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Pró-Reitoria de Graduação Curso de Psicologia Trabalho de Conclusão de Curso AUSÊNCIA PATERNA E REPERCUSSÕES NO DESENVOLVIMENTO HUMANO: É POSSÍVEL SUPERAR? Autora: Dhéssica Araújo Gonçalves Orientadora: Dra. Silvia Renata Magalhães Lordello Brasília - DF 2014 DHÉSSICA ARAÚJO GONÇALVES AUSÊNCIA PATERNA E REPERCUSSÕES NO DESENVOLVIMENTO HUMANO: É POSSÍVEL SUPERAR? Artigo apresentado ao curso de Graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, com requisito parcial para obtenção do título de Psicóloga. Orientadora: Prof. Dra. Silvia Renata Magalhães Lordello Brasília 2014 Dedico ao meu querido pai, que pereceu quando eu era apenas uma criança e, mesmo ausente, sempre viveu em minha memória. À minha família que me apoiou e protegeu, sendo responsável por tudo que sou. . AGRADECIMENTOS Ao longo da construção do trabalho foi possível receber o carinho e apoio de pessoas maravilhosas que percorreram minha vida e que me ajudaram nesse período. Primeiramente agradeço a Deus por me capacitar diante as dificuldades com dedicação e persistência. Agradeço à minha mãe Zilma que sempre acreditou em meu potencial, me encorajando e me incentivando aos estudos apesar das dificuldades. À minha família: meus avós, primos, tios e tias, por todo amor recebido durante toda minha vida, sendo fundamentais em minhas conquistas. À minha amiga do coração, Anne Caroline que ofereceu sua companhia, me incentivando nessa jornada e ao longo do curso de Psicologia com sua amizade incomparável. Aos meus amigos Adriano e Naraiana que sempre me alegraram, me oferecendo apoio ao longo de nossa amizade. Tudo se tornou mais divertido com vocês em minha vida! À minha Tia Valmere que me inspirou a realizar este trabalho, ofereceu seu apoio, seu carinho e compartilhou conhecimento. Em especial à minha Orientadora querida, Silvia Lordello que permaneceu com muita dedicação, energia, entusiasmo e paciência. Agradeço sua companhia fiel e competente nas inúmeras revisões e reflexões no trabalho. À minha amiga e professora Mariana Juras que mesmo distante sempre me apoiou com tanto carinho e dedicação, me motivando e ensinando. À minha supervisora de estágio Cibelle Antunes, que mesmo não envolvida no trabalho me incentivou com palavras afáveis, de maneira singular demonstrou preocupação e cuidado, oferecendo seu carinho durante o semestre. Por fim, agradeço à querida Alexina Ribeiro por se disponibilizar a examinar meu trabalho. Obrigada pelo afeto e empenho em nos ensinar, compartilhando seus conhecimentos e experiências de uma forma tão graciosa. RESUMO A proposta do estudo é levantar, por meio das buscas na literatura, o estado da arte em que o tema da ausência paterna se encontra. Foram selecionados artigos de periódicos nacionais, indexados na base de dados Scielo, além de livros publicados relativos ao tema, no período de 2009 a 2014. O estudo proposto, de natureza teórica, tem por objetivo descrever as consequências da ausência paterna sobre o desenvolvimento dos filhos, considerando-se as mudanças culturais e transformações familiares da pós-modernidade. Foram identificados temas que apontam para novas conceituações relativas aos papéis paternos pertinentes ao contexto vigente. Tais modificações exigem um olhar sistêmico sobre a família, contemplando a diversidade de suas configurações e contextualizando a função do pai neste cenário. Aspectos relativos à judicialização se mostram presentes nesta trajetória e a paternidade passa a ser objeto de legislações e de políticas. Percebeu- se que a ausência paterna pode gerar efeitos desfavoráveis ao desenvolvimento humano, sobretudo quando afeta as relações de segurança e vínculos em crianças e adolescentes. Entretanto, não há determinismo neste impacto, que dependerá dos fatores de proteção, da rede de apoio social, da própria qualidade das relações familiares e dos diferentes sistemas nos quais a pessoa está envolvida. Discute-se ainda conceitos como resiliência individual e familiar, para os quais são indicados estudos futuros. Palavras-chave: Paternidade. Ausência paterna. Abandono afetivo. Parental. 7 INTRODUÇÃO Adotando a perspectiva de que a família é um sistema sociocultural aberto, em constante transformação (Minuchin, 1990) e que é inegável a interdependência afetiva existente no grupo de pessoas que a formam, surgiu o interesse em compreender o impacto que a ausência paterna é capaz de promover neste cenário complexo. A convivência entre as famílias modernas, que se apresentam de formas diversificadas, com composições peculiares, vem apresentando a ausência paterna como parte deste novo cenário (DINIZ NETO E FERES-CARNEIRO, 2005). Esse fenômeno promove diversas modificações no sistema familiar. Consideramos, neste trabalho, a ausência paterna, quando não há a participação efetiva do pai no desenvolvimento dos filhos, da infância à fase adulta, podendo se manifestar tanto pela ausência de afeto como pela ausência definitiva, no caso de morte ou pai desconhecido, conforme nos aponta Sganzerla e Levandowski (2010). Há também, na literatura jurídica, o termo abandono afetivo, que guarda proximidade semântica com a ausência paterna, entretanto optou-se por não fazer uso deste termo no presente trabalho, em função de seu caráter valorativo e determinista. A ausência paterna vem se tornando cada vez mais frequente nas famílias, o que acarreta consequências significativas para o desenvolvimento humano. Entretanto, há um paradoxo: ao mesmo tempo em que há um aumento no número de famílias monoparentais chefiadas por mulheres, vem se ampliando o papel da paternidade, que diante a ausência, o pai se torna requisitado pelos filhos, requerendo sua presença e interação. A paternidade sofreu diversas mudanças ao longo do tempo, no que se refere ao papel do pai, assim, a responsabilidade/ presença do pai vem se tornando mais demandada no cuidado e afeto durante o desenvolvimento dos filhos. De acordo com o estudo apresentado por Almeida (2009), uma grande parte dos pais contemporâneos tem buscado uma participação mais efetiva no cotidiano familiar e em especial no cuidado com os filhos, procurando manter um contato mais próximo com as crianças, com demonstração de afeto e interesse em participar mais ativamente em sua criação. A ausência do pai no ambiente familiar pode ser reconhecida tanto como ausência afetiva, que ocorre mesmo diante da presença física, ou como uma ausência definitiva que se trata