Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

IVETE MIRANDA PREVITALLI 
 
 
CANDOMBLÉ: Agora é Angola 
 
1
 Foto: Syntia Alves – Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda 
 
 
 
 
Dissertação apresentada à Banca 
Examinadora da Pontifícia Universidade 
Católica de São Paulo, como requisito 
parcial para obtenção do título de Mestre 
em Ciências Sociais, sob orientação da 
Profa. Teresinha Bernardo. 
 
 
 
 
 
POTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
2006 
 
1 Nos candomblé de nação angola, há um toque de atabaque que se chama muzenza e a coreografia que os 
filhos de santo desenvolvem ao som deste ritmo é muito peculiar. Os braços formando um ângulo de 90 
graus se agitam fazendo subir e descer os cotovelos, enquanto os pés, um de cada vez, sem se levantarem 
do chão se arrastam em movimentos rápidos e repetitivos para os lados. Essa dança sugere uma galinha 
de angola ciscando no chão ao mesmo tempo em que abre e fecha suas asas, reproduzindo um gracioso 
balé. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Banca Examinadora 
 
-------------------------------------- 
 
-------------------------------------- 
 
--------------------------------------
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Este trabalho teve apoio financeiro de CNPq 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para Heitor Barbosa Previtalli. 
 
 
 
 
 
 
 
Agradecimentos 
 
 
 
Agradeço a Professora Dra. Teresinha Bernardo, orientadora e amiga que com 
paciência e dedicação, ensinou-me a pesquisar nestes anos que estivemos juntas desde 
minha iniciação científica até o mestrado. 
Aos professores Eliane Hojaij Gouveia e Acácio Sidinei A. Santos que 
compuseram a mesa de qualificação e que competentemente contribuíram de maneira 
positiva para o aperfeiçoamento deste trabalho. 
 À minha filha Luciana que esteve sempre presente me estimulando e acreditando 
no meu trabalho, além de dar consultoria nos escritos em língua inglesa. 
 Ao meu filho Amílcar pela colaboração com as questões das leis em tempo de 
escravidão. 
 Ao meu filho Daniel pelo suporte em informática que em muitas horas fez-me 
perder a razão. 
Ao Walter pela paciente leitura preliminar, pelos achados nas bibliotecas e por 
suas opiniões precisas. 
À filha-de-santo, amiga e colega de academia Syntia Alves, que nunca me 
deixou esquecer prazos, e esteve presente em todos os momentos, sempre estimulando e 
oferecendo todos os seus préstimos. 
À Lajara Correa amiga que sempre solícita acudiu-me com as mais diversas 
informações sobre a comunidade do candomblé e a comunidade negra de Campinas. 
À Letícia Reis Vidor, doutora, antropóloga, filha de santo e amiga, que nos 
intervalos dos ritos me auxiliou a pensar e organizar o trabalho. 
À Maria José Sanches makota de minha casa de candomblé que ajudou-me com 
os textos em francês. 
À Melissa Barreti que muitas vezes acolheu-me em sua casa. 
Aos meus filhos-de-santo que tiveram paciência com a diminuição da minha 
disponibilidade como sacerdotisa e que continuaram assumindo as atividades relativas 
aos inquices e às entidades espirituais, além da administração da casa. 
Aos meus pais em especial à minha mãe que nunca deixou de me estimular 
mostrando o caminho que eu já havia percorrido. 
Ao tateto dia inquice Ubiacylê, à maeto dia inquice Corajacy, ao tateto dia 
inquice Gitalanguange, à mameto dia inquice Dangoroméia, ao tata Tawá, ao baba 
Tologi, e a todo povo do santo que em entrevistas ou conversas informais ofereceram 
dados preciosos para a realização deste trabalho. 
Aos meus professores na graduação e na pós das Ciências Sociais da PUCsp, 
que sempre me incentivaram a ir em frente na carreira acadêmica elogiando e lapidando 
meus trabalhos. 
Ao CNPq órgão que financiou este trabalho durante dois anos. 
Em especial agradeço a Inkossi o grande guerreiro que me ensina a vencer as 
lutas da vida e o carinho de pai Congo que nunca deixou de me acolher. 
A todos aqueles que comigo tem caminhado e que de alguma forma ajudaram-
me a escrever este trabalho, meus sinceros agradecimentos. 
. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Resumo 
 
 
 
 
Esta pesquisa trata dos candomblés de nação angola de Campinas, e analisa-os sob a 
perspectiva do sincretismo religioso e do ideal de pureza. Entre os aspectos analisados 
encontram-se: a observação do espaço que revela a passagem da umbanda para o 
candomblé além da acomodação de novos ritos que foram absorvidos por um dos 
terreiros pesquisados; a formação do parentesco que se estrutura conforme a proibição 
do incesto e também como as características da família moderna são encontradas 
atualmente na família de santo inclusive o transito de seu filhos; a Lavagem do adro da 
Catedral Metropolitana de Campinas que se constitui em uma festa de rua, apesar de se 
revelar como uma manifestação de uma linhagem, não deixa de proporcionar 
visibilidade para o candomblé campineiro independente da nação a que pertence. Além 
disso, torna o negro visível numa sociedade racista, pois atrai para a praça ativistas e as 
mais diversas manifestações culturais afro-brasileiras. 
 
 
 
 
Abstract 
 
 
 
 
 
This research is about candomblés of the Angola Nation from Campinas, and analyze 
them under the perspective of religious syncretism and the ideal of purity. Among the 
analyzed aspects are: the observation of space that reveals the transition from umbanda 
to candomblé besides the accommodation of new rites that were absorbed by one of the 
studied terreiros; the constitution of relashionships that are structured according to the 
forbiddance of incest and also how the characteristics of the modern family are 
currently found in the família de santo including the transit of its followers; the 
Lavagem of Campinas Metropolitan Cathedral´s steps, which is a street festivity and 
even though it reveals itself as a lineage´s manisfestation, it still provides visibility for 
the candomblé of Campinas independent of the nation to which it belongs. Besides, it 
makes the black people stand out in a racist society, because it atracts to the public eye 
activists and the most diverse afro-brazilian cultural manifestations. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sumário 
 
 
INTRODUÇÃO 1 
 
CAPÍTULO I: 
Nascimento e estabelecimento dos terreiros 20 
Campinas 21 
 
CAPÍTULO II: 
Da umbanda para o candomblé: o espaço conta a história 34 
As casas de angola 41 
Três Oguns: uma só terra 42 
 
Outros usos do espaço 64 
As Casas de Santo e a Casa de Egungum. 66 
O Recanto da Umbanda. 73 
O Arranjo Entre As Diversas Nações. 75 
 
CAPÍTULO III: 
Elaboração do Parentesco – Formação e Organização das Famílias-de-santo 81 
A aliança 105 
 
CAPÍTULO IV: 
A Festapróxima a Campinas, apresenta uma 
indicação mais contundente sobre a razão daquela construção. Num muro lateral que dá 
para a rua de maior movimento pode-se ler o nome “Inzo Muzambo dia 
Hongolomenha,” escrito em grandes letras azuis sobre a parede branca, que significa 
“Casa do Dono do Arco-Íris”. 
A localização dos terreiros nas periferias da cidade denota a capacidade 
aquisitiva do grupo, uma vez que os terrenos nessas regiões possuem um valor mais 
baixo do que outros em localidades nobres. Além disso, encontrar-se num bairro 
retirado significa estar num nicho da sociedade onde as regras da vida social são mais 
maleáveis, possibilitando o toque de atabaques, a criação e sacrifício de animais e os 
despachos de ebós, já que as encruzilhadas e matas na época da fundação dessas casas 
 
34 Até 1953, com o nome de Jacuba, a atual Hortolândia pertencia ao município de Campinas. A partir 
desta data, o povoado de Jacuba foi elevado a Distrito de Jacuba do município de Sumaré emancipado 
nesta mesma época . Em 1958, Jacuba passa a ser conhecida como Hortolândia, distrito de Sumaré. Trinta 
e três anos depois, em 19 de maio de 1991, Hortolândia se emancipa de Sumaré, passando a ter uma 
identidade própria no processo de desenvolvimento da região. www.hortolandia.sp.gv.br
 
 
 36
estavam mais presentes. Vale notar, ainda, que ali estão os mais pobres e a maioria dos 
afrodescendentes. 
A justificativa para os estudos dos terreiros que estão localizados, 
respectivamente em Hortolândia e em Monte Mor, é que o crescimento da Região de 
Governo de Campinas (ver fonte IBGE, censo demográfico de 1980) teve como eixo 
dois processos, segundo Beaninger: 
“A expulsão da população de baixa renda para áreas 
cada vez mais distantes - com menor valor de solo urbano em 
relação às áreas mais centrais e precários sistemas de infra-
estrutura e equipamentos sociais - a industrialização de grande 
parte dos municípios da Região, além de Campinas, com 
importante peso no emprego industrial do Estado (FUNDAÇÃO 
SEADE, 1990b) (1992; p 134)35. 
 
Fonte IBGE, Censo Demográfico de 1980 3 
 
35 Fonte IBGE, Censo Demográfico de 1980 
 
 37
O terreiro de mameto Corajacy é o que fica num bairro mais afastado e de mais 
difícil acesso. Anteriormente, esta mãe-de-santo havia construído um barracão nos 
fundos de sua casa que ficava num bairro de casas populares em Campinas. Hoje, o 
terreiro está localizado num bairro periférico de Monte Mor, com ruas sem 
pavimentação, constituído de pequenas chácaras. 
Por ocasião da entrevista, tive dificuldade para encontrá-lo, uma vez que as 
informações que haviam me passado para chegar ao terreiro eram um emaranhado de 
direitas e esquerdas, e apesar de terem me dado algumas referências, a dificuldade 
persistiu uma vez que a rua não tinha placa sinalizadora. 
Depois de errar diversas vezes e vagar por muitas ruas do bairro, eu pude chegar 
ao terreiro, ainda assim mameto Corajacy precisou me enviar um de seus filhos para 
que me guiasse até lá. Essa procura me fez recordar as histórias míticas contadas nos 
candomblés, em que os caminhos eram indicados aos que saiam em jornada na terra, 
por transeuntes ou moradores encontrados pelos caminhos. Foi exatamente assim que 
consegui chegar até o terreiro de mameto Corajacy, pedindo informação para 
transeuntes. Somente depois de tantos erros, de diversos ir e vir que atinei ao mito de 
como os caminhos podem ser facilmente encontrados, ou seja, quando anteriormente à 
partida faziam-se ofertas votivas a Exu, o orixá dos caminhos e das encruzilhadas, que 
ajudava os viajantes a chegarem a seus destinos; eu não as havia feito. 
Nas minhas voltas pelo bairro à procura do terreiro da mameto Corajacy, olhava 
para os portais das chácaras na esperança de ver uma quartinha, um alguidar e por 
intermédio destes objetos tão comuns nas entradas dos terreiros, encontrar a chácara 
certa. Se minha busca tivesse dependido destes símbolos para identificar o terreiro, eu 
não o teria achado, uma vez que seus assentamentos de portão estavam cuidadosamente 
camuflados entre as folhagens que eram abundantes sobre o portal. Apenas ao longe, a 
 38
bandeira branca do Tempo, atada a um alto mastro, surgia por sobre a vegetação e a 
cerca viva. 
Os demais terreiros aqui pesquisados ficam em bairros residenciais de ruas 
asfaltadas e com uma disponibilidade de espaço muito menor que a chácara onde está 
localizado o terreiro da mameto Corajacy, além de estarem cercados de vizinhos muito 
próximos as suas instalações. 
Todos esses terreiros foram construídos na formação desses bairros, e por isso, 
esses pais e mães-de-santo foram os primeiros moradores a se estabilizarem nessas 
localidades. Essa referência tem sido constantemente utilizada como atributo legalizador 
das atividades do candomblé nos dias de hoje, pois que, com o crescimento da cidade, 
acabaram ficando cercados de casas. A constante presença de animais, como cabritos e 
galinhas, ou ainda o barulho dos atabaques nos dias de festa, além da convivência com 
as diferenças religiosas, fazem com que os terreiros sejam muitas vezes espezinhados 
pela vizinhança. Embora esses candomblés possam declarar que estão ali há mais tempo 
que os seus vizinhos, acabam alterando os costumes, a fim de se adaptarem à nova 
realidade. As festas passaram a começar e a terminar mais cedo, os ebós são 
despachados cada vez mais longe, e as criações de animais destinados ao sacrifício estão 
cada vez menos presentes. Na nova realidade espacial, decorrente do crescimento da 
cidade, esses terreiros acabaram ficando circundados de residências, exigindo por isso 
uma nova organização das atividades, a fim de facilitar a convivência com o outro. 
Esses candomblés mudaram seus horários e maneiras de fazer as oferendas, 
porque esperam ser aceitos na vizinhança. Embora o intuito das mudanças seja obter a 
reciprocidade e a generosidade daqueles com que essas comunidades são obrigadas a 
interagir socialmente, nem sempre é isso que acontece. É bastante comum os terreiros 
terem que lidar com atos de rejeição, como apedrejamentos, realizados por 
 39
fundamentalistas de outras religiões, principalmente neopentecostais, ou por crianças e 
adolescentes que certamente têm alguma referência de discriminação em relação às 
religiões afro-brasileiras. 
Campinas tem uma história em que a ação repressora sempre esteve presente na 
vida dos negros. Desta forma, o preconceito contra o candomblé, que é uma religião 
afro-brasileira, também é muito forte. A dificuldade de o candomblé conviver com suas 
indumentárias ritualísticas e a sociedade mais abrangente campineira, é expresso no 
depoimento de mameto Dangoroméia: 
“Aqui em Campinas não tinha... com todo o respeito aos meu 
irmão que são mais velhos na religião, mas tudo era muito 
escondido, porque o preconceito era muito grande. Então eu não 
via as pessoas de cabeça raspada, porque punham peruca. Era 
muito difícil ver uma pessoa com “tobosso”36. (mameto 
Dangoroméia) 
 A opressão sobre as atividades culturais do negro, mesmo depois 
da abolição da escravatura, continuou muito forte. Se a escravidão 
legitimava a opressão, com a abolição, esta relação passou a ser um caso 
de polícia que freqüentemente invadia bailes e proibiam as capoeiras. 
Além disso, a idéia do branqueamento, a partir do período da República 
Velha, reforçou ainda mais o racismo que já era instituído. 
Essas são marcas que a história das relações raciais em Campinas 
também deixou como herança para o candomblé, tanto que os terreiros de 
hoje são datados dos anos 70, do século XX, foram fundados por pais e 
mães-de-santo migrantes de outros estados e cidades. Embora Campinas 
 
36 Pano enrolado cobre a cabeça das mulheresdo candomblé angola. 
 40
tenha recebido um grande contingente de negros escravos, seus 
descendentes não estão presentes na formação destes candomblés. 
Diferente dos antigos terreiros de Salvador, onde há uma comunidade que vive 
tanto nas imediações quanto dentro da própria “roça” 37, os terreiros em Campinas são 
menores e são poucos os adeptos que residem nas proximidades, de forma que a maioria 
dos filhos-de-santo vem de outros bairros e outras cidades. 
 
 
As casas de angola 
 
 
O primeiro terreiro campineiro de angola de que se tem notícia, data do final dos 
anos 70 e era dirigido por uma mãe-de-santo chamada Nanjerecy. Hoje não existe mais, 
porém foi nesta casa que se iniciou tateto Gitalanguange, um dos pais-de-santo que faz 
parte deste trabalho. 
Assim, o terreiro mais antigo de candomblé angola em Campinas que continua 
ativo, atualmente, é o Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda, fundado em dezembro 
de 1981, dirigido por pai Ubiacylê. 
Localizado na rua João Sulinski, nº 390, no Jardim São Pedro, este terreiro tem 
uma história peculiar, pois o barracão havia pertencido, originalmente, a uma mãe de 
 
37 Bernardo descreve um terreiro baiano dizendo que: “A “roça” surpreende, desde o início, pela sua 
construção. Parece um pequeno bairro, todo cercado de grades brancas com um portão central. Ao 
atravessá-lo, entra-se em uma pequena praça que dá origem a curtas e estreitas ruas asfaltadas e 
arborizadas com casas antigas e bem cuidadas. Em uma das vielas, vê-se um armazém e, em outra, uma 
capela toda branca.As crianças brincam despreocupadas dispondo daquele espaço como verdadeiros 
‘donos’, diferentemente das brincadeiras infantis que se vêem nas ruas de São Paulo e da própria 
Bahia”. Bernardo, Teresinha. A mulher no candomblé e na umbanda. Dissertação de mestrado 
apresentada ao programa de Estudos Pós Graduados em Ciências Sociais da PUCsp- 1986. São Paulo. 
 41
umbanda, depois foi vendido a um sacerdote de nação queto que, posteriormente, o 
vendeu ao tateto Ubiacylê. Além disso, é o espaço mais antigo dentre todos os outros, 
considerado o lugar onde “nasceu” o candomblé de Campinas. 
 
 
 
 
Três Oguns: uma só terra. 
 
