>Unidade III</p><p>Paulo Nazareth</p><p>Logo na entrada uma obra chama a atenção, obra de Paulo Nazareth, que se define como homem</p><p>velho, nascido em Borun Nak, Vale do Rio Doce, MG. Sua obra é intitulada: Levante/Amolador de</p><p>Facas, 2021.</p><p>Trata-se de uma performance, instalação. Em Levante/Amolador de Facas, Paulo Nazareth apresenta</p><p>uma pilha de peças de ferro-velho que aos poucos se transforma em uma pilha de metais cortantes pela</p><p>ação de uma pessoa contratada, que eficientemente os amola, trabalhando em uma mesa com pedra</p><p>rebolo, pedaços de tecidos e outras peças próprias para ao ofício. À medida que uma pilha diminui, a</p><p>outra aumenta, transformando as peculiaridades dos fragmentos ali exibidos, ainda que sua matéria se</p><p>mantenha originariamente igual. Ao mesmo tempo que evoca a figura dos amoladores ambulantes de</p><p>facas, a instalação remete à manufatura de armas confeccionadas dentro do sistema prisional.</p><p>Figura 144 – Performance e instalação de Paulo Nazareth, em Levante/Amolador de Facas, que</p><p>apresenta uma pilha de peças de ferro-velho e aos poucos se transforma em uma pilha de metais</p><p>cortantes. Fotografia de Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo</p><p>Tamara Henderson</p><p>Outra parada que vale a pena é apreciar a artista Tamara Henderson, nascida no Canadá, em 1982,</p><p>com a colaboração de Nell Pearson, em The Canberran Characteres (Os personagens de Canberra),</p><p>2020-2021, série de 13 esculturas, diversos materiais, em tamanhos variáveis.</p><p>Embora a figura humana não seja de modo direto representada na maioria de suas obras, a obra de</p><p>Tamara Henderson oferta uma possibilidade de interligá-las com o corpo, ou melhor, com a própria ideia</p><p>do que um corpo é, deve ser ou pode ser. Os objetos representam as imagens humanas e, ao longo de</p><p>caminhos narrativas, dos sonhos ou reflexivas, surgem personagens.</p><p>183</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Dessa forma, Henderson constrói cenas animistas, psicodélicas, revendo uma grandiosa nuance de</p><p>técnicas influenciadas pelos primeiros anos do cinema ou da vanguarda do teatro e da performance</p><p>e, assim, questionando-se sobre diferentes modos de consciência e sobre cursos de energia entre o</p><p>inconsciente e o consciente.</p><p>Figura 145 – Obra da artista Tamara Henderson, nascida no Canadá, em 1982, com a colaboração</p><p>de Nell Pearson, em The Canberran Characteres (Os personagens de Canberra) (2020-2021), série de</p><p>13 esculturas, diversos materiais e tamanhos variáveis. Fotografia: Breton McGeachie</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 401).</p><p>Carmela Gross</p><p>Uma conceituada artista é a Carmela Gross, nascida em São Paulo, em 1945. A obra Boca do Inferno,</p><p>2020, é uma série com 150 monotipias sobre seda e papel.</p><p>Após gerar uma coleção de imagens de vulcões, Carmela Gross as editou digitalmente até formar</p><p>um grupo de signos de alto contraste e contornos irrefutáveis. Refez em seguida essas imagens,</p><p>demonstrando centenas de pequenos desenhos a lápis e nanquim sobre papel. Ingressou então em um</p><p>ateliê de gravura, no qual processou com a tinta aplicada diretamente sobre chapas metálicas, gerando</p><p>massas escuras que seriam em seguida prensadas sobre papel ou seda, em um método que envolve</p><p>precisa dose de casualidade.</p><p>184</p><p>Unidade III</p><p>Assim, pela aglomeração de diferentes formações de síntese e transferência, a artista estruturou</p><p>um grande painel de manchas amotinadas, que em suas repetições e desigualdades metabolizam a</p><p>sua revolta ante a conjuntura brasileira contemporânea. É por essa forma de desabafo e desaforo</p><p>que a artista apresenta seu trabalho com a denominação recebida no século XVII pelo baiano poeta</p><p>Gregório de Matos.</p><p>Figura 146 – A obra Boca do Inferno (2020) é uma série com 150 monotipias sobre seda e papel.</p><p>Fotografia: Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo</p><p>Observação</p><p>Monotipia é uma técnica de impressão bem simples. Consegue-se com</p><p>esta técnica a reprodução de um desenho ou mancha de cor em uma prova</p><p>única, por isso a denominação monotipia.