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UMA DISCUSSÃO ACERCA DA FORMAÇÃO DO PENSAMENTO CIENTÍFICO GEOGRÁFICO E CIÊNCIAS SOCIAIS QUEIROZ¹, Antônia Márcia Duarte Mestranda UNIMONTES (bolsista: CAPES) RODRIGUES², Luciene Professora Doutora do departamento de Economia UNIMONTES FONSECA, Diego de Sousa Ribeiro Acadêmico de Geografia - UNIMONTES Endereço: Rua Porteirinha, 366, Esplanada, Montes Claros, Minas Gerais, CEP:39401456- amdqueiroz@yahoo.com.br; antonia.marcia.queiroz@bol.com.br Resumo A ciência é considerada um conjunto de teorias e modelos que visam o conhecimento, a partir da aplicação de determinada metodologia em continuo processo de renovação. Nessa perspectiva, pretende-se entender aspectos do desenvolvimento das ciências e a formação do pensamento geográfico. Essa abordagem parte da estrutura e confronto de formas conceituais de formação epistemológica e método. As ciências sociais se baseiam na evolução das relações da sociedade, a Geografia tem sua gênese voltada para os processos da natureza e perpassa várias etapas, em direção a transformação da realidade. Objetiva-se a busca de reflexões sobre o conhecimento científico e os desafios que se apresentam nas ciências a partir das necessidades humanas, em constante construção e desconstrução. Em âmbito metodológico remete-se a análise de idéias de autores que discorrem sobre essas temáticas inerentes ao desenvolvimento das ciências. A partir dessas idéias pretende-se refletir sobre as várias interpretações e tendências de estudo na perspectiva científica das ciências sociais com ênfase nos desdobramentos relativos ao pensamento geográfico. Palavras-chave: Conhecimento Cientifico, Ciências Sociais, Geografia. 2 Introdução Ao se analisar a temática do desenvolvimento da ciência percebe-se que essa tem origem grega, utiliza-se do mito para explicar o real e os fenômenos da natureza. Os filósofos detêm o saber a partir de uma boa retórica na busca de apreender aspectos da realidade e poder, de maneira desinteressada, que revelavam o homem como um todo. Percebia-se o conhecimento na forma já existente sem possibilidades de ultrapassar fronteiras. Na concepção grega aparecem pressupostos para o conhecimento de uma ordem, em que se revela o posicionamento de autores que abordam a temática sobre a gênese do conhecimento cientifico e é exposta uma trajetória complexa permeada de discussões e métodos inerentes a cada época. A disciplina científica geográfica, a sistematização científica que ordena seu objeto a princípio à natureza. As escolas geográficas difundem o saber através das ciências da natureza, do determinismo geográfico. A partir das transformações tecnológicas após a Segunda Guerra Mundial reforçou-se a Geografia de análise das modificações no cenário mundial e movimentos sociais de reinvidicação por melhores condições de vida, houve uma busca de renovação nas estruturas metodológicas. A partir do desenvolvimento do conhecimento surgem questões que discutem a relação homem-natureza. Ao longo de sua história a Geografia, acompanha e se desenvolve á luz de potencialidades na análise e compreensão de fenômenos e estudos sócio-espaciais. Esse potencial torna relevantes as necessidades atuais apresentadas pela sociedade, economia, ambiente e formas de desenvolvimento. Dentro dos objetivos propostos pretende-se refletir sobre o desenvolvimento do conhecimento científico, a sistematização científica da Geografia e a construção do pensamento científico em ciências sociais. Para a metodologia utilizam-se de reflexões a partir de idéias de autores que se dedicam às discussões científicas, nas ciências sociais e pensamento geográfico, e as várias interpretações e tendências que se apresentam a partir destes conhecimentos. A primeira parte do texto se refere à trajetória de desenvolvimento das ciências, a segunda trata da racionalidade científica moderna, a terceira contém reflexões sobre a construção das ciências sociais e seu objeto de estudo, e a quarta parte reflete sobre a sistematização científica do pensamento geográfico e as transformações de sua base epistemológica. As considerações finais exprimem a relação entre a construção da ciência e os desdobramentos