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Resumo Rim normal

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Rim
Morfologia – Patologia dos sistemas de órgãos
Robbins
 Normal
	 O que é um ser humano alem de uma máquina engenhosa feita para transformar, com “infinita habilidade, o vinho tinto de Xerez em urina?” Assim disse o contador de histórias nos Sete contos góticos de Isak Diensen. Mais precisamente, porém menos poeticamente, os rins humanos servem para converter mais de 1700 litros de sangue por dia em cerca de um litro de um fluido concentrado altamente especializado chamado de urina. Dessa forma, o rim excreta os produtos tóxicos do metabolismo, regula precisamente as concentrações corpóreas de água e sal, mantém o balanço ácido apropriado do plasma e age como um órgão endócrino, secretando hormônios como eritropoietina, renina e prostaglandinas. Os mecanismos fisiológicos que o rim desenvolveu para realizar essas funções demandam um alto grau de complexidade estrutural.
	 Cada rim humano pesa cerca de 150g. Á medida que o ureter penetra no rim pelo hilo, dilata-se formando uma cavidade em forma de túnel, a pelve, da qual derivam dois ou três ramos principais, os cálices maiores; cada um desses se subdivide novamente em três ou quatro cálices menores. Existem cerca de 12 cálices menores no rim humano. Na superfície de corte, o rim é composto de um córtex e uma medula, o primeiro com uma espessura de 1,2 a 1,5cm. A medula consiste em pirâmides renais, cujos ápices são chamados papilas, cada uma relacionada a um cálice. O tecido cortical se estende para espaços entre as pirâmides adjacentes formando as colunas de Bertin. Do ponto de vista de suas doenças, o rim pode ser dividido em quatro componentes: vasos sanguíneos, glomérulos, túbulos e interstício.
	 Vasos sanguíneos. O rim é ricamente suprido por vasos sanguíneos, e embora os dois rins representem apenas 0,5% do peso corporal, recebem cerca de 25% do débito cardíaco. O córtex é a parte mais vascularizada do rim, recebendo 90% do suprimento sanguíneo renal total. A artéria renal principal se divide em seções anterior e posterior no hilo. A partir dessas, emergem artérias inter-lobulares, que cursam entre os lobos e geram artérias arqueadas, que formam um arco entre o córtex e a medula, que, por sua vez, gera as artérias intra-lobulares. A partir das artérias intra-lobulares, arteríolas aferentes penetram no tufo glomerular, onde se subdividem progressivamente em 20 a 40 alças arranjadas em diversas unidades com uma arquitetura centrada por uma haste mesangial. As alças capilares se unem para sair do glomérulo como arteríolas eferentes. Em geral, as arteríolas eferentes dos néfrons superficiais formam uma rica trama vascular que envolve os túbulos corticais (trama vascular peritubular), e glomérulos justamedulares mais profundos formam os vasos retos, que descendem para suprir a medula externa e interna. Esses vasos retos arteriais descendentes fazem, então, diversas alças na medula interna e ascendem como vasos retos venosos.
	 A anatomia dos vasos renais tem diversas implicações importantes. Primeiro, como as artérias são principalmente artérias terminais, a oclusão de qualquer ramo geralmente resulta em infarto da área específica por ele suprido. Doenças glomerulares que interferem com o fluxo sanguíneo através dos capilares glomerulares têm profundos efeitos nos túbulos, tanto no córtex quanto na medula, porque todos os leitos capilares são derivados das arteríolas eferentes. O sangue nas alças capilares na medula tem um nível de oxigenação notavelmente baixo. Portanto, pequenas interferências no suprimento sanguíneo da medula podem resultar em necrose medular por isquemia.
	Glomérulos. O glomérulo consiste em uma rede de capilares que se anastomosam, revestidos por endotélio fenestrado coberto por duas camadas de epitélio. O epitélio visceral é incorporado pela parede capilar e se torna parte dela, separado das células endoteliais por uma membrana basal. O epitélio parietal, situado na cápsula de Bowman, reveste o espaço urinário, a cavidade na qual ocorre a primeira coleção do filtrado plasmático.
	 A parede capilar glomerular é a membrana de filtração e consiste nas seguintes estruturas:
Uma fina membrana de células endoteliais fenestradas, cada fenda com aproximadamente 70 a 100nm de diâmetro.
Uma membrana basal glomerular (MBG) com uma camada central elétron-densa espessa, a lâmina densa, e camadas periféricas elétron-lucentes mais fina, a lâmina rara interna e a lâmina rara externa. A MBG consiste em colágeno (principalmente do tipo IV), laminina, proteoglicanas poli-aniônicas (principalmente heparan sulfato), fibronectina, entactina e diversas outras glicoproteínas. O colágeno do tipo IV forma uma rede supra-estrutural á qual outras glicoproteínas aderem. O bloco de construção (monômero) dessa rede é uma molécula de tripla hélice formada por três cadeias alfa (alfa 1 a alfa 6 ou COL4A1 a COL4A6), as mais comuns consistindo em alfa1, alfa 2, alfa1. Cada molécula consiste de um domínio 7S no término amina, um domínio de tripla-hélice no meio e um domínio globular não-colagenoso (NC1) no término carboxil. O domínio NC é importante para a formação da hélice e para a montagem de monômeros de colágeno dentro da supra-estrutura da membrana basal. Glicoproteínas (laminina, entactina) e proteoglicanas ácidas (heparan sulfato, perlecan) se ligam á supra-estrutura colagenosa. Esses determinantes bioquímicos são críticos para se entender as doenças glomerulares. Por exemplo, conforme veremos, os antígenos no domínio NC1 são os alvos dos anticorpos na nefrite anti-MBG; defeitos genéticos nas cadeias alfa estão por trás de algumas formas de nefrite hereditária; e a natureza porosa ácida da MBG determina suas características de permeabilidade.