</p><p>Gustavo Caboco</p><p>Ainda percorrendo os pavilhões da Bienal, é possível encontrar nesta versão muitas produções</p><p>indígenas, que reforçam a intensidade do povo originário do Brasil.</p><p>Um nome em destaque é de Gustavo Caboco (nascido em Curitiba, em 1989) que participa com a</p><p>instalação e animação, denominada Kanau’ kyba, 2020 (Caminho das Pedras), desenvolvida por ele em</p><p>companhia de sua mãe, Lucilene Wapichana, e de seus primos Roseane Cadete, Emanuel Wapichana</p><p>e Wanderson Wapixana, é originada de um ateliê em movimento e seus encontros com desiguais</p><p>185</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>paisagens que ligam as pedras do céu às pedras da terra ancestral. A obra multifacetada e processual de</p><p>Gustavo Caboco se elabora nos caminhos de volta à terra, na estruturação das raízes com a terra e seus</p><p>familiares, ressoando as vozes do povo Wapichana e dos entes a quem sabem oferecer escuta, como as</p><p>pedras, plantas, as serras, os rios e os céus.</p><p>É dessa maneira que o artista sutura o pessoal ao político e a produção da memória às</p><p>probabilidades do amanhã.</p><p>Figura 147 – Obra de Gustavo Caboco, Kanau’ kyba (Caminhos das Pedras) (2020), desenvolvida por ele</p><p>em companhia de sua mãe e primos</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 354).</p><p>186</p><p>Unidade III</p><p>Mauro Restiffe</p><p>As fotografias também estão integradas no conjunto expositivo da Bienal. O trabalho de Mauro</p><p>Restiffe (nascido em São José do Rio Pardo, SP) é uma instalação com políptico de 40 fotografias,</p><p>abordando três séries: Empossamento, 2003, Empossamento revisitado, 2003, Inominável, 2019.</p><p>Ele aproxima dois períodos contundentes da história recente do país. Fotografias feitas em Brasília</p><p>em 2003, no dia da primeira posse de Luiz Inácio Lula da Silva, são justapostas às que o fotógrafo fez,</p><p>precisamente 16 anos mais tarde, no dia da posse de Jair Bolsonaro. As diferenças e as igualdades entre</p><p>as duas séries são ao mesmo tempo destacadas e condensadas por essa proximidade. Na esfera de uma</p><p>mostra que se debruça sobre o modo como as acepções de uma obra de arte se justapõem e se matizam</p><p>no decorrer do tempo, esse trabalho insere também um questionamento sobre a própria história da</p><p>Bienal e das obras expostas, ressaltando que a série Empossamento foi mostrada nesse mesmo pavilhão</p><p>na 27ª Bienal, em 2006.</p><p>Figura 148 – Mauro Restiffe apresenta instalação com políptico de 40 fotografias, abordando</p><p>três séries: Empossamento (2003), Empossamento revisitado (2003), Inominável (2019)</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 379).</p><p>Hélio Oiticica</p><p>Um artista muito respeitado no universo das artes é Hélio Oiticica, nascido no Rio de Janeiro.</p><p>Artista moldado em ambiente de experimentalidade, na década de 1950, sempre procurou transpassar</p><p>as fronteiras das linguagens convencionais para mergulhar na vivência da arte como fragmento</p><p>187</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>constituinte da vida coletiva. Ele morou em Nova York no período dos anos registrados como os mais</p><p>bárbaros do regime militar, infligidos pelo Ato Institucional Nº 5 (AI-5) de dezembro de 1968 (OSE, 2021).</p><p>Lembrete</p><p>Em 1978, de volta ao Brasil, viu a inconclusão e as distinções do</p><p>estiramento vagaroso, paulatino e preservado da ditadura, proposto pelo</p><p>presidente, o general Ernesto Geisel. Após seu retorno em uma entrevista</p><p>concedida, o artista comentou sobre a amargura em perceber que já</p><p>não conseguiria esbarrar alguns dos seus amigos que fizera em torno da</p><p>década de 1960, no samba, nos morros do Rio, designando esses vazios ao</p><p>extermínio consecutivo de uma parte da população pelas mãos do Estado,</p><p>ele tinha descoberto que havia um programa de carnificina, pois que a</p><p>maioria das pessoas com quem ele convivia, na Mangueira, ou estavam</p><p>presas, ou foram executadas.