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CINESIOLOGIA E BIOMECÂNICA Mariluce Ferreira Romão Conceitos básicos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer os conceitos de artrocinemática e osteocinemática. � Discutir a relação dos movimentos articulares com o sistema de forças concorrentes, lineares e paralelas. � Comparar os movimentos articulares em sistemas de cadeias abertas e fechadas. Introdução A cinesiologia e a biomecânica apresentam uma área de estudo denomi- nada cinemática, a qual se divide em osteocinemática e artrocinemática. A primeira se preocupa com o movimento de um osso sobre o outro por meio da ação de músculos e bioalavancas; já a segunda estuda os movi- mentos que ocorrem entre as superfícies articulares de uma articulação. Esses movimentos são realizados por um sistema de forças concorrentes, lineares e paralelas envolvendo a cadeia cinemática aberta (CCA) e/ou a cadeia cinemática fechada (CCF). Neste capitulo, você estudará os conceitos de artrocinemática e os- teocinemática, a relação dos movimentos articulares com o sistema de forças concorrentes, lineares e paralelas, bem como os movimentos articulares em sistemas de CCA e CCF. Osteocinemática e artrocinemática A cinemática divide-se em osteocinemática e a artrocinemática. A primeira descreve o movimento de um osso sobre o outro por meio da ação das alavan- cas ósseas ao longo de suas amplitudes específicas, o qual é conduzido por músculos. Já a segunda estuda os movimentos reais de deslizamento entre as superfícies articulares (HOUGLUM, 2014). A osteocinemática estuda como os ossos se movimentam no espaço, sem considerar o movimento das facetas articulares (LIPPERT, 2018). Nesse sentido, ela descreve o movimento que sucede entre os corpos de dois ossos adjacentes à medida que dois segmentos corporais se movem, um em relação ao outro, por exemplo, a diminuição do ângulo da tíbia em relação ao fêmur durante o movimento de flexão do joelho. Os movimentos são descritos e observados em um plano corporal, como o frontal, sagital ou transverso e em torno de seus eixos correspondentes (HOUGLUM, 2014). Aqueles que ocorrem entre os planos e eixos articulares nas articulações sinoviais, como a flexão/extensão, abdução/adução e rotação, são atribuídos a ela (LIPPERT, 2018). Os movimentos da osteocinemática são realizados por controle voluntá- rio, de maneira ativa ou passiva. O ativo ocorre quando os músculos fazem contrações para deslocar as articulações em uma amplitude de movimento, como quando se move as articulações ativamente durante as tarefas diárias. Já o passivo pode acontecer quando o fisioterapeuta mobiliza uma articulação dentro de uma amplitude de movimento com o objetivo, por exemplo, de manter ou restaurá-la (LIPPERT, 2018). A artrocinemática estuda como duas superfícies articulares se relacionam quando se movimentam entre si. Segundo Houglum (2014), um dos fatores que fornecem a complexidade aos componentes articulares humanos se trata dos movimentos artrocinemáticos, pois, apesar de não serem voluntários, eles são vitais para a mobilidade articular e, consequentemente, a função humana. Nesse sentido, ela define o que ocorre no movimento articular nas superfícies articulares adjacentes da articulação, como se deslocam uma sobre a outra durante o movimento articular osteocinemático (LIPPERT, 2018). Portanto, o movimento osteocinemático é denominado movimento articular; e o artrocinemático, como movimento da superfície articular (LIPPERT, 2018). Assim, existe uma relação entre esses movimentos, pois os artrocinemáticos acoplados aos osteocinemáticos geram movimentos articulares normais. Conceitos básicos2 Quando se instaura uma disfunção articular por meio de uma patologia como capsulite adesiva, observa-se um padrão articular de perda da amplitude de movimento em diversos eixos, assim, o fisioterapeuta pode utilizar o movimento artrocinemático como uma mobilização articular para