dos casos de falecimento e/ou não há uma representação da paternidade. Conforme o estudo apresentado por Sganzerla e Levandowski (2010), percebe-se que a falta de envolvimento do pai na vida dos filhos adolescentes, decorrente de sua ausência prolongada ou definitiva, traz repercussões negativas para o desenvolvimento destes, tanto diretamente, por seus efeitos no âmbito pessoal, como indiretamente, pelos efeitos no funcionamento familiar. No presente trabalho não consideramos a família unicamente como um modelo tradicional composto por pais e filhos, mas levamos em conta as diversas estruturas familiares. De acordo com Martins (2014), mudanças profundas têm sido observadas na estrutura, nas funções e na dinâmica relacional das famílias. As composições variam desde grupos formados por laços consanguíneos, relações 8 formais ou não, família conjugal, família extensa, família monoparental e nuclear. Há uma tendência a casamentos tardios, escolha por não ter filhos, cresce o número de recasamentos, formando famílias compostas por filhos de diferentes uniões e constituídas de membros de diferentes gerações, de uniões homoafetivas, entre outros. Diante deste cenário multifacetado, a paternidade mencionada está referidatanto à figura paterna como a sua representação de paternidade, que pode ser exercida por outro membro da família. Considerando o que foi citado por Bastos e Almeida (2012), essa construção tem como base a vivência afetiva e reconhecimento, não o vínculo biológico, o que relativiza a ausência definitiva, pois o pai substituto estará presente, ainda que simbolicamente. Conforme os dados analisados por Moreira e Tonelli (2013), pode-se perceber que paternidade associa-se com prática, função, dado biológico, cuidado, exercício, Estado, leis e regras. Nesse sentido, cabe pensar como tem se constituído o lugar social da paternidade ou dos homens pais. Diante disso é possível questionar e refletir acerca de quando se pode considerar que há ausência paterna, levando em consideração que há fatores, incluindo a rede de apoio social presentes, que possam suprir a ausência do pai. O objetivo deste estudo é descrever as mudanças culturais que afetam a composição, estrutura e dinâmica das famílias, enfatizando a configuração na qual há ausência paterna e identificar quais as principais repercussões no desenvolvimento humano dos filhos podem ser observadas. Como objetivos específicos, o presente estudo se propõe a: � Discutir as diversas conceituações de paternidade e o seu desenvolvimento histórico envolvendo o papel do pai � Identificar as principais implicações afetivas diante a ausência paterna na relação pai e filho (a) � Investigar quais as principais repercussões da ausência paterna para o desenvolvimento humano � Identificar recursos sistêmicos que possam atuar na superação das consequências da ausência paterna. 9 REFERENCIAL TEÓRICO • PATERNIDADE: HISTÓRICO E CONCEITUAÇÕES Contextualizando a paternidade no âmbito familiar, percebe-se que nem sempre o pai se mostrou protagonista na educação dos filhos. A visão de gênero justifica a maternidade como um valor cultural, segundo o qual se depositou na mulher as expectativas quase exclusivas e qualificadas de cuidado aos filhos e ao lar. A crença de que a maternidade era instintiva e natural conservou, por muito tempo, o mito do amor materno, que Badinter (1985), tão revelou e problematizou em seus escritos. Ainda que essa visão sexista continue presente, a crescente inserção das mulheres no campo do trabalho promoveu grandes implicações no desempenho e na execução das funções familiares. A Psicologia, como demais áreas do saber, se dedicou a investigar a paternidade no final da década de 90. Podemos enfatizar o estudo realizado por Valente, Medrado, e Lyra (2011), no qual se empreendeu uma análise das produções científicas brasileiras de 1987 a 2009. Os resultados mostraram que os anos 80 trouxeram o exame de DNA, resolvendo o dilema da paternidade biológica, que coincide com a responsabilização dos homens sobre sua reprodução nas cláusulas constitucionais. Na década seguinte, a paternidade segue como área fértil de pesquisa, a literatura passa a fazer uso do termo “paternidade participativa”, definida no âmbito da afetividade e adquirindo novos contornos como direito, compromisso com filiação, desejo do homem, independente de sua orientação sexual. O papel do pai na sociedade reflete as transformações que vêm ocorrendo na cultura, na sociedade e nas relações familiares. Conforme Siqueira (2009), em sua revisão de estudos realizados em serviços de saúde brasileiros, os resultados categorizaram como vínculos frágeis dos pais com suas responsabilidades, reiterados por práticas nos serviços de saúde que também os excluem dos cuidados filiais e agem de forma a atribuir à mãe a exclusividade do cuidado com os filhos. Foram identificadas importantes transformações contemporâneas e suas relações com o papel e as funções da paternidade. Observou-se que a noção de “novo pai” diz respeito a outro posicionamento do homem contemporâneo, a outro tipo de discurso de gênero, vinculado aos processos sociais da atualidade. O pai nas décadas passadas se tratava de um provedor que exercia a autoridade na família, promovendo também a segurança e mantendo certo distanciamento dos filhos. Segundo Moreira e Toneli (2013), esse “novo” pai seria mais participativo e afetivo em contraposição ao pai que se afirmava nessa posição apenas por prover o lar. Atualmente, o papel do pai caminha em direção à participação ativa na educação dos filhos, tanto com relação às tarefas quanto à dimensão afetiva. A fim de conhecer como os homens se avaliam no exercício da paternidade e como pensam que deveriam exercer essa função, foi investigado por Wagner (2011) 178 sujeitos do sexo masculino, pais de crianças em idade escolar, que frequentavam desde o 1° até 5° ano do ensino fundamental, de duas escolas particulares da cidade de Porto Alegre. Foi questionado aos pais o quanto eles despendem de tempo para estar com os filhos durante a semana. As respostas apontaram que disponibilizam cerca de 21 horas por semana com os filhos, e foi percebido que o 10 tempo que os pais gostariam de estar com os filhos é maior do que aquele que de fato passam com eles. Concluíram que, ser pai atualmente, mesmo em contextos diferentes, é participar de inúmeros aspectos do desenvolvimento dos filhos, não mais se restringindo a promovê-los e discipliná-los. Dentre as diversas