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<p>Como citar este material:</p><p>CALIXTO, Marcelo Junqueira. Responsabilidade civil: interpretação e temas da atualidade. Rio de</p><p>Janeiro: FGV, 2023.</p><p>Todos os direitos reservados. Textos, vídeos, sons, imagens, gráficos e demais componentes</p><p>deste material são protegidos por direitos autorais e outros direitos de propriedade intelectual, de</p><p>forma que é proibida a reprodução no todo ou em parte, sem a devida autorização.</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A responsabilidade civil adquiriu impressionante importância nos</p><p>últimos anos, bastando observar o elevado número de demandas</p><p>judiciais em que se pleiteia a reparação de danos patrimoniais e</p><p>extrapatrimoniais. Assim, o profissional do Direito só estará preparado</p><p>para essa realidade se, efetivamente, conhecer todo o instrumental</p><p>necessário. Nesse sentido, este curso apresentará todos os elementos</p><p>indispensáveis à prática jurídica eficaz no referido tema.</p><p>Objetivos</p><p>Objetivo geral</p><p>Oferecer o instrumental necessário para a prática jurídica no tema</p><p>da responsabilidade civil.</p><p>Objetivo específico</p><p>Permitir a atuação do profissional do Direito no contexto de um</p><p>ramo do direito civil de destacada importância e acesas controvérsias.</p><p>SUMÁRIO</p><p>MÓDULO I – PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................ 7</p><p>O CONCEITO E AS ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL ....................................................................7</p><p>Conceito .................................................................................................................................... 7</p><p>Espécies .................................................................................................................................... 8</p><p>A CULPA COMO FUNDAMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................................... 12</p><p>A TEORIA DO RISCO E A QUEBRA DE PARADIGMA ................................................................................ 20</p><p>O NEXO CAUSAL E AS SUAS EXCLUDENTES ............................................................................................ 23</p><p>MÓDULO II – O DANO COMO ELEMENTO ESSENCIAL ..................................................................... 31</p><p>O DANO REPARÁVEL E A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE .......................................................... 31</p><p>O DANO PATRIMONIAL E AS SUAS ESPÉCIES .......................................................................................... 35</p><p>O DANO EXTRAPATRIMONIAL E A SUA REPARAÇÃO ............................................................................. 37</p><p>AS OUTRAS ESPÉCIES DE DANO EXTRAPATRIMONIAL.......................................................................... 45</p><p>MÓDULO III – RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC ........................................................................... 49</p><p>OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO CDC ............................................................................................... 49</p><p>OS REQUISITOS PARA A RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC .............................................................. 59</p><p>OS RESPONSÁVEIS PELA REPARAÇÃO CIVIL NO CDC ............................................................................ 63</p><p>AS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC ................................................................... 65</p><p>MÓDULO IV – ALGUNS TEMAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL ............................... 73</p><p>A RESPONSABILIDADE CIVIL POR INADIMPLEMENTO CONTRATUAL ............................................... 73</p><p>A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MÉDICOS E DOS HOSPITAIS .......................................................... 79</p><p>A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR ............................................................................. 85</p><p>AS CLÁUSULAS LIMITATIVAS E EXONERATIVAS DA REPARAÇÃO ........................................................ 87</p><p>BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 93</p><p>PROFESSOR-AUTOR ........................................................................................................................... 103</p><p>Neste módulo, apresentaremos o conceito de responsabilidade civil e as suas classificações.</p><p>A seguir, estudaremos dois dos três requisitos da responsabilidade civil, a saber: a culpa ou o risco,</p><p>conforme se trate de responsabilidade civil subjetiva ou objetiva, e o nexo causal, elemento</p><p>comum a qualquer uma das duas espécies citadas. Iniciemos a nossa jornada!</p><p>O conceito e as espécies de responsabilidade civil</p><p>Conceito</p><p>A responsabilidade civil pode ser conceituada, de forma muito sintética, como a “obrigação</p><p>de reparar o dano”. De fato, é a responsabilidade civil um fundamental “Título” do grande “Livro”</p><p>do “Direito das Obrigações”, conforme se observa no Título IX do Livro I da Parte Especial do</p><p>Código Civil, o qual se intitula, justamente, “Da Responsabilidade Civil” (arts. 927 a 954).</p><p>Isso leva alguns autores a concluir que a “obrigação de reparar” está dotada de dois</p><p>elementos, a saber: o débito (debitum) e a responsabilidade (obligatio). Aquele pode ser visto como</p><p>o “dever de não causar dano a outrem” (o neminem laedere dos romanos) e esta deve ser entendida</p><p>como a responsabilidade patrimonial, isto é, como a possibilidade de o autor do dano ter o seu</p><p>patrimônio constrito para a reparação desse mesmo dano.</p><p>Assim é, por exemplo, a visão de Sérgio Cavalieri Filho (2014, p. 14), quando afirma:</p><p>A essência da responsabilidade está ligada à noção de desvio de conduta,</p><p>ou seja, foi ela engendrada para alcançar as condutas praticadas de forma</p><p>contrária ao direito e danosas a outrem. Designa o dever que alguém tem</p><p>de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico.</p><p>MÓDULO I – PRESSUPOSTOS DA</p><p>RESPONSABILIDADE CIVIL</p><p>8</p><p>Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo</p><p>que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever</p><p>jurídico originário. Só se cogita, destarte, de responsabilidade civil onde</p><p>houver violação de um dever jurídico e dano. Em outras palavras,</p><p>responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da violação</p><p>de um precedente dever jurídico. E assim é porque a responsabilidade</p><p>pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida.</p><p>Contudo, esse conceito parece amoldar-se unicamente à chamada responsabilidade civil</p><p>subjetiva, estudada a seguir, pois é somente nesta que se consegue estabelecer claramente a</p><p>violação de um “dever jurídico originário”. A responsabilidade civil objetiva, ao contrário, se</p><p>contenta com somente três requisitos: “i) o exercício de certa atividade; ii) o dano; iii) o nexo de</p><p>causalidade entre o dano e a atividade” Tepedino; Barboza; Moraes, (2012, p. 808). Dispensa, em</p><p>suma, a chamada ilicitude ou a violação do “dever jurídico originário”.</p><p>Espécies</p><p>Muitas são as formas de classificar a responsabilidade civil, mas o escopo restrito deste</p><p>trabalho não nos permite maiores divagações. Destacaremos, portanto, somente as espécies mais</p><p>relevantes, a começar pela distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual. Naquela é</p><p>possível afirmar que há uma relação jurídica prévia entre autor e vítima do dano; usualmente, um</p><p>negócio jurídico celebrado pelas partes, sendo que, por isso mesmo, esta espécie de</p><p>responsabilidade deveria ser denominada de negocial. Contudo, ainda prevalece o uso do nome</p><p>contratual, o qual também será adotado neste estudo.</p><p>Deve ser destacado que na responsabilidade civil contratual existem deveres jurídicos</p><p>estipulados pelas próprias partes, sendo, como regra, deveres positivos tais como “entregar”, “pagar”,</p><p>“transportar”, etc. Isso não impede a existência de deveres negativos, sendo o mais conhecido o de</p><p>“não concorrência”, no caso, por exemplo, da alienação do estabelecimento empresarial.</p><p>Na chamada</p><p>à jurisprudência tem admitido a possibilidade dos parentes</p><p>do ofendido e a esse ligados afetivamente, postularem, conjuntamente com a vítima compensação pelo prejuízo</p><p>experimentado, conquanto sejam atingidos de forma indireta pelo ato lesivo.</p><p>2. Trata-se de hipótese de danos morais reflexos, ou seja, embora o ato tenha sido praticado diretamente contra</p><p>determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a integridade moral de terceiros. É o chamado dano</p><p>moral por ricochete, cuja reparação constitui direito personalíssimo e autônomo dos referidos autores.</p><p>3. No caso em apreço, não pairam dúvidas que a esposa e o filho foram moralmente abalados com o acidente que</p><p>vitimou seu esposo e pai, atualmente sobrevivendo em estado vegetativo, preso em uma cama, devendo se alimentar</p><p>por sonda, respirando por traqueostomia e em estado permanente de tetraplegia, sendo que a esposa jamais poderá</p><p>dividir com o marido a vicissitudes da vida cotidiana de seu filho, ou a relação marital que se esvazia, ou ainda, o filho que</p><p>não será levado pelo pai ao colégio, ao jogo de futebol, ou até mesmo a colar as figurinhas da Copa do Mundo.</p><p>4. Dessa forma, não cabe a este Relator ficar enumerando os milhões de razões que atestam as perdas irreparáveis que</p><p>sofreram essas pessoas (esposa e filho), podendo qualquer um que já perdeu um ente querido escolher suas razões,</p><p>27</p><p>Tal estado de coisas torna possível a afirmação de que o direito brasileiro, embora não</p><p>apresente uma definição normativa acerca do nexo causal, reconhece como reparável tanto o dano</p><p>direto como o dano indireto, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial. Assim, para evitar dúvida,</p><p>talvez fosse oportuno reconhecer uma “causalidade necessária”, a qual manda reparar os danos</p><p>que são o efeito “necessário”, ainda que “indireto”, de determinada conduta ou atividade.43</p><p>Vimos que um importante efeito do reconhecimento do nexo causal é apontar o verdadeiro</p><p>causador do dano. Nesse sentido, é oportuno observar que, tendo o dano “mais de um autor”, serão</p><p>eles solidariamente responsáveis perante a vítima, nos precisos termos do art. 942, caput, do Código</p><p>Civil.44 Trata-se, portanto, de uma solidariedade legal, a qual tem o evidente efeito de proteger a</p><p>vítima, uma vez que aumenta o número de possíveis responsáveis pelo mesmo dano.</p><p>O estudo das teorias da causalidade tem como outra importante consequência permitir o</p><p>reconhecimento das excludentes do nexo causal, uma vez que aquele apontado como causador do</p><p>dano poderá demonstrar que isso decorreu, em verdade, de um “fato exclusivo da vítima”, de um</p><p>“fato de terceiro” ou de um “caso fortuito ou de força maior”. Estudemos cada um dos institutos.</p><p>Em relação ao “fato exclusivo da vítima”, deve ser observado, em primeiro lugar, que ele</p><p>ainda é mais conhecido como “culpa exclusiva da vítima”. A expressão, embora corrente, é infeliz,</p><p>uma vez que se traduz na absoluta ausência de nexo causal entre a conduta do apontado como</p><p>causador e o dano sofrido pela “vítima”. Em verdade, terá sido esta que, com a sua conduta,</p><p>causou um dano a si mesma.45 Assim, a grande dificuldade desta hipótese é extremá-la da</p><p>todas poderosamente dolorosas; o julgamento de situações como esta não deve ficar preso a conceitos jurídicos ou pré-</p><p>compreensões processuais, mas leva em conta a realidade das coisas e o peso da natureza da adversidade suportada.</p><p>5. Esta Corte já reconheceu a possibilidade de indenização por danos morais indiretos ou reflexos, sendo irrelevante,</p><p>para esse fim, até mesmo a comprovação de dependência econômica entre os familiares lesados. Precedentes: Resp.</p><p>1.041.715/ES, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 13/06/2008; AgRg no AREsp. 104.925/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe</p><p>26/06/2012; e agrega no Ag 1.413.481/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19/03/2012. […]”.</p><p>43 Vejamos, nesse sentido, a passagem de Tepedino ao atualizar a obra de Pereira (2012, p. 112 e 113): “Nesta mesma</p><p>vertente, o art. 403 do Código Civil, na esteira do regime anterior (art. 1.060 do Código Civil de 1916), vincula-se à teoria</p><p>da causalidade necessária, por considerar ressarcíveis ‘os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela</p><p>[inexecução] direto e imediato’. À conta da locução ‘direto e imediato’ afasta-se o ressarcimento sempre que causa</p><p>autônoma mais próxima interrompa o nexo de causalidade, rompendo assim a necessariedade entre causa e efeito</p><p>danoso. Exige-se, portanto, para a ressarcibilidade do dano, liame de necessariedade entre causa (conduta) e efeito</p><p>(dano). A noção de causalidade necessária encontra-se consagrada na jurisprudência, ainda que a terminologia adotada</p><p>nem sempre seja uniforme, preferindo-se, por vezes, as expressões causalidade adequada ou causalidade eficiente. O</p><p>entendimento, por outro lado, não exclui, em princípio, a possibilidade de dano indireto no direito brasileiro, como</p><p>ocorre na hipótese do art. 948, II, do Código Civil, desde que presente a necessariedade entre determinada conduta e o</p><p>dano indireto produzido” (original grifado).</p><p>O mesmo Tepedino dedica ao tema do nexo causal um interessante estudo específico: TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre</p><p>o Nexo de Causalidade. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 63-81. v. 2.</p><p>44 O art. 942 do Código Civil afirma: “Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam</p><p>sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.</p><p>Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932”.</p><p>45 Nesse mesmo sentido, pode ser vista a doutrina de José de Aguiar Dias em Da responsabilidade civil. 12. ed. atual. por</p><p>Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 797 e 798: “Admite-se como causa de isenção de responsabilidade</p><p>o que se chama de culpa exclusiva da vítima. Com isso, na realidade, se alude a ato ou fato exclusivo da vítima, pela qual</p><p>fica eliminada a causalidade em relação ao terceiro interveniente no ato danoso. É fácil de ver a vantagem que resulta de</p><p>28</p><p>chamada “culpa concorrente da vítima”, na qual, conforme vimos (item 1.2), há sim uma parcela</p><p>de nexo causal atribuível ao apontado como causador do dano. A dificuldade, em suma, passa a</p><p>ser a determinação desse percentual causal, o que só pode ser feito caso a caso. Contudo, para</p><p>mitigar essa dificuldade, a jurisprudência tem preferido fazer a “redução à metade” no montante</p><p>dos danos comprovados pela vítima.46</p><p>Outra excludente do nexo causal é o chamado “fato de terceiro”, sendo a primeira</p><p>dificuldade a determinação de quem, efetivamente, pode ser entendido como terceiro. Este deve</p><p>ser visto como aquele “completamente estranho ao binômio autor-vítima do dano”, pois, se tiver</p><p>alguma relação jurídica com o apontado autor do dano, inexistirá fundamento para a exclusão da</p><p>responsabilidade. Assim, não podem ser considerados “terceiros” os causadores diretos do dano,</p><p>elencados no art. 932, em relação aos responsáveis legais.47</p><p>Por fim, deve ser observado que essa excludente aproxima-se enormemente da hipótese de</p><p>caso fortuito/força maior, residindo a diferença, porém, no fato de que, nesta última, não se</p><p>consegue determinar quem foi o causador efetivo do dano, tal como ocorre, por exemplo, no</p><p>dano atribuível a “ato de multidão”. Esclarece, a respeito, Pereira (2012, p. 396):</p><p>Nos seus efeitos, a excludente oriunda do fato de terceiro assemelha-se</p><p>à do caso fortuito ou de força maior, porque, num e noutro, ocorre a</p><p>exoneração. Mas, para que tal se dê na excludente pelo fato de</p><p>terceiro, é mister que o dano seja causado exclusivamente pelo fato de</p><p>pessoa estranha. Se para ele tiver concorrido o agente, não haverá</p><p>tal concepção, mais ampla que a da simples culpa, mediante um simples exemplo. Não responde, decerto, uma empresa</p><p>de transporte urbano, pela morte do indivíduo que se atira voluntariamente</p><p>sob as rodas do ônibus. Aí, é possível</p><p>menção à culpa da vítima. Suponhamos, entretanto, que esse indivíduo é louco. Mas, por isso, responderá a empresa,</p><p>quando o fato foi de todo estranho à sua atividade? Claro que não”.</p><p>46 Com toda razão, Tepedino, Barboza e Bodin (2012, p. 869) afirmam: “A fixação da indenização deve se dar, nos termos</p><p>do art. 945, de forma proporcional à gravidade da culpa da vítima em confronto com a gravidade da culpa do ofensor. A</p><p>ponderação fica a cargo do juiz. A verdade é que muitas vezes os tribunais, na impossibilidade de eleger um único</p><p>responsável pelo evento, têm reduzido a indenização a 50% (cinquenta por cento) do valor total do dano”. Exemplo deste</p><p>entendimento foi o decidido no Agravo Interno do Agravo em Recurso Especial 940990/MG, Terceira Turma, Rel. Min.</p><p>Marco Aurélio Belizze, julgado em 27 de setembro de 2016, em cuja ementa se lê: “[...] 2. "No caso de atropelamento de</p><p>pedestre em via férrea, configura-se a concorrência de causas, impondo a redução da indenização por dano moral pela</p><p>metade, quando: (i) a concessionária do transporte ferroviário descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha</p><p>férrea, mormente em locais urbanos e populosos, adotando conduta negligente no tocante às necessárias práticas de</p><p>cuidado e vigilância tendentes a evitar a ocorrência de sinistros; e (ii) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a</p><p>via férrea em local inapropriado" (REsp 1.172.421/SP, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em</p><p>08/08/2012, DJe 19/09/2012). [...]”.</p><p>47 São esclarecedoras as palavras de Pereira (2012, p. 394): “Conceitua-se em termos mais sutis a caracterização do terceiro</p><p>como excludente de responsabilidade civil. Esta se decompõe nos dois polos, ativo e passivo: as pessoas do agente e da vítima.</p><p>Considera-se, então, terceiro qualquer outra pessoa, estranha a este binômio, que influi na responsabilidade pelo dano. Mas,</p><p>para que seja excludente, é mister que por sua conduta atraia os efeitos do fato prejudicial e, em consequência, não</p><p>responda o agente, direta ou indiretamente, pelos efeitos do dano. Exemplifica-se como não sendo terceiros os filhos, os</p><p>tutelados, os empregados, os aprendizes, os discípulos, os executores de um contrato etc. Ao dizê-lo em termos sintéticos, a</p><p>conduta do terceiro é ativa, porque é o seu comportamento que implica a realização do fato danoso”.</p><p>29</p><p>isenção de responsabilidade: ou o agente responde integralmente pela</p><p>reparação, ou concorre com o terceiro na composição das perdas e</p><p>danos. É de se considerar, também, que se a ação foi intentada contra</p><p>o agente e a responsabilização do terceiro for reconhecida, sem,</p><p>contudo, absolver-se o defendente, cabe a este ação regressiva contra o</p><p>causador do dano. Diversamente, se for invocada a escusativa fundada</p><p>em caso fortuito ou de força maior, e esta não for reconhecida, o</p><p>defendente não tem ação de in rem verso, devendo suportar os efeitos</p><p>da condenação. (original grifado)</p><p>Contudo, deve ser lembrado que também a distinção entre caso fortuito e força maior é</p><p>marcada por flagrante imprecisão. Em verdade, muitos são os critérios empregados para tentar</p><p>diferenciar uma hipótese de outra, afirmando-se, por exemplo, que o caso fortuito seria um ato</p><p>humano ao passo que a força maior é um fenômeno da natureza. Para outros autores, porém, é</p><p>justamente o contrário. Por fim, há aqueles que utilizam o critério da imprevisibilidade para</p><p>diferenciar as duas figuras, afirmando que a força maior é “previsível, mas de consequências</p><p>inevitáveis”, ao passo que o fortuito seria “imprevisível e, portanto, inevitável”.</p><p>Parece possível, porém, simplificar as coisas, adotando-se a solução do próprio Código Civil,</p><p>o qual, no art. 393, aproxima as duas figuras, dando-lhes o mesmo efeito fundamental, qual seja,</p><p>afastar o nexo causal e, em consequência, a própria responsabilidade civil. Observemos, ainda, que o</p><p>mesmo é feito pelo parágrafo púnico do citado art. 393, o qual busca, inclusive, decompor os</p><p>elementos da excludente, não fazendo referência, em nenhum momento, à previsibilidade ou</p><p>imprevisibilidade do “fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.48</p><p>O que não está positivado, porém – e, atualmente, revela-se como a questão mais</p><p>importante quanto ao tema –, é a diferenciação entre fortuito interno e fortuito externo. A</p><p>importância reside no fato de que o fortuito interno, entendido como aquele evento que “guarda</p><p>conexidade” com a atividade, não é visto como excludente, o que se verifica na hipótese de</p><p>fortuito externo.</p><p>48 O art. 393 do Código Civil afirma: “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou</p><p>força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.</p><p>Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou</p><p>impedir”.</p><p>No mesmo sentido do afirmado acima, pode ser recordado, uma vez mais, Pereira (2012, p. 398) que, com precisão,</p><p>afirma: “Estes e outros critérios diferenciais adotados pelos escritores procuram extremar o caso fortuito da força maior.</p><p>Preferível será, todavia, não obstante aceitar que abstratamente se diferenciem, admitir que na prática os dois termos</p><p>correspondem a um só efeito, como observa Alfredo Colmo, que, em última análise, é a negação da imputabilidade”.</p><p>30</p><p>O problema é que, sendo fruto de uma construção doutrinária e jurisprudencial, não se</p><p>consegue, de antemão, determinar quais fatos devem ser considerados como fortuito interno, não</p><p>excludente, e quais poderão ser considerados como excludentes da responsabilidade, na qualidade</p><p>de fortuito externo.49 Esse é o desafio atual do intérprete, sendo certo que o passar do tempo pode</p><p>mesmo converter uma hipótese em outra.50</p><p>Por fim, deve ser observado que as excludentes do nexo causal, aqui estudadas, não devem</p><p>ser confundidas com a chamada “cláusula de não indenizar”, a ser estudada no último módulo.</p><p>De fato, nesta última hipótese, estarão presentes todos os requisitos da responsabilidade civil, mas</p><p>não haverá lugar para a reparação do dano por força de uma cláusula contratual específica. O</p><p>tema será aprofundado no Módulo 4 (item 4.4).</p><p>Por falar em dano, chegou a hora de encerrar este módulo e inaugurar o Módulo 2, todo</p><p>dedicado ao estudo desse tema central da responsabilidade civil.</p><p>49 Exemplo jurisprudencial de fortuito externo é o roubo do veículo em estacionamento de lanchonete. Nesse sentido foi o</p><p>decidido no Agravo Regimental no Recurso Especial 1218620/SC, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,</p><p>julgado em 15 de agosto de 2013, cuja ementa afirma: “1. A força maior deve ser entendida, atualmente, como espécie do</p><p>gênero fortuito externo, do qual faz parte também a culpa exclusiva de terceiros, os quais se contrapõem ao chamado</p><p>fortuito interno. O roubo, mediante uso de arma de fogo, em regra é fato de terceiro equiparável a força maior, que deve</p><p>excluir o dever de indenizar, mesmo no sistema de responsabilidade civil objetiva" (REsp 976.564/SP, Rel. Min. Luis Felipe</p><p>Salomão, DJe 23/10/2012).</p><p>2. A desconstituição das conclusões a que chegou o Colegiado a quo em relação à ausência de responsabilidade da</p><p>lanchonete pelo roubo ocorrido em seu estacionamento, como pretendido pelo recorrente, ensejaria incursão no acervo</p><p>fático da causa, o que, como consabido, é vedado nesta instância especial, nos termos da Súmula nº 7 desta Corte</p><p>Superior”.</p><p>50 Isso já era afirmado por Dias (2012, p. 791), com fundamento na doutrina do clássico Arnoldo Medeiros (Caso fortuito e</p><p>teoria da imprevisão): “Não há acontecimentos que possam, a priori, ser considerados casos fortuitos; tudo depende das</p><p>condições de fato em que se verifique o evento. O que é hoje caso fortuito, amanhã deixará de sê-lo, em virtude do</p><p>progresso da ciência ou da maior previdência humana”.</p><p>Neste módulo, estudaremos o dano, desde o seu conceito e</p><p>os seus requisitos até as suas</p><p>espécies. Falaremos ainda sobre a teoria da perda de uma chance e os elementos mais citados para</p><p>a sua quantificação. Vamos juntos!</p><p>O dano reparável e a teoria da perda de uma chance</p><p>O dano, ou prejuízo, pode ser visto como toda ofensa a um bem jurídico. Esse conceito nos</p><p>remete ao Livro II da Parte Geral, dedicado aos “Bens”, mas, por ora, basta recordar a</p><p>diferenciação entre bens jurídicos econômicos e bens jurídicos não econômicos. Aqueles são os bens</p><p>apreciáveis em dinheiro, tais como o automóvel, o apartamento, ao passo que estes não são</p><p>dotados de expressão pecuniária, tais como a honra, a vida, a liberdade e outros tantos.</p><p>MÓDULO II – O DANO COMO ELEMENTO</p><p>ESSENCIAL</p><p>32</p><p>A importância dessa classificação é entender a principal divisão do dano, a saber: a distinção</p><p>entre danos patrimoniais e danos extrapatrimoniais, muitas vezes chamado de dano moral. Essa</p><p>classificação considera o bem ou o interesse lesado e não propriamente o efeito da lesão.51 Antes,</p><p>porém, de estudar cada uma das espécies, é necessário apresentar os requisitos comuns a ambas,</p><p>quais sejam, a atualidade e a certeza.52</p><p>A atualidade do dano significa dizer que, quando a ação de reparação for ajuizada, o dano já</p><p>deve ter sido verificado. Contudo, em muitos casos, certos efeitos de determinada conduta ou</p><p>atividade danosa só serão verificados após o ajuizamento da ação. Sirva de exemplo uma pessoa</p><p>que é atropelada e passa, de imediato, por uma cirurgia reparadora, ficando alguns dias</p><p>hospitalizada. Contudo, a junta médica que analisa o caso informa que serão necessárias, ao</p><p>menos, mais duas cirurgias reparadoras.</p><p>O valor a ser gasto, no futuro, poderá ser, desde logo, reclamado em uma ação de</p><p>reparação? A resposta é positiva, desde que exista certeza de que as novas cirurgias serão realizadas,</p><p>não se tratando, portanto, de mera conjectura ou mera possibilidade. Percebemos, assim, que o</p><p>dano “futuro”, entendido como aquele que só poderá ser determinado após o ajuizamento da</p><p>ação, pode sim ser reparado, desde que exista certeza quanto à sua verificação.53 Precisa, nesse</p><p>sentido, a doutrina de Miragem (2015, p. 216):</p><p>51 Vejamos, nesse sentido, Schreiber (2013d, p. 134) quando afirma: “Com efeito, a concreta lesão a um interesse</p><p>extrapatrimonial verifica-se no momento em que o bem objeto do interesse é afetado. Assim, há lesão à honra no</p><p>momento em que a honra da vítima vem a ser concretamente afetada, e tal lesão em si configura dano moral. A</p><p>consequência (dor, sofrimento, frustração) que a lesão à honra possa vir a gerar é irrelevante para a verificação do dano,</p><p>embora possa servir de indício para a análise de sua extensão, ou seja, para a quantificação da indenização a ser</p><p>concedida. Nem aí, todavia, é imprescindível. E, certamente, em nada auxilia como critério de verificação do merecimento</p><p>de tutela dos interesses lesados”.</p><p>Em sentido contrário pode ser vista a doutrina de Dias (2012, p. 839) quando afirma que “quando ao dano não</p><p>correspondem às características do dano patrimonial, dizemos que estamos em presença do dano moral. A distinção, ao</p><p>contrário do que parece, não decorre da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter</p><p>da sua repercussão sobre o lesado. De forma que tanto é possível ocorrer dano patrimonial em consequência de lesão a</p><p>um bem não patrimonial como dano moral em resultado de ofensa a bem material”.</p><p>52 Vejamos, nesse sentido, a doutrina de Pereira (2012, p. 58), que afirma: “A doutrina entende que o dano, como</p><p>elemento da responsabilidade civil, há de ser atual e certo” (grifos no original).</p><p>53 Assim entendeu o STJ no Recurso Especial 347978/RJ (Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em</p><p>18 de abril 2002) quando se afirmou que: “[...] 4. A necessidade de cirurgias reparadoras durante alguns anos justifica o</p><p>deferimento de verba para custear essas despesas, mas sem a imediata execução do valor para isso arbitrado, uma vez</p><p>que o numerário necessário para cada operação deverá ser antecipado pela empresa-ré sempre que assim for</p><p>determinado pelo juiz, de acordo com a exigência médica. A devedora constituirá um fundo para garantir a exigibilidade</p><p>dessa parcela. 5. O valor do dano estético, que na verdade foi deferido para cobrir as despesas com as cirurgias a que</p><p>necessariamente será submetida a pequena vítima, fica mantido. [...]”. A necessidade de constituição de capital para o</p><p>caso de reparação civil, aliás, foi objeto do Verbete 313 da Súmula da jurisprudência dominante do STJ, o qual afirma: “Em</p><p>ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia</p><p>de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado”. Posteriormente a este enunciado,</p><p>foi inserido o art. 475-Q no Código de Processo Civil de 1973, sendo o mesmo tema previsto pelo art. 533, embora este</p><p>dispositivo somente faça referência à obrigação de prestar alimentos: “Art. 533. Quando a indenização por ato ilícito</p><p>incluir prestação de alimentos, caberá ao executado, a requerimento do exequente, constituir capital cuja renda assegure</p><p>o pagamento do valor mensal da pensão.</p><p>33</p><p>Originalmente, convergiam os entendimentos acerca do não cabimento de</p><p>indenização nas hipóteses de dano futuro. Todavia, essa conclusão derivava</p><p>de certa confusão entre dano futuro e dano eventual. Todo dano eventual é</p><p>de probabilidade futura, subordinado à incerteza. Porém, nem todo dano</p><p>futuro é incerto. Por essa razão, deve ser indenizado o dano futuro quando</p><p>se apresentarem duas condições: a) serem os prejuízos inevitáveis e, por isso</p><p>mesmo, dotados de certeza, tais como os já verificados; b) seja possível</p><p>determinar e avaliar, antecipadamente, esses prejuízos. Ou seja, tratando-se</p><p>de dano futuro, porém certo, será indenizável.</p><p>Falar em certeza do dano significa afirmar que não se repara o dano “hipotético”.54 O</p><p>problema surgiu quando a doutrina francesa passou a afirmar que, ainda que não se possa afirmar</p><p>a extensão do dano, é possível reparar a chance perdida. Surgiu, assim, a chamada “teoria da perda</p><p>de uma chance”, que no Brasil também é conhecida como “teoria da perda da oportunidade”.</p><p>Embora já existam escritos específicos e um bom número de julgados sobre o tema, certo é que</p><p>referida teoria ainda é marcada por muitas controvérsias.55</p><p>§ 1o O capital a que se refere o caput, representado por imóveis ou por direitos reais sobre imóveis suscetíveis de</p><p>alienação, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto</p><p>durar a obrigação do executado, além de constituir-se em patrimônio de afetação.</p><p>§ 2o O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do exequente em folha de pagamento de pessoa</p><p>jurídica de notória capacidade econômica ou, a requerimento do executado, por fiança bancária ou garantia real, em</p><p>valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz.</p><p>§ 3o Se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução</p><p>ou aumento da prestação.</p><p>§ 4o A prestação alimentícia poderá ser fixada tomando por base o salário-mínimo.</p><p>§ 5o Finda a obrigação de prestar alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as</p><p>garantias prestadas”.</p><p>54 Vejamos, entre outros, o Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 98353/DF (Quarta Turma, Rel. Min. Raul</p><p>Araújo, julgado em 16 de agosto de 2016), quando se afirmou que: “[...] 2. Dano hipotético é aquele ainda não verificado,</p><p>eventual, que pode vir a ocorrer ou não. Na hipótese dos autos, conforme consignado no acórdão, os danos já foram</p><p>constatados. A irresignação acerca dos valores necessários à reparação do dano não se confunde com a existência de</p><p>danos hipotéticos. [...]”.</p><p>55 Entre as obras específicas, podem ser citados: Savi (2012) e Silva (2013).</p><p>Como julgado</p><p>paradigmático, pode ser recordado o caso “Show do Milhão” (Recurso Especial 788459/BA, Quarta Turma,</p><p>Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 8 de novembro de 2005), cuja ementa afirma: “[...] 1. O questionamento, em</p><p>programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica</p><p>percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade</p><p>da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de</p><p>lucrar, pela perda da oportunidade”.</p><p>34</p><p>Seria essa hipótese um “meio-termo” entre o dano emergente e o lucro cessante? Se assim</p><p>fosse, não seria admitida a reparação do dano extrapatrimonial por perda de uma chance, o que</p><p>não é verdade. Outras questões: a chance perdida está submetida a um percentual mínimo para</p><p>que, efetivamente, não se repare a mera possibilidade? O que é necessário para que exista uma</p><p>chance “séria” ou “certa” e, portanto, reparável?</p><p>Estas últimas perguntas permanecem controversas. Certo é, porém, que o STJ já afastou a</p><p>aplicação da teoria na hipótese de “chance ínfima”, como no caso em que se pleiteava a reparação</p><p>de danos materiais pelo não conhecimento, em razão da intempestividade, de embargos de</p><p>declaração em recurso de revista enviados por Sedex, cujo atraso foi atribuído ao mau</p><p>funcionamento dos Correios.56 Em outra ocasião, tendo reconhecido a existência do dano,</p><p>reduziu o valor da reparação do dano moral por entender não ser possível afirmar a extensão da</p><p>“vantagem” que poderia ser obtida.57</p><p>Tais dificuldades, no entanto, estando também presentes em outras situações de danos</p><p>reparáveis, não devem levar ao abandono da teoria.</p><p>Falemos agora de uma questão já consagrada, a saber: as espécies do dano patrimonial.</p><p>56 Recurso Especial 1210732/SC, Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 2 de outubro de 2012, cuja</p><p>ementa afirma: “[...]. Descabe, no caso, a condenação dos Correios por danos materiais, porquanto não comprovada sua</p><p>ocorrência. Também não estão presentes as exigências para o reconhecimento da responsabilidade civil pela perda de</p><p>uma chance, uma vez que as alegações de danos experimentados pelo autor se revelam extremamente fluidas. Existia</p><p>somente uma remota expectativa e improvável possibilidade de seu cliente se sagrar vitorioso na demanda trabalhista,</p><p>tendo em vista que o recurso cujo prazo não foi cumprido eram embargos de declaração em recurso de revista no</p><p>Tribunal Superior do Trabalho, circunstância que revela a exígua chance de êxito na demanda pretérita. [...]”.</p><p>Recorde-se, porém, que o Enunciado 444 da V Jornada de Direito Civil caminhou em sentido contrário, afirmando que:</p><p>“Art. 927. A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois,</p><p>conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano</p><p>patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos”.</p><p>57 Foi o que se observou no Recurso Especial 1254141/PR, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4 de</p><p>dezembro de 2012, que afirma: “[...] 1. O STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda de</p><p>uma chance em sua versão tradicional, na qual o agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Nessas situações,</p><p>há certeza quanto ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna aplicável o critério de</p><p>ponderação característico da referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes.</p><p>2. Nas hipóteses em que se discute erro médico, a incerteza não está no dano experimentado, notadamente nas</p><p>situações em que a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em</p><p>princípio, o dano é causado por força da doença, e não pela falha de tratamento.</p><p>3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da</p><p>responsabilidade civil pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade.</p><p>Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerada um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à</p><p>indenização de seu equivalente econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da</p><p>difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional.</p><p>4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo</p><p>final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma</p><p>redução proporcional. [...]”.</p><p>35</p><p>O dano patrimonial e as suas espécies</p><p>Desde o Direito Romano, são conhecidas como espécies do dano patrimonial o dano emergente</p><p>(damnum emergens) e o lucro cessante (lucram cessans). Tais espécies também foram consagradas no</p><p>Direito Brasileiro, estando expressamente referidas nos arts. 402 e 403 do Código Civil.58 Segundo</p><p>esses dispositivos, o dano emergente deve ser visto como aquele valor “efetivamente” perdido por</p><p>alguém. Não é por outra razão que, para a sua determinação, é comum a invocação da “teoria da</p><p>diferença”, devendo a vítima demonstrar como estava o seu patrimônio antes do evento danoso e</p><p>como ficou depois deste. Essa diferença corresponde, justamente, ao dano emergente.</p><p>Oportuno lembrar, porém, a advertência de Miragem (2015, p. 170):</p><p>A parcela em que se reduziu o patrimônio da vítima considera-se dano.</p><p>Todavia, note-se que, para efeito de cálculo da indenização do dano</p><p>patrimonial, essa noção nem sempre é diferença. Isso porque o</p><p>propósito principal da indenização no dano patrimonial será sua função</p><p>reparatória, de restituição do estado anterior à sua ocorrência. Desse</p><p>modo, nem sempre há de se identificar exata correspondência entre o</p><p>valor da perda econômica havida pela vítima e aquele necessário para</p><p>recompor o bem ou o direito.</p><p>A maior dificuldade, portanto, reside na determinação do lucro cessante, em especial</p><p>pelo fato de o Código Civil adotar como único critério expresso a “razoabilidade” do valor</p><p>que alguém deixou de lucrar. Essa dificuldade é apontada por Guedes (2011, p. 343 e 344)</p><p>em trabalho específico:</p><p>Daí já se vê a importância, bem como a necessidade, de as decisões serem</p><p>amplamente motivadas. O art. 402 do CC não autoriza, de modo algum,</p><p>que o juiz julgue de forma arbitrária, sem observar cada uma das</p><p>circunstâncias do caso concreto, tampouco o exime de fundamentar sua</p><p>decisão, mas apenas lhe confere maior discricionariedade. Se a</p><p>fundamentação feita pelo juízo do fato não for cuidadosa e rigorosa, jamais</p><p>se aproximará da avaliação discricionária ideal, que também deve levar em</p><p>conta as peculiaridades do dano que se pretende reparar. Consistirá,</p><p>quando muito, numa mecânica operação matemática, sem qualquer juízo</p><p>de ponderação. Só uma avaliação dinâmica dos lucros cessantes permitirá</p><p>58 Recorde-se o disposto nos arts. 402 e 403 do Código Civil: “Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as</p><p>perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.</p><p>Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os</p><p>lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.</p><p>36</p><p>que o princípio da reparação integral cumpra o seu papel de remover todo</p><p>o dano, e apenas este, do patrimônio do lesado. Há que se determinar qual</p><p>a utilidade que o lesado retirava do interesse violado. Apenas por meio da</p><p>restituição desta utilidade é que se poderá dizer que a reparação realizou</p><p>sua função específica: a de excluir o dano do patrimônio do lesado, de</p><p>modo que este figure na mesma situação em que estaria se o evento</p><p>danoso</p><p>não tivesse se verificado.