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20 EMÍLIA VIOTTI DA COSTA nizadores. A empresa colonial refletiu essa aliança. A Coroa es- tava interessada na expansão dos seus domínios e no usufruto das rendas coloniais. Não contava, no entanto, com os recursos materiais e humanos para lançar-se a essa obra sozinha. Por isso, recorreu aos mercadores e aos banqueiros que, dessa forma, se associaram à colonização. Estes, por sua vez, necessitavam do apoio da Coroa para assegurar o controle dos mercados, condi- ção essencial de acumulação do capital. A expressão teórica e prática dessa aliança entre a burguesia comercial e o Estado foi a política mercantilista. O caráter restrito do mercado – tanto internacional quanto colonial – nos primeiros séculos depois da descoberta e os riscos do comércio transatlântico tornavam imperativa a criação de um regime de monopólios e privilégios que limitasse a concor- rência e assegurasse os lucros tanto dos mercadores quanto da Coroa. Em conseqüência, os domínios de além-mar foram impedi- dos de comerciar livremente, obrigando-se a exportar seus pro- dutos através da metrópole, de onde importavam as manufaturas cuja fabricação era proibida nas colônias. O sistema colonial assim montado atendia originalmente a interesses metropolitanos, mas encontrava apoio nas colônias entre os grupos ligados à econo- mia de exportação e importação. O sistema colonial montado segundo a lógica do capitalis- mo comercial e em razão dos interesses do Estado absolutista entrou em crise quando a expansão dos mercados, o desenvolvi- mento crescente do capital industrial e a crise do Estado absolu- tista tornaram inoperantes os mecanismos restritivos de comércio e de produção. Os monopólios e privilégios que haviam caracte- rizado o sistema colonial tradicional apareceriam então como obstáculos aos grupos interessados na produção em grande esca- la e na generalização e intensificação das relações comerciais. O extraordinário aumento da produção proporcionado pela meca- nização era pouco compatível com a persistência de mercados fechados e de áreas enclausuradas pelos monopólios e privilégios. O sistema colonial tradicional passou a ser criticado. A teoria econômica foi reformulada e os postulados mercantilistas substi- tuídos pelas teses do livre-cambismo, mais adequadas ao novo estágio de desenvolvimento econômico e aos interesses dos no- DA MONARQUIA À REPÚBLICA 21 vos grupos associados ao processo de industrialização. A transi- ção é evidente nas regiões em que a revolução industrial se pro- cessou precocemente. Na Inglaterra, Adam Smith, em 1776,2 criticava a política mercantil, condenava os monopólios, os tra- tados de comércio e o trabalho servil: bases do sistema colonial tradicional. Preconizava a adoção de um regime de livre-con- corrência e afirmava a superioridade do trabalho livre sobre o escravo. Da mesma forma, Jean Baptiste Say, num tratado de economia publicado em 1803,3 denunciava o caráter espoliativo do sistema colonial tradicional, frisando que as colônias, ao in- vés de trazerem benefícios para as metrópoles, eram onerosas. Obrigavam a despesas de manutenção de exército, burocracia civil e judiciária, construção de edifícios públicos e militares. De outro modo, em virtude do Pacto Colonial, a metrópole ficava obrigada a comprar produtos inferiores e mais caros provenien- tes das colônias, em vez de recorrer livremente a outros centros produtores. Outros autores, como Raynal, focalizando o problema da perspectiva das colônias, mostravam os inconvenientes que re- sultavam do Pacto Colonial para os povos da América. Uns e outros contribuíam para a desmoralização teórica do sistema colonial tradicional. Proscrito pela prática e pela teoria, o sis- tema que vigorava por três séculos estava prestes a ruir. Dois fatores retardariam o processo: os múltiplos interesses ligados à sua existência e a diferença de ritmo das transformações eco- nômicas e sociais que ocorriam nas várias regiões da Europa e da América envolvidas no sistema colonial. Assim é, por exem- plo, que, enquanto na Inglaterra a Revolução Industrial pre- parava o caminho para uma nova teoria da colonização baseada na livre-concorrência (o que se tornara mais fácil a partir da Independência dos Estados Unidos), em Portugal, onde a Re- volução Industrial não chegara a produzir seus frutos, procura- va-se reforçar o sistema tradicional. As novas idéias sobre política colonial só tardiamente encontrariam acolhida em 2 Adam Smith, An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations. New York: The Modern Library, 1927. livro IV, cap.7, seções 2 e 3. 