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CONVIVENDO COM A DIFERENÇA: OS ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS NA ESCOLA REGULAR Denise Meyrelles de Jesus (UFES) Andressa Mafezoni Caetano Ana Marta Bianchi de Aguiar INTRODUÇÃO Vários autores, dentre os quais destacamos Perrenoud (2000, p.166-167), nos coloca como condição para transformação escolar a “profissionalização do profissional” da educação e para tal argumenta que três condições devem se fazer presentes: a criatividade, a responsabilização e o investimento. Estes três dispositivos se constituem em aspectos fundamentais na construção de profissionais que assumam a tarefa de “desenvolver caminhos”, contando com mais “poder em seu ofício individual e coletivamente”, mais autonomia e mais investimento na construção de práticas alternativas, com base na cooperação e inovação rompendo com o individualismo e a rotina. Assim sendo, para tornar-se possível o repensar da natureza da atividade docente, parece-nos fundamental que a formação continuada propicie experiências alternativas críticas que permitam ao profissional em formação tornar-se conforme nos sugere Giroux (1997, p. 161). “homens e mulheres livres com uma dedicação especial aos valores do intelecto e ao fomento da capacidade critica dos jovens”. Neste sentido a formação de profissionais da educação deveria se afastar das “ideologias instrumentais que enfatizam uma abordagem tecnocrática para a preparação dos professores e também para a pedagogia da sala de aula” (Giroux, 1997, p. 158), enfatizando, pelo contrário, questões acerca dos princípios subjacentes aos diferentes métodos didáticos, técnicas de pesquisa e teorias da educação. Necessário se faz repensar a natureza das formações continuadas para que os profissionais da educação possam tornar-se co-autores dos dispositivos pedagógicos e didáticos, a partir da experiência e da pesquisa. Ao pensarmos tais princípios associados às questões dos alunos com “necessidades especiais” incluídos na escola regular, necessário se faz que as discussões se aprofundem com relação à noção da diferença. Para tal, conforme nos sugere Omote (1996, p.17), há necessidade de discutir, também, a concepção de deficiência daqueles que atuam na escola. 1 Tal concepção deve ser capaz de levar em conta desde as variações interindividuais inerentes à espécie humana, com as diferenças etnoculturais, e as variações determinadas por patologias específicas até as reações sociais diante dessas variações, em razão da necessidade de exercer controle social para assegurar a vida em coletividade. O espaço escolar tem, portanto, um discurso quanto às necessidades especiais na escola regular. Levando em conta que os discursos emergem e são constitutivos de formas de ver a realidade e que eles estão necessariamente vinculados a uma posição ideológica concordamos, com McLaren (2000, p.34) quando argumenta que eles produzem uma gama de posições em torno dos quais “as subjetividades tendem a concentrar-se e / ou resistir uma à outra”. O autor, ainda, esclarece que “a natureza da linguagem que usamos determina como pensamos sobre nossas experiências e o tipo de ação social que escolhemos para nos engajar como resultado da interpretação de tais experiências” (p. 35). A linguagem produz entendimentos particulares do mundo. A linguagem pode ser usada para definir e legitimar leituras diferentes do mundo. O significados de qualquer evento ou experiência apenas se tornam disponíveis por meio da linguagem selecionada pela comunidade interpretativa particular que estiver tentando tornar tais eventos inteligíveis (McLaren, 2000, p.31). Assim sendo, faz-se urgente que procuremos entender como a comunidade interpretativa entende a noção de diferença. Queremos argumentar que esta noção tanto pode contribuir para legitimar ou para marginalizar a presença de alunos com “necessidades especiais” na escola regular. Concordamos com McLaren, (2000, p.30) quando argumenta que: Na linguagem educacional crítica que concebemos, a diferença é vista tanto com o um espaço de afirmação como de reconstrução, sob a forma de uma prática crítica complexa e negociada, na qual a possibilidade de uma vida pública democrática torna-se um referente central para crítica e para a possibilidade. Estas questões evidenciam uma necessidade crescente de entendermos e pensarmos com a escola sobre o processo de inclusão de alunos com necessidades especiais na escola regular. Entendemos a sua prática discursiva, as práticas cotidianas da sala de aula, as relações sociais e de poder e o currículo daí resultante, bem como entendermos melhor essas interações em termos de relações sociais mais amplas. 