restaurar a amplitude de movimento articular comprometida pela patologia. Um exemplo prático é o fisioterapeuta realizar uma manobra de mobilização que propicie o deslizamento da cabeça do úmero na direção da restrição da amplitude com o intuito de distender uma parte da cápsula articular, ou fazer outra manobra articular que cause o afastamento das superfícies articulares, nesse caso, a realização de tração da cabeça do úmero para fora da cavidade glenoidal resulta em um estiramento efetivo da cápsula articular como um todo (LIPPERT, 2018). Forças lineares, paralelas e concorrentes Uma definição simples para a força gira em torno de que ela é um “empurrão ou um puxão”, exercidos por um corpo sobre outro (MCGINNIS, 2015) — ao empurrar, ela produz uma compreensão e, ao puxar, uma tensão (LIPPERT, 2018). Ela acelera ou deforma um objeto, portanto, na mecânica de corpos rígidos, se desconsidera as deformações e apenas considera-se que o corpo analisado não muda de forma, as forças exercidas sobre ele não o deformam, mas o aceleram, caso não encontrem oposição. Mecanicamente, uma força faz um objeto acelerar (quando sai e retorna para o repouso), aumentar ou diminuir de velocidade, ou mudar de direção (MCGINNIS, 2015). As forças podem ser descritas de acordo com os efeitos que elas produzem. Uma força linear acontece quando duas ou mais delas atuam ao longo da mesma linha, no mesmo sentido ou em sentido oposto, por exemplo, no sentido oposto, a brincadeira de cabo de guerra, na qual os competidores exercem força em uma mesma linha em sentidos opostos. Já as forças paralelas ocorrem no mesmo plano em sentidos iguais ou opostos, como a pressão sobre três pontos de uma órtese torácica — duas forças paralelas exercidas no mesmo plano da região posterior e uma contraria sendo exercida na região anterior (LIPPERT, 2018). Quanto às forças concorrentes, duas ou mais delas devem agir sobre um ponto comum, em diferentes direções, por exemplo, duas pessoas empurrando uma geladeira, uma posicionada na frente e empurrando e a outra posicio- nada na lateral e empurrando. Assim, o efeito dessas duas forças diferentes é denominado força resultante e ocupa uma posição intermediária entre elas. 3Conceitos básicos Para ilustrar as forças concorrentes no corpo humano, pode-se utilizar como exemplo o movimento de abdução do ombro, em que a parte clavicular anterior do músculo deltoide e sua parte espinal (posterior), quando realizam a contração muscular simultânea, resultam em um vetor de força resultante que provoca a abdução do ombro, conforme mostra a Figura 1 (LIPPERT, 2018). Caso as forças do músculo deltoide não fossem iguais, o movimento penderia com um vetor de força direcionado à parte desse músculo que realizasse maior contração, gerando consequentemente mais força — se a parte clavicular anterior fizesse mais força que a parte espinal posterior, o ombro se deslocaria para a abdução diagonalmente na direção anterolateral. Figura 1. Vetor de força resultante de forças iguais das partes clavicular (anterior) e espinal (posterior) do músculo deltoide. Fonte: Adaptada de Lippert (2018). Conceitos básicos4 Deve-se considerar que o sistema esquelético fornece alavancas e eixos de rotação em torno dos quais os músculos geram movimentos e otimizam a força gerada. As alavancas são mecanismos que ampliam a força ou a velocidade do movimento, assim, seu sistema transmite o movimento gerado por músculos ou forças externas (HAMILL; KNUTZEN, 2012). Existem três classes de alavancas — primeira, segunda e terceira, as quais têm uma diferença de propósito e vantagem mecânica. No dia a dia, servem para auxiliar e executar atividades de vida diária e, em geral, favorecem a força ou a amplitude de movimento, mas não ambas (LIPPERT, 2018). De maneira simples, na alavanca de primeira classe, o eixo está localizado entre a força e a resistência; na de segunda classe, a resistência fica no meio, com o eixoem uma extremidade