</p><p>Na tentativa de afastar essas inúmeras dificuldades, são conhecidas algumas formas para</p><p>estabelecer critérios objetivos, tais como a referência a uma “média diária” de ganhos a ser</p><p>multiplicada pelo número de dias parados na conhecida hipótese do taxista que deixa de utilizar o</p><p>seu veículo por força de uma colisão.59 Em outras situações, porém, a referência à “razoabilidade”</p><p>não é capaz de esclarecer a questão, não podendo o julgador, de todo modo, deixar de exercer a</p><p>sua função jurisdicional.60</p><p>Observemos, ainda, que o citado art. 403 esclarece que a reparação do dano patrimonial</p><p>não admite qualquer forma de punição ou desestímulo ao ofensor, “ainda que a inexecução</p><p>resulte de dolo do devedor”, ou seja, ainda que tenha havido a intenção em causar o dano. Assim,</p><p>para o dano patrimonial é perfeitamente possível afirmar que deve ser reparado “todo dano, mas</p><p>nada além do dano”.61 Também por essa razão a chamada reparação “punitiva” ou “pedagógica”</p><p>sempre esteve relacionada ao dano extrapatrimonial, sendo este, no entanto, um tema ainda</p><p>controverso em nosso País, como veremos a seguir.</p><p>59 Vejamos, nesse sentido, o Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 897028/RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Marco</p><p>Aurélio Belizze, julgado em 22 de novembro de 2016, cuja ementa afirma: “[...] 2. O dano material está relacionado com</p><p>os valores desembolsados pelo autor, que exerce a profissão de taxista e restou impossibilitado de utilizar o seu veículo,</p><p>em razão do acidente objeto da demanda. Infirmar as conclusões das instâncias ordinárias demandaria o reexame de</p><p>provas. Incidência da Súmula 7/STJ. [...]”.</p><p>60 Foi o que afirmou o STJ no julgamento do Recurso Especial 1549467/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze,</p><p>julgado em 13 de setembro de 2016, em que se lê: “[...] 3. A vedação ao non liquet, reconhecida pela ordem processual</p><p>inaugurada com o Código de Processo Civil de 1973, obsta ao julgador esquivar-se de seu munus público de prestar a</p><p>adequada tutela jurisdicional, com fundamento exclusivo na impossibilidade de formação de seu livre convencimento.</p><p>4. Na instrução probatória, o CPC/73, além de dotar o poder Judiciário de suficientes poderes instrutórios, ainda</p><p>estabeleceu regra objetiva de distribuição do ônus da prova, a fim de efetivamente viabilizar o julgamento do mérito,</p><p>mesmo nos casos de produção probatória insuficiente.</p><p>5. A utilização de presunções não pode ser afastada de plano, uma vez que sua observância no direito processual</p><p>nacional é exigida como forma de facilitação de provas difíceis, desde que razoáveis.</p><p>6. Na apreciação de lucros cessantes, o julgador não pode se afastar de forma absoluta de presunções e deduções,</p><p>porquanto deverá perquirir acerca dos benefícios legítimos que não foram realizados por culpa da parte e adversa. Exigir</p><p>prova absoluta do lucro que não ocorreu, seria impor ao lesado o ônus de prova impossível. [...]”.</p><p>61 Vale a referência ao decidido pelo STJ no Recurso Especial 1553790/PE, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas</p><p>Cueva, julgado em 25 de outubro de 2016, quando se afirmou que: “[...] 7. A reparação de danos patrimoniais tem por</p><p>finalidade fazer com que o lesado não fique numa situação nem melhor nem pior do que aquela que estaria se não fosse</p><p>o evento danoso. Então, no cálculo da indenização dos lucros cessantes, devem ser computados não apenas as despesas</p><p>operacionais e os tributos, mas também outros gastos que o prejudicado teria em regular situação. [...]”.</p><p>37</p><p>O dano extrapatrimonial e a sua reparação</p><p>A primeira observação que deve ser feita quando se fala do dano extrapatrimonial é que este</p><p>ainda não encontra um regramento legal específico. De fato, a única referência expressa a essa</p><p>espécie de dano, em todo o Código Civil, continua sendo o art. 186, que nada esclarece, a não ser</p><p>a possibilidade de vir a ser reparado.62 Dessa forma, inúmeras são as controvérsias acerca do tema,</p><p>a começar pela possível sinonímia entre dano extrapatrimonial e dano moral. Para alguns autores,</p><p>tais expressões são, realmente, sinônimas, ao passo que, para outros, a expressão dano</p><p>extrapatrimonial é mais ampla, abrangendo o dano moral e outras espécies de danos reparáveis,</p><p>tais como o dano à imagem e o dano estético. Neste curso, daremos preferência ao uso da expressão</p><p>dano extrapatrimonial.</p><p>Nesse sentido, a nova controvérsia passa a ser a conceituação desta espécie, podendo-se</p><p>adotar um conceito amplo, que entende ser o dano extrapatrimonial qualquer “ofensa aos direitos</p><p>da personalidade”, ou um conceito mais restrito, que afirma ser o dano extrapatrimonial uma</p><p>ofensa aos “aspectos componentes da dignidade da pessoa humana”.63</p><p>Percebemos, assim, que as duas visões divergem, basicamente, quanto à possibilidade de a</p><p>pessoa jurídica vir a ser vítima de dano extrapatrimonial, o que é admitido pela primeira visão e</p><p>negado pela segunda. Aquela é, sem dúvida, majoritária, tendo, inclusive, obtido consagração</p><p>expressa no Verbete 227 da Súmula da Jurisprudência do STJ.64 Os precedentes desse verbete</p><p>afirmam que a pessoa jurídica é dotada de um “reconhecimento” na sociedade, ou de uma “honra</p><p>objetiva”, a qual pode ser violada, por exemplo, por força de um protesto indevido de um título</p><p>por ela emitido.65</p><p>62 Recordemos, uma vez mais, o disposto no art. 186 do Código Civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,</p><p>negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.</p><p>63 Favorável a um conceito mais amplo é a posição de Cavalieri Filho (2014, p. 108 e 109): “Em sentido amplo dano moral</p><p>é violação de algum direito ou atributo da personalidade. Relembre-se, como já assentado, que os direitos da</p><p>personalidade constituem a essência do ser humano, independentemente de raça, cor, fortuna, cultura, credo, sexo,</p><p>idade, nacionalidade. [...] Como se vê, hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a</p><p>sua titela a todos os bens personalíssimos – os complexos de ordem ética –, razão pela qual podemos defini-lo, de forma</p><p>abrangente, como sendo uma agressão a um bem ou atributo da personalidade. Em razão de sua natureza imaterial,</p><p>o dano moral é insuscetível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária</p><p>imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização” (original grifado).</p><p>Ao contrário, como grande defensora do conceito restrito de dano extrapatrimonial, pode ser citada Maria Celina Bodin</p><p>de Morais (2009, p. 183 e 184): “Nesse sentido, o dano moral não pode ser reduzido à ‘lesão a um direito da</p><p>personalidade’, nem tampouco ao ‘efeito extrapatrimonial da lesão a um direito subjetivo, patrimonial ou</p><p>extrapatrimonial’. Tratar-se-á sempre de violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana, seja causando-lhe um</p><p>prejuízo material, seja violando direito (extrapatrimonial) seu, seja, enfim, praticando, em relação à sua dignidade,</p><p>qualquer ‘mal evidente’ ou ‘perturbação’, mesmo se ainda não reconhecido como parte de alguma categoria jurídica”.</p><p>64 O Verbete 227 da Súmula do STJ afirma: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.</p><p>65 Entre outros precedentes podem ser citados os seguintes: 1) Recurso Especial 161913/MG (Terceira Turma, Rel. Min.</p><p>Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 22 de setembro de 1998), que afirma: “1. Tendo ciência inequívoca o banco</p><p>endossatário de que as duplicatas eram fraudulentas, sem lastro algum, deve o mesmo responder pelos danos morais</p><p>decorrentes do protesto.</p><p>38</p><p>Contra essa visão pode ser ponderado que, tratando-se de pessoa jurídica com fins lucrativos</p><p>(sociedades), parece impossível isolar a sua finalidade lucrativa do seu “reconhecimento social”, de</p><p>forma que a possível ofensa sempre terá como consequência uma redução dos seus lucros. Assim,</p><p>toda ofensa a uma sociedade simples ou a uma sociedade empresária deve</p><p>ser considerada como</p><p>uma hipótese de dano patrimonial, ainda que a sua quantificação só possa ser feita por arbitramento.</p><p>Tratando-se, porém, de pessoa jurídica sem fins lucrativos (associações e fundações), é</p><p>possível reconhecer que esta necessita de um “reconhecimento social” para a sua própria</p><p>existência, e o abalo desse reconhecimento pode ser entendido como equiparável ao dano</p><p>extrapatrimonial, devendo, igualmente, ser fixado por arbitramento. Por essa razão, parcela da</p><p>doutrina tem denominado esta última espécie de dano “institucional”, reservando a expressão</p><p>dano “moral” somente para as ofensas à pessoa humana. Nesse sentido é a doutrina de Tepedino</p><p>(2007, p. XXIX e XXX), quando afirma:</p><p>Descartada a equiparação dos direitos tipicamente atinentes às pessoas</p><p>naturais (integridade psicofísica, pseudônimo, etc.) vê-se que não é</p><p>propriamente a honra da pessoa jurídica que merece proteção, nem em</p><p>vertente subjetiva tampouco em caráter objetivo. A tutela da imagem da</p><p>pessoa jurídica – atributo mencionado, assim como a honra, pelo artigo 20</p><p>– tem sentido diferente da tutela da imagem da pessoa humana. Nesta, a</p><p>imagem é atributo de fundamental importância, de inspiração</p><p>constitucional, inclusive para a manutenção de sua integridade psicofísica.</p><p>Já para a pessoa jurídica com fins lucrativos, a preocupação resume-se aos</p><p>aspectos pecuniários derivados de um eventual ataque à sua atuação no</p><p>mercado. O ataque que na pessoa humana atinge a sua dignidade, ferindo-</p><p>a psicológica e moralmente, no caso da pessoa jurídica repercute em sua</p><p>capacidade de produzir riqueza, no âmbito da iniciativa econômica por ela</p><p>legitimamente desenvolvida. Há que se resguardar, todavia, a necessária</p><p>diferenciação entre as pessoas jurídicas que aspiram ao lucro e aquelas que</p><p>se orientam por outras finalidades. Particularmente neste último caso não</p><p>se pode considerar (como ocorre na hipótese de empresas com finalidade</p><p>lucrativa) que os ataques sofridos pela pessoa jurídica acabem por se</p><p>exprimir na redução de seus lucros, sendo espécie de dano genuinamente</p><p>material. Cogitando-se, então, de pessoas jurídicas sem fins lucrativos, deve</p><p>2. Incidência, na espécie, da vedação da Súmula nº 07/STJ quanto à verificação da boa-fé do endossatário, afastada no</p><p>Acórdão recorrido.</p><p>3. Ressalvada a posição deste Relator, tem direito a pessoa jurídica de postular indenização por danos morais</p><p>ocasionados por ofensa à sua honra. Precedentes da Corte. [...]”; 2) Recurso Especial 177995/SP (Quarta Turma, Rel. Min.</p><p>Barros Monteiro, julgado em 15 de setembro de 1998), cuja ementa afirma: “[...]. A pessoa jurídica pode ser sujeito</p><p>passivo de danos morais, considerados estes como violadores de sua honra objetiva. Precedentes. [...]”.</p><p>39</p><p>ser admitida a possibilidade de configuração de danos institucionais, aqui</p><p>conceituados como aqueles que, diferentemente dos danos patrimoniais ou</p><p>morais, atingem a pessoa jurídica em sua credibilidade ou reputação”</p><p>(original grifado).66</p><p>As dificuldades, porém, não param por aqui. Em verdade, discute-se qual seria a essência do</p><p>dano extrapatrimonial, sendo corrente a afirmação de que deve ser entendida como a “dor” ou o</p><p>“sofrimento”. Tal afirmação, contudo, não parece precisa, em especial se for realmente admitido o</p><p>dano extrapatrimonial da pessoa jurídica, a qual, certamente, não “sofre”.67 Assim, é necessário</p><p>reconhecer que a dor ou o sofrimento são uma consequência possível, mas não necessária, do dano</p><p>extrapatrimonial, o qual já se terá verificado, justamente, quando ocorreu a violação aos aspectos</p><p>componentes da dignidade da pessoa humana.68</p><p>Talvez por essa razão o STJ tenha construído a tese de que o dano extrapatrimonial é um</p><p>dano in re ipsa, isto é, cuja comprovação é dispensada, bastando a demonstração do fato que teria</p><p>dado origem ao dano.69 A solução parece bem interessante à primeira vista, mas gera profunda</p><p>66 Em sentido semelhante, pode ser visto Schreiber (2013c, p. 469-473), especialmente quando afirma que: “É nítida, de</p><p>fato, a fronteira entre a violação à honra da pessoa humana e o abalo à reputação de que goza a pessoa jurídica nas suas</p><p>relações negociais. Não há aqui extensão ou equiparação possível, já que as situações atendem a valores inteiramente</p><p>distintos à luz do texto constitucional. Mesmo as pessoas jurídicas de direito público e as chamadas entidades</p><p>filantrópicas (sem fins lucrativos) não podem ser equiparadas à pessoa humana em termos de proteção à honra. Quando</p><p>se afirma que abusos sexuais são cometidos em uma escola, não se atinge sua ‘honra’, mas sim a atividade desenvolvida,</p><p>o que, mesmo em se tratando de entidade sem fins lucrativos, gera efeitos patrimoniais, como o cancelamento de</p><p>matrículas, o descrédito da marca e a dificuldade de contratação de empregados. São prejuízos que, por mais drásticos,</p><p>têm natureza econômica, ainda que ligados a bens ideais. São prejuízos que nada têm a ver com direitos da</p><p>personalidade, que são, por definição, privativos do ser humano”.</p><p>67 Oportuno recordar, uma vez mais, a doutrina de Moraes (2009, p. 192): “A propósito, não se pode deixar de assinalar a</p><p>enorme incongruência da jurisprudência nacional, seguida pela doutrina majoritária, no sentido, de um lado, de insistir</p><p>que o dano moral deve ser definido como dor, vexame, tristeza e humilhação e, de outro lado, de defender a ideia de que</p><p>as pessoas jurídicas são passíveis de sofrer dano moral. Das duas, uma: ou bem não mais se sustenta aquela definição – e</p><p>outra, mais ampla, faz-se necessária –, ou bem a pessoa jurídica, pela sua própria natureza, não tem legitimidade para tal</p><p>tipo de compensação”.</p><p>68 Veja-se, nesse sentido, Schreiber (2013d, p. 133): “A toda evidência, a dor não representa elemento ontológico do dano</p><p>moral, mas puro reflexo consequencialística, que pode se manifestar ou não, sem que isto elimine o fato da lesão a um</p><p>interesse extrapatrimonial. Aliás, é justamente da confusão com a dor que deriva, em larga medida, o engano de se</p><p>tomar o dano moral não como a lesão a um interesse extrapatrimonial, mas como a consequência extrapatrimonial da</p><p>lesão a um interesse qualquer”.</p><p>69 Inúmeros são os julgados que afirmam a natureza in re ipsa da reparação do dano moral. Podem ser destacados os</p><p>mais recentes: 1) Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 953108/RS (Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araújo, julgado</p><p>em 14 de fevereiro de 2017), cuja ementa afirma: “[...] 2. A iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-</p><p>se no sentido de que a demora em promover a baixa do gravame não configura um simples descumprimento contratual,</p><p>o qual acarretaria tão somente um mero dissabor, mas verdadeiro dano moral, passível de reparação. Assim,</p><p>comprovada a ocorrência do fato ofensivo, configurado estará o dano moral, porquanto in re ipsa. Precedentes. [...]”; 2)</p><p>Recurso Especial 1642318/MS (Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7 de fevereiro de 2017), que afirma:</p><p>“[...] 4. As crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, assegurada</p><p>a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação, nos termos dos arts. 5º, X, in fine, da CF e 12, caput, do CC/02.</p><p>40</p><p>insegurança jurídica para o jurisdicionado, o qual não tem como saber, de antemão, quais são os</p><p>fatos capazes de gerar dano extrapatrimonial. Somente por meio de previsão legal específica ou da</p><p>edição de súmulas poderá afirmar-se que determinada situação é capaz de gerar tal espécie de</p><p>dano.70 Sobre o tema, é válida a referência a Schreiber (2013d, p. 204), quando afirma:</p><p>Na teoria do dano in re ipsa parece, contudo, residir um grave erro de</p><p>perspectiva, ligado à própria construção do dano extrapatrimonial e à sua</p><p>tradicional compreensão como pretium doloris. Em outras palavras, a</p><p>afirmação do caráter in re ipsa vem quase sempre vinculada a uma</p><p>definição consequencialística de dano moral, muito frequentemente</p><p>invocada a partir da sua</p><p>associação com a dor ou o sofrimento. [...]. A</p><p>verdade, no entanto, é que a dor não define, nem configura elemento</p><p>hábil à definição ontológica do dano. Como já demonstrado, trata-se de</p><p>uma mera consequência, eventual, da lesão à personalidade e que, por</p><p>isso mesmo, mostra-se irrelevante à sua configuração.</p><p>Outra controvérsia diz respeito aos legitimados para essa reparação. Quanto a esse tema, e</p><p>na tentativa de evitar um elevado número de demandas, os tribunais têm aplicado o disposto no</p><p>art. 1.829 do Código Civil, dispositivo que trata da vocação hereditária.71 Recordando-se, porém,</p><p>que a herança nada mais é que o “patrimônio post mortem”, é criticável essa solução, uma vez que</p><p>se utiliza um dispositivo que trata de questões patrimoniais para reparar um dano de natureza</p><p>extrapatrimonial. Tal solução jurisprudencial pode ainda ter o efeito de afastar a reparação em</p><p>favor do noivo e tornar incerta a reparação de parentes, em especial dos colaterais.72</p><p>5. A sensibilidade ético-social do homem comum na hipótese, permite concluir que os sentimentos de inferioridade, dor</p><p>e submissão, sofridos por quem é agredido injustamente, verbal ou fisicamente, são elementos caracterizadores da</p><p>espécie do dano moral in re ipsa.</p><p>6. Sendo presumido o dano moral, desnecessário o embate sobre a repartição do ônus probatório. [...]”.</p><p>70 São exemplos de Súmulas do STJ, entre outras: “1) Súmula 385: Da anotação irregular em cadastro de proteção ao</p><p>crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao</p><p>cancelamento; 2) Súmula 388: A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral”.</p><p>71 O art. 1.829 do Código Civil dispõe: “Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:</p><p>I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da</p><p>comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da</p><p>comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;</p><p>II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;</p><p>III - ao cônjuge sobrevivente;</p><p>IV - aos colaterais”.</p><p>72 Foi o que se afirmou no julgamento do Recurso Especial 1076160/AM (Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão,</p><p>julgado em 10 de abril de 2012), cuja ementa afirma: “[...] 2. Assim, como regra – ficando expressamente ressalvadas</p><p>eventuais particularidades de casos concretos –, a legitimação para a propositura de ação de indenização por dano moral</p><p>em razão de morte deve mesmo alinhar-se, mutatis mutandis, à ordem de vocação hereditária, com as devidas adaptações.</p><p>3. Cumpre realçar que o direito à indenização, diante de peculiaridades do caso concreto, pode estar aberto aos mais</p><p>diversificados arranjos familiares, devendo o juiz avaliar se as particularidades de cada família nuclear justificam o</p><p>alargamento a outros sujeitos que nela se inserem, assim também, em cada hipótese a ser julgada, o prudente arbítrio</p><p>41</p><p>Também marcada pela polêmica é a questão relativa ao caráter punitivo ou pedagógico da</p><p>reparação. É, sem dúvida, majoritário o entendimento de que a reparação do dano</p><p>extrapatrimonial deve servir de desestímulo ao ofensor, mas tal concepção não é isenta de críticas,</p><p>em especial pela ausência de previsão legal expressa, tendo tal forma de reparação, portanto, sido</p><p>“importada” de outros ordenamentos, os quais são fundamentados em bases diversas.73 Seria até</p><p>mesmo contrária ao disposto no art. 944, parágrafo único, do Código Civil, o qual, como visto,</p><p>só admite a redução (e não o aumento!), da reparação com fundamento na gravidade da culpa.74</p><p>Não se discute, porém, acerca do caráter “compensatório” da reparação do dano extrapatrimonial.</p><p>De todo modo, sendo majoritário o entendimento favorável ao caráter pedagógico da</p><p>reparação, a nova dificuldade passa a ser a definição de um limite para essa reparação. É</p><p>amplamente majoritário o entendimento de que não deve levar ao “enriquecimento sem causa” da</p><p>vítima, solução, porém, lamentável do ponto de vista dogmático, uma vez que este importante</p><p>instituto não tem nenhuma relação com a reparação do dano, exigindo requisitos distintos.75</p><p>do julgador avaliará o total da indenização para o núcleo familiar, sem excluir os diversos legitimados indicados. A</p><p>mencionada válvula, que aponta para as múltiplas facetas que podem assumir essa realidade metamórfica chamada</p><p>família, justifica precedentes desta Corte que conferiu legitimação ao sobrinho e à sogra da vítima fatal.</p><p>4. Encontra-se subjacente ao art. 944, caput e parágrafo único, do Código Civil de 2002, principiologia que, a par de</p><p>reconhecer o direito à integral reparação, ameniza-o em havendo um dano irracional que escapa dos efeitos que se</p><p>esperam do ato causador. O sistema de responsabilidade civil atual, deveras, rechaça indenizações ilimitadas que</p><p>alcançam valores que, a pretexto de reparar integralmente vítimas de ato ilícito, revelam nítida desproporção entre a</p><p>conduta do agente e os resultados ordinariamente dela esperados. E, a toda evidência, esse exagero ou desproporção da</p><p>indenização estariam presentes caso não houvesse – além de uma limitação quantitativa da condenação – uma limitação</p><p>subjetiva dos beneficiários.</p><p>5. Nessa linha de raciocínio, conceder legitimidade ampla e irrestrita a todos aqueles que, de alguma forma, suportaram</p><p>a dor da perda de alguém – como um sem-número de pessoas que se encontram fora do núcleo familiar da vítima –</p><p>significa impor ao obrigado um dever também ilimitado de reparar um dano cuja extensão será sempre desproporcional</p><p>ao ato causador. Assim, o dano por ricochete a pessoas não pertencentes ao núcleo familiar da vítima direta da morte, de</p><p>regra, deve ser considerado como não inserido nos desdobramentos lógicos e causais do ato, seja na responsabilidade</p><p>por culpa, seja na objetiva, porque extrapolam os efeitos razoavelmente imputáveis à conduta do agente.</p><p>6. Por outro lado, conferir a via da ação indenizatória a sujeitos não inseridos no núcleo familiar da vítima acarretaria</p><p>também uma diluição de valores, em evidente prejuízo daqueles que efetivamente fazem jus a uma compensação dos</p><p>danos morais, como cônjuge/companheiro, descendentes e ascendentes.</p><p>7. Por essas razões, o noivo não possui legitimidade ativa para pleitear indenização por dano moral pela morte da noiva,</p><p>sobretudo quando os pais da vítima já intentaram ação reparatória na qual lograram êxito, como no caso. [...]”.</p><p>73 Exemplo desta doutrina majoritária pode ser encontrado em Pereira (2012, p. 84), que, ao se referir à reparação do dano</p><p>extrapatrimonial, afirma: “O problema de sua reparação deve ser posto em termos de que a reparação do dano moral, a par do</p><p>caráter punitivo imposto ao agente, tem de assumir sentido compensatório. Sem a noção de equivalência, que é própria da</p><p>indenização do dano material, corresponderá à função compensatória pelo que tiver sofrido. Somente assumindo uma</p><p>concepção desta ordem é que se compreenderá que o direito positivo estabelece o princípio da reparação do dano moral. A</p><p>isso é de se acrescer que, na reparação do dano moral, insere-se uma atitude de solidariedade à vítima”.</p><p>No mesmo sentido é o pensamento de Cavalieri Filho (2014, p. 126) quando afirma, de forma singela: “A indenização</p><p>punitiva do dano moral surge como reflexo da mudança de paradigma da responsabilidade civil e atende a dois objetivos</p><p>bem definidos: a prevenção (através da dissuasão) e a punição (no sentido de redistribuição)”.</p><p>74 Recordemos, uma vez mais, o disposto no art. 944 do Código Civil: “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do</p><p>dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,</p><p>equitativamente, a indenização”.</p><p>75 É copiosa a jurisprudência do STJ que utiliza a “vedação ao enriquecimento sem causa” como limite para a reparação do</p><p>dano moral. Entre outros julgados pode ser citado o seguinte</p><p>o Recurso Especial 1440721/GO, Quarta Turma, Rel. Min.</p><p>Maria Isabel Gallotti, julgado em 11 de outubro de 2016, cuja ementa afirma: “[...] 4. admite-se a revisão do valor fixado a</p><p>título de condenação por danos morais em recurso especial quando ínfimo ou exagerado, ofendendo os princípios da</p><p>proporcionalidade e da razoabilidade.</p><p>42</p><p>Basta pensar que, tendo havido dano – por maior que ele seja – a reparação sempre tem como</p><p>pressuposto a sua ocorrência, reconhecida por sentença, e não o pagamento de um valor além</p><p>deste, que, portanto, seria “indevido”.76</p><p>Por não contar com o batismo legislativo que lhe defina os critérios e por não ser possível a sua</p><p>objetiva demonstração, sempre se optou pelo arbitramento judicial para a quantificação da reparação</p><p>dessa espécie de dano. Nesse arbitramento, tornou-se recorrente a adoção de alguns critérios, em</p><p>especial a referência às condições econômicas do ofensor e do ofendido. Novamente aqui podem ser</p><p>feitas inúmeras críticas, em especial pelo fato de se recorrer a critérios econômicos (ou patrimoniais)</p><p>para reparar um dano de natureza extrapatrimonial. Trata-se de uma flagrante incongruência capaz de</p><p>gerar perplexidades, como a fixação de valores bem discrepantes para situações fáticas essencialmente</p><p>semelhantes. Vale recordar, aqui, a crítica de Moraes (2009, p. 300):</p><p>Tanto a suposição de que pessoas de classes diferentes “sofrem” em valores</p><p>(quantias) diferentes quanto a de que todas as pessoas têm os mesmos</p><p>sentimentos (donde concluir que não é cabível especificar-se, em relação ao</p><p>caso concreto, a indenização) decorrem da errônea suposição de que é o</p><p>“sentimento” o que deve ser avaliado. Daí, aliás, o engano profundo em</p><p>que recaem todas as decisões que se arrogam conjecturar sobre os</p><p>sentimentos dos outros e acabam julgando apenas com base na aparência,</p><p>isto é, com base nas condições econômicas da vítima e do ofensor.</p><p>5. A indenização por danos morais possui tríplice função, a compensatória, para mitigar os danos sofridos pela vítima; a</p><p>punitiva, para condenar o autor da prática do ato ilícito lesivo, e a preventiva, para dissuadir o cometimento de novos</p><p>atos ilícitos. Ainda, o valor da indenização deverá ser fixado de forma compatível com a gravidade e a lesividade do ato</p><p>ilícito e as circunstâncias pessoais dos envolvidos.</p><p>6. Indenização no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), a cargo de cada recorrido, que, no caso,</p><p>mostra-se adequada para mitigar os danos morais sofridos, cumprindo também com a função punitiva e a preventiva,</p><p>sem ensejar a configuração de enriquecimento ilícito. [...]”.</p><p>76 Observemos que o instituto do enriquecimento sem causa, com toda razão, é previsto em um Título distinto do Código</p><p>Civil (Título VII) e não no Título dedicado à responsabilidade civil. Dispõem os arts. 884 a 886, que tratam do</p><p>enriquecimento sem causa: “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a</p><p>restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.</p><p>Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a</p><p>coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.</p><p>Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se</p><p>esta deixou de existir.</p><p>Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do</p><p>prejuízo sofrido”.</p><p>No mesmo sentido, pode ser vista a doutrina de Moraes (2009, p. 301 e 302): “Se a vítima vive em más condições econômicas,</p><p>isto não significa que ela estará fadada a apresentar para sempre tais condições. Pior, o argumento mais utilizado para justificar</p><p>a adoção do critério da condição econômica da vítima – o que diz tratar-se de evitar enriquecimento sem causa – parece</p><p>configurar um mero pretexto. Ora, a sentença de um juiz, arbitrando o dano moral, é razão jurídica mais do que suficiente para</p><p>impedir que se fale, tecnicamente, de enriquecimento injustificado. O enriquecimento, se estiver servindo para abrandar os</p><p>efeitos nefastos de lesão à dignidade humana, é mais do que justificado: é devido”.</p><p>43</p><p>A fim de evitar tais disparidades, tem sido comum a fixação de “tabelas”, ainda que oficiosas,</p><p>de reparação, as quais também não resolvem de todo o problema, pois deixa de considerar</p><p>possíveis peculiaridades do caso concreto. Exemplo, no STJ, é a “padronização” de que o “dano</p><p>morte” deve ser reparado em 500 salários-mínimos, ainda que se invoque um “caráter bifásico”</p><p>para que se alcance esse patamar.77 Nesse sentido a crítica de Schreiber (2013b, p. 190 e 191)</p><p>quando afirma:</p><p>Nada obstante, o temor das altas indenizações parece fortemente presente</p><p>no imaginário jurídico brasileiro. Prova disto é o Projeto de Lei</p><p>150/1999, que fixa limites quantitativos à indenização por dano moral.</p><p>Em um absurdo retorno ao tabelamento das indenizações, o projeto,</p><p>aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal,</p><p>divide o dano moral em leve, médio e grave, estipulando tetos máximos</p><p>de 20 mil, 90 mil e 180 mil reais, respectivamente. A proposta não é</p><p>apenas o oposto da tendência de proteção integral à pessoa, que</p><p>recomenda que cada dano e cada vítima sejam tratados em sua</p><p>particularidade; é também inconstitucional, visto que a Constituição de</p><p>1988 assegura a compensação dos danos morais, sem estabelecer</p><p>limitações de qualquer espécie.</p><p>77 A defesa do “método bifásico” para a reparação do dano extrapatrimonial é feita por Sanseverino (2011, p. 288 a 290).</p><p>Na jurisprudência do STJ, tal método ganhou expressa referência no julgamento do Recurso Especial 1473393/SP, Quarta</p><p>Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 4 de outubro de 2016, cuja ementa afirma: “[...] 8. O método bifásico,</p><p>como parâmetro para a aferição da indenização por danos morais, atende às exigências de um arbitramento equitativo,</p><p>pois, além de minimizar eventuais arbitrariedades, evitando a adoção de critérios unicamente subjetivos pelo julgador,</p><p>afasta a tarifação do dano, trazendo um ponto de equilíbrio pelo qual se consegue alcançar razoável correspondência</p><p>entre o valor da indenização e o interesse jurídico lesado, bem como estabelecer montante que melhor corresponda às</p><p>peculiaridades do caso.</p><p>9. Na primeira fase, o valor básico ou inicial da indenização é arbitrado tendo-se em conta o interesse jurídico lesado, em</p><p>conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos).</p><p>10. Na segunda fase, ajusta-se o valor às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias (gravidade do fato em</p><p>si, culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica das partes), procedendo-se à fixação</p><p>definitiva da indenização, por meio de arbitramento equitativo pelo juiz. [...]”.</p><p>44</p><p>Assim, parece possível afirmar que a melhor solução seria considerar as condições pessoais (e</p><p>não econômicas!) da vítima, bem como a própria dimensão do dano. Com fundamento nesses</p><p>pressupostos, poderia ser dito, por exemplo, que o dano morte deve obter uma reparação superior</p><p>ao dano lesão corporal (critério da dimensão do dano), ao passo que a perda de uma perna por</p><p>uma bailarina deve receber uma reparação superior à perda de uma perna por uma pessoa que não</p><p>alimente o sonho da dança (critério das condições pessoais da vítima). A essa mesma conclusão</p><p>chega Moraes (2009, p. 332) quando afirma:</p><p>4. Apenas os elementos atinentes às condições pessoais da vítima e à</p><p>dimensão do dano, correspondente este último tanto à sua repercussão</p><p>social quanto à sua gravidade, devem ser levados em conta para, afinal,</p><p>estabelecer-se a indenização, em concreto, com base na relação entre tais</p><p>componentes. Assim, por exemplo, o juiz poderá dissociar cada uma</p><p>dessas duas variáveis em outras tantas, mas deve examinar, sempre, a</p><p>situação anterior</p><p>da vítima; de fato, tem-se que analisar a situação</p><p>posterior (tendo o dano já ocorrido) em comparação com a situação</p><p>anterior, para se verificar qual é a medida (extensão) do dano em relação</p><p>à pessoa da vítima. Só assim será possível começar-se a resolver o</p><p>problema do quantum debeatur e achar um nível de compensação que</p><p>seja, no caso concreto, eficiente e adequado.</p><p>5. Tendo em mente as condições pessoais da vítima, passa-se ao exame</p><p>do dano. Em relação a esta variável, há uma objetividade bem maior, a</p><p>qual também deverá vir explicitada na ratio decidendi. Assim, quanto à</p><p>magnitude, o dano pode ser considerado, sempre em relação à pessoa da</p><p>vítima, pequeno, médio, grande, infinito (morte); quanto à duração, o</p><p>dano poderá ser temporário, de curto, médio e longo prazo, ou</p><p>permanente; enfim, quanto à repercussão social do dano, esta poderá ser</p><p>reduzida, média ou ampla.</p><p>Estudado o tormentoso tema da reparação do dano extrapatrimonial, podemos passar ao</p><p>estudo das outras espécies deste mesmo gênero de danos.</p><p>45</p><p>As outras espécies de dano extrapatrimonial</p><p>Além do dano extrapatrimonial estudado até aqui, é também conhecida a figura do dano</p><p>estético. A primeira controvérsia quanto a este último é se, de fato, constitui uma espécie</p><p>autônoma ou se se confunde com o dano extrapatrimonial.78 Prevalece a tese da autonomia,</p><p>podendo, inclusive, ser cumulado com o “dano moral”, nos precisos termos do Verbete 387 da</p><p>Súmula da Jurisprudência do STJ.79</p><p>Para se chegar a esse entendimento, é preciso ver o dano estético como “violação da</p><p>compleição física de alguém”, tal como se observa, por exemplo, nos casos de perda de um dos</p><p>membros. Nessa situação, portanto, segundo o STJ, a pessoa poderá obter uma reparação pela</p><p>perda do membro distinta da reparação a título de “dor ou sofrimento”, que seria o dano “moral”</p><p>propriamente dito. Foi o que se afirmou, por exemplo, no julgamento do Agravo Regimental no</p><p>Agravo em Recurso Especial 607118/DF (Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em</p><p>24 de fevereiro de 2015), cuja ementa dispõe:</p><p>1. Mostra-se razoável a fixação em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para o</p><p>dano moral e R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o dano estético como</p><p>reparação do evento danoso (colisão de veículos) que provocou lesões</p><p>graves na vítima (fratura no ombro direito), consideradas as</p><p>circunstâncias do caso e as condições econômicas das partes.</p><p>2. Este Sodalício Superior altera o valor indenizatório por dano moral e</p><p>estético apenas nos casos em que a monta arbitrada pelo acórdão</p><p>recorrido for irrisória ou exorbitante, situação que não se faz presente.</p><p>Também se tem admitido o dano à imagem, o qual encontraria fundamento no art. 5º, V e</p><p>X, da Constituição da República e no art. 20 do Código Civil.80 Contudo, embora previsto na Lei</p><p>Maior desde 1988, algumas dúvidas permanecem, a começar pela sua própria configuração.</p><p>78 Contrária à cumulação das duas espécies de danos é a doutrina de Cavalieri Filho (2014, p. 136): “Embora tenha</p><p>acolhido esse entendimento como julgador para evitar desnecessários recursos especiais, em sede doutrinária continuo</p><p>convicto de que o dano estético é modalidade do dano moral e que tudo se resume a uma questão de arbitramento. Em</p><p>razão da sua gravidade e da intensidade do sofrimento, que perdura no tempo, o dano moral deve ser arbitrado em</p><p>quantia mais expressiva quando a vítima sofre deformidade física”. Favorável, porém, à tese da cumulação das duas</p><p>espécies é a doutrina de Tartuce (2016, p. 441-443).</p><p>79 O Verbete 387 da Súmula da Jurisprudência do STJ afirma: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e</p><p>dano moral”.</p><p>80 Eis o teor do art. 5º, V e X, da Constituição da República: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer</p><p>natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à</p><p>igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao</p><p>agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...]; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra</p><p>e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. [...]”.</p><p>O art. 20 do Código Civil dispõe: “Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da</p><p>ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de</p><p>uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a</p><p>46</p><p>De fato, essa espécie de dano esteve inicialmente ligada à utilização não autorizada da foto</p><p>de alguém, em especial quando tem “fins econômicos ou comerciais”. Nesse sentido foi, inclusive,</p><p>editado Verbete 403 da Súmula da Jurisprudência do STJ.81 Apesar disso, tal entendimento tem</p><p>sido alargado, seja para entender a “imagem” como violação da honra objetiva (ou “boa fama”) da</p><p>pessoa, seja para proteger o nome de alguém contra a sua utilização não autorizada.82</p><p>Recentemente, também se tem dispensado a finalidade lucrativa, bastando a utilização, não</p><p>autorizada, da imagem.83</p><p>boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente,</p><p>são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes”.</p><p>81 O Verbete 403 da Súmula da Jurisprudência do STJ afirma: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não</p><p>autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”. Um dos precedentes desta súmula diz respeito à</p><p>veiculação não autoriza, por órgão de imprensa, da foto que famosa atriz havia feito para um ensaio específico (Recurso</p><p>Especial 270730/RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Menezes Direito, Relator para o acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em</p><p>19/12/2000): “[...] - É possível a concretização do dano moral independentemente da conotação média de moral, posto que a</p><p>honra subjetiva tem termômetro próprio inerente a cada indivíduo. É o decoro, é o sentimento de autoestima, de avaliação</p><p>própria que possuem valoração individual, não se podendo negar esta dor de acordo com sentimentos alheios.</p><p>- Tem o condão de violar o decoro, a exibição de imagem nua em publicação diversa daquela com quem se contratou,</p><p>acarretando alcance também diverso, quando a vontade da pessoa que teve sua imagem exposta era a de exibi-la em ensaio</p><p>fotográfico publicado em revista especializada, destinada a público seleto.</p><p>- A publicação desautorizada de imagem exclusivamente destinada a certa revista, em veículo diverso do pretendido, atinge a</p><p>honorabilidade da pessoa exposta, na medida em que experimenta o vexame de descumprir contrato em que se obrigou à</p><p>exclusividade das fotos.</p><p>- A publicação de imagem sem a exclusividade necessária ou em produto jornalístico que não é próprio para o contexto,</p><p>acarreta a depreciação da imagem e, em razão de tal depreciação, a proprietária da imagem experimenta dor e sofrimento. [...]”.</p><p>82 A confusão entre a imagem e a honra objetiva tem sido utilizada pelo STJ em especial para o caso de danos morais alegados</p><p>por pessoa jurídica. Vejamos, nesse sentido, o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1397460/RJ (Quarta Turma, Rel.</p><p>Min. Raul Araújo, julgado em 10 de novembro de 2015), cuja ementa afirma: “[...] 2. ‘Toda a edificação da teoria acerca da</p><p>possibilidade de pessoa jurídica experimentar dano moral está calçada na violação de sua honra objetiva, consubstanciada em</p><p>atributo externalizado, como uma mácula à sua imagem, admiração, respeito e credibilidade no tráfego comercial. Assim, a</p><p>violação à honra objetiva está intimamente relacionada à publicidade de informações potencialmente lesivas à reputação da</p><p>pessoa jurídica’ (AgRg no AREsp 389.410/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Luis</p><p>Felipe Salomão, DJe de 2/2/2015). Incidência da Súmula</p><p>227/STJ. [...]”