3 Jean Baptiste Say, Tratato d’economia politica e simplice esposizione del modo con cui si formano si distribuiscono e si consumono le richezze. 22 EMÍLIA VIOTTI DA COSTA Portugal, e assim mesmo com numerosas reservas. Ainda em 1824, num parecer sobre as possibilidades de anular os efeitos da Independência do Brasil, o ministro português Thomaz de Villanova Portugal argumentava contra os que acreditavam ser melhor um bom tratado comercial do que uma colônia, dizen- do que “a soberania em pouco que seja vale mais do que a Alian- ça” ainda que muita. A crise do sistema colonial coincidiu com a crise das formas absolutistas de governo. A crítica das instituições políticas e re- ligiosas, as novas doutrinas sobre o contrato social, a crença na existência de direitos naturais do homem, as novas teses sobre as vantagens das formas representativas de governo, as idéias sobre a soberania da nação e a supremacia das leis, os princípios da igualdade de todos perante a lei, a valorização da liberdade em todas as suas manifestações – característicos do novo ideário burguês – faziam parte de um amplo movimento que contestava as formas tradicionais de poder e de organização social. O novo instrumental crítico elaborado na Europa na fase que culminou na Revolução Francesa iria fornecer os argumentos teóricos de que necessitavam as populações coloniais para justificar sua re- beldia. Os fundamentos do sistema colonial tradicional estavam portanto abalados por vários tipos de pressão. No âmbito inter- nacional, as bases da aliança burguesia comercial-Coroa, que havia dado origem ao sistema colonial tradicional, estavam mi- nadas: de um lado, pela emergência de novos grupos burgueses relacionados com o advento do capitalismo industrial e, de ou- tro, pela perda da funcionalidade do Estado absolutista e pelo desenvolvimento de um instrumental crítico que procurava des- truir suas bases teóricas. No âmbito das colônias, o aumento da população, o incremento da produção, a ampliação do mercado interno tinham tornado cada vez mais penosas as restrições im- postas pela metrópole, tanto mais que cresciam as possibilidades de participação no mercado internacional. É verdade que desde o período inicial o regime de monopó- lios dera origem a atritos. No plano internacional, numerosos foram os conflitos entre os detentores de monopólios e os impe- didos de participar no comércio. A ocupação de parte do terri- tório brasileiro por povos estrangeiros, em diferentes ocasiões, o DA MONARQUIA À REPÚBLICA 23 ataque de piratas e corsários, as várias formas de contrabando praticadas em grau crescente ao longo das costas brasileiras fo- ram, uns e outros, expressão dessa luta contra os monopólios e privilégios. Por outro lado, desde os primeiros tempos os mono- pólios e os privilégios concedidos a alguns tinham sido alvos de críticas na colônia.4 Não eram raros os conflitos entre produto- res e comerciantes, entre comerciantes e burocratas ou entre os vários mercadores que disputavam entre si o usufruto dos mono- pólios e privilégios. Esses conflitos expressaram-se no Brasil em levantes até hoje mal estudados, como o dos Mascates, em Pernambuco,5 dos Beckman, no Maranhão,6 e as sedições ocor- ridas na região das Minas Gerais na primeira metade do século XVIII.7 Durante muito tempo, no entanto, os conflitos internos foram sentidos como conflitos de interesses entre os súditos de um mesmo reino. A Coroa aparecia semprecomo a mediadora entre as partes. No decorrer do século XVIII esses conflitos ga- nharam nova dimensão. O Pacto Colonial passou a ser visto pelos colonos não mais como um contrato entre irmãos, mas como um contrato unilateral entre metrópole e colônia, no qual 4 Myriam Ellis, O monopólio do sal no Estado do Brasil, 1631-1801. São Paulo, 1955; Idem, As feitorias baleeiras meridionais do Brasil colonial. São Paulo, 1968. Tese (Livre-Docência apresentada à Cadeira de História da Civilização Brasileira). 5 Charles Boxer, The Golden Age of Brazil, 1695-1750. Berkeley: University of California Press, 1969, p.112, 125. B. Fernandes Gama, Memórias his- tóricas da província de Pernambuco. Recife (1844-1848), 4v., v.IV, p.54, 330. Manuel dos Santos, Narração histórica das calamidades de Pernambuco desde o ano de 1707 até o de 1715. Revista do Instituto His- tórico e Geográfico Brasileiro, v.LIII, p.1, 307. F. A. Pereira da Costa, Anais Pernambucanos. Recife, 1951-1954, 7v., v.V, p.85, 178. Mário Melo, A Guerra dos Mascates como afirmação nacionalista. Rocha Pita, História da América portuguesa, Livro IX. 6 Sérgio Buarque de Holanda (Ed.) História geral da civilização brasileira. A expansão colonial II. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960, p.383, 386. Bernardo Pereira de Berredo, Anais Históricos do Estado do Maranhão... 2.ed. Maranhão, 1840. 7 A. E. Taunay, História geral das bandeiras paulistas, v.IX, p.487, 518. Ma- nuel Cardozo, The Guerra dos Emboabas, Civil War in Minas Gerais 1708- 1709, Hispanic American Historical Review, v.XXII, p.470, 492, agosto 1942; José Soares de Melo, Emboabas, Chronicas de uma revolução nativista, Do- cumentos Inéditos, cit. por Boxer, The Golden Age of Brazil. c) o Brasil, durante o período em que permaneceu neutro em relação aos conflitos, não permitiu a instalação de bases militares norte-americanas em seu território. d) a participação do Brasil na guerra, contra os regimes nazifascistas, estava em consonância com a forma de governo democrática assumida por Getúlio Vargas, desde 1937. e) a participação do Brasil junto aos aliados concedeu ao país um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. 193 - (UNITAU SP) Rio de Janeiro, outubro, 1945. “O Sr. Getúlio deixará o governo amanhã, mas dentro de três dias já terão saudades dele”. Folha da Manhã. Caderno especial: São Paulo, 110 anos de industrialização, 1990. Em 1945 teve fim o chamado Estado Novo, sob o comando de Getúlio Vargas. Determinaram o fim desse regime a) as condições políticas internas do país centradas no próprio interior do governo. b) as pressões internacionais contra o populismo de Getúlio, receando que futuramente se transformasse num governo totalitário. c) as dissidências do governo que evidenciaram a sua fraqueza, apesar dos esforços da propaganda populista na democracia estabelecida no Estado Novo. d) a negação do Brasil em entrar na Segunda Guerra Mundial, o que exigiu dos Aliados um esforço de convencimento que resultou num conflito interno no país. e) a inserção do Brasil no quadro das relações internacionais, marcada pela entrada do país na Segunda Guerra Mundial, o que decretou a falência do regime de 1937. 194 - (ENEM) A crise de 1929 e, 10 anos mais tarde, a Segunda Guerra Mundial aceleraram muito o processo de substituição de importações, iniciado durante a Primeira Guerra. O Brasil teve que produzir os bens industrializados que antes sempre importara. O processo não mais se interrompeu, expandindo-se na década de 50, via implantação da indústria automobilística, e aprofundando-se na década de 70, graças à produção de máquinas e equipamentos. CARVALHO, José Murilo de. Política brasileira no século XX: o novo no velho. In: CARDIM, C. H.; HIRST, M. (orgs.). Brasil-Argentina: soberania e cultura política. Brasília: IPRIFUNAG, 2003, p. 200. Considerando-se o período histórico descrito no texto e as transformações ocorridas, é correto afirmar que a) a crise econômica mundial de 1929 foi prejudicial para a industrialização brasileira. b) a indústria automobilística implantou o modelo de substituição de importações no Brasil. c) o Brasil, a partir da década de 1930, paulatinamente, deixou de ser um país essencialmente agrícola. d) a Segunda Guerra Mundial anulou os ganhos da atividade industrial brasileira relativa aos anos anteriores. e) a produção de máquinas e equipamentos, nos anos de 1970, viabilizou a implantação da indústria automobilística brasileira. 195 - (ENEM) Podeis interrogar, talvez: quais são as aspirações das massas obreiras, quais os seus interesses? E eu vos responderei: ordem e trabalho! Em primeiro lugar, a ordem, porque na desordem nada se constrói; porque num país como o nosso, onde há tanto trabalho a realizar, onde há tantas iniciativas a adotar, onde há tantas possibilidades a desenvolver, só a ordem assegura a confiança e a estabilidade. O trabalho só se pode desenvolver em ambiente de ordem. Discurso de Getúlio Vargas, pronunciado no Palácio da Guanabara, no dia do Trabalho (1º de Maio, 1938). BONAVIDES, P.; AMARAL, R. Textos políticos da História do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2002 (adaptado). O discurso de Getúlio Vargas, proferido durante o Estado Novo, envolve uma estratégia política na qual se evidencia a) o estímulo à ação popular, que poderia tomar para si o poder político. b) o disfarce das posições socialistas como anseios populares. c) a dissimulação do nazifascismo, para sua aceitação pela elite política. d) o debate sobre as políticas do Estado, objetivando o consenso entre os partidos. e) a apresentação do projeto político do governo como uma demanda popular. 196 - (ENEM) Bandeira do Brasil, és hoje a única. Hasteada a esta hora em todo o território nacional, única e só, não há lugar no coração do Brasil para outras flâmulas, outras bandeiras, outros símbolos. Os brasileiros se reuniram em torno do Brasil e decretaram desta vez com determinação de não consentir que a discórdia volte novamente a dividi-lo! Discurso do Ministro da Justiça Francisco Campos na cerimônia da festa da bandeira, em novembro de 1937. Apud OLIVEN, G. R. A parte e o todo: a diversidade cultural do Brasil Nação. Petrópolis: Vozes, 1992. O discurso proferido em uma celebração em que as bandeiras estaduais eram queimadas diante da bandeira nacional revela o pacto nacional proposto pelo Estado Novo, que se associa à a) supressão das diferenças socioeconômicas entre as regiões do Brasil, priorizando as regiões estaduais carentes. b) orientação do regime quanto ao reforço do federalismo, espelhando-se na experiência política norte-americana. c) adoção de práticas políticas autoritárias, considerando a contenção dos interesses regionais dispersivos. d) propagação de uma cultura política avessa aos ritos cívicos, cultivados pela cultura regional brasileira. e) defesa da unidade do território nacional, ameaçado por movimentos separatistas contrários à política varguista. 197 - (UFGD MS) Na América Latina, entre as décadas de 1930 e 1960, surgiram alguns governos que foram denominados “populistas”, como são os casos da Argentina, com Juan Domingo Perón (1946- 1955); Gustavo Rojas Pinilla (1953-1957), da Colômbia; e do Brasil, com Getúlio Vargas (1930-1945 / 1951-1954). O “populismo” desenvolvido nesses países tinha suas peculiaridades e raízes variadas. Nesse sentido, ao considerar o Governo de Getúlio Vargas, no denominado “Estado Novo”, compreende-se que: a) o populismo varguista, entre outros aspectos, foi caracterizado pela capacidade de o Estado manipular e conter os movimentos de trabalhadores organizados. Nesse sentido, utilizava-se da estratégia de desmobilizar as organizações independentes de trabalhadores, atrelando-asao Estado. b) o modo populista do Governo de Getúlio Vargas marcou significativamente as relações trabalhistas, em especial dos trabalhadores rurais, que passaram a gozar dos direitos que envolviam a “Consolidação das Leis do Trabalho” (CLT). Nesse processo, Vargas prezava pela autonomia das entidades representativas dos trabalhadores. c) o populismo varguista teve como objetivo central a melhora de vida dos trabalhadores do campo e da cidade. A partir desse prisma, Vargas ficou nacionalmente conhecido como “pai dos pobres” e, também, visualizado como um grande estadista democrático. d) o populismo desenvolvido por Getúlio Vargas, entre os mais diversificados aspectos, teve como pilar central estabelecer uma relação democrática com os trabalhadores do campo e da cidade, dando-lhes autonomia para se organizarem nos sindicatos e decidirem junto com o Governo as políticas trabalhistas. e) o populismo varguista não influenciou nas relações trabalhistas do período, haja vista que, o estadista Vargas tinha interesses específicos apenas com os setores conservadores da cidade. 198 - (UNIFICADO RJ) A mobilização da sociedade por meio de um Partido Único foi característica dos regimes nazifascistas do século XX. No Brasil, apesar das supostas simpatias de Vargas pelo fascismo, a ditadura do Estado Novo (1937-1945) afastou-se desse modelo.