e a força em outra; já a de terceira classe recebe essa denominação em razão da força se encontrar no meio, com a resistência e o eixo em extremidades opostas (LIPPERT, 2018). Cadeias cinemáticas abertas e fechadas Em cinesiologia, quando existe uma combinação de diversas articulações que unem segmentos corporais sucessivamente, denomina-se cadeia cinemática. O corpo humano produz movimentos funcionais a partir dessas articulações que exercem seus papéis de modo cooperativo e geram os movimentos desejáveis. Um exemplo disso é o movimento funcional de colocar um livro na estante, no qual há a inclusão em cadeia cinética de uma série de articulações do braço e do cíngulo do membro superior, que trabalham juntos na sua execução para produzir o resultado esperado. Nesse movimento funcional, há a ativação das cadeias cinemáticas do tronco e dos membros inferiores, incluindo a pelve, os quais estarão ativos para que ele entregue o resultado esperado. Assim, as ligações nos membros superiores são livres para se movimentar (abertas) e oferecem a mobilidade necessária para executar a tarefa de colocar o livro na estante. Porém, as articulações do tronco, dos membros inferiores e do cíngulo do membro inferior estão majoritariamente fixas (fechadas) e são igualmente importantes para essa tarefa (HOUGLUM, 2014). É importante perceber que os movimentos humanos ocorrem por meio de combinações de movimentos em CCA e CCF, que são utilizadas para descrever ou analisar a habilidade de movimento (HOUGLUM, 2014). A CCA tem o segmento distal que se move no espaço, como ao levar a mão a boca ou chutar uma bola. Deve-se considerar que os movimentos em 5Conceitos básicos CCA não dependem um do outro, o segmento pode se mover ou ficar imóvel independentemente do que os outros realizem. Portanto, eles são muito va- riáveis, uma vez que todas as articulações integrantes do movimento estão livres para contribuir com os diversos graus de movimento (LIPPERT, 2018; HOUGLUM, 2014). Já os movimentos em CCF ocorrem quando o segmento distal está fixo e os proximais se movem. Um exemplo disso é a pessoa se levantar de uma cadeira ou realizar um exercício de agachamento (RIBEIRO; FAGUNDES; MENEZES, 2018). Nesse sentido, eles exigem que todos os segmentos se movam, pois, quando o tornozelo inicia seu movimento, o joelho e o quadril também devem se mover, de modo que ele é incapaz de mover-se independentemente das outras duas articulações que integram a cadeia cinemática (LIPPERT, 2018; HOUGLUM, 2014; MOSER; MALUCELLI; BUENO, 2010). Você pode ver como funciona a descrição de CCA e CCF na articulação do quadril, quando se realiza um movimento em CCA, a superfície convexa do fêmur se move em relação à côncava do acetábulo, já quando o movimento é feito a partir da CCF, a superfície côncava do acetábulo se move sobre a convexa da cabeça do fêmur (LIPPERT, 2018; HOUGLUM, 2014). Assim, na CCF, as forças se iniciam na parte distal e se propagam pela cadeia cinética em cada articulação (PRENTICE, 2013). É importante considerar que a maioria dos movimentos funcionais do corpo humano envolve a combinação de eventos em CCA e CCF, como a marcha. A caminhada apresenta uma posição de CCF ao colocar o peso sobre o membro inferior na fase de apoio e uma atividade em CCA quando o membro inferior realiza o balanço a frente na fase do balanceio (HOUGLUM, 2014). Outro exemplo é o ciclismo, um exercício misto com movimentos em CCA e CCF, na medida em que a pelve apoiada sobre o selim da bicicleta se trata do segmento mais estável, mas os pés estão ligados aos pedais móveis (FLOYD, 2016). Conceitos básicos6 1. O princípio de mobilização articular é baseado em três tipos principais de força, que geram um vetor de deslocamento: tração, compressão e cisalhamento. Portanto, qual força aproxima as extremidades dos ossos e qual faz as extremidades se moverem em paralelo e em direções opostas, respectivamente? a) Tração e compressão. b) Cisalhamento e tração. c) Compressão e cisalhamento. d) Cisalhamento e compressão. e) Compressão e tração. 