Logo Passei Direto
Buscar

Ferramentas de estudo

Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE DIREITO
DIREITO AGRÁRIO
AVALIAÇÃO II UNIDADE – 2018.1
TÚLIO OLIVEIRA PEIXOTO
SALVADOR
2018
1. Elabore uma argumentação a respeito da situação descrita a seguir, na condição definida pelo art. 129, inc. V, da Constituição Federal de 1988, considerando os elementos indicados: [Valor: 3,0]
Inicialmente, cumpre ser destacado que a questão versa acerca da busca pela ampliação de terras indígenas da Etnia Payaya, localizada em Jacobina, Bahia. Fora iniciada demarcação feita pela FUNAI, em 1997, de maneira a contemplar apenas duas – Icó e Kaém – das cinco aldeias indígenas presentes; são as outras: Ilha do Meio, Baixa da Égua e Tremembê.
Ademais, em face à início dos trabalhos por parte da Fundação Nacional do Índio, foi ajuizado mandado de segurança para que essa não ocorresse, fundamentando que: a) não houve o levantamento fundiário efetuado pelo Estado da Bahia; b) a área é um aldeamento extinto, não havendo povos indígenas na região, o que há são pessoas com cabelo crespo, resultado da miscigenação; c) há direitos de propriedade sobre os imóveis rurais objeto da demarcação da terra indígena, devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis de Jacobina; d) os (as) supostos (as) índios (as) não ocupavam as terras na data da promulgação de Constituição Federal de 1988; e) que devem ser aplicadas as condicionantes impostas à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, sobretudo a que veda a ampliação de demarcação; f) alternativamente, a criação de reserva indígena no município de Caém.
Isto explanado, devem ser rechaçadas as argumentações expostas no ajuizado mandado de segurança, tendo em vista garantir o direito à Etnia Payaya – todas as suas aldeias diversas – de acesso e usufruto de suas terras. 
Nesta senda, no que concerne ao argumento de que não houve levantamento fundiário efetuado pelo Estado da Bahia, esse não merece guarida.
O Decreto n. 1.775/1996 determina em seu artigo 2º:
Art. 2° A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, estudo antropológico de identificação.
§ 1° O órgão federal de assistência ao índio designará grupo técnico especializado, composto preferencialmente por servidores do próprio quadro funcional, coordenado por antropólogo, com a finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação.
§ 2º O levantamento fundiário de que trata o parágrafo anterior, será realizado, quando necessário, conjuntamente com o órgão federal ou estadual específico, cujos técnicos serão designados no prazo de vinte dias contados da data do recebimento da solicitação do órgão federal de assistência ao índio. (Grifos aditados).
Assim, da leitura do artigo depreende-se que é a FUNAI o órgão responsável pela demarcação das terras indígenas, cabendo a ela, através de “trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará (...) estudo antropológico de identificação.”.
Não obstante, no que concerne à alegação presente no mandado de segurança a respeito da necessidade de levantamento fundiário realizado pelo Estado da Bahia, é bastante claro o § 2º ao determinar que – apenas quando necessário – será o levantamento fundiário realizado conjuntamente com o órgão federal ou estadual específico.
Isto posto, não que se falar em “levantamento fundiário realizado pelo Estado da Bahia”, haja vista não ser competência do estado-membro a sua realização – sozinho – de qualquer documento nesse sentido. De mais a mais, é responsabilidade do órgão federal de assistência ao índio avaliar ser ou não necessária a realização em conjunto do levantamento fundiário, tornando, pois, ineficiente e descabida a discutida argumentação para não ampliação das terras indígenas.
Neste diapasão, é a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. TERRA INDÍGENA. FUNAI. LEVANTAMENTO FUNDIÁRIO. É inerente à função da FUNAI ingressar nas áreas em questão a fim de efetuar o levantamento fundiário, nos termos dos artigos 1º, § 6º e 2º, § 8º, do Decreto 1.775/96, bem como da Portaria 528/02, editada para constituir grupo técnico para complementar o levantamento fundiário, sócio-econômico, documental e cartorial das ocupações de áreas por não-índios, nos limites da terra indígena de Nonoai. (TRF4, AC 2002.71.04.010774-8, QUARTA TURMA, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, D.E. 28/06/2010). (Grifos aditados).
O segundo argumento disposto no mandado de segurança diz respeito ao suposto fato de a área ser um aldeamento extinto, não havendo povos indígenas na região, o que há são pessoas com cabelo crespo, resultado da miscigenação. Novamente, não merece acolhimento o ponto discutido.
O artigo 231 da Constituição Federal de 1988 determina que:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
Por esse ângulo, o artigo 231, § 1º da Constituição Federal explica o que são terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas. 
Tratar de questões essenciais à manutenção da cultura, costume, hábitos e identidade de um povo simplesmente determinando seus ocupantes como não pertencentes àquela etnia e/ou comunidade indígena apenas por uma característica física – não comprovada, posto que é bastante subjetiva qualquer impressão sobre algum fenótipo – é reduzir problemática relevantíssima de maneira até preconceituosa.
A miscigenação é uma característica marcante no nosso país. Impossível definir se um povo – historicamente ali presente – é adepto de certos costumes e hábitos, pertencentes à determinada cultura por impressões acerca de um fenótipo – “tipo” de seu cabelo.
Pois, questiona-se: não pode ser determinada comunidade indígena por terem parte de seus pertencentes cabelo não associado ao estereótipo preconceituoso indígena? 
Nessa mesma linha de raciocínio, não poderia ser indígena também aquele que possui cabelo ondulado, fugindo assim de como o “índio brasileiro” tem sua imagem representada e difundida pelo país. Um verdadeiro absurdo.
O artigo 3º do Estatuto do Índio esclarece:
Art. 3º Para os efeitos de lei, ficam estabelecidas as definições a seguir discriminadas:
I - Índio ou Silvícola - É todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional; (Grifos aditados).
Dessa forma, conforme disposto legalmente, a característica “física” importante para determinação de pertencimento ao conceito de índio é ascendência colombiana, que pode existir sem características fenotípicas evidentes. Mais, deve esse se identificar como indígena e ser identificado como pertencente a um grupo de características culturais que o distinga da sociedade nacional.
Nessa mesma linha, Helder Girão Barreto explica que índio é todo ser humano que se identifica e é identificado como pertencente a uma comunidade indígena. (Direitos Indígenas Vetores Constitucionais. Curitiba: Juruá, 2003, p. 97).
Com efeito, frise-se novamente que não é a alegação de que pessoasque ocupam determinada região de maneira histórica, numa aldeia, apenas por terem cabelos crespos não são indígenas que deve prevalecer.
O laudo antropológico produzido verificou que a Terra Indígena Payaya sediou a Missão Santíssima Trindade de Payaya, reconhecido mediante alvará régio de 1700, de forma que há documento que atesta a ocupação histórica das terras pelo mencionado povo, não havendo que se falar em apenas uma característica física para reconfigurar sua identidade.
Destarte, inexiste qualquer veracidade sobre a alegação de aldeamento extinto, haja vista estarem lá presentes índios ocupando a terra através de diversas atividades produtivas, o que, por si só, torna o torrão uma terra tradicionalmente ocupada – art. 231, CF.
No que concerne à presença de propriedades sobre os imóveis rurais objeto da demarcação da terra indígena, registradas no Cartório de Registro de Imóveis de Jacobina, não deve tal fato impedir a ampliação da demarcação das terras indígenas pela FUNAI.
Novamente, estabelece o Decreto 1.775/1996:
Art. 2° A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, estudo antropológico de identificação.
(Omissis)
§ 8° Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação de que trata o parágrafo anterior, poderão os Estados e municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior. (Grifos aditados).
Pois, a presença de imóveis, ainda que registrados em Cartório de Registro de Imóveis, não pode impedir a demarcação da terra historicamente indígena, sob pena de estar se cometendo uma verdadeira injustiça.
A lei determina que demais interessados podem se manifestar apresentando ao órgão federal de assistência ao índio documentos, buscando pleitear indenização ou a demonstração de vícios, de maneira que o Ministro de Estado da Justiça decidirá acerca da situação. Senão, Vejamos:
§ 10. Em até trinta dias após o recebimento do procedimento, o Ministro de Estado da Justiça decidirá:
I - declarando, mediante portaria, os limites da terra indígena e determinando a sua demarcação;
II - prescrevendo todas as diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser cumpridas no prazo de noventa dias;
III - desaprovando a identificação e retornando os autos ao órgão federal de assistência ao índio, mediante decisão fundamentada, circunscrita ao não atendimento do disposto no § 1º do art. 231 da Constituição e demais disposições pertinentes.
Ademais, não é a simples presença de propriedades em território indígena que impedirá a demarcação da terra, tendo em vista a proteção de um grupo minoritário originário daquele torrão.
De mais a mais, não estarão inteiramente prejudicados os proprietários, posto que § 8º, art. 2º, Decreto n. 1.775/1996 possibilita, havendo provas acerca do alegado, justa indenização.
Faz-se também presente no mandado de segurança argumento de que os (as) supostos (as) índios (as) não ocupavam as terras na data da promulgação de Constituição Federal de 1988.
Inobstante ao afirmado, não se faz verdadeira, nos termos dispostos, a questão para a necessária ampliação da demarcação das terras da Etnia Payaya.
A Constituição Federal de 1988 foi promulgada com o intuito de proteger os direitos de todos, em especial o de minorias. Acerca dos povos indígenas, deixa bastante claro o artigo 195, V, CF:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(Omissis)
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; (Grifos aditados).
Desta forma, uma das maneiras do legislador constituinte demonstrar a sua intenção de proteger os povos indígenas foi tornar função institucional do Ministério Público a defesa desses.
Pois, deve o MP atuar em favor dos povos indígenas, restaurando, assim, de maneira legal e regular, sua condição de posse sobre a terra.
Neste diapasão, a ocupação do índio não deve ser entendida como somente física para que seja a posse daquele direito de seu povo. Não estabeleceu a Constituição Federal limites para a determinação de ser a terra indígena ou não, de maneira que basta que daquele torrão se faça uso, por exemplo, para sua agricultura ou caça para que seja a terra considerada indígena, conforme disposto no art. 231, § 1º, Constituição Federal.
Pois, ainda que fosse verdadeira, o que não é, irrelevante é a presença física como morador do indígena na terra para que seja essa de seu povo, posto que a utiliza para atividade produtiva.
O mandado de segurança ainda pede que sejam aplicadas as condicionantes impostas à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, sobretudo a que veda a ampliação de demarcação, contudo, não deve ser assim entendida a presente situação.
As terras da Etnia Payaya não foram objeto de ação judicial antes da decisão que determinou as condicionantes, servindo essa. Bem como, evidentemente, as condições estabelecidas à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol como parâmetro para as terras que virão a ser demarcadas.
Neste interim, a ampliação diz respeito à um processo que se iniciou em 1997 pela FUNAI, sendo assim, anterior à decisão do Supremo Tribunal Federal. Decorre, pois, entendimento lógico que um processo que começou antes da decisão – ainda não findado – pode ser por ela afetado apenas após seu término.
Isto dito, após o reconhecimento e fim do processo de demarcação de todas as terras da Etnia Payaya seria possível a utilização das condições estabelecidas pelo STF.
O parecer da Advocacia Geral da União aprovado por Michel Temer para que fossem aplicadas as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol não deve prevalecer.
Neste diapasão, doutrina José Afonso da Silva:
O reconhecimento do direito dos índios ou comunidades indígenas à posse permanente das terras por eles ocupadas, nos termos do art. 231, § 2º, independe de sua demarcação, e cabe ser assegurado pelo órgão federal competente, atendendo à situação atual e ao consenso histórico. (Curso de Direito Constitucional Positivo, 19ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, pg. 833/4).
Nesse sentido, é bastante claro o excelentíssimo escritor, posto que explica a desnecessidade de demarcação da terra – ato em si – para que haja o reconhecimento do Estado e seja assegurado pelo órgão federal competente – a FUNAI – o direito dos povos indígenas de permanecerem e retornarem ás suas terras. 
Isto dito, não cabe, aqui, criação de reserva indígena para aglomeração de índios em determinado local. Em atendimento ao princípio da dignidade humana, devem ser respeitadas as características do povo tradicional, de forma que retirá-lo de sua terra, de onde produz, de onde interage com a natureza e seus iguais é ingerência estatal que fere a questão identitária do índio. 
A Fundação Nacional do Índio explica que (http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas):
Reservas Indígenas: São terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União, que se destinam à posse permanente dos povos indígenas. São terras que também pertencem ao patrimônio da União, mas não se confundem com as terras de ocupação tradicional. Existem terras indígenas, no entanto, que foram reservadas pelos estados-membros, principalmente durante a primeira metade do século XX, que são reconhecidas como de ocupação tradicional.