.</p><p>A referência à imagem na hipótese de utilização indevida do nome de alguém ocorreu por ocasião do julgamento do Recurso</p><p>Especial 1020936/ES (Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 17 de fevereiro de 2011), quando se afirmou que:</p><p>“[...] 4. O nome é um dos atributos da personalidade, mediante o qual é reconhecido o seu portador, tanto no campo de sua</p><p>esfera íntima quanto nos desdobramentos de suas relações sociais. Ou seja, é através do nome que se personifica, individua e</p><p>identifica exteriormente uma pessoa, de forma a impor-lhe direitos e obrigações.</p><p>5. A inclusão equivocada dos nomes de médicos em "Guia Orientador" de Plano de Saúde, sem expressa autorização, constitui</p><p>dano presumido à imagem, gerador de direito à indenização, inexistindo necessidade de comprovação de qualquer prejuízo.</p><p>Vale dizer, o dano é a própria utilização indevida da imagem com fins lucrativos, sendo dispensável a demonstração do prejuízo</p><p>material ou moral. [...]”.</p><p>83 Vejamos, nesse sentido, o decidido pelo STJ no Recurso Especial 1217422/MG (Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas</p><p>Cueva, julgado em 23 de setembro de 2014) cuja ementa dispõe: “[...]. 3. Para a configuração do dano moral pelo uso não</p><p>autorizado da imagem de menor não é necessária a demonstração de prejuízo, pois o dano se apresenta in re ipsa.</p><p>4. O dever de indenizar decorre do próprio uso não autorizado do personalíssimo direito à imagem, não havendo de se cogitar</p><p>da prova da existência concreta de prejuízo ou dano, nem de se investigar as consequências reais do uso.</p><p>5. Revela-se desinfluente, para fins de reconhecimento da procedência do pleito indenizatório em apreço, o fato de o</p><p>informativo no qual indevidamente estampada a fotografia do menor autor não denotar a existência de finalidade comercial ou</p><p>econômica, mas meramente eleitoral de sua distribuição pelo réu. [...]”.</p><p>47</p><p>Discute-se, igualmente, a compatibilidade do dano extrapatrimonial com a tutela coletiva dos</p><p>direitos. Recordemos que, quando se fala em tutela coletiva, está-se pensando nas três espécies previstas</p><p>pelo art. 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a saber: a) interesses ou</p><p>direitos difusos; b) interesses ou direitos coletivos; c) interesses ou direitos individuais homogêneos.84</p><p>A controvérsia decorre do fato de se ter sempre pensado o dano extrapatrimonial a partir da</p><p>perspectiva do indivíduo, tornando-o incompatível com a ideia da transindividualidade que</p><p>caracteriza as duas primeiras espécies aqui recordadas.85 O entendimento jurisprudencial e</p><p>doutrinário mais recente, porém, é favorável a essa reparação do “dano extrapatrimonial coletivo”,</p><p>o qual tem sido visto como a “ofensa aos valores fundamentais da sociedade”.86 A determinação</p><p>desses “valores”, entretanto, permanece como um ponto pouco claro, não sendo incomum o</p><p>reconhecimento desse dano como decorrência da própria violação da lei.87 Nessa situação,</p><p>contudo, a reparação do dano parece servir a uma finalidade claramente punitiva, o que, como</p><p>vimos, não parece refletir a sua verdadeira essência.</p><p>84 O art. 81 do CDC afirma: “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em</p><p>juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou</p><p>direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares</p><p>pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos</p><p>deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si</p><p>ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os</p><p>decorrentes de origem comum”.</p><p>85 O próprio STJ comungava desse entendimento, como se pode ver no julgamento do Recurso Especial 598281/MG (Primeira</p><p>Turma, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. para o acórdão Min. Teori Zavascki, julgado em 2 de maio de 2006), cuja ementa afirma:</p><p>“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO</p><p>MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE</p><p>TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO).</p><p>RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO”.</p><p>86 Exemplo desse novo entendimento jurisprudencial foi o decidido no Recurso Especial 1438815/RN (Terceira Turma, Rel. Min.</p><p>Nancy Andrighi, julgado em 22 de novembro de 2016), assim ementado: “[...] - O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral</p><p>de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do</p><p>ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade,</p><p>pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa. Precedentes.</p><p>- não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato</p><p>transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir</p><p>verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. [...]”.</p><p>Na doutrina nacional, pode ser vista a seguinte passagem de Schreiber (2013c, p. 461): “Em que pesem todas essas imprecisões</p><p>e dificuldades, a ideia defendida sob a denominação de dano moral coletivo é inteiramente compatível com nossa experiência</p><p>jurídica. Cumpre notar, nesse sentido, que a Constituição brasileira reserva expressa proteção a diversos interesses que</p><p>transcendem a esfera individual. A tutela do meio ambiente, da moralidade administrativa, do patrimônio histórico e cultural</p><p>são apenas alguns exemplos de interesses cuja titularidade não recai sobre um indivíduo, mas sobre uma dada coletividade ou</p><p>sobre a sociedade como um todo. Se a ordem jurídica se dispõe a tutelares tais interesses, é evidente que a sua violação não</p><p>pode restar admitida, sob pena de tornar inútil o comando normativo. Para prevenir ou remediar a lesão a tais interesses, a</p><p>ordem jurídica pode disponibilizar remédios específicos (e.g., mandado de segurança coletivo). Em nosso sistema, o remédio</p><p>residual, aplicável a qualquer caso, mesmo à falta de menção expressa do legislador, é a ação de reparação de danos.</p><p>Tecnicamente, não há razão para excluir tal caminho no tocante aos interesses supraindividuais”.</p><p>87 É o que parece ser possível deduzir do julgamento do Recurso Especial 1397870/MG (Segunda Turma, Rel. Min. Mauro</p><p>Campbell Marques, julgado em 4 de dezembro de 2014), cuja ementa afirma: “[...] 11. A prática de venda casada por parte</p><p>de operadora de telefonia é capaz de romper com os limites da tolerância. No momento em que oferece ao consumidor</p><p>produto com significativas vantagens – no caso, o comércio de linha telefônica com valores mais interessantes do que a</p><p>de seus concorrentes – e de outro, impõe-lhe a obrigação de aquisição de um aparelho telefônico por ela comercializado,</p><p>realiza prática comercial apta a causar sensação de repulsa coletiva a ato intolerável, tanto intolerável que encontra</p><p>proibição expressa em lei. 12. Afastar, da espécie, o dano moral difuso, é fazer tabula rasa da proibição elencada no art.</p><p>39, I, do CDC e, por via reflexa, legitimar práticas comerciais que afrontem os mais basilares direitos do consumidor. [...]”.</p><p>48</p><p>Por fim, também se debate acerca da possibilidade de dano extrapatrimonial fundado na</p><p>violação de um contrato, o chamado “dano moral contratual”. Sabe-se que o art. 475 do Código</p><p>Civil reconhece que o inadimplemento contratual é capaz de gerar “perdas e danos”,</p><p>fundamentando,</p><p>responsabilidade civil extracontratual, por sua vez, não existe prévia relação</p><p>jurídica entre as partes (autor – vítima) até a ocorrência do próprio dano. É a verificação do dano</p><p>que, de fato, acarreta o surgimento da relação jurídica, a qual tem por objeto, como dito, a</p><p>“obrigação de reparar”. Importante destacar que esta espécie de responsabilidade é também</p><p>conhecida como “aquiliana”, que é uma herança do Direito Romano, uma vez que naquele</p><p>direito vigorou uma importante lei conhecida como Lex Aquilia, a qual só tratava de hipóteses em</p><p>que não havia prévia relação jurídica entre as partes.</p><p>9</p><p>Por fim, cabe destacar que esta primeira classificação já foi considerada como a summa</p><p>divisio da responsabilidade civil, isto é, como a mais importante classificação. O próprio Código</p><p>Civil brasileiro parece adotá-la se observarmos que este diploma trata da responsabilidade</p><p>contratual como “Inadimplemento das Obrigações” (Título IV do Livro I da Parte Especial),</p><p>correspondendo aos arts. 389 a 420, regulando a responsabilidade extracontratual, como dito, no</p><p>Título IX do Livro I da Parte Especial, o qual abrange os arts. 927 a 954.</p><p>Temos, em suma, um diploma civil de caráter “dualista”, mas que não considera as duas</p><p>espécies como totalmente independentes, uma vez que alguns temas tratados no Título IV</p><p>também se aplicam ao Título IX, bastando citar, nesse sentido, as espécies compreendidas no</p><p>conceito de “perdas e danos” (arts. 402 a 405). Contudo, essa distinção ainda tem alguma</p><p>repercussão na jurisprudência de nossos tribunais, merecendo destaque o disposto no Verbete 54</p><p>da “Súmula” da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual afirma que “os juros</p><p>moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.</p><p>Tratando-se de responsabilidade contratual, por sua vez, os juros moratórios devem fluir a partir</p><p>da citação (Código Civil, art. 405).1</p><p>De todo modo, hoje, parece possível afirmar que a verdadeira summa divisio da</p><p>responsabilidade civil está na distinção entre responsabilidade subjetiva e responsabilidade</p><p>objetiva. Aquela tem como um dos seus pressupostos a culpa ou o dolo do agente, ao passo que</p><p>esta dispensa este elemento subjetivo.</p><p>Conforme veremos a seguir, a responsabilidade subjetiva era a única espécie admitida até o</p><p>fim do século XIX, quando começaram a surgir as primeiras leis, sobretudo no campo dos</p><p>transportes e dos acidentes de trabalho, reconhecendo o “risco” como fundamento da reparação</p><p>civil. No Brasil, é possível observar essa evolução se considerarmos que o Código Civil de 1916</p><p>não possuía nenhuma hipótese expressa de responsabilidade objetiva, ao passo que o vigente</p><p>diploma traz duas cláusulas gerais sobre o tema: a) uma cláusula geral de responsabilidade</p><p>subjetiva, prevista no art. 186 combinado com o art. 927, caput; e b) uma cláusula geral de</p><p>responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, parágrafo único.2</p><p>Percebemos, assim, que não é mais possível falar em regra e exceção, uma vez que a</p><p>responsabilidade objetiva poderá ser reconhecida sempre que “a atividade normalmente</p><p>desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.</p><p>Assim, a lei atribui ao julgador a possibilidade de entender, no caso concreto sob julgamento,</p><p>que a responsabilidade do autor do dano tem natureza objetiva, uma vez que a sua atividade é</p><p>considerada de risco.</p><p>1 O art. 405 do Código Civil afirma: “Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial”.</p><p>2 O art. 186 dispõe: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e</p><p>causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. O art. 927, por sua vez, afirma: “Art. 927.</p><p>Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá</p><p>obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade</p><p>normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.</p><p>10</p><p>Além disso, somente a responsabilidade subjetiva deveria ser considerada uma</p><p>responsabilidade por ato ilícito, pois o art. 186 apresenta um conceito normativo de ilícito</p><p>incluindo, expressamente, a conduta voluntária (entendida como dolosa), ou a negligência ou a</p><p>imprudência (espécies de culpa). A responsabilidade objetiva, ao contrário, prescinde do ilícito,</p><p>sendo “independentemente de culpa”, nos precisos termos do parágrafo único do art. 927.</p><p>Outra possível classificação da responsabilidade civil é aquela que a divide em</p><p>“responsabilidade por ato próprio”, “responsabilidade por fato de outrem ou por fato de terceiro”</p><p>e “responsabilidade por fato da coisa”. A primeira encontra fundamento nos citados arts. 186 e</p><p>927 do Código Civil, tornando cada pessoa responsável pelos danos que causar a outrem.</p><p>Contudo, em algumas hipóteses, a legislação pode tornar alguém responsável pelos danos</p><p>causados por outra pessoa, fazendo surgir a segunda espécie aqui citada, o que ocorre, por</p><p>exemplo, nas hipóteses do art. 932 do Código Civil, nas quais os “responsáveis legais” respondem</p><p>pelos danos causados “pelos terceiros ali elencados”.3</p><p>Interessante observar que o art. 933 passou a prever que esta responsabilidade tem natureza</p><p>objetiva, afastando-se, assim, a culpa presumida consagrada no Verbete 341 da Súmula da</p><p>Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o qual, embora só se refira ao empregador,</p><p>era aplicado também aos pais, tutores, curadores e donos de hotéis.4 Além disso, há a previsão de</p><p>solidariedade entre o causador direto do dano e o responsável legal (Código Civil, art. 942,</p><p>parágrafo único).5 Contudo, esta solidariedade não se aplica em relação aos incapazes (Código</p><p>Civil, art. 932, I e II), os quais são considerados subsidiariamente responsáveis por força da regra</p><p>específica do art. 928, sendo responsáveis diretos os pais, o tutor ou o curador.6</p><p>3 Eis o teor do art. 932: “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:</p><p>I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;</p><p>II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;</p><p>III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir,</p><p>ou em razão dele;</p><p>IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de</p><p>educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;</p><p>V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia”.</p><p>4 O art. 933 do Código Civil afirma: “Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não</p><p>haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”. A antiga súmula 341 do STF,</p><p>formulada à luz do regramento contido no Código Civil de 1916, dispõe que “é presumida a culpa do patrão ou comitente</p><p>pelo ato culposo do empregado ou preposto”.</p><p>5 Eis o teor do art. 942 do Código Civil: “Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem</p><p>ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente</p><p>pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas</p><p>no art. 932”.</p><p>6 O art. 928 do Código Civil, regra específica para os incapazes, afirma: “Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que</p><p>causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.</p><p>Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o</p><p>incapaz ou as pessoas que dele dependem”.</p><p>11</p><p>Importante observar, ainda, que, por força da solidariedade, é possível ação regressiva do</p><p>assim, a responsabilidade civil contratual.88 Contudo, essas perdas e esses danos</p><p>sempre foram entendidos nos termos dos citados arts. 402 e 403 do mesmo diploma civil, isto é,</p><p>como abrangentes somente do dano patrimonial.89 Por essa razão, a afirmação de um dano</p><p>extrapatrimonial fundado no inadimplemento tem sido visto com reservas, tendo o STJ cunhado</p><p>o entendimento de que “o mero inadimplemento contratual não gera dano moral”.</p><p>Dessa forma, somente a situação que supera o “mero inadimplemento” poderá ensejar a</p><p>reparação desta espécie de dano, tal como se tem observado, por exemplo, nos casos envolvendo</p><p>planos de saúde ou aquisição de imóvel na planta.90 Sobre o tema, pode ser vista a doutrina de</p><p>Cavalieri Filho (2014, p. 112):</p><p>Outra conclusão que se tira desse novo enfoque constitucional é a de que</p><p>mero inadimplemento contratual, mora ou prejuízo econômico não</p><p>configuram, por si sós, dano moral, porque não agridem a dignidade</p><p>humana. Os aborrecimentos deles decorrentes ficam subsumidos pelo</p><p>dano material, salvo se os efeitos do inadimplemento contratual, por sua</p><p>natureza ou gravidade, exorbitarem o aborrecimento normalmente</p><p>decorrente de uma perda patrimonial e também repercutirem na esfera</p><p>da dignidade da vítima, quando, então, configurarão o dano moral.</p><p>Terminamos, assim, o estudo do dano reparável e podemos, agora, passar ao interessantíssimo</p><p>estudo da responsabilidade civil nas relações de consumo.</p><p>88 O art. 475 do Código Civil afirma: “Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se</p><p>não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.</p><p>89 Recordemos o disposto nos arts. 402 e 403 do Código Civil: “Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as</p><p>perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.</p><p>Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os</p><p>lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.</p><p>90 Em relação à demora na entrega de imóvel adquirido na planta, pode ser visto o decidido no Agravo Regimental no</p><p>Agravo de Instrumento 1161069/RJ (Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 16 de fevereiro de 2012),</p><p>cuja ementa afirma: “[...] 3. As instâncias ordinárias chegaram à conclusão de que a ocorrência de dano moral, no caso,</p><p>decorreu do não cumprimento de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, cujo atraso trouxe tensão,</p><p>ansiedade, angústia e desequilíbrio no estado emocional, circunstâncias que extrapolam o mero aborrecimento. A</p><p>valoração pretendida pela recorrente, em relação ao dano moral, é vedada pela Súmula 7/STJ. [...]”.</p><p>Quanto ao dano moral por força da negativa de cobertura, pelo plano de saúde, de uma intervenção contratualmente</p><p>prevista, pode ser recordado o decidido no Agravo Regimental em Recurso Especial 1533684/SP (Quarta Turma, Rel. Min.</p><p>Marco Buzzi, julgado em 16 de fevereiro de 2017), quando se afirmou: “[...] 3. Nos termos em que delineado no acórdão</p><p>recorrido, a hipótese em tela não traduziu mero dissabor pelo inadimplemento contratual, tendo em vista que a recusa</p><p>na negativa de cobertura do procedimento cirúrgico e fornecimento de materiais, causou aborrecimento e sofrimento</p><p>que superam os do cotidiano, passíveis de reparação. [...]”.</p><p>Este módulo será iniciado pelo estudo dos conceitos fundamentais, a saber: consumidor,</p><p>fornecedor, produto e serviço. Em seguida, serão estudados os responsáveis pelo acidente de</p><p>consumo e, logo após, os requisitos para a ocorrência da responsabilidade. Por fim, estudaremos</p><p>as excludentes desta responsabilidade, ou seja, as defesas que o fornecedor poderá alegar.</p><p>Os conceitos fundamentais do CDC</p><p>Inicialmente, deve ser recordado que a proteção do consumidor encontra assento na</p><p>Constituição da República, em especial nos arts. 5º, XXXII, e 170, V91. Além desses, o art. 48 do</p><p>Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) previa um prazo de 120 meses para a</p><p>aprovação de “Código de Defesa do Consumidor”, prazo muito superado, uma vez que, como</p><p>sabido, o referido Código só foi promulgado em 11 de setembro de 1990 (Lei nº 8.078).92</p><p>91 Os arts. 5º, XXXII, e 170, V, da Constituição da República afirmam: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção</p><p>de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à</p><p>vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]; XXXII - o Estado promoverá, na</p><p>forma da lei, a defesa do consumidor [...]”; “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e</p><p>na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os</p><p>seguintes princípios: [...]; V - defesa do consumidor; [...]”.</p><p>92 O art. 48 do ADCT dispõe: “Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição,</p><p>elaborará código de defesa do consumidor”.</p><p>MÓDULO III – RESPONSABILIDADE CIVIL</p><p>NO CDC</p><p>50</p><p>O referido diploma (o popular CDC) teve como primeiro desafio apresentar um conceito</p><p>normativo de consumidor, uma vez que, embora tal palavra tenha sido usada pelo constituinte,</p><p>certo é que, até 1990, não encontrava uma definição precisa. O CDC, porém, não apresenta um</p><p>único conceito de consumidor, e sim quatro conceitos, sendo o primeiro chamado de</p><p>“consumidor padrão” (ou em sentido estrito), e os demais são conhecidos como “consumidores</p><p>por equiparação” ou “consumidores equiparados”.</p><p>O consumidor padrão está previsto no art. 2º, caput, do CDC, sendo “a pessoa física ou</p><p>jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Percebe-se que, do</p><p>ponto de vista subjetivo, não há nenhuma restrição no conceito, pois qualquer “pessoa” pode ser</p><p>consumidora. Essa já é uma peculiaridade do CDC, uma vez que, em muitos países, o conceito de</p><p>consumidor é restrito à pessoa física, ou ao não profissional. Do ponto de vista objetivo, o CDC</p><p>refere-se ao produto ou serviço, conceitos também normativos, que serão estudados a seguir. Por</p><p>fim, pode ser observado um elemento teleológico no conceito de consumidor, justamente a</p><p>referência à destinação final na aquisição do produto ou no recebimento do serviço.</p><p>É justamente essa “destinação final” que desde 1990 tem suscitado debates doutrinários e</p><p>controvérsias jurisprudenciais, em especial quando se trata de enquadrar a pessoa jurídica ou o</p><p>profissional no conceito de consumidor. Na tentativa de explicar esse elemento teleológico,</p><p>surgiram duas importantes vertentes doutrinárias, a saber: os maximalistas e os finalistas.</p><p>Aqueles, pioneiros do Direito do Consumidor, afirmavam que a destinação final inclui somente</p><p>a destinação final fática do produto ou serviço, bastando, portanto, a sua aquisição. Tal concepção</p><p>tinha a grande vantagem de ampliar o alcance do CDC, em especial em uma época em que o direito</p><p>privado ainda estava em grande medida preso ao disposto no velho Código Civil de 1916. Contudo,</p><p>essa visão parecia ampliar demais o conceito de consumidor, não justificando a existência de uma lei</p><p>especial, que, por isso mesmo, só deveria ser aplicada a certas relações jurídicas.</p><p>Por essa razão, surgem os finalistas, os quais defendem que a destinação final inclui tanto</p><p>o elemento fático quanto o econômico. Assim, não basta a aquisição do produto, sendo necessário,</p><p>também, demonstrar que cessou toda a cadeia produtiva, isto é, que aquele produto ou serviço</p><p>não foi utilizado para nenhuma outra finalidade. Foram os finalistas, portanto, que fizeram, pela</p><p>primeira vez, a distinção entre consumo (quando há destinação final fática e econômica) e insumo</p><p>(quando só há destinação final fática). Para esta visão, o CDC, sendo lei especial, deve realmente</p><p>ser</p><p>aplicado a um número restrito de situações, permanecendo o Código Civil (agora o de 2002)</p><p>como a lei aplicável às relações jurídicas privadas em geral.</p><p>Os tribunais seguiam ora uma, ora outra, dessas concepções, tendo o próprio STJ</p><p>permanecido dividido entre uma visão “objetiva” (muito próxima do maximalismo) e uma visão</p><p>“subjetiva” (com vínculos próximos ao finalismo).93 A Segunda Seção deste Tribunal, na tentativa</p><p>de uniformizar o entendimento das turmas, terminou por adotar uma visão mais próxima do</p><p>93 Sobre a evolução do pensamento das Turmas do STJ em relação ao conceito jurídico de consumidor, seja consentido</p><p>remeter a Calixto (2006, p. 315-356).</p><p>51</p><p>finalismo, afirmando, por exemplo, que não há relação de consumo entre um restaurante e</p><p>determinada empresa fornecedora do serviço de cartão de crédito, uma vez que esse serviço tem a</p><p>natureza de insumo para o serviço prestado pelo restaurante. Tal entendimento foi exarado, por</p><p>maioria de votos, no julgamento do Recurso Especial 541867/BA (Segunda Seção, Rel. Min.</p><p>Antônio de Pádua Ribeiro, Rel. para o acórdão Min. Barros Monteiro, julgado em 10 de</p><p>novembro de 2004), que apresenta a seguinte ementa:</p><p>COMPETÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. UTILIZAÇÃO DE</p><p>EQUIPAMENTO E DE SERVIÇOS DE CRÉDITO PRESTADO</p><p>POR EMPRESA ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE</p><p>CRÉDITO. DESTINAÇÃO FINAL INEXISTENTE.</p><p>– A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou</p><p>jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade</p><p>negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma</p><p>atividade de consumo intermediária.</p><p>Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a incompetência</p><p>absoluta da Vara Especializada de Defesa do Consumidor, para decretar a</p><p>nulidade dos atos praticados e, por conseguinte, para determinar a</p><p>remessa do feito a uma das Varas Cíveis da Comarca.</p><p>Pouco depois desse julgado, porém, as Turmas de Direito Privado (Terceira e Quarta) passaram</p><p>a permitir que, “excepcionalmente”, se pudesse aplicar o CDC a casos em que seria discutível a</p><p>existência de destinação final do produto ou serviço. O fundamento invocado para a incidência do</p><p>CDC, nesses casos, passou a ser o reconhecimento da “vulnerabilidade” de uma das partes da relação,</p><p>ou seja, do consumidor. Em outras palavras, ainda que a aquisição do produto ou do serviço possa ter</p><p>uma finalidade aparentemente “profissional”, é possível a aplicação do CDC desde que uma das partes</p><p>venha a ser considerada vulnerável. A partir desse momento em que o foco passa a ser a</p><p>vulnerabilidade, afirma-se a adoção do finalismo “aprofundado” ou “mitigado”, sendo preferível esta</p><p>última expressão, uma vez que se afastam os rigores da “destinação final”. Exemplo da adoção dessa</p><p>nova interpretação do conceito de consumidor-padrão pode ser encontrado no julgamento do</p><p>Recurso Especial 1195642/RJ (Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13 de</p><p>novembro de 2012), que apresenta a seguinte ementa:</p><p>CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA.</p><p>REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO.</p><p>CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE.</p><p>1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a</p><p>determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita</p><p>52</p><p>mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do</p><p>art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário</p><p>fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.</p><p>2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo</p><p>intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as</p><p>cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o</p><p>preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser</p><p>considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele</p><p>que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma</p><p>definitiva do mercado de consumo.</p><p>3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor</p><p>por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma</p><p>aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num</p><p>processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado,</p><p>consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa</p><p>jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à</p><p>condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma</p><p>vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das</p><p>relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do</p><p>CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor.</p><p>4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de</p><p>vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do</p><p>produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento</p><p>jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo)</p><p>e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo</p><p>psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao</p><p>fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade</p><p>informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de</p><p>influenciar no processo decisório de compra).</p><p>5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de</p><p>vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de</p><p>vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo.</p><p>Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de</p><p>vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a</p><p>relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme</p><p>o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei</p><p>nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a</p><p>equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora.</p><p>53</p><p>6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por</p><p>danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas, tornando</p><p>inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade</p><p>de atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de</p><p>telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o</p><p>referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à</p><p>consecução do seu negócio. Também não se verifica nenhuma</p><p>vulnerabilidade apta a equipar a empresa à condição de consumidora</p><p>frente à prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante</p><p>aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, fica</p><p>mantida a condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts.</p><p>186 e 927 do CC/02 e tendo em vista a conclusão das instâncias</p><p>ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito</p><p>apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os</p><p>prejuízos suportados pela revendedora de veículos.</p><p>7. Recurso especial a que se nega provimento.</p><p>Observe-se, contudo, que o próprio CDC apresenta, como dito, três outros conceitos de</p><p>consumidor, os quais têm justamente por característica comum afastar o elemento teleológico</p><p>(destinação final), sendo chamados de “consumidores por equiparação”. O primeiro desses</p><p>conceitos consta do parágrafo único do art. 2º e afirma que “equipara-se a consumidor a</p><p>coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.</p><p>O dispositivo tem por finalidade assegurar que a tutela do consumidor pode (e deve) ser feita</p><p>tanto individual quanto coletivamente.94 Dessa forma, conecta-se com o disposto no art. 81 do</p><p>diploma consumerista, assegurando a tutela dos direitos ou interesses coletivos em sentido amplo.</p><p>Uma situação concreta seria a defesa dos usuários de um serviço de telefonia que lançou mão de</p><p>uma prática abusiva (venda casada) para conquistar novos clientes.95</p><p>94 Recordemos o disposto no art. 81 do CDC: “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e</p><p>das vítimas</p><p>poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.</p><p>Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos,</p><p>para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e</p><p>ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os</p><p>transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a</p><p>parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os</p><p>decorrentes de origem comum”.</p><p>95 Foi o que se observou, por exemplo, no julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 961976/MG</p><p>(Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13 de dezembro de 2016), cuja ementa afirma: “[...] 2. O</p><p>Ministério Público tem legitimidade processual para a propositura de ação civil pública objetivando a defesa de direitos</p><p>individuais homogêneos, mormente se evidenciada a relevância social na sua proteção.</p><p>3. no caso em apreço, a discussão transcende a esfera de interesses individuais dos efetivos contratantes, tendo reflexos</p><p>em uma universalidade de potenciais consumidores que podem ser afetados pela prática apontada como abusiva. [...]”.</p><p>54</p><p>O segundo conceito de consumidor por equiparação consta do art. 17 do CDC e afirma que</p><p>“para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”. A Seção aqui</p><p>tratada é a segunda do Capítulo IV do CDC, dedicada à “responsabilidade pelo fato do produto ou</p><p>do serviço”, cerne da responsabilidade civil consumerista. O referido dispositivo tem por finalidade</p><p>estender a reparação dos danos decorrentes de produtos ou serviços defeituosos também em favor</p><p>daqueles que não adquiriram tais produtos ou serviços, mas se tornam vítimas destes.</p><p>O tema será aprofundado a seguir, mas, por ora, basta observar que o STJ tem precedente</p><p>exigindo que, para a aplicação dessa extensão, é necessária prévia existência de relação de</p><p>consumo, isto é, que alguém venha a ser considerado consumidor no sentido estrito do termo.96</p><p>Por fim, o terceiro conceito de consumidor por equiparação consta do art. 29 do CDC, o qual</p><p>afirma que “para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas</p><p>determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. Observe-se que o dispositivo está limitado</p><p>aos casos tratados nos Capítulos V e VI do CDC, ou seja, “Práticas Comerciais” e “Proteção</p><p>Contratual”. Naquele se destacam os temas das “práticas abusivas”, da “publicidade enganosa” e dos</p><p>“bancos de dados”, ao passo que neste merece ser recordado o tratamento das cláusulas contratuais</p><p>“abusivas” e a previsão do “contrato de adesão” tendo como um dos polos o consumidor.</p><p>O estudo dos conceitos de consumidor, contudo, só se completa com o estudo do conceito</p><p>de fornecedor, uma vez que só é possível falar em “relação jurídica de consumo”, não existindo</p><p>um dos polos quando não se verificar, concomitantemente, a existência do outro. Observe-se,</p><p>nesse sentido, que o conceito de fornecedor adotado pelo CDC foi o mais amplo possível, tal</p><p>como se deduz do art. 3º, que afirma:</p><p>Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional</p><p>ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem</p><p>atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação,</p><p>importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou</p><p>prestação de serviços.</p><p>96 Esse entendimento foi exarado no julgamento do Recurso Especial 1125276/RJ (Terceira Turma, Rel. Min. Nancy</p><p>Andrighi, julgado em 28 de fevereiro de 2012), cuja ementa firma: “[...] 3. O art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor</p><p>por equiparação (bystander), sujeitando à proteção do CDC aqueles que, embora não tenham participado diretamente da</p><p>relação de consumo, sejam vítimas de evento danoso decorrente dessa relação.</p><p>4. Em acidente de trânsito envolvendo fornecedor de serviço de transporte, o terceiro vitimado em decorrência dessa</p><p>relação de consumo deve ser considerado consumidor por equiparação. Excepciona-se essa regra se, no momento do</p><p>acidente, o fornecedor não estiver prestando o serviço, inexistindo, pois, qualquer relação de consumo de onde se possa</p><p>extrair, por equiparação, a condição de consumidor do terceiro. [...]”.</p><p>Observemos, porém, que o próprio comerciante – ordinariamente considerado uma espécie de fornecedor – pode vir a</p><p>ser vítima de um produto, nos termos deste art. 17. Vejamos, nesse sentido, o decidido no Recurso Especial 1288008/MG</p><p>(Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 4 de abril de 2013), cuja ementa afirma: “[...] 1 -</p><p>Comerciante atingido em seu olho esquerdo pelos estilhaços de uma garrafa de cerveja, que estourou em suas mãos</p><p>quando a colocava em um freezer, causando graves lesões.</p><p>2 - Enquadramento do comerciante, que é vítima de um acidente de consumo, no conceito ampliado de consumidor</p><p>estabelecido pela regra do art. 17 do CDC (bystander).</p><p>3 - Reconhecimento do nexo causal entre as lesões sofridas pelo consumidor e o estouro da garrafa de cerveja. [...]”.</p><p>55</p><p>A clara finalidade da lei é realmente abranger o maior número possível de pessoas, físicas ou</p><p>jurídicas, e até mesmo os “entes despersonalizados”, merendo destaque, entre estes, a massa falida.</p><p>Contudo, é necessário reconhecer que os tribunais realizaram uma “redução” no alcance do</p><p>dispositivo, não aceitando, por exemplo, que as pessoas de direito público, que prestam</p><p>diretamente um serviço público, sejam consideradas fornecedoras. Nesta hipótese, tem-se</p><p>considerado que, como a remuneração do serviço se dá mediante o pagamento de uma taxa, a</p><p>relação jurídica tem natureza tributária, não estando abrangida pelo CDC. Porém, caso tenha</p><p>ocorrido a delegação do serviço público, o qual passa a ser prestado por uma pessoa de direito</p><p>privado, sendo remunerado por tarifa ou preço público, possível será a incidência do CDC, sendo</p><p>o usuário do serviço um consumidor.</p><p>Veja-se, nesse sentido, o afirmado no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento</p><p>1402406/RJ (Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 16 de outubro de 2012), cuja</p><p>ementa dispõe:</p><p>PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO</p><p>REGIMENTAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. VIOLAÇÃO DOS</p><p>ARTS. 165, 458, 535 DO CPC. FUNDAMENTAÇÃO.</p><p>DEFICIÊNCIA. SÚMULA 284/STF. CDC. INCIDÊNCIA.</p><p>REGULARIDADE DA COBRANÇA COM BASE NO CONSUMO</p><p>AFERIDO PELO MEDIDOR. VERIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.</p><p>SÚMULA 7/STJ. LEGALIDADE DA TARIFA PROGRESSIVA.</p><p>PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ.</p><p>1. Não se conhece de recurso especial por suposta violação dos arts. 165 e</p><p>458, II, III, e 535, I e II, do Código de Processo Civil, se a parte não</p><p>especifica o vício que inquina o aresto recorrido, limitando-se a alegações</p><p>genéricas de omissão no julgado, sob pena de tornar-se insuficiente a</p><p>tutela jurisdicional. Súmula 284/STF.</p><p>2. O enfrentamento das premissas estabelecidas pelo Tribunal de origem</p><p>sobre a ausência de comprovação da regularidade da cobrança realizada com</p><p>base no consumo apurado pelo hidrômetro, sobre a quem caberia esse ônus</p><p>probatório e o sopesamento da sucumbência recíproca implicaria o reexame</p><p>fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.</p><p>3. Incidem as disposições do Código de Defesa do Consumidor nas</p><p>hipóteses de serviço público prestado por concessionária, pois a relação</p><p>jurídica tem natureza de Direito Privado e o pagamento é</p><p>contraprestação feita sob a modalidade de tarifa, que não se classifica</p><p>como taxa. Precedentes.</p><p>56</p><p>4. A insurgência no que se refere à legalidade da cobrança da tarifa de</p><p>forma progressiva não foi objeto de debate pelo Tribunal de origem, o</p><p>que caracteriza a ausência de prequestionamento. Incidência da</p><p>Súmula 211/STJ.</p><p>5. Agravo</p><p>regimental não provido.</p><p>Os parágrafos primeiro e segundo deste art. 3º definem, respectivamente, produto e serviço.</p><p>O primeiro vem definido como “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. Trata-</p><p>se, portanto, também de um conceito amplo, capaz de abranger praticamente toda espécie de</p><p>bem, entendido como “tudo aquilo que pode ser objeto de relação jurídica”97. Importante destacar</p><p>que não se exige que a aquisição do produto tenha sido remunerada, incluindo-se, portanto, neste</p><p>conceito, também as “amostras grátis”.98</p><p>O parágrafo segundo do art. 3º conceitua serviço da seguinte forma: “Serviço é qualquer</p><p>atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza</p><p>bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter</p><p>trabalhista”. Aqui, igualmente, verifica-se um conceito bastante amplo, somente estando</p><p>expressamente excluídas as relações de “caráter trabalhista”. Nada obstante o caráter didático da</p><p>definição, certo é que se questionou a aplicação do CDC às relações bancárias, sendo o principal</p><p>argumento o fato de a Constituição (art. 192) aparentemente exigir lei complementar para a</p><p>regulação da matéria. O STJ, porém, sempre entendeu que o CDC é sim aplicável a estas</p><p>relações, tendo confirmado esta visão com a edição do verbete 297 da sua Súmula de</p><p>jurisprudência dominante99. O tema foi igualmente debatido no STF por força da Ação Direta de</p><p>Inconstitucionalidade (ADI) nº 2.591 ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema</p><p>Financeiro (Consif), tendo referido tribunal afirmado que somente a regulamentação do Sistema</p><p>Financeiro exige a edição de lei complementar, podendo o CDC, na qualidade de lei ordinária,</p><p>regular a relação cotidiana entre as instituições financeiras e os seus clientes. Eis a ementa deste</p><p>julgado paradigmático (Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, Rel. para o acórdão Min. Eros</p><p>Grau, julgado em 07/06/2006):</p><p>97 Sobre o tema dos Bens, seja consentido remeter a Calixto (2007, p. 153-180).</p><p>98 Também se inclui no conceito de produto o “sangue”, o qual não admite qualquer forma de comercialização</p><p>(Constituição da República, art. 199, § 4º): Recurso Especial 1322387/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão,</p><p>julgado em 20 de agosto de 2013.</p><p>99 O Verbete 297 da Súmula da Jurisprudência do STJ afirma: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às</p><p>instituições financeiras”.</p><p>57</p><p>CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5º, XXXII, DA</p><p>CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.</p><p>SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO</p><p>CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A</p><p>DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A</p><p>REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA</p><p>EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA</p><p>ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE</p><p>JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL.</p><p>SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL.</p><p>1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência</p><p>das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor.</p><p>2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é</p><p>toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final,</p><p>atividade bancária, financeira e de crédito.</p><p>3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do</p><p>Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição,</p><p>o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração</p><p>das operações passivas praticadas por instituições financeiras na</p><p>exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam</p><p>excluídas da sua abrangência.</p><p>4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva</p><p>macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro.</p><p>5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de</p><p>fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual</p><p>das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de</p><p>dinheiro na economia.</p><p>6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete</p><p>às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a</p><p>definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações</p><p>passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da</p><p>intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo</p><p>Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário,</p><p>nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual</p><p>abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição</p><p>contratual da taxa de juros. ART. 192, DA CB/88. NORMA-</p><p>OBJETIVO. EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR</p><p>EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO</p><p>SISTEMA FINANCEIRO.</p><p>58</p><p>7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil</p><p>consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos</p><p>pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento</p><p>equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade.</p><p>8. A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição</p><p>abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema</p><p>financeiro. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. ART. 4º, VIII,</p><p>DA LEI N. 4.595/64. CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À</p><p>CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS</p><p>INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ILEGALIDADE DE</p><p>RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA.</p><p>9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa – a</p><p>chamada capacidade normativa de conjuntura – no exercício da qual lhe</p><p>incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento</p><p>das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no</p><p>plano do sistema financeiro.</p><p>10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de</p><p>regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional.</p><p>11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional,</p><p>quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é</p><p>abusiva, consubstanciando afronta à legalidade.</p><p>Por fim, deve ser observado que o dispositivo só reconhece como serviço a atividade</p><p>remunerada. Contudo, essa remuneração tem sido entendida como direta ou indireta, isto é,</p><p>independentemente de um pagamento específico, tal como se verifica, por exemplo, na hipótese</p><p>de um shopping ou supermercado que não cobre nenhum valor pelo estacionamento dos veículos</p><p>dos clientes.100</p><p>Fixados os conceitos fundamentais do CDC, podemos passar ao estudo dos requisitos para</p><p>a reparação civil.</p><p>100 Vejamos, nesse sentido, o afirmado pelo STJ no julgamento do Recurso Especial 437649/SP (Quarta Turma, Rel. Min.</p><p>Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 6 de fevereiro de 2003), assim ementado: “[...]. I - Nos termos do enunciado n.</p><p>130/STJ, ‘a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu</p><p>estacionamento’.</p><p>II - A jurisprudência deste Tribunal não faz distinção entre o consumidor que efetua compra e aquele que apenas vai ao</p><p>local sem nada dispender. Em ambos os casos, entende-se pelo cabimento da indenização em decorrência do furto de</p><p>veículo.</p><p>III - A responsabilidade pela indenização não decorre de contrato de depósito, mas da obrigação de zelar pela guarda e</p><p>segurança dos veículos estacionados no local, presumivelmente seguro. [...]”.</p><p>Na doutrina, pode ainda ser recordado o pensamento de Tartuce e Neves (2015, p. 100).</p><p>59</p><p>Os requisitos para a responsabilidade civil no CDC</p><p>Antes de iniciar, propriamente, o estudo da responsabilidade civil no CDC, é necessário um</p><p>breve esclarecimento. O diploma consumerista adotou a “Teoria da Qualidade” ao tratar dos</p><p>possíveis vícios dos produtos ou serviços. Segundo essa teoria, os vícios podem ser de três espécies:</p><p>a) vícios de qualidade por insegurança; b) vícios de qualidade por inadequação; e c) vícios de</p><p>quantidade.101 Os vícios de qualidade por insegurança são aqueles que atentam contra a saúde ou a</p><p>segurança do consumidor, sendo exemplos os smartphones que pegam</p><p>fogo e os automóveis que</p><p>explodem. Tais vícios são gravíssimos, sendo tratados na seção relativa à “responsabilidade pelo</p><p>fato do produto ou serviço” (arts. 12 a 17), à qual se aplica o disposto no art. 27 do CDC, que</p><p>prevê um prazo de cinco anos para a prescrição da reparação civil, superior, portanto, ao prazo</p><p>previsto para a reparação no diploma civil (art. 206, § 3º, V).102</p><p>Os chamados vícios de qualidade por inadequação, por sua vez, são aqueles que</p><p>tornam o produto ou serviço incapazes de atingir a sua finalidade ou que reduzem o valor</p><p>destes. São, portanto, vícios menos graves, sendo tratados na Seção III do Capítulo IV,</p><p>intitulada “responsabilidade pelo vício do produto ou serviço” (arts. 18 a 25). A essa seção é</p><p>aplicável o prazo decadencial de 30 ou 90 dias para a reclamação do vício, tudo nos termos</p><p>do art. 26 do CDC.103</p><p>Por fim, são conhecidos os vícios de quantidade, os quais vêm previstos no art. 19 do CDC,</p><p>somente aplicável aos produtos, não havendo previsão para vício de quantidade no serviço. Este</p><p>vício, em suma, caracteriza-se pela disparidade entre a quantidade informada no rótulo ou</p><p>embalagem e a quantidade efetiva do produto, tal como se observa no caso de um pão vendido</p><p>como tendo 50 gramas, mas, em verdade, só possui 40 gramas.104</p><p>101 Sobre o tema, deve ser vista a doutrina de Benjamin (1991, p. 38-43).</p><p>102 O art. 27 do CDC afirma: “Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do</p><p>produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do</p><p>dano e de sua autoria”.</p><p>O art. 206, § 3º, V, do Código Civil, por sua vez, dispõe: “Art. 206. Prescreve: [...]; § 3o Em três anos: [...]; V - a pretensão de</p><p>reparação civil”.</p><p>103 O art. 26 do CDC dispõe: “Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I -</p><p>trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; II - noventa dias, tratando-se de</p><p>fornecimento de serviço e de produtos duráveis”.</p><p>104 O art. 19 do CDC afirma: “Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto</p><p>sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações</p><p>constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir,</p><p>alternativamente e à sua escolha: I - o abatimento proporcional do preço; II - complementação do peso ou medida; III - a</p><p>substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios; IV - a restituição</p><p>imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos”.</p><p>60</p><p>Nosso estudo, porém, limita-se aos vícios de qualidade por insegurança, os quais são</p><p>sinônimos do defeito normativamente previsto no art. 12, § 1º, para o “fato do produto”, e no art.</p><p>14, § 1º, para o “fato do serviço”.105 Assim, a “responsabilidade pelo fato do produto e do serviço”</p><p>(arts. 12 a 17) pode ser entendida como uma responsabilidade pelos produtos e pelos serviços</p><p>defeituosos, sendo também chamada de “responsabilidade pelos acidentes de consumo”. Tal</p><p>responsabilidade, porém, não deve ser entendida como uma responsabilidade pelo “risco da</p><p>atividade” ou pelo “risco do empreendimento”, uma vez que apresenta um pressuposto específico</p><p>– o defeito – não decorrendo da simples atividade. Por essa razão, a ausência de defeito no produto</p><p>ou no serviço, como veremos em breve, será capaz de afastar a própria responsabilidade.106</p><p>É oportuno recordar, por fim, que o conceito de defeito não é originalmente brasileiro,</p><p>tendo sido “importado” da Diretiva nº 85/374/CEE, a qual trata da “responsabilidade pelos</p><p>produtos defeituosos” no âmbito da Comunidade Econômica Europeia.107 Tal Diretiva</p><p>comunitária, que só trata de “produtos”, foi, sem dúvida, a grande fonte de inspiração do</p><p>legislador brasileiro, embora não tenha sido integralmente repetida por nossa legislação. Não foi</p><p>repetido, por exemplo, o art. 4º da norma comunitária, o qual impõe “ao lesado a prova do dano,</p><p>do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano”. Isso explica por que o estudo das “espécies</p><p>de defeito” é um tema muito comum entre os autores europeus, sendo pouco aprofundado no</p><p>Brasil, embora os autores nacionais costumem apontar como espécies de defeito, no caso de</p><p>produtos, os de “concepção”, “fabricação” e “informação” e, no caso de serviços, os de “prestação” e</p><p>de “informação”.108</p><p>Além do defeito, são também indispensáveis para a responsabilidade civil no CDC o dano e</p><p>o nexo causal entre o defeito do produto ou do serviço e o dano. Quanto a este elemento, não é</p><p>necessário nenhum novo esclarecimento além de tudo o que já foi dito anteriormente (Módulo</p><p>2), bastando recordar que, também aqui, estamos tratando do dano patrimonial e do dano</p><p>extrapatrimonial. A única observação a fazer, tratando-se de relação de consumo, é que não se tem</p><p>105 O art. 12, § 1º, do CDC afirma: “Art. 12. [...] § 1º O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele</p><p>legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II</p><p>- o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação”. O art. 14, § 1º,</p><p>por sua vez, dispõe: “Art. 14. [...] § 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele</p><p>pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II</p><p>- o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido”.</p><p>106 Não é possível, assim, concordar com Cavalieri Filho (2014, p. 544), quando afirma: “Na realidade, o Código do</p><p>Consumidor deu uma guinada de 180 graus na disciplina jurídica então existente, na medida em que transferiu os riscos</p><p>do consumo do consumidor para o fornecedor. Estabeleceu responsabilidade objetiva para todos os casos de acidente</p><p>de consumo, quer decorrentes do fato do produto (art. 12), quer do fato do serviço (art. 14). Pode-se, então, dizer que o</p><p>Código esposou a teoria do risco do empreendimento (ou da atividade empresarial), que se contrapõe à teoria do risco do</p><p>consumo” (original grifado).</p><p>107 O art. 6º da Diretiva nº 85/374/CEE afirma: “1. Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança que se pode</p><p>legitimamente esperar, tendo em conta todas as circunstâncias, tais como: a) A apresentação do produto; b) A utilização</p><p>do produto que se pode razoavelmente esperar; c) O momento de entrada em circulação do produto”.</p><p>108 Para um estudo das diversas espécies de defeitos, recomendamos a leitura de Benjamin (1991, p. 61-65).</p><p>Na doutrina europeia, é válida a referência à magnífica obra de Silva (1990).</p><p>61</p><p>admitido a referência ao disposto no art. 944, parágrafo único, do Código Civil, como forma de</p><p>reduzir a reparação devida ao consumidor. Vige, assim, a regra da reparação integral do dano</p><p>sofrido pelo consumidor, o que, de resto, parece ser uma consequência do disposto no art. 6º, VI,</p><p>do próprio CDC.109</p><p>Na relação de consumo, não há nenhuma peculiaridade quanto ao tema do nexo de</p><p>causalidade, sendo suficiente remeter o leitor ao que já foi esclarecido acerca deste no item 1.4 do</p><p>Módulo 1. Inclusive as excludentes do nexo causal poderão ser invocadas, como veremos em</p><p>breve (item 3.4 deste Módulo).</p><p>Quanto à culpa, é necessário esclarecer que a responsabilidade civil no CDC é, em regra,</p><p>objetiva, dispensando esse requisito. Nesse sentido, basta a leitura do disposto no art. 12, caput e</p><p>no art. 14, caput, do diploma consumerista. Contudo, não se pode generalizar essa conclusão,</p><p>uma vez que o § 4º do art. 14 é muito claro ao afirmar que “a responsabilidade pessoal dos</p><p>profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.</p><p>Percebemos, assim, que a lei ressalvou expressamente a responsabilidade</p><p>dos “profissionais</p><p>liberais”, mantendo-a no âmbito da responsabilidade subjetiva. A razão parece ter sido econômica,</p><p>havendo o temor de que uma responsabilidade objetiva pudesse servir de desestímulo para o</p><p>exercício de alguma atividade pelos chamados “profissionais liberais”. É necessário, de todo modo,</p><p>não confundir o “profissional liberal” com o chamado “autônomo”, podendo ser dito que aquele</p><p>exerce uma atividade que exige um conhecimento qualificado, em geral de nível superior, o que</p><p>não se verifica no caso de autônomo. Foi essa, ao menos, a distinção estabelecida pelo STJ no</p><p>julgamento do Recurso Especial 1546114/ES (Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Vieira</p><p>Sanseverino, julgado em 17 de novembro de 2015), cuja ementa afirma:</p><p>RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.</p><p>PRESCRIÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA DE SERVIÇOS.</p><p>MECÂNICO DE AUTOMÓVEL. NÃO ENQUADRAMENTO</p><p>COMO PROFISSIONAL LIBERAL, MAS COMO AUTÔNOMO.</p><p>LEGITIMIDADE PASSIVA DO CONTRATANTE DO SERVIÇO.</p><p>INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. SÚMULAS</p><p>07 E 211/STJ.</p><p>1 - Ação de cobrança de serviços de mecânica de automóvel prestados em</p><p>junho de 2003, sendo a demanda proposta em fevereiro de 2010.</p><p>109 Trata-se de um “direito básico” do consumidor: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...]; VI - a efetiva</p><p>prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.</p><p>A defesa da não incidência do art. 944, parágrafo único, do Código Civil aos danos causados no âmbito de uma relação de</p><p>consumo pode ser vista em Sanseverino (2011, p. 126).</p><p>62</p><p>2 - A prescrição da pretensão de cobrança de serviço de conserto de veículo</p><p>por mecânico autônomo, por não se enquadrar na categoria de profissional</p><p>liberal, atrai a incidência da regra geral do art. 205 do CC (dez anos).</p><p>3 - A regra especial do inciso II do parágrafo 5º do artigo 206 do CC</p><p>(cinco anos) tem interpretação restritiva, regulando apenas prazo de</p><p>prescrição dos serviços prestados por profissionais liberais.</p><p>4 - Considera-se profissional liberal aquela pessoa que exerce atividade</p><p>especializada de prestação de serviço de natureza predominantemente</p><p>intelectual e técnica.</p><p>5 - Afastada pelo Tribunal de origem a condição de profissional liberal</p><p>do prestador de serviços como mecânico autônomo, incide a regra geral</p><p>da prescrição decenal (art. 205 do CC).</p><p>6 - Legitimidade passiva do diretor de empresa que contrata diretamente</p><p>os serviços de conserto de veículo de propriedade da pessoa jurídica, em</p><p>especial, no caso concreto, em que se trata de mecânico autônomo.</p><p>Súmulas 211 e 07/STJ.</p><p>7 - Inocorrência de cerceamento de defesa. Sendo o juízo o destinatário</p><p>da prova (art. 130 e 131 do CPC), deve ele avaliar a sua necessidade,</p><p>considerando, inclusive, ter sido apresentada intempestivamente a</p><p>contestação.</p><p>8 - Incontroversos a realização do contrato verbal de prestação de serviço</p><p>e o inadimplemento da obrigação de pagamento do preço, desnecessária</p><p>dilação probatória para o desfecho da lide. Súmula 07/STJ.</p><p>9 - RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.</p><p>A referência ao profissional liberal torna oportuno o estudo dos demais responsáveis pela</p><p>reparação civil no CDC.</p><p>63</p><p>Os responsáveis pela reparação civil no CDC</p><p>Quanto aos responsáveis pela reparação civil, é interessante observar que, em relação ao fato</p><p>do produto, o CDC não repete o conceito de fornecedor do art. 3º, destacando, ao contrário, “o</p><p>fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador”. Percebemos,</p><p>assim, que foi expressamente excluído o comerciante, o qual tem a sua responsabilidade prevista</p><p>especificamente no art. 13.110 Essa escolha legislativa não é arbitrária e decorre do fato de o</p><p>comerciante ser considerado “mero entreposto” para permitir que o produto chegue,</p><p>efetivamente, ao consumidor. Em outras palavras, o comerciante também é surpreendido pela</p><p>existência de um defeito no produto, uma vez que o recebe lacrado ou embalado, sem</p><p>possibilidade de alterar o seu conteúdo.</p><p>Por essa razão, a responsabilidade recai, normalmente, sobre o fabricante, entendido como</p><p>aquele que transforma a matéria-prima em produto final. Tratando-se, porém, de produto imóvel,</p><p>será chamado a responder o construtor, nacional ou estrangeiro. O art. 12 prevê, ainda, a</p><p>responsabilidade do “produtor”, entendido como aquele que lança no mercado produtos</p><p>agropecuários. Por fim, também é prevista a responsabilidade do importador, que é aquele que</p><p>traz para o Brasil produtos fabricados no exterior. Assim, o importador aproxima-se enormemente</p><p>da figura do comerciante, só estando previsto como responsável “direto” a fim de evitar que o</p><p>consumidor brasileiro tenha de demandar o fabricante sediado no exterior.111</p><p>Além desses responsáveis “diretos” do art. 12, o art. 13 prevê, como dito, a responsabilidade</p><p>subsidiária do comerciante. Convém lembrar, porém, que, embora esta seja a expressão</p><p>consagrada, não se quer com isso afirmar que o comerciante poderá ser responsabilizado caso os</p><p>responsáveis estudados até aqui não disponham de bens suficientes. Ao contrário, o que se quer</p><p>afirmar é que o comerciante só poderá ser responsabilizado nas três hipóteses do art. 13, a saber,</p><p>quando: “I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser</p><p>identificados; II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor,</p><p>construtor ou importador; III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis”.112</p><p>110 O art. 13 do CDC afirma: “Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I- o</p><p>fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II - o produto for fornecido sem</p><p>identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III - não conservar adequadamente os</p><p>produtos perecíveis”.</p><p>111 O art. 12 do CDC dispõe: “Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador</p><p>respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos</p><p>decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de</p><p>seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”.</p><p>Benjamin (1991, p. 56) apresenta três modalidades de responsáveis: “o real (o fabricante, construtor e produtor), o</p><p>presumido (o importador) e o aparente (o comerciante quando deixa de identificar o responsável real)”.</p><p>112 O art. 13 do CDC afirma: “Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I - o</p><p>fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II - o produto for fornecido sem</p><p>identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III - não conservar adequadamente os</p><p>produtos perecíveis”.</p><p>64</p><p>Observemos que os dois primeiros incisos tratam do chamado “produto anônimo”, isto é,</p><p>aquele que não apresenta nenhuma identificação do seu fabricante, construtor, produtor ou</p><p>importador (inciso I) ou aquele em que essa identificação não é clara, servindo de exemplo o</p><p>produto que só informa o nome do supermercado e do fabricante, mas não dá maiores detalhes</p><p>deste, como endereço físico ou Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).</p><p>A terceira hipótese do art. 13 trata da má conservação de produtos perecíveis, conceito que</p><p>não deve ser confundido com o de produto não durável previsto no art. 26.113 De fato, produto</p><p>perecível deve ser entendido como aquele que exige um cuidado especial de conservação, tais</p><p>como os produtos congelados, ao passo que produto não durável é aquele de vida efêmera, tal</p><p>como um alimento já preparado.</p><p>Mais importante, porém, é destacar que, nos casos do art. 13, o comerciante poderá vir a</p><p>ser responsabilizado solidariamente com o fabricante, sendo aplicável o disposto no art. 7º,</p><p>parágrafo único, e também o disposto no art.</p><p>25, § 1º.114 Assim, se, no momento da propositura</p><p>da ação de reparação, não havia nenhuma identificação do fabricante, o comerciante demandado</p><p>não pode se eximir dessa responsabilidade informando quem é o verdadeiro fabricante do</p><p>produto. Ao contrário, poderá ser o comerciante responsabilizado, embora lhe sendo reconhecida</p><p>uma ação de regresso em face do fabricante com fundamento no art. 13, parágrafo único.115</p><p>Tal ação regressiva, aliás, é uma consequência da solidariedade, não sendo privativa do</p><p>comerciante em face dos demais responsáveis.116 Além disso, é necessário observar que esse</p><p>regresso não admite “denunciação da lide” por expressa vedação constante do art. 88, norma que</p><p>tem como finalidade assegurar a “celeridade processual” da ação movida pelo consumidor em face</p><p>de algum dos responsáveis solidários.117</p><p>113 Recordemos o disposto no art. 26 do CDC: “Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação</p><p>caduca em: I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; II - noventa dias, tratando-</p><p>se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis”.</p><p>114 O art. 7º, parágrafo único, do CDC afirma: “Art. 7º. [...]. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos</p><p>responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”.</p><p>O art. 25, § 1º, por sua vez, dispõe: “Art. 25. [...]. § 1º Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos</p><p>responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores”.</p><p>115 Recordemos o disposto no art. 13, parágrafo único, do CDC: “Art. 13. [...]. Parágrafo único. Aquele que efetivar o</p><p>pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua</p><p>participação na causação do evento danoso”.</p><p>116 É o que esclarece, em perfeita síntese, Benjamin (1991, p. 76): “O direito de regresso é uma consequência natural da</p><p>solidariedade legal estabelecida pelo Código. Sua localização é que foi infeliz. O legislador, desatento, o inseriu no bojo do</p><p>dispositivo que trata da responsabilidade subsidiária do comerciante. Ora, em uma leitura apressada, isso levaria ao</p><p>entendimento de que sua utilização valeria somente para os casos de solidariedade entre o comerciante e o fabricante,</p><p>produtor, construtor ou importador. E quando fosse o caso de solidariedade entre fornecedores de serviços (art. 14)?</p><p>Não é bem assim que o direito de regresso deve ser entendido. A regra do art. 13, parágrafo único, aplica-se por igual a</p><p>qualquer caso de solidariedade. É que o direito de regresso serve exatamente para, sem dificultar a compensação do</p><p>consumidor, impedir que um dos codevedores legais venha a pagar por algo que vá além de sua contribuição na</p><p>causação do dano. Por isso mesmo, foi ela repetida, para afastar qualquer dúvida, no art. 25, § 1º” (original grifado).</p><p>117 O art. 88 do CDC dispõe: “Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser</p><p>ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação</p><p>da lide”.</p><p>65</p><p>Essa vedação do art. 88, aliás, aplica-se também para a hipótese de fato do serviço previsto no</p><p>art. 14. Isso significa, por exemplo, que não poderá um hospital demandado pelo consumidor</p><p>denunciar a lide em face do médico, o seu preposto, tema que será explorado um pouco mais</p><p>frente (Módulo 4, item 4.2).118</p><p>Por falar em fato do serviço, é oportuno destacar que, quanto ao tema, o CDC não apresenta</p><p>qualquer restrição do ponto de vista subjetivo, entendendo-se como fornecedor aquele previsto no art.</p><p>3º do diploma consumerista. Contudo, como dito acima, há uma restrição do ponto de vista da</p><p>natureza da responsabilidade civil, uma vez que o profissional liberal tem uma responsabilidade de</p><p>natureza subjetiva, ao passo que os demais fornecedores têm uma responsabilidade de cunho objetivo,</p><p>embora sempre fundamentada no defeito, e não na simples prestação do serviço.</p><p>Falando em defeito, é o momento de passar ao último ponto deste Módulo com o estudo das</p><p>excludentes da responsabilidade civil no CDC.</p><p>As excludentes da responsabilidade civil no CDC</p><p>A primeira observação a fazer é que, embora o CDC tenha consagrado uma responsabilidade do</p><p>fornecedor, em regra, objetiva, não se lhe aplica o estudado “risco integral” (item 1.3), sendo</p><p>reconhecidas excludentes expressas que buscam temperar os riscos assumidos pelo fornecedor.</p><p>Comecemos pelo fato do produto.</p><p>O art. 12, § 3º, dispõe que: “§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não</p><p>será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora</p><p>haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de</p><p>terceiro”. A primeira defesa, portanto, está fundamentada na “não introdução do produto no</p><p>mercado”, o que permite concluir que o fornecedor só poderá ser responsabilizado se tiver,</p><p>voluntariamente, introduzido o produto no mercado. Essa excludente visa a proteger o fabricante em</p><p>face dos produtos “pirateados” ou adulterados, podendo, de todo modo, ser discutido o momento a</p><p>partir do qual o produto pode ser considerado como tendo sido “introduzido no mercado”.</p><p>118 O STJ, porém, demorou a consolidar este entendimento, o qual encontra exemplo no julgamento do Recurso Especial</p><p>801691/SP (Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 6 de dezembro de 2011), que apresenta a</p><p>seguinte ementa: “[...] 1. A responsabilidade do hospital é objetiva quanto à atividade do profissional plantonista,</p><p>havendo relação de preposição entre o médico plantonista e o hospital. Precedentes.</p><p>2. O resultado da demanda indenizatória envolvendo o paciente e o hospital nada influenciará na ação de regresso</p><p>eventualmente ajuizada pelo hospital contra o médico, porque naquela não se discute a culpa do profissional.</p><p>3. Qualquer ampliação da controvérsia que signifique produção de provas desnecessárias à lide principal vai de encontro</p><p>ao princípio da celeridade e da economia processual. Especialmente em casos que envolvam direito do consumidor,</p><p>admitir a produção de provas que não interessam ao hipossuficiente resultaria em um ônus que não pode ser suportado</p><p>por ele. Essa é a ratio do Código de Defesa do Consumidor quando proíbe, no art. 88, a denunciação à lide.</p><p>4. A culpa do médico plantonista não interessa ao paciente (consumidor) porque o hospital tem responsabilidade</p><p>objetiva pelos danos causados por seu preposto; por isso, é inviável que no mesmo processo se produzam provas</p><p>para averiguar a responsabilidade subjetiva do médico, o que deve ser feito em eventual ação de regresso proposta</p><p>pelo hospital.</p><p>5. A conduta do médico só interessa ao hospital, porquanto ressalvado seu direito de regresso contra o profissional que</p><p>age com culpa. De tal maneira, a delonga do processo para que se produzam as provas relativas à conduta do</p><p>profissional não pode ser suportada pelo paciente.</p><p>6. Recurso especial conhecido e não provido”.</p><p>66</p><p>Esse momento parece coincidir com aquele da entrega ao transportador ou ao comerciante que</p><p>realizará a posterior venda do produto. Da mesma forma, também não se mostra razoável apresentar</p><p>defesa fundada no argumento de que a máquina que fabricou o produto estava em fase de “testes”,</p><p>uma vez que estes foram realizados por expressa decisão do fornecedor, que não teve o cuidado de</p><p>impedir a chegada do produto ao mercado consumidor.119</p><p>A segunda defesa admitida pelo citado § 3º é a inexistência de defeito no produto. Tal</p><p>excludente confirma, em primeiro lugar, que o defeito é um pressuposto inarredável da</p><p>responsabilidade civil prevista pelo diploma consumerista. Em segundo lugar, permite a conclusão</p><p>de que, se o produto, embora, corretamente utilizado, vem a causar danos ao consumidor, ele será</p><p>presumidamente considerado defeituoso. Em suma, o ônus de provar a existência do defeito não</p><p>é</p><p>do consumidor, sendo do fornecedor, ao contrário, o ônus de provar que o produto não violou a</p><p>“expectativa de segurança da sociedade de consumo”.120</p><p>119 Foi o que corretamente entendeu o STJ no conhecido episódio das “pílulas de farinha”, uma vez que o fornecedor alegava</p><p>que os anticoncepcionais sem o princípio ativo foram fabricados por uma única máquina que estava em fase de testes.</p><p>Vejamos, entre outras, a decisão proferida no Recurso Especial 1120746/SC (Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado</p><p>em 17 de fevereiro de 2011), com a seguinte ementa: “[...] 1. Acontecimento que se notabilizou como o 'caso das pílulas de</p><p>farinha': cartelas de comprimidos sem princípio ativo, utilizadas para teste de maquinário, que acabaram atingindo</p><p>consumidoras e não impediram a gravidez indesejada.</p><p>2. A alegação de que, até hoje, não foi possível verificar exatamente de que forma as pílulas-teste chegaram às mãos das</p><p>consumidoras não é suficiente para afastar o dever de indenizar do laboratório. O panorama fático evidencia que essa</p><p>demonstração talvez seja mesmo impossível, porque eram tantos e tão graves os erros e descuidos na linha de produção e</p><p>descarte de medicamentos, que não seria hipótese infundada afirmar-se que os placebos atingiram as consumidoras de</p><p>diversas formas ao mesmo tempo.</p><p>3. Além de outros elementos importantes de convicção, dos autos consta prova de que a consumidora fazia uso do</p><p>anticoncepcional, muito embora não se tenha juntado uma das cartelas de produto defeituoso. Defende-se a recorrente</p><p>alegando que, nessa hipótese, ao julgar procedente o pedido indenizatório, o Tribunal responsabilizou o produtor como</p><p>se este só pudesse afastar sua responsabilidade provando, inclusive, que a consumidora não fez uso do produto</p><p>defeituoso, o que é impossível.</p><p>4. Contudo, está presente uma dupla impossibilidade probatória: à autora também era impossível demonstrar que</p><p>comprara especificamente uma cartela defeituosa, e não por negligência como alega a recorrente, mas apenas por ser</p><p>dela inexigível outra conduta dentro dos padrões médios de cultura do país.</p><p>5. Assim colocada a questão, não se trata de atribuir equivocadamente o ônus da prova a uma das partes, mas sim de</p><p>interpretar as normas processuais em consonância com os princípios de direito material aplicáveis à espécie. O</p><p>acórdão partiu das provas existentes para concluir em um certo sentido, privilegiando, com isso, o princípio da</p><p>proteção ao consumidor.</p><p>6. A conclusão quanto à presença dos requisitos indispensáveis à caracterização do dever de indenizar não exige a</p><p>inversão do ônus da prova. Decorre apenas da contraposição dos dados existentes nos autos, especificamente sob a</p><p>ótica da proteção ao consumidor e levando em consideração, sobretudo, a existência de elementos cuja prova se mostra</p><p>impossível - ou ao menos inexigível - para ambas as partes.</p><p>7. Recurso especial a que se nega provimento”.</p><p>120 Sobre a presunção relativa de defeito no produto, impondo ao fornecedor o ônus de provar a sua inexistência, pode</p><p>ser visto o decidido no Recurso Especial 1306167/RS (Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 3 de</p><p>dezembro de 2013), com a seguinte ementa: “[...] 1. A Resolução n. 311, de 3 de abril de 2009, do Conselho Nacional de</p><p>Trânsito – Contran, dispõe que o air bag é "equipamento suplementar de retenção que objetiva amenizar o contato de</p><p>uma ou mais partes do corpo do ocupante com o interior do veículo, composto por um conjunto de sensores colocados</p><p>em lugares estratégicos da estrutura do veículo, central de controle eletrônica, dispositivo gerador de gás propulsor para</p><p>inflar a bolsa de tecido resistente" (art. 2º).</p><p>2. A responsabilidade objetiva do fornecedor surge da violação de seu dever de não inserção de produto defeituoso no</p><p>mercado de consumo, haja vista que, existindo alguma falha quanto à segurança ou à adequação do produto em relação</p><p>aos fins a que se destina, haverá responsabilização pelos danos que o produto vier a causar.</p><p>67</p><p>Surge, aqui, uma imensa controvérsia doutrinária, seja no Brasil, seja na Europa, uma vez</p><p>que a citada Diretiva nº 85/374/CEE não a resolveu plenamente, deixando à livre escolha de cada</p><p>país a solução para o angustiante problema.121 Estamos falando dos chamados “riscos do</p><p>desenvolvimento”, os quais podem ser entendidos como aqueles “riscos desconhecidos pelo mais</p><p>avançado estado da ciência e da técnica no momento da introdução do produto no mercado e que</p><p>só vêm a ser descobertos mais tarde, em virtude do desenvolvimento científico”. São, em outras</p><p>palavras, “riscos que o desenvolvimento técnico-científico permite descobrir”.122</p><p>Quanto ao tema, são conhecidos tristes exemplos, sobretudo na área dos medicamentos e</p><p>alimentos, sendo o caso mais emblemático a “Talidomida”, medicamento usado no final da</p><p>década de 1950 como um poderoso anestésico. Os estudos realizados posteriormente à introdução</p><p>do produto no mercado revelaram, porém, que o princípio ativo poderia atravessar a placenta,</p><p>causando sérios danos ao feto, sobretudo nos membros superiores e inferiores. Surgiu, assim, ao</p><p>redor do mundo, uma legião de portadores da “Síndrome da Talidomida”, a qual pode acarretar,</p><p>entre outras, dificuldades de locomoção, de alimentação e de higiene pessoal.</p><p>Fato é que os pais não foram informados desses riscos e, por essa razão, fizeram uso do</p><p>medicamento na qualidade de anestésico, sendo surpreendidos pela consequência nefasta. Os</p><p>fabricantes, porém, alegam que não podem ser responsabilizados por algo desconhecido pela</p><p>própria ciência contemporânea à introdução do produto no mercado. Tal problemática teve</p><p>3. Na hipótese, o Tribunal a quo, com relação ao ônus da prova, inferiu que caberia à autora provar que o defeito do</p><p>produto existiu, isto é, que seria dever da consumidora demonstrar a falha no referido sistema de segurança.</p><p>4. Ocorre que diferentemente do comando contido no art. 6º, inciso VIII do CDC, que prevê a inversão do ônus da prova ‘a</p><p>critério do juiz’, quando for verossímil a alegação ou hipossuficiente a parte, o § 3º do art. 12 do mesmo Código</p><p>estabelece - de forma objetiva e independentemente da manifestação do magistrado – a distribuição da carga probatória</p><p>em desfavor do fornecedor, que ‘só não será responsabilizado se provar: I - que não colocou o produto no mercado; II -</p><p>que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro’.</p><p>É a diferenciação já clássica na doutrina e na jurisprudência entre a inversão ope judicis (art. 6º, inciso VIII, do CDC) e</p><p>inversão ope legis (arts. 12, § 3º, e art. 14, § 3º, do CDC). Precedentes.</p><p>5. No presente caso, o ‘veículo Fiat Tempra atingiu a parte frontal esquerda (frontal oblíqua), que se deslocou para trás</p><p>(da esquerda para direita, para o banco do carona)’, ficando muito avariado; ou seja, ao que parece, foram preenchidos</p><p>os dois estágios do choque exigidos para a detecção do air bag, mas que, por um defeito no produto, não acionou o</p><p>sistema, causando danos à consumidora. Em sendo assim, a conclusão evasiva do expert deve ser interpretada em favor</p><p>do consumidor vulnerável e hipossuficiente.</p><p>6. Destarte, enfrentando a celeuma pelo ângulo das regras sobre a distribuição da carga probatória, levando-se em conta</p><p>o fato de a causa de pedir apontar para hipótese de responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do produto, não</p><p>havendo este se desincumbido do ônus que lhe cabia, inversão ope legis, é de se concluir pela procedência do pedido</p><p>autoral com o reconhecimento do defeito no produto.</p><p>7. Recurso especial provido”.</p><p>121 De fato, na Diretiva nº 85/374/CEE observa-se a previsão dos riscos do desenvolvimento como uma excludente da</p><p>responsabilidade no art. 7º, alínea “e”: “Art. 7º. O produtor não é responsável nos termos da presente directiva se provar:</p><p>[...]; e) Que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento da colocação em circulação do produto não</p><p>lhe permitiu</p><p>detectar a existência do defeito”. Contudo, no art. 15, número 1, alínea “b”, é previsto que cada Estado-</p><p>Membro da Comunidade poderá afastar referida excludente: “Art. 15. 1 . Qualquer Estado-membro pode: b) Em</p><p>derrogação da alínea e) do artigo 7º, manter ou, sem prejuízo do procedimento definido no n. 2, prever na sua legislação</p><p>que o produtor é responsável, mesmo se este provar que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento</p><p>da colocação do produto em circulação não lhe permitia detectar a existência do defeito”.</p><p>122 Dedicamos ao tema um estudo específico, o qual poderá ser consultado para posterior aprofundamento: Calixto (2004).</p><p>68</p><p>repercussões também no Brasil, podendo ser dito que foi adotada uma “repartição social dos</p><p>danos”, uma vez que os “portadores da Síndrome da Talidomida” têm direito à reparação dos</p><p>danos materiais e morais sofridos por meio de requerimento junto ao Instituto Nacional do</p><p>Seguro Social (INSS).123</p><p>A solução do problema, na ausência de norma legal expressa, parece passar pelo conceito</p><p>normativo de defeito, entendido como “violação de uma legítima expectativa de segurança”. No</p><p>caso, nada obstante as valorosas opiniões em contrário, é possível reconhecer que o consumidor</p><p>tem sim violada a sua legítima expectativa de segurança, sendo o produto defeituoso e estando</p><p>presentes, portanto, todos os requisitos para a responsabilidade civil objetiva do fornecedor.</p><p>Assim, concluímos em outra sede Calixto (2004, p. 246):</p><p>A questão do enquadramento dos riscos do desenvolvimento como</p><p>hipótese específica de defeito (defeito do desenvolvimento), ou como</p><p>hipótese já subsumida em uma das três espécies de defeito aceitas pela</p><p>doutrina (defeito de concepção, defeito de informação e defeito de</p><p>fabricação), fica em segundo plano. Em verdade, mais importante é</p><p>afirmar a responsabilidade objetiva do fornecedor, aplicável em todos os</p><p>casos, e que prescinde da indagação de sua conduta e da previsibilidade ou</p><p>imprevisibilidade dos riscos, reforçando-se o caráter defeituoso do produto,</p><p>uma vez que houve reversão de uma legítima expectativa de segurança.</p><p>A terceira excludente da responsabilidade civil está fundamentada na ausência do nexo</p><p>causal entre o produto defeituoso e o dano. De fato, ocorrendo a “culpa exclusiva do consumidor</p><p>ou de terceiro” (art. 12, § 3º, III), o dano não terá decorrido de defeito no produto, ainda que</p><p>este esteja presente. Embora o tema já tenha sido tratado anteriormente (Módulo 1, item 1.4), é</p><p>necessário pontuar que a chamada “culpa concorrente” do consumidor não é capaz de afastar a</p><p>responsabilidade do fornecedor, somente servindo para mitigá-la, e que o “terceiro” aqui previsto</p><p>deve ser alguém completamente estranho ao fornecedor.124</p><p>123 O pagamento de pensão mensal, no caso dos danos materiais, e de um montante específico, em parcela única, para a</p><p>reparação dos danos extrapatrimoniais, são regulados, respectivamente, pela Lei nº 7.070, de 20 de dezembro de 1982 e</p><p>pela Lei nº 12.190, de 13 de janeiro de 2010.</p><p>124 Assim, não é o comerciante um “terceiro” em relação ao fabricante, podendo este ser responsabilizado solidariamente</p><p>com aquele por força da relação jurídica que os na “cadeia de consumo”. Podem ser vistos, nesse sentido, o Agravo</p><p>Regimental no Agravo em Recurso Especial 265586/SP (Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18</p><p>de setembro de 2014), assim ementado: “[...] 1. No que se refere à alegação da recorrente de que os danos suportados</p><p>pelo autor da demanda seriam advindos de culpa exclusiva da vítima pelo evento danoso, rever o que decidido no</p><p>recurso especial requer nova incursão fático-probatória, procedimento inviável, a teor da Súmula nº 7/STJ.</p><p>2. Consoante a jurisprudência desta Corte, a eventual configuração da culpa do comerciante de produto impróprio para</p><p>o consumo não tem o condão de afastar o direito de o consumidor propor ação de reparação pelos danos resultantes da</p><p>ingestão da mercadoria estragada em desfavor do seu fabricante. [...]”; e o Recurso Especial 980860/SP (Terceira Turma,</p><p>Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23 de abril de 2009), com a seguinte ementa: “[...] - Produto alimentício destinado</p><p>69</p><p>Assim, seria uma hipótese de “culpa exclusiva” do consumidor a ingestão de produto com</p><p>prazo de validade vencido e seria uma hipótese de fato de terceiro um ato de adulteração do</p><p>produto comprovadamente ocorrido após a sua introdução no mercado pelo fornecedor.125</p><p>Estudadas as excludentes da responsabilidade na hipótese de “fato do produto”, podemos</p><p>passar ao estudo das excludentes no “fato do serviço”. Estas excludentes estão previstas no art. 14,</p><p>§ 3º, que afirma: “O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que,</p><p>tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.</p><p>Percebemos que, também aqui, o ônus da prova é do fornecedor, o que tem levado os tribunais a</p><p>afirmar a ocorrência de uma inversão ope legis deste ônus.126 A primeira consequência é, mais uma</p><p>vez, ser possível presumir a ocorrência de defeito no serviço que vem a causar dano ao</p><p>consumidor, como no caso de uma tentativa de assalto ocorrida na saída do estacionamento de</p><p>um shopping center.127</p><p>especificamente para bebês exposto em gôndola de supermercado, com o prazo de validade vencido, que coloca em</p><p>risco a saúde de bebês com apenas três meses de vida, causando-lhe gastroenterite aguda, enseja a responsabilização</p><p>por fato do produto, ante a existência de vício de segurança previsto no art. 12 do CDC.</p><p>- O comerciante e o fabricante estão inseridos no âmbito da cadeia de produção e distribuição, razão pela qual não</p><p>podem ser tidos como terceiros estranhos à relação de consumo.</p><p>- A eventual configuração da culpa do comerciante que coloca à venda produto com prazo de validade vencido não tem</p><p>o condão de afastar o direito de o consumidor propor ação de reparação pelos danos resultantes da ingestão da</p><p>mercadoria estragada em face do fabricante. [...]”.</p><p>125 O reconhecimento de que o consumo de um produto com prazo de validade vencido representa uma hipótese de</p><p>“culpa exclusiva da vítima” foi proferido pelo STJ, por maioria, no julgamento do Recurso Especial 1252307/PR (Terceira</p><p>Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para o acórdão Min. Massami Uyeda, julgado em 7 de fevereiro de 2012), assim</p><p>ementado: “[...] I - Ainda que as relações comerciais tenham o enfoque e a disciplina determinadas pelo Código de Defesa</p><p>do Consumidor, tal circunstância não afasta, para fins de responsabilidade civil, o requisito da existência de nexo de</p><p>causalidade, tal como expressamente determina o artigo 12, § 3º e incisos, do Código de Defesa do Consumidor.</p><p>II - O fabricante, ao estabelecer prazo de validade para consumo de seus produtos, atende aos comandos imperativos do</p><p>próprio Código de Defesa do Consumidor, especificamente, acerca da segurança do produto, bem como a saúde dos</p><p>consumidores. O prazo de validade é resultado de estudos técnicos, químicos e biológicos, a fim de possibilitar ao</p><p>mercado consumidor, a segurança de que, naquele prazo, o produto estará em plenas condições de consumo.</p><p>III - Dessa forma, na oportunidade em que produto foi consumido, o mesmo já estava com prazo de validade expirado. E,</p><p>essa circunstância, rompe o nexo de causalidade e, via de consequência, afasta o dever de indenizar. [...]”.</p><p>126 Exemplo desse entendimento foi o decidido no Recurso Especial 1262132/SP (Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe</p><p>Salomão, julgado em 18 de novembro de 2014), cuja ementa afirma: “[...] 3. No caso, foi carreada ao recurso de apelação</p><p>cópia de "contrato padrão" que supostamente comprovaria haver limitação a impedir o sucesso do pleito deduzido pelo</p><p>consumidor. Trata-se de prova central do objeto da ação, da causa de pedir – documento substancial ou fundamental,</p><p>nos dizeres de Amaral Santos –, que devia ser levada aos autos no momento da defesa apresentada pelo</p><p>réu, nos termos</p><p>do art. 396 do CPC. Prova essa que cabia ordinariamente ao requerido, uma vez que se está diante da chamada inversão</p><p>ope legis do ônus da prova em benefício do consumidor. Em se tratando de demanda de responsabilidade por fato do</p><p>serviço, amparada no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, a jurisprudência reconhece a inversão do ônus da</p><p>prova independentemente de decisão do magistrado – não se aplicando, assim, o art. 6º, inciso VIII, do CDC (REsp</p><p>802.832/MG, Rel. Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Segunda Seção, DJe 21/09/2011; REsp 1.095.271/RS, Rel. Ministro</p><p>Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 05/03/2013). [...]”.</p><p>127 Vejamos, nesse sentido, o decidido no Recurso Especial 1269691/PB (Quarta Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel.</p><p>para o acórdão Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 21 de novembro de 2013), assim ementado: “1. A empresa que</p><p>fornece estacionamento aos veículos de seus clientes responde objetivamente pelos furtos, roubos e latrocínios</p><p>ocorridos no seu interior, uma vez que, em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de</p><p>70</p><p>A segunda defesa do fornecedor, tal como ocorre no fato do produto, está fundamentada</p><p>na inexistência de nexo causal entre o serviço, ainda que defeituoso, e o dano verificado.</p><p>Também aqui vale lembrar que somente a culpa exclusiva do consumidor é capaz de afastar o</p><p>nexo causal, sendo exemplo reiteradamente reconhecido o “surfista ferroviário”, diferentemente</p><p>do que ocorre na hipótese de consumidor que se porta como “pingente”, caso em que tem sido</p><p>reconhecida a culpa concorrente.128</p><p>Em relação ao fato de terceiro, talvez a hipótese mais conhecida seja a do assalto aos</p><p>passageiros, que, após alguma hesitação inicial, foi reconhecida como “um fato de terceiro</p><p>equiparável à força maior”.129 Entretanto, ainda podem ser citados os casos de roubo de bens</p><p>pessoais, ainda que ocorridos dentro do estacionamento, em relação à empresa garagista130 e o de</p><p>roubo de veículo na via pública, em relação ao restaurante que oferece o serviço de manobrista.131</p><p>conforto aos consumidores, o estabelecimento assume o dever – implícito em qualquer relação contratual – de lealdade</p><p>e segurança, como aplicação concreta do princípio da confiança. Inteligência da Súmula 130 do STJ.</p><p>2. Sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, não se vislumbra a possibilidade de se emprestar à referida Súmula</p><p>uma interpretação restritiva, fechando-se os olhos à situação dos autos, em que configurada efetivamente a falha do</p><p>serviço – quer pela ausência de provas quanto à segurança do estacionamento, quer pela ocorrência do evento na</p><p>cancela do estacionamento, que se situa ainda dentro das instalações do shopping.</p><p>3. É que, no caso em julgamento, o Tribunal a quo asseverou a completa falta de provas tendentes a demonstrar a</p><p>permanência na cena do segurança do shopping; a inviabilidade de se levar em conta prova formada unilateralmente pela</p><p>ré – que, somente após intimada, apresentou os vídeos do evento, os quais ainda foram inúteis em virtude de defeito;</p><p>bem como enfatizou ser o local em que se encontra a cancela para saída do estacionamento uma área de alto risco de</p><p>roubos e furtos, cuja segurança sempre se mostrou insuficiente.</p><p>4. Outrossim, o leitor ótico situado na saída do estacionamento encontra-se ainda dentro da área do shopping center,</p><p>sendo certo que tais cancelas – com controles eletrônicos que comprovam a entrada do veículo, o seu tempo de</p><p>permanência e o pagamento do preço – são ali instaladas no exclusivo interesse da administradora do estacionamento</p><p>com o escopo precípuo de evitar o inadimplemento pelo usuário do serviço.</p><p>5. É relevante notar que esse controle eletrônico exige que o consumidor pare o carro, insira o tíquete no leitor ótico e</p><p>aguarde a subida da cancela, para que, só então, saia efetivamente da área de proteção, o que, por óbvio, o torna mais</p><p>vulnerável à atuação de criminosos, exatamente o que ocorreu no caso em julgamento. [...]”.</p><p>128 Vejamos, entre outros, o decidido no Agravo Regimental no Recurso Especial 1259799/SP (Quarta Turma, Rel. Min.</p><p>Maria Isabel Gallotti, julgado em 4 de setembro de 2014), assim ementado: “[...] 1. Ainda que reconhecida a hipótese de</p><p>que o evento se deu por viajar a vítima em situação conhecida como "pingente", este Tribunal Superior tem consignado</p><p>ser hipótese de culpa concorrente e não exclusiva. [...]”.</p><p>129 O tema foi pacificado pela Segunda Seção no Recurso Especial 435865/RJ (Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 9 de</p><p>outubro de 2002), assim ementado: “RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE COLETIVO. ASSALTO À MÃO ARMADA.</p><p>FORÇA MAIOR.</p><p>- Constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estranho ao transporte</p><p>em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido”.</p><p>130 Foi o decidido no Recurso Especial 1232795/SP (Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 2 de abril de</p><p>2013), cuja ementa afirma: “[...] 1. Em se tratando de estacionamento de veículos oferecido por instituição financeira, o</p><p>roubo sofrido pelo cliente, com subtração do valor que acabara de ser sacado e de outros pertences não caracteriza caso</p><p>fortuito apto a afastar o dever de indenizar, tendo em vista a previsibilidade de ocorrência desse tipo de evento no</p><p>âmbito da atividade bancária, cuidando-se, pois, de risco inerente ao seu negócio. Precedentes.</p><p>2. Diferente, porém, é o caso do estacionamento de veículo particular e autônomo – absolutamente independente e</p><p>desvinculado do banco – a quem não se pode imputar a responsabilidade pela segurança individual do cliente, tampouco</p><p>pela proteção de numerário anteriormente sacado na agência e dos pertences que carregava consigo, elementos não</p><p>compreendidos no contrato firmado entre as partes, que abrange exclusivamente o depósito do automóvel. Não se trata,</p><p>aqui, de resguardar os interesses da parte hipossuficiente da relação de consumo, mas de assegurar ao consumidor</p><p>apenas aquilo que ele legitimamente poderia esperar do serviço contratado, no caso a guarda do veículo.</p><p>71</p><p>Terminamos, assim, o estudo das chamadas excludentes expressas do CDC, mas outras</p><p>hipóteses, ditas implícitas, são apontadas pela doutrina e pela jurisprudência. A mais conhecida</p><p>delas certamente é o caso fortuito ou de força maior, tema já estudado (Módulo 1, item 1.4),</p><p>bastando lembrar que somente o fortuito externo pode, efetivamente, ser reconhecido como</p><p>excludente. Sirva de exemplo o roubo ocorrido na área do posto de serviços em relação a este.132</p><p>Para alguns autores, como visto, também os chamados “riscos do desenvolvimento” seriam</p><p>uma excludente implícita. Além desta, alguns apontam a chamada “obediência a norma</p><p>imperativa da administração pública”, a qual obteve consagração expressa na Diretiva nº</p><p>85/374/CEE, mas não foi repetida no CDC brasileiro.133 A sua ocorrência prática parece</p><p>realmente difícil, razão pela qual não merece maiores considerações.</p><p>Terminamos, assim, o estudo da responsabilidade civil nas relações de consumo, sendo</p><p>possível avançar para o último módulo do nosso curso.</p><p>3. O roubo à mão armada exclui a responsabilidade de quem explora o serviço de estacionamento de veículos.</p><p>Precedentes. [...]”.</p><p>131 Assim decidiu o STJ no julgamento do Recurso Especial 1321739/SP (Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso</p><p>Sanseverino, julgado em 5 de setembro de 2013), assim ementado: “[...] 1. Ação de regresso movida por seguradora</p><p>contra restaurante para se ressarcir dos valores pagos a segurado, que teve seu veículo roubado quando estava na</p><p>guarda de manobrista vinculado ao restaurante (valet).</p><p>2. Legitimidade da seguradora prevista pelo artigo 349 do Código Civil/2002, conferindo-lhe ação de regresso em relação</p><p>a todos os direitos do seu segurado.</p><p>3. Em se tratando de consumidor, há plena incidência do Código de Defesa do Consumidor, agindo a seguradora como</p><p>consumidora por sub-rogação,</p><p>responsável legal em face do causador direto do dano, salvo se este for descendente, absoluta ou</p><p>relativamente incapaz, daquele. Por essa razão, caso o pai ou a mãe venha a ser responsabilizado</p><p>pelo dano causado por um filho menor de 18 anos, não poderá regredir em face deste por força da</p><p>vedação expressa do art. 934 do Código Civil.7</p><p>Por fim, temos a chamada “responsabilidade pelo fato da coisa”, expressão de origem</p><p>francesa que encontra previsão no Código Civil nos arts. 936, 937 e 938.8 Por certo, será</p><p>responsável a pessoa, física ou jurídica, que detém a “direção intelectual” ou o “poder de fato”</p><p>sobre a coisa. Exemplo bastante conhecido na jurisprudência é o da concessão rodoviária em que a</p><p>concessionária responde pelos danos causados por animais que invadem a pista de rolamento.</p><p>Caso seja conhecido, caberá ação regressiva em face do dono do animal, nos termos do art. 936</p><p>do Código Civil.9</p><p>Além das três situações previstas pelo Código Civil, os tribunais têm afirmado a</p><p>responsabilidade do proprietário do veículo pelos danos causados pelo condutor a quem o veículo</p><p>fora emprestado, fundamentando essa responsabilidade no “fato da coisa”. Essa responsabilidade</p><p>só será afastada caso o proprietário comprove que sofreu um desapossamento involuntário do</p><p>veículo, como nas hipóteses de furto ou roubo.10</p><p>Vistas as espécies de responsabilidade, podemos passar ao estudo dos elementos necessários</p><p>para a sua verificação. Comecemos pela culpa.</p><p>7 É do seguinte teor o art. 934 do Código Civil: “Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o</p><p>que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente</p><p>incapaz”.</p><p>8 Os arts. 936 a 938 do Código Civil dispõem: “Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este</p><p>causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.</p><p>Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de</p><p>reparos, cuja necessidade fosse manifesta.</p><p>Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem</p><p>lançadas em lugar indevido”.</p><p>9 Recente julgamento do tema constou do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 669840/RJ (Terceira Turma,</p><p>Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 23 de fevereiro de 2016), cuja ementa é a seguinte: “AGRAVO</p><p>REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.</p><p>PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DANO. ACIDENTE. RODOVIA. ANIMAIS NA PISTA.</p><p>RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO”.</p><p>10 Entre outros julgados podem ser recordados os seguintes: a) Recurso Especial 1354332/SP (Quarta Turma, Rel. Min.</p><p>Luís Felipe Salomão, julgado em 23 de agosto de 2016), cuja ementa afirma: “[...] 3. Em acidente automobilístico, o</p><p>proprietário do veículo responde objetiva e solidariamente pelos atos culposos de terceiro que o conduz, pouco</p><p>importando que o motorista não seja seu empregado ou preposto, uma vez que sendo o automóvel um veículo</p><p>perigoso, o seu mau uso cria a responsabilidade pelos danos causados a terceiros.</p><p>4. Provada a responsabilidade do condutor, o proprietário do veículo fica solidariamente responsável pela reparação</p><p>do dano, como criador do risco para os seus semelhantes. (REsp 577902/DF, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO,</p><p>Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/06/2006, DJ 28/08/2006)</p><p>5. Há responsabilidade solidária da locadora de veículo pelos prejuízos causados pelo locatário, nos termos da Súmula</p><p>492 do STF, pouco importando cláusula consignada no contrato de locação de obrigatoriedade de seguro” (original</p><p>grifado); b) Agravo Regimental no Recurso Especial 1561894/ES (Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,</p><p>julgado em 01/03/2016), cuja ementa afirma: “[...]; 3. O proprietário do veículo responde objetiva e solidariamente pelos</p><p>danos decorrentes de acidente de trânsito causado por culpa do condutor” (grifos no original).</p><p>12</p><p>A culpa como fundamento da responsabilidade civil</p><p>Como visto, a culpa só é um requisito na chamada responsabilidade civil subjetiva. Essa</p><p>singela afirmação, porém, não afasta a primeira grande dificuldade no tema, a qual reside,</p><p>justamente, na conceituação do instituto. De fato, inúmeros conceitos já foram apresentados,</p><p>sendo possível reconhecer duas grandes correntes doutrinárias.</p><p>A primeira delas, mais antiga, adota uma concepção “subjetiva” ou “psicológica” da culpa,</p><p>entendendo-a como o erro de conduta que poderia ter sido evitado pelo agente por força da sua</p><p>própria formação intelectual ou da sua compleição física. Refere-se, em suma, ao próprio</p><p>causador do dano.</p><p>A segunda concepção, chamada “objetiva” ou “normativa”, afirma ser a culpa o “erro de</p><p>conduta que não seria cometido pelo ser humano prudente, nas circunstâncias do caso concreto”.</p><p>Há, assim, uma referência a um “padrão de conduta”, o qual é dado pelo “ser humano prudente”,</p><p>o chamado “bom pai de família” pelos romanos, ou, ainda, o “homem médio”, tão caro aos</p><p>penalistas. Observe-se que esta última visão tem o maior número de adeptos na doutrina</p><p>brasileira, não devendo, porém, ser confundida com “responsabilidade objetiva”, a qual dispensa o</p><p>elemento subjetivo para a sua configuração.11</p><p>11 O tema da culpa foi aprofundado no nosso A culpa na responsabilidade civil: estrutura e função. Rio de Janeiro: Renovar,</p><p>2008. Ali se afirma que “também aqui existe uma bipartição da doutrina, sendo corrente falar em apreciação em abstrato</p><p>(in abstracto) e apreciação em concreto (in concreto) da culpa. Esta última levaria em conta, na apreciação da conduta do</p><p>agente, elementos mais subjetivos, como a própria conduta do agente em negócios anteriores, – quando se tratar de</p><p>responsabilidade civil contratual –, ou ainda elementos ditos internos, tais como a intenção do agente ao praticar o ato</p><p>danoso. Merece, por isso, o elogio de estar mais próxima de sua realidade para que se possa fazer, com vantagem, uma</p><p>análise sobre a reprovabilidade de sua conduta. Já na apreciação em abstrato é dispensada a referência à própria</p><p>diligência do agente em seus negócios e toma-se o padrão, abstrato, do bom pai de família. Mas a consideração deste</p><p>padrão, especialmente em âmbito extracontratual, não se dá sem uma nova controvérsia acerca dos elementos a serem</p><p>considerados nesta mesma apreciação. Em verdade, percebe-se que a referência genérica ao bom pai de família pode</p><p>simplesmente inviabilizar qualquer apreciação, uma vez que se considere este um padrão único, válido par todos os</p><p>quadrantes do globo e para todas as épocas. Assim é que, mesmo os defensores da apreciação em abstrato, passaram a</p><p>admitir a consideração de elementos mais concretos, de certa forma subjetivando o padrão objetivo representado pela</p><p>referência genérica ao bom pai de família”. (original grifado)</p><p>13</p><p>De todo modo, ainda que se tenha estabelecido um possível conceito para a culpa, não</p><p>menos difícil, na situação concreta, é a afirmação da sua ocorrência. Recordemos, nesse sentido, o</p><p>caso da aula de judô ministrada por uma associação atlética no Rio de Janeiro em que, estando o</p><p>professor envolvido no treinamento e formando dupla com um aluno, foi incapaz de perceber a</p><p>aproximação de outra dupla. Ocorre que um dos alunos desta dupla sofre um golpe e vem a cair,</p><p>derrubando também o professor que, ao cair sobre o aluno, termina por acarretar a sua</p><p>tetraplegia. O julgado do STJ, por apertada maioria, reconheceu a “culpa do preposto” (professor)</p><p>da associação, constando da ementa o seguinte:</p><p>Indenização. Vítima de acidente ocorrido durante treinamento de judô,</p><p>ministrado por preposto da recorrida, que a deixou tetraplégica. Acidente</p><p>ocorrido em virtude de negligência do professor. Comprovados a</p><p>conduta, os danos e o nexo de causalidade, presente</p><p>exercendo direitos, privilégios e garantias do seu segurado/consumidor.</p><p>4. A responsabilidade civil pelo fato do serviço, embora exercida por uma seguradora, mantem-se objetiva, forte no artigo</p><p>14 do CDC.</p><p>5. O fato de terceiro, como excludente da responsabilidade pelo fato do serviço (art. 14, § 3º, II, do CDC), deve surgir como</p><p>causa exclusiva do evento danoso para ensejar o rompimento do nexo causal.</p><p>6. No serviço de manobristas de rua (valets), as hipóteses de roubo constituem, em princípio, fato exclusivo de terceiro,</p><p>não havendo prova da concorrência do fornecedor, mediante defeito na prestação</p><p>do serviço, para o evento danoso.</p><p>7. Reconhecimento pelo acórdão recorrido do rompimento do nexo causal pelo roubo praticado por terceiro, excluindo a</p><p>responsabilidade civil do restaurante fornecedor do serviço do manobrista (art. 14, § 3º, II, do CDC). [...]”.</p><p>132 Eis o decidido no Recurso Especial 1243970/SE (Terceira Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 24 de abril de</p><p>2012), cuja ementa afirma: “[...] I - É dever do fornecedor oferecer aos seus consumidores a segurança na prestação de</p><p>seus serviços, sob pena, inclusive, de responsabilidade objetiva, tal como estabelece, expressamente, o próprio artigo 14,</p><p>"caput", do CDC.</p><p>II - Contudo, tratando-se de postos de combust��veis, a ocorrência de delito (roubo) a clientes de tal estabelecimento, não</p><p>traduz, em regra, evento inserido no âmbito da prestação específica do comerciante, cuidando-se de caso fortuito</p><p>externo, ensejando-se, por conseguinte, a exclusão de sua responsabilidade pelo lamentável incidente.</p><p>III - O dever de segurança, a que se refere o § 1º, do artigo 14, do CDC, diz respeito à qualidade do combustível, na</p><p>segurança das instalações, bem como no correto abastecimento, atividades, portanto, próprias de um posto de</p><p>combustíveis.</p><p>IV - A prevenção de delitos é, em última análise, da autoridade pública competente. É, pois, dever do Estado, a proteção</p><p>da sociedade, nos termos do que preconiza o artigo 144, da Constituição da República. [...]”.</p><p>133 Na Diretiva nº 85/374/CEE deve ser visto o disposto no art. 7º, “d”, que afirma: “Artigo 7º. O produtor não é responsável</p><p>nos termos do presente directiva se provar: [...]; d) que o defeito é devido à conformidade do produto com normas</p><p>imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas; [...]”.</p><p>Este curso não estaria completo se não dedicássemos algumas linhas especificamente à</p><p>chamada responsabilidade civil contratual. É o que faremos neste módulo, começando pela situação</p><p>mais genérica do inadimplemento contratual e tratando, a seguir, de duas situações específicas, a</p><p>saber: a responsabilidade civil dos médicos e hospitais e a responsabilidade civil do transportador.</p><p>Concluímos o nosso estudo com o tratamento da chamada “cláusula de não indenizar”, de</p><p>fundamental importância exatamente quando se trata da responsabilidade civil contratual.</p><p>A responsabilidade civil por inadimplemento contratual</p><p>Recordemos que a extinção dos contratos pode decorrer do cumprimento do seu objeto, do</p><p>término do prazo contratualmente previsto, por vontade das partes (resilição unilateral, quando</p><p>possível, ou pelo distrato) ou por força do inadimplemento das obrigações contratuais. Esta última é</p><p>tratada pelo Código Civil sob o nome de “resolução”, encontrando previsão genérica no art. 475,</p><p>que afirma: “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir</p><p>exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.</p><p>O dispositivo, portanto, admite duas opções para a chamada parte contratual “inocente”, isto é,</p><p>aquela que não deu causa ao inadimplemento contratual: a) exigir o cumprimento forçado da</p><p>obrigação ou b) pleitear a resolução contratual. Afirma ainda que, “em ambos os casos”, poderá haver</p><p>reparação das “perdas e danos”. Esta última expressão nos obriga a revisitar o Título IV do Livro</p><p>dedicado ao “Direito das Obrigações”, o qual vem dividido nas seguintes seções: a) Disposições gerais;</p><p>b) Mora; c) Perdas e Danos; d) Juros Legais; d) Cláusula Penal; e) Arras ou Sinal.</p><p>Nas “disposições gerais” é estabelecida a regra geral (art. 389), segundo a qual “não</p><p>cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária</p><p>segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”. Aqui, portanto,</p><p>MÓDULO IV – ALGUNS TEMAS DE</p><p>RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL</p><p>74</p><p>não se fala do “cumprimento forçado da obrigação”, o qual, no entanto, é plenamente possível</p><p>por força do já citado art. 475. Esclarecedora, assim, a seguinte passagem de Tepedino, Barboza e</p><p>Moraes (2012, p. 122):</p><p>Além disso, no novo preceito foi incluída a possibilidade de pedir, em vez</p><p>da resolução, o seu cumprimento, e, em qualquer dos dois casos,</p><p>cumulativamente às perdas e danos. Embora não expressamente prevista</p><p>no art. 1.092 do CC1916, tal prática era considerada pacífica, por se</p><p>entender que o pedido de resolução constituía apenas um direito (direito</p><p>formativo extintivo), e não uma obrigação. Assim, seguindo a opinião</p><p>dominante, afirmava Carvalho Santos: “A parte lesada tem o direito de</p><p>escolher: ou requerer a execução, que está in obligatione, ou a resolução,</p><p>que está in facultate petitionis” (Código Civil, p. 249). Note-se que agora,</p><p>à luz do art. 475, em qualquer dos casos, caberá a indenização.</p><p>De todo modo, cabe observar que o Direito Processual Civil fixa os meios que podem ser</p><p>utilizados pelo credor para obter esse “cumprimento forçado” e toma por fundamento a natureza</p><p>da obrigação, se de dar, fazer ou não fazer.134</p><p>134 No vigente CPC, podem ser recordados os seguintes dispositivos: “DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE RECONHEÇA</p><p>A EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, DE NÃO FAZER OU DE ENTREGAR COISA</p><p>Seção I</p><p>Do Cumprimento de Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Fazer ou de Não Fazer</p><p>Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz</p><p>poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático</p><p>equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.</p><p>§ 1o Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e</p><p>apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso</p><p>necessário, requisitar o auxílio de força policial.</p><p>§ 2o O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por 2 (dois) oficiais de justiça, observando-se o</p><p>disposto no art. 846, §§ 1o a 4o, se houver necessidade de arrombamento.</p><p>§ 3o O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificadamente descumprir a ordem judicial, sem</p><p>prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência.</p><p>§ 4o No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, aplica-se o art.</p><p>525, no que couber.</p><p>§ 5o O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de</p><p>não fazer de natureza não obrigacional.</p><p>Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela</p><p>provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se</p><p>determine prazo razoável para cumprimento do preceito.</p><p>§ 1o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso</p><p>verifique que:</p><p>I - Se tornou insuficiente ou excessiva;</p><p>II - O obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.</p><p>§ 2o O valor da multa será devido ao exequente.</p><p>75</p><p>Além dessa classificação, é oportuno recordar a distinção entre obrigação fungível e</p><p>obrigação infungível. Aquela permite</p><p>que a obrigação possa ser executada por um terceiro, a</p><p>expensas do devedor, ao passo que esta, também chamada “personalíssima”, só pode ser executada</p><p>pelo próprio devedor e, caso este insista no descumprimento, a única solução possível será a</p><p>conversão da obrigação em “perdas e danos”.135</p><p>Quanto a essas “perdas e danos”, não há muito mais a ser dito além daquilo que já foi tratado</p><p>anteriormente (Módulo 2, item 2.2). Cumpre recordar, porém, que, embora o Código Civil somente</p><p>se refira à reparação do dano material (sob as espécies dos danos emergentes e dos lucros cessantes),</p><p>certo é que se admite, como dito, também a reparação do “dano moral contratual”, ao menos quando</p><p>não ocorrer o “mero inadimplemento contratual” (Módulo 2, item 2.4).</p><p>§ 3o A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o</p><p>levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte ou na pendência do agravo fundado nos</p><p>incisos II ou III do art. 1.042.</p><p>§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o</p><p>levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.</p><p>§ 4o A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for</p><p>cumprida a decisão que a tiver cominado.</p><p>§ 5o O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de</p><p>não fazer de natureza não obrigacional.</p><p>Seção II</p><p>Do Cumprimento de Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Entregar Coisa</p><p>Art. 538. Não cumprida a obrigação de entregar coisa no prazo estabelecido na sentença, será expedido mandado de</p><p>busca e apreensão ou de imissão na posse em favor do credor, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel.</p><p>§ 1o A existência de benfeitorias deve ser alegada na fase de conhecimento, em contestação, de forma discriminada e</p><p>com atribuição, sempre que possível e justificadamente, do respectivo valor.</p><p>§ 2o O direito de retenção por benfeitorias deve ser exercido na contestação, na fase de conhecimento.</p><p>§ 3o Aplicam-se ao procedimento previsto neste artigo, no que couber, as disposições sobre o cumprimento de obrigação</p><p>de fazer ou de não fazer”.</p><p>135 Quanto a esta última classificação, pode ser recordado, por exemplo o disposto no art. 20, § 1º, do CDC: “Art. 20. [...]. §</p><p>1º A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor”.</p><p>O dispositivo é complementado pelo art. 84 do mesmo diploma: “Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento</p><p>da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que</p><p>assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.</p><p>§ 1º A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a</p><p>tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.</p><p>§ 2º A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil).</p><p>§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao</p><p>juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.</p><p>§ 4º O juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do</p><p>autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.</p><p>§ 5º Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas</p><p>necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de</p><p>atividade nociva, além de requisição de força policial”.</p><p>76</p><p>Observemos, ainda, que o citado “inadimplemento” pode ser decomposto em, ao menos,</p><p>quatro espécies: a) total; b) parcial; c) absoluto; e d) relativo. O inadimplemento total refere-se ao</p><p>descumprimento de todo o objeto contratual, como na hipótese em que o vendedor é obrigado a</p><p>entregar um móvel, e nada é entregue. O inadimplemento parcial significa que apenas uma parte</p><p>do objeto contratual foi adimplida, como no caso em que uma agência de viagens é contratada</p><p>para fornecer um pacote “aéreo mais terrestre”, e só a parte “aérea” é efetivamente prestada. Claro</p><p>que essa distinção terá repercussão no valor da indenização a ser pleiteada pelo credor.</p><p>O mesmo ocorrerá no chamado inadimplemento “absoluto” e inadimplemento “relativo”.</p><p>Tal distinção está fundamentada no “interesse da parte”, pois, no inadimplemento absoluto, a</p><p>entrega do objeto contratual já não mais é do interesse desta e, no inadimplemento relativo, ainda</p><p>haveria interesse no adimplemento.136 Por essa razão, o inadimplemento relativo é mais conhecido</p><p>por mora, a qual ocorrerá quando o devedor “não efetuar o pagamento” ou o credor “não quiser</p><p>recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer” (Código Civil, art. 394).</p><p>Também aqui o valor referente a perdas e danos será distinto conforme se trate de uma ou outra</p><p>espécie, sendo maior, é claro, na primeira situação. Por fim, por ainda ser do interesse da parte o</p><p>cumprimento da obrigação, a mora, ao contrário do inadimplemento absoluto, pode ser purgada,</p><p>nos precisos termos do art. 401 do Código Civil.137</p><p>Esta última classificação do inadimplemento permite ainda entender o tema da “cláusula</p><p>penal”, a qual pode ser prevista para o total inadimplemento da obrigação ou como penalidade</p><p>para a hipótese de mora. O regime, por certo, é distinto, pois a cláusula penal prevista para o total</p><p>inadimplemento da obrigação surge como “alternativa a benefício do credor” (Código Civil, art.</p><p>410).138 Fala-se, aqui, em “prefixação das perdas e danos”, podendo o credor simplesmente optar</p><p>pelo valor já acordado na cláusula penal. Esclarecedora, nesse sentido, a doutrina de Tepedino</p><p>(2006b, p. 53), quando afirma:</p><p>Enquanto o credor entrevê na relação obrigacional um resultado útil,</p><p>realizando gestões, em regra, para a satisfação do seu crédito, mostram-se</p><p>exigíveis as prestações vencidas cumuladas com a cláusula penal</p><p>moratória. Uma vez deflagrado o inadimplemento absoluto, quando o</p><p>credor, frustrado em sua expectativa de adimplemento, vale-se da</p><p>136 Isso é o que se pode deduzir do disposto no art. 395, e o seu parágrafo único, do Código Civil: “Art. 395. Responde o</p><p>devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices</p><p>oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.</p><p>Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das</p><p>perdas e danos”.</p><p>137 O art. 401 do Código Civil afirma: “Art. 401. Purga-se a mora: I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação</p><p>mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta; II - por parte do credor, oferecendo-se este a receber o</p><p>pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data”.</p><p>138 Eis o disposto no art. 410: “Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da</p><p>obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor”.</p><p>77</p><p>alternativa oferecida pelo art. 411 do Código Civil, e pretende a multa</p><p>compensatória, não é mais possível, a partir da data da rescisão, a</p><p>acumulação entre as multas moratória e compensatória. Cabem-lhe as</p><p>prestações vencidas, com a multa moratória respectiva, até a data da</p><p>rescisão contratual, e a pré-liquidação das perdas e danos, consistente na</p><p>cláusula penal compensatória. Esta, por sua vez, justamente porque as</p><p>perdas e danos dependem da performance concreta do devedor, deverá</p><p>ser aplicada de forma proporcional ao adimplemento, nos termos da</p><p>primeira parte do art. 413, do Código Civil.139</p><p>Contudo, não se pode esquecer a inovadora regra do</p><p>art. 416, parágrafo único, a qual</p><p>admite que o credor possa exigir “indenização suplementar”, desde que esta tenha sido</p><p>expressamente prevista e desde que o credor faça a devida prova do montante do dano que excede</p><p>o valor da cláusula penal.140 Para a cláusula penal moratória, ao contrário, o valor estipulado</p><p>servirá como simples sanção pelo inadimplemento relativo, pois “terá o credor o arbítrio de exigir</p><p>a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal” (Código</p><p>Civil, art. 411).141 Discute-se, por fim, acerca da natureza da cláusula penal prevista “em</p><p>segurança especial de outra cláusula determinada”, parecendo mais preciso considerar que seu</p><p>regime segue aquele previsto para a cláusula penal moratória.</p><p>Para finalizar o estudo do inadimplemento, é necessário recordar uma hipótese em que as</p><p>suas consequências são afastadas, nada obstante pareça que tenha ocorrido: o chamado</p><p>“adimplemento substancial”. Nesse caso, de fato, o objeto contratual não foi totalmente entregue,</p><p>mas, por ter sido “substancialmente” prestado, afasta-se a resolução contratual, e o credor perderá</p><p>ao menos alguns dos efeitos próprios do inadimplemento.</p><p>139 Recordemos, por oportuno, o disposto no art. 413 do Código Civil: “Art. 413. A penalidade deve ser reduzida</p><p>equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for</p><p>manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”.</p><p>140 O art. 416 do Código Civil afirma: “Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.</p><p>Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização</p><p>suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao</p><p>credor provar o prejuízo excedente”.</p><p>141 O art. 411 do Código Civil dispõe: “Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em</p><p>segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada,</p><p>juntamente com o desempenho da obrigação principal”.