 
“Ogum Rompe Mato” foi o primeiro nome que esse barracão recebeu de uma 
sacerdotisa de umbanda chamada Antonieta. Curiosamente, esta senhora vendeu o 
barracão juntamente com o corpo de médiuns e o peji38 para um babalorixá de São 
Paulo que estava se estabelecendo em Campinas, chamado baba Toloji. Ele conta: 
“Era uma casa de Umbanda. Ela se chamava “Ogum Rompe 
Mato”. Essa casa foi de Ogum. Eu comprei. Sou de Ogum. Era de 
uma pessoa de Ogum, comprei e sou de Ogum, vendi para o Bia 
que é uma pessoa de Ogum. Você está entendendo? Ela nasceu 
para ser uma casa de Ogum”. (baba Tologi)39
Pela narrativa do baba Tologi podemos observar que, na concepção dos adeptos 
do candomblé, Ogum fundou seu chão sem se importar se era inicialmente um terreiro 
de umbanda e depois de candomblé queto, ou como é agora, de nação angola. O que 
interessa é que foi o mesmo “santo” que tomou aquele lugar para si, não se importando 
de ser São Jorge, como é sincretizado na umbanda paulista, ou o Ogum Rompe Mato da 
 
38Altar onde são colocadas imagens de santos católicos, orixás, velas, nos terreiros de umbanda. 
39 Pai Tologi é um sacerdote da nação queto que começou em Campinas batendo para caboclo, no 
barracão onde hoje funciona a casa de pai Ubiacylê. 
 42
umbanda, ou simplesmente Ogum como é no queto, ou finalmente como Roxi 
Mukumbo, o inquice, no angola. 
A casa sempre foi de Ogum, independentemente se ele foi rezado em português, 
ioruba ou banto. Nesse momento, Ogum deixa de ser santo, orixá, inquice ou vodum 
para ser uma “única” divindade que tem ali uma terra que tomou para si e a sacralizou. 
Inicialmente, este terreiro dispunha de uma infra-estrutura precária, pois havia 
ali apenas um barracão, sem banheiro e sem luz elétrica, construído no fundo do terreno 
e utilizado somente para a realização das sessões de umbanda. 
 
Aos poucos, à medida que se introduziam os ritos do candomblé, as 
modificações foram sendo feitas, conforme nos conta este sacerdote: 
“Eu acrescentei uma porta no centro, fiz uma porta lateral, fiz um 
roncózinho, do lado fiz os banheiros. Agora está modificado um 
pouquinho. Fiz uma casinha de Exu na frente que parece que o 
Bia desmanchou ou fez alguma outra coisa. E fiz no espaço vazio 
do outro lado, fiz uma moradia. Ali eu fiz um banheiro e dois 
espaços, um para a cozinha e um para dormir e um jardinzinho 
de inverno”. (baba Tologi) 
Além do banheiro e da moradia para suprir as necessidades dos consulentes e do 
pai-de-santo, já o roncó faz parte do espaço sagrado do candomblé. É ali naquele 
quartinho que são colocados os assentamentos de santo e também onde vão ser 
realizados os recolhimentos dos neófitos para as cerimônias de bori e feitura de santo. 
A casinha de Exu disposta na entrada do terreiro também foi modificada, 
tornando-se maior. De um modo geral, na umbanda, a casa de Exu é pequena, porque 
 43
ela não exige sacrifícios e assentamentos, portanto, para o culto bastam uma imagem e 
velas. No candomblé, ao contrário, os assentamentos são grandes e a presença do 
sacrifício é constante; exige, pois, a construção de um espaço maior. 
Do barracão simples no fundo do terreno, baba Tologi também fez uma cozinha 
para preparar as comidas do orixá e para assar os cabritos, os porcos, os carneiros e as 
aves, que foram sacrificados. 
 
O candomblé campineiro foi se compondo aos poucos. O aprendizado se fazia 
mediante a relação com outras casas, com amigos, com os livros e com os próprios 
sacerdotes que iniciaram os pais e mães-de-santo. No começo, ritos de umbanda e 
candomblé foram se mesclando. 
Com o decorrer do tempo, acrescentaram-se mais um quarto, uma cozinha, um 
quarto de santo, uma dispensa, o roncó, banheiros, quartos de vestir e, aqui e ali, nos 
canteiros do quintal, colocaram-se alguns assentamentos. 
Apenas quando houve a “feitura” do primeiro filho-de-santo é que o terreiro se 
concretizou como sendo de candomblé. Neste contexto, baba nos conta: 
“Bonidê, foi feita lá. Então ela foi feita lá... Foi a rombona da 
casa. Olhe, eu comprei lá em 77 porque eu registrei em 78. Em 
77 por aí assim... um ano depois eu estava registrando a casa. 
Alguns anos depois, Bonidê já era feita...”. ( baba Tologi) 
 
 
 44
 
 4 5 
O primeiro barracão - 1980- foto cedida por Baba Tologi 
 
 
 
 6 7 
Interior do salão- 1980 Lembrança da abertura 
 
Fotos cedidas por Baba Tologi 
 
Em 1980, tateto Ubiacylê que já tinha filhos iniciados em Limeira e em outra 
casa em Campinas, comprou este barracão e está nele até hoje. As reformas que já 
tinham começado com baba Toloji, continuaram, a fim de suprirem as necessidades do 
sacerdote e do candomblé que, de uma vez por todas, se estabilizaram naquele local. 
 45
As primeiras construções foram conservadas com pequenas alterações e no 
restante do terreno foram construídos novos compartimentos. 
Esta casa, assim como a maioria dos terreiros de candomblé de Campinas, são 
construções muito discretas. Porém, se não há nomes que os identifiquem, a bandeira 
branca do Tempo pode ser vista ao longe, atada ao mastro de bambu, tal qual pequena 
chama que aponta para o candomblé angola filho de Zara Ktembo40 . 
Exceto esse marco, um vaso com folhas de peregum41 e uma quartinha branca, 
tradicionais símbolos religiosos afro-brasileiros, indicam exteriormente que se trata de 
uma casa de candomblé. Fora isso, um muro alto e um grandeportão de ferro pintado de 
azul não permitem que nada mais seja revelado. 
Do lado de dentro, à esquerda, num canteiro beirando o muro, uma pequena 
telha de amianto margeada por uma folha de palmeira desfiada protege um tufo de 
ferros que “plantado” num vaso, foi colocado estrategicamente à entrada. 
É um assentamento de Incossi42 que, de modo semelhante ao de Ogum43das 
casas de queto, também comporta o facão, a espada, as chaves, as setas e outras 
 
40 Zara Ktembo , como também é conhecido o inquice Tempo 
41 Dracaena fragans Gawl, AGAVACEAE,. Fonte: Barros, José F. Pessoa de. O segredo das folhas 
.Sistema de classificação de vegetais no Candomblé jêje-nagô do Brasil. Pallas; UERJ, Rio de Janeiro, 
R.J. 1993. 
42 Corresponde ao orixá nagô Ogum. Também conhecido nos candomblés angola como: 
Incossimucumbe,Iincossi, Mungongo. Roximucumbe, Sumbo, Cangira, Nkossi- Mukumbe, (Roxi-
mucumbe, Nkossi, Tabalajo, Roxi-marinho); Mucumbe (rossi Biolê, Incossi, Rossi Mocumbo, Kitaguaze, 
Minicimgo, congo mocongo, Naguê, Mugomessá, Jambá, Ngo, Mavalutango, Katembo, Rucongo, 
Alunda, Dagolonan, Kitongo); Roxo Mucumbe, Incôssi Mucumbe, Ncôsse; Kossimburé, Roximucumbi, 
Inkossi, Sumbo, Mugongo e Nkosi, Hoji Mukumbi .- Giroto, Ismael. Universo Mágico-religioso negro-
africano e afro-brasileiro: Bantu e Nagô. Tese apresentada ao9 departamento de Antropologia da FFCH 
da USP. São Paulo. 1999. p. 278/279 
43 Giroto na sua tese de doutorado expõe: “Considerando os terreiros Nagô e Bantu de maneira genérica, 
é quase homogênea a representação, material dos orixás e inquices, isto é, dos seus assentamentos, 
elementos simbólicos depositários de energias. As variações consistem, no geral, em enfeitar mais ou 
menos. 
Nos terreiros Bantu, Roximucumbe, Mutacalambo e Katende, via de regra, são cimentados, enquanto 
Ògún, Òsóòsì e Òsanyìn não o são... Wunje tem seus elementos simbólicos sobre a areia que cobre o 
alguidar, Ìbejì os tem soltos e dificilmente é representado por esculturas de crianças, como na África. 
Ambos se aproximam muito do conceito de erê, espíritos infantis. 
 46
ferramentas feitas de ferro. Posso deduzir, pelo estado em que se encontram os ferros, a 
quantidade de sacrifícios que foram ali realizados. Ao seu lado, um porrão44 de barro 
que contém água, cuja finalidade é descarregar as energias negativas e esfriar os 
caminhos daquele que ali chega por ocasião das obrigações. 
À direita, há uma casinhola que está sempre fechada, que é a casa das almas; 
mais atrás, há um viveiro, com pombos, galinhas de angola e frangos caipiras. É muito 
comum encontrar criação de bichos nos candomblés em Campinas, pois esse tipo de 
criação, além de facilitar a aquisição de animais para realização de ebós, também ajuda 
a gerar alguma renda para o criador, que geralmente está ligado à casa. 
Dividindo este espaço frontal, ainda há um pequeno quarto onde está o 
assentamento do Exu de rua45. Deixando-se ver através de um portão de ferro, este Exu 
é representado por um vaso encimado por um arranjo em ferro, onde se vêem tridentes, 
facas e chifres de animais, parafernália que significa seu próprio corpo. Neste local, são 
feitos os pedidos e colocadas as oferendas. É o Exu que tem como objetivo cuidar da 
porta, segurar as demandas e é a divindade a que o público tem maior acesso. 
Nos candomblés angola de Campinas, Exu assume dois diferentes papéis: O 
primeiro é aquele que representa o papel de guardião, que fica na entrada dos terreiros a 
fim de proteger a casa de candomblé das demandas, além de atender aos caprichos dos 
homens que vão ao seu encontro para que ele os ajude a resolver os mais diversos 
problemas do dia-a-dia. Isso pode se dar através de oferendas que muitas vezes são 
depositadas diretamente aos pés de seu assentamento. Este Exu é concebido pelos 
 
Assentamentos de Bombonjira e Èsù, sempre os vi fixos (cimentados ou com tabatinga), enquanto para os 
Nàgó, em África, segundo depoimento verbal de Síkírù Sàlámì, são soltos. 
As representações dos demais Orixás/inquices se assemelham no Brasil e se distanciam ora mais ora 
menos das africanas.” Giroto, Ismael. Universo Mágico-religioso negro-africano e afro-brasileiro: 
Bantu e Nagô.Tese apresentada ao departamento de Antropologia da FFCH da USP. São Paulo. 1999. 
p.288. 
44Pote ou vasilha de barro, comumente bojuda e de boca e fundo estreitos: 
45 Exu que guarda a casa de candomblé. 
 47
adeptos tal qual o Exu de umbanda cujas casas são construídas a frente dos terreiros e 
que Liana Trindade nos fala que servem 
 “para guardá-lo dos perigos do exterior e atender às 
necessidades de seus fiéis que lhe depositam alimento. Conservar 
esta entidade presa, amarrada, significa uma forma de apropriar-
se e deter a sua força mágica a serviço dos interesses daqueles 
que o conservam. Ter Exu assentado consiste em deter, através 
dele, o poder mágico.” (1985; p. 69). 
 
Conhecido também como Exu pagão, Companheiro, Exu de ronda, entre outras 
denominações, que têm sempre certo grau de intimidade, carinho e respeito por essa 
“entidade”, representa o espírito de pessoas que viveram à margem da moral social e 
que agora vêm auxiliar os homens a resolverem seus conflitos e a superarem as 
dificuldades da vida, tanto por meio de pedidos que podem ser realizados ao pé de seus 
assentamentos quanto diretamente confessos ao próprio Exu, através da possessão em 
“trabalhos” especiais. 
 
Giroto, refletindo sobre a perspectiva reelaborada de Exu no Brasil, uma vez que 
ele foge à concepção Nagô original que o tem como orixá, escreve: 
“... os Bantu que não têm na África um correspondente para Èsù 
( Nkadi Mpemba é um espírito malévolo que foi assimilado à 
concepção cristã do diabo) mas têm nos Nkisi a subordinação de 
um morto (Nkita = homem que teve morte violenta ou os Mpungu, 
protetores das vilas) cuja elaboração muito se assemelha ao 
assentamento de Exu...” ( p. 289) Desta forma Exu nos terreiros 
 48
de angola é assimilado ao espírito de um morto que sofreu morte 
violenta e ou foi pessoa má, em vida.1999: .289) 
 
Em algumas interpretações, Exu está relacionado a espíritos de pessoas que 
foram más em vida, como podemos verificar em texto de Liana Trindade: 
“Os adeptos consideram Exu como uma entidade boa, uma vez 
que através de seus poderes mágicos ele auxilia os homens a 
empreenderem e superarem seus conflitos.... As necessidades 
coletivas, culturais e psicológicas que a ele cabe resolver 
decorrem das relações estabelecidas entre os homens em uma 
dada estrutura da sociedade. Por esse motivo Exu é identificado 
com os homens, o seu universo é a Terra e, como os seres 
humanos, ele é ao mesmo tempo bom e mau. Assim, apenas Exu 
será capaz de resolver s conflitos sociais. (1985; p. 80) 
 
Muitos terreiros de candomblé em Campinas realizam festas muito concorridas 
em homenagem a Exu. Nestas ocasiões, os Exus que incorporam são aqueles que, nas 
casas, estão assentados perto da porta dos terreiros. Eles vêm receber as homenagens, 
comem, bebem, fumam, dançam e, muitas vezes, dão consultas. Segundo Liana 
Trindade ele “fornece não somente a proteção diante do sentimento de insegurança dos 
indivíduos, mas também permite – através do processo de demanda – uma forma dos 
homens atuarem e modificarem sua vida social.“ (1985; p. 43) 
 
O segundo papel, também muito importante é aquele em que Exu é um inquice 
denominado no angola como Aluvaiá, Bombogira, Carococi, Pangira, Jiramavambo, 
 49
Mavambo, conhecido também como Exu do santo, Exu escravo do orixá, porque, 
embora seja um inquice, é considerado um escravo de outro inquice. Exus escravos-do-
santo se manifestam nos rituais de candomblé realizados nos terreiros, porém somente 
em adeptos iniciados para ele,embora não seja muito comum esse tipo de iniciação. Ele 
vem como inquice, vestido com roupas de festa e seus filhos passam pelo mesmo 
processo de iniciação dos demais inquices 
 
 Ambas as categorias de Exus são forças individualizadas ligadas a um adepto 
e/ou a um inquice, podendo ser, como no último caso, o próprio inquice. 
 O Exu do santo normalmente fica em uma casa mais reservada e o acesso não é 
permitido a qualquer pessoa. Ele “trabalha” somente para o inquice e a única pessoa que 
tem acesso a seu assentamento para obter benefícios é o próprio iniciado. 
Participando de uma festa na casa do Tateto Ubiacyle, a respeito desse Exu-do-
santo, também chamado de Bombonjira, o ouvi explicar que o ouvi explicar que: 
“Bombonjira não é Exu mulher e que não tem nada a ver com ”Pomba-Gira” que é 
entidade de umbanda. Liana Trindade escreve que a “identificação de Exu com o 
demônio se faz principalmente ao nível da magia. Pomba-Gira, enquanto Exu mulher 
adquire os significados fornecidos pela macumba e mantidos na umbanda. “(1985; p. 
67) 
Ambos, tanto o Exu de rua quanto o Exu-do-santo têm nomes particulares. 
Esmeraldo Emérito de Santana, representante da nação angola, no “Encontro de nações-
de-candomblé” realizado em Salvador, em 1981, se refere a essa individualização de 
Exu da seguinte maneira: “... a eles dão os nomes que querem, ou eles já trazem os 
nomes... Fulano é de Ogum, o Exu é tal. O outro é também de Ogum, e o Exu é outro. É 
difícil dizer para “santo” tal, tal, porque ele se apresenta lá como quer.” (1984; p. 41). 
 50
Embora os assentamentos tanto do Exu de rua quanto do Exu do santo sejam 
externamente muito parecidos, ambos cimentados ou constituídos na tabatinga46, os 
elementos utilizados para assentar os Exus de rua são diferentes dos utilizados nos 
assentamentos do inquice. As substâncias incorporadas tanto num quanto noutro têm a 
ver com o mundo em que vivem os homens e alguns elementos representam a proteção, 
outros a defesa, ou mesmo um potencial de ataque, que resultam por meio da magia 
simpática nas respectivas forças emanadas. O que os diferencia são os elementos 
incorporados nos assentamentos do Exu de rua que tem a ver com a característica 
psicológica deste e os elementos constitutivos da identidade no assentamento do Exu-
do-santo que são aqueles relacionados com o inquice com o qual este Exu estabelece 
ligação. 
Os Exus são muito importantes nos candomblés, qualquer que seja a nação, 
porque são eles que dão proteção aos terreiros contra qualquer tipo de malefício, ao 
mesmo tempo em que, se tratados de maneira adequada, serão muito benevolentes com 
a casa e seus adeptos, trazendo bênção e prosperidade. Além do mais são os primeiros a 
receber as oferendas, são eles que transportam o moyo que é a força vital47 e nada se 
realiza sem a sua participação. (Giroto; 1999) 
 
46 Argila sedimentar, mole, untuosa, e com certo teor de matéria orgânica. 
47 Segundo Temples : “Pour les bantous, tous les êtres de l'univers possèdent leur force vitale propre; 
humaine, animale, végétative ou inanimée. Chaque être a été doté par Dieu d'une certaine force, 
susceptible de renforcer l'énergie vitale de l'être le plus fort de la création: l'homme. 
 
La félicité suprême, la seule forme du bonheur est pour le bantou la possession de la plus grande 
puissance vitale; la pire adversité et en vérité le seul aspect du malheur est pour lui la diminution de cette 
puissance. 
 
Toute maladie, plaie ou contrariété, toute souffrance, dépression ou fatigue, toute injustice ou tout échec, 
cela est considéré et désigné par le bantou comme diminution de force vitale’’. Placide Tempels - La 
Philoshophie Bantoue 1945 Lovania -Placide Tempels« LA PHILOSOPHIE BANTOUE. Traduit du 
néerlandais par A. Rubbens » Lovania (Elisabethville) 1945 .Texte intégral digitalisé et présenté par le 
Centre Aequatoria. Full text digitalised and presented by the Centre Aequatoria 
http://www.aequatoria.be/tempels/Melang2.html 
Esta foça vital que é chamada de moyo tem conforme o texto acima uma concepção muito parecida com a 
concepção de axé dos iorubá ou dos candomblés de nação queto. 
 