</p><p>No ano seguinte ao de seu retorno ao Brasil, tocado pelo abrupto extermínio de mais um de</p><p>seus amigos, Oiticica escreveu uma carta para a fotógrafa Martine Barrat, em que comentava um</p><p>Parangolé-área chamado A ronda da morte. Ele tinha o formato de uma tenda de circo negra, com</p><p>luzes estroboscópicas e som tocando em seu interior, uma atmosfera empolgante para que as pessoas</p><p>pudessem interagir e dançar.</p><p>À medida que a festa acontecia dentro da tenda, o espaço do entorno estava rodeado por homens</p><p>a cavalo, que davam voltas pela vizinhança dessa área simulando uma ronda. A música no interior</p><p>animaria o risco iminente do lado de fora, insinuação direta ao estado de sentinela e crueldade que</p><p>prosseguia apesar de uma tranquila continuidade do dia a dia.</p><p>Atualmente, em que fatos como os que mexeram com Oiticica ainda se reproduzem com muita</p><p>frequência no país e no mundo, o artista pensou em reproduzir A ronda da morte como parte da</p><p>programação da Bienal, mas a pandemia de covid-19 atrapalhou essa realização, apesar de não ter</p><p>diminuído sua significância.</p><p>A ronda da morte, assim como a improbabilidade de executá-la, segue sintetizando a perversidade</p><p>da simulação de normalidade ao passo que acontecem genocídios e direcionando para a forma como</p><p>escoamentos e processos históricos não se acabam dentro dos períodos que se apontoam nos livros.</p><p>Da mesma maneira, trabalhos que já haviam sido mostrados em Bienais antigas são apresentados</p><p>novamente, pois a atual conjuntura motiva a possibilidade de rever a sua essência primária, ou mesmo</p><p>de repensá-los. O presente vive no passado, permeando provocações e estimulando enfrentamentos</p><p>que serão essenciais para a estruturação do amanhã (OSE, 2021).</p><p>188</p><p>Unidade III</p><p>Figura 149 – Esboço para o projeto do Parangolé-área: a ronda da morte (maio 1979), de Hélio Oiticica</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 196).</p><p>Frederick Douglass</p><p>A leitura dos textos nas obras é essencial para a compreensão do sentido da mensagem do artista.</p><p>Um painel com retratos chama a atenção.</p><p>Frederick Augustus Washington Bailey nasceu nos Estados Unidos, em Talbot County, Maryland, em</p><p>fevereiro de 1817 ou 1818 (apontam algumas fontes), sua mãe era uma mulher negra e escravizada</p><p>e seu pai, um homem branco, que nunca o conheceu, quem sabe o proprietário da plantação onde a</p><p>mãe trabalhava. Aprendeu a ler e a escrever durante a infância e adolescência; com muitos percalços,</p><p>chegou a estruturar aulas de alfabetização para outros escravizados como ele. Em 1838, conseguiu</p><p>fugir para Nova York, na qual a atividade da escravidão havia sido extinta desde 1827, mas a situação</p><p>de insegurança ainda pairava no ar, com os sequestradores legalizados de fugitivos à espreita. Logo ele</p><p>se mudou para New Bedford (Massachusetts), onde assumiu o nome de Douglass.</p><p>189</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Expressivo, simpático e tendo passado por realidades diversas que lhe permitiam um olhar</p><p>perfurante da sociedade, começou logo uma excecional carreira de escritor, orador, político, e claro,</p><p>ativista em pró da abolição da escravidão – que aconteceu nos Estados Unidos somente em 1865,</p><p>transformando-se umas das expressões mais reconhecidas e respeitadas na causa. Ao falecer, em 1895, era</p><p>mundialmente conhecido como um dos homens mais significativos da história do país.</p><p>Seu primeiro retrato fotográfico foi encomendado em 1841. Ele tinha consciência de que sua figura</p><p>de homem negro livre conseguiria ter grande ressonância no enfrentamento contra a escravidão e</p><p>entendeu, de maneira pioneira, que a veiculação de sua obra no meio fotográfico seria relevante à luta</p><p>antirracista e contra as ações segregacionistas depois da abolição. Não é por acaso, ao longo dos</p><p>50 anos seguintes, que ele seria a pessoa mais retratada nos Estados Unidos do século XIX, apontando</p><p>um perfeito domínio de sua pose, trajes, expressão e enquadramento.