funções do pai, a psicanálise destaca a estruturação psíquica dos filhos, devido à função para o desenvolvimento do ego. A pesquisa apresentada por Saraiva, Reinhardt e Souza (2012), relaciona psicopatologias infantis com ausência da função paterna. Considera-se que a presença do pai é fundamental para o desenvolvimento do filho, mesmo sendo a mãe a figura mais importante no início da vida da criança. Argumentam que, o pai, como função simbólica, é estruturante, de forma que o exercício de sua função impacta na estruturação psíquica da criança e no seu processo de desenvolvimento. Há, neste campo, um rompimento da relação narcisista do filho com a mãe que se difundem a partir da convivência e a presença paterna, auxiliando numa socialização dos filhos. Concluíram que, dificultar ou impedir o relacionamento entre pai e filho desencadeia consequências negativas no desenvolvimento da criança e do adolescente, bem como para a evolução da sociedade. A teoria sistêmica, entretanto, ressalta que essa construção do subsistema parental é com base na vivência afetiva e o reconhecimento social, não o vínculo biológico. De acordo com Minuchin (1990), mudanças externas e internas fazem parte do desenvolvimento das famílias, que demandam constantes acomodações e o nascimento dos filhos é uma dessas mudanças do ciclo vital. A paternidade, para este autor, requer competências de guiar, nutrir e controlar, incluindo o uso da autoridade. Esse exercício de negociações com base na assimetria de poder é uma das oportunidades de treinamento social para os filhos providos por este subsistema. Bastos e Almeida (2012) exemplificam em seu estudo, com base nas construções socioculturais que os pais são avaliados, qualificados e aceitos na relação parental. A conceituação de paternidade é expressa através do convívio e aspectos singulares e referentes ao próprio reconhecimento dos filhos. Assim podemos perceber a paternidade um aspecto muito mais social do que biológico. A abordagem sistêmica alerta, inclusive, para os perigos de se adotar uma visão idealizada de família, baseada em padrões tradicionais. Segundo Martins (2014), persistir na crença de que o modelo nuclear burguês deve ser o padrão, passa a vigorar como comparativo para as demais famílias, o que gera estereótipos e julgamentos sociais perversos, conduzindo à baixa autoestima e à desesperança. A teoria bioecológica do desenvolvimento, também adota uma visão sistêmica, na qual a família é um microssistema de grande valor para ressaltar as potencialidades de seus membros e funciona como um campo educativo fundamental para a transmissão de valores. De acordocom Narvaz e Koller (2004) o autor desta teoria, Bronfenbrenner, preconiza que os elementos pessoa, processo, contexto e tempo são fundamentais para o entendimento das questões desenvolvimentais. No microssistema familiar, são ativados processos proximais que funcionam como motores do desenvolvimento. Nestes contextos, como casa, escola, trabalho, igreja e todos os quais a pessoa pertence, serão notados papéis, padrão de atividades e relações interpessoais. Esses elementos são responsáveis por envolver os indivíduos em atividades progressivas que, mediadas pelas interações sociais complexas e progressivas, promoverão transformações qualitativas em seu desenvolvimento. O papel paterno encontra aí grande destaque, pois o pai está incluso no microssistema familiar com suas especificidades de papéis e relações 11 interpessoais. Segundo Narvaz e Koller (2004), essas relações serão construídas por meio dos processos proximais que estarão estabelecidas entre pais, filhos e todos os que compõem este microssistema. Cia e Barham (2009) realizaram um estudo que relacionava indicadores do envolvimento paterno com indicadores de desenvolvimento social dos filhos. Participaram 97 pares de pais e mães e 20 professoras. Para avaliar o envolvimento paterno, pais e mães responderam à Avaliação do bem-estar pessoal e familiar e do relacionamento pai-filho e para avaliar o desenvolvimento social das crianças, os pais, as mães e as professoras preencheram o Social Skills Rating System– SSRS. Foram utilizadas escalas em três dimensões para analisar o relacionamento entre pais e filhos: escala de comunicação, escala de participação do pai nos cuidados com o filho e escala de participação do pai nas atividades escolares, culturais e de lazer do filho. Os resultados indicaram que quanto maior a frequência de comunicação entre pai e filho e de participação do pai nos cuidados e nas atividades escolares, culturais e de lazer do filho, menor o índice de hiperatividade e de problemas de comportamento e mais adequado o repertório de habilidades sociais das crianças. O estudo considera que, além da importância do estilo do pai para o desenvolvimento social dos filhos, estudos têm evidenciado a relevância da participação paterna na sua educação, pois no atual contexto cultural brasileiro as práticas educativas de ambos os genitores em relação a seus filhos estão num processo de transformação, passando de uma postura de rigidez para uma maior flexibilidade, o que também pode acarretar consequências negativas se não for acompanhado criticamente. • JUDICIALIZAÇÃO DA AUSÊNCIA PATERNA Dentro deste cenário de modificação da visão de paternidade ao longo do tempo, um aspecto que tem se sobressaído é a judicialização. Tem-se presenciado, atualmente, a noção de pertencimento idealizada pelos filhos a uma busca por direitos e reconhecimento paternos. Reflexo do contexto sociocultural vigente, essa reivindicação legalista encontra respaldo nas pesquisas atuais sobre paternidade. Desde a década de 80, vem sendo possível identificar estudos relacionados aos direitos dos filhos e o amparo às famílias. Conforme os dados levantados por Valente, Medrado, e Lyra (2011) no histórico do Brasil, é possível apontar dois marcos históricos importantes: a promulgação da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990. Esses dois documentos têm a finalidade de garantir que os filhos gerados fora ou dentro do casamento e os filhos por adoção tivessem direitos e qualificações relativas à filiação. Assim, se reconheceu o estado de filiação como direito personalíssimo, podendo ser exercido pela força da lei contra pais ou seus herdeiros. Em 1991, no Direito se analisa a tensão entre o Código Civil então vigente e a jurisprudência acerca da paternidade presumida. Mais tarde, em 1995, por consequência direta do impacto da Carta