 51
Mais adiante da casa de Exu há duas construções, uma à direita e outra à 
esquerda, separadas por um estreito corredor coberto por telhas de amianto. Este 
corredor, além de fazer a ligação entre a parte da frente do terreiro e o domínio interno, 
também serve de área de descanso e sociabilidade Há, neste espaço, um banco de 
alvenaria de ponta a ponta beirando a construção da direita que, nos dias de festa e no 
dia-a-dia, serve para os momentos de pausa e de ponto de conversa para os filhos, 
clientes e amigos da casa. 
A construção da direita é composta por um quarto de santo, onde ficam os 
assentamentos do tateto dia inquice e dos filhos da casa, uma dispensa, um banheiro e o 
vestiário que é um quarto amplo, com inúmeras roupas de baianas penduradas num ferro 
que vai de um lado a outro deste cômodo. No fundo, à esquerda, um estreito corredor 
conduz para uma pequena área de circulação. Uma porta permite o acesso para a área 
interna.. Do lado esquerdo fica a cozinha, na qual há várias prateleiras nas quais se 
acondicionam muitas panelas reluzentes, louças diversas, talheres, brancas bacias de 
ágata e inúmeros utensílios de plástico. Além disso, há um pequeno armário de parede, 
uma mesinha sobre a qual se colocam garrafas térmicas de café. 
 Encostadas ao fundo da cozinha, há duas geladeiras, um forno e um fogão 
industrial bem amplo e, apoiado à parede lateral, ainda há um outro fogão, pouco 
menor. 
Próximo à entrada, há uma pia sob a qual se encontram alguidares48 de diversos 
tamanhos e, ao seu lado, um fogão à lenha. 
Os fogões são muitos e grandes, porque no candomblé se preparam muitas 
comidas para alimentar os inquices e os homens. Nos dias de festa quando são 
 
 
48 Vaso de barro ou de metal, baixo, em forma de tronco de cone invertido, e com diversos usos 
domésticos; oberó, alquidar 
 52
sacrificados muitos bichos, são os filhos da casa que se encarregam de limpar as carnes 
e cozinhá-las. A cozinha, em cujo centro há uma grande mesa ladeada por cadeiras, tem 
um papel muito representativo na cosmologia do candomblé, pois é ali que são 
transformados os alimentos que são servidos aos inquices e ali também são preparadas 
as refeições que fortalecem os homens para que eles possam continuar a cultuar seus 
deuses. 
A luminosidade entra por três janelas que estão assim dispostas: uma para o 
corredor lateral, outra, para a área interna que fica ao lado da porta de entrada e uma 
mais alta que dá para a área da frente. 
Toda essa parte do complexo do terreiro foi construída pelo sacerdote atual. 
Na área interna há um pequeno pátio ocupado por dois canteiros separados por 
uma escada que conduz a uma varanda, que precede o barracão de festas. Esses 
canteiros são circundados por caminhos cimentados que dão acesso, de um lado, à 
cozinha e a dois tanques, que estão dispostos lado a lado e encostados ao muro lateral, e 
de outro lado, à dispensa, à área contígua do vestiário e à moradia do pai-de-santo. 
As moradias anexas aos terreiros procuram ter uma entrada lateral ou serem 
construídas sobre algumas alas do terreiro, preocupando-se sempre em não estar sobre 
as “casas dos inquices”, a fim de que não se “pisem” sobre os assentamentos. Certa 
reserva com a entrada da casa do sacerdote está relacionada com a possibilidade de eles 
terem alguma privacidade, mesmo morando no complexo do terreiro. 
Os canteiros de plantas sagradas são partes importantes das casas de candomblé 
em Campinas, uma vez que as matas estão cada vez mais longe e cada vez mais 
privadas, dificultando a colheita dasplantas sagradas utilizadas para preparo de banhos 
 53
e, em diversas ocasiões, nos ritos de iniciação49. Todos os tatetos e mametos 
entrevistados orgulham-se muito das espécies que possuem em suas próprias casas, 
inclusive porque muitas delas são difíceis de se achar nas matas da região e só é 
possível obtê-las através de cuidadoso cultivo. 
Inseridos neste esboço de mata estão colocados alguns assentamentos. 
À esquerda, no pepelê50, que para os de fora se assemelha a um banco de 
alvenaria, ficam os assentamentos de Tempo51 e o de Angorô. O inquice Tempo é muito 
cultuado nos candomblés de angola e, invariavelmente, traz, em sua representação feita 
em ferro, uma grelha, mesa, cadeiras, garrafinhas de bebidas, uma mão com o indicador 
apontando para cima, escadas, algumas miniaturas de ferros representantes de outros 
inquices, além de outros objetos que fazem parte do dia-a-dia das pessoas. 
Seu Angorô, como é carinhosamente chamado este inquice, é representado por 
duas cobras entrelaçadas que se erguem para o céu e seu assentamento repousa sobre 
uma coluna que sai de uma pequena poça d‘água coberta por alfaces d’água52. 
Ocupando o canto esquerdo do jardim, uma pequena cobertura de telhas 
translúcidas protege as quartinhas dos caboclos, as quais são rodeadas por pequenos 
vasos de plantas, que as agasalham, reproduzindo um espaço “domesticado” da mata. 
 
49 Série de processos de natureza ritual, que efetivam e marcam a promoção de indivíduos ao acesso a 
determinadas funções religiosas no candomblé. 
50 Pepelê é uma construção de alvenaria onde são colocados os assentamentos dos inquices. O pepelê tem 
a função de colocar o inquice num pedestal demonstrando sua soberania e sobre os homens, sugerindo 
respeito e reverência dos adeptos. 
51 Segundo Giroto: “Tempo Possui mastro e bandeira branca e seus símbolos ligam-no mais ao elemento 
terra, aproximando-a de Obalúayé enquanto [com quem muitas vezes é sincretizado( grifado por mim)] 
Ìrókò está relacionado mais ao fogo, cultuando como Sàngó próximo a gameleira.” Giroto, Ismael. 
Universo Mágico-religioso negro-africano e afro-brasileiro: Bantu e Nagô. Tese apresentada ao 
departamento de Antropologia da FFCH da USP. São Paulo. 1999. p.288. 
52 Erva aquática, ornamental, da família das aráceas (Pistia stratiotes), acaule, estolonífera, com inúmeras 
raízes imersas, folhas emergentes, esponjosas, sésseis e polimorfas, flores pequenas, amarelo-pálidas, 
dispostas em espádice e protegidas por espata pequena e alvacenta, e cujo fruto é baga ovóide, com 
pericarpo fino; alface-d'água, erva-de-santa-luzia. Dicionário Aurélio Século XXI 
 54
Esses caboclos são os representantes do Brasil e, segundo os adeptos, a “boca 
dos santos”. 
Subindo a escada, podemos encontrar, no canteiro da direita, o assentamento de 
Catendê, o inquice das ervas mágicas e das plantas medicinais. São sete hastes de ferro 
enrodilhadas por pequena trepadeira de folhas metálicas encimadas por um pássaro. 
Tudo isso sai de um vaso camuflado pelas plantas do canteiro. 
Ao final dessa escada, está o barracão de festa, em cuja entrada há uma varanda, 
tendo ao lado direito uma pia e ao esquerdo um corredor, que separa a construção 
principal de uma outra menor e mais estreita que está encostada ao muro lateral onde 
estão uma casa de Aluvaiá que é, segundo os adeptos, o Exu-do-santo, uma pequena 
lavanderia e um banheiro, onde são feitos os banhos de ervas . 
No fundo do corredor, há um portão de ferro que separa uma pequena área que é 
usada nos dias de oferendas para guardar os bichos de quatro patas que serão usados nos 
sacrifícios. 
Planta do Terreiro: Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandanlunda 
 
 
 
8 
 
1. Pepelê 
2. Casa das almas 
3. Viveiro. 
4. Casa de santo 
5. Exu de rua 
6. Cozinha. 
7. Vestiário 
8. Dispensa 
9. Banheiro·. 
10. Caboclo 
11. Casa do pai-de-santo 
12.Casa de Aluvaiá 
13. Área coberta 
14. Salão de festa. 
15. Lavanderia. 
16. Banho. 
17. Banho 
18. Roncó 
55
 
Privilegiando esta área, ao centro, está o barracão que para a leitura dos 
estudiosos, antropólogos, sociólogos, etc., talvez seja a peça mais importante do 
terreiro. Isto porque sua especificidade é ser um lugar público onde ocorrem as festas 
nas quais dançam os homens e os inquices, reproduzindo os mitos, além de que certas 
danças e músicas revelam as diversas etapas de um processo iniciático. Também é no 
barracão que o sacerdote recebe as visitas, portanto onde as pessoas compartilham as 
experiências pessoais, propalam as suas conquistas e é onde a hierarquia se torna mais 
transparente aos olhos dos de fora, pois é ali que os lugares estão bem definidos, a fim 
de mostrar quem é quem na ordem do candomblé. 
A idéia de senioridade associada à sabedoria e respeito é fator 
preponderante para a organização hierárquica do candomblé, embora nem 
sempre signifique idade física, mas iniciática. 
Numa festa, a disposição dos adeptos no cortejo que entra no salão 
para dançar o candomblé, revela a hierarquia daquele terreiro. As 
pessoas que estão na frente, com roupas mais luxuosas, colares de contas 
mais abundantes e vistosos, são as que têm mais tempo de iniciação 
(cotas), ou então se trata de uma macota ou um tata , que já “nascem” 
para o candomblé com um alto grau hierárquico. Tanto os mais velhos 
quanto as macotas e tatas têm privilégios em relação aos filhos mais 
novos da casa. 
As melhores cadeiras são reservadas para os sacerdotes visitantes 
mais antigos e mais chegados ao tateto ou à mameto da casa. 
 56
Ter muitos amigos "mais velhos" no candomblé significa 
compartilhar com eles do moyo53, e ter o próprio moyo reconhecido. 
Sendo assim, as melhores cadeiras e os lugares mais próximos destas são 
sempre disputados, pois é como se a convivência com os iniciados, com 
os mais experientes, impregnasse os mais novos no santo ou os de fora 
de força espiritual e de vida (moyo). 
Quando cessam as danças coletivas em virtude da apresentação da 
dança de um inquice, os mais novos ficam sentados no chão, numa 
postura diferente dos tatas , macotas e cotas que permanecem em pé. O 
olhar de baixo para cima revela, além da posição hierárquica inferior, o 
respeito pelos inquices e pelos parentes mais velhos, pois o sacerdote ou 
a sacerdotisa comumente são chamados de pai e mãe como os ancestrais 
biológicos, transformando-se, portanto, naquele que é ou será seu 
ancestral religioso. 
Os mais velhos, embora possam permanecer em pé, devem curvar-
se reverenciando o inquice ou o que tem mais tempo de iniciado, pois se 
acredita que senioridade, devido à tradição oral, significa sabedoria e, 
conseqüentemente, poder. 
Esta ação social se expressa na conduta do “povo do santo” como 
uma norma, com poucas variações dentro das casas de candomblé, sejam 
eles de nação angola, queto, ou jeje. 
O barracão pode ser dividido em duas partes, segundo os espaços que são 
designados para os de dentro e para os de fora. Alguns são de fora porque, embora 
sejam iguais na crença aos mesmos deuses, não passaram pela feitura do santo ou por 
 
53 Força vital. Axé 
 57
qualquer outro processo que anteceda à iniciação, mas que introduza o sujeito na família 
de santo. A primeira parte do barracão, que fica próxima à entrada, mais perto do lado 
externo, é onde ficam os bancos da assistência. Essa parte corresponde a um terço do 
salão, mesmo que fique abarrotada de gente nos dias de festa. 
Todo o resto do salão, que é a sua maior parte, é destinado aos atabaques, aos 
visitantes mais ilustres e à dança da roda de candomblé. 
É nessa segunda parte que fica o centro do barracão, marcado por um ladrilho 
diferente dos demais e que nos dias comuns estásempre enfeitado com flores, acaçás e 
uma quartinha de água, entre outras coisas. 
Podemos ver do lado esquerdo deste salão uma outra porta que dá passagem para 
o corredor lateral, já descrito anteriormente, e que acolhe a casa de Aluvaiá54, uma 
pequena lavanderia e um banheiro. 
No fundo do barracão estão três atabaques; ao lado direito, a cadeira do tateto 
dia inquice e uma velha cadeira de encosto de couro, já corroído pelo tempo, que é a 
cadeira de Roxi, o inquice dono desta casa. 
Por causa do modo como foram sendo ampliados, esses terreiros nem sempre 
comportam uma camarinha55 grande o suficiente para acolher mais de um filho-de-santo 
para uma iniciação ou para as diversas obrigações no decorrer da vida religiosa. Assim, 
o barracão, por ser maior que as outras acomodações das casas de candomblé de 
Campinas, muitas vezes é utilizado para a realização dos atos propiciatórios nas 
cerimônias fechadas, ou quando a casa está ainda em mudança da umbanda para o 
candomblé, antes que seja construída a camarinha. Nesta condição, o barracão vai servir 
 
54 Corresponde ao orixá nagô Exu 
55 Lugar reservado nos candomblés onde os iniciandos passam dias recebendo lições de culto e praticando 
sacrifícios para merecerem a confiança do orixá a que se dedicam; camarinha; ronco. 
 58
de espaço privado onde serão recolhidos os “filhos-de-santo” que, porventura, estejam 
de “obrigação”. 
Em toda lateral direita estão encostados bancos, que acolherão os convidados 
mais ilustres, nas ocasiões festivas. Mais próximo da cadeira de Roxi há uma outra 
cadeira de braços, para que em dias de festa se assente um convidado mais velho dentro 
da hierarquia do candomblé ou mais importante para a comunidade. 
Do lado esquerdo, uma porta vai dar ao roncó, que também é a sala de jogo de 
búzios em épocas em que não há obrigações ou feituras de muzenza. Conjugado a esse 
quarto, há um banheiro com uma janela que dá para o corredor lateral. 
Nas paredes, havia pinturas de Lembaranganga56, de Incossi57, de Caviungo58, 
de Caiá59 que são semelhantes às imagens dos orixás que correspondem a esses 
inquices. Atualmente, as paredes estão pintadas de branco e não há mais as imagens dos 
inquices, pois já estavam bem desgastadas pelo tempo. A parede dos fundos foi 
revestida por uma cerâmica que dá a ilusão de ser um muro de pedras. No centro da 
sala, pendurado no teto, há uma quartinha e uma tigela branca, rodeadas por folhas de 
palmeira desfiadas. 
 
56 Corresponde ao orixá nagô Oxalufã. Este inquice também é denominado Gangarumbanda, 
Gangaunfaramá, Lembafurama, Jafurama e Lembafulama. Giroto, Ismael. Universo Mágico-religioso 
negro-africano e afro-brasileiro: Bantu e Nagô. Tese apresentada ao departamento de Antropologia da 
FFCH da USP. São Paulo. 1999.p. 283. 
Esmeraldo Emérito de Santana fala que “... Oxaguiã no angola, que chamamos Cassuté [também 
denominado de Lemba-dilê ( observação acrescentada por mim)]; o Oxalufã que é Gangarumbanda, 
Gangaumnfaramã; o Oxalá mais velho é o Caocô... Xicaramgomo,” Esmeraldo Emetério de Santana. 
Encontro de nações-de-candomblé. Centro de Estudos Afro-Orientais 1984. Salvador, Bahia; p. 41. 
57 Corresponde ao orixá nagô Ogum. Também denominado no angola como: Incossimucumbe, 
Mungongo, Roximucumbe, Sumbo, Munganga, Roximucumbe, Sumbo, Cangira, Tabalanjo, Roxi-
Marinho Kitaguaze, Minicongo, Mucongo, Naguê, Mugomessá, Jamba,Ngo, Mavalutango, Katembo, 
Rucongo, Alunda, Dagolonan, Kitongo. Giroto, Ismael. Universo Mágico-religioso negro-africano e 
afro-brasileiro: Bantu e Nagô. Tese apresentada ao departamento de Antropologia da FFCH da USP. São 
Paulo. 1999.p.279 
58 Corresponde ao orixá nagô Omolu. Também denominado no angola Quingongo, Camafunge, Cafunge. 
Kaviungo. 
59 Corresponde ao Orixá nagô Iemanjá. Também denominado no angola como: Quissimbe, Caiala, 
Micaia, Aiocá, Inaê, Calunga, Janaina, Mameto Caiatumbá. 
 59
Alguns ventiladores estão distribuídos nas paredes, para dar um pouco de 
ventilação quando a casa está cheia, porque o teto não é muito alto e há apenas duas 
janelas e duas portas que dão para o exterior. Nas prateleiras vêem-se santos católicos, 
a exemplo de São Jorge e São Benedito. Nas paredes do barracão, se espalham laços de 
tecidos coloridos. 
Fotos Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda- 2005 
 
 
 Frente atual. Foto: Ivete M . Previtalli 9 
 
 
 Corredor de entrada. Vê-se ao fundo a entrada do salão. 10 
 
Foto: Ivete M. Previtalli 
 
 60
 
 Entrada do barracão. Foto Ivete M. Previtalli 11 
 
 
 
 
12 13 
Parte interna do barracão. Foto: Ivete M. Previtalli 
 
 
 
 
 14 
Casa de caboclo. Foto Ivete M. Previtalli 
 
 
 61
 
 15 
Assentamento do Inquice Tempo e inquice Angorô. Foto Ivete M.P. 
 
Embora o candomblé exija locais onde haja matas, cachoeiras, rios, 
encruzilhadas, os terreiros hoje estão cada vez mais enfronhados nos espaços urbanos. 
Por isso, os terrenos não são muito grandes e a construção do complexo religioso, em 
sua maioria, ocupa quase toda a área disponível. Os sacerdotes procuram comprar os 
terrenos adjacentes a fim de aumentar a área e incorporar novas construções. As ervas 
são plantadas em canteiros, uma vez que as matas estão cada vez mais distantes e 
privadas. As encruzilhadas vão sendo asfaltadas e Exu que antes só recebia ebó em rua 
de terra, hoje vai se acostumando com o asfalto representante da modernidade. 
Esta casa revela a vitória de alguns candomblés de Campinas, porque a maioria 
deles não possui seu próprio "chão". Embora esses espaços sejam conseguidos com o 
sacrifício dos pais e mães-de-santo, tateto Ubiacylê fala com satisfação sobre sua 
conquista: 
“Olha, graças a Deus que eu tenho um pedaço de chão. Porque 
não é para mim, é para o meu santo... Eu acho que isso é muito 
bom, muito bom mesmo. Graças a Deus, a todos os inquices, aos 
orixás, sei lá, a Exu. Porque muitas pessoas queriam ter o que eu 
 62
tenho, porque tem muita gente que toca candomblé em casa de 
aluguel. Então eu não posso reclamar. A gente fala, reclama do 
aperto, mas... dá graças a Deus.". 
O segundo terreiro mais antigo que realiza atividades ainda hoje no município de 
Campinas é o Inzo Muzambo dia Hongolo, situado na Rua Sérgio Sidney de Souza, no 
Município de Hortolândia, e data de abril de 1974. O terceiro terreiro de que se tem 
notícia é Inzo dia Musambu Kaingo n´boti Ofulá, situado à Rua 6, nº 1783, no 
município de Monte Mor e data de janeiro de 1983. O quarto terreiro, segundo a data 
de fundação, é o Ile Axé Arolê, situado à Rua Joaquim da Silva Arieiro, nº 374, em 
Campinas e data de 1986. 
Percebe-se que as denominações bantas que receberam estes terreiros, com 
exceção do Ile Axé Arolê que tem seu nome em nagô, foram introduzidas recentemente 
devido à procura da afirmação da identidade da nação angola, perante todas as outras. 
Diria mesmo que este fato é de importância inconteste para estes terreiros. Em outras 
palavras, o nome é um dos fatores fundamentais da identidade. 
Olhando com atenção cada um dos quatro terreiros selecionados, pude perceber 
que o deslocamento dos terreiros de umbanda em direção ao candomblé se deu, 
fisicamente, de maneira muito semelhante em todos eles. Entretanto, o terreiro Ilê Axé 
Arolê revela uma nova faceta, pois as permanências e rupturas aconteceram com a 
agregação de novos ritos. 
 