</p><p>O corpus único de fotografias é mostrado, de maneira quase completa, pela primeira vez num</p><p>ambiente expositivo de arte. Sob a expressão marcante de Douglass, obras realizadas em períodos e</p><p>momentos diferentes entrelaçam um enunciado multifacetado e rizomático, que ratifica a relevância</p><p>de voltar a olhar atualmente para os modos de deslocação, barbárie e resistência que assinalaram e</p><p>continuam assinalando a existência de milhões de seres humanos (OSE, 2021).</p><p>Figura 150 – A série com os retratos de Frederick Douglass é mostrada de maneira praticamente</p><p>completa, pela primeira vez, num ambiente expositivo de arte. Fotografia: Su Stathopoulos</p><p>190</p><p>Unidade III</p><p>Observação</p><p>A fotografia foi registada oficialmente em 19 de agosto de 1839, com</p><p>Louis Jacques Mandé Daguerre, que produziu um processo fotográfico, o</p><p>daguerreótipo, depois que seu amigo, Joseph Nicéphore Niépce, produziu</p><p>o primeiro registro fotográfico, em 1826 (PRETTE, 2008).</p><p>Arjan Martins</p><p>Uma obra que dialoga com a série de retratos de Douglass é a instalação de Arjan Martins (nascido</p><p>no Rio de Janeiro) chamada de Complexo Atlântico (Corda), 2021.</p><p>Arjan Martins cria cenas do ontem e do hoje embebidas de memórias coletivas e pessoais, onde</p><p>cartografias e imagens com a temática do mar remetem aos movimentos e voltas da travessia iniciada</p><p>com a dura formação do “triângulo do Atlântico” que fomentou a economia escravagista entre Europa</p><p>e África e Américas.</p><p>Na instalação uma enorme âncora é mantida por uma longa corda que costura os três andares e</p><p>o vão central do Pavilhão da Bienal. Um trabalho dessa equivalência indica vários pontos de reflexão</p><p>e contato, onde sugerem caminhos e vínculos, confirmam a vulnerabilidade do arranjo ou apontam a</p><p>força propícia para escorar a âncora e suas memorações inatas.</p><p>Figura 151 – As obras são conectadas representativamente pelas cordas estendidas pelo vão do Pavilhão da Bienal,</p><p>tanto a obra de Arjan, quanto os retratos de Douglass. Menção abstrata e poética aos triângulos desenhados pelos</p><p>navios negreiros entre a Europa, a África e as Américas, atravessam-se fluxos de imagens, saberes e corpos que são</p><p>testemunhas de que é viável transformar dores de hoje e de ontem em combustível para reivindicar a estruturação de</p><p>bases para um futuro mais honesto. Retrato de Arjan Martins (sem data). Fotografia: Pepe Schettino</p><p>Fonte: Ose (2021, p. 124).</p><p>191</p><p>HISTÓRIA DA ARTE</p><p>Neo Muyanga</p><p>Ainda circulando pelas exposições, outro trabalho chama a atenção: são pedaços de papéis escritos</p><p>ou desenhados na parede, uma obra interativa.</p><p>Pois bem, trata-se do artista Neo Muyanga, artista sonoro, compositor e libretista, nascido</p><p>em Johannesburgo, África do Sul. Seus trabalhos ressoam os sons do agora arraigado na violência</p><p>e alimentado pela revolta. Com uma obra que atravessa a nova ópera, o ineditismo do jazz e sons</p><p>tradicionais Zulu e Sesoto, o artista aprimora uma pesquisa contínua sobre as diversas sonoridades que</p><p>constituem a história da música de protesto na conjuntura pan-africana e diaspórica. Atualmente, esse</p><p>processo de investigação o levou à hermética história do hino cristão Amazing grace (Graça sublime),</p><p>feito pelo poeta e religioso inglês John Newton, em 1772.</p><p>Amazing grace é uma música que agrega e abraça, relacionada à música negra e às temáticas de</p><p>enfrentamento abolicionista. Não se fala, contudo, sobre o autor dessa música. O inglês John Newton</p><p>interagiu por muito tempo com tráfico de escravos africanos para as Américas, incluindo o Brasil. Após</p><p>várias experimentações de proximidade com a morte, Newton reiterou ter passado por um lampejo</p><p>divino, tornou-se um convertido, virou pastor anglicano e abolicionista, e compôs os trechos da</p><p>renomada Amazing grace. Essa canção é uma das mais famosas e efetuadas na história da música,</p><p>especialmente por sua atuação na</p>