Magna e do ECA na vida familiar brasileira, o interesse recaiu sobre a nova concepção de família, o estabelecimento da paternidade e a filiação afetiva. Posteriormente, se iniciaram investigações paternas a partir do exame de DNA e as questões jurídicas associadas à responsabilidade do homem pai e do direito do filho à filiação, chegando, então, ao princípio da dignidade humana e a investigação paterna, o direito da criança e adolescente a uma paternidade “verdadeira”, os dilemas da 12 filiação socioafetiva e o direito ao conhecimento da identidade genética, e o princípio da afetividade paterna. A ausência paterna, por sua vez, sendo ela advinda de diversos fatores que permeiam as mudanças culturais, a negligência ou fatalidades do ciclo de vida como em casos de falecimento, trouxe repercussões às famílias modernas a ponto de ser um aspecto que passou a buscar juridicamente soluções para as problemáticas enfrentadas. Conforme Valente, Medrado, e Lyra (2011), o número de demandas junto ao Judiciário tem crescido nos últimos anos, assim como a complexidade dos conflitos familiares levados ao seu julgamento, acarretando em superlotação e morosidade dos processos nas varas de família. A Comissão de Justiça do Senado Federal desenvolveu um projeto de lei que considera dano moral à dignidade humana o abandono ou ausência decorrente de negligência do pai/mãe ao longo do desenvolvimento dos filhos. O projeto de Lei nº 700/2007, do Senador Marcelo Crivella, que se aprovado transformará o abandono afetivo em prática passível de punição tanto na esfera cível como na penal. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda direito fundamental da criança ou adolescente prescrito por lei, incluindo os casos de abandono moral. (MARCELO CRIVELLA, Lei 700/2007 Art. 5° Parágrafo único). Para esclarecimento, o termo abandono afetivo/moral, como está referido no projeto de lei acima, não foi utilizado como temática do estudo devido ao seu caráter determinista de impor ao responsável ao fenômeno da ausência paterna. A teoria sistêmica acredita que não há responsabilização de um sujeito, mas que o fenômeno é parte de um sistema no qual todos contribuem na intensificação dos eventos familiares. É possível questionar acerca das medidas adotadas perante a justiça com relação à ausência paterna/abandono afetivo. Podemos observar, conforme apresentado por Goulart e Penso (2012), que os pais da atualidade, em reflexo das transformações, carregam a crença de que o sustento material supre as necessidades do desenvolvimento das crianças e adolescentes e acabam ignorando a convivência afetiva e familiar. Outra questão problematizada pelas autoras se refere à interpretação da reparação do dano moral, quando mencionam que, caso se busque uma reparação justa, o dano moral é visto como irreparável, uma vez que não retrocede. Não há como fazer com que o indivíduo retorne ileso ao estado em que se encontra antes de sofrer o dano. Dessa forma, ressalta-se que a paternidade não é imposta a nenhum indivíduo e que a partir do momento em que isso acontece, os pais devem arcar com todas as consequências dessa concepção e perceber que os filhos dependem dos pais em todos os aspectos para um desenvolvimento digno e saudável, prescrito em lei, alçado a direito fundamental. Esse posicionamento é polêmico, pois suscita posições deterministas. Outro ponto importante a se questionar é com relação às medidas judiciais adotadas diante a síndrome descrita por alienação parental que é um conceito formulado nos Estados Unidos pelo psiquiatra infantil forense, Richard A. Gardner. A síndrome da alienação parental ocorre principalmente nos divórcios quando um genitor tenta persuadir os filhos contra o outro genitor, causando uma alienação, onde o filho pode se afastar de um de seus pais. Segundo Barbosa e Juras (2010) o 13 genitor alienador projetaria suas mágoas e raivas provenientes das dificuldades relacionais com o ex-cônjugee da não elaboração da separação em seus filhos, promovendo a exclusão emocional e até física do genitor não guardião da vida dos filhos. Conforme a Presidência da República (2010), que legalizou a lei 12.318 que pune o genitor alienador e prevê uma investigação e uma regulamentação de medidas adotadas, o objetivo é amenizar os efeitos causados na síndrome da alienação parental. A lei, em vigor, passa a punir o alienador com multa, declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; e até mesmo declarar a suspensão da autoridade parental. Há, entretanto, muitas reservas e criticas dos serviços psicossociais jurídicos à lei, que pode sugerir novas condutas no cenário familiar, com vistas a uma ação de persecutoriedade e ameaça entre os pais, acarretando novos impactos no desenvolvimento dos filhos. • AFETO E PATERNIDADE As vinculações afetivas entre pais e filhos também tem sido beneficiadas pela maior participação e presença do pai no cenário familiar e em sua atuação sobre o desenvolvimento dos filhos nas últimas décadas. O estudo realizado por Valente, Medrado, e Lyra (2011), investigou em 1994, a produção em Psicologia sobre o tema e percebeu-se que a maior parte dos estudos tratava das tensões entre a identidade masculina e uma paternidade que envolveria atribuições antes ligadas à condição feminina como afetividade e cuidado. Além destes conteúdos, abordava-se ainda a busca de uma nova definição de ser homem e a vivência da paternidade na clínica. Em 2002 e 2003, na Psicologia, pela primeira vez, aparece o termo “paternidade participativa”, descrita como afetiva e cuidadora da prole, não restrita ao provimento material nem vivida na companhia de uma mulher, esposa ou alguém. A relação afetiva entre pai e filho é um fator muito relevante para o desenvolvimento, sendo que, é importante que seja construída através de todo o convívio familiar, segundo os autores. Considerando a ausência paterna, que significa, também e necessariamente, a ausência de afeto paterno, podemos observar consequências significativas no que se refere à expectativa de uma vinculação e pertencimento afetivo idealizado pelos filhos. Ressaltamos que diante da ausência paterna, os filhos são sujeitos a sofrer perdas afetivas. A ausência afetiva aqui destacada não está diretamente relacionada à ausência física, mas a ausência de afeto que pode ser identificada também na presença física. Conforme mencionado por Sganzerla e Levandowski (2010), a ausência paterna seria decorrente da distância emocional/falta de afeto, que pode acontecer mesmo naquelas situações em que o pai está fisicamente presente. Conforme os dados encontrados por Sganzerla e Levandowski (2010) pode- se pensar que o fato de não contar com a presença física (contato) do pai, advindo de falecimento, gera, sobretudo na criança e no adolescente, sentimentos ligados à sensação de perda e tristeza, enquanto que, nesses casos, não se evidencia revolta ou indignação, como se observa nos casos em que a ausência decorre de separação conjugal e do desligamento dos pais em relação aos filhos. Levando em consideração a não generalização dos dados apresentados, percebemos que o 14 rompimento da relação afetiva entre pai e filho pode gerar desconforto nos filhos diante da falta de uma figura genitora que possa oferecer um apoio afetivo. Ao longo do desenvolvimento humano, há alternativas que suavizam dos efeitos da ausência paterna, considerando-se o grupo familiar, social e as redes de apoio. Entretanto, não se pode esquecer o fato de que diferenças nas repercussões da ausência paterna para o desenvolvimento do adolescente poderão ser identificadas conforme os seus recursos emocionais individuais, o manejo dos membros da família e a presença de uma rede de apoio social com a qual ele possa contar, a fim de minimizar os efeitos adversos dessa condição familiar. (SGANZERLA, LEVANDOWSKI, 2010) Considerando os aspectos apresentados, ressaltamos que a afetividade construída no ambiente familiar, é dependente de um processo conjunto dos membros da família, que por sua vez é a base da afetividade e das relações humanas. Segundo Saraiva, Reinhardt e Souza (2012), ser pai e ser mãe são condições construídas numa relação afetiva a três, não sendo desejável que uma das partes seja excluída ou tenha uma atuação secundária. O filho deve ser a prioridade nas relações entre o pai e a mãe, os quais devem dispensar de forma igualitária cuidados, educação, carinho e segurança física e afetiva à criança. É possível apontar, diante do que foi exposto, recursos para intervenções psicoterapêuticas, sendo através de investigação e potencialização do manejo familiar, servindo então como apoio aos filhos que sofrem diante a ausência paterna. Há aspectos que relacionam a ausência de afeto com consequências negativas no desenvolvimento cognitivo infantil, no qual a falta de afeto pode repercutir em uma perda de rendimentos escolares. Segundo os resultados, encontramos por Cia e Barham (2009) os pais e mães das crianças que apresentaram problemas de comportamento externalizantes, eram menos calorosos e se expressavam positivamente com baixa frequência. Além disso, seus filhos tinham menos controle emocional e menor persistência nas tarefas, segundo relatos de ambos os pais e dos professores. Os resultados do estudo apontaram que o bom relacionamento entre pai e filho é preditor de uma relação afetuosa e positiva entre ambos e maximizador de diferentes aspectos do desenvolvimento infantil, como o desenvolvimento social. Outro estudo foi realizado por Moreira e Carvalho (2014), com o objetivo de compreender e discutir a paternidade na sociedade contemporânea, a partir das concepções de pais de diferentes níveis socioeconômicos. Os resultados mostraram que a definição de pai também está associada à disponibilidade para o filho e ser afetuoso. Conforme resultados encontrados, o pai ideal é visto como aquele que ensina, compartilha atividades e está disponível para a sua criança, de acordo com os pais de menores salários, o pai ideal é afetuoso e se preocupa com o filho. A pesquisa ressaltou que o pai ideal, além de responsável, deve ser carinhoso, compreensivo e ter proximidade com o filho. Concluiu-se que, analisando o conceito de paternidade, foi verificado que tanto os pais de maiores salários e os de menores salários, definem pai como aquele que educa/ensina. Dessa forma, é possível perceber que a relação de afeto e cuidado entre pai e filhos é uma demanda vinda através dos homens pais, que são verificadas conforme as necessidades dos mesmos em suas relações com os filhos. 15 • REPERCUSSÕES NO DESENVOLVIMENTO HUMANO: DO DETERMINISMO AO DINAMISMO Tendo em vista o contexto histórico, é possível notar uma percepção estereotipada da população com relação aos modelos familiares com configurações divergentes ao modelo tradicional, famílias monoparentais, recasadas ou homoafetivas. Faz-se necessário, rever estas estereotipias para que não se patologize desnecessariamente aspectos que são decorrentes destas novas formas de organização. Considerando as mudanças sociais que ocorrem nas famílias da contemporaneidade, percebemos definições menos específicas no que se refere ao papel do pai e da mãe no que diz respeito às contribuições para o desenvolvimento dos filhos. Atualmente, as funções de gênero são mais flexíveis, entretanto, é importante enfatizar que essas especificidades são atravessadas por questões culturais que dividem os papéis sexuais de homem e mulher nas questões parentais. De acordo com Costa e Penso (2014), é importante observar a interação para que se possacompreender a sua estrutura familiar, ou seja, como os membros reagem à mudanças, como se adaptam aos problemas que surgem, como conversam e como se conduzem de forma previsível. Entender esse sistema pressupõe compreender as regras habituais, as fronteiras invisíveis que definem os limites dos subsistemas, como se dão as relações de poder, a comunicação e como são transmitidos os valores. É preciso investigar ainda, como se dá o processo de individuação ou o encorajamento à autonomia dos membros, a intimidade e afetividade desenvolvidas neste sistema. A ausência paterna passa a ser então, vista dentro desta esfera mais abrangente e complexa e não, simplesmente julgada como uma falta. Essa compreensão do sistema familiar deve perpassar todos os cenários, evitando assim a ação iatrogênica de profissionais que, em vez de encontrar potencialidades, fixam-se na culpabilização dos membros pelo fracasso na educação dos filhos. Muitas vezes, o julgamento de que a ausência paterna é o problema dos filhos, vitimiza e retira todo o valor da intervenção dos demais contextos, uma vez que é determinista e inexorável. Um exemplo disso é o contexto jurídico. Souza, Beleza e Andrade (2012) desenvolvem um estudo acerca das novas configurações que se apresentam à sociedade brasileira e os desafios que se impõem aos profissionais que atuam no campo sócio jurídico, bem como a sua incidência nas legislações referentes ao Direito de Família. Foi realizada uma pesquisa quantiqualitativa, realizando entrevistas semiestruturadas, com aplicação de formulários junto aos usuários e aos profissionais que atuam no Núcleo de Conciliação das Varas de Família. Por intermédio desta pesquisa de campo, foi possível constatar que cada arranjo apresenta a sua especificidade, necessitando de um olhar sensível dos profissionais, que devem atuar com total imparcialidade e compromisso social, frente ao dinamismo familiar emergente. Nota-se que, atualmente, percepções que minimizavam a conduta, o empoderamento e questões relacionadas à socialização do sujeito estão propensos a adquirirem novas reformulações, no que se diz respeito à ausência paterna. Assim, a ausência paterna tem suscitado novos olhares e não é mais diretamente relacionada a aspectos negativos. 16 Há, entretanto, constatações importantes sobre como a presença paterna pode ser promotora de relações saudáveis e preventivas no que tange à prática de atos ilícitos. Mas que essas constatações estão presentes no discurso, desprovida do olhar crítico. No estudo realizado por Moreira e Toneli (2013), foi tomada uma análise das ações desenvolvidas no Rio Grande do Sul que objetivavam, através da promoção da “Paternidade Responsável”, um modo de prevenção da criminalidade. O objetivo foi compreender como se constroem as argumentações que legitimam o investimento na figura paterna, sobretudo, o direcionamento em relação ao que é ser um pai “responsável”. As ações tomadas como objeto de estudo neste artigo foram desenvolvidas por uma parceria entre uma organização não governamental - ONG - de combate à criminalidade de Porto Alegre, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MPRS) e as Secretarias Estaduais da Saúde (SESRS) e da Educação (SEERS). Em especial, foram analisados neste estudo materiais veiculados em campanhas televisivas e da internet (iniciadas em 2007). Foram utilizadas ferramentas foucaultianas para pensar a emergência desses investimentos na figura paterna, buscando entender as condições que os tornaram possíveis. Foram focados quatro pontos para a compreensão dessas ações. O primeiro ponto referiu-se à emergência do pai como objeto de investimentos, que se concluiu que estão articulados com as transformações sociais, econômicas, teóricas de nosso tempo e produzem formas distintas e complexas de exercício de paternidades, problematizando, inclusive, a ideia de um novo pai, enquanto modelo representativo. Segundo, a construção da relação causal entre ausência paterna e criminalidade, que se percebeu que as argumentações se produzem na articulação causal que liga uma dada paternidade, seria a paternidade ausente/irresponsável, à sua consequência, que seria a conduta ilícita dos filhos desses pais. Em terceiro, os significados associados à responsabilidade, que se concluiu que responsabilidade se produz enquanto uma cadeia associativa, onde um pai responsável produzirá filhos responsáveis, ou responsabilizáveis perante a lei. E por último, o foco foi quanto às imagens construídas nessas ações, concluindo-se que foram atravessadas por outros marcadores, em especial, a questão da raça, da pobreza e do crime organizado, possibilitando o questionamento da ausência de outros investimentos políticos, fazendo com que a responsabilização/culpabilização da família venha travestida de valorização dessa figura paterna. O artigo alerta sobre a produção de estereótipos fabricados pelos discursos e reproduzidos de forma indistinta. A pesquisa realizada por Sganzerla e Levandowski (2010) objetivou analisar estudos empíricos publicados entre 1998 a 2008 sobre a ausência paterna e suas repercussões para o adolescente,. Os autores realizaram uma busca em quatro bases de dados PsycInfo, LILACS, Scielo e Pubmed, utilizando como termos descritores: ausência paterna, paternidade, pais não residentes, relações familiares e adolescência. Foram identificados 16 estudos, cuja temática foi classificada como ausência paterna prolongada. A maioria deles apresentou caráter quantitativo e longitudinal. De modo geral, foi possível perceber que a ausência paterna pode trazer prejuízos ao desenvolvimento afetivo e social dos adolescentes. Importantes repercussões da ausência ocorrem também no funcionamento familiar. De modo geral, o estudo ressaltou que essa situação familiar de ausência paterna pode se tornar um fator de risco (e repercutir negativamente) em diversos aspectos do desenvolvimento do adolescente. Entretanto, não se pode garantir que todo indivíduo que tenha a experiência da ausência paterna tenha, necessariamente, 17 repercussões negativas, se precisa então, considerar o histórico de vida e os recursos de cada indivíduo. Outro aspecto importante, que de acordo com a contribuição da psicanálise, podemos mencionar possíveis repercussões no desenvolvimento durante a infância, dando ênfase a simbolização da criança que pode trazer consequências significativas para o desenvolvimento da personalidade. Um pai ausente (muito distante ou muito autoritário) não auxilia na simbolização, favorecendo o aparecimento de problemas de personalidade e de interação nas crianças (SARAIVA, REINHARDT E SOUZA, 2012). Nas famílias em que a ausência paterna se dá por meio da ausência do cuidado, mas há o pai envolvido, uma contribuição preventiva que tem tomado espaço é a coparentalidade. Prati e Koller (2001) relacionam o conceito de coparentalidade às definições de papéis parentais que se estabelecem por negociações e alterações no relacionamento conjugal. A coparentalidade engloba funções de cada membro do casal que se estendem além do âmbito biológico. Ela constitui-se em um rearranjo psíquico complexo que ocorre internamente e no espaço psicossocial. O acompanhamento terapêutico pode ser um auxílio para uma melhor vivência nesta fase de reorganização. Tendo em vista as possibilidades de a ausência paterna transcender repercussões significativas no desenvolvimento humano, ressaltamos que os impactos no desenvolvimento se dão através de uma contextualização social, não podendo ser especificada por aspectos individualizados. Não se pode generalizar que todos os filhos de pais separados serão necessariamente problemáticos, pois o desenvolvimento da personalidade da criança dependerá explicitamente do ambiente que a cerca. (GOULART E PENSO, 2012). É importante considerar o relativismo previsto para o entendimento dos fatores de risco e proteção. Ao abordar