</p><p>78</p><p>Pensemos no exemplo da vedação à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente</p><p>quando tenha ocorrido o adimplemento substancial das parcelas do financiamento, só restado ao</p><p>credor a possibilidade de cobrar o valor das parcelas restantes.142 Trata-se, por certo, de tema</p><p>sujeito a ponderação, uma vez que não encontra previsão legislativa expressa e deixa sempre em</p><p>aberto o momento a partir do qual se poderá considerar como “substancialmente” adimplido o</p><p>objeto contratual. Válida, nesse sentido, a advertência de Schreiber (2013a, p. 112):</p><p>Pior que a incongruência entre decisões proferidas com base em situações</p><p>fáticas semelhantes – notadamente, aquelas em que há cumprimento</p><p>quantitativo de 60% a 70% do contrato –, o que espanta é a ausência de</p><p>uma análise qualitativa, imprescindível para se saber se o cumprimento</p><p>não integral ou imperfeito alcançou ou não a função que seria</p><p>desempenhada pelo negócio jurídico em concreto. Em outras palavras,</p><p>urge reconhecer que não há um parâmetro numérico fixo que possa servir</p><p>de divisor de águas entre o adimplemento substancial ou o</p><p>inadimplemento tout court, passando a aferição de substancialidade por</p><p>outros fatores que escapam ao mero cálculo percentual.</p><p>Essa “teoria geral do inadimplemento”, é claro, poderá ser utilizada em inúmeros contratos da</p><p>vida contemporânea. Por força da restrição de espaço, porém, somente poderemos estudar duas</p><p>espécies cotidianas: a) a responsabilidade médica e b) a responsabilidade contratual do transportador.</p><p>142 Foi o que se observou no julgamento do Recurso Especial 1051270/RS (Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão,</p><p>julgado em 4 de agosto de 2011), cuja ementa afirma: “[...] 1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código Civil de</p><p>2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual ‘[a] parte lesada pelo</p><p>inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer</p><p>dos casos, indenização por perdas e danos’.</p><p>2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de</p><p>resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à</p><p>realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato.</p><p>3. No caso em apreço, é de se aplicar a da teoria do adimplemento substancial dos contratos, porquanto o réu pagou: ‘31</p><p>das 36 prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor</p><p>residual garantido’. O mencionado descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse pretendida e,</p><p>consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento mercantil, medidas desproporcionais diante do</p><p>substancial adimplemento da avença.</p><p>4. Não se está a afirmar que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes. Apenas se</p><p>afirma que o meio de realização do crédito por que optou a instituição financeira não se mostra consentâneo com a</p><p>extensão do inadimplemento e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002. Pode, certamente, o credor valer-se de</p><p>meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por</p><p>exemplo, a execução do título. [...]”.</p><p>79</p><p>A responsabilidade civil dos médicos e dos hospitais</p><p>Em primeiro lugar, deve ser observado que os tribunais entendem que a relação médico-</p><p>paciente, ao contrário do que ocorre na relação advogado-cliente, é uma “relação de consumo”.143</p><p>Isso não deve levar à conclusão, porém, de que se trata de uma responsabilidade civil de natureza</p><p>objetiva, ao menos no que diz respeito à responsabilidade pessoal do médico.144 É justamente em</p><p>relação a esta que se insiste na distinção elaborada por René Demogue no sentido de que a</p><p>obrigação contratual pode ser de meio (ou meios) ou de resultado.145</p><p>Muito já se escreveu sobre o tema, mas parece possível afirmar que a distinção tem</p><p>relevância, sobretudo, do ponto de vista da prova da culpa, uma vez que, na “obrigação de meio”,</p><p>o profissional somente se compromete a realizar os melhores esforços em vista de determinada</p><p>finalidade, mas não se obriga a atingir determinado resultado. Assim, nesse caso, a demonstração</p><p>da culpa deve ser feita em relação ao desenrolar da atividade, como o equívoco no tratamento ou</p><p>na medicação empregada.</p><p>Na chamada “obrigação de resultado”, ao contrário, o profissional promete alcançar o fim</p><p>contratualmente previsto, e a sua culpa decorrerá da não obtenção deste fim, sendo, portanto,</p><p>presumida, transferindo-se para o prestador do serviço o ônus de provar que o resultado não pôde</p><p>ser atingido por outros fatores.</p><p>Essa é a doutrina mais aceita, mas é plenamente válida a advertência de Tepedino (2006a, p. 89):</p><p>Tal entendimento, a rigor, reflete a tendência mais atual do direito das</p><p>obrigações, a temperar a distinção entre obrigações de meio e de</p><p>resultado. Afinal, diga-se entre parênteses, o princípio da boa-fé objetiva,</p><p>aplicado ao direito das obrigações, iluminado pelos princípios da</p><p>dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, consagrados na</p><p>Constituição Federal, congrega credor e devedor nos deveres de cumprir</p><p>(e de facilitar o cumprimento) das obrigações. Se assim é, ao resultado</p><p>esperado pelo credor, mesmo nas chamadas obrigações de meio, não</p><p>pode ser alheio o devedor. E, de outro lado, o insucesso na obtenção do</p><p>fim proposto, nas chamadas obrigações de resultado, não pode acarretar a</p><p>responsabilidade tout court, desconsiderando-se o denodo do devedor e os</p><p>143 Em relação à não incidência do CDC na relação advogado-cliente, confirmada após alguma hesitação inicial, pode ser</p><p>visto o decidido no Agravo</p><p>Interno no Agravo em Recurso Especial 895899/SP (Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe</p><p>Salomão, julgado em 18 de agosto de 2016), assim ementado: “[...]. 1. A jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de</p><p>que o Código de Defesa do Consumidor - CDC não é aplicável às relações contratuais entre clientes e advogados, as quais</p><p>são regidas pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, aprovado pela Lei n. 8.906/94. Precedentes. [...]”.</p><p>144 O fundamento normativo para essa responsabilidade subjetiva do médico encontra-se no art. 14, § 4º, do CDC, verbis:</p><p>“Art. 14. [...] § 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.</p><p>Também no Código Civil pode ser recordado o disposto no art. 951, que afirma: “Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950</p><p>aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência,</p><p>imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”.</p><p>145 Acerca das duas espécies de obrigação, recomendamos a leitura de Rentería (2011).</p><p>80</p><p>fatores supervenientes que, não raro, fazem gerar um desequilíbrio</p><p>objetivo entre as prestações, tornando excessivamente oneroso o seu</p><p>cumprimento pelo devedor.</p><p>A partir dessa distinção, tem-se afirmado que a atividade médica encerra, como regra, uma</p><p>“obrigação de meio”, uma vez que o médico não se compromete a curar o paciente, mas sim a</p><p>reduzir-lhe o mal ou, ao menos, a atenuar a sua dor. Os tribunais, porém, criaram uma hipótese</p><p>de atividade médica com “obrigação de resultado”, a saber: a chamada “cirurgia plástica estética</p><p>ou embelezadora”. Argumenta-se que este tipo de cirurgia só é realizado por alguém que deseja</p><p>“melhorar a sua aparência”, sendo este o resultado a ser alcançado. Ao lado desta espécie de</p><p>cirurgia plástica existiria outra, denominada “reparadora”, a qual conservaria a natureza de</p><p>“obrigação de meio”.146 A criatividade jurisprudencial também já chegou ao ponto de admitir a</p><p>cirurgia plástica de natureza “mista”, uma vez que, em parte reparadora e, em parte, estética.147</p><p>146 Na doutrina, pode ser recordada a seguinte passagem de Miragem (2015, p. 578): “Outro entendimento é o que distingue</p><p>entre as espécies de cirurgia plástica, se estética ou reparadora, como critério para sua classificação das obrigações de meio ou</p><p>de resultado. Segundo tal visão, as cirurgias reparadoras permaneceriam consideradas como obrigações de meio, na medida</p><p>em que não teria como o profissional assegurar o êxito na correção ou reconstituição física pretendida pelo paciente, enquanto</p><p>na cirurgia estética a não obtenção do resultado esperado, considerando-se o fato de que o interesse específico do paciente é</p><p>uma melhora de aparência, implicaria o descumprimento de uma obrigação de resultado, importando, nesse sentido, uma</p><p>presunção de culpa do médico”.</p><p>Seguindo essa visão majoritária, podem ser citados os seguintes julgados do STJ: 1) Agravo Regimental no Recurso Especial</p><p>1468756/DF (Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 19 de maio de 2016), assim ementado: “[...] 2. Possuindo a</p><p>cirurgia estética a natureza de obrigação de resultado cuja responsabilidade do médico é presumida, cabe a este demonstrar</p><p>existir alguma excludente de sua responsabilização apta a afastar o direito ao ressarcimento do paciente”; 2) Agravo Regimental</p><p>no Agravo em Recurso Especial 678485/DF (Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 19 de novembro de 2015), cuja</p><p>ementa afirma: “[...] 1. A jurisprudência desta Corte entende que "A cirurgia estética é uma obrigação de resultado, pois o</p><p>contratado se compromete a alcançar um resultado específico, que constitui o cerne da própria obrigação, sem o que haverá a</p><p>inexecução desta" (REsp 1.395.254/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15 de outubro de 2013, DJe de</p><p>29 de novembro de 2013).</p><p>2. No caso, o eg. Tribunal de origem, além de afastar a existência de qualquer excludente de responsabilidade, entendeu que o</p><p>dano estético ficou devidamente comprovado nos autos”.</p><p>147 Nesse sentido, podem ser recordados dois julgados do STJ: 1) Recurso Especial 819008/PR (Quarta Turma, Rel. Min. Raul</p><p>Araújo, julgado em 4 de outubro de 2012), assim ementado: “[...] 1. Pela valoração do contexto fático extraído do v. aresto</p><p>recorrido, constata-se que na cirurgia plástica a que se submeteu a autora havia finalidade não apenas estética, mas também</p><p>reparadora, de natureza terapêutica, sobressaindo, assim, a natureza mista da intervenção.</p><p>2. A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral, obrigação de meio, salvo em casos de cirurgias</p><p>plásticas de natureza exclusivamente estética.</p><p>3. "Nas cirurgias de natureza mista – estética e reparadora –, a responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo</p><p>ser analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à sua parcela</p><p>reparadora" (REsp 1.097.955/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 27 de setembro 2011, DJe de 3 de</p><p>outubro 2011) ”; 2) Recurso Especial 1097955/MG (Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27 de setembro de</p><p>2011, assim ementado: “[...] 1. A relação médico-paciente encerra obrigação de meio, e não de resultado, salvo na hipótese de</p><p>cirurgias estéticas. Precedentes.</p><p>2. Nas cirurgias de natureza mista – estética e reparadora –, a responsabilidade do médico não pode ser generalizada,</p><p>devendo ser analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à</p><p>sua parcela reparadora. [...]”.</p><p>Sobre a responsabilidade civil do médico, é oportuna a referência a Kfouri Neto (2010).</p><p>81</p><p>De todo modo, embora seja bastante questionável o conceito do “belo” e do “feio”, certo é</p><p>que a afirmação de uma cirurgia plástica estética não pode transformar em objetiva a</p><p>responsabilidade do médico, a qual permanece subjetiva, embora com culpa presumida.148</p><p>É a culpa do médico que poderá fazer surgir a responsabilidade do hospital ao qual está</p><p>vinculado. Este terá, portanto, uma responsabilidade civil objetiva, mas não de forma automática,</p><p>por simples causalidade, uma vez que, segundo o entendimento mais recente, é indispensável a</p><p>demonstração da culpa do médico para a responsabilidade da pessoa jurídica (hospital). Por esse</p><p>entendimento, a responsabilidade do hospital só terá natureza verdadeiramente objetiva em</p><p>relação “ao serviço hospitalar” (hospedagem, funcionamento dos aparelhos, etc.).</p><p>Vejamos, nesse sentido, o seguinte julgado do STJ (Recurso Especial 1511072/SP, Quarta</p><p>Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 5 de maio de 2016):</p><p>RECURSO ESPECIAL (art. 105, inc. III, “a" e "c", CF/88) – AÇÃO</p><p>CONDENATÓRIA – RESPONSABILIDADE CIVIL DE HOSPITAL</p><p>E INSTITUTO MÉDICO – INFECÇÃO HOSPITALAR –</p><p>INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE JULGARAM IMPROCEDENTES</p><p>OS PEDIDOS VEICULADOS NA PETIÇÃO INICIAL, SOB O</p><p>ARGUMENTO DE QUE NÃO HOUVE DEMONSTRAÇÃO DE</p><p>CULPA DOS MÉDICOS. INSURGÊNCIA DA AUTORA. DEFEITO</p><p>NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICO-HOSPITALARES –</p><p>RESPONSABILIDADE OBJETIVA – INTELIGÊNCIA DO ART. 14</p><p>DO CDC – RECURSOESPECIAL PROVIDO.</p><p>Pretensão condenatória deduzida em face de hospital e instituto médico,</p><p>ante os alegados danos decorrentes de infecção hospitalar, após a</p><p>realização de procedimentos cirúrgicos, que conduziram ao</p><p>comprometimento integral da visão da autora, relativamente ao olho</p><p>direito. Instâncias ordinárias que julgaram improcedentes os pedidos, ao</p><p>reputarem não demonstrada a culpa por parte do corpo médico atuante.</p><p>1. O Tribunal de origem não abordou a tese de responsabilidade do</p><p>fornecedor pela prestação defeituosa de informações à recorrente sobre os</p><p>riscos relacionados ao procedimento cirúrgico a que seria submetida,</p><p>razão pela qual incide à espécie a Súmula nº 211 desta Corte, o que</p><p>148 É o que afirma, com toda razão, Salomão</p><p>(2016, p. 352): “Sob essa perspectiva, no procedimento cirúrgico para fins</p><p>estéticos, conquanto a obrigação seja de resultado, não se vislumbra uma responsabilidade objetiva pelo insucesso da</p><p>cirurgia, mas mera presunção de culpa médica, o que implica a inversão do ônus da prova, cabendo ao profissional</p><p>elidi-la, de modo a exonerar-se da responsabilidade contratual pelos danos causados ao paciente em razão do ato</p><p>cirúrgico. Nessa linha de intelecção, são passíveis de alegação e comprovação pelo médico as tradicionais causas</p><p>excludentes da responsabilidade”.</p><p>82</p><p>inviabiliza também o conhecimento da insurgência com base na alínea</p><p>"c" do permissivo constitucional. Precedentes.</p><p>2. Como se infere do art. 14 do CDC, a responsabilidade dos hospitais e</p><p>clínicas (fornecedores de serviços) é objetiva, dispensando a comprovação</p><p>de culpa. Assim, inviável o afastamento da responsabilidade do hospital e</p><p>do instituto por infecção contraída por paciente com base na inexistência</p><p>de culpa dos agentes médicos envolvidos, como fez o Tribunal de origem.</p><p>2.1 de fato, a situação dos autos não comporta reflexões a respeito da</p><p>responsabilização de clínicas médicas ou hospitais por atos de seus</p><p>profissionais (responsabilidade pelo fato de outrem). Isso porque os</p><p>danos sofridos pela recorrente resultaram de infecção hospitalar, ou seja,</p><p>do ambiente em que foram efetuados os procedimentos cirúrgicos, e não</p><p>de atos dos médicos.</p><p>3. Dessa forma, considerando que é objetiva a responsabilidade dos</p><p>hospitais e clínicas por danos decorrentes dos serviços por eles prestados</p><p>(ambiente hospitalar), bem como que não foi elidido no caso dos autos o</p><p>nexo de causalidade entre os danos sofridos pela recorrente e a conduta</p><p>dos recorridos, é imperioso o provimento do presente recurso especial</p><p>para condená-los ao pagamento de indenização a título de dano moral,</p><p>em virtude da perda completa da visão e do bulbo ocular do olho direito</p><p>da recorrente.</p><p>4. nos termos do artigo 257 do RISTJ, é possível, nesta Corte, a fixação</p><p>de valores devidos a título de indenização pelo abalo moral sofrido pela</p><p>ora recorrente, aplicando-se o direito à espécie. Desse modo, diante das</p><p>peculiaridades do caso, revela-se razoável a quantia de R$ 100.000,00</p><p>(cem mil reais) a título de dano moral.</p><p>5. Recurso especial PROVIDO, a fim de julgar procedente o pedido</p><p>condenatório.</p><p>Assim, os hospitais têm, basicamente, duas claras linhas de defesa, a saber: a ausência de</p><p>vínculo entre o médico e o hospital, o que ordinariamente se observa, ou a ausência de culpa do</p><p>médico, quando vinculado ao hospital. Sirva de exemplo o seguinte julgado (STJ, Recurso Especial</p><p>1635560/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10 de novembro de 2016):</p><p>83</p><p>CIVIL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. ERRO</p><p>PRATICADO POR MÉDICO NÃO CONTRATADO PELO</p><p>HOSPITAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATRIBUIÇÃO AFETA</p><p>EXCLUSIVAMENTE AO HOSPITAL. AUSÊNCIA DE NEXO</p><p>CAUSAL ENTRE O DANO MORAL E A CONDUTA INERENTE</p><p>AO TRATAMENTO HOSPITALAR.</p><p>1. Ação de compensação por dano moral ajuizada em 04.03.2002.</p><p>Agravo em Recurso especial concluso ao gabinete em 22.09.2016.</p><p>2. Cinge-se a controvérsia a definir se o recorrente possui</p><p>responsabilidade civil por erro médico cometido por profissional que não</p><p>possui vínculo com o hospital, mas utiliza as dependências do</p><p>estabelecimento para a realização de internação e exames.</p><p>3. Por ocasião do julgamento do Resp. 908.359/SC, a Segunda Seção do</p><p>STJ afastou a responsabilidade objetiva dos hospitais pela prestação de</p><p>serviços defeituosos realizados por profissionais que nele atuam sem</p><p>vínculo de emprego ou subordinação. Precedentes.</p><p>4. A responsabilidade do hospital somente tem espaço quando o dano</p><p>decorrer de falha de serviços cuja atribuição é afeta única e</p><p>exclusivamente à instituição de saúde.</p><p>5. Quando a falha técnica é restrita ao profissional médico sem vínculo</p><p>com o hospital, não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de indenizar.</p><p>6. Recurso especial conhecido e provido.</p><p>Observemos que tais exigências podem ser de difícil demonstração pelo consumidor, o qual,</p><p>normalmente, poderá socorrer-se da inversão judicial do ônus da prova, nos termos do art. 6º,</p><p>VIII, do CDC.149 Recordemos, ainda, que, demonstrado o vínculo entre o hospital e o médico, e</p><p>a culpa com que agiu este último, possível será reconhecer a solidariedade entre os responsáveis,</p><p>vedada a denunciação da lide daquele em face este.150</p><p>149 Recordemos o disposto no art. 6º, VIII, do CDC: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...]; VIII - a facilitação da</p><p>defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do</p><p>juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.</p><p>150 É o que afirma reiteradamente o STJ, com fundamento no citado art. 88 do CDC: Agravo Regimental no agravo em Recurso</p><p>Especial 182368/DF (Quarta Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 23 de outubro de 2012), assim ementado: “[...] 2. Ação</p><p>regressiva movida por hospital em desfavor do médico. Denunciação à lide no bojo da demanda originária. Descabimento.</p><p>Responsabilidade objetiva do hospital pelos danos causados por seu preposto, sendo inviável que, no mesmo processo, se</p><p>produzam provas para averiguar a responsabilidade subjetiva do médico, o que deve ser feito em ação de regresso proposta</p><p>pelo hospital. [...]”.</p><p>84</p><p>Igualmente, a culpa do médico pode ser considerada como “alargada” pela adoção da</p><p>“teoria da perda de uma chance”, o que já se tem observado em inúmeros julgados relativos à</p><p>responsabilidade civil médica.151 Contudo, por apertada maioria, entendeu-se que não responde o</p><p>médico cirurgião por ato culposo do anestesista, salvo se demonstrada a “subordinação”, outra</p><p>probatio diabolica para o consumidor.152</p><p>Analisada, em linhas gerais, a responsabilidade civil dos médicos e hospitais, podemos passar ao</p><p>estudo de outra conhecida hipótese de reparação, a saber: a responsabilidade civil do transportador.</p><p>151 Vejamos, entre outros, os seguintes julgados do STJ: 1) Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 553104/RS, Quarta</p><p>Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 1 de dezembro de 2015, assim ementado: “[...] 1. É plenamente cabível, ainda que se</p><p>trate de erro médico, acolher a teoria da perda de uma chance para reconhecer a obrigação de indenizar quando verificada, em</p><p>concreto, a perda da oportunidade de se obter uma vantagem ou de se evitar um prejuízo decorrente de ato ilícito praticado</p><p>por terceiro. [...]”; 2) Recurso Especial 1254141/PR, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4 de fevereiro 2012,</p><p>com a seguinte ementa: “[...] 1. O STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda de uma chance</p><p>em sua versão tradicional, na qual o agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Nessas situações, há certeza quanto</p><p>ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna aplicável o critério de ponderação característico da</p><p>referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes.</p><p>2. Nas hipóteses em que se discute erro médico, a incerteza não está no dano experimentado, notadamente nas situações em</p><p>que a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em princípio, o dano é</p><p>causado por força da doença, e não pela falha de tratamento.</p><p>3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil</p><p>pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar</p><p>que a chance, em si, pode ser considerada um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente</p><p>econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da</p><p>causalidade</p><p>proporcional.</p><p>4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final</p><p>experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução</p><p>proporcional. [...]”.</p><p>152 Assim se lê no seguinte julgado: STJ, Embargos de Divergência no Recurso Especial 605435/RJ, Segunda Seção, Rel. Min.</p><p>Nancy Andrighi, Rel. para o acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 14 de setembro de 2011, assim ementado: “[...] 3. A</p><p>divergência cinge-se ao reconhecimento, ou afastamento, da responsabilidade solidária e objetiva (CDC, art. 14, caput) do</p><p>médico-cirurgião, chefe da equipe que realiza o ato cirúrgico, por danos causados ao paciente em decorrência de erro médico</p><p>cometido exclusivamente pelo médico-anestesista.</p><p>4. Na Medicina moderna a operação cirúrgica não pode ser compreendida apenas em seu aspecto unitário, pois</p><p>frequentemente nela interferem múltiplas especialidades médicas. Nesse contexto, normalmente só caberá a responsabilização</p><p>solidária e objetiva do cirurgião-chefe da equipe médica quando o causador do dano for profissional que atue sob</p><p>predominante subordinação àquele.</p><p>5. No caso de médico anestesista, em razão de sua capacitação especializada e de suas funções específicas durante a cirurgia,</p><p>age com acentuada autonomia, segundo técnicas médico-científicas que domina e suas convicções e decisões pessoais,</p><p>assumindo, assim, responsabilidades próprias, segregadas, dentro da equipe médica.</p><p>Destarte, se o dano ao paciente advém, comprovadamente, de ato praticado pelo anestesista, no exercício de seu mister, este</p><p>responde individualmente pelo evento.</p><p>6. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, caput, prevê a responsabilidade objetiva aos fornecedores de serviço</p><p>pelos danos causados ao consumidor em virtude de defeitos na prestação do serviço ou nas informações prestadas - fato do</p><p>serviço. Todavia, no § 4º do mesmo artigo, excepciona a regra, consagrando a responsabilidade subjetiva dos profissionais</p><p>liberais. Não há, assim, solidariedade decorrente de responsabilidade objetiva, entre o cirurgião-chefe e o anestesista, por erro</p><p>médico deste último durante a cirurgia.</p><p>7. No caso vertente, com base na análise do contexto fático-probatório dos autos, o colendo Tribunal de Justiça afastou a culpa</p><p>do médico-cirurgião – chefe da equipe –, reconhecendo a culpa exclusiva, com base em imperícia, do anestesista. [...]”.</p><p>85</p><p>A responsabilidade civil do transportador</p><p>O estudo da responsabilidade do transportador passa, em primeiro lugar, pela definição da</p><p>natureza do transporte oferecido, se oneroso ou gratuito. De fato, como bem esclarece o art. 736</p><p>do Código Civil, “não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente,</p><p>por amizade ou cortesia”. De fato, é da natureza deste contrato a onerosidade, não sendo</p><p>considerado como típico contrato de transporte aquele realizado gratuitamente. Contudo, “não se</p><p>considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o transportador auferir</p><p>vantagens indiretas” (art. 736, parágrafo único, do Código Civil), como no conhecido caso em</p><p>que o transportado colabora nas despesas com o abastecimento do veículo.</p><p>Tal estado de coisas termina por influenciar diretamente a natureza da responsabilidade</p><p>civil do transportador. Em verdade, estando presente verdadeiro contrato de transporte, a</p><p>responsabilidade civil do transportador terá natureza objetiva. É o que dá a entender, embora de</p><p>forma pouco clara, o art. 734, caput, do Código Civil.153</p><p>Observemos que o dispositivo não faz referência à ausência de culpa do transportador como</p><p>causa excludente da responsabilidade, somente citando a “força maior” como possível causa para a</p><p>isenção de responsabilidade.</p><p>Ora, vimos (Módulo 1, item 1.4) que a “força maior”, ou o “caso fortuito”, afasta o nexo</p><p>causal, e, consequentemente, a própria responsabilidade, ainda que objetiva. É necessário</p><p>recordar, porém, que também aqui tem lugar a distinção entre fortuito interno e fortuito externo,</p><p>sendo exemplo do primeiro a colisão de veículos e exemplo do segundo o assalto a passageiros.154</p><p>153 O art. 734 do Código Civil afirma: “Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas</p><p>e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.</p><p>Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização”.</p><p>154 Assim tem entendido o STJ conforme se deduz, respectivamente, dos seguintes julgados: 1) Agravo Interno no Agravo</p><p>em Recurso Especial 303132/PE (Quarta Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 17 de novembro de 2016),</p><p>assim ementado: “[...] 5. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a Responsabilidade do transportador,</p><p>em relação aos passageiros, é contratual e objetiva, somente podendo ser afastada se comprovada força maior, fortuito</p><p>externo, fato exclusivo da vítima ou fato doloso e exclusivo de terceiro (AgRg. no AREsp. 617.863/SP, Relator Ministro Raul</p><p>Araújo, Quarta Turma, julgado em 3 de fevereiro de 2015, DJe 13 de fevereiro de 2015). Hipóteses não demonstradas no</p><p>caso concreto. Incidência da Súmula 7 do STJ. [...]”; 2) Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 908814/RS (Quarta</p><p>Turma, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 9 de agosto de 2016), com a seguinte ementa: “[...]. 3. Na esteira da</p><p>jurisprudência firmada nesta Corte, a responsabilidade do transportador em relação aos passageiros é contratual e</p><p>objetiva, nos termos dos arts. 734, caput, 735 e 738, parágrafo único, do Código Civil de 2002, somente podendo ser</p><p>elidida por fortuito externo, força maior, fato exclusivo da vítima ou por fato doloso e exclusivo de terceiro - quando este</p><p>não guardar conexidade com a atividade de transporte.</p><p>4. O Tribunal local, ao apreciar as provas produzidas nos autos, foi categórico em reconhecer os requisitos ensejadores da</p><p>obrigação de indenizar, notadamente diante do descumprimento do seu dever de garantir a incolumidade do passageiro.</p><p>Nestas circunstâncias, afigura-se inviável rever o substrato fático-probatório diante do óbice da Súmula 7/STJ. [...]”.</p><p>86</p><p>Por essa mesma razão, deve ser lido com muita cautela o disposto no art. 735 do Código</p><p>Civil, segundo o qual “a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o</p><p>passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”. De fato, esse</p><p>dispositivo é a repetição literal do que está consagrado no Verbete 187 da Súmula da Jurisprudência</p><p>do STF, o qual foi elaborado na década de 1960, tomando por fundamento o art. 17 do Decreto nº</p><p>2.681, de 7 de dezembro de 1912, que regulava a “responsabilidade das estradas de ferro”.155</p><p>Assim, por não fazer referência ao “fato de terceiro” como excludente da responsabilidade do</p><p>transportador, o STF entendeu, inicialmente, que esta não poderia ser invocada, chegando a</p><p>sumular esse entendimento. Contudo, esse mesmo tribunal, em momento posterior, já afastava os</p><p>rigores da sua súmula, admitindo que o fato de terceiro, ao menos quando equiparável à “força</p><p>maior”, deveria sim atuar como uma excludente da responsabilidade contratual do transportador.156</p><p>Esse mesmo debate pôde ser observado na jurisprudência do STJ, a qual, em um primeiro</p><p>momento, não reconheceu o assalto a passageiros como uma excludente do nexo causal, mas,</p><p>posteriormente, por maioria, fez a revisão desse entendimento.157 Assim, também o Tribunal da</p><p>Cidadania continua a afirmar que o fato de terceiro, quando “equiparável à força maior”, deverá ser</p><p>visto como uma excludente da responsabilidade objetiva do transportador, salvo pontuais exceções.158</p><p>155 O Verbete 187, editado em 1963, da Súmula da Jurisprudência do STF afirma: “A responsabilidade contratual do</p><p>transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra</p><p>o qual tem ação regressiva”.</p><p>O art. 17 do Decreto nº 2.681/1912 afirmava: “Art. 17. As estradas de ferro responderão pelos desastres que nas suas</p><p>linhas sucederem aos viajantes e de que resulte a morte, ferimento ou lesão corpórea. A culpa será sempre presumida,</p><p>só se admitindo em contrário alguma das seguintes provas: 1ª - Caso fortuito ou força maior; 2ª - Culpa do viajante, não</p><p>concorrendo culpa da estrada”.</p><p>156 Assim, já no ano de 1980, afirmou o STF (Recurso Extraordinário 88407/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Thompson Flores,</p><p>Rel. para o acórdão Min. Décio Miranda, julgado em 7 de agosto de 1980), assim ementado: “CIVIL. RESPONSABILIDADE</p><p>CIVIL DO TRANSPORTADOR. ASSALTO A ONIBUS SUBURBANO. PASSAGEIRO QUE REAGE E É MORTALMENTE FERIDO.</p><p>CULPA PRESUMIDA, AFASTADA. REGRA MORAL NAS OBRIGAÇÕES. RISCO NÃO COBERTO PELA TARIFA. FORÇA MAIOR.</p><p>CAUSA ADEQUADA. SEGURANÇA FORA DO ALCANCE DO TRANSPORTADOR. AÇÃO DOS BENEFICIARIOS DA VÍTIMA,</p><p>IMPROCEDENTE CONTRA A EMPRESA TRANSPORTADORA. VOTOS VENCIDOS”.</p><p>157 Recordemos antigo julgado do STJ proclamando a responsabilidade do transportador ao não reconhecer o assalto</p><p>como um “caso fortuito”: Recurso Especial 232649/SP (Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, Rel. para o acórdão Min.</p><p>César Asfor Rocha, julgado em 15 de agosto de 2002), assim ementado: “[...] Tendo se tornado fato comum e corriqueiro,</p><p>sobretudo em determinadas cidades e zonas tidas como perigosas, o assalto no interior do ônibus já não pode mais ser</p><p>genericamente qualificado como fato extraordinário e imprevisível na execução do contrato de transporte, ensejando</p><p>maior precaução por parte das empresas responsáveis por esse tipo de serviço, a fim de dar maior garantia e</p><p>incolumidade aos passageiros. [...]”.</p><p>A revisão desse entendimento foi feita pela Segunda Seção no conhecido julgamento do Recurso Especial 435865/RJ (Rel.</p><p>Min. Barros Monteiro, julgado em 9 de outubro de 2002), assim ementado: “RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE</p><p>COLETIVO. ASSALTO À MÃO ARMADA. FORÇA MAIOR.</p><p>- Constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estranho ao transporte</p><p>em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido”.</p><p>158 Uma dessas exceções é o fato de o ônibus ter parado fora do ponto e o “passageiro” que embarcou ter realizado o</p><p>assalto: Recurso Especial 200808/RJ (Terceira Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, julgado em 16 de novembro de</p><p>2000), assim ementado: “CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS. O transportador só</p><p>responde pelos danos resultantes de fatos conexos com o serviço que presta, mas nestes se inclui o assalto, propiciado</p><p>pela parada do veículo em ponto irregular, de que resultou vítima com danos graves”.</p><p>87</p><p>Além do fato de terceiro “equiparável à força maior”, também será excludente da</p><p>responsabilidade a chamada “culpa exclusiva da vítima”, uma vez que também esta, como visto,</p><p>afasta o nexo causal.159 Aqui, portanto, está-se tratando da culpa daquela que se diz “vítima”, e</p><p>não da culpa daquele apontado como causador do dano. Esta será necessária, segundo o STJ,</p><p>para a responsabilidade do “transportador” gratuito, ou seja, quando for oferecido um</p><p>transporte sem qualquer forma de remuneração, ainda que indireta. Porém, não basta a simples</p><p>culpa, sendo necessário que esta tenha a natureza de “grave”, como chegou a sumular o</p><p>Tribunal da Cidadania (Súmula 145).160</p><p>Assim, com fundamento no revogado art. 1.057 do Código Civil, atual art. 392 do vigente</p><p>diploma, é possível afirmar que a responsabilidade do transportador gratuito tem natureza</p><p>subjetiva, não bastando, porém, a simples culpa, sendo necessário que esta seja qualificada. A sua</p><p>ocorrência, porém, sempre poderá ser questionada, pois, como vimos, a gradação da culpa é</p><p>marcada por uma elevada dose de subjetivismo.</p><p>Observe-se, por fim, que o contrato de transporte é um terreno fértil para a chamada</p><p>cláusula exonerativa da indenização, último tópico deste curso.</p><p>As cláusulas limitativas e exonerativas da reparação</p><p>A primeira observação que deve ser feita quanto a este tema é que a chamada “cláusula de</p><p>não indenizar” constitui um gênero, o qual tem por espécies a “cláusula limitativa” e a “cláusula</p><p>exonerativa”. Aquela estabelece um teto para a reparação, em geral um percentual sobre o</p><p>montante dos danos verificados, ao passo que esta afasta qualquer valor a título de reparação. Em</p><p>suma, tanto em uma hipótese como em outra, estão presentes todos os elementos para a</p><p>ocorrência da responsabilidade, mas, por força da vontade das partes, é afastada a consequência</p><p>normal da ocorrência do dano, isto é, a sua reparação.161</p><p>Por essa razão, diz-se que lugar próprio da “cláusula de não indenizar” é a</p><p>responsabilidade contratual, mas a jurisprudência tem admitido a sua ocorrência também fora</p><p>do âmbito contratual, como se observa, comumente, nas “convenções de condomínio”.162 De</p><p>159 Talvez a hipótese mais conhecida de “culpa exclusiva da vítima”, segundo o STJ, seja a do “surfismo ferroviário”,</p><p>entendimento reiterado desde 1995: Recurso Especial 59696/RJ (Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira,</p><p>julgado em 5 de setembro de 1995), cuja ementa afirma: “[...] I. APURADA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS A CULPA</p><p>EXCLUSIVA DA VÍTIMA, "SURFISTA FERROVIÁRIO", DESCABE ANALISAR A VIOLAÇÃO DO ART. 17 DA LEI 2.681/12, POR</p><p>DEMANDAR INEQUÍVOCO REEXAME DE PROVA, VEDADO PELO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ. [...]”.</p><p>160 Recorde-se o disposto no verbete 145 da Súmula da jurisprudência do STJ: “NO TRANSPORTE DESINTERESSADO, DE</p><p>SIMPLES CORTESIA, O TRANSPORTADOR SO SERA CIVILMENTE RESPONSÁVEL POR DANOS CAUSADOS AO</p><p>TRANSPORTADO QUANDO INCORRER EM DOLO OU CULPA GRAVE”.</p><p>161 Assim afirma Pereira (2014, p. 401: “Os seus efeitos consistem no afastamento da obrigação consequente ao ato</p><p>danoso. Não contém apenas uma inversão do onus probandi” (original grifado).</p><p>162 Vejamos, nesse sentido, o decidido no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 9107/MG (Quarta Turma,</p><p>Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 18 de agosto de 2011), assim ementado: “[...] 1. Ausente a Convenção de</p><p>88</p><p>todo modo, a sua expansão para fora da seara contratual não é capaz de afastar a controvérsia</p><p>acerca da sua própria validade. De fato, esta espécie de cláusula não costuma ser bem vista nem</p><p>pela doutrina nem pela jurisprudência, tendo sido, inclusive, sumulado que “em contrato de</p><p>transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar” (antigo Verbete 161 da Súmula da</p><p>Jurisprudência dominante do STF).</p><p>Essa concepção refratária ao instituto, porém, tem sucumbido nos últimos anos, bastando</p><p>verificar, em primeiro lugar, que o próprio Código Civil admitiu a cláusula limitativa, embora</p><p>tenha afastado a exonerativa, mesmo no contrato de transporte. É o que se deduz do disposto no</p><p>parágrafo único do art. 734 do diploma civil.163 Essa limitação, porém, está restrita aos danos</p><p>materiais, como corretamente afirmam Tepedino, Barboza e Morais (2012, p. 534):</p><p>Assim, o valor da bagagem auxilia na determinação dos danos materiais</p><p>sofridos pelo passageiro. Frise-se, ainda, que o parágrafo único do artigo</p><p>em exame não exclui a indenização por danos morais sofridos pelo</p><p>passageiro em virtude de qualquer incômodo ou humilhação que o</p><p>extravio de sua bagagem possa ter causado. (grifou-se)</p><p>Condomínio, ou Regimento Interno do mesmo, inviável aferir se há previsão expressa de responsabilidade nos casos de</p><p>furto em área comum. A presença da cláusula é condição para a responsabilização do condomínio nos termos da</p><p>jurisprudência pacífica desta Corte. Precedentes. [...]”.</p><p>No mesmo sentido pode ser visto o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1102361/RJ (Quarta Turma, Rel. Min.</p><p>Raul Araújo, julgado em 15 de junho de 2010), cuja ementa afirma: “[...] 1. A Segunda Seção desta Corte firmou</p><p>entendimento no sentido de que ‘O condomínio só responde por furtos ocorridos</p><p>nas suas áreas comuns se isso estiver</p><p>expressamente previsto na respectiva convenção’.</p><p>(EREsp 268669/SP, Relator o Ministro ARI PARGENDLER, DJ de 26.4.2006)</p><p>2. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido está fundamentado no fato de que: (a) o furto ocorreu no interior de uma</p><p>unidade autônoma do condomínio e não em uma área comum; (b) o autor não logrou êxito em demonstrar a existência</p><p>de cláusula de responsabilidade do condomínio em indenizar casos de furto e roubo ocorridos em suas dependências.</p><p>3. Para se concluir que o furto ocorreu nas dependências comuns do edifício e que tal responsabilidade foi prevista na</p><p>Convenção do condomínio em questão, como alega a agravante, seria necessário rever todo o conjunto fático probatório</p><p>dos autos, bem como analisar as cláusulas da referida Convenção, medidas, no entanto, incabíveis em sede de recurso</p><p>especial, a teor das Súmulas 5 e 7 desta Corte. [...]”.</p><p>Sobre o tema assim se manifestou Dias (1980, p. 245) em trabalho específico: “Mas a opinião de que, por ausência de</p><p>contrato, não pode haver convenção de irresponsabilidade é, por sua vez, exagerada. Sem dúvida que não havendo</p><p>contrato não pode haver cláusula que, por definição, é estipulada entre várias. Contudo, a irresponsabilidade pode ser</p><p>objeto de convenção autônoma, destinada a afastar a responsabilidade extracontratual”.</p><p>163 O dispositivo afirma: “Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas</p><p>bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.</p><p>Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização”.