Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Experimente o Premium!star struck emoji

Acesse conteúdos dessa e de diversas outras disciplinas.

Libere conteúdos
sem pagar

Ajude estudantes e ganhe conteúdos liberados!

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Experimente o Premium!star struck emoji

Acesse conteúdos dessa e de diversas outras disciplinas.

Libere conteúdos
sem pagar

Ajude estudantes e ganhe conteúdos liberados!

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Experimente o Premium!star struck emoji

Acesse conteúdos dessa e de diversas outras disciplinas.

Libere conteúdos
sem pagar

Ajude estudantes e ganhe conteúdos liberados!

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Experimente o Premium!star struck emoji

Acesse conteúdos dessa e de diversas outras disciplinas.

Libere conteúdos
sem pagar

Ajude estudantes e ganhe conteúdos liberados!

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Experimente o Premium!star struck emoji

Acesse conteúdos dessa e de diversas outras disciplinas.

Libere conteúdos
sem pagar

Ajude estudantes e ganhe conteúdos liberados!

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Experimente o Premium!star struck emoji

Acesse conteúdos dessa e de diversas outras disciplinas.

Libere conteúdos
sem pagar

Ajude estudantes e ganhe conteúdos liberados!

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Experimente o Premium!star struck emoji

Acesse conteúdos dessa e de diversas outras disciplinas.

Libere conteúdos
sem pagar

Ajude estudantes e ganhe conteúdos liberados!

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Experimente o Premium!star struck emoji

Acesse conteúdos dessa e de diversas outras disciplinas.

Libere conteúdos
sem pagar

Ajude estudantes e ganhe conteúdos liberados!

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Experimente o Premium!star struck emoji

Acesse conteúdos dessa e de diversas outras disciplinas.

Libere conteúdos
sem pagar

Ajude estudantes e ganhe conteúdos liberados!

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Experimente o Premium!star struck emoji

Acesse conteúdos dessa e de diversas outras disciplinas.

Libere conteúdos
sem pagar

Ajude estudantes e ganhe conteúdos liberados!

Prévia do material em texto

Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
31 
 
---------------------------------------------------------------------------------------------------------- 
LABIRINTO EM LINHA RECTA: 
QUESTÕES DE REPRESENTAÇÃO EM TEORIA 
 
Pedro Lopes de Almeida* 
(Faculdade de Letras da Universidade do Porto – CITCEM, Aparg) 
---------------------------------------------------------------------------------------------------------- 
 
Resumo: Ao longo do século XX, as grandes transformações políticas das sociedades 
ocidentais serviram de palco ideológico a extensos debates em torno da noção de 
representação. Processos dinâmicos de transfusões, interpenetrações e permeabilidades 
entre concepções diversas resultaram no mapa disciplinar que hoje conhecemos, e cuja 
configuração é contemporânea da fase avançada da globalização internacional. 
Procurarei aqui mapear alguns desses movimentos, focalizando os pontos de articulação 
da teorização literária com as concepções macropolíticas, através de alguns autores 
significativos na sincronia contemporânea. Proponho revisitar alguns dos argumentos de 
eorg ukács, an Mukarǒvský e Walter Benjamin, visando estabelecer um diálogo 
entre estes e outros autores mais recentes, como Terry Eagleton e Fredric Jameson, 
tendo em vista delinear um quadro compreensivo dos paradigmas representacionais 
contemporâneos, à luz das tensões e distensões das fronteiras disciplinares que 
informam (e enformam) a prática crítica. 
 
Palavras-chave: teoria da literatura; realismo; crítica; ideologia; interpretação. 
 
Abstract: Throughout the twentieth century, the great political transformations of the 
Western societies served as the ideological stage for a broad debate on the notion of 
representation. Dynamic processes of transfusions, interpenetrations and permeabilities 
between different conceptions resulted in the disciplinary map we know today, and 
whose setting is contemporary to the advanced stage of international globalization. In 
this paper I propose to map some of these movements, focusing on the points of contact 
between literary theory and some major political concepts through significant authors in 
modern and contemporary critical thought. I propose to revisit some of the arguments of 
eorg ukács, an Mukarǒvský and Walter Benjamin, to establis a dialogue bet een 
these and other more recent authors such as Terry Eagleton and Fredric Jameson, in 
order to draw a comprehensive picture of contemporary representational paradigms in 
the light of the stresses and strains of disciplinary boundaries that inform (and shape) 
criticism. 
 
Keywords: literary theory; realism; criticism; ideology; interpretation. 
 
Nenhum Dubuffet consegue pintar a matéria do temporal. 
Serão fluidas todas as coisas? 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
32 
 
Talvez todas as coisas sejam ‘através’. 
Murilo Mendes 
 
 
 
Nas últimas linhas do conto “A Morte e a Bússola” (1942), Borges coloca frente 
a frente um brilhante detective, Lönnrot, e o líder de uma importante quadrilha, 
Scharlach, desejoso de obter uma vingança. Depois de descodificar uma sequência de 
assassínios misteriosos, Lönnrot encontra-se, agora, no lugar que, segundo os seus 
cálculos, será o palco do próximo crime, crime que visa evitar a todo o custo. De facto, 
as suas conjecturas não o haviam enganado, mas a identidade da vítima surpreendê-lo-
ia: ele próprio. Antes de morrer, dirige um último pedido a Scharlach: quando noutra 
reencarnação lhe der caça, construa um labirinto perfeito, um labirinto grego onde se 
têm perdido tantos filósofos. As coordenadas são simples: 
 
[...] finja (ou cometa) um crime em A, depois um segundo crime 
em B, a 8 quilómetros de A, a seguir um terceiro crime em C, a 
4 quilómetros de A e de B, a meio caminho entre os dois. 
Espere-me depois em D, a 2 quilómetros de A e de C, de novo a 
meio caminho. Mate-me em D, tal como agora vai matar-me em 
Triste-le-Roy. 
 – Para a outra vez que o matar – respondeu Scharlach – 
prometo-lhe esse labirinto, que consta só de uma linha recta e 
que é invisível, incessante (BORGES, 1988, pp. 134-135). 
 
 
Talvez o detective Erik Lönnrot tenha compreendido, nesse derradeiro momento, 
a importância desse processo que pode valer por si, fazendo emergir sentidos possíveis 
para a consumação da realidade: a criação. Na descoberta da chave dos crimes, Lönnrot 
descobre-se a si mesmo, e o desafio que lança ao algoz é uma forma de inscrição da sua 
morte num movimento de convulsão da racionalidade – se a morte é o preço dessa 
descoberta, ele opta, soberano, por testemunhar o inexprimível, desafiando a história a 
ficar suspensa num labirinto de uma linha só, suspensa perante a possibilidade do 
impossível enquanto acontecimento. Nesse labirinto em linha recta, a duração não se 
deixará apropriar por nenhuma forma de posse sobre o tempo, pois que invisível, 
incessante, ela reunirá o todo e as partes num começar sem fim, apontando o infinito 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
33 
 
numa constelação indefinida de pontos que é um deslocamento sem nome – sem nome 
como a morte de Lönnrot. 
O labirinto de Borges convida a pensar o sentido unitário da descontinuidade a 
partir da interdependência entre fragmento e sentido. A autonomia de elementos 
congrega uma forma íntima de solidariedade, a única capaz de conferir legibilidade ao 
fragmento, e, em simultâneo, projectando-o incessantemente sobre si mesmo, como 
num reenvio infinito entre espelhos justapostos, desafiando o finito com o infinito. Esse 
é, a meu ver, o modo radical e inquietante como Lönnrot fita, desde o limiar da vida, 
aquele que o irá matar. Com a força de uma deriva e de uma espera, ele abre uma 
brecha impreenchível na lógica do executor – que o conduzira até ali – e, através dessa 
brecha, fractura o simulacro (os crimes, a encenação do enigma, a morte), mediante uma 
forma de promessa de eternidade num espaço finito, infinitamente percorrido: o 
labirinto em linha recta. Tomando-o como ponto de partida, procurarei aqui reflectir 
sobre o modo como esse espaço de intersecção do fragmento com o infinito se actualiza 
no pensamento teórico, equacionando configurações possíveis deste labirinto no 
domínio da representação: quais os limites da ruptura instituída por um paradigma 
fragmentário? Como se caracteriza a relação entre a totalidade e as partes? Qual o lugar 
de um paradigma mimético? Numa palavra: como descobrir o lugar da novíssima morte 
de Lönnrot, nesse meio caminho equidistante de todos os lugares estáveis? 
 