a ausência paternacomo um contexto adverso para o desenvolvimento, necessita-se de um adequado mapeamento, não só das constatações de adversidades, como um olhar voltado para as potencialidades presentes nos sistemas e também nas pessoas que podem minimizar os efeitos adversos. De acordo com a Abordagem Bioecológica do Desenvolvimento Humano, embora riscos estejam presentes em todas as situações e populações, eles não podem ser analisados de forma apriorística. De acordo com Yunes e Szymansky (2001), o risco não pode ser considerado uma variável estática. Há que se olhar sua construção social e seu processo de forma contextualizada. Na visão bioecológica, a ênfase recai sobre o ambiente percebido e, por isso, há necessidade de compreensão dos relatos daquele que sofreu o abandono paterno para extrair indicadores da vulnerabilidade e riscos, bem como os aspectos saudáveis que podem minimizar os danos. O entendimento de fatores de risco e proteção passam a ser vistos de forma dinâmica e não considerados a priori. A ideia de vulnerabilidade é flexível e, portanto, não irá responsabilizar a ausência paterna como algo que traga impactos negativos por si só. As relações construídas, considerando o contexto no qual o pai está ausente, podem ser potencialmente saudáveis, se considerar os fatores e recursos que minimizam esta ausência. Um estudo realizado por Amparo (2008) investigou fatores sociais e pessoais que poderiam servir como proteção a adolescentes e jovens em situação de risco social e pessoal. O estudo considerou os fatores de proteção integrados e ativos, e incluíram a espiritualidade, a consolidação da auto-estima, a presença positiva da família e dos amigos, e apoio emocional e social recebidos. É importante destacar 18 que, mesmo diante as redes de apoio e até mesmo quando um integrante da família acaba assumindo a paternidade, há uma busca incessante de pertencimento por parte do filho, que deseja conhecer/saber a paternidade biológica. Eizirik e Bergmann (1999, apud Ferrari, 2004) apontaram momentos críticos da vida do filho que tornam mais forte o desejo de conhecer o genitor ausente, como “uma necessidade de fechar sua história”. O estudo mostrou que “por mais que as crianças não digam nada, o vazio está presente e trabalha”. Considerando isto, podemos concluir que a ausência paterna não se pode ser totalmente suprida, mas os recursos sistêmicos adotados auxiliam nesse processo de superação e adaptação no desenvolvimento dos filhos. É preciso revisar criticamente o conceito de família ideal. Conforme nos aponta Cerveny e Oliveira (2014), considera-se que a família sofreu uma mudança irreversível e necessita-se com urgência modificar o modo de enxergá-la. É preciso diferenciar a família pensada da família vivida e ressignificar a parentalidade a partir das necessidades dos filhos no ciclo desenvolvimental. Os bebês precisam ser cuidados, alimentados e protegidos; as crianças pequenas precisam ser ensinadas sobre regras, limites e valores e os adolescentes precisam ser orientados. Afetividade e diálogo são as ferramentas necessárias para lidar com os conflitos, que são parte integrante das relações familiares. Para desenvolver esses aspectos, os laços comunitários e as redes de apoio são fundamentais, pois podem fornecer elementos novos aos papéis familiares que se reproduzem numa dinâmica herdada, através da transmissão geracional. Há outra questão que tem impactado gravemente a família na educação dos filhos que são as novidades do mundo globalizado e tecnológico e que desafiam pais e mães na construção de valores. A visão tradicional e romantizada da família colocaria mais esse ônus sobre a ausência paterna, que seria a responsável pela permissividade e ausência da lei. Rompendo com este paradigma que rejeitamos, entende a importância dos equipamentos sociais que auxiliem as famílias, para que a culpa seja substituída pelo diálogo, troca de experiências e que ausência paterna não seja utilizada pelo Estado para sua intervenção, produzindo prejuízos que não devem ser vistos de forma universalizada. Ainda que algum prejuízo ocorra, outro conceito que precisa ser melhor compreendido é o de resiliência, também visto de maneira sistêmica. As compreensões sobre os processos de transformação das adversidades são um rico recurso nas superações. Há que se contemplar, neste cenário, não só a resiliência individual, que poderia ser estudada pelas formas que o próprio sujeito adota a partir de recursos biopsicológicos que desenvolve, mas a resiliência familiar. Embora ainda pouco estudada como fenômeno, a resiliência familiar, segundo Vasconcelos e Ribeiro (2010) será marcada por aspectos como flexibilidade dos sistemas, fronteiras e papéis bem definidos, processos comunicacionais eficientes, acesso à rede de apoio social, contextualização de estressores e capacidade de abstrair sentido positivo da adversidade. Há necessidade, entretanto, de maior aprofundamento nestas relações. 19 CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com a literatura consultada, percebe-se que a ausência paterna pode gerar consequências desfavoráveis para o desenvolvimento humano, incluindo especificamente a criança e o adolescente, no que se refere às relações afetivas que são base para sua segurança e estima. Diante os recursos sistêmicos que contribuem para a superação dos efeitos adversos, percebemos, entretanto, que não se trata de um fator decisivo ou irreversível no que refere as suas consequências no desenvolvimento humano. A ausência paterna se manifesta de diferentes formas e por isso deve ser observada caso a caso. Há intervenções preventivas em situações em que a ausência paterna pode ser presumida. A coparentalidade é um fator que auxilia na prevenção da ausência paterna e seus efeitos adversos. Nos casos de separação conjugal e até mesmo no casamento, a relação entre pai e mãe e os filhos seria exercida de maneira que os filhos possam ter em seu desenvolvimento compartilhamento de tarefas exercidas pelos pais, sem o risco de sofrer perdas nas relações. Conforme foi mencionado por Prati e Koller (2011) há uma busca de equilíbrio na coparentalidade, que se refere especificamente à proporção que cada genitor engaja com a criança em situações de triangulação, sendo que, o mais importante nas relações de equilíbrio é a possibilidade de ambos os pais conseguirem interagir com os filhos individualmente, mesmo com o outro cônjuge presente. Diante das ausências paternas