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Principio da Dignidade Humana_PAOLO BECCHI

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1 
O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA 
 
Paolo Becchi

 
 
 
 
Sumário: 1. Introdução. – 2. Uma sintética reconstrução histórico-filosófica. – 3. A longa onda do 
debate pós-guerra. – 4. Novas tendências. – 5. Do abstrato ao concreto. Da pessoa ao indivíduo. – 6. 
A vida humana na época de sua reprodutibilidade técnica. – 7. O nó da dignidade humana. – 
Bibliografia. 
 
1. Introdução 
 
Nos momentos mais dramáticos do século passado, o homem voltou a refletir sobre o 
sentido de sua dignidade. Agora, no início do novo século, parece estar fazendo o mesmo, ainda que 
de modo diverso. O tema da dignidade humana está, de fato, novamente recebendo atenção, 
assumindo uma posição central no debate público, seja no âmbito cultural europeu, sobretudo 
(ainda que não exclusivamente) na Alemanha
1
, seja no âmbito anglo-saxão
2
, enquanto que, entre 
 

 Professor de Filosofia do Direito e Bioética Jurídica da Università degli Studi di Genova (Itália) e da 
Universidade de Lucerna (Suiça). Tradução: Guilherme Genro. A tradução para a língua portuguesa foi 
gentilmente financiada pela Universidade de Lucerna. 
 
1
 Onde a dignidade humana já se tornou "um novo conceito-chave", tanto que se constitui em um capítulo da 
nova edição de um importante manual de filosofia do direito. Cfr. K. SEELMANN, Rechtsphilosophie, 
München, 2004, pp. 212-228. O capítulo oferece uma síntese eficaz de todos os problemas que são 
discutidos hoje quando se fala de dignidade humana. O manual foi recentemente publicado (2006) também 
em tradução italiana, organizada por G. Stella, com o título Filosofia del diritto, pela editora Guida di 
Napoli. Para o capítulo citado, cfr. pp. 251-267. Seelmann dedicou, nos últimos anos, muitos artigos ao tema 
da dignidade humana. Limitar-me-ei aqui a assinalar aquilo que me parece melhor focalizar o ponto central 
do debate atual: Menschenwürde zwischen Person und Individuum. Von der Repräsentation zur Selbst-
Darstellung?, em Jus Humanum. Grundlagen des Rechts und Strafrecht (Festschrift für Ernst-Joachim 
Lampe). D. Dölling (org.), Berlin, 2003, pp. 301-316. Para observar a importância que, na Alemanha, o 
conceito assumiu em âmbito filosófico-jurídico, veja-se o amplo exame de A. KAPUST, Menschenwürde auf 
dem Prüfstand, em "Philosophische Rundschau", 54, 2007, pp. 279-307. 
 
2
 Cfr. Dignity, Character and Self-Respect, R. Dillon (org.), New York, 1995; D. BEYLEVELD - R. 
BRONSWORD, Human Dignity in Bioethics and Biolaw, Oxford, 2001; E. EBERLE, Dignity and Liberty: 
Constitutional Vision in Germany and the United States, Westport, 2002. Para o debate internacional, veja-se 
ao menos a coletânea de escritos Sanctity of Life and Human Dignity, K. Bayertz (org.), Dordrecht, 1996, La 
dignité de la personne humaine, M.L. Pavia e T. Revet (org.), Paris, 1999, e Biotecnologia, dignidad y 
derecho: bases para un dialogo, J. Ballesteros e A. Aparisi (org.), Pamplona, 2004. Veja-se também o 
volume de R. ANDORNO, La bioéthique et la dignité de la personne, Paris, 1997 (já traduzido em 
espanhol). 
 
 2 
nós, a recepção daquelas discussões está apenas no início
3
. Este trabalho traça um breve esboço do 
caminho filosófico no qual se desenvolve a idéia da dignidade humana para, em seguida, indicar 
suas mais importantes dimensões no âmbito jurídico, entrelaçando a análise dos aspectos essenciais 
de alguns documentos jurídicos com o debate jusfilosófico da segunda metade do século passado, e 
com as mais recentes discussões relacionadas à aplicação da medicina e da biologia. 
 
2. Uma sintética reconstrução histórico-filosófica 
 
Quando, no mundo romano antigo, a locução "dignidade humana" adquire relevância 
filosófica
4
, vem empregada em dois significados diversos que, evoluindo no tempo, ainda estão 
presentes em nossos dias. Por um lado, a "dignidade" indica a posição especial do homem no 
cosmos; por outro lado, sua posição na esfera da vida pública. A "dignidade" está relacionada ao 
fato de o homem se diferenciar do resto da natureza porque é o único animal rationale, e também 
ao fato de se diferenciar de outros homens em razão do papel ativo que exerce na vida pública e lhe 
confere um valor particular. 
No primeiro sentido, o homem enquanto tal possuir a dignidade que deriva de sua posição 
no topo da escala hierárquica da natureza; no segundo sentido, a dignidade depende da posição na 
escala hierárquica social. Para Cícero, que foi o primeiro a ressaltar ambas as acepções, isto 
significava que o homem que se abandonasse ao prazer dos sentidos violaria a dignidade de sua 
natureza racional, enquanto que sua dignidade pessoal dependia das ações realizadas para o bem 
comum
5
. 
 
3
 Além dos ensaios de Hasso Hofmann e de Otfried Höffe, citados mais adiante, deve-se assinalar dois 
artigos de Roberto Andorno publicados em inglês. O primeiro sob o titulo The paradoxical notino of human 
dignity, em "Rivista internazionale di filosofia del diritto", LXXVIII, 2001, pp. 151-168. O segundo, mais 
recente, com o título Dignity of the person in the light of international biomedical law, em "Medicina e 
Morale", 2005, 1, pp. 91-105. Cfr. também uma contribuição de Winfried Hassemer, publicada em língua 
italiana em "Ars Interpretandi", com o título Argomentazione con concetti fondamentali. L'esempio della 
dignità umana, 2005, n. 10, pp. 125-139. Na verdade, há muitos escritos de autores italianos que tenham 
como objeto a dignidade humana, mas, com a exceção das obras de M.A. CATTANEO que analisa a 
dignidade humana com referência à filosofia do direito penal e à tradição jusnaturalista (Pena, diritto e 
dignità umana. Saggio sulla filosofia del diritto penale, Torino, 1998, e, mais recentemente, Giunaturalismo 
e dignità umana, Napoli, 2006, trad. alemã Naturrecht und Menschenwürde, Berlin, 2007), a grande maioria 
dos trabalhos afrontam o problema sob uma ótica prevalentemente religiosa. 
 
4
 V. PÖSCHL, Der Begriff der Würde im antiken Rom und später, Heidelberg, 1989; M. FORSCHNER, 
Marktpreis und Würde oder vom Adel der menschlichen Natur, em Die Würde des Menschen, organizado por 
H. Kössler, Erlangen, 1998, pp. 33-59, e, para um resumo, a parte I do verbete Würde de V. PÖSCHL, na 
obra Geschichtliche Grundbegriffe. Historisches Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland, 
organizada por O. Brunner, W. Konze, R. Koselleck, Stuttgart, 1992, vol. 7, pp. 637-645. 
 
5
 Cfr. M. T. CICERONE, De officiis, trad. italiana com texto em latim, Dei doveri, Bologna, 1991. Veja-se, 
em particular, Livro I, Cap. XXX (pp. 109-111 na edição citada): "...só quando quisermos refletir sobre a 
 3 
O primeiro significado de dignidade é universalista, no sentido que, ao menos em princípio, 
seu titular é o gênero humano que a possui como um dom natural; o segundo é particularista, pois 
deriva das ações que alguns homens executam e outros não
6
. A dignidade é absoluta no primeiro 
significado, pois não pode ser adquirida nem perdida; é relativa no segundo, pois se pode tanto 
adquirí-la quanto perdê-la. No decorrer da história, a segunda acepção passará a indicar a alta 
posição pública enquanto tal, e não mais a pessoa que o ocupa. Em seguida, indica o título que se 
possui por pertencer a uma determinada classe social, e não mais os méritos. Finalmente, indica 
qualquer atividade ou função com a qual o homem contribui para o progresso material ou espiritual 
da sociedade. Mas é, sobretudo, a primeira acepção que devemos examinar aqui. Esta, na realidade, 
encontrará um terreno fértil na mensagem cristã. 
O cristianismo oferecerá um forte incentivo à afirmação do valor universal da dignidade 
humana
7
. Mesmo que não se possa esquecer que o instituto jurídico da escravidão persistirá ainda 
por um longo tempo no mundo cristão, é de fato a doutrina dos Padres da Igreja que aplica a todosos homens e não somente ao povo eleito a idéia do Velho Testamento do homem como "imagem de 
Deus"
8
. A semelhança do homem com Deus explica agora sua posição especial na natureza. Deus 
criou-nos à sua imagem, honrando-nos com uma dignidade transcendente. A idéia se reforça 
quando Deus se faz homem em Jesus Cristo; terá uma surpreendente sobrevivência mesmo após a 
 
excelência e a dignidade da natureza humana, compreenderemos o quanto é torpe uma vida que nada no luxo 
e mergulha nas fraquezas, e, ao contrário, quanto é bela uma vida modesta e frugal, austera e sóbria. Além 
disso, é preciso refletir que a natureza nos dotou de dois carácteres: um é comum a todos, porque todos nós 
somos partícipes da razão, isto é, daquela excelência onde nós superamos os animais: excelência da qual 
deriva toda espécie de honestidade e decoro; o outro, por sua vez, é aquele que a natureza proporcionou 
exatamente a cada pessoa singular" (p. 111). 
6
 No atual debate, este duplo significado foi bem evidenciado por Hasso Hofmann em uma interessante 
contribuição: Die versprochene Menschenwürde (1993), trad. italiana, La promessa della dignità umana. La 
dignità dell'uomo nella cultura giuridica tedesca, em "Rivista internazionale di filosofia del diritto", IV 
série, LXXVI, 1999, pp. 620-650. Enquanto que, entre nós, o debate ético-filosófico sobre a dignidade 
humana está ainda no início, na Alemanha parece ser já uma nova moda filosófica. Em 2007, uma das mais 
influentes revistas alemãs publicou uma resenha sobre o tema, na qual são discutidas cerca de vinte obras 
surgidos nos últimos anos. Cfr. A. KAPUST, Menschenwürde auf dem Prüfstand, em "Philosophische 
Rundschau", 54 (2007), pp. 279-307. 
 