no pensamento científico moderno, o qual define a relação dinâmica, característicos dos conceitos e desenvolvimento científico pós moderno com a formação de posicionamentos para construção 3 de pressupostos utilizados nas ciências sociais e na Geografia na perspectiva de definição de seu objeto de estudo. Objetivos Dentro das perspectivas de conhecimento cientifico moderno busca se analisar o desenvolvimento da construção de epistemologia e método a partir da concepção objetiva de formação de ciência. Esses pressupostos servem de fundamentação teórica para o avanço de diversas disciplinas ao formularem sua base epistemológica. Nesse cenário discute-se a Geografia, a qual possui sua gênese na antiguidade de forma descritiva, que demonstra uma percepção desvinculada de progressão histórica e social. E a construção dos pressupostos que deram origem às ciências sociais que se revela a partir de trabalhos, que os fundamentam nos movimentos de formação da sociedade. Referencial teórico O conhecimento grego traduzia o saber que os filósofos produziam a partir de uma boa retórica produz posicionamentos para formas de produção de conhecimento. Platão (1999) mostra uma organização através do mundo das idéias como conhecemos e mostra a prevalência do pensamento com relação à realidade, o qual transforma o mundo e o evidencia como fundamento que para conhecer precisamos de impressões, que obtemos através do sentido, e pressupor a partir daí como se produz e se apreende o conhecimento científico. Adota o método explicativo típico da matemática a verdade como prêmio, depois de todas as hipóteses, de todas as dúvidas de todas as análises sem nunca atingir a certeza absoluta. Apresenta o mundo que percebemos, pelos sentidos, como copia do mundo das idéias. Para Platão o mundo inteligível surge por meio das idéias e o mundo original é pelas idéias por meio do pensamento, não se transforma está lá parado, o mundo sensível é que se transforma e a ciência se debruça sobre o mundo sensível para conhecer a realidade e o homem. Procura conhecer para intervir. Ao fundar em Atenas a Academia, sua própria escola de investigação científica e filosófica: “Platão torna-se o primeiro dirigente de uma instituição permanente, voltada para a pesquisa original e concebida como conjugação de esforços de um grupo que vê no seu conhecimento algo vivo e dinâmico e não um corpo de doutrinas a serem simplesmente resguardadas e transmitidas”. (PLATÃO, 1999, Pág. 12) 4 O conhecimento se transforma em alvo de reflexões e busca para o raciocínio, que leve a dúvida e que ordene os pensamentos aos objetos, mais simples para os mais complexos, os quais conduzam à verdade e se torne responsável em classificar as ciências. Essa busca surge Descartes com o método, que se torna responsável por classificar a ciência por meio da objetividade. Mostra a razão, o individualismo, o pensar, como certezas de que todas as coisas são verdadeiras e a dificuldade se assenta em como distinguias. A base do conhecimento desenvolvido por Descartes é o sujeito que pensa, classifica as ciências quanto à sabedoria ou grau de clareza e nitidez de idéias que é possível atingirem em cada uma. Na obra de Comte se analisa o desenvolvimento cientifico por meio de reflexões herdadas de autores como Descartes e Hume. As idéias são oriundas de raciocínio que um homem de bom senso pode efetuar naturalmente com respeito as coisas que lhe apresentam, por meio da dúvida, utilizando-se da lógica sob as perspectivas de jamais acolher alguma coisa como verdadeira, evitar precipitação, dividir dificuldades para melhor resolvê-las, conduzir por ordem do mais simples ao mais complexo e fazer enumerações e revisões paranão omitir nada. Comte (1983) tenta estabelecer diálogo entre Descartes e Hume. O que prevalece são idéias, pensamentos, pilares da sociedade moderna que se propaga no Racionalismo e empirismo. A realidade pode então ser apropriada, entre a relação sujeito que conhece e objeto que é conhecido, o pensamento como alicerce para se existir. Nada assegura que nossa capacidade de conhecer está limitada ao que podemos perceber. Forma-se o Positivismo em três estágios-fases: teológico, metafísico (estado de criança) ou abstrato, cientifica ou positivo (adulto) estado positivo consolidação, afirmação. Ligação de fenômenos e fatos gerais. A Humanidade tinha dimensão teológica, o homem começa a compreender para intervir na realidade e garante a ordem, daí vem o progresso em seqüência. Sob essa perspectiva, somente a filosofia positiva se apresenta capaz de assentar bases sólidas para a ciência, estabelecer uma só forma para explicar fenômenos sociais. O Positivismo naturaliza as relações sociais, a sociabilidade normal marginalizada dos processos, torna-se conservador ao naturalizar as relações sociais e instrumento de organizar as práticas de apreensão do conhecimento. Comte divide teoria e prática, e questiona a não existência de teoria sem prática nem prática sem teoria, pois o homem pensa a partir de ações e para executar ações. Dessa forma as leis naturais invariáveis, astronômica, fisiológica e 5 química surgem como base da ciência moderna para garantir a ordem e mostram-se conservadora e despretensiosa. No estudo das relações sociais modernas o natural é conhecer para manter a ordem e garantir progresso na tentativa de confirmar verdades. As ciências se desenvolvem em busca de alternativas de apreensão do conhecimento que traduzam em verdades, as quais transformem o mundo. Neste intuito utiliza-se de fundamentos que analisam a realidade mediante as necessidades de progresso da humanidade. Luz (1988) afirma que a racionalidade cientifica moderna mostrada através da razão não surgiu pronta e não está pronta, foi sendo moldada. O conflito é a mola da racionalidade e avançou com rupturas e conflitos com quebra da ordem. A negação da ordem divina para a construção do humano revela que para conhecer o homem, esse tem que ser transformado em objeto. A ordem humana construída pela racionalidade científica moderna é a luz da fragmentação do sujeito: social e psicológica. As regras da produção são mais importantes que sua veracidade e o caminho (o método deve ser perene). Esse pressuposto mostra o imaginário coletivo com o homem racional e a mulher mais sensível. É nítida a postura antropocêntrica de separar homem da natureza. O mundo natural e mundo humano permanecem em tensão sem fim Os pressupostos do conhecimento apresentam-se como uma ordem que precisa ser desvendada isso porque só existe ordem na realidade a qual tem que ser descoberta com nova forma de compreender a realidade. O Experimentalismo que surge do conhecer para transformar, é utilitário, desbravador em diversas áreas, coexiste com caráter exploratório para desvendar a realidade e transformá-la. A matemática emerge como linguagem específica, o uso para intervir e transformar. A exploração da ciência moderna é interligada às contradições, a racionalização a qual vem intervir para destruir a fantasia e dualidade entre natureza homem, sujeito e objeto, corpo, alma, razão e paixão de conflitos estabelecidos. Racionalidade é tornar conhecido à luz da razão e se expandir para apreender melhor a realidade. A razão surge destituída de sentidos, mas tem finalidade implícita,. Produção de enunciados de verdade. Dessa maneira, a ciência tentava substituir a religião e produzir sentido de verdade na construção de modelos e mais modelos sem saber se são uma verdade de fato. Uma das verdades vislumbrada pela ciência é a visão do mundo como uma máquina que pode ser conhecida e desvelada por nós. É um processo que vamos aprimorando de forma contínua. A natureza é concebida como matéria, paixão, ciência ou razão como verdade sobre a natureza. A razão tem hegemonia para explicar a realidade. Portanto na racionalidade 6 moderna predomina a razão, com pretensão da hegemonia, de um padrão próprio de ciência estabelecido e inserido nas relações sociais. “A ciência moderna é mais que uma forma de ‘’desvendamento’’ do mundo. Ela é, sobretudo, ela é uma forma de ordenação do mundo. Trata-se, é verdade, também de decodificações de significados, mas principalmente de atribuição de ordens de sentidos, através da prática sistemática de um conjunto de operações, a ser seguidos na ordem lógica e na prática dos gestos, e que constituem o método... ’’. ‘‘... trata-se de um regime especifico de produção de enunciados de verdade, no qual as regras da produção são mais importantes em ultima instancia, que sua ‘’veracidade’’ enquanto tal”. (LUZ, 1988, pág. 29). A Razão se institucionaliza constituída por modelos experimentais, a essência humana e a natureza fixa como centro das discussões manifestas no avanço das noções do verdadeiro ser. Localiza-se historicamente na modernidade que vislumbra pelo domínio da racionalidade trazendo em seu âmago conflitos e tensões. Ciência, como elemento fundador da modernidade, está assim comprometida em sua base por discussão sobre a legitimidade e os limites da razão, e se encontra no centro dos debates críticos sobre a modernidade (GOMES, 2000, pág.27) Alguns autores abordam a temática sobre a gênese do conhecimento cientifico moderno e revelam uma trajetória complexa permeada de discussões e posicionamentos. O processo científico acontece quando se busca uma linguagem própria na busca da verdade, pois se acredita que a ciência se constroe a partir da exigência. A construção e reconstrução de conhecimentos é parte da atividade social e caminha mediante seus avanços e discussões oriundas da sociedade. No século XIX, as ciências humanas e sociais se constituíram como ciências e se afirmaram por meio do modelo da racionalidade, o qual assume a forma radical de formas de conhecimento no rigor metodológico e epistemológico. Esses pressupostos trazem em si uma cientificidade discutível ao promover dificuldade de aplicar regras metodológicas ao seu objeto, diferente das regras utilizadas nas ciências da natureza. O pensamento moderno traz consigo o novo paradigma das ciências, constituindo-se sob novas bases que se remete a um período de mudanças relativas à dicotomia entre homem, natureza e objetividade. Vislumbram-se novas formas de apreensão de objetos de estudo vinculadas as emergências procedentes da marcha da sociedade. De acordo com Kozel, (2002a) o desenvolvimento das ciências sociais é contemporâneo da moda da modernidade, ela tem raízes localizadas às vezes próximas a 7 Descartes. Para os críticos mais extremos, as ciências sociais não tinham outra missão a não ser de fornecer as instâncias dominantes das sociedades ocidentais, discursos para justificar o domínio que os homens exerciam sobre as mulheres, as crianças, as minorias, e a que os países industrializados impunham ao resto do mundo. Diante desse contexto, a ciência vislumbra constante questionamento dos seus pressupostos, epistemologia e método os quais estão sempre em mutação e articulam diversas formas de evolução da idéia de ciência em busca do conhecimento sempre movida por rupturas. Kozel (2002b) afirma que as atitudes em relação à ciência evoluíram rapidamente a partir dos anos 70. As certezas sobre as quais os procedimentos científicos e epistemológicos positivistas repousavam no século XIX ficam abaladas ao começar o século XX, com a elaboração das geometrias não euclidianas, com as teses de Einstein sobre a relatividade e com o principio de certeza de Heisenberg. As formas científicas, inconstantes, de estudar as ciências sociais são questionadas, e abalam as estruturas de fundamentação epistemológica adotadas.E mostra dificuldades em estruturar base cientifica sólida. ‘’... durante muito tempo marginal mas hoje cada vez mais seguida, consistiu em reivindicar para as ciências sociais um estatuto epistemológico e metodológico próprio, com base na especificidade do ser humano e sua distinção polar em relação à natureza. Estas duas concepções têm sido consideradas antagônicas, a primeira, sujeita ao jugo positivista, a segunda, liberta dele, e qualquer delas reivindicando o monopólio do conhecimento científico-social. (SANTOS, 1987, pág.6) Kozel (2002c) acrescenta que: a historia das ciências sociais revela uma surpresa: os trabalhos que os fundamentam não são, a bem dizer, científicos. Propõem nas suas primeiras páginas relatos bastante curtos, que contam como a sociedade nasceu. Apresentam se como histórias, porém nada possibilita inventá-los. São muito parecidos com os mitos que as sociedades primitivas utilizavam para dar um sentido ao cosmos, a natureza e ao destino dos indivíduos e dos grupos. Santos (2005a) afirma que a partir do espírito intelectual do século XVIII, que resulta nas luzes, se cria condições para a emergência das ciências sociais no século XIX, as quais nasceram para ser empíricas e reivindicavam um estatuto epistemológico e metodológico próprio, com base na especificidade do ser humano e sua distinção polar em relação à natureza. 8 “Sabemos hoje que a ciência moderna nos ensina pouco sobre a nossa maneira de ser no mundo, construiu-se contra o senso comum que considerou superficial, ilusório e falso, produz conhecimentos e desconhecimentos. A ciência pós-moderna sabe que nenhuma forma de conhecimento é, em si mesma, racional, tenta dialogar com outras formas de conhecimento deixando-se penetrar por elas e procura o senso comum por reconhecer nesta forma de conhecimento algumas virtualidades para enriquecer a nossa relação com o mundo”. (SANTOS, 2005, pág. 88) As ciências sociais se afirmam no modelo de racionalidade, proporcionam a compreensão. A base de seu objeto de estudo se fundamenta nos movimentos da sociedade. Traz em si conflitos e rupturas inerentes a subjetividade apresentadas no contexto social. O pensamento científico ao longo da história revela epistemologias e métodos que são apropriados pelas ciências em diversos momentos, de acordo com as concepções vigentes de cada época. O desenvolvimento científico acompanha as concepções específicas do ser humano, e tenta refletir sobre as ansiedades e pressões de acordo com os posicionamentos e discussões para dar sentido às suas necessidades mais urgentes. A sistematização científica nos séculos XVI ao XIX ordena seu objeto a princípio à natureza. Até o século XVIII, a Geografia eram relatos de viagem, escritos literários, relatos sobre os continentes e os países do globo e outros documentos semelhantes. A Geografia surge desvinculada de ideologias e problemas sociais. Entre os séculos XVIII ao XIX, as escolas geográficas difundem o saber através das ciências da natureza, do determinismo geográfico, do espaço vital desenvolvido pela Alemanha e apoiada ao pensamento Francês positivista-funcionalista, que deu ênfase à organização regional do espaço em função dos interesses do Estado e das nações expansionistas. Por intermédio dos trabalhos de Alexandre Von Humboldt, que buscava estabelecer aos fenômenos descrição, análise e explicação, a Geografia desponta a partir do século XIX sob a perspectiva científica moderna, e permanece durante o século XX até a década de 1950. Esse mesmo modelo epistemológico de análise geográfica permaneceu estável até a década de cinqüenta. A partir das transformações tecnológicas após a Segunda Guerra Mundial reforçou-se a Geografia de análise quantificativa. Os fenômenos tornaram-se elementos que funcionavam por meio de processos determinados, as formas espaciais apresentadas nas regiões, utilizava-se em larga escala em âmbito da Geografia Física. Em virtude das modificações no cenário mundial e movimentos sociais de reinvidicação por melhores condições de vida ocorridos na década de 1960, houve uma busca de renovação nas estruturas metodológicas do neopositivismo, o qual visava viabilizar a evolução do 9 conhecimento científico às transformações tecnológicas oriundas da informática, o uso do sensoriamento remoto e a ascensão cartográfica propiciaram maior dinamismo na aquisição das informações geográficas em todas as áreas da superfície terrestre. No final da década de 1960 os cientistas formulam a teoria do caos, perceptível a partir da dinâmica desenvolvida e observada nos sistemas ao se apresentarem por meio de resultados imprevisíveis e indeterminados, reajustando-se as necessidades sistêmicas. Esses pressupostos levaram a década de 1980 a se dedicar às complexidades dos sistemas, na tentativa de compreender os fenômenos em sua organização e estrutura dinâmica, característicos dos conceitos e desenvolvimento científico pós moderno. A Geografia a princípio possuía sua base voltada para ciências naturais em detrimento das questões sociais, um conhecimento específico atribuído a fenômenos da natureza. Santos, (2005b) afirma que a distinção dicotômica entre ciências naturais e ciências sociais deixou de ter sentido e utilidade. Esta distinção assenta numa concepção mecanicista da matéria e da natureza a que contrapõe, com pressuposta evidencia os conceitos de ser humano, cultura e sociedade. Os avanços científicos impulsionam o saber cientifico geográfico a se preocupar com as questões sociais a partir das necessidades apresentadas nos conflitos e paradigmas do comportamento humano. “...alguns autores definem a Geografia como o estudo das relações entre o homem e o meio, ou, posto de outra forma, entre a sociedade e a natureza. Assim, a especificidade estaria no fato de buscar essa disciplina explicar o relacionamento entre os dois domínios da realidade, seria, por excelência, uma disciplina de contato entre as ciências naturais e as humanas, ou sociais”. (MORAIS, 1999, P.18). A Geografia quantitativa e teorética com base neopositivista com método na teoria dos sistemas e dos modelos, introduziram-se o raciocínio matemático, e revelou-se importante instrumento usado, principalmente, para atender o controle espacial e imperialista norte- americano. Para Gomes (2000), o discurso dos autores ligados a corrente da nova Geografia é sem dúvida, e evocação de uma Geografia científica e moderna. Construir uma perspectiva geográfica moderna, sustentada por um método lógico matemático, parecia ser o caminho incontornável dos novos tempos. “A identidade Geográfica, a partir dos anos sessenta, definiu-se como reflexo do pertencimento a um pólo epistemológico preciso. Foi também por esta referencia clara à metodologia, como fundamento da discussão científica moderna, que se fez a 10 passagem de uma Geografia clássica para uma geografia moderna”. (GOMES, 2000, p.272) A Geografia Crítica-Social tem origem nos anos 70 impulsionada pela crise capitalista, que não atende as necessidades da maioria da população e na crise da Geografia quantitativa em atuar em respostas aos temas sociais em todo o contexto de caráter geográfico. Segundo Morais, (1999) a unidade da Geografia crítica manifesta-se na postura de oposição a uma realidade social e espacial contraditória e injusta, fazendo-se do conhecimento Geográfico uma arma de combate à situação existente. É uma unidade de propósitos dada pelo posicionamento social, pela concepção da ciência como momento da práxis, por uma aceitação plena e explicita do conteúdo político do discurso geográfico. O espaço geográfico é então considerado como produto do trabalho do homem e portando reprodução espacial e temporal, e parte da revolução científica tecnológica. Nesse sentido, Santos (1986), salienta que ’’uma ciência do homem deve cuidar do futuro não como um mero exercício acadêmico, mas para dominá-lo....’’. A natureza modificada pelo trabalho humano é cada vez menos amiga e cada vez mais a natureza hostil, cabe aos que a estuda uma vigilância redobrada. E a Geografia, tantas vezes ao serviço da dominação, tem de ser urgentemente reformulada para ser o que sempre quis ser: uma ciência do homem. Christofoletti (1997a) afirma que a partir da década de 1980 os cientistas começaram a dedicar atenção ao estudo dos sistemas complexos, a fim de compreender e analisar as características da complexidade inerente às diversas categorias de sistemas. Compreende-se facilmente a existência de sistemas complexos biológicos, físicos, econômicos, sociais, etc. que, embora focalizando categorias diferentes de fenômenos, possuem muitas peculiaridades comuns em sua estruturação e dinâmica. Entre as categorias de sistemas complexos também se enquadra a dos sistemas de organização espacial. De acordo com Machado (2001), no Brasil, os debates se deram em torno da idéia de mudança, veiculando, através do argumento pseudocientífico, julgamentos morais sobre o território e a população, articulados a um questionamento do tempo futuro. ’’... Isso pode explicar o isolamento relativo da Geografia no campo das ciências sociais no Brasil, e a compreendermos os motivos que tornaram a Geografia brasileira uma Geografia ‘’voltada para dentro’’, ou seja, a produção geográfica no Brasil tem sido fundamentalmente uma produção dirigida para a Geografia do espaço brasileiro. 11 A Geografia como ciência do espaço produtivo reflete o mundo em formas de desenvolvimento na sociedade a favor do coletivo social, em prol dos interesses da humanidade. “A pós-modernidade anuncia o fim dos tempos modernos, mas, fazendo-se herdeira de certos momentos da tradição, inscreve-se, mesmo a contragosto no ciclo da modernidade. ...’’o reconhecimento da ausência de uma nova solução seja o que permitiria aceitar, em toda a sua plenitude, a força criativa do devir”. (GOMES, 2000, p.341) A Geografia analisa as ações resultantes da relação homem-natureza e participa ativamente das questões ligadas às necessidades da sociedade responsáveis por fornecer a escolha do objeto inerente à Geografia. De acordo com Queiroz e Lessa (2004) o geógrafo vincula-se às relações sociais em um sistema dialético mantendo-se autêntico, transmitindo a verdade social na qual está inserido. Não pode como tal, prejudicar ao ser humano. Esta condição é coletiva e une a sociedade, em processos criadores mais produtivos com o bem comunitário comum. Sendo responsável pelo estudo do espaço produtivo e social, não pode ficar indiferente aos riscos dos ciclos evolutivos da sociedade. Valoriza o movimento social, preocupa-se em contribuir para que o ser coletivo desenvolva-se. Assim, deve contribuir no sentido de preservar intocáveis os interesses de classe e de segmentos sociais. Esta ciência não teria razão alguma de existir em sua estrutura conceitual se não fosse edificada em uma profunda dimensão social a qual Leva em conta a natureza do regime social em que se acha submetido. O geógrafo vincula-se às relações sociais em um sistema dialético estabelecido em relação aos problemas teóricos e práticos em relação à construção de um espaço inibidor das desigualdades sociais, e que reconstrua uma sociedade mais livre e solidária que impulsione o avanço da consciência política, promovendo na sociedade uma transformação de valores em beneficio da coletividade. Segundo Christofoletti, (1997b) o desenvolvimento científico em torno dos sistemas dinâmicos não-lineares, do comportamento caótico, da auto-organização e da geometria fractal vem sendo considerado como característica da ciência na fase da pós-modernidade. A Geografia, como disciplina científica, não pode deixar de acompanhar esse desenvolvimento e absorvê-lo na potencialidade de contribuir para a compreensão e análise da categoria de fenômenos que representa o seu objeto de estudo. 12 Começou-se a definir uma resposta aos desafios expressos no espaço global, os quais formulam alternativas e coexistem ao modelo de desenvolvimento econômico e social que suscitam impactos sociais. Emergem em busca de afirmação inerente ao desenvolvimento científico de produção e reprodução de alternativas compatíveis com a fase atual. “O que a geografia em troca do auxilio que ela recebe das outras ciências. Pode trazer para o tesouro comum é a aptidão para não dividir o que a natureza juntou, para compreender a correspondência e a correlação dos fatos, seja no meio terrestre que envolve a todos, seja nos meios regionais onde eles se localizam. Há aí, sem dúvida nenhuma, um beneficio intelectual que pode estender-se a todas as explicações do espírito. Retraçando as vias pelas quais a Geografia chegou a esclarecer seu objetivo e a fortalecer seus métodos, reconhecemos que ela foi guiada pelo desejo de observar cada vez mais diretamente, cada vez mais atentamente, as realidades naturais. Esse método trouxe seus frutos: o essencial é agarrar-se a eles”. (LA BLACHE, 1913) É nesta base que a Geografia se corresponde a solidariedade entre os fenômenos naturais e humanos como suporte para se desenvolver como ciência. Inicia-se a geografia que se orienta de acordo com as relações do todo no globo terrestre e impulsiona progressos no conhecimento, atribuídos a esclarecer unidade, construção e reconstrução de conhecimento. A princípio se apresenta desprovida de interesse nas relações humanas, se desenvolve em bases descritivas da natureza, que se transformam pela emergência das necessidades humanas e torna-se instrumento de renovação e fortalecimento de métodos que veiculam a natureza às necessidades das relações sociais. Pressupostos incorporados na definição da base de formação do objeto de estudo das ciências sociais. Basso (2004) acentua essa afirmação quanto cita Santos e enfatiza a consistência da ciência humana e da natureza mediante as práticas sociais. Conclui que toda ciência, seja referente aos feitos humanos como aos fatos naturais, é práxis social. E, uma vez que o estudo da práxis social cabe às ciências humanas, cabe a estas explicar as ciências naturais. E, deste modo, embora elas sejam constituídas de modo distinto, tudo indica que não podem mais ser vistas como dois tipos totalmente separados de saber. Se for superado o paradigma de um conhecimento instrumentalista e dominador da natureza e do homem, serão mais importantes as semelhanças que as dessemelhanças, nesses dois tipos de pesquisa. E as ciências humanas não precisam deturpar seu objeto de estudo para se adequar a exigências que só se justifica dentro do paradigma moderno de ciência que, como o autor mostrou, deve ser superado. 13 Principais pontos desenvolvidos Reflexões sobre o processo de desenvolvimento das ciências, posicionamentos para formas de produção de conhecimento. A construção do pensamento científico em ciências sociais, a sistematização científica da Geografia que se apresenta através de várias interpretações e tendências que se articulam nas discussões em busca de conhecimentos científicos para construção de objeto de estudo. Seus pressupostos, epistemologia e método que estão sempre em mutação ao se articularem a diversas formas de evolução na perspectiva da idéia de ciência em busca do conhecimento, sempre movida por rupturas. Considerações finais Os conhecimentos em Geografia, a principio empírico e com relatos sobre a natureza, evidenciam-se desvinculados em analisar as relações humanas, diferente da história das ciências sociais que surge com trabalhos que também não se apresentam como científicos, mas propõem nas suas primeiras páginas, relatos bastante curtos, que contam como a sociedade nasceu muito parecidos com os mitos que as sociedades primitivas utilizavam para dar um sentido ao cosmos, a natureza e ao destino dos indivíduos e dos grupos, adotando o modelo de racionalidade. Encontra-se emseus primórdios a descrição, e o empirismo, mas o conhecimento científico moderno incita a análise geográfica a articular-se com as relações humanas para tentar dialogar com outras formas de conhecimento e relacionar os fenômenos naturais aos sociais mediante as necessidades presentes no decorrer da evolução das emergências humanas. Impulsionam os avanços do saber cientifico geográfico a se preocupar com as questões sociais a partir das necessidades apresentadas nos conflitos e paradigmas do comportamento humano. As ciências sociais despontam embutidas nas relações inerentes às deslocações da sociedade, enquanto a geografia surge a partir da natureza, em detrimento de bases ancoradas nas relações sociais. Diante das necessidades de mudança de estrutura da ciência geográfica surgem novas concepções, com ênfase nas relações humanas e da natureza, em busca coletiva que une a sociedade em processos criadores mais produtivos com o bem comum. A Geografia torna-se responsável pelo estudo do espaço produtivo, social e os ciclos evolutivos da sociedade. Portanto, constata-se que o pensamento científico revela epistemologias e métodos que são apropriados pelas ciências em diversos momentos, e tenta refletir sobre as ansiedades e pressões, de acordo com os posicionamentos e discussões que obrigam o objeto de estudo 14 nas ciências dar sentido às necessidades mais urgentes, que se identificam e são impelidas por meio das delimitações que se apresentam no limiar da sociedade. Referências Bibliográficas BASSO, Maximino; Ciências humanas e ciências naturais, na visão de Boaventura Santos; Uma publicação do Centro de Ciências de Educação e Humanidades – CCEH. Universidade Católica de Brasília – UCB Volume I - Número 2 - Novembro 2004 - ISSN 1807-538X. s comum na escola. Disponível CHRISTOFOLETTI, Antonio Geografia: Da Antiguidade à Pós-Modernidade. UNESP- Instituto de Geociências e Ciências Exatas Rio Claro. Trimestral – Vol.1 Nº. 2- Out./Nov./Dez 1997. Publicado originalmente no Jornal Cidade, no dia 0l de junho de l997, página l9. 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