 63
OUTROS USOS DO ESPAÇO 
 
O espaço do terreiro Ilê Axé Arolê que passou por mudanças em conseqüência daintrodução do candomblé, hoje processa uma nova fase de alterações determinadas pela 
construção de novos nichos, exigidos pelo acréscimo de ritos da nação queto e de culto 
ao egungun.60 Agregando ritos afro-brasileiros diversos, tateto Gitalanguange separa 
cada expressão religiosa, meticulosamente, por categorias que designam os limites de 
cada uma delas, definidas por ele mesmo. Quanto ao espaço, são estabelecidos lugares 
para a umbanda, para o candomblé de nação angola, para o de nação queto e outro ainda 
para o culto de egungun. Se observarmos cuidadosamente o salão onde são realizadas as 
festas públicas, podemos perceber como sutilmente se revelam as novas utilizações do 
espaço. 
No salão, o chão revestido com uma moderna cerâmica branca acompanha a 
decoração das paredes de um tom verde muito claro, que é dado pelo efeito de uma 
textura que lhe foi aplicada, revelando uma estética moderna diferente dos outros 
terreiros que são mais rústicos. No centro, tateto Gitalanguange mostra Onilê61, que é a 
divindade da terra cultuada pelos candomblés queto. Embora esse espaço central seja 
semelhante aos outros terreiros, o que o diferencia dos demais é o significado que lhe é 
atribuído, ou seja, a morada do orixá Onilê, uma divindade que não pertence ao panteão 
angola. 
 
60 Em alguns candomblés iorubas, espírito de antepassado que recebe oferendas e é invocado em certas 
cerimônias especiais [p. ex., no axexé (q. v.)] ; egungum. 
61 Orixá dono da terra, ou a própria terra. Giroto fala em sua tese de Doutorado que o inquice 
correspondente a Onilê é Tateto Kisanga Ria – Incungo, porém em Campinas não ouvi falar sobre esse 
inquice apesar de todos os terreiros angola possuírem um marco central no chão do barracão que também 
pode receber sacrifício em tempos propícios. 
 64
Uma grande coluna circular branca de paredes frisadas em alto relevo, que 
lembra as colunas dos antigos templos gregos, marca o centro do salão. Sobre a parte 
superior desta coluna descansam uma quartinha e uma alguidar, ambas de barro, 
rodeadas por folhas de palmeira desfiadas, o assentamento da cumeeira. 
Em um dos cantos deste salão, há três atabaques, ao lado de um trono de madeira 
e, nas paredes, exibem-se algumas máscaras e esculturas de madeira em estilo africano. 
Observa-se que o centro do salão, o orixá Onilê, a coluna grega, os 
assentamentos que há sobre ela, as máscaras e esculturas em estilo africano e a própria 
decoração das paredes, revelam as infinitas possibilidades que esse pai-de-santo permite 
que se elaborem em seu terreiro. 
Fotos do terreiro Ilê Axé Arolê – 2005 
 
 
 Frente do barracão. Foto: Ivete M.P. 16 
 
 
Coluna central. Foto: Ivete M. P. 17 Coluna central. Foto: Ivete M. P. 18 
 65
 
As Casas de Santo e a Casa de Egungum. 
 
Num terreno, recentemente incorporado ao Ilê Axé Arolê foram construídas 
casas de santo que estão divididas conforme a nação a que pertencem. O pai-de-santo 
separa os orixás dos inquices, mas possui ambos em seu candomblé e justifica essa 
separação: : “A minha rumbona é de Ewá, então não tem como fazer em angola, então 
a gente faz em queto e toca em queto as coisas de Ewá, de Obá, de Logum.” ( tateto 
Gitalanguange) 
Pensando desta forma, o pai-de-santo distribuiu inquices e orixás nos diversos 
quartos em que estão divididas as duas construções que se localizam uma de cada lado 
do terreno. 
 Na primeira visita ao terreiro, o egungum62 que foi assentado por pessoas de 
Itaparica, estava colocado no último quarto da construção à direita. Um ano depois, a 
casa já estava construída num terreno ao lado. 
 
62 O culto de egungum é o culto de ancestral ligado à cultura nagô. 62 Em alguns candomblés iorubas, 
espírito de antepassado que recebe oferendas e é invocado em certas cerimônias especiais [p. ex., no 
axexé (q. v.)] ; egungum.Segundo Juana Elbien, “ O objeto primordial do culto de Égúngún consiste em 
tornar visíveis os espíritos ancestrais, em manipular o poder que emana deles e em atuar como veículo 
entre os vivos e os mortos. Ao mesmo tempo que mantém a continuidade entre os vida e morte, o culto de 
Egúngún também mantém estrito controle das relações entre vivos e mortos, estabelecendo uma distinção 
muito clara entre os dois mundos: o dos vivos e o dos mortos (os dois níveis de existência). 
Com efeito, os Baba trazem para seus descendentes e fiéis o benefício de sua bênção e de seus conselhos, 
mas eles não podem ser tocados e ficam sempre isolados dos vivos. Sua presença é rigorosamente 
controlada pelos Òjè e ninguém pode aproximar-se dos Egúngún. 
Os Egúngún, Baba Égún, ou simplesmente Baba, espíritos daqueles mortos do sexo masculino 
especialmente preparados para ser invocados, aparecem de maneira característica, inteiramente 
recobertos de panos coloridos, que permitem aos espectadores perceber vagamente formas humanas de 
diferentes alturas e corpo. Acredita-se que sob as tiras de pano que cobrem essas formas encontra-se o 
Égún de um morto, um ancestre conhecido ou, se a forma não é reconhecível, qualquer aspecto 
associado à morte. Esses ancestres coletivos são os mais respeitados e temidos entre todos os Egúngún, 
guardiães que são da ética e da disciplina moral do grupo “( 1993; p. 120) 
 
 66
O pai-de-santo justifica a introdução do culto de egungum em decorrência de 
problemas de saúde que só poderiam ser sanados mediante o culto de ancestrais. 
Embora ele afirme isto, convém lembrar que nos terreiros de angola já existe a casa das 
almas, e o culto de ancestrais é marca preponderante das religiões bantas das quais se 
originou a nação angola. 
Afirmar que os bantus cultuavam ancestrais pode simplificar muito sua filosofia. 
Conforme os estudos de Tempels, a filosofia banta é complexa e se fundamenta na 
preservação da força vital chamada pelo autor de ‘’dom de Deus’’. Acreditando que a 
força vital do homem pode, por um lado, se enfraquecer ontologicamente e, por outro, 
ser reforçada, o negro banto não media esforços para preservá-la e recompô-la, sempre 
que fosse necessário. Isto envolvia o comprometimento com comportamentos morais 
condizentes com suas normas sociais, tais como o respeito à hierarquia que organizava 
todos os níveis de seres viventes e também após a morte. O principal intuito era jamais 
KUFWA (morrer). Segundo Temples, o motivo principal do modo de agir banto é 
preocupar-se, principalmente, com a vida, muito mais do que com a existência de tal 
modo que temiam acima de tudo a morte, o enfraquecimento ou a anulação da vida. 
Uma das maneiras da energia vital ser fortificada era pela relação com certos 
espíritos de mortos, sobretudo dos antepassados dos clãs que salvaguardavam os 
viventes, e de espíritos de pessoas que tinham sido boas em vida, apesar de pessoas 
comuns. 
Temples nos informa a maneira como os bantos acreditavam que a energia da 
vida podia ser fortificada por meio de certos espíritos: 
 
« Existem termos positivos utilizados pelos bantos como a 
 67
expressão Kukomesya Bumi que significa « fortalecer a vida » 63. 
Também existem os Bauidye que são os mortos sobretudo dos 
pais de clãs espiritualizados e os Bauidye, que « protegem, 
salvaguardam » os viventes que são os Dafu Betunama. » 
(tradução livre) 
 
Além disso, também Deus era considerado pelos bantos, conforme Temples, 
como um morto ou um ancestral igual a outro qualquer, além de que outras qualidade 
de espíritos ancestrais podiam trazer inúmeros benefícios aos viventes: 
« Referiam-se a Deus como um Vidye ou um morto comum vidye 
bampe, mfumwami ampe, que em banto significa : Deus ou 
nosso espírito, nosso morto me dá isto ou aquilo, me concede uma 
ou outra alegria... Há também os Manga que propiciam dyese, 
maese..., isto é a fecundidade, a caça, etc. »(tradução livre) 
 
Desta forma, uma preocupação essencial entre os bantos era cuidar bem de seus 
ancestrais, a fim de que a vida pudesse andar positivamente. Sobre isto Temples escreve 
que 
 «A negligência, o abandono dos mortos, dos ancestrais, 
dos espíritos trazem forçosamente a infelicidade. Se os viventes 
não causam nenhum obstáculo (ontológico, moral, jurídico), os 
 
63 Tempels escreve :« Il existe des termes positifs qui signifient: "raffermir la vie" kukomesya 
bumi. On dit des défunts, surtout des pères de clan spiritualisés, des bavidye, qu'ils "protègent, 
sauvegardent" les vivants bafu betunama. On dit de Dieu, d'un vidye ou d'un défunt ordinaire vidye 
bampe, mfumwami ampe, Dieu, ou notre esprit, mon défunt, me donnait ceci ou cela, m'accordait 
positivement l'un ou l'autre bonheur... 
Il y a des manga pour avoir de la chance, dyese, maese..., pour la fécondité, pour la chasse, etc. 
 La négligence, l'abandon des défunts, des ancêtres, des esprits, apporte nécessairement du 
malheur. Si les vivants ne posent pas d'obstacle (ontologique, moral, juridique), les êtres invisibles sont, 
per se, des aides, des protecteurs et soutiens de la force de vie des vivants(...). 
 La Philosophie bantu (capitulo II : 6. La force de la vie peut-elle être raffermie?) . 
 68
seres invisíveis são por si só ajudas, protetores, e sustentam a 
força vital dos viventes. »( tradução livre) 
 
Desta forma os bantos acreditam, segundo Tempels, que, se a pessoa andar 
positivamente, respeitar seus ancestrais, cuidar deles e se mantiver longe de influências 
nefastas, se não tiverem o hábito de maldizer, ela será vigorosa e passará esse vigor aos 
seus filhos. 
No Brasil, os antigos valores bantos reinterpretados sob novo contexto, e hoje 
com o candomblé inserido numa sociedade pós-moderna em que a relação do ser 
vivente e da morte foram modificadas, o culto aos ancestrais foi consideravelmente 
reestruturado e reintrepretado. 
Inzo Yombeta, Cruzuê das almas, Casa das almas ou Cruzeiro da almas, são 
alguns dos nomes que recebe a moradia dos ‘’ancestrais’’ nos candomblés angola. 
Com o afastamento dos valores africanos, os ritos aos mortos tornaram-se 
bastante simplificados, esvaziando-se a concepção de antepassado e ancestral para 
adquirir uma função mais mágica (Giroto ; 1985) 
As almas que são consideradas nefastas (Kiumbas) afastam-se por intermédio de 
ebós ; as almas que realizam benefícios são cultuadas na Casa das almas, além de 
espíritos de filhos da casa que já faleceram e, em alguns casos, de clientes também já 
falecidos. Embora não tenham a categoria de "ancestrais,’’ essa almas, crêem os 
adeptos, podem beneficiar a comunidade do terreiro. 
Velas, sacrifícios de animais e oferendas de alimentos diversos, são ofertados a 
estas almas para que elas estejam presentes e tenham relações amistosas com o 
sacerdote, no momento em que forem necessários seus préstimos. 
 69
Ademais, o culto de egungum, que tem ligação com os candomblés de origem 
nagô, desenvolveu-se , no Brasil, sobretudo na Ilha de Itaparica. 
Conforme Júlio Braga, o culto de babá egum é organizado em volta de um 
ancestral comum que tenha fundado o culto e se constitui através de seus descendentes, 
"e de tantos quantos estão vinculados àquela família por um 
complexo sistema de parentesco, seja por consangüinidade, 
afinidade, adoção ou compadrio. Acrescente-se ainda, os que se 
associam a essa família por laços de parentesco religioso, que se 
intercruzam com os de parentesco prevalecente, para garantir-
lhes quase o mesno nível de aceitação no grupo familiar 
extenso.’’ ( 1995 ; p.25) 
 
Pertencentes a categorias diferentes dos orixás, que são associados a estruturas 
da natureza, os eguns estão associados à estrutura da sociedade (Elbbein: 1993) 
Desta forma são duas práticas diferenciadas e segundo Juana Elbien, constituem 
dois tipos de organizações e de instituições, dois sacerdócios: “o culto dos òrìsà e o 
culto dos égún; os “terreiros” lésè-égún64 e os “terreiros” lésè-òrìsà65. Os axé de 
fundação são totalmente diferentes, assim como os “assentos” de égún são diferentes 
dos de òrìsà.” (1993: 103) 
No terreiro onde se cultua orixá, pode haver uma casa dedicada aos eguns que se 
chama ilé-ibo-aku, local onde os mortos (adósù66 falecidas) serão cultuados e que, 
segundo Elbien, nunca deve ser confundida com o Ilé-ìgbàlè que é a casa do culto de 
ègún .Ainda segundo a autora, no Ilé-ibo , são venerados os espíritos das adósù, 
 
64 Expressão usada para designar terreiros que trabalham somente com egungum ; pisar no culto de 
egungum 
65 Expressão usada para designar terreiros que trabalham somente com orixá; pisar no culto aos Orixás. 
66 Pessoas iniciados no candomblé nagô, queto. 
 70
sacerdotisas iniciadas no culto dos òrìsà. No Ilé-`gbàlè, são adorados os ará-òrun, em 
geral, os espíritos daqueles iniciados nos mistérios dos égún.”(1993; p. 104) 
O que podemos perceber é que, embora tateto Gitalanguange tenha construído uma 
casa para egum, seu terreiro não traduz o que Julio Braga descreve como um terreiro 
dedicado ao de culto de baba egum.67
Afastada das demais dependências, a casa de Egun é chamada pelo sacerdote de Ilé-
ibo, porém, na pesquisa de campo, ele me revelou o desejo de vestir baba egum que 
fora, segundo o sacerdote, assentado nesta casa por sacerdotes de culto de baba-egum 
de Itaparica. 
Conforme Juana Elbien: 
 “ Além dos “assentos” e dos símbolos coletivos, a adoração dos 
ancestres masculinos toma toda a significação pelo fato de os 
espíritos de alguns mortos do sexo masculino, especialmente 
preparados, poderem tomar uma forma corporal e serem 
invocados em circunstâncias determinadas através de ritos bem 
definidos. São os Égún ou Egùngún, antepassados conhecidos, 
que levam nomes próprios, estão vestidos de maneira que os 
singulariza e são cultuados pelos membros de sua família e seus 
descendentes. (1993; p. 106) 
 
O culto de egum na casa de Tateto Gitalanguange é totalmente importado, conforme 
nos conta o próprio sacerdote: 
“Agora o mês que vem eu vou fazer cinco anos de Baba 
egum assentado. Então vem o pessoal de Itaparica da 
 
67 Ver; Braga Júlio. Ancestralidade Afro-brasileira. O culto de babá egum. Centro de estudos Afro- 
Orientais da Universidade Federal da Bahia e Edições Iananmá. Salvador Bahia.1992 
 71
casa de Budjó, lá da ilha... das amoreiras.. O que eu 
conheço... aqui ninguém tem ilê ibo... egum plantado. 
Pelas referências até do pessoal de Itaparica essa é a 
primeira casa que tem. Então a gente cultua Babá Okê. 
Tem os ancestrais que a gente cultua também. Então, lá 
ele já tem posto, ele já tem roupa. Mais para frente, vou 
tomar posto dentro da casa de Egum. Então não adianta a 
gente ter na casa da gente, porque tem “lá dentro”68 
também. Então é aí que eu vou para lá também e depois 
disso a gente combina dele vir para cá fazer este ritual de 
vestir babá egun. É por isso que eu estou fazendo 
separado, fora para não ter envolvimento com o axé do 
orixá.” ( Tateto Gitalanguange) 
 
Na maioria das vezes, nos terreiros de angola pesquisados, os adeptos se referem 
à casa das almas como a casa de egungum. Neste caso, o pai-de-santo optou por chamar 
sacerdotes do culto de egungun da Bahia para fazer um assentamento em seu terreiro. 
Isso separa as almas do candomblé angola dos eguns do candomblé queto de tal forma 
que parece, segundo a concepção do pai-de-santo, que o culto ao egungum possui um 
status superior ao culto das almas, embora hoje acolha “almas” e “eguns” sob o mesmo 
teto. 
 