1. 
 
Em “Realism in the Balance” (1938), Georg Lukács desafia a uma releitura em 
profundidade do paradigma de representação realista. À tese de Bloch segundo a qual a 
arte expressionista, para penetrar nas fissuras de um real decadente, se assume como 
exercício de descontinuidades e disrupções, Lukács opõe o princípio marxista de todo 
social, composto pela totalidade das relações de produção de cada sociedade, e 
operante mesmo sob a superfície fragmentária e desintegrada do capitalismo moderno. 
Ignorando-o, o observador incorre no risco de se tornar simples instrumento da 
volatilidade da superfície dos factos, assumindo com presunção a natureza “muito 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
34 
 
importante e misteriosa” do aparente caos que compõe a nuvem de poeira das 
sociedades modernas (cf. AAVV, 2007, p. 38). Esta análise (radiográfica, como 
veremos) em profundidade das relações sociais não pode ser ignorada pelo artista ou 
pelo teórico da literatura, cujo objectivo é compreender as estruturas que regem o 
funcionamento do real, e a forma como ele se reflecte na arte: 
 
Se a literatura é uma forma particular através da qual se reflecte 
a realidade, torna-se crucial para ela arrancar [“to grasp”, na 
trad. inglesa] essarealidade tal como ela verdadeiramente é, e 
não somente limitar-se a reproduzir aquilo que se manifesta no 
imediato e à superfície1 (idem, p. 33). 
 
 
Explorando contradições, aguçando os vértices de uma totalidade que se reveste 
com roupagens de descontinuidade. Já muito ao largo de uma imitação servil, 
automática, compete ao realista penetrar nos meandros do real e produzir uma obra que, 
sem se render a ingénuos reducionismos de um “correlato do real” tal qual este se 
oferece à experiência imediata, co-labore a complexidade dos fenómenos do real: não 
do modo abstracto e esquemático como o faria um cientista social (e como quis o 
naturalismo mais radical, à imagem de um Zola)2, mas com a penetração de uma 
 
1
 Todos os textos citados em edições estrangeiras merecem tradução minha, salvo indicação contrária. 
2
 No seu ensaio “A história literária como desafio à ciência da literatura” (1967) Hans Robert Jauss 
alerta, de modo particularmente perspicaz, para as falácias que induziu na teoria literária marxista o ter-
se preocupado com problemas da sua época pouco depois de formulada: “A provocação original, 
constantemente renovada, da teoria literária marxista é a sua negação de histórias parciais da arte 
como manifestação intelectual da moral, da religião e da metafísica. A história da literatura, como a da 
arte, não pode manter ares de independência, quando se nota que a sua produção implica também a 
produção material e a vida social do homem, que a produção artística participa do «verdadeiro processo 
vital» da apropriação da natureza, o qual determina o trabalho ou a história da educação da 
humanidade. Só através deste «processo vital activo» a «história deixa de ser uma colecção de factos 
mortos». [...] Este programa de Karl Marx, que se entrevê na Deutsche Ideologie (1845-46) e em outros 
trabalhos dos seus primeiros anos, espera contudo a sua realização, pelo menos no que se refere à 
história da arte e da literatura. Pouco tempo depois do seu nascimento, no debate de Sichingen do ano 
de 1859, a estética marxista começou a preocupar-se com problemas da sua época, e é esta a questão 
que prossegue e domina nos debates sobre o expressionismo dos anos 1934-38, entre Lukács, Brecht e 
outros: o problema do realismo literário. A teoria realista da arte do século XIX, dirigida como 
provocação contra o irrealismo romântico por literatos hoje esquecidos (Champfleury, Durant), 
atribuída «post factum» aos grandes novelistas como Stendhal, Balzac e Flaubert pela historiografia da 
literatura e aceite como dogma pelo realismo socialista da era estalinista, formulava-se e continuava sob 
uma dependência notável da estética clássica da imitatio naturae. Na mesma época em que o conceito 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
35 
 
fotografia íntima da realidade, de uma radiografia. Não é fortuito que, em A Montanha 
Mágica, de Thomas Mann, Hans Castorp guarde como recordação da exótica Clawdia 
Chauchat esse retrato interior que deve ser visto à contra-luz, sem rosto, mas com as 
formas espectrais do seu peito: a radiografia dos pulmões da mulher que ama. 
Afirma Lukács: 
 
Se algum dia formos capazes de compreender o modo como as 
ideias reaccionárias se infiltram no pensamento, […] só o 
conseguiremos por meio do abandono e transposição dos limites 
do imediato, examinando todas as experiências subjectivas e 
cotejando-as com a realidade social. A curto prazo, tal só poderá 
ser alcançado através de uma análise mais profunda do mundo 
real. Artisticamente, bem como intelectual e politicamente, os 
grandes realistas do nosso tempo revelaram consistentemente a 
sua capacidade para assumir essa exigente tarefa (AAVV, 2007, 
p. 37). 
 
 
Numa interessante denúncia, declara “travestis da realidade” (idem, p. 51) as 
criações que, segundo o modelo expressionista, se limitam a engendrar espectros do 
real, destituídos não só de essências universais e de complexidade além da superfície 
imediatamente sensível, como de unidade orgânica, o que mina qualquer tentativa de 
reflectir a realidade objectiva. Nessa mesma linha, a impossibilidade da entropia 
irredutível deve ser encarada à luz dos limites da ilegibilidade da racionalidade: a 
associação de atomização e decadência, sendo legítima, é delimitada pela faculdade 
interpretativa incoercível, isto é, nenhum exercício será verdadeiramente um exercício 
de disrupção dos sentidos, dada a propriedade organizadora da racionalidade humana, 
que reconverte permanentemente a entropia numa atopia (idem, p. 44). 
 “Objectivamente, contudo, a vida das pessoas é um continuum” (idem, p. 55). 
Assim, Lukács preconiza uma visão sustentada e responsável dos processos de 
transformação da sociedade (e da Arte) – se a História vive através da união dialéctica 
 
moderno da arte se impunha como «signo distintivo do homem criador», como realização do não 
realizado, como potência construtiva capaz de configurar a realidade, contra a «tradição metafísica» da 
identidade entre ser e natureza e a definição da obra humana como «imitação da natureza», a estética 
marxista julgava-se porém (ou melhor, de novo) obrigada a considerar-se legítima mediante uma teoria 
do reflexo.”, JAUSS, 1974, pp. 22-23. 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
36 
 
de continuidade e descontinuidade, evolução e revolução, as tendências literárias 
progressistas deverão assumir também a natureza cumulativa deste processo, não 
dispensando, consequentemente, uma visão holística da realidade, à qual aspiraram os 
grandes realistas de todos os tempos: 
 
A grandeza, a ressonância persistente das grandes obras realistas 
deve-se à sua acessibilidade, à infinitude de portas através das 
quais é possível entrar (idem, p. 56). 
 
 
Nesta “criação análoga à vida” (idem, p. 57), esboça-se a ambição de uma 
representação total, esforço que venha pôr cobro às insuficiências crónicas que têm 
origem no diferencial ontológico entre a ordem do real e a ordem do artístico: 
representação total que neutralize a resistência da matéria à intelecção, ela oferece-se 
como ponto último num horizonte inultrapassável. Talvez por isso mesmo resida no 
carácter de perfectibilidade absoluta que serve de corolário ao projecto realista uma 
inquietante perturbação do próprio paradigma: como aceitar que este modelo – mais do 
que holístico, total – se assuma enquanto vanguarda da ruptura com a ordem 
hegemónica? Eppur, si muove... 
A relação que se estabelece entre a representação e a vida fornece-nos um 
importante ponto de contacto com o texto “Sobre o Estruturalismo” (1946), de Jan 
Mukarǒvský, onde, no decorrer de uma revis o dos conceitos undamentais da teoria 
literária estruturalista, afirma-se: 
 
Só às grandes personagens da literatura mundial é permitido sair 
do contexto da obra de arte e entrar em contacto directo com a 
realidade; mas nem elas perdem o duplo carácter do signo 
artístico: ser gerais e singulares ao mesmo tempo 
M , , . 
 
continuando: 
 
A relação entre a arte e a realidade, precisamente pela 
especificidade do seu carácter de signo, não é unívoca e 
invariável, mas dialéctica, e, portanto, historicamente variável. 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
37 
 
A arte tem muitas possibilidades, e muito variadas, de significar 
a realidade no seu conjunto (idem, ibidem). 
 
 
Mukarǒvský roblemati a a rela o dial ctica entre estrutura e realidade, 
afastando para longe qualquer inocência de asserções ao demonstrar a complexidade do 
equilíbrio interno da estrutura, “cuja unidade se manifesta como um conjunto de 
contradições dialécticas” (idem,p. 136). Assim, poderemos assistir a infiltrações, 
permeabilidades, transfusões ou deslocações entre dois lugares que já não são 
herméticos: à luz da sua materialização sígnica, uma dialéctica categórica que oponha a 
arte à realidade perde pertinência, como Mukarǒvský dei a claro ao evocar a nature a 
estética de actos como a respiração ou todas as funções vitais do homem. 
A esta função sem finalidade3 acompanham-se todos os gestos humanos como 
complemento, assume na estrutura da obra de arte o lugar central – é a função 
dominante. A passagem do tempo é-nos dada a perceber pelas transformações no modus 
operandi dessa função sobre o objecto artístico: estabelecendo uma relação de 
simultânea identificação e contradição com as convenções artísticas do passado, cada 
obra possui uma consciência histórica imanente, que decorre da partilha dos signos de 
que se serve com os contextos em que teve origem: a transversalidade dos signos (isto é, 
a sua faculdade de serem comuns à obra de arte e ao quotidiano) determina a 
impossibilidade de se conceber uma obra fora do tempo, já que o próprio objecto 
estético nasce de uma tensão entre a manutenção de traços do signo e a transformação 
de outros – “Assim – declara Mukarǒvský –, cada obra de arte é percebida pelo receptor 
como uma continuidade significativa – como um contexto” (idem, p. 141). Concorre, 
além disso, para a caracterização de uma dada estrutura, a hierarquia de elementos e 
funções, cuja transformação configura a evolução literária. 
Deste modo, fica claro como a estrutura, enquanto forma imanente, desempenha 
um papel activo na determinação dos significados da obra, convocando, para tanto, 
 
3
 A ap oxi açãoà à fo ulaçãoà ka tia aà deà a teà éà deà Muka ŏvský:à […]à aà fu çãoà estéti aà ãoà te à
nenhum objectivo concreto, não tende a realizar nenhuma tarefa concreta. A função estética, mais do 
que incluir as coisas ou as actividades num contexto prático, exclui-as desse contexto. Isto é válido 
p i ipal e teàpa aàaàa te. ,àMUKáRǑV“KÝ,à 997,àp.à . 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
38 
 
elementos que se revestem de significado ideológico, filosófico ou meramente 
relacional. É, pois, a partir do interior da obra, no jogo da relação entre os seus signos, 
que se desencadeia o processo de reconfiguração do real, e não como imposição externa 
ou directiva: 
A obra de arte, portanto, ao contrário de outros tipos de signos 
(como os linguísticos, por exemplo), não põe em evidência, 
antes de tudo o mais, uma relação definitiva e unívoca com a 
realidade: antes indica o processo em cujo interior essa relação 
se realiza (idem, p. 140). 
 
 
Fica assim excluída a possibilidade de uma univocidade ou de uma 
homogeneidade pressupostas no atavismo da polémica mais imediata entre realistas e 
expressionistas: mesmo o mais realista dos autores não poderá expurgar o signo literário 
da transformação que o literário exerce sobre o signo, como também ao expressionista 
não é possível trabalhar senão com os signos que atravessam o real, e, por isso, se 
oferecem como um contínuo face a esse mesmo real. É nesta relação dialéctica e 
dinâmica que se produz o significado dos signos, marcado por um equilíbrio instável de 
forças em tensão e movimento. 
Deve considerar-se, antes de mais, a natureza multifuncional e transversal da 
presença da “concepção do mundo” na obra de arte, que configura a própria 
representação, enquanto apropriação selectiva e transformativa de conceitos sobre a 
realidade. Num feixe contínuo de “referências parciais” que se cruzam e reúnem para 
uma referência global à realidade, é o próprio real que a representação ilumina (não é 
Mukarǒvský uem o di , mas talve ossamos di er, com mais ro riedade, ue é a 
ideia que nós fazemos de realidade que sai esclarecida). Desta dialéctica entre 
re resenta o e realidade, a irma Mukarǒvský em arte e a conce o do mundo , 
emerge a própria evolução da arte, estimulada por uma força de necessidade interna e 
pelas solicitações do exterior, evolução esta que força a evolução das entidades externas 
sobre as quais se debruça. Neste sentido, a arte encontra-se em relação autêntica com a 
ideologia, servindo de onte entre esta e a sociedade a ui ode Mukarǒvský concluir 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
39 
 
A concepção do mundo não é uma nuvem que paira, antes está 
firmemente integrada, quer na vida da sociedade quer na 
evolução do processo produtivo (idem, p. 311). 
 
 
Nesta implicação mútua, onde arte e sociedade são reciprocamente imanentes 
uma à outra, convém ao leitor do texto literário ter presente que é a própria função 
estética, dominante na arte, quem representa uma “função social importante” (idem, p. 
312), pela sua presença permanente em todo o gesto humano. 
A uma conclusão semelhante chegara também Walter Benjamin, na Conferência 
pronunciada no Instituto para o Estudo do Fascismo, em 27 de Abril de 1934, que tem 
como título “O autor enquanto produtor”. Partindo da problematização da autonomia do 
escritor, que desloca do campo de forças político/ideológico para o literário, capitaliza a 
técnica como factor de aferição da tendência ou compromisso de um certo autor perante 
o real, propondo, com esta transferência categorial, uma substituição da tradicional 
abordagem dialéctica forma vs. conteúdo (ou tendência/qualidade), por uma abordagem 
situada na estrutura real da sociedade: assim, em vez de reproduzir um policiamento 
ideológico da obra, o crítico (o leitor) obterá melhores resultados ao inquirir “como se 
situa [a poesia] nela [relações produtivas da época]?” (BENJAMIN, 1992, p. 139). 
Para alcançar uma resposta satisfatória a esta questão, Benjamin avança a 
hipótese dos processos de refundição das formas literárias como motor propulsor da 
evolução das circunstâncias técnicas de uma dada época, enquanto prática contínua de 
“literatização das relações vitais que domina as antinomias, de outro modo insolúveis e 
é o palco da degradação desinibida da palavra […], palco, em que se prepara a sua 
salvação” (idem, pp. 142-143)4. Joga-se aqui o movimento de permanente deslocamento 
 
4
 Esta inquirição sobre a homologia entre expressão e conteúdo vai para além do plano estritamente 
analítico, e deve estender-se, segundo Benjamin, à própria escrita enquanto gesto de investigação, 
como observa Solange Jobim e Souza: “Em síntese, se as transformações da sociedade devem estar 
presentes na própria forma como se pretende expressar tais transformações, então o texto teórico deve 
fazer justiça à complexidade dos conteúdos inscritos na realidade, e, portanto, ir em busca do estilo 
textual que melhor dê conta desta tarefa. [...] A questão epistemológica, trazida tanto pelo método 
dialógico como pelo método da citação, se define pelo desvio, melhor dizendo, por uma necessidade de 
extrair as palavras e as ideias do fluxo onde elas são habitualmente aceitas, transformando-as em outras 
tantas interrogações fundadoras. Método é caminho indireto, é desvio”, JOBIM E SOUZA, 1997, pp. 334 
e 337, respectivamente. 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
40 
 
do foco (ou cânone), que desencadeia um sistema dinâmico de interacção entre estrutura 
constituinte e estrutura constituída, e que tem nas técnicas de criação o seu objecto, mas 
que é função de um contexto que, por isso, o sobredetermina. 
Neste passo, porém, Benjamin vê-se na necessidade de introduzir uma subtil 
precisão conceptual. Se o criador, movido pelo desejo de inscrição numa determinada 
tendência ideológica, assume o gesto criativo na sua dimensão revolucionária, emerge 
daí um paradoxo fatal, decorrente da contradição entre um gesto que se quer criador, 
fracturante,progressista, e uma praxis materializada pelo fornecimento de material a um 
pensamento político pré-existente. Importa salientar a familiaridade que aproxima esta 
paradoxo do contrasenso alavancado pelo paradigma de “representação total”, e que 
assinalei anteriormente. Daqui conclui Benjamin a essencial estaticidade do neo-
realismo, ancorado à inexequível ambição de tematizar (e devemos ter presente a carga 
reificante associada a este propósito) um conteúdo de natureza revolucionária – logo, 
não-tematizável
5. 
O sistema capitalista não tem, de resto, qualquer dificuldade em proceder à 
assimilação desse material, reconvertendo-o em divertimento de massas inócuo, uma 
vez que o código que o suporta é redundante com a matriz comunicacional de uma 
sociedade burguesa. Neste sentido, observa Benjamin, a própria noção de 
 
5
 Esta posição tem impactos profundos ao nível da disposição dos saberes, tal como a conhecemos hoje. 
Ao assumir, com Benjamin, que a representação deve afastar a tentação da tematização, somos 
obrigados a rever toda a geografia disciplinar em uso nas instituições de produção e transmissão de 
conhecimento, hoje fortemente baseada num modelo temático. Para um panorama histórico deste 
problema, e para compreender a intensidade com que o mesmo se colocava à data em que Benjamin 
produzia a sua reflexão, veja-se o trabalho de Raymond Trousson, Temas e Mitos: Questões de Método 
(1981): “Quando Benedetto Croce, em 1904, aproveitou o pretexto oferecido pela recensão crítica de 
um livro sobre o tema de Sofonisba «para alertar contra os perigos dos trabalhos de comparação tanto 
da predilecção da crítica antiga e que agora vêm frequentemente decorados com o título, um tanto ou 
quanto ambicioso, de estudos de literatura comparada», foi um dos primeiros a exprimir uma opinião 
destinada, ao longo dos anos, a generalizar-se. Um quarto de século depois do estudioso italiano, Paul 
Va àTieghe àes eviaàaàp opósitoàdasài vestigaçõesàte atológi as:à«Taisàestudosàsãoàouàpa e e àf eisà
e interessantes, e nós compreendemos porque é que se contam por centenas as teses de doutoramento 
estrangeiras, os artigos, onde um motivo, um tema é estudado metodicamente em duas, em várias, na 
totalidade das formas que recebeu, de modo a divertir o espírito, a satisfazer a curiosidade, mas sem 
grande interesse para a história da literatura». Ainda há trinta anos, a terceira edição da Littérature 
comparée de M.-F. Guyard não lhes reservava um melhor acolhimento e, mais recentemente, Etiemble 
concedia com dificuldade, depois de muitas reservas, que o «estudo de um tema pode servir (...) para a 
compreensão da literatura». A desconfiança, apesar dos anos e apesar da multiplicação dos estudos de 
tematologia, longe de diminuir, não tinha deixado de aumentar”, TROUSSON, 1988, p. 5. 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
41 
 
“originalidade”, nas suas ressonâncias românticas oitocentistas, reclama uma 
intersecção negativa, que será experimentada enquanto vivência pelas vanguardas que 
exploram a reprodutibilidade artística como meio de singularização, como fez o 
dadaísmo, por exemplo, manipulando o contexto com a finalidade de revelar a presença 
dos corpos no espaço. Este uso da técnica como subversão do código assinala a 
diferença fundamental entre “o simples abastecimento de um aparelho produtivo e a sua 
mudança” (idem, p. 146), apontando, simultaneamente, aquele que deve ser o 
posicionamento do autor no interior dos processos de produção de uma sociedade: 
 
Mas que lugar é esse? O de um benfeitor ou de um mecenas 
ideológico? Um lugar impossível (idem, p. 145). 
 
 
A rigorosa impossibilidade deste lugar equivale, no pensamento de Benjamin, à 
condição errante da própria criação artística, enquanto prática de deslocamento 
contínuo. Porém, aqui, Benjamin, na medida em que concebe a arte enquanto exercício 
de reconfiguração do real em modo de toccata e fuga (a formulação que aplica é “criar 
modas em vez de escolas”), outorga ao criador a missão de organizar o real, missão 
fortemente imbuída de uma dimensão marcadamente performativa: 
 
A melhor tendência é falsa, se não indicar a atitude com que 
deve ser seguida. E esta atitude só pode ser indicada pelo 
escritor através daquilo que faz, nomeadamente escrevendo 
(idem, p. 151). 
 
 
Assim, num interessante ritornello, Benjamin conclui a sua reflexão rasando a 
atitude directiva de Platão, com cuja crítica havia iniciado, reabilitando-a, agora, à luz 
de um imperativo ético-estético inteiramente novo. 
Em diálogo com esta visão dinâmica do autor enquanto produtor (de sentidos), o 
ensaio de Terry Eagleton “Towards a Science of the Text” (1976) descreve o texto 
enquanto “produção da ideologia”, análoga à produção dramática (AAVV, 1997, p. 
171). Enquanto representação mental agenciada pelo sujeito autoral, uma certa 
concepção de “real” materializa-se na obra sob a forma de ideologia, inscrevendo, deste 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
42 
 
modo, no texto a interpretação da história que contextualiza a criação da obra. Tudo se 
processa como se a história entrasse no texto através da ideologia, que, por sua vez, 
configura na arte uma espécie de “falsa consciência”, já que suspende a impossível 
factualidade positiva, para operar por selecção, corte e reconfiguração do arquivo (cf. 
idem, p. 172). Neste sentido, sugerirá Eagleton, podemos falar do real presente na obra 
literária sob a forma de dupla ausência: 
 
O texto toma como objecto, não o real, mas certas significações 
através das quais o real sobrevive – significações que são, elas 
mesmas, o produto de uma anulação parcial (idem ibidem). 
 
e, adiante: 
Em lugar de “transpor imaginativamente” o real, a obra literária 
é o produto de certas representações produzidas do real que se 
projectam sobre um objecto imaginário (idem, p. 173). 
 
 
É graças a essa dupla suspensão que a obra de arte engendra o efeito de real: a 
sobredeterminação do texto por uma tensão estabelecida com o real (uma 
identificação/negação) produz a ilusão de liberdade face ao contexto – universalidade – 
que configura, em rigor, o tecido de significados, percepções e respostas que o real 
projecta sobre o texto – ele é governado por essas relações e, em simultâneo, ilumina os 
referentes que o condicionam, ao reconfigurá-los segundo uma sensibilidade estética. 
Num movimento do pensamento bastante próximo ao operado por Benjamin, 
Eagleton admite também que o texto, enquanto prática cuja funcionalidade é 
desestruturar e reconfigurar a ideologia segundo os seus próprios termos (cf. idem, p. 
175), não se constitui a partir de a priori ideológicos, mas, ao organizar significados no 
seu interior, produz uma ideologia idêntica apenas a si mesma. Assim, a estrutura, não 
se limitando a ser um epifenómeno ideológico, não deverá, ipso facto, ser abordada 
enquanto entidade monolítica e referencial a partir de instituições que lhe são 
extrínsecas. A estrutura, segundo decorre de uma concepção fluída e de um processo de 
ruptura e descentramento face ao real, não é a “verdade do texto”, mas a sua prática: a 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
43 
 
