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AROMATERAPIA AULA 1 Profª Juliana Horstmann Amorim Eduardo Akira Kubota Compartilhando este documento para revisão. Adicione a sua opinião na forma de comentários diretamente no documento. Estamos ansiosos pelo seu feedback! 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, iremos conhecer a aromaterapia e sua história. Por tratar-se de um vasto campo terapêutico, iniciaremos nossos estudos delimitando os conceitos e fundamentos que a embasam, a partir de algumas definições que aparecem na legislação brasileira sobre a prática da aromaterapia relacionada às Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS). Na primeira parte, identificaremos o que é a aromaterapia, para que serve, e como é utilizada como uma das terapêuticas das PICS. Em seguida, faremos um estudo sobre a história da aromaterapia para que você conheça as diferentes raízes e influências que formaram esse ramo medicinal. Essa parte está dividida em quatro temas, cada um destes traz a história dos usos dos aromas medicinais em diferentes civilizações do passado, desde as pré-históricas até os dias atuais. Por fim, iremos tratar sobre uma situação prática que envolve os temas discutidos no decorrer da aula, para que os conhecimentos sobre a aromaterapia sejam assimilados e relacionados com o cotidiano. Trata-se, portanto, de uma aula introdutória que lhe auxiliará a compreender importantes referências que embasam uma das terapias naturais mais procuradas atualmente. TEMA 1 – AROMATERAPIA: INTRODUÇÃO, CONCEITOS E DEFINIÇÕES O ato de inspirar e expirar é algo iminente à vida e à saúde humana. (Corazza, 2002, p. 6). Através do olfato, conectamos nosso mundo interior com o mundo exterior, inalando odores capazes de nos suscitar memórias olfativas e estados mentais elevados, produzindo importantes efeitos sobre a nossa forma de sentir e pensar, agindo diretamente sobre o nosso bem-estar, tanto físico, quanto psicológico. É um vasto leque de possibilidades que se abre a partir dessa conexão estabelecida com os aromas e suas diferentes propriedades, tornando-se necessário, portanto, saber o que é, para que serve e como a aromaterapia pode ser utilizada como uma ferramenta de cura. 1.1 A aromaterapia e as PICS no contexto brasileiro O termo aromaterapia foi criado em 1928 pelo químico francês René Maurice Gattefossé e, atualmente, possui sua eficácia terapêutica reconhecida em diferentes países, principalmente na Inglaterra e na França, onde é 3 amplamente pesquisada, sendo utilizada por diferentes profissionais em todo o mundo. No Brasil, a aromaterapia foi incluída na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPICS), no Sistema Único de Saúde (SUS), pela Portaria n. 702 de 21 de março de 2018, e é reconhecida como uma prática integrativa e complementar com amplo uso individual e/ou coletivo, podendo ser associada a outras práticas como talassoterapia e naturopatia, e considerada uma possibilidade de intervenção que potencializa os resultados do tratamento adotado. Como prática multiprofissional, tem sido adotada por diversos profissionais de saúde como enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, médicos, veterinários, terapeutas holísticos, naturistas, dentre outros, e empregada nos diferentes setores da área para auxiliar de modo complementar a estabelecer o reequilíbrio físico e/ou emocional do indivíduo. No contexto brasileiro, a aromaterapia é considerada uma das técnicas que compõem o quadro das Medicinas Tradicionais Complementares, que de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), possuem um importante papel na difusão de recursos terapêuticos que visam promover saúde de maneira global (Brasil, 2018). Ou seja, a formação em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde possibilita a utilização dessa importante ferramenta terapêutica. E o que é propriamente a aromaterapia? De acordo com a legislação brasileira, é possível definir a aromaterapia como a “prática terapêutica secular que consiste no uso intencional de concentrados voláteis extraídos de vegetais – os óleos essenciais (OE) – a fim de promover ou melhorar a saúde, o bem- estar e a higiene” (Brasil, 2018). Ou seja, a aromaterapia, no Brasil, é considerada uma terapia complementar e é promovida pela Associação Brasileira de Aromaterapia e Aromatologia (Abrabroma), fundada em 1992.1 1.2 Alargando as definições e os efeitos da aromaterapia Para diversos estudiosos e terapeutas da área, além de sua eficácia no tratamento de diferentes queixas físicas, a aromaterapia possui também importantes efeitos sobre a saúde energética. Em outras palavras, atua não somente no nível fisiológico, mas, também, em nossa anatomia do corpo sútil (Dale, 2017), que abarca os sistemas energéticos que compõem o corpo 1 Site da Abrabroma: . Acesso em: 13 out. 2020. 4 humano, como importantes e antigos sistemas medicinais, como o Ayurveda e a Medicina Tradicional Chinesa demonstram. Estamos diante, portanto, de uma rica terapia que atua de forma ramificada e complexa, em diferentes níveis do indivíduo, visando promover a saúde e o bem-estar ao “conjunto formado por corpo, mente e espírito”. (Price, 2006, p. 11). A aromaterapia pode ser ainda considerada como um ramo da fitoterapia – do grego: therapeia= tratamento e phyton= vegetal (Posser, 2016), pois se fundamenta no uso das propriedades medicinais presentes nos óleos das plantas, os óleos essenciais, também designados por sua sigla: O.E (Lavery, 1997). TEMA 2 – OS BERÇOS DA AROMATERAPIA: ÍNDIA, CHINA E EGITO O manejo dos óleos essenciais das plantas, para usos terapêuticos diversos, é bastante antigo e está ligado à própria história das plantas e do desenvolvimento humano. Pesquisas arqueológicas não chegam a uma conclusão definitiva em relação às datações, mas apontam que, há cerca de 40.000 anos, os homo sapiens que povoavam a Austrália (Harari, 2008), os primeiros aborígenes, possuíam conhecimentos sobre a flora local e utilizavam as folhas do vegetal Melaleuca alternifólia de forma medicinal. É interessante ressaltar que, atualmente, este é um dos óleos essenciais mais procurados no mercado devido às suas potentes propriedades. Conforme aponta Harari (2018, p. 8), a revolução agrícola e domesticação das plantas e dos animais, teria ocorrido por volta de 12 mil atrás. Vestígios arqueológicos revelam a presença de plantas usadas em macerações, cujos óleos eram misturados a gorduras para produzir unguentos e pomadas, usados para fins religiosos e medicinais nas primeiras civilizações, que ocuparam distintas localidades geográficas ao redor do globo, desde a pré-história, há mais de 5 mil anos atrás. Podemos identificar ao menos três importantes berços de civilizações que iniciaram a prática da utilização dos aromas naturais para cura: a região do Vale do Indo, onde localiza-se atualmente a Índia, a região asiática, onde desenvolveu-se a antiga civilização chinesa, e o norte da África, onde a aprimorada civilização egípcia construiu sua sociedade. 5 2.1 Os aromas no Vale do Indo: o Ayurveda No Vale do Indo, onde a civilização hindu se desenvolveu, registros contidos nos Vedas, que são os livros sagrados indianos, apontam que na região diversas plantas aromáticas já eram conhecidas e utilizadas há cerca de 7000 anos a.C. Escritos entre 2000 – 1500 a.C., os Vedas constituem os fundamentos da tradição filosófica, religiosa e medicinal indiana. Esse sistema medicinal ficou conhecido como Ayurveda e, dentre outros temas, versa sobre o cuidado por meio de um sofisticado equilíbrio da saúde, pelas práticas respiratórias, físicas, alimentares e medicinais. Muitas substâncias aromáticas, como a canela, o coentro, o capim-limão, o gengibre,a mirra, vetiver, erva cidreira, o manjericão, entre outros, e suas formas de interagir com o corpo humano estão catalogadas nesse livro. Nesse antigo sistema medicinal, entende-se que as capacidades curativas de diferentes plantas e aromas são ativadas por formas de preparos específicos, tanto para alimentação, quanto em banhos e massagens, podendo promover efeitos profundos sobre o equilíbrio da saúde. O legado indiano para a aromaterapia é riquíssimo, vale lembrar que a Índia é um dos países onde mais se encontram plantas aromáticas. O Ayurveda é hoje um dos sistemas medicinais mais respeitados dentro das Terapias Naturais no Ocidente, por seu profundo embasamento e modo de conceber o corpo, a saúde e o bem-estar de maneira integrada, ou seja, holística. 2.2 Os aromas na Ásia: a Medicina Tradicional Chinesa Os registros escritos sobre plantas medicinais mais antigo é o chinês. Por volta de 3500 a.C., as propriedades de cerca de 350 ervas foram descritas e catalogadas pelo imperador Shen Nung no livro O Clássico da Medicina Herbácea, considerado o primeiro tratado sobre fitoterapia do mundo. Outro clássico da medicina chinesa antiga é a obra chamada O Clássico da Medicina Interna do Imperador Amarelo, que discorre detalhadamente sobre os fundamentos da Medicina Tradicional Chinesa (MTC). Nessas obras, estão catalogados diferentes fitoterápicos, como angélica, jujuba, canela, alcaçuz, peônia, gambir, gengibre, entre outros, e descritas diferentes maneiras de acionar as propriedades curativas dessas plantas para serem usadas, por meio de chás, de banhos, de massagens e de outras técnicas, 6 como a moxabustão, realizada pela queima da aromática erva artemísia sobre os meridianos energéticos. A Medicina herbária chinesa é uma das mais completas do mundo, e a Medicina Tradicional Chinesa, ao lado do Ayurveda, é considerada, atualmente, uma das mais potentes ferramentas medicinais disponíveis para alargarmos a compreensão referente à saúde e à cura, sendo muito procurada por profissionais que buscam uma formação na área e por pessoas que buscam tratamentos mais completos. 2.3 Os aromas na África: o antigo sistema medicinal egípcio Os egípcios, ao longo do tempo, ficaram conhecidos por seus usos de fórmulas aromáticas medicinais para diferentes fins, como as embalsamações para as mumificações. Esse complexo ritual era realizado com bálsamos, unguentos e diversos óleos aromáticos, levando muitos dias para ser finalizado. Papiros produzidos entre 2700 – 1500 a.C., contento listagens de mais de 100 tipos diferentes de óleos essenciais e instruções de usos, foram encontrados no norte da África, onde localiza-se o Egito, e ficaram conhecidos como os papiros de Ebers e de Edwin-Smith. Nesses papiros, estão registradas as estruturas da medicina egípcia (Badaró, 2018) e contêm a descrição de várias fórmulas preparadas para usos em infusões, pomadas e unguentos, alguns óleos essenciais ali catalogados são desconhecidos por nós atualmente. Além desses registros, também foram achados muitos artefatos deixados nos túmulos dos grandes faraós, como no de Tutancâmon (1550 – 1295 a.C.), onde foram encontrados incensos de kyphi e óleos aromáticos de cedro, zimbro, mirra, entre outros. Os aromas eram também amplamente usados na perfumaria egípcia. Por meio do maceramento de plantas, azeites, água e madeiras aromáticas, eram fabricados os óleos essenciais muito usados na cosmética. Os mais difundidos no período eram os de olibano, anis, mostarda, carvalho, açafrão, amêndoas, rícino, canela, oliva, mirra, gergelim, linho, cardamomo. Em seu artigo sobre a antiga cultura egípcia, Hrncirová (2015) aponta que um célebre unguento egípcio denominava-se metapión e sua composição continha óleo de amêndoas amargas e olivas verdes, aromatizado com cardamomo, grama de cheiro, junco, mel, vinho, mirra, semente de beijo (maria-sem-vergonha), gálbano e essência de terebintina [...] utilizava-se esse unguento na medicina como calmante 7 para curar abcessos purulentos, feridas de tendões e ligamentos, visto que causava a dilatação dos vasos, o aquecimento e uma melhor irrigação sanguínea e, por consequência, a transpiração. Os egípcios desenvolveram técnicas refinadas de extração de óleos essenciais, e o vasto conhecimento que desenvolveram a respeito de suas propriedades medicinais, como observamos no trecho citado acima, bem como seus sistemas filosóficos-religiosos, tiveram forte influência nas antigas civilizações grega, romana, árabe, chegando aos estudiosos do período medieval, sendo revisitados até hoje. TEMA 3 – OS AROMAS NA AMÉRICA, MESOPOTÂMIA E BACIA MEDITERRÂNEA A história mostra como a relação dos seres humanos com os aromas medicinais ocorreu em diferentes partes do mundo, desde tempos muito remotos. Os registros dos quais se tem conhecimentos são, em grande parte, oriundos de civilizações que deixaram fontes escritas sobre sistemas medicinais, como vimos no tópico anterior, e que são referências como sistemas medicinais tradicionais nos dias atuais. No entanto, a história da aromaterapia também tem raízes em culturas que não produziram materiais escritos, mas que desenvolveram sistemas medicinais utilizando óleos essenciais, conforme veremos a seguir. 3.1 Os aromas medicinais na América pré-colombiana Um interessante livro – escrito em 1639 por naturalistas estrangeiros que vieram em expedições científicas ao Brasil para empreender pesquisas e estudos sobre a fauna e a flora nativas –, chamado História Natural do Brasil, (Brito, 2013) descreve detalhadamente usos de diferentes plantas, unguentos, pomadas e óleos por diferentes grupos indígenas, curandeiros e caboclos. A utilização de diferentes plantas ocupava um lugar de destaque nos cotidianos indígenas (Santos, 2013). Desde os povos nativos norte-americanos, passando pelos povos andinos, como os astecas, maias e incas, aos indígenas que ocuparam grande parte da América do Sul, como os mapuches na Patagônia, ou os tupi-guarani na costa atlântica, por exemplo, existiram diversas formas de manipulações de plantas e aromas medicinais ao longo da história. 8 Pode-se citar três exemplos de usos dos aromas de ervas e madeiras aromáticas, consideradas sagradas, entre povos distintos da América e que são atualmente muito procuradas em diferentes partes do mundo, já que possuem propriedades de cura reconhecidas. É o caso da sálvia branca, utilizada pelos nativos norte-americanos e por eles considerada uma grande planta de purificação. O palo-santo, a madeira aromática peruana, conhecida por seu característico aroma quando queimada, também considerada sagrada pelos nativos locais, e a planta do tabaco, utilizado de diferentes formas pelos indígenas da América do Sul (Santos, 2013), sendo considerada uma planta de grande poder por esses povos, capaz de curar diferentes males. Entre os diversos óleos conhecidos e usados há muito tempo nesses territórios, é possível citar: os óleos de copaíba, andiroba, açaí, buriti, urucum, côco, karité, cedro, castanha, entre tantos outros. Os conhecimentos tradicionais desses povos da América a respeito das plantas medicinais são muito vastos e têm sido cada vez mais procurados como referência de saúde, equilíbrio e bem- estar por aqueles que buscam formas medicinais alternativas à alopatia, altamente disseminada nas sociedades ocidentais. 3.2 Os aromas medicinais na Mesopotâmia Do outro lado do mundo, na Mesopotâmia, região atualmente conhecida como Oriente Médio, também houve uso corrente de óleos aromáticos na antiguidade. Arqueólogos encontraram vestígios de objetos de cerâmicas, que datam de aproximadamente 5000 a.C., e que, provavelmente, foram usados para destilar óleos essenciais. Posteriormente, conforme registros gravados em pequenas tábuas deixados pelos babilônicos(um dos povos que habitou a região) em torno de 2000 a.C., o uso de óleos essenciais para fins medicinais era difundido nessa sociedade e há registro de pelo menos 250 tipos, suas propriedades e formas de usos. Na mesopotâmia ocupada pelos povos assírios, persas, caldeus, sumérios e babilônicos, os registros mostram que o óleo essencial mais utilizado era o de cedro, considerado sagrado por eles (Corazza, 2002). 9 3.3 Os aromas medicinais na Bacia do Mediterrâneo: gregos e romanos Na Bacia do Mediterrâneo, as populações que viviam na Ilha de Creta, entre 2000 – 1500 a.C., desenvolveram uma cultura médica pautada no uso terapêutico de plantas e ervas. Já utilizavam pomadas e unguentos misturados a óleos essenciais, como o de cipreste e o de açafrão, por exemplo. Esses sistemas medicinais, que também se mesclavam com liturgias religiosas, formaram as raízes das noções sobre saúde do que posteriormente se desenvolveu na Grécia e em Roma. Houve uma grande influência da cultura egípcia na cultura grega antiga e, consequentemente, na cultura romana. Na antiga Grécia, já eram realizadas destilações de óleos essenciais para fins medicinais. Hipócrates (460 a.C.), considerado o pai da medicina, recomendava banhos e massagens terapêuticas feitos com óleos essenciais de plantas como malva, sálvia e cominho para a restauração da saúde (Corazza, 2002). Considerado uma das mais importantes referências dentro da tradição médico-botânica moderna, Pedanius Dioscórides (90 – 40 a.C.) (Staub; Casu; Leonti, 2016), em sua obra Da Matéria Médica, discorre sobre métodos de catalogação, propriedades e formas de usos de substâncias medicinais de mais de 600 plantas. Até o século XVIII, esse livro foi considerado uma das mais importantes fontes sobre óleos e outras substâncias medicinais (Holger, 2016) A civilização romana absorveu grande parte dos conhecimentos médico- filosóficos gregos, adotando o uso dos óleos essenciais para diferentes finalidades. Óleos essenciais como o de âmbar, cardamomo, amêndoas, rosas, benjoim, almíscar, por exemplo, eram adicionados a perfumes, pomadas, sabonetes e unguentos. De acordo com Corazza (2002, p. 13), “Com a invenção do vidro, ocorrida no século I, o Império Romano inova na apresentação das composições perfumadas, bloqueando a volatização dos compostos presentes nos óleos essenciais”. Notamos como no mundo antigo houve a forte presença dos óleos essenciais no centro das práticas médicas terapêuticas e também estéticas. Mas foi a partir das pesquisas realizadas pelos “químicos” do período medieval, conhecidos como alquimistas, que houve o desenvolvimento de técnicas mais aprimoradas de extração de diferentes tipos de óleos, conforme veremos a seguir. 10 TEMA 4 – AS RELAÇÕES ENTRE A ALQUIMIA MEDIEVAL E A AROMATERAPIA Na Europa, durante o período que ficou conhecido como Idade Média, os estudos relativos às propriedades medicinais de plantas e seus potenciais de cura ficaram bastante restritos a pequenos círculos, pois foi uma época em que a Inquisição promoveu intensas perseguições às pessoas consideradas “perigosas” por seus conhecimentos de propriedades fitoterápicas (Frederici, 2017). Ainda assim, muitos desses conhecimentos, passados de geração em geração, foram cultivados por pessoas que se dedicavam ao estudo profundo da medicina, da física, da química, da astronomia. Muitas dessas pessoas desenvolveram pesquisas sobre elementos físico-químicos, ficando conhecidas como alquimistas. No século XIV, no contexto da proliferação da peste bubônica, que dizimou grande parte da população europeia, os médicos do período utilizavam misturas contendo ervas aromáticas para evitar o contágio da doença e também para tratar os doentes. Os médicos usavam uma roupa apropriada para não contrair a doença, uma espécie de máscara fechada em que eram colocados óleos essenciais e ervas específicas para proteger as narinas da infecção pela peste negra. 4.1 Os alquimistas medievais Um dos mais importantes alquimistas do período medieval, que deixou um grande legado para os futuros estudos sobre obtenção de óleos essenciais, foi o médico e filósofo árabe Ibn Sina (980 – 1037 d.C.), conhecido no Ocidente como Avicena. Foi quem extraiu pela primeira vez com sucesso o óleo essencial de rosas, inovando o método de extração de óleos essenciais até então conhecido, que eram antes realizados somente através da maceração e de técnicas de secagem de plantas. Avicena desenvolveu um método bastante eficaz de extração através de destilação por alambique com o uso de serpentina refrigerada (Grace, 1999), um avanço tecnológico na arte da destilação para extração de óleos essenciais para a época (Santos, s/d). A partir dos intensos contatos entre os médicos e filósofos europeus e os médicos árabes, os conhecimentos de alquimia dos muçulmanos foram 11 paulatinamente sendo incorporados pelos ocidentais. Assim, houve um crescente desenvolvimento nas pesquisas conduzidas envolvendo processos de destilação, sublimação e extração para obtenção de remédios (Wagner, 2019. p. 23). Foi nesse contexto que o importante médico Paracelso (1434 – 1541 d.C.) utilizou a noção de quintessência para definir propriedades curativas de diferentes óleos vegetais. De acordo com o médico, a quintessência podia ser classificada como uma das partes que contém uma planta, sua parte relativa ao “espírito”, responsável pelas propriedades de cura. 4.2 As influências da alquimia medieval para a aromaterapia moderna Alguns conceitos usados no período medieval nas pesquisas conduzidas sobre elementos físicos e químicos, como o de quintessência, permanecem no vocabulário atual relativo ao uso de óleos essenciais na aromaterapia, salvo possíveis releituras. Em alguns autores contemporâneos, encontramos perspectivas que parecem traçar alguma continuidade com certos elementos presentes na alquimia medieval, como a ideia de cada planta possuir um tipo de energia (como uma quintessência) particular e sutil, com nível de complexidade capaz de ativar processos de cura por meio de suas propriedades energéticas, como podemos observar nos trechos a seguir, de autores contemporâneos especialistas em fitoterapia e aromaterapia: As plantas possuem um tipo de bioenergia um pouco diferenciada, sendo que cada uma tem seu padrão de energia característico, que se mantém praticamente o mesmo, exceto em algumas variações sazonais, devido ao ciclo vital, e também sofrem influências de determinados planetas, da lua e do sol. Assim, a energia das plantas pode ser considerada quase como uma energia imanente [...] e com isso são uma grande fonte de energias sutis, além de nutrientes orgânicos. (Posser, 2016. p.60-61) Estamos, portanto, diante de formas de vida, e de consciência, que possuem muitas informações em seus códigos genéticos. (Peonel, 2012) Conforme notamos pela leitura dos trechos acima, os alquimistas medievais contribuíram não somente para o desenvolvimento de diferentes disciplinas científicas modernas, como a botânica, ramo da biologia, a farmacologia, ramo da química, além da física, matemática, como também para noções acerca das propriedades sutis presentes nos óleos vegetais. 12 TEMA 5 – AROMATERAPIA: DA MODERNIDADE ATÉ OS DIAS ATUAIS Ainda que os processos de destilação estivessem se desenvolvendo, conforme vimos, até então os óleos essenciais não possuíam a pureza que possuem hoje. O marco da aromaterapia moderna é o livro De Distillatione, escrito por Giovanni Della Porta em 1610. Na obra o autor discorre sobre os diferentes tipos de óleos, os que servem como base para outros, chamados óleos carreadores, e os óleos essenciais, além de explicar sobre as formas de separação de óleos das águas destiladas. No entanto, é somente a partir de meados do século XVII que a aromaterapia começaa tomar os contornos que possui atualmente e foi apenas no início do século XX que o termo aromaterapia foi cunhado. 5.1 A sistematização da aromaterapia e seu desenvolvimento Em um estudo publicado em 1928, o químico francês René Maurice Gattefossé descreveu as potencialidades terapêuticas dos óleos essenciais, usados na sua forma natural e integral, definindo o que conhecemos atualmente como aromaterapia. Gatteffossé é considerado, por isso, um dos mais importantes nomes da aromaterapia contemporânea. Ao sofrer uma queimadura em seu braço em seu laboratório, Gattefossé rapidamente o mergulhou em um recipiente contendo óleo de lavanda, pois achava que continha água. Sentiu um alívio imediato em sua queimadura e o ferimento cicatrizou-se rapidamente nos dias seguintes. O francês, a partir desse fato, notou que o óleo essencial de lavanda foi o responsável pela rápida cura de sua queimadura e desenvolveu consistentes pesquisas sobre as propriedades dos óleos essenciais, sistematizando a aromaterapia. Gattefossé pesquisou a eficácia e aplicações dos óleos essenciais, não apenas em seus aspectos fisiológicos, mas também no modo como atuam no sistema nervoso central, promovendo o alívio de quadros de depressão e ansiedade. A partir de Gatteffossé, outros importantes estudos foram realizados e alguns nomes ficaram mundialmente conhecidos no ramo da aromaterapia. Como o médico, também francês, Jean Valnet, que ficou reconhecido por seu legado para a aromaterapia. 13 Durante a Segunda Guerra mundial, serviu ao exército como médico e tratou feridos em batalhas com óleos essenciais, constatando que estes produziam excelentes efeitos na substituição de antibióticos. Valnet publicou posteriormente o livro Aromathérapie, em que discorre sobre resultados clínicos de tratamentos feitos com óleos essenciais, demonstrando suas qualidades antibacterianas, antivirais, antissépticas e antifúngicas. Conforme aponta Corazza (2002), ao passo que Gatteffossé e Valnet são considerados os “pais” da aromaterapia, a austríaca Marguerite Maury (1895 – 1968) pode ser considerada “a mãe da aromaterapia atual” (Corazza, 2002, p. 22). Maury foi a primeira pesquisadora a mesclar os conhecimentos sobre as propriedades dos óleos essenciais e técnicas das terapias holísticas, combinando métodos de massagens terapêuticas orientais com a aplicação de óleos e misturas específicas para cada paciente. Desse modo, Maury ampliou as formas de usos dos óleos essenciais, iniciando a prática de prescrição de determinados óleos essenciais e possíveis combinações entre eles, para promover não só o equilíbrio físico, mas também mental e emocional. 5.2 A escola francesa, a escola inglesa e outras partes do mundo Atualmente, é possível identificar duas principais escolas de aromaterapia: a francesa e a inglesa. A escola francesa é conhecida pela cultura da prática clínica da aromaterapia, com estudos focados na parte química dos óleos essenciais, prescritos por médicos e indicados também para uso oral. Já a escola inglesa preconiza o uso de óleos essenciais para uso externo, em massagens terapêuticas, por exemplo. Na década de 1980, surgiu o termo aromacologia a partir de pesquisas promovidas por institutos científicos norte-americanos, cujo objetivo é o estudo das relações dos aromas e a saúde humana. O termo aromacologia é utilizado na França para designar a prática do uso dos óleos essenciais via oral, no país. Como mencionado anteriormente, médicos costumam fazer esse tipo de indicação. No Brasil, o uso de óleos essenciais via oral é proibido, sendo indicado para inalação ou absorção cutânea. Apesar do grande desenvolvimento das indústrias fármaco-químicas ao redor do mundo nas últimas décadas e de suas massivas investidas nas publicidades sobre os benefícios do uso indiscriminado de remédios sintéticos, 14 tem-se observado uma crescente e contínua busca por parte das pessoas por alternativas mais naturais de cuidados relativos à saúde, que causem menos impactos ambientais e que atuem de forma mais orgânica e holística no organismo humano. Assim, a procura pela aromaterapia e seus óleos essenciais tem aumentado significativamente nos últimos anos em parcelas da população. NA PRÁTICA É possível identificar uma longa história da presença de óleos essenciais em diferentes culturas no mundo. Conhecimentos transmitidos ao longo de séculos, por meio da sistematização de disciplinas, como a química e a física, mas também pela história oral, que ocorre entre as gerações de pessoas, geralmente dentro de círculos mais restritos, como os da família. Desse modo, no contexto em que cada pessoa vive, existem hábitos de utilização de plantas medicinais e/ou óleos essenciais. No contexto brasileiro, por exemplo, há diferentes culturas, consideradas tradicionais, que se embasam no uso de plantas aromáticas. Em cada estado e cidade, há diferenças regionais e particularidades de acordo com a vegetação e cultura local. Mas há também práticas da medicina natural que são amplamente conhecidas e usadas em todo o país, principalmente pelas gerações mais velhas, através de macerações, unguentos, tinturas e pomadas de vegetais como a copaíba, a andiroba, a arruda, o alecrim, o capim-limão, a alfazema, entre outros, para tratar diferentes enfermidades. A história da aromaterapia está, portanto, presente também nas micro histórias de nossos cotidianos. FINALIZANDO Diferentes sociedades, em diferentes localidades geográficas, tiveram maneiras particulares de usos de óleos essenciais para diferentes finalidades. Esses hábitos são culturais e vão se modificando ao longo do tempo. Observamos que os usos dos óleos essenciais se mantêm em nossa cultura como uma importante ferramenta de cura. No contexto brasileiro, está sistematizada por meio de legislação específica que discorre sobre as Terapias Complementares reconhecidas pelo SUS. É considerada uma terapêutica que visa promover a melhora da saúde e 15 do bem-estar pelo uso de óleos essenciais e que pode ser exercida por diferentes profissionais da saúde. Estudando sobre o percurso da história da aromaterapia, percebemos como os óleos essenciais são um recurso terapêutico utilizado há milhares de anos por diferentes culturas. Não é possível, dessa maneira, definirmos uma única influência sobre o que posteriormente se delimitou como aromaterapia, tendo sido cunhada dessa maneira em 1928 pelo químico francês Rene Maurice Gattefossé. Identificamos os mais antigos usos sistematizados dos aromas medicinais em três regiões, consideradas como os grandes berços da aromaterapia a Índia, a China e o Egito. Essas antigas civilizações nos deixaram sofisticados conhecimentos a respeito de propriedades medicinais de muitas plantas aromáticas e possibilidades de usos a partir de uma perspectiva holística referente à saúde. A aromaterapia também pode ser detectada na história de povos que não nos deixaram fontes escritas, como os povos nativos do continente americano, cujos conhecimentos a respeito de aromas medicinais são de inestimável importância até os dias atuais, sendo bastante procurados dentro das terapias naturais, como é caso do uso disseminado de palo-santo, da sálvia branca, além dos diversos óleos oriundos das florestas, por exemplo. Na Mesopotâmia e na Bacia Mediterrânea identificamos também a forte presença do uso dos óleos essenciais para fins religiosos e medicinais. Na antiga Grécia, os médicos gregos Hipócrates e Dioscórides estruturaram uma perspectiva a respeito do tratamento da saúde humana em compilações escritas que trazem a prescrição de várias ervas e óleos vegetais para tratamentos, sendo grandes referências na medicina até hoje. Houve, por conseguinte, o desenvolvimento da medicina grega na cultura romana, que ficou conhecida pela produção de essênciasaromáticas e perfumes. Na Idade Média, apesar de as essências aromáticas não circularem tanto como acontecia no mundo antigo, houve significativos avanços tecnológicos na produção de óleos essenciais. Os alquimistas do período foram responsáveis pela compilação e tradução de conhecimentos mais antigos relativos às propriedades medicinais de inúmeras plantas e aprimoraram a extração de óleos vegetais, pelos métodos de destilação, como vimos com o alquimista árabe Avicena, além de contribuírem com pesquisas sobre as propriedades sutis presentes nos óleos, denominadas quintessência. 16 Com o desenvolvimento das disciplinas de química e física, as pesquisas sobre aromaterapia tiveram um crescimento a partir do século XIX. A partir de então, importantes nomes, como Gateffossé, Valnet e Maury, deram origem à escola francesa e à escola inglesa de aromaterapia, que são as grandes referências atuais dos estudos sobre aromaterapia no mundo. No contexto brasileiro, muitas práticas da medicina natural são amplamente conhecidas, principalmente pelas gerações mais velhas. A crescente e renovada busca por ferramentas terapêuticas, como a aromaterapia, pode se somar a outras práticas das terapias naturais, ampliando as possibilidades de tratamentos para desiquilíbrios físicos, mentais e emocionais. 17 REFERÊNCIAS BADARÓ, W. O. A cura em Kemet entre 1700 e 1500 a.C.: anotações, caracterização e conteúdo do papiro de Edwin Smith. História.com, Cachoeira, v. 5, n. 9, p. 89-107, 2018. BRASIL. Portaria n. 702, de 21 de março de 2018. Diário Oficial da União. Poder legislativo. Brasília, DF, 22 mar. 2018. BRITO, A. M. G. et al. Aromaterapia: da gênese a atualidade. Rev. Bras. Pl. Med., Campinas, v. 15, n. 4, p. 789-793, 2013. CORAZZA, S. Aromacologia: uma ciência de muitos cheiros. 4. ed. São Paulo: Senac, 2002. DALE, C. Manual prático do corpo sutil: o guia definitivo para compreender a cura energética. 1. ed. 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