definitivas, ou seja, ausência proveniente de pais falecidos e desconhecidos é possível observar recursos que auxiliam no processo do desenvolvimento. A família e outras redes de proteção contribuem no aumento das vivências resilientes, favorecendo a construção de estratégias protetivas. Os fatores de proteção, a rede de apoio social, a própria qualidade das relações familiares e os diferentes sistemas nos quais a pessoa está envolvida são aspectos que intensificam a promoção da resiliência. Tendo em vista que, mesmo diante da ausência do pai, os filhos possuem elementos para favorecer os seus processos de resiliência, estes recursos contribuem como capacitação de manter a autoconfiança e o apoio na rede composta por família e amigos, mesmo que estejam em situações adversas. Tendo como ponto de vista o histórico do papel paterno e as transformações que ocorreram no que se refere ao papel do pai, podemos enfatizar que essas transformações se contrapõem à ausência paterna e ao abandono afetivo. É importante enfatizar que o novo pai participativo que busca ingressar nas atividades dos filhos como mais afetuoso e cuidador, foi requisitado diante os divórcios e ao abandono afetivo, ou seja, na medida em que o pai se distanciou fisicamente e emocionalmente dos filhos essa falta/ausência passou a se intensificar e tornar-se mais evidente nas famílias modernas, suscitando a presença/participação tanto por parte dos pais, como por parte dos filhos.Foi possível então, a partir desse fenômeno, instituir um pai que reconhece a ausência paterna e busca manter-se presente na vida dos filhos e que de certa forma passa a ser solicitado. Os fatores de risco enfrentados por crianças e adolescentes diante a ausência paterna podem ser contornados através do apoio e proteção da família, pelos quais a mesma auxilia a criança e o adolescente, através do afeto e valorização das 20 relações de apoio favorecendo um relacionamento familiar saudável. O estudo realizado por Teodoro, Cardoso, e Pereira (2011) aponta que o relacionamento familiar saudável é, portanto, um dos fatores associados com a saúde mental dos seus membros. O mesmo autor completa ressaltando que, as relações familiares pouco afetivas e conflituosas repercutem no âmbito emocional, interferindo na autoestima, na competência social e na resolução de problemas. O estudo presente objetivou discorrer sobre a ausência paterna e os principais efeitos no desenvolvimento humano, tendo em vista que, o fenômeno vem se tornando mais presente nas famílias atuais, e levando em consideração a carência de estudos realizados com essa temática. As propostas apresentadas no estudo tiveram por objetivo ampliar a visão e oferecer propostas que contornem os efeitos da ausência paterna que possam auxiliar no empoderamento do sujeito, buscando alternativas para o funcionamento sistêmico no que se refere ao papel da família e até mesmo propostas de intervenção psicoterapêutica através da potencialização de seus recursos saudáveis, servindo então como apoio e proteção a criança e ao adolescente. Foi possível investigar a literatura e os trabalhos afins realizados, nos permitindo concluir sobre a importância de se utilizar de recursos sistêmicos para oferecer propostas de intervenções familiares, como também apresentar os recursos familiares que auxiliam os filhos. Por se tratar de um estudo teórico, as limitações encontradas no estudo são referentes à dificuldade de encontrar na literatura material que diz respeito à ausência do pai numa perspectiva menos universalista e determinista. Faz-se necessária a realização de estudos de natureza empírica, na forma de pesquisa intervenção, os quais viabilizem uma proximidade com filhos que tiveram história familiar constituída pela ausência paterna e analisar as significações decorrentes deste fato, seus impactos e recursos utilizados neste contexto. Pode-se concluir que o trabalho cumpre os objetivos, na medida em que problematiza esta questão e abre novas questões para estudos futuros. 21 ABSTRACT The study proposal is to raise, through literature searches, state of the art in which the theme of father absence is. We selected national journal articles indexed in SciELO database, and published books on the subject, from 2009 to 2014. The proposed study, theoretical in nature, aims to describe the consequences of father absence on the development of children, considering the cultural changes and transformations family of postmodernity. Themes were identified that point to new concepts relating to parental roles relevant to the current context. Such modifications require a systemic look at the family, considering the diversity of your settings and contextualizing the role of the father in this scenario. Aspects related to legalization are shown to exist in this path and fatherhood becomes the object of laws and policies. Paternal absence It was perceived that can generate adverse effects to human development, especially when it affects the security relationships and ties in children and adolescents. However, there is no determinism in this impact, which will depend on the protective factors of social support, the very quality of family relationships and the different systems in which the person is involved. It also discusses concepts such as individual and family resilience, for which further studies are indicated. Keywords: Fatherhood. Father absence. Emotional abandonment. Parental. 22 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, R. L. T. de. Cuidados infantis - sentidos atribuídos à guarda compartilhada. 2009. 104 f. Dissertação (Mestrado - Curso de Instituto de Psicologia), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. AMPARO, D. M. do et al. Adolescentes e jovens em situação de risco psicossocial: redes de apoio social e fatores pessoais de proteção. Estudos de Psicologia, Distrito Federal, v. 2, n. 13, p.165-174, set. 2008. BARBOSA, L. P. G.; JURAS, M. M. Reflexões Sistêmicas sobre a Síndrome de Alienação Parental. Em: I. GHESTI-GALVÃO; E. C. B.ROQUE. (Orgs.). A aplicação da lei em uma perspectiva interprofissional: Direit o, Psicologia, Psiquiatria, Serviço Social e Ciências Sociais na prática jurisd icional. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 315-329. BASTOS,L. F.; ALMEIDA,T. M. C. A função Parental e os Papéis Sociais de Pai e Mãe na Contemporaneidade. In: PENSO, Maria Aparecida; ALMEIDA, Tânia Mara Campos de. 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