68 Provavelmente, o sacerdote esteja se referindo aos segredos do culto de Egungum . Júlio Braga explica 
que os segredos do culto são muitobem guardados: “ Os ojés são auxiliados pelos Amuixãs, que 
passaram à condição de Ojé após o primeiro estágio de iniciação. Formam eles um grupo de extrema 
importância para a permanência da comunidade sagrada, além de exercerem diferentes serviços durante 
a cerimônia. Embora situados no primeiro grau de iniciação, já conhecem os elementos essenciais dos 
rituais sem, contudo, terem acesso ao Ilê auô e aos segredos da seita.” (1995: p.43) 
 
 72
Num outro terreno vizinho, um ano após minha primeira visita, foi construída 
uma casa, local em que o pai-de-santo instalou as almas do candomblé angola e os 
egunguns do culto nagô, a fim de separar tais ritos dos demais. Além disso, conta com 
orgulho que plantou, naquele espaço recentemente adquirido, duas árvores de Iroco69, a 
árvore sagrada do candomblé queto. 
Ilê Axé Arolê 
 
 Casas de santo. 20 Casa de Egungum e das almas 21 
Foto: Ivete M. Previtalli 
 
O Recanto da Umbanda. 
 
 
 Além da delimitação de espaços para os inquices, os orixás e os eguns, também 
a umbanda ganha no Ilê Axé Arolê um lugar específico. 
O cantinho da umbanda é um nicho repleto de objetos que simbolizam as 
entidades de umbanda, principalmente os caboclos, os pretos-velhos e as crianças. 
Coberto por telhas de barro e circundado por meias paredes, se localiza do lado direito 
do pátio que fica em frente do terreiro, próximo ao salão de festas. 
 
69 Orixá nagô cuja morada e epifania é a gameleira-branca, árvore que se costuma adornar com laços de 
pano e, em cujas raízes, recebe oferendas de alimentos. 
 73
Neste pequeno espaço, há um altar de santos católicos, imagens de pretos-velhos 
e de caboclos, cuités, cabaças, rosários de lágrima de nossa senhora, arco e flechas, 
ferros de caboclo e um banquinho. É neste local que o preto-velho dá atendimento para 
as pessoas, conforme nos informou o sacerdote. 
Esse mesmo sacerdote nos revelou por ocasião da entrevista que, além do 
candomblé, realiza trabalhos de umbanda todas as segundas-feiras, nesta seqüência: 
Exu, preto-velho, caboclo e baiano. Disse, ainda, que "bate” umbanda, mas, quando faz 
festa de caboclo, "bate" em angola. 
 
Cantinho da umbanda. Foto Ivete M. P. 22 
 
Detalhe do cantinho da umbanda. Foto Ivete M. P. 23 
 74
 
O Arranjo Entre As Diversas Nações. 
 
 
 
 
Para poder organizar todas essas expressões religiosas, o pai-de-santo separa 
espacialmente a umbanda do candomblé angola, do candomblé de queto e do culto de 
egungum. 
Ritos de umbanda e de candomblé podem ser realizados no salão, mas o de 
egungum é fora da casa. 
Quando a umbanda ocupa a sala, o candomblé fica afastado, para que os orixás e 
inquices fiquem longe das almas dos pretos-velhos, dos caboclos, dos baianos e exus 
pagãos. Nas festas do candomblé, esta casa celebra tanto queto quanto angola no mesmo 
dia. 
O pai-de-santo diz que: "Exu, Ogum Oxossi, Bombojira70, Catendê71, Angorô72, 
Zaze73, Matamba74, Dandalunda75, Iemanjá, Nanã e Oxalá, pertencem à nação angola", 
e por outro lado, pertencem à nação queto: Logum, Oxumarê, Omolu, Ewa e Obá.” 
(Tateto Gitalanguange) 
Embora haja esse leque de possibilidades religiosas afro-brasileiras, realizadas 
neste terreiro, o pai-de-santo afirma que pertence à nação angola. 
 
70 Inquice correspondente ao orixá nagô Exu - Aluvaiá 
71 Corresponde ao orixá nagô Ossaim 
72 Corresponde ao orixá nagô Oxumarê 
73 Inquice da justiça, que gera o poder da política/ Loango corresponde ao orixá nagô Xangô 
74 Corresponde ao orixá nagô Iansã 
75 Inquice correspondente ao orixá nagô Oxum 
 75
A comunidade campineira do candomblé angola não aceita de bom grado 
algumas inovações, dentre as quais podemos mencionar os atabaques tocados por 
baquetas, zuelas76 e orins77 cantados numa mesma quizomba78. 
O pai-de-santo conta como a comunidade reage a respeito de suas novas 
elaborações: 
“Ah você virou sua casa para queto (dizem os outros)! Eu não 
virei minha casa para queto. Na minha obrigação de 21 anos, dei 
todos meus ebós79 e meu bori80, toda a situação foi feita dentro de 
odu81, dentro de caminhos de odu, e o meu orixá como sempre, 
ele só comeu dentro de angola, eu não mudei nada. A minha mãe 
veio exclusivamente para minha obrigação. Ficou aqui o período 
todo acompanhando tudo que estavam fazendo, mesmo no bori 
com o pessoal lá de Salvador, que também são da família de 
Tumbajunssara82.” (tateto Gitalanguange) 
As festas continuam sendo freqüentadas por pais e mães-de-santo da 
comunidade religiosa afro-brasileira, independentemente da nação a que pertença, 
embora já tenha acontecido de uma mãe-de-santo de angola se retirar com toda a família 
de uma delas, porque uma parte da festa foi cantada em queto. 
 
76 Cada um dos cânticos com que se chamam a descer os inquices. Estes cânticos são realizados nas festas 
do candomblé angola e os inquices dançam conforme são realizados pelos adeptos. 
77 Cada um dos cânticos com que se chamam a descer os orixás; são os cânticos realizados nas festas 
públicas quando os orixás vêm e dançam ao som dessas músicas-orações. 
78 Dança movimentada. Festa pública no candomblé de nação angola. 
79 Oferenda ou sacrifício de animal votivo a um orixá realizado para receber um benefício, para melhorar 
a energia vital, para purificar o ser antes de entrar nas obrigações iniciáticas. 
80 No candomblé e em outros cultos afins, rito penitencial e purificatório ao fim do qual se banha a cabeça 
do crente com sangue do animal sacrificado. 
81 No opelé-ifá, o valor de cada uma das metades de sementes ou de búzios. 
82 Antigo terreiro de origem banta da Bahia 
 76
O que parece uma arbitrariedade do pai-de-santo, ao juntar diversas nações de 
candomblé, umbanda e o culto de egungun, pode ser interpretado como uma disputa no 
mercado de bens simbólicos. 
 
Assentamento de Iyámi83. 23 Assentamento para prosperidade 24 
 
 
 
 25 
Assentamento do inquice Tempo. Foto: Ivete M. P 
 
 
83 As ìyàmi Osòròngà também denominada de eleye ( dona dos pássaros) representam o poder místico da 
mulher em seu aspecto mais perigoso e destrutivo. Verger expõe que embora as àjé ( como também são 
conhecidas) sejam feiticeiras, “as àjé não são execradas pela sociedade, da qual ... constituem um dos 
pilares essenciais” (16). Porém deve-se ser prudente ao falar delas e, se falar bem pode trazer transtornos, 
falar mal é atrair para si sua força destrutiva, portanto, “uma atitude de prudente reserva diante de uma 
potência estabelecida, malevolente e atuante... o que acarreta, em relação a elas, uma discrição que não 
facilita a tarefa dos pesquisadores.” Verger, Pierre. A grandeza e Decadência do Culto de Ìyàmi 
òsòròngà ( minha mãe feiticeira) entre os Yorùbá. In: As Senhoras do Pássaro da Noite. Org. Carlos 
Eugênio de Moura. Edusp. São Paulo. S.P. 1993; p. 16. 
 77
 Na realidade, o sacerdote tem conhecimento de que nem sempre o candomblé angola 
“agrada” o cliente; desta forma, na disputa pelo mercado de bens simbólicos, ele incorpora 
outros ritos, a fim de conquistar novos adeptos e clientes.O discurso do Tateto 
Gitalanguange, com o objetivo de justificar a existência dessa variedade de ritos em sua casa, 
ainda que esteja sempre voltado para suas necessidades espirituais, revela outra realidade, 
quando fala: 
 "Hoje com a dificuldade material que a gente tem, de axé, de 
coisas de orixá... A gente tem que ter alguns conhecimentos fora 
do arroz e feijão, para você poder atender não só filhos-de-santo, 
mas cliente e tudo mais. Porque hoje a dificuldade é o cliente, 
que é na realidadequem sustenta uma casa. Ou a gente vai 
trabalhar fora para poder pôr o dinheiro dentro de casa, ou se 
você vive disso, como eu, a gente tem que se adequar dentro de 
certas situações. Então, mesmo quando eu estou fora para fazer 
obrigação, eu faço angola se for de angola e faço queto, se for de 
queto. E tem algumas coisinhas que a gente fazia dentro de jeje84 
também. Então a gente tem isso aí, para poder atender essas 
pessoas.” (Tateto Gitalangiange) 
Ao mesmo tempo em que a incorporação de novos ritos pode trazer uma 
instabilidade para essa casa de candomblé por meio das rupturas que eles possam 
causar, ao se contrastarem uns com os outros, a permanência dos ritos mais antigos de 
umbanda e do candomblé angola permitem uma referência simbólica que mantém o 
equilíbrio do grupo. 
 
84 Uma das nações do candomblé. 
 78
Esse arranjo é elaborado de tal forma que um adepto pode escolher entre as 
diversas modalidades religiosas afro-brasileiras a que prefira freqüentar, sem que seja 
obrigado a participar das outras. Isto quer dizer que, se por acaso o filho quiser 
freqüentar somente os trabalhos de umbanda, não será obrigado a estar presente nos dias 
em que são cultuados os inquices ou orixás com ritos de candomblé. Se por um lado, 
essa atitude exclui, por outro lado, ela inclui todos no contexto mais amplo do grupo, 
que se mantém na relação de unidade/diversidade. Neste mesmo sentido, o pai-de-santo 
torna possível este jogo de relações, muitas vezes antagônicas, quando universaliza a 
idéia de Deus: “Não tem diferença. Deus é igual, só muda o nome". (Tateto 
Gitalanguange) 
Apesar desse terreiro realizar tantos rituais, de possuir espaços específicos para 
cada um, parece que o pai-de-santo carrega consigo a idéia monoteísta cristã de ver um 
só Deus. 
A separação espacial de cada expressão religiosa revela a organização do 
sistema de símbolos religiosos de maneira que, segundo Halbwachs, 
 “o lugar recebe a marca do grupo, e vice-versa. Então, todas as 
ações do grupo podem se traduzir em termos espaciais, e o lugar 
ocupado por ele é somente a reunião de todos os termos. Cada 
aspecto, cada detalhe desse lugar em si mesmo tem um sentido 
que é inteligível apenas para os membros do grupo, porque todas 
as partes do espaço que ele ocupou correspondem a outro tanto 
de aspectos diferentes da estrutura e da vida de sua sociedade, ao 
menos, naquilo que havia nela de mais estável”.85(1990:133) 
 
85Halbwachs, Maurice. A Memória coletiva. Editora Vértice, Revista dos Tribunais, São Paulo, SP. 
1990; p.133. 
 79
Desta maneira, o espaço deste terreiro revela como esse pai-de-santo se 
relaciona com a religião, o que ele e sua comunidade valorizam como sagrado, e os 
espaços que são cedidos separadamente a cada rito denota uma preocupação em 
mostrar que o candomblé de nação angola, o de nação queto, o culto de egungum e a 
umbanda têm sua própria identidade e, portanto, se diferenciam entre si. 
Apesar de o candomblé angola de Campinas se dizer resistente às mudanças, 
nesta casa ele se modernizou, adquiriu novas formas e não perdeu sua beleza e 
harmonia. Ele sobrevive. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 80
 
 
 
 
CAPÍTULO III 
 
Elaboração do Parentesco – Formação e Organização das 
Famílias-de-santo 
 
 
 
26 
 
 
 
 81
O candomblé, conforme Vivaldo da Costa Lima, “é um grupo pequeno, na 
medida em que sua estrutura, e não sua extensão, é que define e o situa como tal”. 
(2003; p.58) 
 Sendo assim, o grupo de candomblé funda sua estrutura organizacional na figura 
do pai ou mãe-de-santo, respectivamente, tateto dia inquice ou mameto dia inquice, nos 
candomblés de angola. 
O nome mais difundido e utilizado nas casas de candomblé para designar os 
sacerdotes ou sacerdotisas é pai ou mãe-de-santo e conforme Édison Carneiro: 
“O título de mãe vem do fato de o chefe do candomblé 
aceitar iniciadas (filhas, no futuro) para criar a devoção 
aos deuses. Depois de efetivamente admitidas na 
comunidade, estas iniciadas se consideram filhas 
espirituais do chefe do candomblé – e nesse sentido é que 
se emprega a palavra mãe. Desde que toda gente, dentro ou 
fora do candomblé, tem um espírito protetor, que deve 
habitar o seu corpo, e desde que o chefe do candomblé 
precisa preparar a iniciada para receber, em si mesma, a 
visita mais ou menos freqüente da divindade, - um processo 
que exige tempo, convivência diária, prática de um 
conjunto de cerimônias secretas no interior do candomblé, 
com a orquestra especial de tambores e de instrumentos 
musicais africanos, - fazer o santo vale por uma segunda 
educação, que confere ao chefe da seita a ascendência de 
mãe em relação à filha.” (1991; p.103) 
 
 82
Desta forma, com base na relação dos líderes dos terreiros com seus filhos 
espirituais, e dos filhos entre si, é que se organiza a família-de-santo, de modo que, 
segundo Vivaldo da Costa Lima, 
“o conceito de família biológica cede sempre lugar ao 
outro, de família de santo. Mãe de santo é assim entendida 
no seu valor semântico atual – como a autoridade máxima 
do grupo de candomblé, o chefe da família-de-santo.” 
(2003; p. 60) 
 Embora o conceito de família-de-santo esteja associado ao conceito de família 
ainda muito discutida nas Ciências Sociais, Vivaldo da Costa Lima explica que “a 
família-de-santo, corrente nos candomblés, necessita, mais de uma explanação do que 
de uma definição.” (2003; p. 24) 
A estrutura familiar no candomblé se constrói mediante a relação do sacerdote 
com seus filhos, resultando daí os diversos níveis de parentescos que vão sendo 
elaborados, conforme se sucedem as iniciações. Esta constituição familiar se revela 
muito parecida com a estrutura familiar ocidental contemporânea, porém não 
corresponde ao conceito de família nuclear que é formada por pai, mãe e filhos. No 
candomblé, apenas a presença de um pai ou de uma mãe-de-santo (não dos dois ao 
mesmo tempo) e seus filhos, é suficiente para fundar uma família-de-santo. Também a 
família religiosa não estanca no núcleo familiar, mas se expande envolvendo irmãos, 
tios, primos de diversos graus, avós, bisavós, inclusive todos os ancestrais conhecidos, 
além de padrinhos e madrinhas, configurando-se, desta forma, uma família extensa. 
Essa rede de relações não se esgota nas unidades-terreiros, mas se amplia a todos 
os terreiros que se envolvem na rede de relações sociais que é tecida, principalmente, 
pelo parentesco entre seus membros. Pode também se dar por agregação mediante 
 83
compromissos sociais assumidos publicamente, como no caso de padrinho e madrinha 
que podem ser pessoas de família e até de nações diferentes, mas que apadrinham algum 
filho de uma casa no momento dos ritos religiosos públicos, dentre os quais, a tirada do 
nome e o recebimento do decá.86 O pertencimento a uma família de santo pode ainda ser 
uma força efetiva de socialização, de prestígio e de mobilidade dentro da classe e da 
sociedade mais abrangente. Pertencer a uma família-de-santo de prestígio pode 
assegurar ao adepto do candomblé, além do amparo religioso, o pertencimento a um 
grupo familiar socialmente reconhecido que lhe confere algum status. (Vivaldo da Costa 
Lima: 2003) 
 Por isso, o conhecimento da ancestralidade se torna muito importante para o 
"povo do santo", porque, uma vez que o candomblé tem uma tradição oral, conhecer e 
recitar sua ancestralidade significa saber sua origem, a que linhagem pertence, onde é 
seu lugar na rede de relações familiares e desta forma, ser ao mesmo tempo detentor e 
divulgador da história do grupo e de sua própria. 87
Os ancestrais, assim como os parentes mais próximos, no candomblé angola 
campineiro, sempre são saudados pelos adeptos ao iniciarem um jogo de búzios, nos 
pedidos de112 
Vencendo A Intolerância: Murmúrio de uma festa afro-brasileira 118 
Lavagem: festa na praça - Uma etnografia 123 
A Lavagem e o Ideal de pureza 129 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 135 
 
 
ÍNDICE E CRÉDITOS DAS ILUSTRAÇÕES 145 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 148 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
Esta dissertação trata do candomblé angola circunscrito na cidade de Campinas. 
Neste trabalho, proponho analisar alguns aspectos do candomblé angola de 
Campinas, mostrando a sua formação, a elaboração do espaço, a constituição das 
principais famílias de santo, o trânsito de filhos de santo, as rivalidades e alianças e a 
lavagem do adro da Catedral Metropolitana, sob a perspectiva do sincretismo religioso e 
do ideal de pureza. 
Embora não existam dados quantitativos a respeito de quantos terreiros de 
candomblé há na região de Campinas nem a que nações pertencem, pude perceber que 
são os terreiros de nação angola os que têm mais visibilidade, os que são mais 
numerosos e os mais influentes nessa cidade. 
O candomblé de nação angola é valorizado em Campinas por seus adeptos, não 
só por pessoas anônimas, mas também por ativistas do movimento negro e por políticos 
que participam dos congressos sobre religiões de matrizes africanas1, dos encontros de 
valorização da cultura banta e de atos públicos, como o que ocorre nos sábados de 
aleluia, desde 1985, isto é, a lavagem das escadarias da igreja Nossa Senhora da 
Conceição, catedral Metropolitana de Campinas. Nota-se, assim, que este tipo de 
candomblé goza de prestígio na cidade. 
 
1 Entre as religiões de matrizes africanas encontram-se as diversas nações de candomblé, os batuques, os 
tambores de mina, os xangôs, a umbanda, o candomblé de caboclo, e todas as manifestações religiosas 
que têm em sua composição teológica elementos advindos de religiões que os diversos grupos africanos 
trouxeram para o Brasil. 
 1
O meu interesse por essa expressão religiosa data de algum tempo, mais 
precisamente, sobrevém do meu envolvimento com o candomblé angola e também do 
meu estudo sobre as religiões afro-brasileiras. Ao pesquisar sobre o candomblé, 
observei que a maior parte da literatura se referia, diretamente, ao candomblé queto, 
enquanto quase não havia informações sobre o “angola”. 
 O candomblé se organizou em torno de “nações” que se originaram 
principalmente dos grupos de negros bantos e dos sudaneses que chegaram ao Brasil, 
através da diáspora africana. Edson Carneiro escreve que os escravos que vieram para o 
Brasil provinham de muitas tribos e que cada uma delas tinha sua religião em particular. 
A diversidade era tanta que, segundo Carneiro, “O conde dos Arcos achava prudente 
manter as diferenças tribais entre os negros, permitindo os seus batuques, porque 
“proibir o único ato de desunião entre os negros vem a ser o mesmo que promover o 
governo, indiretamente, a união entre eles””. (1991, p.16,17) 
Porém, parece que o Conde se equivocou, uma vez que da união de todas essas 
religiões surgiram diversas expressões religiosas afro-brasileiras de norte a sul do 
Brasil, que se assemelham “ao menos pelas suas características essenciais.” (Carneiro; 
1991) 
 O Tráfico trouxe escravos de Guiné, Angola e da Costa da Mina e o 
denominador comum nesse tipo de escravidão foi a preocupação em “anular as 
peculiaridades nacionais das tribos africanas.” Assim, um número considerável de 
culturas africanas foram trazidas para o Brasil e ressignificadas. Além disso, vale 
lembrar o tráfico interno, após 1850, que trouxe escravos de todas as regiões do país 
que, por sua vez, pertenciam às várias etnias.2
 
2 Edson Carneiro escreveu que “a mineração absorveu, indistintamente, todo braço escravo ocioso nas 
antigas plantações de açúcar do litoral; muitos negros da Costa da Mina, quando a corrida do ouro 
arrefeceu, ficaram na Bahia, outros foram vendidos para Pernambuco e para o Maranhão; a maioria dos 
 2
Do intercâmbio cultural dos escravos e ex-escravos surgiram as diversas 
modalidades de religiões afro-brasileiras, dentre elas, o candomblé, o batuque, o 
tambor de mina, o xangô, entre outras. 
As nações de candomblé surgiram dos antigos terreiros baianos, fundados por 
sacerdotes africanos – angolas, congos, jejes, nagôs, - iniciados em suas religiões 
tradicionais, que ensinaram a norma dos ritos e o corpo doutrinário para as comunidades 
que se formavam em torno da religiosidade que conservava “certos traços da cultura, 
particularidades de dança, música, de canto, de organização de festas, que os 
identificavam com a região de origem) .” (Carneiro, Antologia do Negro Brasileiro; p. 
263). Conforme Vivaldo da Costa Lima, as nações foram “aos poucos perdendo sua 
conotação política para se transformar num conceito quase exclusivamente teológico. 
Nação passou a ser, desse modo, o padrão ideológico e ritual...” ( 2003; p. 29) dos 
antigos terreiros de candomblé da Bahia fundados por africanos. 
As primeiras obras referentes a um estudo mais criterioso sobre a cultura dos 
africanos no Brasil surgem na primeira metade do século XX. Em 1906, Nina Rodrigues 
escreveu “Os Africanos no Brasil”, publicado em 1933. Mais tarde, Artur Ramos e 
Edson Carneiro também se voltaram para os estudos das manifestações culturais afro-
brasileiras, dentre elas as diversas nações de candomblé, gerando obras que até hoje são 
indicadas para quem se interessa pelo tema. 
Nota-se, porém, que, quando havia alguma referência sobre o angola, era sempre 
alguma observação pejorativa e, ainda hoje, essa expressão religiosa, quando comparada 
ao queto, se situa em uma categoria inferior. 
 
escravos antes empregados na minas serviu às culturas de café e do algodão ou aos novos 
empreendimentos pecuários do Sul; as cidades reuniram elementos de todas as tribos, quer agregados à 
camuflagem do senhor, quer alugados a particulares, quer trabalhando por conta própria, quer engajados 
em explorações de tipo industrial.” (1991, p.18) 
 3
Tais estudos posicionavam as manifestações religiosas oriundas dos bantos 
como as mais pobres de todas as nações de candomblé. Concebiam-se os negros de 
angola como ignorantes adoradores de lascas de pedra, imitadores da estrutura religiosa 
nagô, além de serem sincréticos, pois misturavam às suas crenças qualquer elemento 
religioso que conhecessem. 3
Posteriormente, Roger Bastide, nos anos 50, escreveu sobre o candomblé, 
contudo, sem dar maior atenção ao de origem banta, prestigiando mais os candomblés 
queto. 
Desta forma, os autores pioneiros que se ocuparam dos estudos sobre o 
candomblé, fizeram apenas algumas observações sobre os de nação banta e, por causa 
 
3 Falando sobre os cambindas, Luciano Gallet escreve que: “considerados pelos outros, inferiores, 
imitadores e ignorantes. Desconhecem até o próprio idioma, complicado e difícil, e o misturam com 
termos portugueses. Adoram as pedras, os paralelepípedos e as lascas de pedra.” (Gallet, Luciano. 
Estudos de Folclore. Edt. Carlos Wehrs & Ltda. Rio de Janeiro, R.J. 1934. p.58). Ainda sobre os 
negros bantos, Nina Rodrigues afirma que: “decorrido meio século após a total extinção do tráfico, o 
fetichismo africano constituído em culto apenas se reduz ao da mitologia jeje-iorubana. Angolas, 
guruncis, minas, haussás, etc., que conservam suas divindades africanas,bênção ao chegarem aos terreiros, antes e depois das refeições, assim como 
no princípio e finalização das grandes cerimônias propiciatórias. 
 
86 As cerimônias de tirada do nome consistem numa fase da festa de saída de muzenza (iniciação no 
candomblé angola) em que um sacerdote visitante é convidado pelo tateto ou mameto protagonista da 
festa para perguntar a dijina ( nome de iniciação) ao novo inquice que está saindo na sala. O sacerdote 
que apadrinhará o iniciado dá algumas voltas na sala de braços dados com o inquice. Num determinado 
momento ambos param e o padrinho pergunta ao inquice qual é a dijina do recém iniciado. O inquice 
responde baixo, porém o padrinho insiste no questionamento a fim de que todos possam ouvir o nome do 
novo membro da família. Neste instante o inquice gira em volta de si mesmo, dá um salto e grita o nome 
pelo qual a muzenza será conhecida a partir de sua iniciação. 
87 O novo nome recebido após a iniciação do candomblé tem a ver com a perda dos laços familiares na 
diáspora. Quando o escravo descia do navio negreiro, deixava para traz a sua família, os seus ancestrais, 
até o próprio nome, porque muitas vezes era batizado ainda com o pé entre a água do mar e a areia. No 
candomblé quando se passa efetivamente a fazer parte da família de santo e torna-se uma muzenza, 
recebe um nome africano que tem significado para o grupo. 
 84
O grupo familiar se organiza fundamentado numa regra de obediência geral 
relacionada ao parentesco, que é a proibição do incesto88. Isto significa que não se pode 
fazer o que se quer, quando o que está em pauta é a vida sexual. Deste modo, a 
interdição consiste em dar início à organização familiar sobrepondo-se ao acaso ditado 
pela natureza. Assim, essa interdição determina um jogo de trocas que, conforme Levi-
Strauss, são operações complexas, conscientes ou inconscientes e que pressupõem a 
reciprocidade que se converte na regra fundamental mantenedora do grupo (L-Strauss: 
1976). 
Neste sentido, no candomblé em geral e, em especial na nação angola aqui 
estudada, os sacerdotes não podem iniciar indiscriminadamente qualquer pessoa. O 
marido não pode iniciar sua esposa ou companheira e vice-versa, tampouco o pai-de-
santo de uma filha pode ser ao mesmo tempo pai de seu parceiro(a) sexual. Os filhos 
biológicos também não devem ser iniciados por seus pais biológicos, embora neste caso 
não haja uma norma muito rígida. Nesta última circunstância, pode acontecer uma 
iniciação que é chamada de meia cabeça, isto é tanto o pai ou mãe biológica, desde que 
sejam sacerdotes, dividem a raspagem da cabeça do filho com outro sacerdote que se 
tornará seu pai ou mãe espiritual. 
Ainda levando-se em conta a proibição do incesto, nas iniciações ou obrigações 
de tempo de “feitura” não é permitida a presença do parceiro na casa de candomblé e 
tampouco a participação deste em qualquer uma das fases dos ritos, mesmo que seja 
apenas na preparação das comidas sagradas, a fim de que o casal não sofra, futuramente, 
 
88 Vivaldo da Costa Lima escreve que nos terreiros baianos há o interdito de casamento para aqueles que 
são filhos de um mesmo orixá, porque se tornam, desta forma, irmãos. Melhor dizendo, se um homem e 
uma mulher são ambos filhos de Ogum , esta seria uma união proibida porque por serem de um mesmo 
orixá tornam-se irmãos. Em Campinas, não encontrei esta proibição. Ao perguntar sobre este tipo de 
interdito, ouvi de um sacerdote: “Nunca ouvi falar disso”. Ouvi também de uma filha de santo: “Já ouvi 
minha mãe falar disso uma vez, mas ela disse que é bobagem.” Na verdade, Vivaldo explica que essa 
interdição não é muito respeitada também nos terreiros pesquisados por ele na Bahia. 
 
 85
com desavenças ou a repulsa sexual, que poderá resultar numa separação. Neste caso, o 
parceiro sexual daquele que está "recolhido" permanece, na maioria das vezes, afastado 
das cerimônias e do terreiro. Forma-se um verdadeiro bloqueio de informações tanto de 
dentro da casa para fora, quanto de fora para dentro da "camarinha”,89 de maneira que 
não haja nenhuma ligação entre os cônjuges. 
A regra determina, ainda, que parceiros sexuais não podem ser irmãos de santo, 
nem filho-de-santo um do outro, mas podem ser primos, tios, sobrinhos, assim por 
diante. 
A proibição de um sacerdote ser pai-de-santo (ou mãe) a um só tempo de 
parceiros sexuais o obriga a dar um dos cônjuges a outro sacerdote; além disso, cria um 
direito sobre outro parceiro sexual de algum filho ou filha de santo que pertença à outra 
família e que lhe será dado (a) em troca. A proibição do incesto, ao fundar a troca, vai 
além da interdição, uma vez que se converte numa regra de reciprocidade e por meio 
desta, se cria a aliança. 
Nos quadros abaixo, podemos observar como é elaborado o sábio jogo de trocas 
que, segundo Levi-Strauss, garante e previne contra os riscos no duplo sentido das 
alianças e rivalidades. (Levi-Strauss: 1996) 
 
 
 
 
 
 
89Lugar reservado nos candomblés onde os iniciandos passam meses, recebendo lições de culto e 
praticando sacrifícios para merecerem a confiança do orixá a que se dedicam; Roncó. 
 86
Grupos aparentados de A (Iniciado no candomblé) 
 
Avô ou avó-de-santo 
 
27 
Possibilidades de parentesco com “A” em que não há proibição do 
incesto. 
 
 
28 
 
Tio ou tia-de-santo Pai ou mãe-de-santo 
Primo ou prima-de-
santo
Irmão ou irmã de santo “ A” parceiro sexual de “B” 
* Filho-de-santo * 
Sobrinho- sobrinha-de-
santo 
Avô ou avó-de-santo 
Pai ou mãe-de-santo Tio ou tia-de-santo “B” Parceiro sexual de 
“A” 
(Torna-se tio de A)
“B” parceiro sexual de A
“A” parceiro sexual de 
“”B” *filho-de-santo 
(torna-se primo de A)Irmão ou irmã-de -
santo 
“B” Parceiro sexual de “A” Filho-de-santo de “A” 
(torna-se sobrinho de “A” 
 87
Em vermelho estão relacionados os casos em que a proibição do incesto 
não permite que “B” esteja localizado na organização familiar por causa 
de seu parceiro sexual “A” 
 
Avô ou avó-de-santo 
 
 29 
É importante notar que o parceiro sexual “B” será introduzido no grupo por meio de 
filiação a algum parente de “A”. Neste caso, o pai ou a mãe de “A” não pode tomá-lo 
como filho, a fim de que “B” não se torne irmão de “A”, além de que o próprio “A” 
também não poderá ser pai ou mãe-de-santo de “B” a fim de que “B” não se torne filho 
de “A”, que tornaria um interdito o relacionamento sexual entre eles. Outra questão 
importante é que, embora haja a regra da proibição do incesto entre irmãos de santo e 
entre pais e filhos, “B” não é excluído totalmente do grupo familiar de “A”. 
Respeitando o interdito, serão elaborados arranjos para que “B” permaneça na mesma 
linhagem, de preferência no grupo de parentes mais próximos de “A”, reforçando desta 
forma, o núcleo parental com mais uma nova aliança. Assim, há uma preferência para 
Tio ou tia-de-santo Pai ou mãe-de-santo 
Irmão ou irmã de 
santo
Primo ou prima-
de-santo
“A” parceiro sexual de 
“B” 
Sobrinho- sobrinha-de-
santo 
 88
que a filiação de “B” se dê entre os irmãos de “A”, não excluindo as outras 
possibilidades.90
Contudo, no limite, o interdito do incesto traz para as famílias do candomblé a 
reciprocidade e, com isso, a possibilidade da aliança entre as casas. Segundo Levi-
Strauss: 
“Para nos assegurarmos de que as famílias não se tornem 
fechadas e não venham a constituir progressivamente outras 
tantas unidades auto-suficientes, contentamo-nos em proibir o 
casamento entre parentes próximos." 91(1976; p.226) 
Certamente não é difícil acontecer que filhos de um mesmo sacerdote se 
envolvam sexualmente. Neste caso, se concretizaria o incesto entre irmãos de santo.Para que a relação dos parceiros sexuais não resulte numa “quizila”92 entre eles, um dos 
dois, através de ebós93 ou de um “Mutue kudiá”94 acompanhado ou não de sacrifício 
ao inquice, passará para uma nova filiação para desfazer a relação incestuosa e, 
portanto, o interdito. 
Por ser o candomblé de Campinas bastante jovem, comparado aos terreiros mais 
antigos da Bahia e do Rio de Janeiro, ainda hoje procura fincar suas raízes e criar 
tradição em solo do interior paulista. Assim, diferente do candomblé baiano cujos laços 
 
90 A respeito do tabu do incesto na organização do parentesco no candomblé, Vivalado da Costa Lima 
fala que nos candomblés da Bahia há além da proibição de pais e irmãos–de-santo serem parceiros 
sexuais também há o interdito para filhos de um mesmo orixá. Não encontrei este interdito nos 
candomblés angolas de Campinas, permanecendo a proibição do incesto somente para os casos de pais 
com filhos e entre irmãos. 
91 Claude Lévi-Strauss. As Estruturas Elementares Do Parentesco, tradução Mariano Ferreria. Editora 
Vozes, São Paulo, 1976. 
92 Repugnância, antipatia, aborrecimento, chateação, desavença, zanga, inimizade, desinteligência, rixa, 
briga. 
93 Alimentos considerados sagrados que são passados pelo corpo da pessoa, com o intuito de cura ou 
retirada do mal acompanhados de rezas e que podem vir ou não seguidos de sacrifício animal. 
94 Literalmente “dar de comer à cabeça”. Cerimônia em que muitas comidas sagradas são ofertadas à 
cabeceira do ofertante seguidas de rezas e sacrifício de galinhas e pombos. 
 89
consangüíneos designam, muitas vezes, a herança de casas e cargos, apenas muito 
recentemente, o candomblé campineiro começou a formar um grupo de iniciados, que 
são parentes biológicos dos primeiros “feitos no santo”. 
Uma nova geração de filhos, sobrinhos e netos consangüíneos começou a ser 
iniciada nos candomblés angola de Campinas, o que aponta para uma continuidade 
desta expressão religiosa no interior de São Paulo. 
Estes novos filhos-de-santo que pertencem tanto à família religiosa quanto à 
família biológica serão, ou pelo menos se espera que sejam, os herdeiros do axé. 
Observando as famílias biológicas dos sacerdotes pesquisados e as novas 
ordenações que o candomblé lhes dá, podemos perceber tanto essa nova geração sendo 
introduzida nessa expressão religiosa, quanto distinguir as alianças formadas por 
intermédio das trocas determinadas pela interdição. 
Por exemplo, mameto Dangoroméia tem um filho de nome Kassumbê que foi 
iniciado por Ogogê (filho-de-santo de Munukaya que é mãe-de-santo de Dangoroméia), 
além de outras duas filhas, Omindewá e Kauselê, “raspadas” por mãe Munukaya, e tem 
também duas netas: Imbomazaletambo e Kiximugombê, a primeira feita por Kauselê (tia 
biológica) e a segunda iniciada por Omindewá (tia biológica).95
 
Família biológica de mameto Dangoroméia 
 
 Dangoroméia 
Mãe biológica 
 Kassumbê Omindewá Kauselê 
 (filho biológico) (filha biológica) (filha biológica) 
 
 
 
Kiximugombê Imbomazaletambo 
(neta biológica) (neta biológica) 
95 Os parentescos relacionados neste trabalho foram obtidos através da memória dos entrevistados, uma 
vez que não existem documentos que comprovem as filiações. 
 90
 
30 
 
Família de santo cruzada com família biológica de mameto Dangoroméia 
 
Ogogê Munukaya 
(Irmão- de- santo 
de Munukaya) 
Mãe-de-santo
Dangoroméia Omindewá Kauselê Kassumbê 
Kiximugombê Imbomazaletambo
31 
Mameto Dangoroméia se torna, na família de santo, irmã de suas filhas 
biológicas e tia de suas netas, além de passar a ser prima de seu próprio filho. 
 Também mameto Corajacy tem uma filha, Omijewa, que foi “raspada” por 
Munukaya, sua mãe de santo, tornando-se desta forma irmã de santo de sua filha. 
 
Família de santo cruzada com família biológica de mameto Corajacy 
Munukaya 
(Mãe de santo) 
 
Corajacy Omijewá 
 32 
 91
Da mesma forma, tateto Ubiacylê também tem uma sobrinha biológica, 
Iyalodemim, que foi raspada por ele próprio juntamente com Omolewá (uma filha-de-
santo de Ubiacylê), tornando-se desta forma sua meia-neta de santo, se levarmos em 
conta a presença de Omolewá. 
 
Família de santo cruzada com família biológica de tateto Ubiacylê 
Ubiacylê
(pai de santo) 
Omolewá 
Iyalodemim (mãe de santo) 
33 
 Por sua vez, Kafulavunjê que é filho biológico de tateto Gitalanguange foi 
“feito” por Toigilá, irmão de mãe Somenegué que é avó de pai Gitalanguange. Desta 
forma, Gitalanguange passa de pai biológico para primo de santo de segundo grau de 
seu filho. 
Família de santo cruzada com família biológica de tateto Gitalanguange 
Somenegue Toigilá 
Kafulavunje 
Nanjerecy 
Gitalanguanji 
34 
 92
 Como pudemos observar, através dos esquemas, as famílias de santo reorganizam o 
parentesco biológico de tal forma que, no candomblé, uma mãe pode se tornar irmã de 
suas filhas, como no caso de mameto Dangoroméia e mameto Corajacy, ou ainda como 
no caso de tateto Gitalanguange, se tornar primo do seu próprio filho. 
Assim como os filhos e netos dessas lideranças, há atualmente muitos 
descendentes de filhos-de-santo que já nasceram no candomblé e hoje formam um novo 
grupo de "feitos no santo" diferente dos primeiros sacerdotes e filhos que vieram de 
outras religiões e se iniciaram em idade mais avançada do que estes descendentes que 
foram introduzidos no candomblé ainda crianças. 
 Por outro lado, o candomblé campineiro cresce também por meio de sacerdotes de 
umbanda que procuram os pais e mães-de-santo a fim de se iniciarem e ganharem mais 
prestígio religioso. Iniciados, tornam-se pais e mães-de-santo ao introduzirem o 
candomblé angola em suas casas e, na maioria das vezes, não abandonam os “trabalhos” 
de umbanda. 
 Em Campinas, duas linhagens dão origem às quatro famílias mais importantes do 
candomblé angola. De um lado, temos tateto Ubiacylê e tateto Gitalanguange que são 
provenientes, consecutivamente, de uma neta (Namboazaze) e uma bisneta (Nanjerecy) 
de Miguel Grosso; de outro lado, mameto Dangoroméia e mameto Corajacy, que são 
filhas de uma filha (Munukaya) de santo de Menakenã. 
Os diagramas abaixo mostram as casas principais e suas descendentes.96
 
 
 
96 A ancestralidade e a descendência destas famílias foram coletadas nas histórias de vida dos tatetos e 
mametos que fizeram parte da pesquisa, uma vez que devido a tradição oral do candomblé não há 
documentos que registrem os parentescos. Além disso, houve nos relatos dos sacerdotes uma 
congruência na revelação dos dados. 
 93
 
I- Diagrama da família de santo de Tateto dya N’kisse Gitalanguange 
 
Miguel Grosso 
Obamim 
Somenegué 
Nanjerecy 
Gitalanguange 
Nitobi 
35 
 
 
II- Diagrama da família de santo de Tateto dya N’kisse Ubiacylê 
Miguel Grosso 
Obamim 
Nambuazaze 
Ubiacylê 
Mazamkaya 
Alamussangi 
Omolewa 
Dandaiworô 
Onisatoju 
Gebelonan 
Oluanganji 
Lembazukala 
Kimulengi 
 
36 
 94
 
III - Diagrama da família de santo de Mameto dya N’kisse Dangoroméia 
Menakenã
Munukaya 
Dangoroméia
Kayagodelecy
Coromimm 
Kayalodomim
Kayangolaborecy
Toluãnamborecy
Kayangokecy
Diamonoya
Indakeolegi 
37 
 
IV - Diagrama da família de santo de Mameto dya N’kisse Corajacy 
Menakenã 
Raismarê Munukaya 
(queto) (angola)
Corajacy 
38 
 95
 É importante notar que, no diagrama IV, mameto Corajacy já havia sido 
iniciada por uma mãe da nação queto (Raismarê) e mais tarde deu uma obrigação com 
mameto Munukaya, passando assim para essa linhagem. 
 Prandi, na sua obra Os candomblés de São Paulo, escreveu que: “...são 
raríssimos os sacerdotes chefes de terreiros de São Paulo que permaneceram filiados 
ao axé de feitura (terreiro onde foram iniciados), ocorrendo seqüênciasde rupturas e 
refiliações que já vêm desde a Bahia.” (1991, p.107) Como já havia comprovado Prandi 
em São Paulo, a pesquisa de campo em Campinas também revelou um intenso trânsito 
de filhos entre as casas e linhagens. 
 As regras que regem a família tradicional do candomblé pressupõem que o filho-de-
santo vai permanecer neste núcleo familiar até, ao menos, completar sete anos de 
iniciado para tornar-se "irmão mais velho"97 mediante um ritual de confirmação,e se 
for de sua vontade constituir casa própria de candomblé. A conquista deste patamar 
hierárquico, na família do candomblé, deve tradicionalmente ser uma conquista 
cumulativa. É ano após ano cozinhando as comidas de santo, rezando ingorossi, 
participando de ebós, dançando nas festas, limpando os animais sacrificados para os 
inquices, além de fazer os serviços mais rudes na faxina da casa, que a muzenza98 
completa sete anos de iniciação e pode através de uma cerimônia propiciatória se tornar 
uma cota99. Na família tradicional, o tempo é o recurso que o neófito tem para galgar os 
patamares hierárquicos do candomblé. 
 
97 As mulheres quando passam por esse processo tornam-se de cota, e de um modo geral, homens e 
mulheres serão reconhecidos, após a obrigação de sete anos, como ebômi. 
98 Muzenza é a filha-de-santo que é iniciada para um inquice no candomblé angola. Depois que ela 
completa sete anos e faz os ritos propiciatórios e a cerimônia pública de recebimento do decá (ou cuia), 
no qual lhe será outorgado o direito de iniciar filhos-de-santo, ela não mais será uma muzenza e passará a 
ser uma “cota”. 
99 Ver nota 6 
 96
 Ele terá como seu maior objetivo dentro da religião servir a família de santo e ao seu 
inquice, e contará, para resistir às adversidades do sistema, como sua maior aliada, a 
autodisciplina que lhe facilitará a permanência e lhe possibilitará a conquista do 
reconhecimento da sociedade religiosa. 
 Porém nem sempre as coisas acontecem conforme prescreve a família tradicional do 
candomblé que existia antigamente na Bahia. Muitos filhos violam o lugar que lhes foi 
atribuído no mito da família e embarcam numa viagem rápida, resultando no trânsito de 
filhos-de-santo entre as famílias e linhagens. 
 Se as regras na família tradicional pressupõem um compromisso de lealdade e 
reciprocidade, que significa sacrificar-se, comprometer-se socialmente com o grupo 
familiar religioso do qual faz parte, com o evento da mobilidade dos filhos entre as 
diversas famílias e linhagens, o compromisso em longo prazo é descartado e os laços 
sociais, afrouxados, resultando daí uma nova relação mais prática na qual os valores 
tradicionais são substituídos por outros mais apropriados à modernidade. 
 Ainda que haja, na modernidade, um afrouxamento dos laços familiares no 
candomblé, reitero a importância da família-de-santo para o escravo e mesmo para 
muitos de seus descendentes, pois ela legaliza a família negra matrifocal, uma vez que 
há uma identidade entre este tipo de família e a família–de-santo. 
 O candomblé campineiro se compôs em uma sociedade na qual vigoravam 
relações capitalistas que se tornaram cada vez mais de curto prazo, no decorrer da 
última metade do século XX. Este capitalismo de "curto prazo”, segundo Sennet, tem a 
produção movida por uma constante mudança, a fim de satisfazer a volatilidade do 
consumidor, e não só modifica as relações de trabalho, como também as relações sociais 
e, portanto os relacionamentos familiares. 
 97
 Se antes num capitalismo organizado, o mercado era menos dinâmico e as relações de 
trabalho assim como as sociais eram baseadas no compromisso de lealdade, no 
capitalismo de curto prazo a carreira tradicional fenece, o mercado se torna muito 
competitivo e dinâmico e, por isso, não há mais lealdade, nem perspectivas em longo 
prazo. 
 Da mesma forma, também o mercado de bens simbólicos se flexibiliza a fim de 
atender à demanda do "cliente" que passa cada vez mais a exigir inovações que possam 
satisfazer suas expectativas. Falar em compromissos mútuos e relações em longo prazo,, 
neste contexto, é falar em uma virtude abstrata, pois que ela não se encontra em nenhum 
lugar. (Sennet: 2001) 
 Transpondo isso para a família observamos que, no sistema tradicional, havia a 
valorização das virtudes que se aprimoravam em longo prazo, e a obrigação formal 
entre pais e filhos desenvolvia uma confiança mútua que se enraizava lentamente. Com 
a mudança para um novo padrão cultural mais adaptado às condições sociais modernas, 
as relações familiares vão se traduzir em uma reação mais descomprometida entre pais e 
filhos, de tal maneira que se afrouxam os laços familiares, resultando num 
distanciamento, e as relações fortes de parentescos convertem-se numa cooperatividade 
superficial entre os membros da família. 
 Observando essa mudança de comportamento nas relações de trabalho e nas 
familiares, Sennet escreve: 
“Como se podem buscar objetivos a longo prazo numa sociedade 
de Curto prazo? Como se podem manter relações sociais 
duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa 
de identidade e história de vida numa sociedade composta de 
episódios e fragmentos?” (2001; p. 27). 
 98
 Como exposto anteriormente, desde os anos 70 do século XX, Campinas passou 
por intenso processo de industrialização e crescimento urbano e foi nesta condição 
socioeconômica que, nos anos 80, o candomblé se estabeleceu no Município. 
 Para compreendermos o trânsito de filhos dentro do candomblé campineiro, 
temos que levar em conta o contexto socioeconômico em que ele foi inserido, uma vez 
que, segundo Rita Amaral, "... o "povo de santo" fala a mesma linguagem que o resto 
da sociedade e participa da mesma cultura." (2002; p. 21). 
 Quando observamos em Campinas o grande trânsito de filhos entre as casas de 
candomblé, podemos pensar que isto pode corresponder a uma "liberdade" pessoal, isto 
é, a um descompromisso que tem a ver com os novos padrões familiares que vigoram na 
sociedade mais abrangente. 
 A pesquisa de campo mostrou como essa nova relação familiar se contrapõe aos 
valores da família tradicional, corroendo a confiança, a lealdade e o compromisso 
mútuo. Isto aparece muito claro no momento em que um pai-de-santo relata sua história 
de vida e revela os conflitos que a flexibilidade dos novos relacionamentos familiares 
gera: 
"Eu nunca tentei segurar ninguém, muito pelo contrário. Todo 
mundo é livre para fazer o que quiser. Mas eu acho gozado 
porque, quando minha mãe morreu, eu estava com 29 anos de 
santo. Agora veja, se eu abri minha casa e estava com 9 anos de 
santo, claro que queria trazer os ibás de todos os meus santos. Eu 
só estava com o ibá100 de Exu e eu tinha uma casa aberta. Agora 
os meus santos nunca quiseram vir embora para minha casa. Só 
no ano que ela morreu é que trouxe meus ibás; e hoje... Não sei. 
 
100 Assentamento do "santo". Ser, ou objeto onde assenta a energia sagrada de qualquer entidade religiosa 
afro-brasileira; assento. 
 99
Tem gente que faz o santo... Depois abandona, vai para outra 
casa, às vezes volta. Todos os lugares têm gente assim." (tateto 
Ubiacylê) 
 
 Neste relato o pai-de-santo revela o fosso que separa a geração mais velha da mais 
nova, o que nos leva a verificar que as relações de “curto prazo” nas famílias da 
sociedade moderna, também aparecem na família do candomblé, promovendo novos 
padrões de comportamentos, apesar de não serem rejeitados os padrões tradicionais. 
 Se as relações mais voláteis causam mágoas entre pais e filhos, também podem gerar 
conflitos entre os sacerdotes, já que é muito comum uma mãe ou pai-de-santo dizerem 
que o santo do filho que rompeu com a antiga casa, fora “feito” errado. 
 Um dos meus entrevistados desabafou: 
 "Opovo do candomblé não tem ética. Quando um filho vai 
procurar outro pai-de-santo, ao invés de perguntarem: Por que 
vou jogar para você? Cadê sua mãe? Não... Eles vão logo 
dizendo que o santo está errado, dão obrigação e ainda mudam a 
dijina101. Se continuar assim, não tem candomblé certo. Trocam 
uma amizade por causa de um filho-de-santo." (mãe Corajacy) 
 A fluidez das relações na modernidade que caminha no sentido contrário às 
regras do modelo tradicional, parece corroer o caráter e concordando com Sennet, 
“talvez a corrosão de caracteres seja uma conseqüência inevitável . Não há mais longo 
prazo (...) desorienta a ação a longo prazo, afrouxa os laços de confiança e 
compromisso e divorcia a vontade do comportamento." (2001; p. 33) 
 
101 No candomblé angola-congo nome por que a filha-de-santo ou o filho-de-santo passa a ser ritualmente 
conhecido(a), ao fim de sua iniciação. 
 100
Uma vez que o trânsito de filhos entre as casas é comum e intenso, novos 
acordos são elaborados a fim de que os recentes padrões de comportamento não venham 
a desintegrar a rede de relações sociais mais amplas que é fundamental para que o 
candomblé se constitua como uma comunidade. Desta forma, os sacerdotes procuram 
"fazer vista grossa" ao acontecido e continuam convidando e sendo convidados para as 
festas, permitindo, assim, que se dê continuidade aos intercâmbios sócio-religiosos. Por 
exemplo, mesmo que um filho não queira que o antigo pai ou mãe-de-santo seja 
convidado para sua festa de recebimento de decá,102 ele será convidado e muito 
provavelmente comparecerá, embora as rivalidades e as mágoas não deixem de existir. 
Embora o deslocamento de um filho-de-santo para outra casa de candomblé gere 
constrangimentos, ele pode, por outro lado, ampliar a rede de relações porque, conforme 
migra para outra família, incorpora na sua genealogia religiosa outro pai ou mãe, novos 
irmãos, tios, avós, etc. sem descartar completamente a antiga família. Neste caso, 
quando o filho for declarar sua ancestralidade, ele começará pelo pai ou mãe que o 
iniciou, depois proclamará os outros sacerdotes que por ventura lhe deram obrigação, 
até chegar ao último sacerdote ou sacerdotisa que o adotou como filho de santo e a 
família a que pertence. Quando o trânsito foi intenso, a declaração da ancestralidade fica 
bastante extensa. Assim, o cruzamento de diversas linhagens, num mesmo sujeito, 
revela no seu mapa de parentesco as várias famílias se interligando por intermédio de 
um mesmo indivíduo. 
Curiosamente, quando estive falando com os sacerdotes pesquisados, todos eles, 
em algum momento da entrevista, referiram-se ao parentesco que nos unia, em 
 
102 No candomblé investidura de um ou de uma ebômi no cargo de babalorixá, ou ialorixá, quando é de 
sua intenção abrir uma nova casa de culto. Cerimônia que se faz por ocasião dos sete anos de feitura, em 
que se alcança um patamar superior na hierarquia do candomblé. O conjunto dos paramentos (filá e colar) 
e a bandeja com material consagrante usado nessa cerimônia. 
 101
decorrência de meu envolvimento com essa manifestação religiosa e ao meu trânsito 
entre as famílias. 
 De uma maneira muito peculiar, mãe Corajacy fala sobre a rede de relações 
familiares no candomblé, quando ela se refere ao meu envolvimento religioso com as 
casas angolas de Campinas: 
“Queira ou não queira nós somos parentes de santo dos dois 
lados. De um lado você é minha parenta de santo, quer dizer, 
você é neta de Dango, não é? Isso, você é bisneta. Sua mãe de 
santo é minha afilhada... Olha o rolo, olha como tem rolo... Você 
foi para casa de Bia e o povo queira ou não queira... foi o avô de 
Bia que disse para mim quando Bia tomou obrigação de 14 
anos... que eu sou parente dele. Por que... esqueci o nome dele 
agora, porque eles são parentes. Meus avós são parentes dele, 
então devemos ser parente, porque tem uma parentagem ali que a 
gente não sabe falar como é que é. Meu tataravô é parente de não 
sei lá de quem... Nós filhos-de-santo... nós somos sempre 
parentes.” (mameto Corajacy) 
 Este caso é somente um entre muitos outros que são comuns no candomblé de 
Campinas. Por exemplo, Odetalodê foi iniciado por Kitalemim que é filha de santo de 
Omikassidê e que foi iniciada por uma mãe-de-santo chamada Vani, porém acabou 
dando obrigação com Dangoromeia e desta forma entrou para esta família. 
Dangoromeia é irmã de santo de Corajacy, porque Corajacy embora tenha sido feita 
por Raismarê, deu obrigação com Munukaya, passando assim para essa linhagem. Desta 
forma, torna-se tia-de-santo de Odétalodê. Como Kitalemim fechou a casa, Odétalode 
deu obrigação com Gitalanguange, recebendo uma nova dijina que é "Talaboquemim". 
 102
Posteriormente, Kitalemim deu obrigação com Gitalanguange e passou de mãe-de-santo 
para irmã-de-santo de Talaboquemim. Tateto Gitalanguange é filho de Nanjerecy que é 
filha de Somenegué, que por sua vez é irmã de Namboazaze. Namboazaze é mãe-de-
santo de Ubiacylê que, desta forma, é primo de Gitalanguange, portanto tornou-se 
também primo de Taloboquemim. 
 Para facilitar a visualização desse arranjo elaborei um diagrama que pode ser 
visto a seguir. 
 