2 Interessa-nos compreender como a presença de “alunos ditos com necessidades especiais” está criando espaço no tecido da hegemonia dominante. O município de Vitória tendo em vista atender às disposições legais criou o programa de unidades pólo. Trata-se de escolas regulares que além de atender seus alunos com necessidades especiais deverão atender em sua região os alunos matriculados em outras escolas regulares e que apresentem necessidades educativas especiais. São 7 escolas localizadas nas diferentes regiões de Vitória que buscam atender em diferentes modalidades, alunos que necessitam desde apoio mínimo, até aqueles que exigem apoio constante. Assim sendo, temos como meta neste estudo analisar a implementação da proposta de educação inclusiva em educação especial numa unidade pólo, a partir da perspectiva daqueles que a constroem. A unidade pólo em que a pesquisa foi realizada destaca-se por atender o maior contingente de alunos com necessidades especiais no município e também porque seu trabalho com alunos especiais é muito anterior à criação do programa. METODOLOGIA DO ESTUDO O estudo se caracterizou como estudo de caso. Procuramos buscar o que é peculiar ao processo de construção de uma proposta inclusiva numa unidade pólo. Nosso objetivo, num primeiro momento foi aprofundar o conhecimento das interações locais, através da micropolítica do cotidiano, bem como, a partir daí buscarmos analisar estas interações em termos de relações sociais mais amplas. Conforme nos sugere McLaren (2000), a pesquisa etnográfica de sala de aula necessita analisar a realidade local a partir da realidade sócio-política e econômica. Precisa tornar-se veículo para conectar o global e o local. Interessou-nos entender a dinâmica da escola no seu conjunto, bem como o que é específico de 3 classes das séries iniciais e uma classe da 5a. série do ensino fundamental que atendiam pelo menos a 2 alunos com necessidades educativas especiais, por sala. Também buscamos compreender a dinâmica de funcionamento dos “laboratórios de atendimento especializado”. No que tange ao contexto escolar buscamos compreender: a) O processo de implantação da escola enquanto unidade pólo; b) A prática discursiva sobre a inclusão e a diferença; c) A dinâmica dos processos pedagógicos da unidade pólo e suas relações com o fato de tratar-se de uma “escola pólo”; 3 d) As percepções, atitudes, práticas dos profissionais da educação e de apoio quanto a proposta de educação inclusiva; Os sujeitos do estudo foram os profissionais da educação, profissionais de apoio, alunos da escola e alunos que freqüentem o Laboratório da unidade pólo. Para tal usamos enquanto técnicas de coleta de dados a observação, a entrevista e a análise documental. Os responsáveis pela coleta de dados foram a pesquisadora e duas alunas do mestrado em Educação da UFES que estavam realizando estágio em pesquisa sob a supervisão da pesquisadora. As observações nas salas de aula aconteceram duas vezes por semana, com duração média de 60 minutos, em diferentes momentos do horário escolar. As observações do contexto aconteceram ao longo do turno escolar. Observamos as rotinas,as aulas de Educação Física, o recreio, reuniões e outros eventos da escola. Foram realizadas observações do laboratório de atendimento aos alunos com N.E.E, tanto de alunos da escola em foco, quanto daqueles oriundos das escolas satélites. Interessou-nos, o processo de ensino-aprendizagem, as relações interpessoais aí estabelecidas bem como a natureza dos conteúdos trabalhados. As entrevistas obedeceram a um roteiro previamente elaborado, no entanto, flexível para incorporar mudanças, aprofundamentos e questões outras trazidas pela realidade. O tempo de duração da pesquisa foi de 3 meses. Os dados foram trabalhados pela via da análise de conteúdo e daí emergiram três categorias de discussão: 1. Concepção de educação inclusiva; 2. Análise do modelo da unidade pólo; 3. O contexto pedagógico da unidade pólo. 1 . CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA Ao analisarmos os dados relativos aos profissionais que atuam nas escolas satélites e na unidade pólo fica evidente que não há uma postura clara sobre a Educação Inclusiva. De modo geral, os entrevistados acreditam que as crianças com N.E.E. devem estar inseridas na escola regular, mas não chegam a conceituar a Educação Inclusiva, como pode se evidenciar nas falas que se seguem: “ Eu nunca parei para pensar nisso” 4 “ Eu aprendi isso na prática aqui na escola. Foi muito natural, foi fazendo e aprendendo.” Alguns ainda, na tentativa de conceituação associam a Educação Inclusiva a inserção física na escola regular: “A criança tem