As células epiteliais viscerais (podócitos) são células estruturalmente complexas que possuem processos interdigitantes implantados e aderidos á lâmina rara externa da membrana basal. Pedicelos adjacentes são separados por fendas de filtração de 10 a 30nm de espessura, que são unidas por um fino diafragma.
Todo o tufo glomerular é sustentado por células mesangiais que repousam entre os capilares. Uma matriz mesangial semelhante á membrana basal forma uma trama através da qual as células mesangiais são centradas. Essas células, de origem mesenquimal, são contráteis, fagocíticas e capazes de proliferar, de depositar tanto matriz quanto colágeno e de secretar diversos tipos de mediadores biologicamente ativos. Biologicamente, são as mais semelhantes a células musculares lisas vasculares e pericitos. São, como veremos a seguir, agentes importantes em muitas formas de glomerulonefrite humana.
	 As principais características da filtração glomerular normal são uma permeabilidade extraordinariamente alta a água e pequenos solutos, devido á natureza altamente fenestrada do endotélio, e impermeabilidade a proteínas, tais como moléculas do tamanho da albumina (mais de 3,6nm de raio, 70 quilodáltons (kDa) de peso molecular) ou maiores. Essa propriedade, chamada de função de barreira glomerular, distingue entre várias moléculas proteicas, dependendo de seu tamanho (quanto maiores, menos permeáveis) e carga (quanto mais catiônicas, mais permeáveis). Essa função de barreira dependente de tamanho e carga é um resultado da complexa estrutura da parede capilar, da estrutura colagenosa porosa e carregada da MBG e de muitos componentes aniônicos presentes na parede, incluindo as proteoglicanas da MBG e as sialo-glicoproteínas dos revestimentos celulares epiteliais e endoteliais. A restrição dependente de carga é importante na exclusão virtualmente completa da albumina do filtrado, porque a albumina é uma molécula aniônica de pI 4,5. A célula epitelial visceral, também conhecida como podócito, é importante para a manutenção da função de barreira glomerular; seu diafragma de fenda apresenta uma barreira de difusão distal seletiva por tamanho para a filtração de proteínas, e é o tipo celular amplamente responsável pela síntese de componentes da MBG. Proteínas localizadas no diafragma de fenda controlam a permeabilidadeglomerular. Embora os detalhes estejam incompletos, três importantes proteínas foram identificadas. A nefrina é uma proteína trans-membrana com uma grande porção extra-celular feita de domínios semelhantes a imunoglobulinas (Ig). Moléculas de nefrina se estendem uma em direção a outra a partir de pedicelos vizinhos e dimerizam ao longo do diafragma de fenda. Dentro do citoplasma dos processos pedicelos a nefrina forma conexões moleculares com a podocina, a proteína associada ao CD-2, e, finalmente, o citoesqueleto de actina. A importância dessas proteínas em manter a permeabilidade glomerular é demonstrada pela observação de que as mutações nos genes que as codificam geram a síndrome nefrótica. Isso resultou em uma apreciação renovada da importância da fenda de filtração na função de barreira glomerular e sua contribuição para o vazamento de proteínas em estados patológicos.
	 Túbulos. A estrutura das células epiteliais tubulares renais varia consideravelmente entre diferentes níveis do néfron e, até certo ponto, correlaciona-se com sua função. Por exemplo, a estrutura altamente desenvolvida das células tubulares proximais, com suas microvilosidades longas abundantes, inúmeras mitocôndrias, canalículos apicais e extensas interdigitações inter-celulares, correlaciona-se com suas funções principais: reabsorção de dois terços do sódio e água filtrados, bem como de glicose, potássio, fosfato, aminoácidos e proteínas. O túbulo proximal é particularmente vulnerável a lesões isquêmicas. Além disso, toxinas são frequentemente reabsorvidas no túbulo proximal, tornando-o suscetível a lesões químicas.
	 O aparelho justa-glomerular se situa próximo ao glomérulo, onde a arteríola aferente o penetra, e consiste em (1) células justa-glomerulares, células musculares lisas granulares modificadas na média da arteríola aferente que contém renina; (2) mácula densa, uma região especializada do túbulo distal, quando esse retorna para o polo vascular do glomérulo que lhe deu origem, onde há maior população de células tubulares e as células são um pouco mais curtas e possuem padrões diferentes de interdigitação entre membranas adjacentes; e (3) célula em renda ou células não-granulares, que residem na área ligada pela arteríola aferente, a mácula densa e o glomérulo. Elas se assemelham ás células mesangiais e parecem ser contínuas com essas. O aparelho justa-glomerular é um pequeno órgão endócrino, e as células justa-glomerulares são a principal fonte de produção de renina no rim.
	 Interstício. No córtex normal, o espaço intersticial é compacto, sendo ocupado pelos capilares peritubulares fenestrados e um pequeno número de células semelhantes a fibroblastos. Qualquer expansão evidente do interstício cortical é geralmente anormal; essa expansão pode ser devida a edema ou infiltração por células inflamatórias agudas, como nas doenças intersticiais, ou pode ser causada por acúmulo de células inflamatórias crônicas e tecido fibroso, como nas doenças intersticiais crônicas. A quantidade de proteoglicanos no tecido intersticial da medula aumenta com a idade e na presença de isquemia.

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