Nesse sentido, a proposta é de realocação de índios que ocupavam e ocupam terras de maneira tradicional para locais escolhidos pelo Estado, estando, assim, “melhores alocados”.
Outrossim,Ingo Wolfgang Sarlet explica que não pode o Estado ingerir sobre a vida do ser humano de maneira a contrariar sua dignidade pessoal (Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 110-112), o que estaria a ocorrer caso se retire de forma indesejada os indígenas de terra que historicamente ocupam.
Por fim, fica evidente que é dever do Estado cuidar e proteger as comunidades tradicionais, assim, proteger também os povos indígenas. Nesse contexto, é necessário que sejam preservadas sua cultura, seu estilo de vida, seus hábitos e também as suas terras.
2. Elabore uma análise sobre a cadeia sucessória apresentada abaixo, de imóvel que integra o território quilombola Torrinha, considerando e apontando: [Valor: 4,0]
a) as transformações na noção de terras devolutas no ordenamento jurídico brasileiro desde os primeiros anos da colonização;
b) os instrumentos jurídicos disponíveis para o tratamento da situação, com a indicação dos órgãos responsáveis;
c) as consequências do levantamento fundiário do imóvel sobre a identificação e delimitação do território quilombola.
As terras devolutas no Brasil têm origem na colonização portuguesa e a forma escolhida pela Coroa para colonizar nossas terras.
O início se deu com as Capitanias Hereditárias, onde os donos de terra – capitães-donatários – poderiam fazer doações a colonos para que esses cultivassem em suas terras, tendo em vista ordem da Coroa. Assim, o sistema de sesmarias era implantado também no Brasil, de maneira que havia a gratuidade da posse com a obrigação de cultivo por parte do donatário. (BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005. p.119)
Além da obrigação de cultivar na terra, tinha também o donatário o dever de demarcar os limites da terra, bem como protege-la de invasores, etc.
Ocorre que, em razão da diferença de realidade e desinteresse de portugueses de vir cultivar no Brasil, as terras acabaram por ser doadas para poucas famílias, assim, muitas terras em posse de poucas pessoas. O modelo de agricultura que serviria para abastecer de maneira diversificada se tornou monoagroexportador, relacionado até o advento da escravidão.
Outro problema, foi a revenda irregular por parte desses donatários de suas posses, fazendo com que a Coroa não tivesse qualquer controle sobre o que ocorria nas transferências posses de suas terras, pois, públicas, em sua colônia.
Neste cenário, em 1850, foi publicada a Lei de Terras – Lei n. 601/1850 – onde a Coroa Portuguesa buscava ter maior controle sobre as terras na colônia, fazendo com que as irregularidades acontecidas até não mais assim fossem consideradas desde que registradas as posses em terras que tinham utilidade e cultivo.
Havia, ainda, a possibilidade de ocupação primária da terra, de forma que o que restasse seria entendido como terra devoluta. Para melhor explicar, vejamos:
Art. 3º São terras devolutas:
§ 1º As que não se acharem applicadas a algum uso publico nacional, provincial, ou municipal.
§ 2º As que não se acharem no dominio particular por qualquer titulo legitimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em commisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.
§ 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apezar de incursas em commisso, forem revalidadas por esta Lei.
§ 4º As que não se acharem occupadas por posses, que, apezar de não se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei.
Desta forma, “nascia” o que seriam as terras devolutas dentro do território brasileiro, sendo essas de titularidade do Império. Isto dito, agora existiam as terras privadas. 
Também na Lei de Terras estava a previsão de que impossibilidade de aquisição de terras de outra maneira que não fosse as comprando, conforme disposto no artigo 1º da lei: “Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra.”.
Tal entendimento veio mudar apenas em 1891, onde as terras devolutas passaram a ser responsabilidade do que viriam a ser os estados-membro. 
Outro momento que merece destaque é o ano de 1964, com o Estatuto da Terra, onde novamente a União é responsável pelas terras devolutas, que passa a diferenciar o que seria terra pública de terra devoluta, sendo, já hoje, a primeira, em sentido estrito, aquela que possui determinação e é útil, e a segunda uma terra que é do Estado, mas não tem qualquer utilidade, estando, até, sem registro.
No que concerne ao exposto no presente caso, faz-se pertinente explicar a necessidade de elaboração da cadeia sucessória, tendo em vista que, caso não haja a comprovação de titularidade daquele terreno, passa esse, então, a ser terra devoluta, portanto, propriedade do Estado.
Deve ser registrada de maneira correta toda e qualquer terra para que se evitem fraudes e se determine a legalidade da posse. Em ordem de organizar as cadeias sucessórias, existem os Cartórios de Registro de Imóveis, originariamente públicos, existindo uma presunção de veracidade nos atos feitos pelo servidor responsável – há a “fé pública”.
Novamente, no que diz respeito ao caso disposto em tela, deve ser destacada a diferença de área entre a última e a penúltima transferência de propriedade das terras. 
A empresa Agroindustrial Mendes Junior LTDA comprou, em 1984, terra com aproximadamente 26 mil hectares, vendendo, anos depois, para Pedro Constantino, terra com aproximadamente 75 mil hectares. A diferença de área entre as negociações é uma diferença bastante considerável.
Destaque-se que inexiste no documento de cadeia sucessória qualquer registro acerca da ampliação da terra de propriedade da empresa de quaisquer maneiras que fosse, tornando a movimentação da propriedade bastante suspeita e – a princípio – ilegal. 
Suspeita essa se confirma quando da percepção que a ilícita ampliação atinge terras quilombolas, estando ausentes provas acerca da gigantesca expansão do latifúndio da empresa.
Tal ampliação, ocorrendo da maneira que foi, é indício de procedimento de grilagem – tomando a posse de maneira indiscriminada de terrenos de outrem – através de documentação ilegal.
Nesse momento, ocorrida a invasão da terra quilombola, é responsabilidade do INCRA, conforme disposto no artigo 15, Decreto n. 4.887/2003, defender os interesses dos remanescentes de comunidades quilombolas, vejamos:
Art. 15. Durante o processo de titulação, o INCRA garantirá a defesa dos interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos nas questões surgidas em decorrência da titulação das suas terras.
Assim, no que diz respeito ao apontamento de órgão responsável pela defesa dos interesses de terras quilombolas, indica-se por meio de dispositivo legal o INCRA.
Então, como ocorrera em relação ao Sítio Vaca Morta, terra quilombola, através do Decreto 9.369/2018, deve o órgão federal realizar a demarcação da terra com Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, para que seja publicado o decreto do presente caso, ocorrendo a desapropriação de terra de propriedade particular.
Outrossim, presente também no Decreto n. 4.887/2003 é a indicação de órgãos e entidades que avaliam o RTID:
Art. 8o Após os trabalhos de identificação e delimitação, o INCRA remeterá o relatório técnico aos órgãos e entidades abaixo relacionados, para, no prazo comum de trinta dias, opinar sobre as matérias de suas respectivas competências:
I - Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional - IPHAN;
II - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA;
III - Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
IV - Fundação Nacional do Índio - FUNAI;
V - Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional;
VI - Fundação Cultural Palmares.
Assim, como é de direito, conforme disposto no artigo 68, ADCT, os remanescentes de comunidadesquilombolas – ocupadores de suas terras – devem tê-las reconhecidas, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
Destarte, é atendida a vontade e desejo do legislador constituinte de proteger os povos tradicionais e minoritários, fazendo-se justiça e buscando-se evitar que estes sejam prejudicados em seus direitos.
3. Com base nas leituras indicadas, desenvolva uma argumentação, na condição disciplinada no art. 15 do Decreto Federal n.º 4.887/2003, a partir da situação descrita a seguir: [Valor: 3,0]
O artigo 15 do Decreto Federal n. 4.887/2003 determina que:
Art. 15. Durante o processo de titulação, o INCRA garantirá a defesa dos interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos nas questões surgidas em decorrência da titulação das suas terras.
Dessa forma, é responsabilidade do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – defender e proteger os interesses dos remanescentes das comunidades quilombolas no que tange à questão de titulação de suas terras.
A presente demanda diz respeito à mandado de segurança que argumenta: a) O conceito de quilombo foi definido no ano de 1740, pelo Conselho Ultramarino, significando “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”. Igualmente, o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda o definiu como “valhacouto de escravos fugidos”; b) Não foi notificado da certificação; c) Não há comprovação da posse iniciada em 1888, tendo em vista que o primeiro registro de propriedade do imóvel foi realizado em 1858, junto ao Registro de Terras da Paróquia de Feira de Santana, em nome de José Carneiro Barradas d) O órgão não comprovou a posse dos(as) supostos(as) quilombolas(as) em 5 de outubro de 1988 e) A Administração Pública não poderia reconhecer áreas privadas como remanescentes da comunidades dos quilombos em Pedra Ferrada.
Ab initio, cumpre destacar o argumentado no mandado de segurança acerca do conceito de quilombo. A sentença é de que quilombo é “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”.
No entanto, a questão é muito mais complexa do que um conceito estabelecido por um Conselho Ultramarino no séxulo XVIII. Isto posto, recorta-se o disposto no artigo 68, ADCT:
Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
O mencionado disposto determina o reconhecimento de propriedade de forma definitiva àqueles remanescentes das comunidades dos quilombos, de maneira que não pode um conceito datado em 1740 determinar quem são esses remanescentes com o intuito de negar-lhes o direito ás suas terras.
Na obra “Quilombos – identidade étnica e territorialidade” é perceptível como o entender acerca do que são os quilombolas e seus remanescentes deixa de passar por uma definição feita por um observador externo que desconhece as características identitárias das comunidades.
Eliane Cantarino O’Dwyer, na introdução da obra – “Os quilombos e a prática profissional dos antropólogos – às fls.15, explica que devem ser considerados unicamente “ (...) as diferenças que os próprios atores sociais consideram significativas.”. Assim, ato contínuo, esclarece que é essa a abordagem que tem orientado a elaboração de relatórios de identificação, também conhecidos como laudos antropológicos.
Não obstante, há que se falar nos negros que não fugiram, mas fomentaram as suas comunidades nas áreas do plantation, áreas essas quilombolas. São também quilombos aquelas organizações comunitárias formadas próximas ou na área do plantation, posto que possuíam as mesmas características daqueles definidos como quilombos pelo Conselho Ultramarino.
Ainda no mencionado texto de Eliane Cantarino O’Dwyer, cita a autora, às fls. 18, o Grupo de Trabalho da ABA sobre Terra de Quilombo elaborou documento que afirma que o termo quilombo tem assumido novos significados, não se referindo a questões biológicas ou de fuga e luta, mas de “(...) grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida (...).
Outrossim, o artigo 2º do Decreto 4.887/2003 dispõe:
Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. Vide ADIN nº 3.239
É, então, componente de identificação o critério de autoatribuição, critério esse idôneo para identificação dos remanescentes das comunidades quilombolas.
Portanto, o conceito estabelecido pelo Conselho Ultramarino é retrógrado e racista, servindo apenas como marco histórico de determinação, naquele momento, do que seriam os quilombos, o que não mais ocorre, tendo em vista os fundamentos acima trazidos.
No que diz respeito à alegada ausência de notificação, não deve essa prosperar. 
O INCRA, antes de emitir a Portaria n. 45/2016, realiza vistorias nas terras que possivelmente serão reconhecidas como propriedade definitiva dos remanescentes das comunidades quilombolas, de forma que os agentes públicos que realizam tais vistorias tendo o costume de notificar o dono da terra no momento de suas ações.
Ademais, após tomados todos os procedimentos necessários, existe um prazo de 90 (noventa dias) para a contestação do processo de titulação da terra. Assim determina o artigo 9º, Decreto 4.887/2003
Art. 9o Todos os interessados terão o prazo de noventa dias, após a publicação e notificações a que se refere o art. 7o, para oferecer contestações ao relatório, juntando as provas pertinentes. (Grifos aditados).
Assim, após a certificação da comunidade e a publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, abre-se novo prazo de 90 (noventa dias), inexistindo violação ao devido processo legal, ou aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Com efeito, assim entende o Superior Tribunal de Justiça em decisão de Excelentíssimo Ministro Benedito Gonçales, Recurso Especial n. 1.231.460 – SC (2011/0009002-8). Senão, vejamos:
Por sua vez, contudo, o referido Decreto prevê: notificação dos ocupantes e confinantes da área delimitada (art. 7º, §2º) e prazo de noventa dias para contestação de relatório a respeito da caracterização como comunidade quilombola (art. 9º, caput).