que participar na escola, é certo que ela não vai render tanto quanto a outra que não tem problema”. “Tem casos em que eu vejo a inclusão com exceções. A escola não tem como dar suporte ao aluno, apesar de que eu acho que ela deve estar se socializando sim” . Na visão de alguns dos professores da sala regular e do laboratório pedagógico, o conceito de educação inclusiva se caracteriza da seguinte forma: “Educação inclusiva para mim é incluir todos os alunos sem discriminação, ajudá-los na sua aprendizagem”. A noção de convivência parece ter para eles uma conotação de possibilidade de encontro social e a palavra “troca” é comumente usada. “Uma troca entre o grupo dessas crianças com o grupo das crianças com necessidades especiais”. Cumpre ressaltar que alguns profissionais evidenciam uma certa desconfiança quanto à “normalidade das crianças ditas normais”, muito no sentido do estigma associado ao nível sócio econômico dos alunos. “... as outras crianças ditas normais... eles tem algumas limitações... a gente sabe que todas têm algumas limitações. São normais aparentemente, né. Elas têm que estar incluídas mesmo” A idéia que parece estar subjacente é que os alunos, no geral, apresentam problemas por serem crianças de baixo nível sócio-econômico e viverem uma “realidade que não é facilitadora do processo de aprendizagem”, assim sendo, todos inseridos na escola regular “vão evoluir com certeza”, “com esse contato”, com a “interação com o outro”. Espera-se que o processo de aprendizado aconteça meio que ao acaso, ou a partir de um processo “natural de maturação”. Percebemos que esta dificuldade de conceituação está diretamente ligada ao impacto de implantação da unidade pólo, bem como a questão da falta de capacitação geral dos profissionais que estão trabalhando nesta unidade. “A prefeitura jogou esse negócio de educação inclusiva. Antes de trabalhar na escola, a gente tem uma visão, é uma coisa muito distante” . 5 Todos os segmentos da escola sentiram extrema dificuldade ao se deparar com a realidade. Ilustramos com a fala abaixo: “Quando eu cheguei, percebi que tinha uma aluna que era. Me perguntei: o que eu vou fazer?. Fiquei meio perdida na hora que cheguei, eu não sabia como trabalhar com ela”. Acreditamos que a falta de conhecimento sistemático sobre as questões relativas a uma unidade pólo contribuiu e contribui sobremaneira para a realização de um trabalho inconsistente. “Me sinto limitada, pois falta conhecimento para lidar com esta clientela”. Os profissionais concordam que deve haver uma maior preocupação com treinamentos, capacitações e momentos sistemáticos para trocas e construções coletivas para que haja oportunidade de elaboração de conceitos básicos de como por exemplo, o que é Educação Inclusiva, o que é uma unidade pólo entre outros. 2. ANALISANDO O MODELO DE UNIDADE PÓLO. Os profissionais das escolas satélites e do CTA da escola pólo acreditam que o modelo de unidade pólo ainda se encontra em “fase experimental”. “A escola ainda esta com um projeto de implantação”. Talvez o fato de admitirem que o projeto ainda não saiu de sua fase de implantação explique o fato de verificarmos tantas carências a serem sanadas. Vários profissionais argumentam que algumas crianças têm necessidade de atendimento mais especializado o que exigiria a presença de fono e psicólogo. Argumentam, no entanto, que a equipe central não tem possibilitado tal tipo de atendimento e assim sendo: “A promessa da escola pólo não foi cumprida, há carência de pessoal e material. Os professores se recebessem um aluno especial não saberiam o que fazer”. “A escola ‘X’ pode até ficar estigmatizada se não houver um trabalho mais amplo de preparação”. Uma das questões que vem sendo levantada com mais freqüência diz respeito às dificuldades de comunicação entre as escolas satélites e a unidade pólo. Uma das diretoras relata: “O aluno falta ao atendimento e diz que a professora falou para ele não ir mais, e a escola vai saber muito tempo depois que a criança não está freqüentando o laboratório. [E conclui] os problemas sócio-econômicos interferem muito no atendimento das crianças tanto no ‘A’ como no ‘X’.” 