estrutura do texto será, então, o produto do seu processo, mais do que o reflexo de um 
ambiente ideológico. 
Assumir as consequências implicadas nesse gesto de responsabilização em 
profundidade do gesto criador, desde a raíz do acto de criação de formas dissidentes do 
mesmo, não poderá deixar de averbar efeitos na praxis crítica. Com efeito, só no quadro 
altamente restritivo de um afunilamento de horizontes ou de uma consciente hipocrisia 
intelectual poderá o crítico eximir-se de assumir e explorar o jogo de engendração 
mútua entre arte e sociedade, desde um ponto de vistasociológico. Em “On 
Interpretation: Literature as a socially symbolic act” (1981) Fredric Jameson denuncia a 
incapacidade da crítica tradicional de restituir, no acto interpretativo, a obra ao 
horizonte político em que se inscreve. O argumento ostensivo de Jameson, a motivação 
intrinsecamente política – portanto, social – de toda a obra, leva-o a constatar o 
tratamento superficial que a crítica historicista dedica ao contexto (este termo é mais 
revelador do que pode parecer: trata-se justamente, em Jameson, de tornar clara a 
condição contextual, e, portanto, periférica ou marginal, da situação social e política 
motivadora do texto literário). 
Para o intérprete tradicional, as condicionantes históricas, sociais, ideológicas, 
filosóficas, em suma, políticas, saldam-se em listas de factos positivos que emolduram a 
praxis crítica (o mesmo podendo ser dito da abordagem formalista, em abono da teoria 
segundo a qual os extremos se tocam...), nos termos de Jameson, precondições 
indispensáveis à interpretação, no que configura uma relação de antiquário com o texto: 
envolver a obra numa transparente película histórica, para continuar a vê-la exactamente 
da mesma forma, só que através da película especialmente concebida para o efeito. 
A proposta que Jameson apresenta, escorada numa visão marxista da cultura, 
baseia-se numa certa espécie de imanentismo cultural que, por meio de uma filosofia da 
história, visa (re)activar as relações ideológicas pressupostas na referencialidade do 
texto, aspirando, deste modo, a uma reconstituição da sua pertinência original. Assim, 
compete à crítica, ou, em rigor, à hermenêutica, não tanto a devolução de cada texto a 
uma sincronia que legitima e valida os referentes, mas sobretudo o inverso, ou seja, a 
explicitação das mundividências operantes a partir do interior texto, às quais o próprio 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
44 
 
texto outorga sentido. Na prossecução dos seus intentos, porém, e como forma de evitar 
o choque com uma prática crítica fragmentária e dispersiva, Jameson acrescenta como 
precondição a esta diligência a busca de um sentido unitário como fundamento da 
coerência interpretativa: não basta fazer o texto iluminar a sua condição propriamente 
política, é necessário que seja exigido ao crítico que persiga esse objectivo na senda de 
um tema diacronicamente contínuo, de uma ininterrupta narrativa: 
 
É na procura dos traços dessa ininterrupta narrativa, no trazer à 
superfície do texto a realidade reprimida e enterrada desta 
história fundamental, que a doutrina de um inconsciente 
colectivo encontra a sua função e necessidade (AAVV, 1997, p. 
182). 
 
 
Em conformidade com esta tese, Jameson não se furta a uma visão histórica e 
enquadrada do presente, única via, de resto, para a deslindação da falácia da 
desideologização da crítica. A vida contemporânea encontra no dito «pós-modernismo» 
uma forma de reificação dos seus valores na negação da condição política de certos 
gestos humanos. A tradicional cisão entre forma e conteúdo (perpetrada mesmo por 
aqueles que defenderam a sua abolição) consagra esta privação da obra da sua dimensão 
intrinsecamente viva e vivificante, e é por isso que a hermenêutica deve assumir uma 
vocação rival, no esforço de “desmascarar os artefactos culturais enquanto actos 
socialmente simbólicos” (idem, p. 183), colocando em evidência as limitações 
estratégicas que fundam a prática interpretativa convencional. 
A materialização do projecto defendido por Jameson implica 
incontornavelmente o reconhecimento de uma forma de teoria, enquanto atitude 
propriamente ética face ao texto, a exigir do intérprete um desempenho manifestamente 
activo perante a obra, uma capacidade de reescrita sonegada pelo “empirismo, ilusão de 
uma prática essencialmente não-teórica”, que, enquanto tal, “é uma contradição nos seus 
próprios termos” (idem, p. 184). Assim, podemos descrever a tarefa do intérprete como 
a da “reescrita das categorias de superfície de um texto na linguagem mais profunda de 
um código interpretativo fundamental” (idem ibidem), apto a reconduzir o texto à 
condição de narrativa, possibilitando um envolvimento do leitor nosso contemporâneo 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
45 
 
análogo ao do leitor contemporâneo da obra, graças a uma (re)motivação, não de 
“alguns aspectos do senso-comum de uma realidade externa”, mas do real como 
linguagem intrínseca da obra literária, ou subtexto. É, portanto, no desdobramento da 
condição paradoxal do subtexto – enquanto reacção textualizante a uma situação 
política (na acepção de interacção de cidadãos coevos de uma cidade humana) e 
articulação de uma situação de especificidade estética – que a interpretação joga o 
esforço de transcender a ilusão do texto que se oferece como alfa e ómega, na ambição 
artística de se assumir como obra, e, nessa pressuposição, dissolver o próprio tempo. 
 
2. 
 
Se a contemporaneidade fosse um labirinto, de que espécie seria? A questão 
pode parecer ociosa, mas julgo-a indispensável para uma compreensão em profundidade 
do nosso tempo: se o excesso de proximidade nos impede de ver com nitidez o nosso 
lugar relativo, saibamos, pelo menos, conhecer como nos perdemos em cada gesto de 
inscrição. Atrevo-me a propor um labirinto onde é impossível a perda. Um labirinto 
composto de sinais de trânsito e placas orientadoras (ou, mais modernamente, equipado 
com tecnologia “GPS”), onde o sobreexcesso de dados impede o visitante (perpétuo) de 
coisas como parar ou voltar atrás, porque qualquer dessas coisas está prevista no código 
que orienta os trajectos possíveis. Assim, um retrocesso não será um retrocesso, mas o 
cumprimento de um retrocesso, o que, como está bom de ver, irradica de uma vez por 
todas um conceito como “perder-se”. No entanto, atrever-me-ia a dizer que este 
labirinto também não possui um centro fixo, como os dos jardins do século XIX, que 
propiciavam discretos encontros entre amantes. Como a definição de Deus que consta 
do Livro dos Vinte e Quatro Filósofos, longamente atribuída ao pseudo-Hermes 
Trimegisto, este labirinto é uma espécie de esfera cujo centro está em toda a parte e a 
circunferência em parte alguma (apud POULET, 1979, p. 25). Será ainda um labirinto 
habitável, este onde até o desvio se volve em caminho? E onde nos poderá levar, se não 
há derivas? 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
46 
 
Em “Postmodernism, or the cultural logic of late capitalism” (1984) Jameson 
traça um panorama crítico da noção periodológica de “pós-modernidade”, partindo de 
uma denúncia dos milenarismos invertidos na cultura e intelectualidade (as 
apocalípticas teorias sobre “o fim de tudo”, às quais não escapou a literatura e a teoria), 
para estabelecer uma correlação entre a proposta lyotardiana do “fim das 
metanarrativas” e a disseminação de “pequenas narrativas”, surpreendendo, no entanto, 
o modo como aquilo que comummente se designa 'modernidade' permanece como 
(talvez a derradeira) última grande narrativa da cultura ocidental (Paul de Man 
demonstrou já as contradições intrínsecas a uma tal concepção, contradições que 
Jameson, de forma diferente, não se exime de denunciar). Num contexto cultural 
marcado pela pulverização, é natural que as propostas evolutivas configurem 
essencialmente tentativas de “involução”, ou seja, esforços de radicalização contingente 
limitados a um ou outro ponto específico de um panorama fragmentário e disperso. Essa 
subversão do processo propriamente evolutiva resulta da dificuldade de interagir com 
um legado de elevadíssimo teor iconoclasta e transgressivo, como fica claro: 
 
Não só Picasso e Joyce já não são feios: eles hoje desafiam-nos, 
no seu conjunto, como modelos 'realistas'; e este é o resultado da 
canonização e institucionalizaçãoacadémica do movimento 
modernista, que remonta à década de 50 do século XX (AAVV, 
1997, p. 269). 
 
 
O enquadramento da arte no sistema de produção de bens de consumo, 
assinalando, em certa medida, a frustração das teses de Benjamin sobre as 
possibilidades emancipatórias da obra de arte na era da reprodutibilidade técnica, 
determinou a neutralização da entropia como factor subversivo, levando assim ao 
esgotamento a dimensão revolucionária da linguagem artística. Este processo, que 
percorre todo o século XX, redunda num conceito de “pós-modernidade” qualitativa e 
funcionalmente diferente do conceito de modernidade. Enquanto correlato do estado 
avançado do capitalismo, o pós-modernismo caracteriza-se pelo esvaziamento da força 
transformadora na origem do modernismo, assumindo características como: 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
47 
 
uma nova ausência de profundidade, que tem reflexos tanto na 
contemporânea 'teoria' como numa cultura da imagem ou do 
simulacro inteiramente nova; uma consequente debilização da 
historicidade, na nossa relação com a História pública e nas 
novas formas de temporalidade privada, cuja estrutura 
esquizofrénica (nos termos de Lacan) irá determinar novos tipos 
de relacionamentos sintácticos ou sintagmáticos nas artes 
temporais; um tom de base emocional totalmente novo – que 
designarei por 'intensidade' – e que pode ser encarado como um 
regresso às velhas teorias do sublime (idem, p. 270). 
 
 
Graças à força de gravidade retrospectiva da crítica, a pós-modernidade tende a 
aplicar àquilo que a precede os mesmos critérios que a sustentam, resultando numa 
reificação do passado, destituído, espuriamente, das suas motivações intrínsecas, e 
volvido colecção de adereços decorativos ou peças de colecção6. Contra este 
movimento – ele próprio altamente característico do pós-moderno – Jameson propõe 
uma abordagem reconstitutiva do passado, capaz de reconduzir as manifestações 
artísticas ao seu significado enquanto “acto simbólico de direito próprio, como praxis e 
como produção” (idem, p. 271). Deste modo, Jameson ataca e contraria em acto a 
tendência pós-moderna para impor aos objectos uma superficialidade fleumática, cujo 
pensamento do autor expõe como superficial inclusivamente na exibição de 
superficialidade, ou seja, numa espécie de hipocrisia de linearidade que é talvez o feito 
mais conseguido de todo o pós-modernismo, e que consiste em expurgar a obra da sua 
profundidade propriamente epistémica, graças a uma virtual dissipação da estética da 
expressão (estética da expressão que, note-se, é própria do modernismo). 
Na sua tarefa de descredibilização dos modelos assentes numa lógica sistémica 
de interior vs. exterior, a “teoria” pós-moderna abandona toda a pretensão a obter 
 
6
 Este processo é analisado em detalhe por Adorno e Horkheimer em “Enlightenment as mass 
deception” (1944): a criação de uma “cultura de massas” correspondeu à neutralização de toda e 
qualquer possibilidade de questionamento do mundo através da arte, uma vez que, ao “imprimir em 
tudo o mesmo carimbo”, o sistema de produção de bens culturais cortou todas as ligações entre a arte e 
a reflexão. A uniformidade da cultura “pós-moderna” estende-se a todo o passado, como prova o facto 
de qualquer movimento de uma sinfonia de Beethoven servir para banda-sonora, não passando, em 
qualquer momento, por uma interpelação estética, cultural ou ideológica do espectador: a obra de arte, 
enquanto tal, proveniente de qualquer época e lugar, é submetida a um curto-circuito que a transforma 
em forma pa aàa aste e àaàp oduçãoàdeà o teúdos à(v.g.àááVV,à 99 ,àp. 29 e ss.). 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
48 
 
alguma verdade, agora considerada vestígio metafísico que é necessário abandonar. 
Assim, e pese embora Jameson aceite a natureza propriamente espacial da pós-
modernidade (por oposição à consciência aguda de temporalidade que atravessa o 
modernismo), o seu pensamento prevê dispositivos de aprofundamento e exploração do 
eixo cronológico (uma eventual reabilitação da filologia?), cuja aplicação deverá 
estender-se à própria contemporaneidade, como ponto de fuga possível para uma 
aparente desintegração da condição da representação nas sociedades ocidentais. 
Para compreender todo o alcance destas propostas, importa, contudo, recuar um 
pouco no século XX, e acompanhar o intercâmbio conceptual entre duas figuras 
determinantes para o que viria a ser o (ou os) caminho trilhado pela crítica e pela teoria 
ao longo do século XX e até na contemporaneidade. Essas duas figuras são Theodor 
Adorno e Walter Benjamin, e o posicionamento ideológico de cada um coloca o diálogo 
entre ambos num lugar epistémico singular, a partir do qual é possível desenhar dois 
grandes arcos abarcando a quase totalidade do espectro crítico do nosso tempo. 
A correspondência entre Adorno e Benjamin, ao tematizar as possibilidades e 
limites da figuração da ideologia no interior da obra e da crítica, problematiza a questão 
mais geral da representação, num movimento pendular entre consciência e conteúdos. 
Adorno, corrigindo a modelização clássica desta relação ao afirmar que a obra 
não é um conteúdo da consciência, mas produz consciência, dirige a Benjamin críticas 
no que respeita à aplicação mecânica de dispositivos dialécticos a obras literárias, e 
explica que a consciência gerada pela obra, na sua imanência, é atravessada pela mesma 
convencionalidade que confere existência a uma constelação de estrelas, e produz, 
portanto, um conceito constelar de realidade. Cabe ao artista e ao crítico “polarizar e 
dissolver dialecticamente esta ‘consciência’ entre o social e o singular, e não a 
galvanizar enquanto correlato imagético do bem de consumo” (AAVV, 2007, p. 113). 
Neste sentido, ao libertar a obra da sua funcionalidade de consumo, isto é, do seu valor 
imediato na série, o crítico, como o coleccionador, numa ficção provisória mas 
necessária, reconduz a obra à sua essência de coisa entre as coisas, para melhor expor a 
sua singularidade. Perdida a função teológica da arte, compete à crítica ocupar esse 
centro vazio, a fim de explorar a concepção do mundo que assume a arte, dando a ver o 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
49 
 
“interior transparente” de um fenómeno estético na sua coisalidade e ilusão, enquanto 
metafísica explicativa de uma forma de inscrição no mundo. Neste sentido, toda a 
concepção da “autonomia da obra de arte” resulta num empobrecimento da leitura, já 
que reproduz inconscientemente e sem o problematizar um dispositivo que na obra é 
ideologicamente produzido. 
Adorno mostra-se apreensivo quanto a uma tendência ascética benjaminiana que 
leva este último a postular hipóteses explicativas sem as investir de tensões dialécticas 
motivadas, sobrevoando o necessário aprofundamento teórico e assumindo certas 
‘fantasmagorias’ com um positivismo mágico não mediado que ameaça arruinar as suas 
análises. 
Benjamin, por seu turno, adopta uma postura defensiva vagamente sobreponível 
à linha argumentativa expressionista: a sua declinação de uma visão panorâmica e 
totalitária decorre de uma exigência do objecto de estudo, ele próprio descontínuo e 
disruptivo. Se não pode aceitar os princípios de construção prescritos por Adorno, isso 
não significa que não aplique um outro paradigma de arquitectura do pensamento: na 
sua demanda do “pequeno elemento mágico” que confere sentido à obra artística, 
Benjamin procura devolver o poema a si próprio, para, depois, lhe ser possível restituir 
o panorama geral que o informa. 
A confrontação produtiva das posturas de ambos talvez não requeira uma síntese 
conciliadora, síntese que, de resto, seria de pouca utilidade nesta matéria. O debate 
inaugurapontos de fuga múltiplos e dissonantes, que o pensamento teórico vem 
explorando, em diversas modelizações conceptuais. A relação entre estética e História, 
na origem da polémica entre realistas e modernistas, lança-nos para o centro da 
problemática da representação na cultura ocidental. A dimensão estética e a sua 
veiculação cognitiva no modelo realista, fazendo oscilar a certeza kantiana de uma 
conformidade a fins sem fim, leva-nos a reconsiderar as premissas de Adorno sobre o 
fim da era teológica da Arte, reequacionando os termos que, após a Segunda Guerra 
Muncial, fazem da arte uma experiência de intensificação da percepção do real. Já longe 
de um paradigma simplesmente mimético, a arte compreende e aceita a sua missão de, 
não só dar a ver, como construir a visão do mundo, obrigando a uma releitura das teses 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
50 
 