Observe-se que o procedimento estabelecido pelo Decreto nº
4.887/2003, neste particular, é similar ao de demarcação de terras indígenas, fixados pelo Decreto nº 1.775/96. Este, por sua vez, foi expressamente apreciado pelo Plenário do STF, ocasião em que ficou consignado que, ao estabelecer o prazo de contestação do laudo de reconhecimento, ficavam assegurados o contraditório e a ampla defesa ( MS 24.045-8/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julg. 28-04-2005, por maioria): "MANDADO DE SEGURANÇA. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. RESPEITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. SEGURANÇa INDEFERIDA.(...) Ao estabelecer procedimento diferenciado para a contestação de processos demarcatórios que se iniciaram antes de sua vigência, o Decreto 1.775/96 não fere o direito ao contraditório e à ampla defesa. Proporcionalidade das normas impugnadas. Precedentes. Segurança indeferida." No voto condutor, constou, explicitamente que: "poder-se-ia cogitar de violação da ampla defesa se o decreto não estabelecesse prazo algum ou mesmo se estabelecesse um prazo exíguo para os interessados que tiveram seus procedimentos de demarcação iniciados antes do advento do decreto de 1996. (...) O prazo de noventa dias, após a publicação do decreto, é suficiente para que os interessados se manifestem acerca da demarcação."
No caso presente, já houve a produção do RTID. Com a conclusão deste e, pois, com a sua publicação, abre-se novo prazo para contestação detodo o conteúdo nele referido, com as provas e documentação que o ora agravante entender necessárias para contraditar as conclusões a que chegou a equipe multidisciplinar que apreciou a questão. Determinado pelo citado Decreto 4.887/2003 um prazo para impugnação do RTID igual de noventa dias, não há como reputar violação ao contraditório e ampla defesa, tampouco seja desproporcional o prazo concedido. Estamos diante de previsão constitucional de proteção à minoria dos descendentes de quilombolas, ou seja, norma constitucional de inclusão, não restritiva. Levantar a discussão, como querem as Autoras, para que se conclua qual o conceito que deve ser utilizado para constatar ser a área remanescente de quilombos, é afastar, sufocar, diluir, eliminar o objetivo mor do art. 68 da ADCT, de inclusão de uma minoria de brasileiros (sim, brasileiros, descendentes de escravos e ex-escravos, que deram a vida pelo crescimento deste País, após serem forçados a sair do local de origem), por meio de ação afirmativa. (Grifos aditados).
Ainda, mais três são os argumentos do mandado de segurança.
Acerca do registro de comprovação da posse, não se faz esse necessário para serem os ali presentes remanescentes de comunidades quilombolas e, portanto, titulares daquele torrão.
Conforme o disposto no artigo 15, Decreto n. 4.887/2003, deve o INCRA proteger os direitos daqueles remanescentes de comunidades quilombolas, de forma que existem outras diversas maneiras para além de um documento que comprova a presença daquele povo naquela terra.
Os §§ 2º e 3º, art. 2º do mencionado decreto determinam como pode ser aferido a posse e presença do povo em quaisquer terras:
Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. Vide ADIN nº 3.239
(Omissis)
§ 2o São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.
§ 3o Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental. (Grifos aditados).
Pois, basta que ali reproduzam suas características físicas, sociais, econômicas e culturais para comprovação da posse, podendo, inclusive, serem levados em consideração critérios de territorialidade indicado pelos próprios remanescentes das comunidades quilombolas.
No presente ano de 2018 foi julgada a ADI 3239, de forma que é simples e claro o entendimento de que não é necessária a comprovação de estar na posse da terra os remanescentes de comunidades quilombolas para do título terem direito.
O último argumento do mandado de segurança é totalmente descabido e sem qualquer fundamentação. 
Exemplo da possibilidade de desapropriação de áreas privadas é o recente Decreto 9.369/2018, que possibilitou a desapropriação de imóveis rurais para benefício da comunidade quilombola do Sítio Vaca Morta, num espaço de mil cento e oitenta e oito hectares, vinte e dois ares e noventa e nove centiares, localizados no Município de Diamante, Estado da Paraíba.
Ademais, ficam rebatidos todos os pontos do mandado de segurança, devendo, pois, ser mantida a certificação da comunidade quilombola em Pedra Fechada, bem como a desapropriação de suas terras.
20
image1.jpg

Mais conteúdos dessa disciplina