6 Os profissionais da unidade pólo apontam que outro problema é a baixa freqüência dos alunos ao laboratório pedagógico. “Devido a baixa freqüência estamos atendendo a alunos da manhã”. Apesar da seriedade da questão, tanto a escola pólo quanto as escolas satélites, ainda, não encontraram mecanismos para resolução deste problema, uma imputando a outra a responsabilidade. Outra questão levantada diz respeito ao trabalho realizado pela SEME (Secretaria Municipal de Educação). Os profissionais são unânimes em avaliar que a equipe é pequena e presta um serviço muito limitado. “A gente sente que o projeto é muito bom, o negócio é funcionar como deveria, como foi proposto... mas a ( sic ) nível de sistema agente vê que isto não acontece, existe um monte de políticas. Recursos eles até enviam, mas não dão condições pra escola estar desenvolvendo um maior trabalho”. “A questão é mais profissionais... que disseram que ia ter um fono, uma psicóloga... aquilo só no papel”. Salientam ainda o pequeno número de profissionais para a orientação pedagógica, sempre assoberbados e em desvio de função. Diretores por sua vez falam de sua sobrecarga e impossibilidade de acompanhar o “dia-a-dia pedagógico” da escola. Um diretor argumenta que: “Se tivesse tempo, também, não saberia o que fazer”. Duas questões são postas em destaque: a rotatividade de professores, devido aos contratos que são anuais e a falta de estagiários para auxiliar dentro da sala de aula. Argumentam que a questão da rotatividade se exacerba porque, via de regra, os professores são muito resistentes e são trabalhados quase todo o ano para aceitarem os alunos: “Quando o professor começa a ficar engajado, a acreditar no projeto é chegado o final do ano e o professor é mudado. Tem início novo processo de ‘sensibilização’”. A presença constante do estagiário em sala de aula se constitui em uma das reivindicações. Quanto maior o número de alunos por turma e maior a necessidade de apoio por parte do aluno com necessidades especiais, mais a presença do estagiário é vista como fundamental. Discute-se pouco, no entanto, qual seria a funçãodeste estagiário. 7 É interessante destacar que os professores dos laboratórios são raramente mencionados pelos profissionais das escolas satélites, seja de forma positiva ou negativa. Constatamos que mesmo após algum tempo de implantação das unidades pólo este conceito ainda não tinha sido elaborado pelo grupo, como podemos verificar nas falas que se seguem: “Sabia que era pólo, mas não sabia o que era pólo”. “Não sei responder não”. “Só descobri o que era uma escola pólo, depois que estava aqui, ninguém me explicou”. Esta falta de entendimento da concepção de unidade pólo, está refletida também na falta de conhecimento do trabalho dos profissionais que atuam diretamente com os alunos N.E.E. Ao perguntarmos sobre o trabalho realizado no laboratório pedagógico a todos os segmentos da escola, observou-se que a maioria dos respondentes desconhece o trabalho desenvolvido no laboratório. “É distante, as próprias colegas quando se encontram ninguém pergunta nada. Não há discussão do processo” . “É conversa de corredor, quando tem uma novidade para contar, quando tem necessidade” . Alguns profissionais apesar de desconhecerem o trabalho que é feito no laboratório, observam algumas mudanças no comportamento e aprendizagem dos seus alunos. “Eu acho que funciona, temos tido alguns resultados” . 3. O CONTEXTO PEDAGÓGICO DA UNIDADE PÓLO Um ponto de extrema importância é o cotidiano das salas e aula e do laboratório pedagógico. A partir das observações destacamos algumas considerações à cerca deste cotidiano. Em relação à organização do trabalho, tanto para alunos “normais” quanto para com necessidades educativas especiais, as condições materiais e estruturais mostram-se inadequadas, havendo supremacia de uma estratégia pedagógica pautada na repetição de conteúdos, numa percepção negativa sobre as possibilidades de aprendizagem dos alunos. Os profissionais parecem acreditar que a aprendizagem é uma responsabilidade individual. 8 Estando no dia-a-dia da escola, percebemos que tanto no laboratório pedagógico quanto em sala de aula, há uma falta de planejamento prévio para a execução das atividades, o que demonstra uma certa improvisação e inadequação das mesmas, causando uma dispersão freqüente tanto na sala regular quanto no laboratório; como podemos confirmar num episódio ocorrido, a professora relata: “Eu peguei esse aqui hoje [referindo-se a um exercício] achando que era “facinho” e nem vi”. “Agora que eles copiaram, ficam assim até a hora do recreio” Algumas atividades propostas se mostram mais como um castigo para os alunos do que como estratégia/proposta de aprendizagem. Observou-se uma desmotivação dos profissionais que se manifesta em conclusões como as que se seguem: “Eu me sinto triste, desanimado, você vê que o seu trabalho não serve para nada” “Quem quiser copiar copia, quem não quiser não copia. Eu não estou mais me importando. O ano que vem eu não fico aqui, vou para uma escola perto da minha casa”. Pode-se perceber, então, que num sistema bastante desorganizado e desestruturado não há garantias de qualidade de ensino para nenhum aluno, portanto, estratégias de compreensão da noção de Educação Inclusiva ainda precisam de ser construídas nesta realidade. Neste contexto cumpre destacar a percepção dos professores da sala regular acerca dos alunos com N.E.E. Evidencia-se que há uma visão de que são apáticos ou agressivos, vêem de famílias desestruturadas, são faltosos e desinteressados pelas atividades propostas, tendo como principal problema o fato de não estarem alfabetizados. O CTA classifica os alunos como agitados e socialmente carentes, o que na visão deles seria um grande dificultador para a realização dos trabalhos na escola. “Tem certos alunos que precisam de exames e não temos”. “Socialmente eles são muito carentes”. O CTA, como coordenador dos trabalhos, aponta que, com alunos com necessidades educativas especiais mais específicas, fica extremamente difícil realizar um trabalho como podemos verificar na fala que se segue: “Não sei o que a escola pode fazer por esta criança, no caso da Ana Cláudia”. 9 De acordo com as observações feitas, esta criança apresenta problemas neurológicos graves, e quando não medicada corretamente tem várias convulsões diárias. Quanto ao pessoal de apoio, a visão vai desde a de considerá-los capazes de aprender; até aqueles, que endossam a visão de que são agitados e incapazes. “É difícil lidar com este tipo de criança, mas devagarinho eles chegam lá!”. “Tem um mudinho que vem aqui só para fazer bagunça. Corre pra lá e pra cá. Ele é um capetinha”. Já os professores que atendem no laboratório pedagógico apontam como uma grande dificuldade o fato dos alunos não estarem alfabetizados. “ Já peguei aluno na 4ªa série sem saber nem ler nem escrever o nome”. Uma outra dificuldade que eles sentem é o fato do professor da sala regular rotular o aluno, o que na sua percepção atrapalha a aprendizagem e prejudica muito a auto-estima do aluno. “ Quando você chega aqui e vê a criança desestruturada e o professor regente acha que é burro, porque é burro mesmo, desanima a gente”. Os profissionais também foram solicitados a analisar a questão das adaptações curriculares e de pedagogia diferenciada, e argumentaram que a princípio que isto não se constitui mais num problema, visto que a pedagogia diferenciada estaria garantida para todos os alunos conforme colocado na fala que se segue: “... a educação não se passa mais de forma igualitária para todos ao mesmo tempo e com o mesmo objetivo”. Analisam que somente no caso de alunos com deficiências múltiplas é que teria que haver algumas adaptações. De qualquer forma, a criança não deveria estar separada, deveria fazer parte do grupo e os recursos humanos e materiais teriam que estar disponíveis, mesmo que fosse na unidade pólo. Os profissionais tentam pensar em um modelo de atendimento e sugerem que o ponto de partida deva ser um planejamento diferenciado para a criança com necessidades educativas especiais. Uma pedagoga sugere: “Não é pré-determinar objetivos[é], planejar em cima do que está acontecendo”. No entanto, a análise do cotidiano evidencia que não há uma prática pedagógica voltada para o atendimento à diferença. 10 Outro aspecto destacado diz respeito a avaliação destes alunos. A avaliação é vista como tendo que ser constante. No entanto, observa-se que via de regra o processo enquanto todo é calcado nas limitações da criança e não em suas possibilidades. Destacam, ainda, um relevante papel para o pedagogo que deverá interagir mais com os professores, trabalhando enquanto consultor, discutindo os casos, analisando objetivos, criando situações. Os profissionais apontam como um dos principais problemas o fato de não haver internamente espaços de encontro entre os segmentos, para que possam partilhar e planejar coletivamente as ações pedagógicas. “Faço muita coisa, mas não tenho tempo para construir e refletir sobre a prática”. “Quando os professores têm tempo sentam e conversam mais sistematicamente sobre os alunos e as atividades a serem desenvolvidas”. Alguns projetos desenvolvidos na escola, principalmente visando o atendimento dos alunos com N.E.E., como por exemplo, os projetos de “Psicomotricidade” e “melhoria da aprendizagem e da alfabetização”, não estão articulados com objetivos da escola e há até mesmo um certo desconhecimento do grupo em relação aos objetivos desses projetos. “O projeto veio para atender a complementação de carga horária”. CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando que os discursos são constitutivos de formas de ver a realidade, evidencia-se uma necessidade crescente de entendermos e pensarmos com a escola sobre o processo de inclusão de alunos com necessidades especiais na escola regular, ou seja, como assuas presenças estão criando espaço no tecido da hegemonia dominante. Nesta tentativa optamos por acompanhar por três meses este processo no interior da “ Escola X”. Em linhas gerais, o que observamos no discurso da escola, quanto às noções de diferença e de necessidades educativas especiais, e que se presentificam na prática pedagógica, parece não apontar na direção de uma real proposta inclusiva. A linguagem do grupo, no geral, nos fala de uma visão confusa, baseada no senso comum e na maioria dos casos estigmatizada. Suas representações concentram-se numa perspectiva de “integração física” na escola regular, que seria facilitadora de uma suposta integração, que se apoiaria num processo “ natural de maturação” . 11 Ao mesmo tempo, o grupo de profissionais parece sentir-se vítima da promessa que não foi cumprida pelo orgão central, no sentido da garantia de “ capacitação”, da presença de recursos humanos especializados (apesar da Unidade Pólo, contar com professores especialistas em educação especial) e materiais. Parecem acreditar que a resposta técnica seria suficiente para alterar a pedagogia da sala de aula e, portanto, garantir a “qualidade” do processo educativo dos alunos com necessidade educativas especiais. É interessante ressaltar que uma das características do perfil, traçado naquela escola, do aluno com N.E.E. mais estressado pelo grupo, e que tem causado maior desconforto, diz respeito ao fato do aluno não estar alfabetizado. Com certeza tal prática discursiva produz um determinado entendimento daquela situação, ou seja, além de não se conscientizarem de sua própria responsabilidade no caso, gera-se uma prática acusatória, velada ou não, entre as escolas satélites e a unidade pólo e também no interior desta, entre os professores das classes regulares e os do laboratório. Gostaríamos de argumentar que a comunidade interpretativa da unidade pólo em tela, ainda apresenta muita dificuldade em tornar inteligível, conforme nos sugere Omote (1996), a noção de diferença e de educação inclusiva, e que isto vem contribuindo para marginalizar a presença de alunos com necessidade educativas especiais nesta escola regular. Paralelo a isto, cumpre ressaltar que a experiência vivenciada pelo conjunto dos alunos é calcada na repetição, na falta de planejamento e no pressuposto de que a aprendizagem é uma responsabilidade individual. Assim sendo, não há garantia de qu******************************************************************** ********************************************************************** ********************************************************************** ********************************************************************** ********************************************************************** ********************************************************************** ********************************************************************** ************************operativo, apoiado no conhecimento mútuo e na solidariedade (Ambrosetti, 1999). Há que se buscar um novo padrão de interação com o conhecimento e o aprendizado e para tal há que se trabalhar no sentido da formação continuada do professor, numa perspectiva de construção de práticas alternativas que rompam com o 12 individualismo e a rotina. Onde a base do processo tome como princípio que os profissionais da educação são capazes de “desenvolver novos caminhos” e, portanto, de escrever o “ contra-script” (McLaren, 2000) ....Evitando que propostas que se pretendiam democráticas (possam) se tornar, ao contrário, instrumentos de discriminação, reduzindo ainda mais as efetivas possibilidades de acesso de muitos alunos ao conhecimento elaborado e aos processos de aprendizagem formal que deveriam ser proporcionados pela escola (Ambrosetti, 1999, p. 83). Referências AMBROSETTI, N. B. O “eu” e o “nós”, trabalhando com a diversidade em sala de aula. In ANDRÉ, M. (org.) Pedagogia das diferenças na sala de aula, Campinas: Papirus, 1999. GIROUX, H.A . Os professores como intelectuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. MCLAREN, P. Multiculturalismo Revolucionário. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. OMOTE, S. “A importância da concepção de deficiência na formação do professor de educação especial”. BICUDO, M.A. V., SILVA JUNIOR, C. A. (org.), Formação do Educador: dever do Estado e tarefa da Universidade. São Paulo: UNESP, 1996. PERRENOUD, P. Pedagogia diferenciada. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. PERRENOUD, P. Formar professores em contexto sociais em mudanças. Revista Brasileira de Educação, No. 12, set-dez. 1999, p.5-21.
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