2. Quando se utiliza termos da engenharia, tem-se que uma cadeia cinética é uma série de elos rígidos conectados que permitem o movimento. Nesse sentido, os conceitos de movimentos em cadeia cinética aberta (CCA) e cadeia cinética fechada (CCF) propiciam bases para o delineamento dos exercícios físicos. Com base nessas informações, qual das atividades a seguir compreende um movimento realizado em CCA? a) Extensão de joelho com a utilização do aparelho extensor. b) Caminhada com ênfase na fase de apoio da marcha. c) Movimento de agachamento ao sentar em uma cadeira. d) Extensão de cotovelo com a utilização de aparelhos de supino. e) Pedalada em uma bicicleta ergométrica. 3. Uma definição simples para a força gira em torno de que ela é um “empurrão ou um puxão”, exercidos por um corpo sobre outro — ao empurrar, produz uma compreensão e, ao puxar, uma tensão. Assim, a força que ocorre na brincadeira de cabo de guerra e aquela proporcionada em três pontos de uma órtese torácica são denominadas, respectivamente, de: a) forças concorrentes e forças lineares. b) forças paralelas e forças lineares. c) forças lineares e forças paralelas. d) forças paralelas e forças concorrentes. e) forças lineares e forças concorrentes. 4. Na clínica de fisioterapia, aparece um jogador de futebol que sofreu a ligamentoplastia do ligamento cruzado anterior do joelho direito há 7 meses, após realizar sua avaliação cinético-funcional, você constatou que ele apresenta déficit sensório-motor do membro afetado (inferior direito) e, ao realizar o gesto esportivo (chutar a bola), relata às vezes dores no joelho. Diante disso, você opta por iniciar seu tratamento com exercícios que estimulem o maior número de mecanorreceptores, apresentem uma maior compressão articular e sejam realizados em velocidade mais lenta. Por meio dessas características, seu programa de exercícios em cadeia cinemática teria qual sequência? a) CCF, CCF, CCF. b) CCA, CCF, CCF. c) CCA, CCA, CCA. d) CCF, CCF, CCA. e) CCF, CCA, CCA. 7Conceitos básicos 5. Os fisioterapeutas, nas intervenções, devem prever em algum momento da reabilitação física condutas que tenham foco na prática de movimentos e gestos funcionais, em que os movimentos em CCA e CCF são indicados. Supondo que você precise elaborar um programa fisioterapêutico para reabilitar os movimentos de escovar os dentes, pentear o cabelo e incrementar a marcha, quais tipos de movimentos em cadeia cinemática são necessários para atingir cada um dos objetivos descritos? a) CCA, CCF, CCF. b) CCF, CCA, CCA. c) CCF, CCF, CCA. d) CCA, CCA, CCF. e) CCF, CCF, CCF. FLOYD, R. T. Manual de cinesiologia estrutural. 19. ed. Barueri: Manole, 2016. 448 p. HAMILL, J.; KNUTZEN, K. M. Bases biomecânicas do movimento humano. 3. ed. Barueri: Manole, 2012. 516 p. HOUGLUM, P. A.; BERTOTI, D. B. Cinesiologia clínica de Brunnstrom. 6. ed. Barueri: Manole, 2014. 740 p. LIPPERT, L. S. Cinesiologia clínica e anatomia. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. 424 p. MCGINNIS, P. M. Biomecânica do esporte e do exercício. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. 448 p. MOSER, A. D. L.; MALUCELLI, M. F.; BUENO, S. N. Cadeia cinética aberta e fechada: uma reflexão crítica. Fisioterapia em Movimento, Curitiba, v. 23, n. 4, p. 641–650, out.–dez. 2010. Disponível em: . Acesso em: 26 dez. 2018. PRENTICE, W. E. Fisioterapia na prática esportiva. 14. ed. Porto Alegre: AMGH; Artmed, 2013. 880 p. RIBEIRO, D. M.; FAGUNDES, D. S.; MENEZES, M. F. Biomecânica básica dos exercícios: membros inferiores. Curitiba: Appris, 2018. 113 p. Leituras recomendadas BRODY, L. T.; HALL, C. M. Exercício terapêutico: na busca da função. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. 844p. KISNER, C.; COLBY, L. A. Exercícios terapêuticos: fundamentos e técnicas. 6. ed. Barueri: Manole, 2015. 1036 p. Conceitos básicos8 Conteúdo: