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Princípios do Devido Processo Legal e da Isonomia

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>PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL – art.5º, inciso LIV:
 “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
O princípio do devido processo legal comporta dois sentidos: 
1) No sentido substancial se aproxima do princípio da razoabilidade, no sentido de que todas as normas devem ser aplicadas e todos os bens devem ser tutelados de forma razoável. 
2) Do ponto de vista processual, garante que o processo seja justo e adequado, de tal forma que o julgamento da lide ou a solução do caso submetido à apreciação judicial seja feita com a observância de um conjunto mínimo de regras e valores.
A maioria esmagadora da doutrina ensina que esse princípio se apresenta com gênero, dele se originando todos os demais, configurados como espécies. Seria um supra princípio, envolvendo todos os demais, já que os princípios da motivação, do contraditório e da ampla defesa, da coisa julgada, do juiz natural etc. nada mais são do que uma exigência de que o processo deve ser conduzido de acordo com a forma prevista em lei, não se admitindo a prática de atos – em prejuízo a uma das partes – não previstos em norma legal ou por ela vedados.
Para Destefenni (2006, p.13) “pelo fato de representar uma limitação ao poder do estado e por conter todos os demais princípios processuais, pode ser considerado o mais importante princípio do direito processual”.
Nelson Nery Junior (2002, p.32) é categórico em afirmar que:
O princípio fundamental do processo civil, que entendemos como a base a qual todos os outros sustentam, é o do devido processo legal (...) Bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa
O princípio do devido processo legal se encontra presente desde o nascedouro do processo até o seu último ato, já na fase da execução forçada. O fato de a lei exigir que a petição inicial apresente os requisitos reputados como essenciais é decorrência do princípio em análise, daí defluindo todas as demais regras processuais, como as que exigem que a citação seja aperfeiçoada de forma válida; que o réu seja conferido o direito de defesa; que as partes tenham oportunidade de produzir provas; que o magistrado prolate sentença fundamentada ao término da instrução etc.
Com extrema didática informa Filho (2007, p.26) que:
A hipótese de o magistrado não permitir a colheita de prova testemunhal, tendo a parte apresentado o rol no prazo previsto na lei processual, arrepia, ao mesmo tempo, o princípio do contraditório e da ampla defesa e o princípio do devido processo legal. Na mesma linha de raciocínio, quando o magistrado julga o processo sem permitir que a parte apresente a sua defesa, estará infringindo os dois princípios referidos. Vários outros exemplos poderiam ser apresentados, para demonstrar que o princípio do devido processo legal se encontra implicitamente presente em todos os princípios constitucionais, reforçando o argumento doutrinário que sustenta a sua supremacia em relação aos demais, chegando alguns doutrinadores a afirmar que bastaria ter a Constituição Federal previsto esse princípio geral no art.5º, liberando o legislador constituinte de contemplar as espécies comentadas no decorrer desta seção do trabalho.
>PRINCÍPIO DA ISONOMIA – art.5º, caput e inciso I da CF + art.125, I do CPC:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;...
“O juiz dirigirá o processo conforme as disposições desta Código, competindo-lhe:
I – assegurar às partes igualdade de tratamento; ...”
Ensina Lopes (2006, p.45) que “a igualdade de tratamento das partes no processo é corolário do princípio constitucional da isonomia expressamente consagrado no art.5º, caput da Lei Máxima (...)”
Nesse sentido, as partes devem ser tratadas com igualdade (paridade) dentro da relação jurídica, não podendo a lei processual ou o seu aplicador – o magistrado, investido na função jurisdicional e competente para julgar certo conflito de interesses – em princípio beneficiar uma das partes do embate, desprivilegiando a outra do mesmo tratamento jurídico-processual. “No processo, procura-se fazer justiça, que dificilmente será alcançada senão existir igualdade entre as partes” (SANTOS, 2006, p.39).
A isonomia, decorrente da conhecida idéia de que todos são iguais perante a lei, exige paridade das armas no processo. Ao comentar sobre o assunto, ensina Lopes (2006, p.46) que “de acordo com ponderável corrente doutrinária, o preceito consagra, além da igualdade formal (por exemplo, prazo igual para recorrer), também a igualdade substancial, a chamada “paridade das armas”: às partes devem ser garantidas as mesmas “armas” (leia-se instrumentos) para a defesa de seus direitos.”
Segundo entendimento de Gonçalves (2006, p.27): A paridade, (...) não pode ser apenas formal. Não basta tratar igualmente a todos, que nem sempre têm as mesmas condições econômicas, sociais ou técnicas. É preciso que a IGUALDADE SEJA SUBSTANCIAL, tal como revelada na vetusta fórmula: “tratar os iguais igualmente, e os desiguais desigualmente, na medida da sua desigualdade”.
 A isonomia que é assegurada às partes é a material, que impõe tratamento diferenciado às partes e afim de que seja garantido o equilíbrio entre os litigantes ou segundo Lopes (2006, p.46) “o tratamento desigual serve para restabelecer o equilíbrio quebrado pelas circunstâncias socioeconômicas”.
Fácil identificar então, que em determinadas situações processuais verifica-se que leis esparsas estabelecem certas prerrogativas em favor de uma das partes do embate, seja no que se refere à concessão de prazo mais elástico para manifestação nos autos; para isentá-la do pagamento das custas processuais; conceder a inversão do ônus da prova etc.
Como exemplo de atenção ao princípio da isonomia pode-se citar:
A Lei de Assistência Judiciária (Lei nº 5478/68), que permite àquele que não tem condições econômicas valer-se de assistência judiciária gratuita (§2º, art.1º);
A concessão de prazos maiores para que o Ministério Público e a Fazenda Pública possam responder (em quádruplo) ou recorrer (em dobro) (art.188, CPC).
A vedação de cláusulas abusivas ou a possibilidade de inversão do ônus da prova em matéria consumerista – art.6º, VIII
Gonçalves (2006, p.27-28) faz as seguintes orientações: no processo, o legislador e o juiz devem atentar para que seja respeitada a igualdade dos litigantes. Cumpre ao legislador instituir normas que procurem mitigar as desigualdades porventura existentes entre as partes. A) o juiz deve conduzir o processo de maneira tal que garanta a igualdade das partes, dando-lhes as mesmas oportunidades de manifestação, e decidindo a questão posta em juízo de forma que assegure a isonomia;
B) a busca da igualdade substancial vai exigir do julgador que, muitas vezes, seja mais tolerante com um dos litigantes, desde que observe desequilíbrio econômico ou técnico entre eles. Deve o juiz ser mais paciente com pequenas falhas formais que a parte mais fraca ou o seu advogado perpetrem e examinar com mais condescendência as provas por eles produzidas; 
>PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – art.5º, inciso LV da CF:
“Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos e ela inerentes.”
Ensina Montenegro (2007, p.31) que este princípio encontra-se no art.5º da Constituição Federal em razão da sua importância na dinâmica processual. Segundo o autor, é conferido às partes, de forma isonômica, “o direito de produzir todas as provas que entendam necessárias à formação do convencimento do juiz, sendo de aplicação extensiva aos processos administrativos”.No mesmo sentido Gonçalves (2006, p.30) afirma: “(..) nenhuma dúvida pode restar quanto à necessidade de obediência ao contraditório, tanto no processo civil quanto no administrativo”.
Esse princípio deve ser interpretado de forma sistemática, com as devidas limitações presentes implicitamente no Texto Constitucional, pois, se utilizada apenas a interpretação gramatical, concluir-se-á que as partes teriam o direito de produzir toda e qualquer prova para ratificar as alegações que esposaram, sem qualquer limitação. 
“Aspecto fundamental do contraditório é a ampla defesa, que não significa porém, defesa ilimitada ou abusiva” (LOPES, 2006, p.43)
Evidencia Montenegro (2007, p.31) que: As provas postas à disposição das partes, de forma específica ou geral, têm seu momento de produção, numa linha de raciocínio lógico sistemática. Apenas para exemplificar, perceba a situação de um litigante que pretende, a cada nova fase do processo, juntar aos autos documentos que já se encontravam em seu poder desde o instante em que apresentou defesa, forçando a que o magistrado em aplicação ao art.398 do CPC, abra vista do processo para que a parte contrária sobre eles se manifeste.
Assim, segundo referido autor, a juntada de documentos é garantida em decorrência da aplicação do princípio do contraditório e da ampla defesa, mas se encontra condicionada e limitada, estabelecendo a Lei de Ritos fases apropriadas para que essa juntada se materialize. Deve ficar claro que o momento oportuno para apresentação das provas também deve ser observado quanto às provas orais. Segundo Montenegro (2007, p.32): há um momento estabelecido para que essa prova seja colhida, exigindo-se das partes, como regra, a apresentação do rol das testemunhas em ato anterior à audiência de instrução e julgamento (ver art.407 do CPC), exceto na hipótese que envolve o procedimento sumário, que exige a apresentação do rol das testemunhas por ocasião do oferecimento da peça da defesa.”
Assim, o fato de o magistrado negar a ouvir testemunhas que foram intempestivamente arroladas não importa, como lógico, na infração ao princípio do contraditório e da ampla defesa.
Com extrema didática ensina Montenegro (2007, p.32) nos ensina que: o princípio constitucional, aplicado ao processo civil, representa a garantia de que os envolvidos na lide (não apenas as partes), com pretensão deduzida, podem se valer de todos os meios de prova (desde que não sejam ilícitas ou moralmente ilegítimas) para ratificar a existência do direito que sustentam, importando, ainda, na certeza de que o juiz deve dispensar tratamento isonômico às partes em litígio, não podendo deferir a produção de provas em favor de um dos litigantes e indeferir, sem qualquer fundamentação, em relação ao outro. Partindo dessa mesma linha de raciocínio, no que toca à impetração de recursos, ressalva Montenegro (2007, p.31) “em não havendo limitação, poder-se-ia sustentar que o ordenamento jurídico deveria prever recurso para o combate de toda e qualquer decisão judicial, o que importaria na perpetuação do litígio”.
Não obstante a lei processual preveja várias espécies para o combate de decisões específicas, com isso garantindo a aplicação do princípio da ampla defesa, essa situação não garante que contra toda e qualquer decisão judicial deveria se encontrar previsto recurso para combatê-la. Assim, evidente que a inexistência de recurso para o combate de determinada decisão judicial, como exceção, não infringe o princípio do contraditório e da ampla defesa, podendo ser anotada, com exemplo, a decisão do presidente do STJ ou do STF que nega suspensão da liminar em mandado de segurança, apresentando-se essa decisão como irrecorrível.
Ensina Lopes (2006, p.42), com base na doutrina contemporânea, que o sentido da aplicação desse princípio é bem amplo compreendendo: A) o direito de ser ouvido; B) o direito de acompanhar os atos processuais; C) o direto de produzir provas; D) o direito de ser informado regularmente dos atos praticados no processo; E) direito à motivação da sentença; F) o direito de impugnar decisões.
Segundo Joaquim Canuto Mendes de Almeida, autor citado por Lopes, “o contraditório é a ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los.”
Dessa forma, o réu tem direito de ser informado da ação proposta pelo autor e possibilidade de apresentar contestação no prazo legal. Se a contestação for instruída com documentos, o autor terá direito de se manifestar sobre eles e oferecer contraprova. Dos atos subseqüentes (nomeação de perito, designação de audiência etc) ambas as partes devem ser informadas regularmente (intimação).
Diferente não pensa Gonçalves (2006, p.30). Segundo ele “é preciso dar ciência ao réu da existência do processo, e às partes, dos atos que nele são praticados, permitindo-lhes reagir àqueles que lhes sejam desfavoráveis. As partes têm o direito de ser ouvidas e de expor ao julgador os argumentos que pretender ver colhidos”. 
Necessário ainda problematizarmos sobre a concessão da providência jurisdicional de forma antecipada (a chamada tutela antecipada) e da concessão de liminares em medidas cautelares. Referidas concessões feririam o princípio do contraditório e da ampla defesa já que a parte contrária não é ouvida nos autos antes do deferimento das mesmas? Vejamos:
Segundo Montenegro (2007, p.33): É inegável que o deferimento da liminar ou da tutela antecipada, sem a ouvida da parte contrária, em tese arrepia o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, visto que foi deferida determinada providência jurisdicional ao autor sem o estabelecimento do contraditório, ou seja, sem garantir à parte contrária o direito de se defender, de se contrapor aos argumentos que arrimam o pleito liminar. Embora respeitando valorosas opiniões em sentido contrário, entendemos que essa atuação do magistrado não importa, pelo menos em regra, na infração ao princípio constitucional examinado, desde que em companhia da observância de outros princípios constitucionais, sobretudo do da motivação. Nesse sentido, o magistrado deve demonstrar que o excepcional deferimento da providência pleiteada, sem a ouvida da parte contrária (sem estabelecimento do contraditório), se deu por ter o autor preenchido, de forma objetiva, os requisitos peculiares à espécie (fumus boni júris e periculum in mora, na cautelar, e a prova inequívoca da verossimilhança da alegação e periculum in mora ou manifesto propósito protelatório do réu, na antecipação da tutela). 
Gonçalves (2006, p.31) também coaduna com o pensamento de Montenegro afirmando que “não há qualquer ofensa a esse princípio na concessão de liminares inaudita altera parte, pois elas pressupõem uma situação de urgência tal que não há tempo hábil para ouvir a parte contrária, ou a existência de risco nessa ouvida, ante a perspectiva de que ele tome providências para tornar inviável a realização da medida.” 
Dessa monta, preenchidos os requisitos de cada espécie somados ao atendimento do princípio da motivação das decisões judiciais (art.93, inc.IX da CF), inegável que referidas concessões não ferem o princípio do contraditório e da ampla defesa.
Vale aclarar que em tendo sido deferida a liminar ou a antecipação da tutela, será aplicado a partir daí o princípio do contraditório e da ampla defesa, por meio da garantia atribuída ao réu de oferecer sua defesa, rebatendo e tentando afastar a medida meramente provisória que foi contra si deferida.

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