</p><p>89</p><p>Desse modo, a possível nulidade da cláusula, no que respeita aos danos materiais, deve ser</p><p>buscada em outros fundamentos normativos, e não na natureza do contrato em que porventura</p><p>inserida. Como primeiro fundamento para a nulidade, pode ser apontada a expressa previsão legal,</p><p>tal como se observa nas relações de consumo (CDC, art. 25, caput).164 Contudo, mesmo na seara</p><p>consumerista, pode ter lugar a cláusula limitativa, desde que o consumidor seja pessoa jurídica e</p><p>ocorra uma “situação justificável” (CDC, art. 51, I).165</p><p>São ainda apontadas como causas para a invalidade da cláusula o fato de ter sido</p><p>unilateralmente disposta, e não fruto de um verdadeiro acordo de vontades. A essa conclusão se</p><p>poderia chegar, por exemplo, com fundamento no art. 424 do Código Civil o qual afirma que</p><p>“nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a</p><p>direito resultante da natureza do negócio”.</p><p>A redação pouco clara do dispositivo, porém, que delega ao intérprete a tarefa de definir o</p><p>que seria um “direito resultante da natureza do negócio”, não favorece a afirmação da invalidade</p><p>da cláusula nessa hipótese. Talvez por essa razão, o STJ, embora não se tenha referido</p><p>especificamente ao Código Civil de 2002, já reconheceu a validade da cláusula em contrato de</p><p>transporte, usualmente de adesão, desde que o contratante do serviço tenha optado por um frete</p><p>mais baixo (Recurso Especial 1076465/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 8</p><p>de outubro de 2013):</p><p>RECURSO ESPECIAL – DEMANDA AJUIZADA PELA</p><p>SEGURADORA EM FACE DA TRANSPORTADORA,</p><p>POSTULANDO O REEMBOLSO DA INDENIZAÇÃO PAGA À</p><p>SOCIEDADE EMPRESÁRIA SEGURADA, EM RAZÃO DE</p><p>AVARIAS CAUSADAS À CARGA OBJETO DE TRANSPORTE</p><p>MARÍTIMO INTERNACIONAL – SENTENÇA DE</p><p>PROCEDÊNCIA MANTIDA PELO ACÓRDÃO ESTADUAL,</p><p>CONSIDERADA NULA DE PLENO DIREITO A CLÁUSULA</p><p>LIMITATIVA DA OBRIGAÇÃO INDENIZATÓRIA.</p><p>INSURGÊNCIA DA TRANSPORTADORA.</p><p>1. Ação regressiva intentada em 1998 pela seguradora, na qualidade de</p><p>sub-rogada nos direitos da sociedade empresária segurada, postulando o</p><p>reembolso, pela transportadora estrangeira, do valor pago a título de</p><p>indenização securitária decorrente de danos causados durante o</p><p>164 O dispositivo afirma: “Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a</p><p>obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores”.</p><p>165 O art. 51, I, dispõe: “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento</p><p>de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de</p><p>qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo</p><p>entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis”.</p><p>90</p><p>transporte marítimo internacional. Ao contestar, a transportadora</p><p>pleiteou a observância da cláusula limitativa da responsabilidade</p><p>(resultante do exercício da opção pelo pagamento de frete reduzido sem</p><p>menção ao valor da carga), em caso de procedência da pretensão da parte</p><p>autora. Sentença de procedência confirmada pelo Tribunal de origem,</p><p>declarada a nulidade da referida disposição contratual, sob o fundamento</p><p>de que abusiva, por configurar preceito excludente de responsabilidade</p><p>do fornecedor inserta em contrato de adesão.</p><p>2. Validade da cláusula limitativa do valor da indenização devida em</p><p>razão de avaria da carga objeto de transporte marítimo internacional. Nos</p><p>termos da jurisprudência firmada no âmbito da Segunda Seção,</p><p>considera-se válida a cláusula do contrato de transporte marítimo que</p><p>estipula limite máximo indenizatório em caso de avaria na carga</p><p>transportada, quando manifesta a igualdade dos sujeitos integrantes da</p><p>relação jurídica, cuja liberdade contratual revelar-se amplamente</p><p>assegurada, não sobressaindo, portanto, hipótese de incidência do artigo</p><p>6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, no qual encartado o</p><p>princípio da reparação integral dos danos da parte hipossuficiente (REsp</p><p>39.082/SP, Rel. Ministro Nilson Naves, Rel. p/ Acórdão Ministro</p><p>Fontes de Alencar, Segunda Seção, julgado em 09.11.1994, DJ</p><p>20.03.1995). Nada obstante, é de rigor a aferição da razoabilidade e/ou</p><p>proporcionalidade do teto indenizatório delimitado pela transportadora,</p><p>o qual não poderá importar em quantia irrisória em relação ao montante</p><p>dos prejuízos causados em razão da avaria da mercadoria transportada, e</p><p>que foram pagos pela seguradora. Precedente do Supremo Tribunal</p><p>Federal: RE 107.361/RJ, Rel. Ministro Octávio Gallotti, Primeira</p><p>Turma, julgado em 24.06.1986, DJ 19.09.1986.</p><p>3. No caso concreto, à luz da orientação jurisprudencial firmada na</p><p>Segunda Seção, não há que se falar em cláusula estabelecida</p><p>unilateralmente pelo fornecedor do serviço, na medida em que, como de</p><p>costume, é oferecida ao embarcador a opção de pagar o frete</p><p>correspondente ao valor declarado da mercadoria ou um frete reduzido,</p><p>sem menção ao valor da carga a ser transportada, sendo certo que, na</p><p>última hipótese, fica a parte vinculada à disposição limitativa da</p><p>obrigação de indenizar, cuja razoabilidade e proporcionalidade deverá ser</p><p>aferida pelo órgão julgador.</p><p>4. Hipótese em que não se revela possível a utilização da técnica de</p><p>julgamento do recurso especial prevista no artigo 257 do RISTJ</p><p>(aplicação do direito à espécie). Isto porque não houve pronunciamento,</p><p>91</p><p>nas instâncias ordinárias, sobre as assertivas formuladas por ambas as</p><p>partes (no bojo da contestação, da réplica, da apelação e das</p><p>contrarrazões) atinentes ao tipo de frete pago pela importadora da</p><p>mercadoria transportada, bem como sobre se configurada, no caso</p><p>concreto, a irrisoriedade do teto indenizatório estabelecido no contrato</p><p>de transporte marítimo.</p><p>5. Recurso especial da transportadora parcialmente provido para,</p><p>reconhecida a validade da cláusula limitativa de responsabilidade,</p><p>determinar o retorno dos autos à origem para rejulgamento da apelação,</p><p>na parte relativa ao limite da indenização, superado o entendimento</p><p>contrário ao esposado nesta Corte Superior.</p><p>O mesmo se diga da afirmação genérica de que a “cláusula de não indenizar” não pode</p><p>prevalecer</p><p>quando for contrária aos “bons costumes” ou à “ordem pública”. Tais conceitos, de</p><p>fato, são ainda hoje pouco claros para que possam constituir um claro impedimento à convenção</p><p>das partes. De todo modo, são conhecidas tentativas doutrinárias de conceituação da “ordem</p><p>pública”, tal como se observa, por exemplo, em Cavalieri Filho (2014, p. 594):</p><p>Os autores não fornecem um conceito seguro e preciso do que seja ordem</p><p>pública. Pode-se, todavia, entender como tal os princípios e regras de</p><p>intensa repercussão social, onde estão em jogo valores sociais e culturais.</p><p>São os princípios básicos, elementares, na constituição, manutenção e</p><p>desenvolvimento da sociedade. Questão de ordem pública é, pois, a que</p><p>envolve interesse indisponível, um interesse geral, ligado a valores de</p><p>maior relevância, vinculado aos fins sociais e às exigências do bem</p><p>comum. É a que alcança valores mais relevantes e gerais da sociedade,</p><p>não se circunscrevendo ao simples interesse dos contratantes. Enfim,</p><p>haverá questão de ordem pública sempre que a aplicação do direito</p><p>objetivo não puder ficar circunscrita às questões levantadas pelas partes.</p><p>(original grifado)</p><p>Talvez por esta razão, tenta-se aclarar o conceito de “ordem pública” por meio de referência a</p><p>outros institutos, entre os quais o dolo.166 De fato, afasta-se a validade da cláusula de não indenizar na</p><p>hipótese de atuação dolosa de um dos contratantes e não se conhece, doutrinariamente, quem se</p><p>oponha a esta conclusão. O mesmo não pode ser dito, porém, quando um dos contratantes agiu com</p><p>culpa grave, e não com dolo, pois, aqui, reina a controvérsia, havendo quem equipare as duas figuras e,</p><p>consequentemente, afaste a validade da cláusula também quando o contratante tenha agido com culpa</p><p>166 Nesse sentido, podem ser vistos, entre outros, Avelar (2012).</p><p>92</p><p>grave e também quem prefira restringir a invalidade somente à hipótese de dolo. A favor da</p><p>equiparação podem ser vistos Calixto (2008, cap. 4), Cavalieri Filho (2014, p. 594-595) e Avelar</p><p>(2012, p. 206-212)167. Limitando a invalidade à hipótese de dolo do devedor podem ser vistos Dias</p><p>(1980, p. 70-74) e Peres (2009, p. 168-179).</p><p>Também é corrente a afirmação de que a validade da cláusula exige alguma forma de</p><p>benefício para a vítima, como na hipótese de o transportador cobrar um valor mais baixo pelo</p><p>frete.168 Assim, o pagamento desse valor reduzido permitiria ao transportador limitar o valor da</p><p>reparação na hipótese da ocorrência de um dano. Tal situação, aliás, tem obtido o beneplácito da</p><p>jurisprudência,169 mas não parece possível, nem necessário, generalizar essa exigência.</p><p>Observemos, por fim, que a “cláusula de não indenizar”, em especial sob a espécie de</p><p>“cláusula limitativa”, tem obtido consagração legislativa, sendo a hipótese mais conhecida a do</p><p>transporte aéreo, tanto o nacional quanto o internacional.170 Tal consagração normativa, porém,</p><p>não afasta a controvérsia doutrinária e jurisprudencial, a qual, porém, passa a estar centrada no</p><p>aparente “conflito de normas jurídicas”, o qual deve ser solucionado segundo as regras próprias da</p><p>hermenêutica jurídica.171</p><p>Concluímos, assim, este breve estudo acerca da responsabilidade civil na esperança de que</p><p>tenha servido tanto para a reflexão teórica quanto para a prática judicial em tão relevante, e</p><p>sempre atual, ramo do Direito.</p><p>167 Avelar (2012, p. 206-212).</p><p>168 Vejamos, nesse sentido, a doutrina de Peres (2009, p. 139-142).</p><p>169 Exemplo de julgado nesse sentido é o já citado Recurso Especial 1076465/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Marco Buzzi,</p><p>julgado em 8 de outubro de 2013.</p><p>170 Em relação ao transporte aéreo nacional, pode ser recordado o art. 257 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986,</p><p>verbis: “Art. 257. A responsabilidade do transportador, em relação a cada passageiro e tripulante, limita-se, no caso de</p><p>morte ou lesão, ao valor correspondente, na data do pagamento, a 3.500 (três mil e quinhentas) Obrigações do Tesouro</p><p>Nacional – OTN, e, no caso de atraso do transporte, a 150 (cento e cinquenta) Obrigações do Tesouro Nacional – OTN.</p><p>§ 1º Poderá ser fixado limite maior mediante pacto acessório entre o transportador e o passageiro.</p><p>§ 2º Na indenização que for fixada em forma de renda, o capital par a sua constituição não poderá exceder o maior valor</p><p>previsto neste artigo”.</p><p>No que diz respeito ao transporte aéreo internacional, pode ser visto o disposto no art. 21 do Decreto nº 5.910, de 27 de</p><p>setembro de 2006, o qual internalizou o chamado “Protocolo de Montreal”: “Artigo 21 – Indenização em Caso de Morte ou</p><p>Lesões dos Passageiros</p><p>1. O transportador não poderá excluir nem limitar sua responsabilidade, com relação aos danos previstos no número 1</p><p>do Artigo 17, que não exceda de 100.000 Direitos Especiais de Saque por passageiro.</p><p>2. O transportador não será responsável pelos danos previstos no número 1 do Artigo17, na medida em que exceda de</p><p>100.000 Direitos Especiais de Saque por passageiro, se prova que:</p><p>a) o dano não se deveu a negligência ou a outra ação ou omissão do transportador ou de seus prepostos; ou b) o dano se</p><p>deveu unicamente a negligência ou a outra ação ou omissão indevida de um terceiro”.</p><p>171 Sobre a referida controvérsia, seja consentido remeter a Calixto (2012).</p><p>93</p><p>BIBLIOGRAFIA</p><p>AVELAR, Letícia Marquez de. A cláusula de não indenizar: uma exceção do direito contratual à</p><p>regra da responsabilidade civil. Curitiba: Juruá, 2012.</p><p>BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Comentários ao Código de Proteção do</p><p>Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991.</p><p>BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:</p><p><http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>.</p><p>______. Constituição Federal de 1988, de 5 de outubro de 1988. Disponível em:</p><p><http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.</p><p>______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 88407/RJ. Tribunal Pleno. Relator:</p><p>Min. Thompson Flores. Julgado em 7 de agosto de 1980.</p><p>______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 130764/PR. Primeira Turma. Relator:</p><p>Min. Moreira Alves. Julgado em 12 de maio de 1992.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 59696/RJ. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Sálvio de Figueiredo Teixeira. Julgado em 5 de setembro de 1995.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 177995/SP. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Barros Monteiro. Julgado em 15 de setembro de 1998.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 161913/MG. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Carlos Alberto Menezes Direito. Julgado em 22 de setembro de 1998.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 238159/BA. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Barros Monteiro. Julgado em 29 de fevereiro de 2000.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 200808/RJ. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Aldir Passarinho Júnior. Julgado em 16 de novembro de 2000.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 347978/RJ. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Julgado em 18 de abril 2002.</p><p>94</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 232649/SP. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Barros Monteiro, para o acórdão Min. César Asfor Rocha. Julgado em 15 de agosto de 2002.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 435865/RJ. Segunda Seção. Relator: Min.</p><p>Barros Monteiro. Julgado em 9 de outubro de 2002.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 437649/SP. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Sálvio de Figueiredo Teixeira. Julgado em 6 de fevereiro de 2003.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 473.085/RJ. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Castro Filho, para o acórdão Min. Antônio de Pádua Ribeiro. Julgado em 14 de junho de 2004.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 541867/BA. Segunda Seção. Relator:</p><p>Min. Antônio de Pádua Ribeiro, para o acórdão Min. Barros Monteiro. Julgado em 10 de</p><p>novembro de 2004.</p><p>______.</p><p>Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 788459/BA. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Fernando Gonçalves. Julgado em 8 de novembro de 2005.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 598281/MG. Primeira Turma. Relator: Min.</p><p>Luiz Fux, para o acórdão Min. Teori Zavascki. Julgado em 2 de maio de 2006.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 980860/SP. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Nancy Andrighi. Julgado em 23 de abril de 2009.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 685.791/MG. Terceira Turma. Relator:</p><p>Min. Vasco Della Giustina. Julgado em 18 de fevereiro de 2010.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1102361/RJ.</p><p>Quarta Turma. Relator: Min. Raul Araújo. Julgado em 15 de junho de 2010.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1020936/ES. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Luís Felipe Salomão. Julgado em 17 de fevereiro de 2011.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1120746/SC. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Nancy Andrighi. Julgado em 17 de fevereiro de 2011.</p><p>95</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1051270/RS. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Luís Felipe Salomão. Julgado em 4 de agosto de 2011.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 9107/MG.</p><p>Quarta Turma. Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Julgado em 18 de agosto de 2011.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência no Recurso Especial 605435/RJ.</p><p>Segunda Seção. Relator: Min. Nancy Andrighi, para o acórdão Min. Raul Araújo. Julgado em 14 de</p><p>setembro de 2011.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1097955/MG. Terceira Turma. Relator:</p><p>Min. Nancy Andrighi. Julgado em 27 de setembro de 2011.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 801691/SP. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 6 de dezembro de 2011.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1254141/PR. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Nancy Andrighi. Julgado em 4 de fevereiro 2012.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1114398/PR. Segunda Seção. Relator: Min.</p><p>Sidnei Beneti. Julgado em 8 de fevereiro de 2012.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1252307/PR. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Nancy Andrighi, Relator: para o acórdão Min. Massami Uyeda. Julgado em 7 de fevereiro de 2012.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1161069/RJ.</p><p>Quarta Turma. Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Julgado em 16 de fevereiro de 2012.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1125276/RJ. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Nancy Andrighi. Julgado em 28 de fevereiro de 2012.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1076160/AM. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Luís Felipe Salomão. Julgado em 10 de abril de 2012.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1243970/SE. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Massami Uyeda. Julgado em 24 de abril de 2012.</p><p>96</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1127913/RS. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Marco Buzzi, para o acórdão Min. Luís Felipe Salomão. Julgado em 20 de setembro de 2012.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1210732/SC. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Luís Felipe Salomão. Julgado em 2 de outubro de 2012.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 819008/PR. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Raul Araújo. Julgado em 4 de outubro de 2012.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1402406/RJ.</p><p>Segunda Turma. Relator: Min. Castro Meira. Julgado em 16 de outubro de 2012.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no agravo em Recurso Especial 182368/DF.</p><p>Quarta Turma. Relator: Min. Marco Buzzi. Julgado em 23 de outubro de 2012.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1195642/RJ. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Nancy Andrighi. Julgado em 13 de novembro de 2012.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1254141/PR. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Nancy Andrighi. Julgado em 4 de dezembro de 2012.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1051065/AM. Terceira Turma. Relator:</p><p>Min. Ricardo Villas Boas Cueva. Julgado em 21 de fevereiro de 2013.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1232795/SP. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Nancy Andrighi. Julgado em 2 de abril de 2013.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1288008/MG. Terceira Turma. Relator:</p><p>Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em 4 de abril de 2013.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Regimental no Recurso Especial 1218620/SC. Terceira Turma.</p><p>Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 15 de agosto de 2013.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1322387/RS. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Luís Felipe Salomão. Julgado em 20 de agosto de 2013.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1321739/SP. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em 5 de setembro de 2013.</p><p>97</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1076465/SP. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Marco Buzzi. Julgado em 8 de outubro de 2013.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1306167/RS. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Luís Felipe Salomão. Julgado em 3 de dezembro de 2013.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial 1212322/SP. Primeira</p><p>Turma. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Julgado em 3 de junho de 2014.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Recurso Especial 1127913/RS.</p><p>Corte Especial. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Julgado em 4 de junho de 2014.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial 1259799/SP. Quarta</p><p>Turma. Relator: Min. Maria Isabel Gallotti. Julgado em 4 de setembro de 2014.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 265586/SP.</p><p>Terceira Turma. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 18 de setembro de 2014.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1217422/MG. Terceira Turma. Relator:</p><p>Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 23 de setembro de 2014.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1262132/SP. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Luís Felipe Salomão. Julgado em 18 de novembro de 2014.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1397870/MG. Segunda Turma. Relator:</p><p>Min. Mauro Campbell Marques. Julgado em 4 de dezembro de 2014.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 607118/DF.</p><p>Terceira Turma. Relator: Min. Moura Ribeiro. Julgado em 24 de fevereiro de 2015.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1397460/RJ.</p><p>Quarta Turma. Relator: Min. Raul Araújo. Julgado em 10 de novembro de 2015.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1546114/ES. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Paulo de Tarso Vieira Sanseverino. Julgado em 17 de novembro de 2015.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 678485/DF.</p><p>Quarta Turma. Relator: Min. Raul Araújo. Julgado em 19 de novembro de 2015.</p><p>98</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 553104/RS.</p><p>Quarta Turma. Relator: Min. Marco Buzzi. Julgado em 1 de dezembro de 2015.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1363107/DF. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em 1 de dezembro de 2015.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 669840/RJ.</p><p>Terceira Turma. Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em 23 de fevereiro de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial</p><p>o dever de indenizar</p><p>da recorrida que responde pelos atos do seu preposto. Código de Defesa</p><p>do Consumidor, art. 14, § 3º. Aplicação. Recurso especial conhecido e</p><p>parcialmente provido” (Recurso Especial 473.085/RJ, Terceira Turma,</p><p>Rel. Min. Castro Filho, Rel. para o acórdão Min. Antônio de Pádua</p><p>Ribeiro, julgado em 14 de junho de 2004).</p><p>Certo é, porém, que o Código Civil brasileiro não conceitua a culpa, somente apresentando</p><p>o conceito de “ato ilícito” (art. 186), incluindo neste tanto o dolo (“ação ou omissão voluntária”)</p><p>quanto a culpa (“imprudência ou negligência”). Isso não deve significar, porém, que a chamada</p><p>“culpa civil” seja capaz de abranger as duas figuras, as quais são ontologicamente distintas.</p><p>De fato, no dolo, há a intenção (dolo direto) ou, ao menos, a “assunção do risco” (dolo</p><p>eventual) de produzir o resultado danoso. Na culpa, ao contrário, o agente não quer e não assume</p><p>o risco de produzir o resultado danoso, sendo que este decorrerá, portanto, da “negligência,</p><p>imprudência ou imperícia” do agente, as três conhecidas modalidades de culpa.</p><p>Observemos, também, que, em algumas situações, a legislação não se contenta com a culpa</p><p>do agente, exigindo, ao contrário, uma conduta dolosa, tal como se verifica, por exemplo, no art.</p><p>392 do Código Civil.12 Foi, aliás, com fundamento no art. 1.057 do Código Civil revogado, o</p><p>qual foi repetido no atual art. 392, que o STJ editou o Verbete 145 da sua Súmula da</p><p>12 O art. 392 do Código Civil afirma: “Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem</p><p>o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes</p><p>por culpa, salvo as exceções previstas em lei”. Outro dispositivo do Código Civil que também faz distinção entre os dois</p><p>institutos para fins de responsabilização civil é o art. 1.177, especialmente seu parágrafo único, que afirma: “Art. 1.177. Os</p><p>assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos prepostos encarregados de sua escrituração,</p><p>produzem, salvo se houver procedido de má-fé, os mesmos efeitos como se o fossem por aquele. Parágrafo único. No</p><p>exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e,</p><p>perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos”.</p><p>14</p><p>Jurisprudência, o qual afirma que “no transporte desinteressado, de simples cortesia, o</p><p>transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer</p><p>em dolo ou culpa grave”.</p><p>Percebe-se que referido verbete acaba indo além da própria lei, a qual, como visto, só se</p><p>refere ao “dolo” daquele a quem o contrato não aproveita, a saber: o transportador. A razão da</p><p>equiparação realizada pelo Tribunal Superior parece ser um brocardo medieval que afirma: culpa</p><p>lata dolo aequiparatur, isto é, a culpa lata (grave) equipara-se ao dolo.</p><p>Oportuno observar que essa culpa grave também tem sido entendida como sinônimo da</p><p>“culpa consciente”, a qual será observada quando o agente, embora percebendo a possibilidade</p><p>de ocorrência do dano, “acredita sinceramente que ele não ocorrerá”. Não é por outra razão que</p><p>essa culpa grave também é conhecida como “culpa com previsão”, decorrendo de um excesso de</p><p>confiança do agente nas suas próprias habilidades, confiança esta que, no caso concreto, se</p><p>revela incorreta.</p><p>De todo modo, é inegável que o verbete sumular termina por proteger a vítima, a qual não</p><p>terá de realizar a prova, muitas vezes impossível, do dolo do agente. A hipótese mais conhecida de</p><p>aplicação dessa súmula está ligada à carona, vista, portanto, como um transporte desinteressado.</p><p>Sirva de exemplo o decidido no Recurso Especial 685.791/MG (Terceira Turma, Rel. Min.</p><p>Vasco Della Giustina, julgado em 18 de fevereiro de 2010), quando se afirmou que o transporte</p><p>gratuito de pessoas em carroceria aberta de caminhonete se traduz em uma “culpa grave” do</p><p>motorista, o qual deve ser responsabilizado pelo óbito de um dos transportados e pela lesão</p><p>corporal do outro. Afirma, em verdade, a ementa:</p><p>1. Em se tratando de transporte desinteressado, de simples cortesia, só</p><p>haverá possibilidade de condenação do transportador se comprovada a</p><p>existência de dolo ou culpa grave (Súmula 145/STJ).</p><p>2. Resta configurada a culpa grave do condutor de veículo que transporta</p><p>gratuitamente passageiro, de forma irregular, ou seja, em carroceira</p><p>aberta, uma vez que previsível a ocorrência de graves danos, ainda que</p><p>haja a crença de que eles não irão acontecer. (original grifado).</p><p>Dito isso, podemos recordar que as três espécies de culpa tradicionalmente estudadas pela</p><p>doutrina são a negligência, a imprudência e a imperícia. A negligência seria uma omissão culposa,</p><p>ou seja, uma hipótese em que o agente não agiu quando deveria ter atuado. Discute-se, portanto,</p><p>em quais situações existe um dever legal de agir, podendo ser recordado o disposto no art. 13, §</p><p>2º, do Código Penal, o qual consagraria o crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão.13</p><p>13 O art. 13, § 2º, do Código Penal, afirma: “Art. 13. [...]. § 2º A omissão é penalmente relevante quando o emitente devia e</p><p>podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:</p><p>a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;</p><p>b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;</p><p>15</p><p>Observe, porém, que o próprio Código Penal também apresenta a figura típica da omissão de</p><p>socorro (art. 135), crime omissivo próprio, que impõe a todas as pessoas um “dever de</p><p>solidariedade”.14 Portanto, ao menos em tese, qualquer pessoa pode vir a responder, inclusive</p><p>penalmente, pela sua omissão.</p><p>A segunda espécie de culpa – imprudência – está ligada à ação, ou seja, a pessoa, ao agir de</p><p>forma apressada ou irrefletida, termina por causar danos a outrem. Observe-se que estas duas</p><p>espécies estão expressamente previstas no art. 186, ao contrário da imperícia, que encontra</p><p>referência expressa no art. 18, II, do Código Penal.15</p><p>A outra espécie – imperícia – é entendida como a falta de habilidade específica para o</p><p>exercício de certa atividade ou a falta de um conhecimento específico para uma dada profissão,</p><p>sendo muito citada quando se trata de atividade médica.16 Importante observar, por fim, que este</p><p>estudo das modalidades de culpa é eminentemente teórico, uma vez que mais importante é</p><p>reconhecer, no caso concreto, a ocorrência de uma conduta culposa, pouco importando a forma</p><p>assumida por esta.</p><p>Contudo, pode assumir relevância o estudo dos graus da culpa. Tema bastante controverso</p><p>desde as suas origens, certo é que prevalece o entendimento de serem três os graus de culpa, a</p><p>saber: a) culpa grave ou lata; b) culpa leve; c) culpa levíssima.17</p><p>Sobre a culpa lata ou grave já escrevemos anteriormente, entendendo-a como sinônimo</p><p>de culpa consciente, não se confundindo, porém, com o dolo eventual. A culpa leve é</p><p>entendida como o erro de conduta que poderia ter sido evitado pelo ser humano prudente,</p><p>nas circunstâncias do caso concreto. Dessa forma, o seu conceito se confunde com o próprio</p><p>conceito de culpa, não havendo, portanto, razão para o qualificar. Contudo, para que se</p><p>diferencie da culpa levíssima, é que se tem insistido na manutenção deste qualificativo, pois a</p><p>culpa levíssima é vista como aquele erro de conduta que poderia ter sido evitado por um</p><p>c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”.</p><p>14 O art. 135 do diploma penal dispõe: “Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal,</p><p>à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou</p><p>não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:</p><p>Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.</p><p>Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se</p><p>resulta a morte”.</p><p>1511072/SP. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Marco Buzzi. Julgado em 5 de maio de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial 1468756/DF. Terceira</p><p>Turma. Relator: Min. Moura Ribeiro. Julgado em 19 de maio de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 908814/RS.</p><p>Quarta Turma. Relator: Min. Raul Araújo. Julgado em 9 de agosto de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 895899/SP.</p><p>Quarta Turma. Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Julgado em 18 de agosto de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1354332/SP. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Luís Felipe Salomão. Julgado em 23 de agosto de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1549467/SP. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Marco Aurélio Belizze. Julgado em 13 de setembro de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 940990/MG.</p><p>Terceira Turma. Relator: Min. Marco Aurélio Belizze. Julgado em 27 de setembro de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1615971/DF. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Marco Aurélio Bellizze. Julgado em 27 de setembro de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1473393/SP. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Luís Felipe Salomão. Julgado em 4 de outubro de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1440721/GO. Quarta Turma. Relator: Min.</p><p>Maria Isabel Gallotti. Julgado em 11 de outubro de 2016.</p><p>99</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1553790/PE. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 25 de outubro de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1635560/SP. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Nancy Andrighi. Julgado em 10 de novembro de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 303132/PE.</p><p>Quarta Turma. Relator: Min. Maria Isabel Gallotti. Julgado em 17 de novembro de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 897028/RJ.</p><p>Terceira Turma. Relator: Min. Marco Aurélio Belizze. Julgado em 22 de novembro de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1438815/RN. Terceira Turma. Relator: Min.</p><p>Nancy Andrighi. Julgado em 22 de novembro de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 961976/MG.</p><p>Terceira Turma. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 13 de dezembro de 2016.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1642318/MS. Terceira Turma. Relator:</p><p>Min. Nancy Andrighi. Julgado em 7 de fevereiro de 2017.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 953108/RS.</p><p>Quarta Turma. Relator: Min. Raul Araújo. Julgado em 14 de fevereiro de 2017.</p><p>______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial 1533684/SP. Quarta</p><p>Turma. Relator: Min. Marco Buzzi. Julgado em 16 de fevereiro de 2017.</p><p>CALIXTO, Marcelo Junqueira. A responsabilidade civil do fornecedor de produtos pelos riscos do</p><p>desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.</p><p>______. O princípio da vulnerabilidade do consumidor. In: MORAES, Maria Celina Bodin de</p><p>(Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.</p><p>______. Dos bens. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do novo Código Civil: estudos</p><p>na perspectiva civil-constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.</p><p>______. A culpa na responsabilidade civil: estrutura e função. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.</p><p>100</p><p>______. Breves considerações em torno do art. 944, parágrafo único, do Código Civil. In: Revista</p><p>Trimestral de Direito Civil, vol. 39, Rio de Janeiro: PADMA, 2009.</p><p>______. Crise da COVID-19, vacinas e riscos do desenvolvimento. In: Direito do Consumidor</p><p>Aplicado. Indaiatuba: Foco, 2023, pp. 57-61</p><p>______. A responsabilidade civil do transportador na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.</p><p>In: MARTINS, Guilherme Magalhães (Coord.). Temas de responsabilidade civil. Rio de Janeiro:</p><p>Lumen Juris, 2012.</p><p>CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014.</p><p>CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro:</p><p>Renovar, 2005.</p><p>DIAS, José de Aguiar. Cláusula de não indenizar. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980.</p><p>______. Da responsabilidade civil. 12. ed. atual. por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Lumen</p><p>Juris, 2012.</p><p>GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Lucros cessantes: do bom-senso ao postulado normativo da</p><p>razoabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.</p><p>KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 7. ed. São Paulo: Revista dos</p><p>Tribunais, 2010.</p><p>MIRAGEM, Bruno. Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2015.</p><p>MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos</p><p>danos morais. Rio de Janeiro, Renovar, 2009.</p><p>MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de</p><p>Janeiro: GZ, 2009.</p><p>PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 10. ed. rev. e atual. por Gustavo Tepedino.</p><p>Rio de Janeiro: GZ, 2012.</p><p>101</p><p>______. Responsabilidade Civil. 13ª edição (atualizada por Gustavo Tepedino). Rio de Janeiro:</p><p>Forense, 2022.</p><p>PERES, Fábio Henrique. Cláusulas contratuais excludentes e limitativas do dever de indenizar. São</p><p>Paulo: Quartier Latin, 2009.</p><p>RENTERÍA, Pablo. Obrigações de meios e de resultado: análise crítica. São Paulo: Método, 2011.</p><p>SALOMÃO, Luís Felipe. Direito privado: teoria e prática. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.</p><p>SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral. São Paulo: Saraiva, 2011.</p><p>SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2012.</p><p>SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento: adimplemento substancial,</p><p>inadimplemento antecipado e outras figuras. In: SCHREIBER, Anderson. Direito Civil e</p><p>Constituição. São Paulo: Atlas, 2013a.</p><p>______. Arbitramento do dano moral no Código Civil. In: SCHREIBER, Anderson. Direito Civil</p><p>e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013b.</p><p>______. Dano moral à pessoa jurídica: uma ideia fora do lugar. In: SCHREIBER, Anderson. Direito</p><p>Civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013c.</p><p>______. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos</p><p>danos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013d.</p><p>SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor. Coimbra: Almedina, 1990.</p><p>SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2013.</p><p>TARTUCE, Flávio. Responsabilidade civil objetiva e risco: a teoria do risco concorrente. São Paulo:</p><p>Método, 2011.</p><p>______. Direito civil. 11. ed. São Paulo: Método, 2016. v. 2.</p><p>TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor. 4. ed.</p><p>São Paulo: Método, 2015.</p><p>TARTUCE, Flávio. Responsabilidade Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2022.</p><p>102</p><p>TEPEDINO, Gustavo. A responsabilidade médica na experiência brasileira contemporânea. In:</p><p>Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006a.</p><p>______. Notas sobre o Nexo de Causalidade. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio</p><p>de Janeiro: Renovar, 2006b. v. 2.</p><p>______. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002. In:</p><p>TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-</p><p>constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.</p><p>______ (Coord.). A parte geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. 3.</p><p>ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.</p><p>______; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado</p><p>conforme a Constituição</p><p>da República. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. v. 2.</p><p>______; TERRA, Aline de Miranda Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Fundamentos do</p><p>Direito Civil. Vol. 4. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2023.</p><p>103</p><p>PROFESSOR-AUTOR</p><p>Prof. Marcelo Junqueira Calixto, Doutor e Mestre em Direito</p><p>Civil pela UERJ. Professor convidado dos cursos de Pós-Graduação da</p><p>FGV e de diversas instituições de ensino. Membro do BRASILCON, do</p><p>IBDCivil, do IBERC, do CBAr e do IAB. Advogado no Rio de Janeiro,</p><p>atuando nas áreas de contencioso cível e arbitragem. Parecerista e Árbitro.</p><p>https://www.instagram.com/fgv.educacaoexecutiva/</p><p>https://www.linkedin.com/school/fgv-educacaoexecutiva/</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Objetivos</p><p>Objetivo geral</p><p>Objetivo específico</p><p>SUMÁRIO</p><p>MÓDULO I – PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL</p><p>O conceito e as espécies de responsabilidade civil</p><p>Conceito</p><p>Espécies</p><p>A culpa como fundamento da responsabilidade civil</p><p>A teoria do risco e a quebra de paradigma</p><p>O nexo causal e as suas excludentes</p><p>MÓDULO II – O DANO COMO ELEMENTO ESSENCIAL</p><p>O dano reparável e a teoria da perda de uma chance</p><p>O dano patrimonial e as suas espécies</p><p>O dano extrapatrimonial e a sua reparação</p><p>As outras espécies de dano extrapatrimonial</p><p>MÓDULO III – RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC</p><p>Os conceitos fundamentais do CDC</p><p>Os requisitos para a responsabilidade civil no CDC</p><p>Os responsáveis pela reparação civil no CDC</p><p>As excludentes da responsabilidade civil no CDC</p><p>MÓDULO IV – ALGUNS TEMAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL</p><p>A responsabilidade civil por inadimplemento contratual</p><p>A responsabilidade civil dos médicos e dos hospitais</p><p>A responsabilidade civil do transportador</p><p>As cláusulas limitativas e exonerativas da reparação</p><p>BIBLIOGRAFIA</p><p>PROFESSOR-AUTOR</p><p>15 Afirma o art. 18 do Código Penal: “Art. 18. Diz-se o crime:</p><p>Crime doloso</p><p>I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;</p><p>Crime culposo</p><p>II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.</p><p>Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando</p><p>o pratica dolosamente”.</p><p>16 Não é por outra razão que a imperícia encontra referência no art. 951 do Código Civil, aplicável à atividade médica,</p><p>verbis: “Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no</p><p>exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o</p><p>mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”.</p><p>17 Sobre os graus de culpa, seja consentido remeter a Calixto (2008, p. 107-119).</p><p>16</p><p>diligentíssimo pai de família. Esta é, justamente, a sua maior crítica, pois não conseguimos</p><p>determinar, a priori, quem possa ser um diligentíssimo ser humano, podendo mesmo ser dito</p><p>que este é um padrão não humano de conduta.18</p><p>Assim, manter a culpa levíssima como um possível grau de culpa parece somente se</p><p>justificar por força da tradição, sendo muito comum a insistência no velho brocardo jurídico</p><p>romano In lege Aquilia et levissima culpa venit, o qual pode ser traduzido como “na</p><p>responsabilidade aquiliana (extracontratual), basta a culpa levíssima do agente”.19 Este seria mais</p><p>um ponto de distinção entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, o qual se justifica</p><p>pelo fato de que, na responsabilidade aquiliana, não há relação prévia entre as partes, de maneira</p><p>que todo dano, ainda que decorrente de culpa levíssima, deve ser reparado. A referência, porém, a</p><p>um diligentíssimo ser humano parece depor contra este grau de culpa.</p><p>De todo modo, se, no passado, o estudo dos graus da culpa foi muitas vezes deixado de</p><p>lado, certo é que adquiriu novo fôlego com o disposto no parágrafo único do art. 944 do vigente</p><p>Código Civil.20 Neste dispositivo, há expressa referência à gravidade da culpa como um possível</p><p>critério para a quantificação do montante da reparação. Inúmeras são as dúvidas colocadas pela</p><p>referida norma, a começar pelo fato de que ela mitiga o “princípio da reparação integral do dano”</p><p>consagrado no caput deste art. 944. Em verdade, pela regra do caput, seria possível dizer que a</p><p>responsabilidade civil tem por finalidade “reparar todo dano, mas nada além do dano”. O</p><p>parágrafo único, porém, permite que a vítima fique parcialmente sem reparação, “privilegiando-</p><p>se”, assim, o próprio ofensor, que poderá beneficiar-se do fato de ter atuado com culpa leve ou</p><p>levíssima, caso esta última seja realmente admitida.21</p><p>18 Sobre a culpa levíssima, tivemos ocasião de escrever, em outra sede Calixto (2008, p. 116-119): “Assim, nega-se</p><p>relevância a este grau com base no fato de que, se a falta de diligência mínima já é capaz de gerar a responsabilidade do</p><p>agente, parece não haver razão para diferenciar tal hipótese daquela outra em que a própria culpa é dispensada, ou seja,</p><p>todos aqueles casos de responsabilidade sem culpa ou responsabilidade objetiva. Em consequência, a distinção entre a</p><p>responsabilidade sem culpa e a responsabilidade por culpa levíssima seria meramente nominal, metodológica, e não</p><p>fática. Admitida, contudo, a existência deste grau de culpa, surge ainda uma outra dificuldade, a qual reside justamente</p><p>no padrão de comportamento que se adota para sua configuração. A referência a um diligentíssimo bom pai de família</p><p>mostra-se desprovida de qualquer embasamento fático, sendo, em verdade, um padrão não humano de conduta,</p><p>incapaz, portanto, de servir de modelo para a apreciação desta mesma conduta. Por fim, pode ser recordado que a</p><p>previsão de uma culpa levíssima como fonte de responsabilidade civil contribui para o processo de ‘vitimização social’,</p><p>uma vez sempre se poderá encontrar uma culpa mínima na conduta daquele apontado como causador do dano.</p><p>Acompanhando estas críticas, defende-se o abandono deste grau de culpa”.</p><p>19 Vejamos, nesse sentido, a doutrina de Cavalieri Filho (2014, p. 53). Foi também o que decidiu o STJ por ocasião do</p><p>julgamento do Recurso Especial 238159/BA, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 29 de fevereiro de</p><p>2000, cuja ementa afirma que “na responsabilidade aquiliana ou extracontratual, basta a culpa levíssima do agente”.</p><p>20 O art. 944 do Código Civil afirma: “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.</p><p>Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,</p><p>equitativamente, a indenização”.</p><p>21 O tema foi por nós aprofundado em CALIXTO, Marcelo Junqueira. Breves considerações em torno do art. 944,</p><p>parágrafo único, do Código Civil. In: Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 39, Rio de Janeiro: PADMA, 2009. p. 51-76.</p><p>17</p><p>Talvez por essa razão, a norma, que parece não encontrar equivalente em nenhum outro</p><p>ordenamento, tem sido pouco aplicada pelos tribunais brasileiros, e, mesmo quando aplicada, o</p><p>fundamento invocado não tem sido a gravidade da culpa, de marcada subjetividade, mas</p><p>elementos mais objetivos como as condições econômicas do ofensor ou do ofendido.</p><p>Exemplo desse entendimento foi o proferido no julgamento do Recurso Especial</p><p>1127913/RS (Quarta Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para o acórdão Min. Luís Felipe</p><p>Salomão, julgado em 20 de setembro de 2012) em que se invocou o art. 944, parágrafo único,</p><p>para reduzir o valor global da reparação devida por uma empresa de táxi aéreo que veio a ser</p><p>condenada pelos danos decorrentes da queda do seu helicóptero. A leitura do inteiro teor do</p><p>acórdão, porém, revela que o argumento determinante para a redução do valor fixado pelas</p><p>instâncias ordinárias em favor dos parentes das vítimas não foi o grau de culpa do piloto, e sim o</p><p>“porte econômico” da ré.22</p><p>22 O referido julgado possui a seguinte ementa: “[...] 3. A responsabilidade civil da empresa de taxi aéreo está proclamada</p><p>com base na apreciação das provas produzidas nos autos, bem como das normas regulamentares que disciplinam as</p><p>exigências para sobrevoos e para a sinalização da rede elétrica. Impossibilidade de análise de normas de caráter</p><p>infralegal. Incidência também da Súmula 7/STJ.</p><p>4. Em se tratando de danos morais, o sistema de responsabilidade civil atual rechaça indenizações ilimitadas que</p><p>alcançam valores que, a pretexto de reparar integralmente vítimas de ato ilícito, revelam nítida desproporção entre a</p><p>conduta do agente e os resultados ordinariamente dela esperados.</p><p>5. É certo que a solução de simplesmente multiplicar o valor que se concebe como razoável pelo número de autores tem</p><p>a aptidão de tornar a obrigação do causador do dano demasiado extensa e distante de padrões baseados na</p><p>proporcionalidade e razoabilidade. Por um lado, a solução que pura e simplesmente atribui esse mesmo valor ao grupo,</p><p>independentemente do número de integrantes, também pode acarretar injustiças. Isso porque, se no primeiro caso o</p><p>valor global pode se mostrar exorbitante, no segundo o valor individual pode se revelar diluído e se tornar ínfimo,</p><p>hipóteses opostas que ocorrerão no caso de famílias numerosas.</p><p>6. Portanto, em caso de dano moral decorrente de morte de parentes próximos, a indenização deve ser arbitrada de</p><p>forma global para a família da vítima, não devendo, de regra, ultrapassar o equivalente a quinhentos salários mínimos,</p><p>podendo, porém, ser acrescido do que bastar para que os quinhões individualmente considerados não sejam diluídos e</p><p>nem se tornem irrisórios, elevando-se o montante até o dobro daquele valor”.</p><p>De todo modo, este entendimento, proferido por maioria, sofreu modificação no julgamento dos Embargos de</p><p>Divergência em Recurso Especial 1127913/RS (Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 4 de junho</p><p>de 2014), quando se afirmou a necessidade</p><p>de tratar “igualmente” todos os parentes dos falecidos, igualando os</p><p>quinhões de cada um, uma vez que a “situação fática” era essencialmente a mesma. Observemos, porém, que, neste</p><p>julgamento, voltou-se a invocar a “capacidade econômica de ambas as partes” como um dos fundamentos para a fixação</p><p>do quantum reparatório. Afirma a ementa deste último julgado: “[...] 3. A reparabilidade do dano moral possui função</p><p>meramente satisfatória, que objetiva a suavização de um pesar, insuscetível de restituição ao status quo ante. A justa</p><p>indenização, portanto, norteia-se por um juízo de ponderação, formulado pelo Julgador, entre a dor suportada pelos</p><p>familiares e a capacidade econômica de ambas as partes – além da seleção de um critério substancialmente equânime.</p><p>4. Nessa linha, a fixação de valor reparatório global por núcleo familiar – nos termos do acórdão embargado – justificar-</p><p>se-ia apenas se a todos os lesados (que se encontram em idêntica situação, diga-se de passagem) fosse conferido igual</p><p>tratamento, já que inexistem elementos concretos, atrelados a laços familiares ou afetivos, que fundamentem a</p><p>discriminação a que foram submetidos os familiares de ambas as vítimas.</p><p>5. No caso em exame, não se mostra equânime a redução do valor indenizatório, fixado para os embargantes, tão</p><p>somente pelo fato de o núcleo familiar de seu parente falecido – Carlos Porto da Silva – ser mais numeroso em relação ao</p><p>da vítima Fernando Freitas da Rosa.</p><p>6. Como o dano extrapatrimonial suportado por todos os familiares das vítimas não foi objeto de gradação que</p><p>fundamentasse a diminuição do montante reparatório devido aos embargantes, deve prevalecer a metodologia de</p><p>arbitramento da quantia reparatória utilizada nos acórdãos paradigmas – qual seja, fixação de quantia reparatória para cada</p><p>vítima – restabelecendo-se, dessa maneira, o montante de R$ 130.000,00, fixado pelo Tribunal a quo, para cada embargante,</p><p>restabelecendo-se, ainda, os critérios de juros de mora e correção monetária fixados pelo Tribunal de origem”.</p><p>18</p><p>Notemos, igualmente, que a referida norma só parece autorizar a redução da reparação – e</p><p>não a sua fixação – com fundamento na gravidade da culpa, o que seria capaz de afastar qualquer</p><p>possibilidade de um caráter punitivo ou pedagógico para essa mesma reparação. A despeito disso,</p><p>como veremos, inúmeras são as vozes e os julgados que têm admitido esse caráter.23</p><p>Outra controvérsia decorrente do parágrafo único do art. 944 reside na sua possível</p><p>aplicação às situações de responsabilidade objetiva. Tem prevalecido o entendimento de que, por</p><p>se tratar de critério para a reparação do dano (o chamado quantum debeatur) e não de pressuposto</p><p>para a existência da própria responsabilidade (o chamado an debeatur), pode sim o magistrado</p><p>considerar o grau de culpa ao definir a extensão do dano, mesmo se tratando de uma hipótese de</p><p>responsabilidade civil objetiva.24 Contudo, como dito, o caráter extremamente subjetivo dessa</p><p>graduação não parece recomendar a sua utilização.</p><p>Importante observar, de todo modo, que a utilização do grau de culpa como critério para a</p><p>quantificação do dano também encontra previsão expressa no art. 945 do Código Civil.25</p><p>Referido dispositivo trata, na verdade, da chamada “culpa concorrente”, pois nele se reconhece</p><p>que aquela que se diz “vítima” concorreu, em parte, para o seu próprio dano. Assim, nada</p><p>obstante a expressão consagrada seja, realmente, “culpa concorrente”, a situação encerra uma</p><p>questão de nexo causal, merecendo ser substituída por “concorrência de causas”.26 Perfeita, assim,</p><p>a doutrina de Cruz (2005, p. 344), quando afirma:</p><p>23 Um resumo deste pensamento majoritário consta do Enunciado 379 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da</p><p>Justiça Federal (CJF), que afirma: “Art. 944 - O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a</p><p>função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil”.</p><p>24 Interessante observar, quanto ao tema, a mudança de entendimento ocorrida entre a I Jornada de Direito Civil,</p><p>ocorrida em 2002, e a IV Jornada de Direito Civil, ocorrida em 2006. Nesse sentido, podem ser vistos os Enunciados 46 e</p><p>380: “46 – A possibilidade de redução do montante da indenização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no</p><p>parágrafo único do art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao</p><p>princípio da reparação integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva; 380 – Atribui-se</p><p>nova redação ao Enunciado n. 46 da I Jornada de Direito Civil, com a supressão da parte final: não se aplicando às</p><p>hipóteses de responsabilidade objetiva”.</p><p>25 O art. 945 do Código Civil afirma: “Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua</p><p>indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”.</p><p>26 Precedentes recentes do STJ já têm adotado esta nomenclatura, sendo exemplo o Agravo Interno no Agravo em</p><p>Recurso Especial 940990/MG (Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, julgado em 27 de setembro de 2016), cuja</p><p>ementa dispõe: “[...] 2. ‘No caso de atropelamento de pedestre em via férrea, configura-se a concorrência de causas,</p><p>impondo a redução da indenização por dano moral pela metade, quando: (i) a concessionária do transporte ferroviário</p><p>descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais urbanos e populosos, adotando</p><p>conduta negligente no tocante às necessárias práticas de cuidado e vigilância tendentes a evitar a ocorrência de sinistros;</p><p>e (ii) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a via férrea em local inapropriado’ (REsp 1.172.421/SP, Rel.</p><p>Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 08/08/2012, DJe 19/09/2012)”.</p><p>19</p><p>Desta forma, mais apropriado seria se o legislador, em vez de se referir</p><p>ao grau de culpa, tivesse feito menção à interferência da vítima no</p><p>evento danoso. Aliás, o art. 945 não se deveria referir apenas aos casos</p><p>em que a vítima concorre com o agente. Melhor seria se o legislador</p><p>tivesse elaborado uma regra geral de distribuição do prejuízo entre os</p><p>corresponsáveis pelo dano.</p><p>Por fim, são conhecidas inúmeras expressões latinas que envolvem a culpa, tais como culpa</p><p>in vigilando, culpa in elegendo, culpa in custodiando e culpa in contrahendo. A culpa in vigilando</p><p>seria um erro de conduta cometido na vigilância de algo ou alguém, tais como na vigilância dos</p><p>pais sobre os filhos menores ou do empregador sobre o empregado. Contudo, por força da regra</p><p>do art. 933 do Código Civil, atualmente essas duas situações não exigem mais a comprovação da</p><p>culpa do responsável legal, somente se exigindo a culpa do causador direto do dano.27</p><p>O mesmo pode ser dito da chamada culpa in elegendo, a qual tinha como exemplo mais</p><p>conhecido a má escolha feita pelo empregador em relação ao seu empregado. Já a culpa in</p><p>custodiando revela-se no erro de conduta cometido na custódia de algo ou alguém, tendo como</p><p>exemplo mais conhecido a custódia do dono do animal em relação a este. Tal situação encontra</p><p>previsão no art. 936 do Código Civil, mas, também esta hipótese, hoje, tem sido submetida aos</p><p>ditames da responsabilidade objetiva.28</p><p>Também a culpa in contrahendo tem sofrido as vicissitudes do tempo, uma vez que, sendo</p><p>expressão consagrada no final do século XIX, hoje tem sido escassamente utilizada, uma vez que o</p><p>fundamento da responsabilidade passou a ser, em larga medida, a quebra da boa-fé objetiva por</p><p>parte dos contratantes. De fato, aquele que rompe arbitrariamente as negociações preliminares</p><p>termina por violar os deveres de lealdade e confiança que caracterizam a boa-fé entendida como</p><p>regra de conduta.29</p><p>27 Eis o teor do art. 933 do Código Civil: “Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que</p><p>não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.</p><p>28</p><p>Recordemos o disposto no art. 936 do Código Civil: “Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este</p><p>causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”. No sentido da responsabilidade objetiva do dono ou detentor do</p><p>animal pode ser visto o Enunciado 452 da V Jornada de Direito Civil (2011): “Art. 936. A responsabilidade civil do dono ou</p><p>detentor de animal é objetiva, admitindo-se a excludente do fato exclusivo de terceiro”.</p><p>29 De todo modo, é oportuno observar que recente julgado do STJ voltou a usar a expressão culpa in contrahendo como</p><p>fundamento da responsabilidade civil daquele que rompeu, arbitrariamente, as negociações preliminares. Foi o que se</p><p>observou no julgamento do Recurso Especial 1051065/AM (Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, julgado</p><p>em 21 de fevereiro de 2013), cuja ementa é a seguinte: “[...] 3. A responsabilidade pré-contratual não decorre do fato de a</p><p>tratativa ter sido rompida e o contrato não ter sido concluído, mas do fato de uma das partes ter gerado à outra, além da</p><p>expectativa legítima de que o contrato seria concluído, efetivo prejuízo material.</p><p>4. As instâncias de origem, soberanas na análise das circunstâncias fáticas da causa, reconheceram que houve o</p><p>consentimento prévio mútuo, a afronta à boa-fé objetiva com o rompimento ilegítimo das tratativas, o prejuízo e a</p><p>relação de causalidade entre a ruptura das tratativas e o dano sofrido. A desconstituição do acórdão, como pretendido</p><p>pela recorrente, ensejaria incursão no acervo fático da causa, o que, como consabido, é vedado nesta instância especial</p><p>(Súmula nº 7/STJ)”.</p><p>20</p><p>Percebemos, em suma, que, se no passado a culpa ocupou uma posição central no estudo da</p><p>responsabilidade civil, o mesmo não se verifica nos dias atuais. O seu espaço foi sendo</p><p>paulatinamente ocupado pelo chamado “risco”, o qual ainda serve de fundamento genérico da</p><p>responsabilidade objetiva. Isso não significa dizer, porém, que a culpa deixou de ser um possível</p><p>fundamento da responsabilidade, embora em menor extensão.</p><p>A teoria do risco e a quebra de paradigma</p><p>Aponta-se como o primeiro diploma a reconhecer a responsabilidade civil</p><p>independentemente de culpa a lei francesa de acidentes ferroviários de fins do século XIX. Por</p><p>essa razão, tal legislação foi saudada como tendo realizado verdadeira “revolução” no direito</p><p>de danos afastando, assim, um importante “filtro” para a verificação da responsabilidade.30</p><p>Foi a doutrina francesa que, em busca de um novo fundamento para a responsabilidade,</p><p>consagrou a expressão “risco”, a qual é capaz de assumir inúmeros significados.31</p><p>Não foi por outra razão que esse risco foi inicialmente entendido como “risco-proveito”,</p><p>afirmando-se que poderia ser responsabilizado aquele que aufere lucro ao exercer determinada</p><p>atividade. Tal situação era verificada, justamente, no exercício da atividade de transporte de</p><p>passageiros ou carga, sendo aplicável ao transportador ferroviário. Contudo, a dificuldade de se</p><p>determinar o conceito ou a extensão do “proveito” levou ao abandono dessa teoria.32</p><p>Assim, no início do século XX, surge a chamada teoria do “risco profissional”, a qual impõe</p><p>uma responsabilidade objetiva pelo simples exercício da atividade profissional,</p><p>independentemente do fato de ser uma atividade lucrativa. A teoria serviu, por exemplo, para</p><p>afirmar a natureza objetiva da responsabilidade do empregador pelo acidente de trabalho sofrido</p><p>pelo empregado, a qual, diga-se de passagem, só recentemente ganhou força em nosso País.</p><p>Já na segunda metade do século XX ganha forma a chamada “teoria do risco excepcional”,</p><p>a qual afirma a natureza objetiva da responsabilidade daquele que exerce uma atividade</p><p>considerada de alto risco. Essa afirmação serviu perfeitamente para a consagração da</p><p>responsabilidade objetiva daquele que opera uma usina nuclear, o que também acabou</p><p>ocorrendo no Brasil, embora anos mais tarde.</p><p>30 A referência à culpa como um “filtro” para a verificação da responsabilidade pode ser encontrada em Schreiber (2013d).</p><p>31 Sobre a origem histórica da Teoria do Risco, pode ser vista a obra de PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade</p><p>civil. 10. ed. rev. e atual. por Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro: GZ, 2012. p. 26-38. Mais à frente (p. 369), este mesmo</p><p>autor afirma que “no vocabulário jurídico, a palavra ‘risco’ é um conceito polivalente. Várias são as acepções em que se</p><p>emprega, umas relativamente próximas, outras bem diferenciadas [...]. Em termos de responsabilidade civil, risco tem</p><p>sentido especial, e sobre ele a doutrina civilista, desde o século passado vem-se projetando, com o objetivo de erigi-lo em</p><p>fundamento do dever de reparar, com visos de exclusividade, ou como extremação da teoria própria, oposta à culpa”.</p><p>Sobre as diversas modalidades de “risco”, pode ser consultada a obra TARTUCE, Flávio. Responsabilidade civil objetiva e</p><p>risco: a teoria do risco concorrente. São Paulo: Método, 2011. p. 127-181.</p><p>32 Sobre o tema, pode ser visto Pereira (2012, p. 372 e 373).</p><p>21</p><p>Faltava o passo final, a saber: a consagração da responsabilidade objetiva também para</p><p>outras atividades, o que terminou por ocorrer com a chamada “teoria do risco criado”, a qual</p><p>afirma bastar o exercício de uma atividade que, pela sua natureza, gera riscos para os direitos de</p><p>outrem.33 Contudo, mesmo depois da sua afirmação, continuou sendo majoritário o</p><p>entendimento de que a responsabilidade objetiva continuava exigindo previsão legal expressa,</p><p>uma vez que teria fonte normativa.</p><p>Nesse sentido, o citado art. 927, parágrafo único, segunda parte, do Código Civil, rompe</p><p>com esse paradigma, uma vez que reconhece a natureza objetiva da responsabilidade, seja no caso</p><p>de previsão legal, seja por força de decisão judicial, quando se reconhecer que a atividade, pela sua</p><p>natureza, gera “risco para os direitos de outrem”.</p><p>Assim, atualmente, não é mais possível apresentar como único fundamento da</p><p>responsabilidade objetiva a norma jurídica, sendo antes possível afirmar que o Brasil consagra</p><p>uma “cláusula geral de responsabilidade objetiva”, a qual é capaz de ser invocada em inúmeras</p><p>situações genericamente compreendidas no conceito de “risco”. Nesse sentido, pode ser vista a</p><p>seguinte passagem de Tepedino, Barboza e Moraes (2012, p. 809):</p><p>O CC alterou o sistema ao adotar, paralelamente à cláusula geral de</p><p>responsabilidade subjetiva do art. 186, a cláusula geral de</p><p>responsabilidade objetiva para atividades de risco, nos termos do</p><p>parágrafo único do art. 927. A inovação dá ao Poder Judiciário ampla</p><p>discricionariedade na avaliação das hipóteses de incidência da</p><p>responsabilidade sem culpa. Ao contrário de outras normas que preveem</p><p>a responsabilidade objetiva, a redação desta cláusula geral, por sua</p><p>amplitude, não se mostra precisa, uma vez que toda e qualquer atividade</p><p>implica, por sua própria natureza, “riscos para os direitos de outrem”.</p><p>Contudo, o legislador quis se referir àquelas atividades que implicam alto</p><p>risco ou em um risco maior que o normal, justificando o sistema mais</p><p>severo de responsabilização. No dispositivo mencionado, somente pode</p><p>ser definida como objetiva a responsabilidade do causador do dano</p><p>quando esta decorrer de “atividade normalmente desenvolvida” por ele.</p><p>O juiz deverá perceber, no caso concreto, uma atividade habitualmente</p><p>33 Assim escreveu Pereira (2012, p. 377), acerca do tema: “A teoria do risco criado importa em ampliação do conceito do</p><p>risco proveito. Aumenta os encargos do agente; é, porém, mais equitativa para a vítima, que não tem de provar que o</p><p>dano resultou de uma vantagem ou de um benefício obtido pelo causador do dano. Deve este assumir as consequências</p><p>de sua atividade. O exemplo do automobilista é esclarecedor: na doutrina do risco proveito a vítima somente teria direito</p><p>ao ressarcimento se o agente obtivesse proveito, enquanto que na do risco criado a indenização é devida mesmo no caso</p><p>de o automobilista estar passeando por prazer”.</p><p>(original grifado)</p><p>22</p><p>desenvolvida pelo ofensor e não uma atividade esporádica ou eventual,</p><p>qual seja, aquela que, por um momento ou por alguma circunstância,</p><p>possa ser considerada um ato de risco34.</p><p>É importante observar, porém, que o fato de existir uma responsabilidade objetiva não</p><p>significa dizer que aquele que exerce essa atividade será sempre responsável pelos danos. Em</p><p>verdade, a responsabilidade objetiva, embora tenha dispensado a culpa como requisito, não</p><p>dispensou o nexo causal entre a atividade exercida e o dano. Assim, as excludentes de nexo causal</p><p>que estudaremos em breve, a saber: a chamada culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro e o caso</p><p>fortuito ou de força maior, são, em regra, também aplicáveis a esta espécie de responsabilidade.</p><p>Contudo, começa a ganhar fôlego tanto na doutrina quanto na jurisprudência nacionais,</p><p>sobretudo na hipótese de dano ambiental, a chamada “teoria do risco integral” ou</p><p>“responsabilidade objetiva agravada”. Segundo esta teoria, aquele que exerce determinada atividade</p><p>responderá pelos danos conexos a ela, sem que possa invocar qualquer excludente de nexo causal.35</p><p>Seria, em suma, uma responsabilidade sem excludentes e a única defesa que tem o apontado</p><p>causador do dano é a redução do seu montante. Pode-se, porém, questionar a sua aplicação no</p><p>Brasil justamente pela falta de previsão legal expressa, ainda mais se considerarmos os ônus que</p><p>terminam por ser assumidos pelo empreendedor.</p><p>34 Sobre a interpretação a ser dada ao parágrafo único do art. 927 do Código Civil, já foram aprovados alguns Enunciados</p><p>nas diversas Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. Entre estes, merecem destaque os seguintes: “I –</p><p>Jornada: 38. A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do</p><p>art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a</p><p>pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade; V – Jornada: 446. A responsabilidade</p><p>civil prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil deve levar em consideração não apenas a</p><p>proteção da vítima e a atividade do ofensor, mas também a prevenção e o interesse da sociedade; 448. A regra do art.</p><p>927, parágrafo único, segunda parte, do CC aplica-se sempre que a atividade normalmente desenvolvida, mesmo sem</p><p>defeito e não essencialmente perigosa, induza, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem.</p><p>São critérios de avaliação desse risco, entre outros, a estatística, a prova técnica e as máximas de experiência”.</p><p>35 O STJ tem, em verdade, reconhecido o dano ambiental como uma hipótese de responsabilidade civil objetiva por risco</p><p>integral. Os fundamentos jurídicos apontados têm sido o art. 225, § 3º da Constituição da República e o art. 14, § 1º, da Lei</p><p>nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, definidora da chamada “Política Nacional do Meio Ambiente”. Entre outros julgados,</p><p>podem ser vistos: Recurso Especial 1363107/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 1 de</p><p>dezembro de 2015 e Recurso Especial 1114398/PR, Segunda Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 8 de fevereiro de</p><p>2012. Neste último, julgado sob o rito dos “recursos repetitivos”, foi afirmada a seguinte tese: “c) Inviabilidade de alegação</p><p>de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva. A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente</p><p>em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da</p><p>responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81),</p><p>responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador”.</p><p>23</p><p>Nesse sentido, pode ser vista a seguinte passagem de Tartuce (2011, p. 181):</p><p>Em suma, os eventos totalmente externos ao negócio ou atividade devem</p><p>ser admitidos como excludentes do nexo e da responsabilidade ambiental.</p><p>Por isso, verifica-se que o sistema nacional não adotou o risco integral,</p><p>mesmo na responsabilidade por danos ao ambiente, eis que algumas</p><p>excludentes são admitidas. Por exemplo, prevalecendo o risco integral,</p><p>um eventual bom proprietário, que sempre conservou determinada área</p><p>verde, seria punido por um raio que destruísse uma das árvores. A</p><p>conclusão, como se vê, é totalmente absurda, ferindo a lógica do razoável.</p><p>Concluindo, a questão ambiental deve ser resolvida pela teoria do risco-</p><p>proveito, pelo risco criado, pelo risco administrativo – se o dano for</p><p>causado pelo Estado ou por um dos seus agentes – ou até pelo risco</p><p>profissional. Em suma, nos casos de danos causados ao meio ambiente, a</p><p>solução não é fixa, mas variável, de acordo com as mais diversas teorias</p><p>relativas ao risco. De qualquer forma, nota-se uma responsabilidade</p><p>objetiva agravada ou aumentada pela não admissibilidade de excludentes,</p><p>como o fato exclusivo de terceiro e o fato exclusivo da vítima.</p><p>Por essa razão, é necessário conhecer as excludentes do nexo causal, as quais buscam,</p><p>justamente, temperar os riscos do negócio. Antes, porém, uma breve palavra sobre o próprio</p><p>nexo de causalidade.</p><p>O nexo causal e as suas excludentes</p><p>O nexo causal, também chamado de nexo de causalidade ou nexo etiológico, pode ser</p><p>definido como a “relação de causa e efeito entre a conduta ou a atividade e o resultado danoso”.</p><p>Assemelha-se, assim, à “relação de causa e efeito” da física, mas, juridicamente, existem três teorias</p><p>principais que tentam explicá-lo, embora seja oportuno destacar que “este é o mais delicado dos</p><p>elementos da responsabilidade civil e o mais difícil de ser determinado”.36</p><p>A primeira é a chamada “teoria da equivalência das condições”, também chamada de “teoria</p><p>da conditio sine qua non”. Esta teoria, datada do início do século XIX e fruto dos estudos do</p><p>penalista alemão Von Buri, não diferencia causa e condição, afirmando que “toda condição para o</p><p>dano é também sua causa”. Segundo os penalistas brasileiros, esta teoria foi consagrada pelo art. 13,</p><p>caput, do Código Penal, mas é certo que ela encontra uma importante exceção no § 1º do mesmo</p><p>36 PEREIRA (2012, p. 106). Sobre as diversas teorias acerca do nexo causal recomenda-se a leitura de CRUZ (2005, p. 33-</p><p>153). Também se recomenda a leitura de MULHOLLAND (2009).</p><p>24</p><p>dispositivo.37 Do ponto de vista do Direito Civil tal teoria, embora tenha o mérito de ser a primeira</p><p>a explicar o nexo causal, sofre contestação desde os fins do século XIX, pois se considera que, levada</p><p>ao extremo, aumentaria extraordinariamente o número de possíveis responsáveis pelo dano.38</p><p>Para afastar esses excessos, outro alemão, chamado Von Kries, defende a adoção da “teoria</p><p>da causalidade adequada”, a qual defende que, entre as condições do dano, existirá uma que, no</p><p>“curso normal das coisas”, apresenta-se como a “mais adequada”. Somente esta condição poderá</p><p>receber o adjetivo de “causa” do dano e só aquele que a realizou poderá ser responsabilizado por</p><p>esse mesmo dano. Esta teoria tem o grande mérito de reduzir o número de possíveis</p><p>responsáveis, evitando, assim, algumas injustiças. Contudo, apresenta uma elevada carga de</p><p>subjetividade ao exigir uma apreciação acerca de qual seria a “mais adequada” das condições, a</p><p>única a merecer o título de causa.</p><p>Ainda assim, são inúmeros os julgados do STJ que expressamente fazem referência a esta</p><p>teoria, a qual também encontra apoio doutrinário.39 Como exemplo de doutrina favorável a esta</p><p>construção teórica, pode ser visto Cavalieri Filho (2014, p. 66), que afirma:</p><p>Os nossos melhores autores, a começar por Aguiar Dias, sustentam que,</p><p>enquanto a teoria da equivalência das condições predomina na esfera</p><p>penal, a da causalidade adequada é a prevalecente na órbita civil. Logo, em</p><p>sede de responsabilidade civil, nem todas as condições que concorrem para</p><p>o resultado são equivalentes (como no caso</p><p>da responsabilidade penal), mas</p><p>37 Recordemos o disposto no art. 13, e seu § 1º, do Código Penal:</p><p>“Relação de causalidade</p><p>Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se</p><p>causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.</p><p>Superveniência de causa independente</p><p>§ 1º A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado;</p><p>os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”.</p><p>38 Não foi por outra razão que PEREIRA (2012, p. 110), citando Malaurie e Aynès, afirma que, levada ao extremo, esta</p><p>teoria “tenderia a tornar cada homem responsável por todos os males que atingem a humanidade”.</p><p>39 Como exemplos de julgados do STJ que expressamente fazem referência à “causalidade adequada” podem ser citados:</p><p>a) Recurso Especial 1615971/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27 de setembro de 2016, em</p><p>cuja ementa se lê: “[...] 2. A doutrina endossada pela jurisprudência desta Corte é a de que o nexo de causalidade deve</p><p>ser aferido com base na teoria da causalidade adequada, adotada explicitamente pela legislação civil brasileira (CC/1916,</p><p>art. 1.060 e CC/2002, art. 403), segundo a qual somente se considera existente o nexo causal quando a ação ou omissão</p><p>do agente for determinante e diretamente ligada ao prejuízo. 3. A adoção da aludida teoria da causalidade adequada</p><p>pode ensejar que, na aferição do nexo de causalidade, chegue-se à conclusão de que várias ações ou omissões</p><p>perpetradas por um ou diversos agentes sejam causas necessárias e determinantes à ocorrência do dano. Verificada,</p><p>assim, a concorrência de culpas entre autor e réu a consequência jurídica será atenuar a carga indenizatória, mediante a</p><p>análise da extensão do dano e do grau de cooperação de cada uma das partes à sua eclosão. [...]”; b) Recurso Especial</p><p>1615977/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27 de setembro de 2016, cuja ementa afirma:</p><p>“[...] 3. Com base em todas essas ponderações e mais uma vez adotando a teoria da causalidade adequada (CC/2002, art.</p><p>403) – segundo a qual somente se considera existente o nexo causal a caracterizar a responsabilidade civil quando a</p><p>conduta do agente for determinante à ocorrência do dano –, concluo que o rompimento do contrato de financiamento</p><p>decorreu do inadimplemento recíproco dos contratantes, já que ambos, tanto por ações como por omissões, deram</p><p>causa à impossibilidade de cumprimento da finalidade a que se destinava a avença. [...]”.</p><p>25</p><p>somente aquela que foi a mais adequada a produzir concretamente o</p><p>resultado. Além de se indagar se uma determinada condição concorreu</p><p>concretamente para o evento, é ainda preciso apurar se, em abstrato, ela era</p><p>adequada a produzir aquele efeito. Entre duas ou mais circunstâncias que</p><p>concretamente concorreram para a produção do resultado, causa adequada</p><p>será aquela que teve interferência decisiva.</p><p>De todo modo, a partir do início do século XX, ganha força a terceira teoria acerca do nexo</p><p>causal, a chamada “teoria da causalidade direta e imediata” ou “teoria do dano direto e imediato”</p><p>ou, ainda, “teoria da interrupção do nexo causal”. Esta terceira visão doutrinária, sem um autor</p><p>definido, busca afastar a subjetividade da teoria anterior afirmando que todo dano tem uma causa</p><p>“direta e imediata”. Assim, compete ao julgador simplesmente “descobrir” qual foi a causa última</p><p>do dano, somente podendo ser responsabilizado o seu autor.</p><p>Oportuno observar que a expressão “direto e imediato” é retirada do disposto no art. 403</p><p>do Código Civil, o qual, embora tenha sido previsto para a responsabilidade contratual, é</p><p>igualmente aplicado à responsabilidade extracontratual.40 Esta, pelo menos, é a visão que</p><p>prevalece na jurisprudência do STF, sendo exemplo mais eloquente o julgamento do Recurso</p><p>Extraordinário 130764/PR (Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 12 de maio de</p><p>1992), ocasião em que referido tribunal entendeu não haver nexo causal “direto e imediato” entre</p><p>a omissão do Poder Público, que permite a fuga de detento, e o assalto a uma joalheria realizado</p><p>por uma quadrilha da qual participava o fugitivo. Este julgado torna-se um paradigma na</p><p>jurisprudência do STF e tem a seguinte ementa:</p><p>Responsabilidade civil do Estado. Dano decorrente de assalto por</p><p>quadrilha de que fazia parte preso foragido vários meses antes. – A</p><p>responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no</p><p>artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no</p><p>parágrafo 6º do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o</p><p>requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a</p><p>omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros. – Em nosso</p><p>sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código</p><p>Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade e a teoria do dano</p><p>direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo</p><p>causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito</p><p>a impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele</p><p>também a responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por</p><p>40 O art. 403 do Código Civil afirma: “Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem</p><p>os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.</p><p>26</p><p>ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os</p><p>inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das</p><p>condições e a da causalidade adequada. – No caso, em face dos fatos tidos</p><p>como certos pelo acórdão recorrido, e com base nos quais reconheceu ele</p><p>o nexo de causalidade indispensável para o reconhecimento da</p><p>responsabilidade objetiva constitucional, e inequívoco que o nexo de</p><p>causalidade inexiste, e, portanto, não pode haver a incidência da</p><p>responsabilidade prevista no artigo 107 da Emenda Constitucional n.</p><p>1/69, a que corresponde o parágrafo 6º do artigo 37 da atual</p><p>Constituição. Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma</p><p>quadrilha de que participava um dos evadidos da prisão não foi o efeito</p><p>necessário da omissão da autoridade pública que o acórdão recorrido teve</p><p>como causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como a formação da</p><p>quadrilha, e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão.</p><p>Recurso extraordinário conhecido e provido.</p><p>Contudo, esta teoria não é isenta de críticas, em especial se considerarmos que, ao menos</p><p>em algumas situações, também o dano “indireto” merece reparação. Vejamos, nesse sentido, o</p><p>disposto no art. 948, II, do Código Civil, o qual afirma que, em caso de homicídio, serão pagos</p><p>alimentos às “pessoas a quem o morto os devia”.41 Trata-se, portanto, de um dano patrimonial</p><p>“indireto”, uma vez que o dano “direto” foi sofrido pelo falecido. Além desse dano patrimonial</p><p>indireto, os tribunais também têm afirmado a existência de um dano extrapatrimonial “indireto”,</p><p>tal como se observa, por exemplo, em favor dos parentes daquele que vem a sofrer lesões corporais</p><p>ou ficar tetraplégico.42</p><p>41 O art. 948 do Código Civil dispõe: “Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras</p><p>reparações: I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II - na prestação</p><p>de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”.</p><p>42 Este, pelo menos, é o entendimento consagrado na jurisprudência do STJ, podendo ser recordados, entre outros, o</p><p>decidido no Agravo Regimental no Recurso Especial 1212322/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho,</p><p>julgado em 3 de junho de 2014, cuja ementa afirma: “[...] 1. Não obstante a compensação por dano moral ser devida, em</p><p>regra, apenas ao próprio ofendido, tanto a doutrina quanto</p>