7
 Para uma visão geral sobre a teologia medieval, cfr. a parte II do verbete Würde, de P. KONDYLIS, na já 
citada obra Geschichtliche Grundbegriffe, cit., pp. 645-651. 
 
8
 "Então Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do 
mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se 
arrastem sobre a terra." Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus.” (Gênesis, 1, 26-
27). È a partir de Santo Ambrósio que a semelhança com Deus identifica a dignidade humana. 
 
 4 
Idade Média
9
, ainda que na época moderna, tomada pela secularização, já não terá mais a revelação 
como ponto de partida. 
Mesmo que a idéia da dignidade humana adquira particular relevância no Humanismo 
italiano
10
, a primeira tentativa de fundar em modo secular a dignidade humana será realizada por 
um dos autores mais importantes do jusnaturalismo moderno: Samuel Pufendorf
11
. 
Ainda em Grócio, a dignidade humana apresenta-se apenas no âmbito do direito à sepultura 
– é o respeito no tratamento do cadáver que confere a dignidade ao ser humano12 –, enquanto que, 
em Hobbes, a dignidade humana se reduz ao seu significado particularístico, ao valor que todo 
homem tem por aquilo que faz, e que a comunidade política reconhece: "o prestígio público de um 
homem, que é o valor atribuído pelo Estado, é aquilo que os homens chamam comumente de 
DIGNIDADE. Este valor é reconhecido pelo Estado com cargos de comando, de jurisdição, de 
empregos públicos, ou com os nomes e títulos introduzidos pela distinção de tal valor"
13
. Para 
Hobbes, o valor de um homem é dado por "seu preço" e este sempre vem estabelecido não pelo 
vendedor, mas pelo comprador. O verdadeiro valor de cada homem, aquilo que constitui sua 
dignidade, é, em suma, aquilo que os outros reconhecem a ele. 
 
9
 Exatamente a idéia do homem como "imago Dei" que continua a manifestar sua força diante do problema 
da manipulação genética, e reaparece em autores tão diversos como Jürgen Habermas e Hans Jonas. Cfr. J. 
HABERMAS, Die Zukunft der menschlichen Natur. Auf dem Weg zu einer liberalen Eugenik? (2001), trad. 
italiana organizada por L. Ceppa, Il futuro della natura umana. I rischi di una genetica liberale, Torino, 
2002, e H. JONAS, Technik, Medizin und Ethik. Praxis des Prinzips Verantwortung (1985), trad. italiana 
organizada por P. Becchi, Tecnica, medicina ed etica. Prassi del principio responsabilità, Torino, 1997. 
 
10
 Cfr. Giannozzo MANETTI, De dignitate et excellentia hominis (1451-1452), Basilea, 1532 (para uma 
edição acessível, veja-se aquela organizada por E.R. Leonard, Padova, 1975), e, sobretudo, Giovanni PICO 
DELLA MIRANDOLA, Oratio de hominis dignitate (1486), Bologna, 1496 (para uma edição italiana, com 
texto latino incluído, pode-se consultar aquela organizada por G. Tognon, da editora La Scuola di Brescia). 
Sobre o tema, é fundamental o amplo estudo de Ch. TRINKAUS, In Our Image and Likeness. Humanity and 
Divinity in Italian Humanist Thought, Chicago, 1970. Sobre Pico, cfr. P.C. BORI, Pluralità delle vie. Alle 
origini del Discorso sulla dignità umana di Pico della Mirandola, Milano, 2000 (a obra também traz o texto 
do discurso de Pico). 
 
11
 Sobre o tema, são fundamentais as análises de Hans Welzel. Veja-se, em particular, H. WELZEL, Die 
Naturrechtslehre Samuel Pufendorf (1958), trad. italiana organizada por V. Fiorillo, La dottrina 
giusnaturalistica di Samuel Pufendorf, Torino, 1993. Veja também algumas páginas iluminadoras de K-H. 
ILTING, Naturrecht und Sittlichkeit, Stuttgart, 1983, pp. 83-89. Cf. a minha contribuição Samuel Pufendorf 
giurista della modernità, em "Materiali per una storia della cultura giuridica", XXXVI, 1, 2006, pp. 29-38, 
agora reimpresso no livro Da Pufendorf a Hegel. Introduzione alla storia moderna della filosofia del diritto, 
Roma, 2007, pp. 15-28. 
 
12
 H. GRÓCIO, De jure belli ac pacis (1625), livro 2°, cap. 19, 2 (5 e 6). 
 
13
 T. HOBBES, Leviathan (1651), Leviatano, trad. italiana organizada por G. Micheli, Scandicci (Firenze), 
1987, pp. 84-85 (citado do cap. X do livro I, intitulado "Do poder, do prestígio, da dignidade, da honra e da 
disposição"). 
 
 5 
Uma concepção já bem diversa está presente em Pufendorf. Ele não recorre às idéias de 
alguma qualidade natural do homem (como a posse da razão) e/ou inerente ao seu status social, nem 
mesmo diretamente à tradição cristã. Parte da idéia da liberdade que distingue o ser humano. Tal 
liberdade é o pressuposto para a existência de uma ordem moral que Pufendorf, sobre a base da 
distinção entre entia physica e entia morale, separa claramente da ordem natural. È a idéia da 
liberdade moral do homem, e não sua natureza enquanto tal, a conferir-lhe a dignidade
14
. O homem 
é o único ser realmente em condições de colocar autonomamente os limites de seu próprio agir, de 
submeter-se a leis que ele mesmo se outorgou. A dignidade do homem não tem um caráter 
ontológico, que cabe a ele pela posição especial que ocupa na natureza, mas sim deontológico, no 
sentido que é um título ético-jurídico que cada ser humano pode reivindicar enquanto destinatário 
de normas universalmente vinculantes. 
Para entender a importância e originalidade desta proposta, é suficiente confrontá-la com 
aquela de um pensador do mesmo tempo, da qual se diferencia, e com uma outra de um pensador 
posterior, que antecipa em grande parte. Para Pascal, toda a dignidade do homem reside no 
pensamento
15
. Pufendorf certamente não contesta que o homem, no mundo natural, caracterize-se 
pela capacidade de pensar, mas sua dignidade não consiste nisto, mas naquela faculdade moral que, 
sozinha, revela a sua verdadeira essência. Não há dúvida que esta idéia pufendorfiana antecipa 
aquela, mais clara e bem-sucedida, que encontramos no cume do iluminismo europeu, na obra de 
Immanuel Kant. 
A distinção pufendorfiana entre entia physica e entia morale corresponde à distinção 
kantiana entre reinoda natureza e reino dos fins: a dignidade humana não cabe ao homem pela 
posição que este ocupa no vértice do reino da natureza, mas por ela, a dignidade, pertencer a um 
reino de fins. Para Kant, como já para Pufendorf, dignidade significa que o homem é um ser capaz 
de agir sob o respeito de leis morais. É o homem, enquanto capaz de moralidade, a ter dignidade. 
Ele possui um valor intrínseco absoluto não como animal rationale, mas sim enquanto portador de 
um imperativo moral incondicionado
16
. Não é o mero fato biológico a constituir fundamento de sua 
 
14
 S. PUFENDORF, De iure naturae et gentium, libri octo (1672), I, I, 5: "A dignidade da natureza humana, 
a sua primazia sobre os outros seres vivos, exigia que as ações humanas fossem realizadas segundo uma 
certa norma, sem a qual não seriam possíveis ordem, civilidade e beleza". 
15
 B. PASCAL, Pensèes, (1669), Pensieri, trad. italiana organizada por P. Serini, Torino, 1974, n. 78 (p. 
177): "o homem é manifestamente nascido para pensar; aqui reside toda a sua dignidade e todo o seu valor". 
 
16
 Assim, em particular, J. HRUSCHKA, Die Würde des Menschen bei Kant, em "Archiv fur Rechts und 
Sozialphilosophie", 88, 2002, n. 4, pp. 463-480. Para uma discussão da posição kantiana em conexão com o 
atual debate bioético, remeto a P. BECCHI, L'idea kantiana di dignità umana e le sue attuali implicazioni in 
ambito bioetico, em Kant e l'idea di Europa, organizado por P. Becchi, G. Cunico, O. Meo, Genova, 2005, 
pp. 15-37 (com ampla referência à literatura), também em P. BECCHI, Tre studi su Kant filosofo del diritto, 
Genova, 2007, pp. 95-126. 
 6 
dignidade, mas o "fato da razão" da lei moral, uma razão portanto "moralmente prática", que nos 
comanda (na segunda formulação do imperatico categórico) de tratar a humanidade, seja na própria 
pessoa, seja naquela dos outros, "sempre também como fim e nunca simplesmente como meio"
17
. 
Isso, obviamente, não significa que o homem não possa também fazer-se meio para a realização de 
objetivos a ele extrínsecos (acontece continuamente na vida social), desde que não venha jamais 
reduzido apenas a meio. É o seu uso meramente instrumental, a sua redução de pessoa a coisa – 
como, ainda que de maneira incidental, já havia observado Beccaria
18
 duas décadas antes de Kant – 
a ferí-lo na sua dignidade. Ao contrário do que pensava Hobbes, para Kant todas as coisas tem um 
preço, mas o homem tem um valor inestimável
19
. Ainda que em Hume e no iluminismo escocese – 
basta pensar em Adam Smith – surja uma visão da natureza humana diferente daquela hobbesiana, o 
centro de sua atenção é a noção de simpatia como faculdade que todos possuem para participar dos 
sentimentos alheios, enquanto o reconhecimento da dignidade humana aparece apenas nos 
concretos processos de interação, não é por estes pressuposto
20
. É só em Kant que o reconhecimento 
do outro funda-se como valor moral da pessoa compreendida como fim em si mesma. 
 
 
17
 Cfr. I. KANT, Grundlegung zur Metaphysik der Sitten (1785), trad. italiana Fondazione della metafisica 
dei costumi, em Scritti morali, organizado por P. Chiodi, Torino, 1970, p. 88: "age de modo a tratar a 
humanidade, seja na tua pessoa, seja naquela dos outros, sempre também como fim e nunca simplesmente 
como meio". É explícito o reenvio à dignidade na sucessiva Metaphysik der Sitten (1797), trad. italiana 
organizada por N. Merker, La metafisica dei costumi, Roma-Bari, 1973, pp. 333-334: "A humanidade em si 
mesma é uma dignidade; de fato, o homem não pode ser tratado por ninguém (isto é, nem por um outro, nem 
por si mesmo) meramente como meio, mas deve sempre ser tratado, ao mesmo tempo, como um fim, e 
exatamente nisso consiste sua dignidade...". Por outro lado, não se deve esquecer que, na Grundlegung, a 
idéia da dignidade humana parece mais diretamente ligada à terceira formulação do imperativo categórico 
(ou seja, à idéia da vontade de todo ser racional, considerada como legisladora universal), que à segunda. 
Referir a dignidade à segunda ou à terceira formulação tem conseqüências evidentes para o atual debate, o 
que talvez explica por que Kant seja utilizado tanto por aqueles que afirmam que a dignidade cabe ao homem 
enquanto tal, quanto por aqueles que entendem a dignidade como uma propriedade das pessoas racionais e 
conscientes. 
18
 Cfr. C. BECCARIA, Dei delitti e delle pene (1764), organizado por F. Venturi, Torino, 1965, p. 50: "Não 
existe liberdade toda vez que as leis permitem que, em algumas situações, o homem cesse de ser pessoa e 
torne-se coisa...". 
 
19
 Cfr. I. KANT, Grundlegung zur Metaphysik der Sitten, trad. italiana cit.: "aquilo que concerne às 
inclinações ou necessidades gerais dos homens tem um preço de mercado; (...) mas aquilo que constitui a 
condição necessária para que qualquer coisa possa ser um fim em si não tem apenas um valor relativo, um 
preço, mas um valor intrínseco, isto é, dignidade" (p. 94). 
 
20
 Cfr. D. HUME, Essays, Moral and Political (1741), trad. italiana Saggi e Tratatti, organizada por M. Dal 
Pra e E. Ronchetti, Torino, UTET, 1974, cap. XI, pp. 265-271. Cfr. também D. HUME, Enquiries 
Concerning Human Understanding and Concernig the Principles of Morals (1751), trad. italiana de R. 
Gilardi, Ricerche sull'intelletto umano e sui principi della morale, Milano, 1980. Um grave defeito de 
dignidade impede o homem somente bom e justo de ser considerado virtuoso (p. 523). De A. SMITH, cfr. 
The Theory of Morals Sentiments (1759), trad. italiana de C. Cozzo, organizada por A. Zanini, Roma, 1991. 
Sobre o ponto, são ainda fundamentais as pesquisas de L. BAGOLINI, La simpatia nella morale e nel diritto, 
Torino, 1966. 
 7 
Na época em que foi formulada, esta idéia oferecia uma válida contribuição à abolição da 
tortura e ao abandono de penas degradantes e cruéis, embora o excessivo rigor penal de Kant às 
vezes o colocou em clara contradição com seu próprio pensamento
21
. 
Esta instância humanitária está seguramente em sintonia com as célebres Declarações do 
século XVIII sobre os direitos do homem e do cidadão, ainda que o conceito de dignidade não 
esteja presente nem na Déclaration des droits de l'homme et du citoyen, de 26 de agosto de 1789, 
nem na Declaration of Independence, deliberada nos Estados Unidos da América na década anterior 
(4 de julho de 1776), e nem mesmo nas Cartas de direitos que, começando por aquela da Virgínia, 
são proclamadas na América do Norte naquele momento
22
. 
Historicamente, o primeiro documento é a Declaration of Rights da Virgínia (12 de junho de 
1776), que começa com a enunciação dos "direitos inerentes" (inherent rights), dos quais os homens 
"entrando no estado de sociedade, não podem, mediante convenção, privar ou espoliar sua 
posteridade; isto é, o gozo da vida, da liberdade, mediante a aquisição e a posse da propriedade, e a 
perseguição e obtenção de felicidade e segurança". Mesmo que a idéia já esteja presente, como se 
notará, não aparece ainda o adjetivo "inalienáveis", que, invés, encontra-se no início da Declaration 
of Independence: "Nós cremos nesta verdade auto-evidente: que todos os homens são criados 
iguais; que são dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis (inalienable rights); que entre 
estes direitos estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade". Pouco depois (28 de setembro de 
1776), na Constituição da Pensilvânia acrescenta-se também o adjetivo "natural". Na Déclaration 
des droits de l'homme et du citoyen, consolida-se a locução "direitos naturais e imprescritíveis do 
homem" (droits naturels et imprescriptibles de l'homme). Estes direitos são agora identificados na 
"liberdade", "propriedade", "segurança" e "resistência à opressão",enquanto que a "procura da 
felicidade" não vem mencionada. 
Ainda disso tratará o "jacobino alemão" Georg Forster, para indicar, nos passos de Kant, a 
necessidade de retirar de seu pedestal a "felicidade" e colocar em seu lugar a dignidade humana, 
"verdadeiro indicador da vida" (echter Wegweiser des Lebens)
23
. Este indicador, contudo, 
permanecerá por muito tempo ainda escondido, pelo menos no âmbito jurídico. Mesmo que Hegel, 
 
 
21
 Aspectos bem evidenciados em vários trabalhos de M.A. Cattaneo. Limito-me aqui a recordar a sua obra 
Dignità umana e pena nella filosofia di Kant, Milano, 1981. 
 
22
 Para uma análise geral dos documentos aqui sucintamente aludidos, ainda são úteis as páginas que deixou 
Giovanni Tarello no fim do primeiro volume de sua obra (inacabada) Storia della cultura giuridica moderna. 
Vol. 1: Assolutismo e codificazione del diritto, Bologna, 1976, pp. 559-620. 
23
 Cfr. G. FORSTER, Über die Beziehung der Staatskunst auf das Glück der Menschheit (1794), em G. 
FORSTER, Philosophische Schriften, organizado por G. Steiner, Berlin, 1958, p. 223. 
 
 8 
efetivamente concebendo o dever de respeitar os homens como imperativo jurídico
24
, já coloque as 
premissas para seu desvelamento, deve-se esperar o fim da Segunda Guerra Mundial para encontrar 
uma plena legitimação jurídica da dignidade humana. 
 
3. A longa onda do debate pós-guerra 
 
A partir do Estatuto (ou Carta) da Organização das Nações Unidas (1945), da Declaração 
Universal dos Direitos do Homem (1948), da Constituição italiana (1948) e da Lei Fundamental da 
República Federal Alemã (1949), são múltiplos os documentos jurídicos nos quais se encontra uma 
referência à dignidade humana
25
. Diante do flagelo de duas guerras mundiais, a Carta reafirmava a 
"fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana" e a 
Declaração abria-se com o "reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família 
humana e dos seus direitos, iguais e inalienáveis". 
Não é por acaso que a Lei Fundamental alemã – Constituição de um país no qual tinha sido 
lei a sistemática perseguição de pessoas em razão de sua fé religiosa, suas opiniões políticas, e até 
mesmo de seus problemas mentais – seja um dos principais documentos onde a referência à 
dignidade humana, como reação aos horrores do regime nacional-socialista, adquira um papel de 
absoluta proeminência. 
O reconhecimento da dignidade humana torna-se uma espécie de Grundnorm ao estilo 
kelseniano, colocada no vértice do ordenamento jurídico: uma norma jurídica objetiva, não ela 
mesmo um direito subjetivo fundamental, e exatamente por isso incondicionada, isto é, não 
submetida – diferentemente dos direitos fundamentais – a ponderações e limitações26. O art. 1°, 
 
24
 Cfr. G.W.F. HEGEL, Grundlinien der Philosophie des Rechts (1821), trad. italiana organizada por G. 
Marini, Lineamenti di filosofia del diritto. Roma-Bari, 1999, p. 48: "O imperativo jurídico é portanto: sê uma 
pessoa e respeita aos outros como pessoa". 
 
25
 Uma seleção dos documentos jurídicos nos quais vem explicitamente mencionada a dignidade humana 
encontra-se no volume Dignity, Ethics and Law, organizado por J. Knox e M. Broberg, Copenhagen, 1999. 
 
26
 Esta é, pelo menos, a interpretação que tradicionalmente foi dada ao art. 1°, item 1, a partir de Günter 
Dürig, em um dos mais conhecidos comentários de direito constitucional (cfr. T. MAUNZ, G. DÜRIG, 
Grundgesetz, München-Berlin, 1958). Uma ótima reconstrução do processo de formação de tais disposições, 
assim como o debate sobre a dignidade humana na Constituição alemã (tanto na doutrina quanto na 
jurisprudência), encontra-se no volume de C. AMIRANTE, A dignidade do homem na Lei fundamental de 
Bonn e na Constituição italiana, Milano, 1971 (contrariamente ao declarado no título, inexiste qualquer 
referência à Constituição italiana). Deve-se também assinalar que a interpretação, de evidente inspiração 
jusnaturalista, de Günter Dürig foi recentemente, na nova edição do manual acima citado, substituída por 
outra, escrita por Matthias Herdegen, com a qual o autor precedente dificilmente poderia concordar. Sobre 
isso, cfr. E.W. BÖCKENFÖRDE, Die Würde des Menschen war unantastbar. Abschied von den 
Verfassungsvätern. Die Neukommentierung von Artikel 1 des Grundgesetzes markiert eine Epochenbruch, 
em "FAZ", 3.9.2003, n. 204, p. 33-35. 
 9 
item 1 da Lei Fundamental declara: "A dignidade do homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é 
obrigação de todo poder estatal", e o item 2 acrescenta: "O povo alemão professa, portanto, os 
direitos humanos invioláveis e inalienáveis como fundamento de cada comunidade humana, da paz 
e da justiça no mundo". 
Observe-se: um novo adjetivo é introduzido para qualificar a dignidade humana. Se os 
direitos fundamentais são "invioláveis e inalienáveis", a dignidade é "intangível" (unantastbar). Isso 
deixa clara a relação de derivação que subsiste na Constituição alemã entre a dignidade humana e os 
direitos fundamentais. A partir do momento em que o homem possui dignidade, que o distingue de 
qualquer outro ser vivo, é titular de direitos fundamentais. Procurando fixar no tempo a referência à 
dignidade humana, a Lei fundamental prevê também, no art. 79, item 3, sua imodificabilidade, 
confirmando o caráter absoluto daquele princípio, sua imutabilidade e indisponibilidade. 
Reflorescem na Constituição alemã, como também nos atos internacionais antes citados, os 
elementos que vimos surgir na doutrina jusnaturalista moderna e que, agora, adquirem positividade 
normativa. Por isto, não surpreende que o tema do respeito à dignidade humana seja ligado à 
renascença do direito natural e que, na Alemanha daquela época, houve um debate particularmente 
fecundo sobre ambos
27
. Que cada ser humano deva, antes de tudo, valer como pessoa igual a 
qualquer outro foi a questão dominante após a Segunda Guerra Mundial. 
Ser tratado como pessoa e reconhecer a qualquer outro ser humano – independentemente de 
sexo, raça, língua, religião ou opiniões políticas, condições de nascimento, econômicas e sociais – o 
direito a um tratamento igual significava recuperar aquele conceito de humanitas explicitamente 
combatido pela ideologia nazista com a introdução da categoria de Untermensch (sub-humano) e 
com a mitologia da raça ariana. Assim, o novo ordenamento internacional, saído dos escombros do 
totalitarismo, encontra no reconhecimento da dignidade humana, como valor absoluto e 
incondicionado, o seu ponto de partida
28
. 
 
 
27
 Os escritos mais significativos encontram-se no volume, organizado por W. MAIHOFER, Naturrecht oder 
Rechtspositivismus?, Darmstadt, 1962. Para uma reconstrução jusfilosófica do debate, cfr. A. KAUFMANN, 
Naturrechtslehre nach 1945. Die Naturrechtsrenaissance der ersten Nachkriegsjahre - und was daraus 
geworden ist, em Die Bedeutung der Wörter. Studien zur europäischen Rechtsgeschichte, M. Stolleis (org.), 
München, 1991, pp. 105-132. 
 
28
 A expressão filosófica-jurídica paradigmática desta orientação é dada pela figura e pela obra de Gustav 
Radbruch. Sobre esse tema, é célebre seu ensaio Gesetzliches Unrecht und übergesetzliches Recht (1946), 
em G. RADBRUCH, Rechtsphilosophie, organizado por E. Wolf e H.-P. Schneider, Stuttgart, 1973, pp. 339-
350, também em tradução italiana no volume Filosofia del diritto, organizado por P. Di Lucia, Milano, 2002, 
pp. 149-163. Para destacar a importância desta posição, deve-se perceber que ela está na base daquela 
"Verbindungsthese", isto é, a tese daconexão entre direito positivo e justiça, sustentada por Robert ALEXY, 
em Begriff und Geltung des Rechts (1992), trad. italiana R. ALEXY, Concetto e validità del diritto, 
introduzione di G. Zagrebelsky, Torino, 1997. Sobre Radbruch, cfr. G. VASSALLI, Formula di Radbruch e 
 10 
Por outro lado, no entanto, não é este o único significado de dignidade a afirmar-se: já 
naquele período, junto àquela noção, emerge uma outra que se apresenta com menor ênfase e foi 
objeto de menor atenção, mas que resulta bem evidenciada na Constituição italiana. Na 
Constituição de 1948 encontramos referência à dignidade. Mas essa não assume o valor 
proeminente que constatamos na Constituição alemã, sendo apresentado um conceito diverso de 
dignidade humana. A Itália é uma República "fundada sobre o trabalho" (art. 1°) e não sobre a 
"intangibilidade" da dignidade humana. Já o art. 3°, § 1°, relaciona a dignidade não ao homem 
entendido abstratamente, mas sim ao homem em suas relações econômico-sociais. A "igual 
dignidade social" mencionada naquele artigo é entendida no sentido que todos os cidadãos são 
iguais perante a lei, sem distinções com base em títulos (as disposições transitórias afirmam 
explicitamente que os títulos nobiliárquicos não são reconhecidos) ou posição social. A dignidade – 
conforme o art. 4°, § 2° - consiste em desenvolver "segundo as próprias possibilidades e a própria 
escolha, uma atividade ou uma função que concorra ao progresso material e espiritual da 
sociedade". 
Este é o único título de dignidade em uma República fundada sobre o trabalho: é o trabalho, 
que permite o pleno desenvolvimento da personalidade e com isso possibilita a dignidade. A ênfase 
está na dimensão social da dignidade também nos outros dois loci nos quais vem explicitamente 
mencionada na Constituição italiana: no art. 36, afirmando que o trabalhador tem direito a 
remuneração suficiente "para assegurar a si e à sua família uma existência livre e digna"; e no art. 
41, § 2°, onde o não causar dano à dignidade humana aparece como limite ao exercício das 
atividades econômicas. Portanto, o conceito de dignidade está ligado tanto ao papel que cada 
cidadão é chamado a realizar na sociedade, quanto ao fato que o Estado deve assegurar a todos a 
possiblidade de desenvolver dignamente um papel. A dignidade não é apenas algo protegido de 
comportamentos que possam lesioná-la, mas algo que deve ser promovido e permite medir o 
progresso social. Em síntese: enquanto na Constituição alemã "dignidade" é um valor absoluto que 
se dirige abstratamente à pessoa em si e por si, na Constituição italiana é um valor relativo que se 
relaciona com a concreta colocação da pessoa no tecido social (ainda que a sociedade devesse, de 
algum modo, garantir a todo indivíduo condições mínimas de subsistência, abaixo das quais jamais 
poderia estar). O primeiro significado está culturalmente baseado no jusnaturalismo moderno e o 
segundo nos leva à antiga noção de dignidade que emerge do mundo romano. Mesmo que agora a 
dignidade não se refira mais, como na Roma antiga, apenas àqueles homens que se distinguiam 
pelas funções públicas que os recobriam, mas a todos os cidadãos com aquela "igual dignidade 
 
diritto penale: note sulla punizione dei "delitti di Stato" nella Germania post-nazista e nella Germania post-
comunista, Milano, 2001. 
 
 11 
social" que deriva do (dever) contribuir com o trabalho para o progresso da sociedade, trata-se ainda 
daquela mesma idéia de dignidade humana ligada ao papel social que reaparece com força na 
Constituição italiana, mesmo que aqui com a intenção de abolir privilégios e oferecer uma vida 
melhor à classe operária. 
Não obstante, também a Constituição italiana conhece o significado absoluto de dignidade, 
quando o art. 2°, reconhecendo e garantindo os "direitos invioláveis do homem" – não apenas 
enquanto fazendo parte de uma formação social "onde se desenvolve sua personalidade", mas 
também "como indivíduo" – reenvia implicitamente ao art. 32, § 2°, onde se afirma que "ninguém 
pode ser obrigado a um tratamento médico se não por disposição legal", e também que "a lei não 
pode em nenhum caso violar os limites impostos pelo respeito à pessoa humana". Mesmo não 
aparecendo neste contexto o vocábulo "dignidade", encontramos assim também na Constituição 
italiana uma referência ao valor absoluto da dignidade, mas é, sem dúvida, sobre o valor relativo 
que ela insiste explicitamente, como já evidenciamos. 
É interessante observar como estes dois diferentes usos conceituais são encontrados na 
jurisprudência dos dois países. Limito-me aqui apenas a uma indicação resumida. Logo após a 
Segunda Guerra, a jurisprudência constitucional alemã destaca a tutela da dignidade humana como 
proteção contra "humilhações, perseguições, proscrições e assim por diante", enquanto a 
jurisprudência comum trata fundamentalmente da defesa do homem contra comportamentos 
discriminatórios
29
. Na Itália, logo depois da introdução da Carta constitucional, a dignidade não é 
assunto relevante, e também, em seguida, a jurisprudência da corte constitucional foi parca na 
utilização autônoma do conceito de dignidade humana, enquanto que, na jurisprudência comum, 
foram múltiplos os pronunciamentos nos quais aparece a referência à dignidade, e a maioria destes 
se preocupa significativamente em salvaguardar a dignidade do empregado no ambiente de 
trabalho. Mesmo que, com o tempo, tais usos variem também nos dois países, o papel fundamental 
desenvolvido na Alemanha pelo princípio da dignidade humana continuará constante, envolvendo 
os esforços de análise doutrinária, enquanto que, na Itália, a doutrina irá ignorá-lo injustamente por 
muito tempo
30
. 
 
29
 Na ampla literatura constitucionalística sobre o tema, cfr. ao menos T. GEDDERT-STEINACHER, 
Menschenwürde als Verfassungsbegriff. Aspekte der Rechtsprechung des Bundesverfassungsgerichts zu Art. 
1 Abs 1 Grundgesetz, Berlin, 1990, e CH. ENDERS, Die Menschenwürde in der Verfassungsordnung. Zur 
Dogmatik der Art. 1 GG, Tübingen, 1997 (ambas as obras contêm muitas referências jurisprudenciais e 
doutrinárias). Para ter uma idéia do debate atual, é interessante o ensaio de Hasso Hofmann já citado acima 
(nota 6). Entre os escritos filosófico-jurídicos mais recentes, cfr. D. JABER, Über den mehrfachen Sinn von 
Menschenwürde-Garantien. Mit besonderer Berücksichtigung von Art. 1 Abs. 1 Grundgesetz, Frankfurt a.M., 
2003. 
 
30
 É indicativo que, nas enciclopédias jurídicas italianas, não se registre o verbete "dignidade", a não ser com 
a referência específica à dignidade do trabalhador. Cfr. A. CATAUDELLA, Dignità e riservatezza del 
 12 
 
4. Novas tendências 
 
A onda longa do debate pós-guerra sobre a dignidade humana estende-se até o fim dos anos 
1960. Enquanto que, na Alemanha, ainda no curso daquela década, surgem mais três obras de 
grande relevo, na Itália não há escrito jurídico ou filosófico que, nesse tempo, possa ser comparado 
àqueles
31
. Do tema da dignidade humana se ocupam, naquele período, um filósofo da importância 
de Ernst Bloch, um jurista e filósofo do direito da grandeza de Werner Maihofer e um dos mais 
importantes sociólogos do século XX: Niklas Luhmann. Tanto em Bloch quanto em Maihofer, a 
idéia da dignidade humana está ainda conectada com a mensagem universalística proveniente do 
jusnaturalismo, enquanto que, com Luhmann, aparece a primeira crítica radical àquela proposta, que 
então era largamente dominante. Contudo, o recurso às doutrinas jusnaturalistas não é mais 
realizado na ótica negativa e defensiva que tinha caracterizado o pós-guerra, mas sim em uma ótica 
positiva e propositiva: se, para Bloch, a "dignidade humana é impossívelsem o fim da necessidade 
humana, como a felicidade conforme ao homem é impossível sem o fim da sujeição velha e 
nova"
32
, para Maihofer a tutela da dignidade humana estende-se para além da "personalidade do 
homem" e implica "a solidariedade entre os homens", isto é, a superação das relações econômico-
sociais que são obstáculo para sua realização
33
. Em outras palavras, para ambos a tutela da 
 
lavoratore (tutela della), em Enc. giur. Treccani, XI, Roma, 1989 (1ª ed.). Ainda hoje, são poucas as 
pesquisas específicas sobre o tema. Cfr. F. BARTOLOMEI, La dignità umana come concetto e valore 
costituzionale, Torino, 1987, A. RUGGIERI-A. SPADARO, Dignità dell'uomo e giurisprudenza 
costituzionale (prime notazioni), em "Politica del diritto", XXII, n. 3, setembro de 1991, pp. 343-377, e G. 
ALPA, Dignità. Usi giurisprudenziali e confini concettuali, em "Nuova giur. civ. comm.", 1997, pp. 415-
426. Entre a literatura mais recente, além do ensaio de Giorgio RESTA (cfr. infra, nota 44) e aquele de G. 
CARUSO (cfr. infra, nota 41), veja-se: G. PIEPOLI, Dignità e autonomia privata, em "Politica del diritto", 
XXXIV, I, 2003, pp. 45-67; F. GAMBINI, Il principio di dignità, em I diritti della persona. Tutela civile, 
penale, amministrativa, organizado por P. Cendon, vol. I, Torino, 2005, pp. 231-242, F. UNNIA, Danno 
della dignità della persona umana da pubblicità, em I diritti della persona, vol. II, cit., pp. 199-225, M.C. 
LIPARI, La dignità dello straniero, em "Politica del diritto", XXXVII, n. 2, 2006, pp. 283-319, e D. 
CARUSI, Non solo procreazione assistita: il principio di pari dignità e la costituzione minacciata, em 
"Politica del diritto", XXXVIII, n. 3, 2007, pp. 413-450. Reenvio também à minha contribuição Il principio 
della dignità umana, em Realizzazione personale e risarcimento del danno, organizado por P. Cendon e R. 
Torino, de próxima publicação pela editora Giuffrè. 
 
31
 Na França, no clima existencialista, assinale-se o volume de G. MARCEL, La dignitè humaine et ses 
assises existentielles, Paris, 1964 (trad. italiana La dignità umana e le sue matrici esistenziali, Torino, 1983). 
 
32
 Cfr. E. BLOCH, Naturrecht uns menschliche Würde, Frankfurt a.M., 1961, pp. 14 (trad. italiana de G. 
Russo, Diritto naturale e dignità umana, Torino, 2005, p. XIV). 
 
33
 Cfr. W. MAIHOFER, Rechtstaat und menschliche Würde, Frankfurt a.M., 1968, cit. a pp. 40-41. A 
primeira edição é do ano precedente e aparece com o título Die Würde des Menschen, Hannover, 1967. 
 
 13 
dignidade humana não pode prescindir da satisfação das concretas necessidades humanas, das quais 
o Estado social é chamado a se encarregar. Luhmann, por outro lado, em um dos seus primeiros 
trabalhos, apresenta-nos uma crítica radical daquela interpretação da dignidade que a liga, de algum 
modo, a um dom que os homens possuam pelo simples fato de serem homens. Ao contrário, para 
Luhmann, a dignidade é uma coisa que se deve construir socialmente: é o resultado de "prestações 
de representações", com as quais o indivíduo conquista a própria dignidade na sociedade
34
. Assim 
interpretada, a dignidade ganha um significado dinâmico: possui dignidade quem realiza o processo 
de individualização da auto-representação, mediante o qual o homem, em comunicação com os 
demais, adquire consciência de si, torna-se pessoa e, de tal forma, constitui-se em sua humanidade. 
No começo dos anos 1970 a atenção se desloca: o debate filosófico (jurídico e político) é 
dominado por uma obra que terá uma grande repercussão, aquela de John Rawls, que dá atenção à 
construção de uma sociedade bem ordenada e mais justa
35
. Mas já no curso dos anos 1990 e até 
hoje, sempre com maior insistência, a dignidade humana retorna ao centro da discussão. Tanto o 
argumento defendido por Bloch e Maihofer, quanto aquele levantado por Luhmann estão presentes 
nas discussões atuais. Mas, enquanto a referência a Luhmann é explícita, em âmbito ético-filosófico 
ou filosófico-jurídico, o mesmo não pode ser dito, em geral, dos outros dois autores. Mas como não 
ver exatamente em Bloch e Maihofer a primeira chamada ao fato de que a dignidade humana não 
pode ver apenas a pessoa abstrata enquanto sujeito jurídico, mas também o indivíduo concreto 
enquanto sujeito subordinado a relações econômico-sociais que não podem lhe garantir nem mesmo 
o mínimo de subsistência indispensável para viver? Quando o homem é obrigado a viver abaixo 
daquele limiar e cai na extrema pobreza, então se pode falar de violação da dignidade humana. Não 
apenas isso: a conexão entre dignidade e necessidade torna-se central hoje, naquela proposta 
fundada sobre as capacidades, que encontrou sua sistematização filosófica na orientação neo-
aristotélica de Martha Nussbaum
36
. 
O homem não é antes de tudo animal rationale e nem mesmo animal morale, mas sim 
"animal com necessidades", e, quanto mais a sociedade é capaz de satisfazê-las, tanto mais nela se 
realiza a dignidade humana. Não apenas inexiste dignidade humana quando falta o alimento para 
 
34
 Cfr. N. LUHMANN, Grundrechte als Institution. Ein Beitrag zur politischen Sociologie, (1965), Berlin, 
1999, pp. 53-83, trad. italiana organizada por G. Palombella e L. Pannarale, I diritti fondamentali come 
istituzione, Bari, 2002, pp. 98-138. 
 
35
 J. RAWLS, A Theory of Justice (1971), Una teoria della giustizia, trad. italiana organizada por S. 
Maffettone, Milano, 1982. 
36
 Sobre o tema, são importantes os três ensaios reunidos por Chiara Saraceno no volume M. NUSSBAUM, 
Giustizia sociale e dignità umana. Da individui a persone. Bologna, 2002, e sobre o qual veja-se, em 
particular, D. CARUSI, Dignità umana, capacità, famiglia: la giustizia sociale nei più recenti scritti di 
Martha Nussbaum, em "Politica del diritto", XXXIV, n. 1, 2003, pp. 103-113. 
 
 14 
nutrir-se, mas também quando o exercício prático das próprias capacidades está sufocado por 
condições sociais de exploração. A dignidade é algo que pertence a todos os homens, mas é preciso 
empenhar-se para criar as condições para que ela desenvolva-se efetivamente. Não é coincidência 
que a referência a Marx, encontrada em Bloch e Maihofer, também esteja presente na neo-
aristotélica Nussbaum. O discurso da dignidade carrega aqui um conteúdo fortemente 
emancipatório. Destinatários da dignidade não são mais os indivíduos racionais conscientes e 
independentes, mas crianças, mulheres, idosos, pessoas que não apenas vivem em condições 
degradantes, mas que não são colocadas nas condições de exprimirem as próprias capacidades. 
Se, nesta direção, insiste-se na dimensão social da dignidade, naquela de matriz 
luhmanniana é decisiva a dimensão individual. Luhmann ganhou grande importância porque, de um 
lado – como bem evidenciou Ralf Stoecker –, criticando a orientação jusnaturalista moderna, 
voltou-se, talvez de modo inconsciente, ao significado antigo de dignidade conectado ao papel que 
o indivíduo desempenha na sociedade
37
, e, de outro lado, como sublinhou Kurt Sellmann, 
individuou na noção "representação" um elemento fundamental da dignidade humana
38
. Ambos 
colocam em estreita relação este modo de entender a dignidade humana como dignidade individual 
com uma obra que, na Alemanha, assumiu centralidade nas atuais discussões sobre o conceito: 
trata-se de The Decent Society, de Avishai Margalit
39
. Segundo este original filósofo israelense, o 
ponto decisivo não é mais a "sociedade bem ordenada", sobre a qual Rawls tinha concentrado sua 
atenção, mas a "sociedade decente", que ele tinha, por sua vez, deixado de lado. Para Margalit, uma 
sociedade é decente quando as instituições que a formam não ofendem o respeito que todo 
indivíduo deveria ter sobre si. Adignidade, assim, não é outra coisa que "a representação do 
respeito de si". 
A conexão entre dignidade humana e respeito de si é, contudo, insuficiente. Pressupõe que o 
objeto da dignidade não seja a pessoa abstrata enquanto sujeito jurídico titular de direitos e deveres 
iguais aos de qualquer outra pessoa, mas o homem enquanto indivíduo concreto que se auto-
representa como participante da interação social. Segundo a orientação que, relacionando-se ao 
 
37
 Cfr. R. STOECKER, Die Würde des Embryon, em Ethik in der Medizin in Lehre, Klinik und Forschung, 
D. Gross (org.), Würzburg, 2002, pp. 53-71. 
 
38
 Cfr. K. SELLMANN, Repräsentation als Element von Menschenwürde, em "Studia Philosophica", 
63/2004, pp. 141-158 (o volume da revista é dedicado ao tema da dignidade humana). 
 
39
 Cfr. A. MARGALIT, The Decent Society, Cambridge (Mass.), 1996, (trad. alemã Politik der Würde. Über 
Ächtung und Verachtung, Frankfurt a.M., 1999. Já é significativo o título escolhido para a tradução alemã, 
que põe acento diretamente sobre a dignidade. O texto foi também traduzido em italiano, mas não suscitou a 
atenção que merecia: La società decente, organizada por A. Villani, Milano, 1998. Do mesmo autor veja-se, 
agora em língua italiana, também o ensaio La dignità umana fra kitsch e deificazione, em "Ragion pratica", 
25, dezembro de 2005, pp. 507-521. 
 15 
jusnaturalismo moderno, insiste na dignidade da pessoa abstratamente entendida, um homem pode 
continuar a ter respeito de si também quando é submetido a condições degradantes que violam sua 
dignidade, e, por outro lado, pode perder o respeito de si ainda que não seja submetido àquelas 
condições. 
As coisas mudam se concebemos, como Luhmann, a dignidade humana como 
individualização da auto-representação: sob esta ótica, um homem pode ser realmente lesado na sua 
dignidade todas as vezes que um comportamento externo é capaz de ferí-lo no respeito de si, na 
medida em que, com aquele comportamento, há intromissão no âmbito totalmente privado da auto-
representação. Neste âmbito, o homem tem um domínio absoluto – é ele que decide qual imagem (= 
representação) de si tornar pública – que só em situações excepcionais pode ser licitamente violado. 
Cada homem não tem apenas o direito de ser respeitado positivamente por aquilo que representa na 
sociedade, mas também negativamente, por aquilo que de si não quer fazer conhecer aos outros, e 
sobre o que deseja que seja mantida absoluta reserva. E, quanto mais nos tornamos publicamente 
transparentes, tanto mais cresce a necessidade de defender o núcleo mais profundo de intimidade 
que deveria permanecer inviolado. 
 
O reconhecimento de uma esfera íntima própria, privada, encontra aqui seu fundamento 
filosófico
40
. A problematização dos aqueles casos nos quais ocorre uma intromissão na vida privada 
– por exemplo, mediante uso de interceptações tefefônicas ambientais, a publicação não-autorizada 
de escritos, documentos pessoais e imagens, ou o uso de máquinas da verdade para fins processuais 
– deriva do fato que todas estas coisas conflitam com o monopólio da representação de si que 
compete a cada indivíduo. Não há dúvida que tudo isso comporta uma significativa dilatação no 
campo de aplicação da dignidade humana a toda uma nova série de comportamentos (por outro 
lado, como logo veremos, este modo de entender a dignidade poderia também significar uma 
restrição). 
Dessa forma, as "limpezas étnicas" que ensangüentaram a ex-Iugoslávia, o genocídio de 
Ruanda, os casos de tortura e degradação a que foram submetidos alguns prisioneiros iraquianos por 
parte de soldados americanos na prisão de Abu Ghraib e as condições desumanas nas quais estão 
detidos supostos terroristas afegãos na base de Guantánamo – para citar só alguns dos casos mais 
 
 
40
 Sob a ótica filosófica, na Itália, a privacidade foi recentemente objeto de um interessante estudo de 
Vittorio Mathieu, que, no entanto, na sua originalíssima interpretação, refere-se exclusivamente (e, na 
verdade, unilateralmente) ao pensamento clássico alemão. Cfr. V. MATHIEU, Privacy e dignità dell'uomo. 
Una teoria della persona, organizado por R. Sanchini, Torino, 2004. Sob a ótica jurídica, na literatura mais 
recente, cfr. S. NIGER, Le nuove dimensioni della privacy: dal diritto alla riservatezza alla protezione dei 
dati personale, Padova, 2006. 
 16 
recentes que mexeram com a opinião pública mundial –, demonstram quanto é importante insistir 
sobre o "velho" conceito de dignidade humana
41
. 
O aspecto mais inquietante não é o fato que a tortura venha ainda sendo praticada hoje, mas 
que ela seja até mesmo justificada como arma para combater o terrorismo. A idéia que, por razões 
de segurança, a tortura possa novamente ser utilizada como um meio para conduzir investigações 
policiais representa um perigoso passo para trás, que não devemos absolutamente realizar se não 
queremos voltar à barbárie. Neste contexto, recorrer à dignidade humana como escudo para a defesa 
de qualquer pessoa (mesmo daquela que é acusada dos crimes mais selvagens) faz jus ao caráter 
fundamental de tal princípio. E, contudo, é incontestável que o conceito de dignidade tenha 
assumido novos significados hoje. 
Pode-se lesar a dignidade de uma pessoa não apenas torturando-a ou submetendo-a a 
condições degradantes, mas também fazendo-a envergonhar-se publicamente, relevando situações 
particularmente delicadas de sua vida privada ou publicando imagens comprometedoras, ou ainda 
comentários que são incompatíveis com seu papel institucional e lesam sua reputação. 
A falta de respeito é, neste caso, lesiva à dignidade a partir do momento que a pessoa foi 
violada na representação que queria dar publicamente de si. Essa pessoa deve encontrar uma outra 
chance de representação, se não sua existência está arruinada. A moderna idéia de dignidade 
humana, que nos proíbe substancialmente de reduzir a pessoa à coisa, não permite compreender 
situações nas quais a lesão à dignidade depende do fato que a vítima pode sentir-se ofendida no 
respeito de si mesma se a sua auto-representação for colocada publicamente em discussão. 
 
5. Do abstrato ao concreto. Da pessoa ao indivíduo 
 
Com a dignidade humana aconteceu, no curso da segunda metade do século passado, algo 
parecido com aquilo que se verificou com os direitos humanos. Se, no começo, estes vislumbravam 
o homem em abstrato, como ente genérico, independentemente de determinação concreta (sexo, cor, 
língua, etc), reservando a todo homem o direito a ser tratado como qualquer outro homem, depois 
passou-se a considerar o homem em concreto, na especificidade de seus diversos status, 
 
 
41
 Ainda que, em todos esses casos, falou-se sobretudo de "violações dos direitos humanos", enquanto que o 
tema da dignidade humana não recebeu a importância que merecia. O único volume em língua italiana no 
qual aparece uma referência à dignidade humana é Diritti senza pace. Difendere la dignità umana nei 
conflitti armati, organizado pela Amnesty International, Fiesole, 1999. O mesmo se pode dizer com 
referência às "velhas" e "novas" formas de redução à escravidão. Contudo, veja-se sobre isso: G. CARUSO, 
Delitti di schiavitù e dignità umana. Contributi per un'ermeneusi della legge 11 agosto 2003, n. 228, Roma, 
2004. 
 
 17 
diferenciados segundo sexo, idade, condições físicas ou sociais. O primeiro processo insiste sobre a 
necessidade de igual tratamento dos seres humanos. O segundo destaca a necessidade de um 
tratamento diferente: a mulher diversamente do homem, a criançado adulto, o adulto do idoso, o 
saudável do doente, e assim por diante, com diferenciações ulteriores sempre mais específicas. 
Basta observar as diversas Cartas de direitos que se seguiram no curso dos anos
42
 para dar-se conta 
rapidamente deste desenvolvimento
43
. Este processo de proliferação dos direitos humanos 
considerou direitos a conteúdo econômico e social (por exemplo, ao trabalho, à saúde, à instrução, a 
um mínimo de subsistência vital), que se referem a indivíduos considerados não enquanto 
singulares, mas como pertencentes a grupos e, por fim, direitos que se referem ao homem nas 
diferentes fases da vida ou nas suas condições físicas particulares. 
Este processo modificou a preocupação do homem considerado em abstrato, igual a 
qualquer outro homem, para o homem considerado em concreto, com todas aquelas diferenças que 
derivam de fazer parte de um grupo e não de outro, ou de encontrar-se em uma fase da vida e não 
em outra. Isto explica os direitos das mulheres, dos negros, das minorias étnicas ou de outro gênero, 
as intervenções humanitárias nos confrontos de populações reduzidas à pobreza extrema e, com 
referência às diferentes fases da vida, os direitos da criança, do idoso, do doente (e especificamente 
do doente mental), das pessoas deficientes. Mais recentemente, a atenção deslocou-se para as 
diferentes fases da vida pré-natal (em conexão às técnicas de reprodução medicamente assistida e à 
manipulação genética) e para as diversas fases que acompanham uma morte cada vez mais 
submetida ao controle tecnológico. Direitos do embrião e/ou do feto e direitos do doente terminal (a 
partir do reconhecimento do "testamento biológico") estão, hoje, no centro do debate. E é 
exatamente nestes últimos contextos que é freqüente o apelo à dignidade humana. 
Às Cartas de direitos, acima citadas, seguiram outras nas quais a proclamação dos direitos 
humanos é precedida do reconhecimento do valor da dignidade humana. Agora, o chamado à 
dignidade humana ocorre tanto no sentido da tutela da pessoa em abstrato quanto no sentido da 
tutela do indivíduo concreto. Para observar isso, basta tomar em consideração o Capítulo I da Carta 
dos direitos fundamentais da União Européia, proclamada solenemente em Nice, em dezembro de 
 
42
 Recorde-se, entre outros, estes documentos fundamentais da ONU: Convenção sobre o estatuto dos 
apátridas (28 de setembro de 1954); Convenção sobre a abolição do trabalho forçado (25 de junho de 
1957); Convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres (18 de 
dezembro de 1979); Convenção contra a tortura e outras penas e tratamentos cruéis, desumanos ou 
degradantes (10 de dezembro de 1984); Convenção sobre os direitos das crianças (20 de novembro de 
1989); Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência (30 de março de 2007). 
 
43
 Como tinha evidenciado Norberto Bobbio em alguns ensaios fundamentais, reunidos na obra L'età dei 
diritti, Torino, 1992 (veja-se particularmente pp. 68-70, mas a questão retorna também em outras partes do 
texto). 
 
 18 
2000, e confrontá-la com a Convenção européia para a salvaguarda dos direitos do homem e das 
liberdades fundamentais, que entrou em vigor em setembro de 1953
44
. É importante notar como, na 
Convenção, não aparece referência explícita à dignidade humana, e também onde a referência é 
implícita, ela considera o homem em abstrato, enquanto na mais recente Carta dos direitos é 
exatamente o elemento individual a adquirir um relevo particular. A expressão "toda pessoa", 
dominate na Convenção, vem freqüentemente substituída pela expressão "todo indivíduo". Este não 
é o lugar para comparar os dois documentos, mas é importante recordar que, na Convenção, o 
direito à vida de "cada pessoa" não exclui a pena de morte (art. 2°), enquanto que, na Carta dos 
direitos, o fato que "todo indivíduo" tenha direito à vida comporta que "ninguém pode ser 
condenado à pena de morte, nem executado" (art. 2°, § 2°). Além disso, é interessante a tutela da 
intimidade (privacy), que na Carta prevê (art. 8°) disposições detalhadas sobre a proteção dos dados 
pessoais: "todo indivíduo tem direito à proteção dos dados de caráter pessoal concernentes a ele" 
(art. 8°, § 1°)
45
. 
Todo o Capítulo I da Carta, dedicado à dignidade, depois de ter reafirmado, usando os 
mesmos termos da Lei fundamental alemã, o valor "intangível" da dignidade humana ("ela deve ser 
respeitada e tutelada"), repropõe a dignidade humana como tutela da dignidade da pessoa enquanto 
pessoa, proibindo torturas e penas ou tratamentos desumanos e degradantes (art. 4°), assim como 
escravidão, trabalhos forçados e tráfico de seres humanos (art. 5°), mas deixando também emergir 
toda a importância da tutela da dignidade da pessoa enquanto indivíduo concreto, não apenas 
proibindo a pena capital (seja sob a forma de execução ou de simples condenação), mas também 
 
44
 Ambos os documentos são reproduzidos no volume Codice dei diritti umani, organizado por G. Conso e 
A. Saccucci, Padova, 2001, pp. 347-351 (Convenção européia) e pp. 577-584 (Carta dei diritti). Em relação 
ao nosso tema, e especificamente sobre a Convenção européia, cfr. B. MAURER, Le principe de respect de 
la dignité humaine et la Convention européenne des droits de l'homme, Paris, 1999, e S. BARTOLE-B. 
CONFORTI-G. RAIMONDI, Commentario alla Convenzione europea dei diritti dell'uomo e delle libertà 
fondamentali, Padova, 2001. Sobre a Carta dos direitos, cfr. L'Europa dei diritti. Commento alla Carta dei 
diritti fiìondamentali dell'Unione europea, R. Bifulco, M. Cartabia, A. Celotto (org.), Bologna, 2001 (pp. 38-
45, comentário de M. Olivetti ao art. 1°); fundamental também R. BIFULCO, Dignità umana e integrità 
genetica nella Carta dei diritti fondamentali dell'Unione Europea, em "Rassegna Parlamentare", n. 1, 2005, 
pp. 63-115. A Carta dei diritti foi depois inserida, como segunda parte, no Projeto de Tratado que institui 
uma Constituição para a Europa, apresentada ao Conselho europeu reunido em julho de 2003, em 
Tessalonica, e ratificado em Roma, em 29 de outubro de 2004 (à dignidade é aqui reservado o Título I, art. 
II, 61-65). Uma contribuição importante sobre o tema foi dada por G. RESTA, La disponibilità dei diritti 
fondamentali e i limiti alla dignità (note a margine della Carta dei diritti), em "Rivista di diritto civile", 
2002, pp. 801-848. 
 
45
 Disposições análogas encontram-se no novo Código italiano sobre a tutela de dados pessoais (d.Lgs. 30 de 
junho de 2003, n. 196), pois não é por acaso que o art. 2° coloca em estreita relação a privacidade com a 
dignidade: o código "garante que o tratamento dos dados pessoais ocorra no respeito aos direitos e às 
liberdades fundamentais, assim como da dignidade do interessado, com particular referência à privacidade, à 
identidade pessoal e ao direito de proteção dos dados pessoais". 
 
 19 
vetando, no âmbito da biomedicina, todas aquelas práticas (como a eugenia, a comercialização do 
corpo humano, a clonagem reprodutiva) tidas como lesivas da "integridade física e psíquica" de 
"todo indivíduo" (art. 3°). Tutelar a integridade física e psíquica significa reconhecer a todo ser 
humano o direito de ser considerado não apenas como ente genérico e, por isso, igual a qualquer 
outro indivíduo, mas também como ente individual e, portanto, diferente de qualquer outro 
indivíduo. 
A Carta, então, fornece uma proteção integral da dignidade humana: é o primeiro 
documento jurídico em que esta apresenta-se com plena autonomia em relação a outros valores, 
como a liberdade e a igualdade, às quais vinha associada tradicionalmente. 
Esta relevância da dignidade humana está ligada – como mostra particularmente o art. 3° – 
às possíveis aplicações biotecnológicas ao homem, e é extremamente significativa porque recupera,e quiçá aumenta, a centralização da dignidade atribuída por outro documento, pouco anterior, que se 
ocupa especificamente de tais aplicações: a chamada Convenção de Oviedo do Conselho da 
Europa
46
. No próprio título deste documento, a dignidade vem associada à proteção dos direitos 
humanos, ainda que, no Preâmbulo, exista pelo menos uma passagem na qual a dignidade aparece 
autonomamente, onde se afirma "a necessidade de respeitar o ser humano, seja como indivíduo, seja 
por pertencer à espécie humana", e se reconhece "a importância de assegurar a sua dignidade". É 
aqui mais evidente o uso do vocábulo nos dois significados acima destacados: a dignidade do 
homem como ente genérico e como ente individual. 
A Convenção de Oviedo constitui o primeiro documento jurídico
47
 internacionalmente 
vinculante que regulamenta, de modo específico, as possíveis aplicações no homem dos progressos 
da medicina e da biologia, e parte da tomada de consciência que "um uso impróprio da biologia e da 
medicina pode levar a atos que colocam em perigo a dignidade humana". É diante desta situação 
que a Convenção propõe-se a adotar as "medidas necessárias para garantir a dignidade humana, 
assim como os direitos e as liberdades fundamentais do indivíduo". O art. 1° afirma que as partes 
 
46
 CONSELHO DA EUROPA, Convenção para a proteção dos direitos do homem e da dignidade do ser 
humano com relativamente às aplicações da biologia e da medicina (Convenção sobre os direitos do homem 
e sobre biomedicina), Oviedo, 04 de abril de 1997. O texto oficial, em francês e inglês, conjuntamente com a 
trad. italiana anotada por L. Carra e M. Mori, foi publicada em "Bioetica", 1998, 4, pp. 581-609. Para um 
interessante comentário sintético, cfr. R. ANDORNO, The Oviedo Convention: A European Legal 
Framework at the Intersection of Human Rights and Health Law, "Journal of International Biotechnology 
Law", 2, 2005, pp. 133-143. 
47
 A ênfase na noção de dignidade humana que caracteriza a Convenção de Oviedo foi recepcionada pelos 
mais importantes documentos da Unesco que se ocuparam de questões bioéticas: UNESCO, Declaração 
universal sobre o genoma humano e os direitos humanos, de 11 de novembro de 1997 (veja-se em particular: 
art. 1°, art. 2°, art. 10, art. 11, art. 12a, art. 15); UNESCO, Declaração universal sobre a diversidade 
cultural, de 02 de novembro de 2001 (em particular Preâmbulo e o art. 4°); UNESCO, Declaração universal 
sobre bioética e os direitos humanos, outubro de 2005 (em particular, art. 2°c e 3°); UNESCO, Establishing 
bioethics committees, outubro de 2005 (Parte I, pp. 9-10). 
 20 
firmatárias empenham-se a proteger "a dignidade e a identidade do todos os seres humanos", e a 
garantir "a todo indivíduo, sem discriminação, o respeito à sua integridade e de seus direitos e 
liberdades fundamentais em relação às aplicações da biologia e da medicina". 
Também deste importante documento (e dos sucessivos protocolos adotados, ou em curso, 
sobre questões singulares, como, por exemplo, a proibição da clonagem humana) não é possível 
fornecer uma análise detalhada. Gostaria, contudo, de dedicar-me a dois aspectos (que, ao mesmo 
tempo, colocam-me dois limites) e tratá-los em conexão com as diversas posições que atualmente se 
afrontam no debate bioético. Em um documento que tem por objeto a dignidade humana e toda uma 
série de direitos humanos fundamentais, não se precisa, de modo adequado, no que consistiria 
propriamente a proteção da dignidade humana em relação às proteções dos outros direitos 
fundamentais. Em segundo lugar, no documento jamais vem definido o que se entende por "ser 
humano": esta ausência pode parecer totalmente irrelevante a partir do momento que todos nós 
sabemos o que é um ser humano. Contudo, veremos na seção conclusiva (infra, 7) que as coisas não 
são bem assim. 
 
6. A vida humana na época de sua reprodutibilidade técnica 
 
Em relação ao primeiro aspecto, poder-se-ia inicialmente responder que a Convenção, 
associando a dignidade à identidade, teria de algum modo desejado indicar um limite insuperável: 
aquele dado pela manipulação do patrimônio genético, com o fim deliberado de planificar a criação 
de seres humanos com características superiores que daqueles existentes. Esta explicação é 
confirmada pelos artigos 11-14, dedicados ao genoma humano. Ainda que, naquele contexto, não se 
encontre a locução "dignidade humana", é evidente que a tutela da identidade genética é fundada 
exatamente sobre a intangibilidade da dignidade humana, a ser entendida tanto no sentido de um 
direito de todos os seres humanos (e, portanto, da espécie humana enquanto tal) à integridade do 
patrimônio genético, quanto no sentido de um direito de cada indivíduo à unicidade de seu 
genótipo, de não sofrer discriminações por esta razão. Interpretada deste modo, a noção de 
dignidade humana poderia constituir uma ótima proteção nas questões de todas as tentações 
(partindo da clonagem reprodutiva) que hoje trazem as biotecnologias aplicadas à espécie humana. 
Não está ameaçada apenas a dignidade dos homens singulares ou de grupos de homens – que hoje 
seguramente encontram mais tutelas que no passado – mas a dignidade da espécie a que pertencem, 
na medida em que eles mesmos tentam manipulá-la. E, ainda sobre este ponto, no debate bioético 
 
 
 21 
atual existe menos acordo do que pareceria à primeira vista. A seguir, apenas um breve resumo da 
discussão. 
Há alguns anos atrás, Stefano Rodotà escrevia que, mesmo admitindo a liberdade de acesso 
às técnicas reprodutivas, isso não significa que tal liberdade "traduza-se também ao direito de 
predeterminar as características do nascituro, de interferir no seu material genético. O 'acaso' deve 
manter seu papel no processo de reprodução"
48
. Contudo, neste gênero de argumentação está 
presente uma questão crucial: por que o homem não poderia pegar em suas próprias mãos o destino 
de sua evolução, uma vez que já está em condições de fazê-lo, invés de continuar a confiar no 
acaso? Dentro de um ponto de vista laico, hoje há gente que o defende abertamente. A revolução da 
biologia molecular nos dá a capacidade de guiar e controlar a evolução humana, e não se vê, prima 
facie, por qual razão uma ética laica deveria continuar a confiar no acaso. A manipulação genética é 
o futuro do homem. Esta é, pelo menos, a conclusão radical, mas coerente, a que chegou John 
Harris, em um livro emblemático, já traduzido em língua italiana
49
. A isso se poderia contrapor 
alguns recentes escritos de Jürgen Habermas, que insiste sobre os riscos de uma genética liberal
50
. 
Ainda que não seja possível aqui um confronto entre estas duas perspectivas opostas, 
parece-me importante destacar como – diante do problema da manipulação genética por parte 
daqueles que pretendem evidenciar seus perigos – exatamente o recurso à idéia do homem como 
"imago Dei" continua ainda a mostrar, não obstante sua fragilidade aparente, toda a sua força. No 
fundo, o argumento evita a queda ao reducionismo biológico e nas conseqüentes acusações de 
especismo que, freqüentemente, são colocadas nos confrontos com aqueles que defendem que o 
homem deveria ser protegido simplesmente porque pertence à espécie humana
51
. Com certeza, 
poder-se-ia evitar tal obstáculo, como fez em 1999 o povo suiço, inserindo na própria Constituição 
um artigo que prevê uma proteção contra os abusos da engenharia genética mesmo no âmbito não-
 
48
 Cfr. S. RODOTÀ, Tecnologia e diritti, Bologna, 1995, p. 160. Mais recentemente, esta argumentação foi 
utilizada para indicar uma "chave interpretativa laica da noção de dignidade". Cfr. M.G. GIAMMARINARO, 
Lucie ombre della Carta Europea dei diritti, em "Bioetica", 4, 2001, pp. 710-725 (715). 
 
49
 Cfr. J. HARRIS, Wonderwoman & Superman, 1992, trad. italiana, com o mesmo título, organizada por R. 
Rini, Milano, 1997. 
 
50
 Cfr. J. HABERMAS, Die Zukunft der menschlichen Natur. Auf dem Weg zu einer liberalen Eugenik?, 
2001, trad. italiana de L. Ceppa, Il futuro della natura umana. I rischi di una genetica liberale, Torino, 2002. 
 
51
 O vocábulo "especismo" foi cunhado por R. D. Ryder para indicar (em analogia com "racismo" e 
"sexismo", que indicam a discriminação com base em raça e em sexo) a discriminação que os homens 
efetuam nas relações com as outras espécies (cfr. R. D. RYDER, Experiments on animals, em Animals, Men 
and Morals: an Enquiry into the Maltreatment of Non-Humans, organizado por R. e S. Godlovitch e J. 
Harris, London, 1971). O termo tem tido grande sucesso sobretudo a partir da publicação de Animal 
liberation (1975) de Peter Singer (trad. italiana Liberazione animale, de E. Ferreri, organizada por P. 
Cavalieri, Milano, 1991). 
 22 
humano, que fala expressamente de "uma dignidade da criatura" (Würde der Kreatur, art. 120, § 
2°), estendendo assim a tutela da dignidade a todas as criaturas vivas, animais e plantas incluídos. 
Ainda que possam ser entendidas as intenções que instigaram a introdução deste novo conceito, é 
claro o risco que se corre: poderia se perder aquela especificidade do valor da dignidade que sempre 
a caracterizou, isto é, de estar ligada ao ser humano
52
. 
 Para superar a crítica de especismo seria possível também seguir outro caminho. Robert 
Spaemann defende a seguinte tese: o homem possui uma dignidade específica no mundo da 
natureza viva, não por sua particular conformação genética, mas porque é o único ser em condições 
de relativizar a si mesmo, de tomar distância de sua própria subjetividade e de pôr os próprios 
interesses em um contexto onde outros interesses (humanos e não-humanos) entram em jogo. É 
porque existem homens que hoje podemos falar de direitos dos animais e até mesmo dos nossos 
deveres nas relações com a natureza. E é exatamente esta capacidade de relativizar a si mesmo que 
revela, paradoxalmente, o absoluto do homem, a sua incomensurabilidade em relação aos outros 
seres vivos. Spaemann cita Santo Agostinho, que considera o homem capaz de "amor Dei usque ad 
contemptum sui", e conclui: "o conceito 'dignidade' refere-se a alguma coisa de sagrado: é, em 
substância, um conceito metafísico-religioso"
53
. Dessa forma, é o apelo a algo superior ao homem 
que funda a sua dignidade. 
Admitida como capaz de enfrentar a crítica do especismo, esta argumentação dificilmente 
parece aceitável nas nossas sociedades secularizadas. Aqui está sua (aparente) fragilidade. Mas 
também, sob esta ótica, as coisas são mais complexas do que parecem. O discurso metafísico pode 
ser mantido separado daquele religioso. Saído de uma imersão cultural nos movimentos gnósticos 
antigos e tardo-antigos, Hans Jonas, por exemplo, procura recuperar a metafísica, esforçando-se 
para mantê-la separada da religião, ainda que, por outro lado, seja obrigado a admitir que tal 
 
 
52
 Para uma discussão do tema, cfr. "Würde der Kreatur". Essays zu einem kontroversen Thema, organizado 
por A. Bondolfi, W. Lesch, D. Pezzoli-Olgiati, Zürich, 1997, e PH. BALZER-K.P. RIPPE-P. SCHABER, 
Menschenwürde vs. Würde der Kreatur. Begriffsbestimmung, Gentechnik, Ethikkommissionen, Freiburg-
München, 1998. Uma leitura interessante da dignidade humana e animal à luz do "valor intrínseco de 
criatura que é reconhecido aos animais" encontra-se em F. D'AGOSTINO, Filosofia del diritto, Torino, 
1993, 252-261. 
 
53
 Cfr. R. SPAEMANN, Über den Begriff der Menschenwürde, em Menschenrechte und Menschenwürde. 
Historische Voraussetzungen - säkulare Gestalt - christliches Verständnis, E.W. Böckenförde e R. 
Spaemann (org.), Stuttgart, 1987, pp. 295-313. A importância do ensaio de Spaemann (há muito tempo 
traduzido em espanhol e recentemente em italiano, R. SPAEMANN, Natura e ragione. Saggi di 
antropologia, Università della Santa Croce, Roma, 2006) não escapou de F. Viola, que utilizou suas idéias 
fundamentais na conclusão de seu livro Etica e metaetica dei diritti umani, Torino, 2000, pp. 208-216 ("§ 5° 
La giustificazione della dignità umana"). É este, entre outros, um dos poucos casos nos quais, no âmbito da 
filosofia do direito italiana, é afrontado o tema da dignidade humana. Do mesmo autor, cfr. Dignità umana, 
em Enciclopedia filosofica, Milano, 2006, pp. 2863-2865. 
 23 
fundação "talvez seja impossível sem a religião"
54
. A referência constante deste autor ao homem 
como imagem de Deus retraduz, no fundo, argumentos teológicos em uma ética laica, antecipando, 
de tal modo, alguns êxitos do atual debate sobre a dignidade humana que reabrem o discurso sobre 
o papel ativo das religiões na cena mundial. 
Penso aqui, em particular, nos escritos de Habermas que, a partir do discurso Glauben und 
Wissen, de 2001, até a recente discussão com Joseph Ratzinger, insistem, ainda mais que nas obras 
anteriores do autor, sobre a relação entre religião e Estado liberal-democrático. A linguagem 
religiosa não é mais simplesmente consolatória, não se refere apenas à esfera privada dos 
indivíduos, nem mesmo cumpre uma função tão-somente no interior da Lebenswelt ("mundo vital"), 
mas exprime razões, ocupa um espaço na "esfera pública polifônica"
55
. Confinar Deus 
exclusivamente no âmbito privado da própria consciência significa esterilizar a contribuição que a 
religião pode oferecer ao desenvolvimento da sociedade civil. O processo de secularização deveria, 
então, cumprir-se não de forma destrutiva, mas na forma de tradução: "Traduzir a idéia de um 
homem criado à imagem e semelhança de Deuz, na idéia de uma igual dignidade de todos os 
homens, de respeitar-se incondicionalmente, constitui um exemplo de tal tradução preservadora"
56
. 
Concentrei-me sobre Habermas não porque diga coisas particularmente originais em 
comparação com Spaemann ou Jonas, mas porque, o que talvez surpreenda à primeira vista, chega a 
conclusões muito semelhantes às destes autores. Embora movendo-se em um horizonte laico e pós-
metafísico, Habermas não encontra nada melhor que apelar à idéia do homem como imagem de 
Deus para contrastar os riscos de uma genética liberal. Tudo isto confirma a importância deste 
argumento no debate atual. Ainda que seja necessário observar que, diversamente do último 
 
 
54
 Cfr. H. JONAS, Das Prinzip Verantwortung, (1979), trad. italiana Il principio responsabilità. Un'etica per 
la civiltà tecnologica, organizada por P.P. Portinaro, Torino, 1990 (a citação encontra-se na p. 17). Neste 
contexto, é importante assinalar uma conferência de Jonas publicada postumamente, e pela primeira vez em 
italiano em "Micromega", 5, 2003, pp. 40-54: Come possiamo fondare indipendentemente dalla fede il 
nostro dovere nei confronti delle generazioni future e della terra?. O original alemão foi publicado com o 
título Wie können wir unsere Pflicht gegen die Nachwelt und die Erde unabhängig vom Glauben 
begründen?, em Orientierung und Verantwortung. Begegnungen und Auseinandersetzungen mit Hans Jonas, 
D. Böhler e J.P. Brune (org.), Würzburg, 2004, pp. 71-84. 
 
55
 Cfr. J. HABERMAS, Glauben und Wissen, 2001, trad. italiana Fede e sapere, em J. HABERMAS, Il 
futuro della natura umana. I rischi di una genetica liberale, cit., pp. 99-112 (a citaçao está na p. 107). 
56
 Cfr. J. HABERMAS, Vorpolitische moralische Grundlagen eines freiheitlichen Staates (2004), em J. 
RATZINGER-J.

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