platónicas sobre as ameaças e potencialidade da reconfiguração estética da realidade. 
Neste sentido, é possível perceber como as opções de abstracção que regem o 
funcionamento (e a própria definição) da ciência encerram posturas ideológicas. Mesmo 
o mais confinado formalismo representa, assim, uma tentativa tudo menos inocente de 
reduzir o texto a um caso (mais ou menos patológico), dissecável segundo rótulos que o 
afastam cirurgicamente do contexto social e político que motiva os processos de 
referência e significação que o constituem enquanto texto7. 
A neutralização do conteúdo encontra a sua forma mais acabada na exaltação do 
conteúdo como forma. Esse procedimento, que é sobreponível ao que dá origem às 
democracias modernas por via de uma dupla negação dos conceitos de classe (e, como 
ensina a Álgebra, dois indicadores de subtracção equivalem a um valor positivo...), 
forneceu a ilusão da desnecessidade de um pensamento dialéctico, afastou o platonismo 
como concepção obsoleta, instaurou um pensamento da imanência e da autonomia que 
se fossilizou enquanto materialização do paradoxo e da tautologia de um idealismo 
contingente e essencialista: o texto é aquilo que é enquanto texto literário, e as suas 
possibilidades de engendração de sentidos regem-se pela determinação que as suas 
estruturas exercem sobre si (notamos que esta poderia ser a síntese última da definição 
jakobsoniana de poesia). 
É assim que Jameson chega à sua proposta de uma Estética da Modernidade 
Política, que se define como reactualização do realismo e reinvenção da possibilidade 
de pensamento de totalidades: 
 
Porque quando a modernidade e as suas técnicas de 
‘distanciamento’ se tornam o estilo dominante no qual o 
consumidor se reconcilia com o capitalismo, o hábito de 
fragmentação precisa, ele próprio, de ser vítima desse 
‘distanciamento’ e corrigido por uma forma mais totalizante de 
conceber o fenómeno (AAVV, 2007, p. 211). 
 
 
7
 “O modernismo seria então, não tanto uma forma de evitar o conteúdo social – uma missão 
objectivamente impossível para seres que se encontram 'condenados' à História e à implacável 
sociabilidade até da experiência mais íntima – mas, sobretudo, uma forma de gerir e assimilar esse 
conteúdo, afastando-o do campo de visão através da própria forma, por meio de técnicas específicas de 
e uad a e toàeàdeslo açãoà[…]. ,àF ed i àJáME“ON,ài àááVV,à 7,àp.à . 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
51 
 
Essa forma de retorno pode, creio, assumir a formulação que Michel Foucault 
define como ‘insurreição dos saberes subjugados’ na sua lição de 7 de Janeiro de 1976 
no Collège de France (AAVV, 1997, pp. 129-135). De facto, se a modernidade se 
caracteriza pela fragmentação disruptiva das teorias totalizantes, não estava (e continua 
não estando) explorado o potencial transgressivo da adesão consciente a um sistema que 
foi sendo reprimido e relativizado, um sistema cujos traços ficcionais foram sendo 
elididos à medida a que a especialização do conhecimento dava origem a dogmatismos 
à micro-escala e redutos inquestionáveis e nunca problematizados do pensamento. Esse 
sistema recalcado oferece, nessa condição, a possibilidade de suspensão da procura de 
uma verdade sistémica, para permitir a emergência dos saberes desqualificados, 
disfarçados ou soterrados na estrutura do conhecimento erguida pela racionalidade 
disciplinar. Enquanto praxis, esses 'saberes menores' ou “le savoir des gens” (idem, p. 
131) assumem a sua natureza local, particular, popular, regional. Eles respondem, de 
algum modo, ao repto de Jameson, ao narrarem a história dos embates de si próprios 
contra as áreas de erudição especializadas e privilegiadas. Memórias locais, eles 
convocam uma genealogia da descontinuidade, das irrupções ilegítimas contra os 
preceitos (e preconceitos) de um corpo do conhecimento que filtra, hierarquiza, ordena e 
elimina. 
Talvez se encontre nesta formulação foucaultiana o principal contributo dos 
teóricos do século passado para o pensamento do século XXI. Contra os efeitos do 
poder de um discurso científico, emancipar os conhecimentos históricos da sujeição, 
vazando-os para um espaço não-positivista aberto ao fluir de um pensamento em acto, 
que anuncia já o reencontro da ciência com uma forma de poiesis, mediada pelo arquivo 
(ou memória), e que não é já Clio na sua marcha incoercível, mas talvez Mnemosyne, 
aquela que, com olhos imortais, faz que leia mais do que vê escrito. 
 
3. 
 
A possibilidade de simplesmente não existir algo como “o literário”, mas antes 
uma comunidade cujas convenções de leitura legitimam a inclusão de artefactos 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
52 
 
culturais nessa categoria, com base em necessidades específicas que determinam usos 
particulares de textos para fins argumentativos pode parecer-nos, hoje, bem real, e essa 
possibilidade torna instável qualquer tentativa de conceptualização da “representação”8. 
Num processo onde, como observa Stanley Fish, “o critério de unidade formal, como 
tudo o resto nesta sequência, é imposto, e, por sua vez, impõe o desencadear de 
procedimentos concebidos para o descobrir e validar” (FISH, 1980, p. 105). 
O hino oficial da União Europeia, Der Ode an die Freunde, extraído do último 
andamento da nona sinfonia de Beethoven, foi elevado por Romain Rolland, em França, 
ao estatuto de ode humanista, Marselhesa da Humanidade. Em 1938, foi a atenção 
central das “Reichsmusiktage” (as jornadas de música do Reich), tendo sido, mais tarde, 
tocado para o aniversário de Hitler. Nos anos 70 foi ouvido em honra da medalha 
olímpica de ouro, quando as equipes participantes da Alemanha Oriental e Ocidental se 
reuniam numa só. O regime rodesiano de Ian Smith, defensor do Apartheid, fez dele o 
seu hino nacional. Os movimentos juvenis católicos adaptam a letra, e utilizam a 
melodia como cântico em celebrações eucarísticas (cf. ŽIŽEK, 2006, p. 11). Não será 
difícil perceber que ele se tornou um significante vazio, um fantasma capaz de assumir 
os significados ditados pelo uso. Algo não muito diferente acontece com as próprias 
formas musicais canónicas. Não é fácil definir o que vem a ser a forma «concerto para 
violino» sem uma ancoragem a um concerto para violino em particular, já que, 
considerados os concertos para violino de Bach e os “Capricci” de Paganini, não será 
possível, senão oposicionalmente, chegar a qualquer conclusão. Restará sempre o reduto 
do mínimo denominador comum. Mas dizer que o concerto para violino é a 
performance musical protagonizada por aquele instrumento ou dizer que a literatura é 
um fenómeno da linguagem, não nos conduz demasiado longe... Nunca é possível 
chegar a um contexto «puro», anterior a qualquer decisão. Talvez esse constrangimento 
esteja na origem da tentação de ensinar literatura evitando com perversa naturalidade8
 “Pode ser que, neste contexto, a ideia de definição seja considerada limitadora e estéril, mas parece 
mais provável que a sua recusa se deva a uma certa comodidade intelectual, ou ao medo de descobrir, 
perante o rigor e a precisão a que obrigam as definições, que aquilo que pretendemos ensinar – a 
literatura – não existe como fenómeno objectivo, interpessoal e conceptualmente imutável, mas apenas 
como uma denominação vazia, cujo significado flutua ao ritmo de ideologias e interesses individuais ou 
de grupos e das modificações que estes sofrem at avésàdosàte pos ,àÁLVáREZàáMORÓ“,à ,àp.à . 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
53 
 
pensar o que é a Literatura. Contra o potencial desestabilizador implicado em qualquer 
materialização legível como literária, a abordagem tradicional ergue as defesas de uma 
acepção institucionalizada de literatura, o microlecto que isola os elementos menos 
problemáticos (menos traumáticos), para extrair das características docilizáveis ilações 
previamente disponíveis no catálogo crítico. 
Deste modo, ultrapassa-se a dicotomia entre a especificidade e a inespecificidade 
da literatura, por intermédio de um modelo analógico do valor literário, sensível a 
intensidades, e cujo desdobramento em múltiplas gradações permite questionar o 
tratamento binário que vulgarmente se outorga ao assunto. Neste novo território 
transitável, um contínuo para onde convergem as possibilidades combinatórias 
articuláveis no campo cultural, somos convidados a fazer de conta que acreditamos na 
falsidade demasiado evidente que é a obra: também aqui uma promissora suspensão da 
descrença torna o texto legível enquanto texto literário, franqueando deste modo um 
mundo de possibilidades que negaríamos a textos de outro tipo. Fica, assim, garantida a 
possibilidade de continuarmos a ouvir a Nona de Beethoven, mesmo sabendo que ela é 
essa estrutura aberta, de significados cambiantes, ou, talvez justamente por isso. 
 
 4. 
 
O caminho da musa Clio delimita um espaço pensável a partir da 
problematização suscitada pelo contínuo confronto do Homem com as suas convicções. 
E, se nada se constrói ao arrepio da História, a verdade é que aqueles que a ignoram são 
forçados a repeti-la. 
As voltas que nos trouxeram a este lugar sugerem-me uma nova luz sobre o 
labirinto de Borges e Lönnrot. Talvez estejamos indefinidamente condenados a 
percorrer esse labirinto em linha recta, numa incessante procura daquilo que sempre 
esteve lá. Não conhecemos outra história que nos conte de nós próprios senão essa que 
inventámos para nos representar, singular, diferente em cada boca, e, no entanto, 
entoando o mesmo fascínio do primeiro dia. É Claude Hagège quem afirma: 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
54 
 
Produto sempre renovado de uma dialéctica de 
constrangimentos, cujas formas futuras se ignoram, e de 
liberdades, cuja medida dependerá da sua resposta aos desafios 
alinhados no seu horizonte, o homem dialogal sugere pela sua 
própria natureza algumas referências de um discurso que saiba 
falar integralmente dele, e não das suas máscaras. Mas precisa 
de aceitar dirigir-lhe o olhar (HAGÈGE, 1990, p. 264). 
 
 
Decerto, este não seria o momento ideal para relançar o debate teórico. Contudo: 
onde pode pousar o olhar senão sobre as máscaras, uma após outra, sucessivamente 
aclamadas e destituídas, com que tecemos o rosto que se apaga para existir? Esta é a 
verdade do labirinto de Borges: em cada final, o enigma de um começo. No seu 
labirinto infinito, ainda nos é possível perdermo-nos, perdendo o pé na profundidade 
que criámos para nos representar. Eis o labirinto de Orpheu, feito de uma só linha, 
percorrida contra a morte, olhada nos olhos por um momento para que tudo exista e, 
depois disso, haja, ainda, a noite. 
 
Referências Bibliográficas: 
 
AAVV. Aesthetics and Politics: Debates Between Bloch, Lukacs, Brecht, Benjamin, 
Adorno, with an afterword by Fredric Jameson. London/New York: Verso, 2007. 
 
AAVV. The Cultural Studies Reader (org.: Simon During). London/New York: 
Routledge, 1993 
 
AAVV. Twentieth-Century Literary Theory – A Reader (Edited by K. M. Newton). 
New York: Palgrave Macmillan, 1997: 
EAGLETON, Terry. “Towards a Science of the Text” (1976), pp. 171-176. 
FOUCAULT, Michel. “Lecture: 7 January 1976” (1976), pp. 129-135. 
JAMESON, Fredric. “On Interpretation: Literature as a socially symbolic act” 
(1981), pp. 181-186. 
JAMESON, Fredric. “Postmodernism, or the cultural logic of late capitalism” 
(1984), pp. 267-275. 
 
ÁLVAREZ AMORÓS, José Antonio. “Crítica y superación de la especificidad 
literária”, in AAVV, Teoría Literária y Enseñanza de la Literatura. Barcelona: 
Ariel, 2004, pp. 13-62. 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
55 
 
BENJAMIN, Walter. “O autor enquanto produtor”, in Sobre Arte, Técnica, 
Linguagem e Política. Lisboa: Relógio d'Água, 1992, pp. 137-156. 
 
BORGES, Jorge Luis. “A Morte e a Bússola”, in Ficções. Lisboa: Editorial Teorema, 
1998, pp. 134-135. 
 
FISH, Stanley. “How ordinary is ordinary language?”, in Is There a Text in This 
Class? The Authority of Interpretative Communities. Cambridge/London: Harvard 
University Press, 1980, p. 105. 
 
HAGÈGE, Claude. O Homem Dialogal. Contribuição Linguística para as Ciências 
Humanas. Lisboa: Edições 70, 1990. 
 
JAUSS, Hans Robert. História literária como desafio à ciência da literatura [seguido 
de] Literatura medieval e teoria dos géneros. Vila Nova de Gaia: José Soares 
Martins, 1974. 
 
JOBIM E SOUSA, Solange. «Mikhail Bakhtin e Walter Benjamin: polifonia, alegoria e 
o conceito de verdade no discurso da ciência contemporânea», in AAVV. Bakhtin: 
Dialogismo e construção do sentido (org.: Beth Brait). Campinas: Unicamp, 1997, pp. 
331-347. 
 
M , an Escritos Sobre Estética e Semiótica da Arte [Ed. Original: 
Slovo a slovesnost X, 1947-1948]. Lisboa: Estampa, 1997. 
 
POULET, Georges. Les Métamorphoses du Cercle. Paris: Flammarion, 1979. 
 
TROUSSON, Raymond. Temas e Mitos: Questões de Método. Lisboa: Horizonte, 
1988. 
 
ŽIŽEK, Slavoj. Bem-Vindo ao Deserto do Real. Lisboa: Relógio d’Água, 2006. 
 
 
------------------------------------ 
* Pedro Lopes Almeida, licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela 
Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2009), frequenta o Mestrado em Estudos 
Literários, Culturais e Interartes, variante Teoria da Literatura, estando a terminar uma 
tese sobre “Consequências da desagregação da Filologia”. Investigador do Centro de 
Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória (CITCEM). Investigador 
colaborador do grupo de investigação Aesthetics, Politics and Art Research Group 
(Aparg), do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto (IF-UP). Bolseiro de 
Integração na Investigação, ao abrigo do programa de apoios da Fundação para a 
Ciência e a Tecnologia (FCT), no ano lectivo 2009-2010, integrado no Instituto de 
Filosofia da Universidade do Porto, tendo desenvolvido trabalhos no âmbito da linha de 
pesquisa “Arte, memória e exílio”. Bolseiro de Integração na Investigação, ao abrigo do 
 
Revista JIOP n° 3 – Departamento de Letras Editora – 2012 
 
 
 
 
 
56 
 
programa de apoios da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), no ano lectivo 
2008-2009, integrado no Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa (ILCML). 
Publicou vários artigos em revistas nacionais e estrangeiras, tendo participado em 
diversos encontros científicos e de divulgação cultural em Portugal (Universidade do 
Porto, Universidade de Coimbra, Universidade do Minho e Universidade da Beira 
Interior) e no estrangeiro (Brasil, Universidade Estadual de Maringá). 
 
Recebido em 19/4/2012 
Aceito em 10/9/2012 
 
	REVISTA JIOP 03
	Expediente
	
Editorial
	Sumário
	Dédalo 
	"Sincerely yours..."
	Labirinto em linha recta...
	O leitor navegante...
	A busca desi mesmo...
	A literatua infantil...
	A memória como olhos...
	Minicontos de não-amor...
	(Sobre)vidas secas
	Pandora
	Alexandre Brito
	Ana Guadalupe
	Beatriz Yoshida
	Eduardo Siqueira
	Gabriela Camargo
	José Geraldo Neres
	Marcele Aires
	Marciano Lopes
	Nelson Alexandre
	Nocaute
	Alexandre Gaioto
	Bea Godoy
	Beatriz Pazini Ferreira
	Gabriela Bruschini Grecca
	Luigi Ricciardi
	Marco Hruschka
	Patrícia Tieme Takano
	Rafael Beck
	Ronie Von Martins
	Wagner Belinato
	Wllington Xavier de Oliveira
	SóLâmina 
	Karen Debértolis
	Gestus
	Valmir Santos
	II Mostra de Teatro Contemporâneo de Maringá
	Humus
	Marcos Molinari
	Lambe-Lambe 
	Bárbara Neves
	Camila Fujita
	Outras Palavras
	Normas
	Dossiê Marcos Molinari
	Dossiê Bárbara Neves
	Dossiê Camila Fujita
	CONTRACAPA

Mais conteúdos dessa disciplina