Diagrama do candomblé de angola de Campinas. 
(a interseção num filho-de-santo transforma o diagrama do candomblé angola 
campineiro numa grande família). 
 
Menakenã Miguel Grosso 
Raismare
Obamim 
Munukaya 
Somenegue Nambuazaze
Corajacy Dangoromeia 
Nanjerecy Ubiacylê
Vani 
Gitalanguange
Omikassidê 
Kitalemim 
 
39 
 
Talaboquemim 
(Odetalode) 
 
 103
 Desta forma, se, de um lado, o jogo prudente das trocas propicia a aliança, o 
trânsito dos filhos-de-santo entre as diversas casas e linhagens produz uma série de 
conflitos. Tais conflitos, por sua vez, forçam os pais e mães-de-santo a serem mais 
“flexíveis,” 103 administrando as relações sociais de modo a não desintegrarem o 
intercâmbio sócio-religioso entre as famílias e se reconstituírem as alianças. 
Na pesquisa de campo uma mãe-de-santo revela: 
“Uma época eu me afastei da casa..., por causa de filho que 
saiu. O filho-de-santo saiu daqui foi para casa dele, e ficou 
muito... O pai-de-santo não tinha nada a ver, e hoje que sei que 
filho-de-santo que faz fuzuê. A gente não tem que entrar na dele... 
Nós nos afastamos por causa de filho-de-santo, mas é bobagem, 
agora vou à casa dele e tudo bem, nós somos amigos mesmo e 
acabou, e nós temos que entender que filho-de-santo é filho-de-
santo e nós somos nós.” (mameto Corajacy) 
 
No entanto, se no candomblé campineiro é comum a mobilidade dos filhos-de-
santo entre as diversos terreiros, linhagens e nações, vale notar que há entre duas das 
casas pesquisadas o acato à regra tradicional, uma vez que entre elas não se dá a troca 
de filhos. Não quero dizer que não exista trânsito de filhos entre os seus terreiros e 
outros terreiros de candomblé de Campinas, mas que, no caso de mameto Corajacy e 
mameto Dangoroméia, elas recebem e perdem filhos para outros sacerdotes, porém elas 
não trocam filhos entre si. 
 
103 Flexibilidade para Sennet significa a “capacidade de ceder e recuperar-se da árvore, o teste e 
restauração da sua forma. Em termos ideais, o comportamento humano flexível deve ter a mesma força 
tênsil: ser adaptável a circunstâncias variáveis, mas não quebrado por ela.” (2001; p.53) 
 104
Sob esta ótica, surge a indagação: Se o trânsito de filhos-de-santo entre os 
terreiros de candomblé é muito comum em Campinas, o que é que faz com que estas 
duas mametos não violem as regras entre si? 
 
A aliança 
 
No trabalho de campo, mameto Dangoroméia revela um aspecto importante da 
sua vida quando fala: “Eu já sou mulher, negra e do candomblé... Que moral se dá 
para isso? A sociedade não dá moral mesmo...”Conforme explana Helena Theodoro, 
“ dentro do sistema capitalista que sobrevive à custa da 
exploração do ser humano. A mulher negra é a mais explorada, 
já que em termos da divisão racial e sexual do trabalho ela ocupa 
os mais baixos escalões, sobretudo no setor agrícola, onde 
equivale a cerca de 60%. Na medida em que a carteira 
profissional assinada é uma garantia para o trabalhador, 
constata-se que apenas 37% das mulheres negras trabalhadoras 
possuem carteira assinada. ( 1996; p 50)104 
Além de mulher negra que, socialmente, vem depois do homem branco, da 
mulher branca e do homem negro, portanto, no último patamar social, mameto 
Dangoroméia alia mais um atributo negativo que é pertencer ao candomblé. Neste caso, 
ser do candomblé, segundo a afirmação da sacerdotisa ,não é uma característica 
 
104 MITO E ESPIRITUALIDADE:MULHERES NEGRAS. Helena Theodoro. Editora PALLAS, Rio de 
Janeiro, R.J. 1996 
 105
positiva, pois sua declaração revela o preconceito contra a mulher, o negro e, 
conseqüentemente, às religiões afro-brasileiras. 
Apesar da afirmação “ser do candomblé” ter uma conotação negativa na 
afirmação da sacerdotisa, pode, ao contrário, converter-se num atributo positivo, 
porquanto foi por intermédio do sacerdócio que mameto Dangoroméia e mameto 
Corajacy puderam melhorar seus recursos financeiros que eram bastante parcos, além 
de adquirirem visibilidade e força política em Campinas. 
 Mameto Dangoroméia e mamteto Corajacy eram funcionárias da limpeza 
pública, tinham uma família matrifocal e passaram muitas dificuldades. Conforme 
explica Bernardo, a família matrifocal da mulher negra é uma 
 “forma alternativa de família, (e) parece fazer parte dos fluxos, 
das trocas constituídas na diáspora. Tanto para a mulher 
africana, quanto para a afro-descendente, a matrifocalidade, 
aparentemente, não foi só uma imposição da escravidão e do pós-
abolição – com a conseqüente marginalização do homem negro 
no mercado livre durante as primeiras décadas do século XX, que 
lhe impossibilitava assumir a chefia familiar. ( Bernardo, 2003; 
p. 44) 
 A família matrifocal é observada no caso das duas sacerdotisas, que não 
conviveram muito tempo com seus respectivos maridos e foram responsáveis pela 
criação e sustento de seus filhos. Ouvi certa feita de Mameto Dangoroméia: “Minha 
filha, se não fosse o candomblé, não sei o que seria de meus filhos...” 
 106
O candomblé além de oferecer referência religiosa para seus filhos, também lhes 
proporcionou a possibilidade de ganhos com o jogo de búzios e os ebós que supriam 
suas necessidades. 
Mameto Corajacy conta como foi que o sacerdócio no candomblé lhe mostrou 
novas maneiras de ganhar a vida: 
 “Quando eu cheguei aqui, eu perdi meus dois empregos... Aí 
eu fui para a cidade com Dango fazer cartão, Dango me 
incentivou. Dango foi muito legal comigo, me incentivou fazer 
cartão, ligar para os outros, que eu jogava búzios, que eu tinha 
conhecimento que o povo não tinha porque batia umbanda.” 
(mameto Corajacy) 
No candomblé segundo Bernardo, 
“ os trabalhos religiosos são sempre pagos, desde a “leitura de 
búzios”, que tem um preço mais ou menos fixo, até outros tipos 
de trabalhos que são pedidos pelos orixás, dependendo dos 
problemas apresentados pelas diferentes pessoas que recorrem a 
esta modalidade religiosa.” (1986; p. 49) 
 Desta forma, quando mameto Corajacy perdeu seu emprego foi com o saber e o 
status que lhe foi conferido através da iniciação no candomblé que ela conseguiu suprir 
suas necessidades financeiras. 
Embora este saber tenha sido “desqualificado por outros saberes” 
(Bernardo,1986; p.44) foi ele que possibilitou a ascensão social e financeira destas 
mulheres. Ou dito de outra forma: foi através do papel da “mãe-de-santo” que estas 
 107
mulheres ascenderam socialmente. “Ser do candomblé” é muito diferente de “ser mãe-
de- santo”, uma vez que é no cargo de mãe-de-santo que está inscrito o poder. 
Concordando com Helena Theodoro, 
 “ a fé na religião é o grande apoio da mulher negra; seu axé. 
Sua atuação na comunidade se completa com sua força 
espiritual, trabalha nas comunidade-terreiros que se apóiam na 
concepção da tradição nagô sobre o universo e as pessoas. Os 
mitos africanos a consagram e caracterizam.” ( 1996; p.61) 
Porém, no caso destas sacerdotisas, principalmente de mameto Dangoroméia, o 
apoio se dá na origem banta que legitima sua nação religiosa que é angola, como 
podemos depreender de sua próprias palavras: 
“Encontrar o candomblé de angola foi uma lição de vida, eu 
tenho certeza que eu herdei essa espiritualidade dos 
antepassados da minha família , porque meu pai tinha 
espiritualidade, e também depois ele era...eu sou de uma 
ancestralidade pura, né, de uma nação do povo banto. Papai 
contava algumas coisas pra mim , de meu tataravô, da minha 
tataravô que foi jogada no mato...”( mameto Dangoroméia) 
 
Percebe-se na declaração acima a importância que tem a relação da ascendência 
biológica com a nação do candomblé à qual pertence; além do mais, percebe-se que por 
meio da espiritualidade ancestral, legitima-se o cargo, no caso, de mameto dia inquice 
ou como são mais comumente conhecidas, “mãe-de-santo”. 
 Anteriormente, por serem mulheres, negras, chefes de família, eram exploradas, 
uma vez que a divisão racial e sexual do trabalho as colocava nos mais baixos escalões. 
 108
 
Ademais, a mulher negra, conforme Helena Theodoro,“é vítima do machismo do 
homem negro, que sofre todos os condicionamentos de uma sociedade racista e 
machista, da qual ele absorve todos os valores e o comportamento do homem branco 
em relação às mulheres,” (1996, p. 50) 
 Quando essas mulheres são iniciadas no candomblé encontram bastante apoio 
na religião, porém ainda não têm status e poder que só se alcançam com o sacerdócio e 
a liderança de uma casa religiosa. Isso só acontece quando elas se tornam mães-de-
santo. Daí a diferença de “ser do candomblé” e “ser mãe-de-santo”. 
 A figura da “mãe-de-santo,” no imaginário social, reserva-lhe uma aura de 
sabedoria pelo conhecimento das tradições, pela bondade, pela simpatia, pela densidade 
de sentimento materno e pelos poderes ocultos que lhe são conferidos, impondo-lhe um 
lugar de respeito na sociedade mais ampla, embora com algumas reservas em 
decorrência do preconceito que se origina no racismo contra o negro. 
 O que se percebe é que, entre as duas mametos, há diversos elementos de 
identidade comuns às duas, tornando suas histórias de vida semelhantes. Essas vivências 
similares foram muito importantes para o estreitamento dos laços de amizade e 
compromisso entre as duas mulheres além de que as incitaram a realizar uma aliança. 
Se, como mulher negra e do candomblé, as realizações eram difíceis, quando se 
acrescentou a categoria “mãe–de-santo” a seus atributos pessoais, lhes foi conferido 
certo poder, e no momento em que conseguiram percebê-lo, despertou nessas mulheres 
o desejo de expandi-lo para fora dos muros dos terreiros. 
 Desta forma, para que houvesse a realização desse desejo, seria importante a 
união de forças entre os semelhantes, que neste caso, significou mais do que pertencer a 
 109
uma mesma religião, mas também a uma mesma categoria social. Mameto Corajacy e 
mameto Dangoroméia realizaram, então, um pacto não-manifesto que tornaria possível 
a constituição da aliança entre as duas sacerdotisas. Desta forma, foi através do respeito 
à regra que rege a família tradicional do candomblé que as mametos efetuaram o acordo, 
ou seja, não trocarem filhos-de-santo entre si. Ao preservarem suas casas do trânsito de 
filhos entre si, não permitem que haja “quizila” entre elas, estabelecendo-se assim a 
aliança entre as duas famílias que pertencem à mesma linhagem. 
Essa ética estabelecida entre as duas mães-de-santopermitiu que elas 
organizassem a única festa do candomblé campineiro em praça pública que é a 
“Lavagem da escadaria da Catedral Metropolitana de Campinas”. Esse evento, hoje, 
está inscrito no calendário oficial de Campinas e também no calendário Cultural e 
Turístico do Estado de São Paulo. 
Sob o ponto de vista do parentesco, podemos perceber a “Lavagem” como o 
resultado da aliança entre as duas mães-de-santo e a manifestação de uma linhagem. 
Porém, a “Lavagem” não resulta apenas no manifesto destas duas mametos, pois se 
converte na visibilidade de todo o candomblé, mesmo daqueles que dela não participam, 
além de muitos movimentos culturais afro-brasileiros e de movimentos políticos negros. 
 Ao valorizar a figura da “mãe-de-santo,” não há a intenção de desmerecer os 
“pais-de-santo” que também edificam a história do candomblé campineiro. Apenas que, 
neste caso, não posso reduzir todos a um só. A pluralidade cultural brasileira, segundo a 
reflexão de Helena Theodoro, impõe uma análise detalhada de diversos segmentos que a 
formam, e com relação à mulher negra constata-se que 
 “ao mesmo tempo em que participa da luta e da história da 
mulher brasileira, possui aspectos exclusivamente seus, 
construindo sua história de mulher negra, com características 
 110
próprias e outras adquiridas do meio em que vive, tendo 
peculiaridades que apontam para dimensões novas e distintas da 
mulher em nosso país. (1996; p. 57). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 111
 
 
 
 
CAPÍTULO IV 
A Festa 
 
40 
 
 
 
 
 112
A festa é fundamental para os grupos de candomblé. É neste momento que 
deuses e homens se confraternizam, por meio da música, da dança e da comida. Como a 
mais expressiva instituição dessa religião, a quizomba, que é a festa no candomblé 
angola semelhante ao xirê dos candomblés queto, segundo Rita Amaral, é o resultado da 
visão de mundo dessa expressão religiosa, porque nela encontramos, 
concomitantemente, “a religião, a economia, a política, o prazer, o lazer, a estética, a 
sociabilidade” (2002; p. 30) entre outras relações sociais. Pode ser classificada, de 
acordo com o conceito de Marcel Mauss como um “fato social total”. Ainda é Amaral 
quem escreve que: “A vivência da religião e da festa é tão intensa que acaba marcando 
de modo profundo o gosto e a vida cotidiana do povo-de-santo. A religião passa a se 
confundir com a própria festa”.(2002, p.30) 
Na festa do candomblé, dá-se o que se tem de melhor, as roupas devem estar 
impecavelmente brancas, a comida deve seguir os gostos do orixá homenageado, mas, 
ao mesmo tempo, também precisa agradar o paladar dos humanos, os atabaques são 
repercutidos conforme a nação, as vestimentas dos inquices devem ser vistosas e 
proporcionar o deslumbre dos homens que assistem às danças. Assim, são muitos os 
trabalhos desenvolvidos nos dias que a antecedem. A confecção dos adereços e das 
roupas de cada inquice ou orixá, a colheita das ervas, a ida ao mercado, as comidas dos 
deuses e dos homens, a limpeza do barracão e dos quartos sagrados, os enfeites, as 
lembrançinhas105, são algumas atividades que ocupam muito tempo dos adeptos em 
cada festa que, normalmente, é direcionada a algum inquice ou orixá específico. A festa 
é tão importante para o candomblé que Amaral escreve: “A própria vida dentro do 
terreiro pode ser pensada como a permanente produção da próxima festa, pois inclui, 
através de aspectos dramatizados ou outros, sua continuidade no tempo.” (200;, p.29). 
 
105 É interessante notar que a incorporação das lembrançinhas pelo candomblé se originou das festas dos 
extratos médios e que, até mesmo os candomblés queto tradicionais, como o de Olga de Alaketu, 
aderiram a esta novidade. 
 113
O imaginário e o concreto estão permanentemente presentes, propiciando 
arranjos especiais para cada ocasião. Proibições e preferências de cores, de temperos, de 
óleos, de sal são conhecimentos importantes nos preparos das comidas. Desta forma, 
preparar a comida do inquice vai muito além de pilar o inhame, de moer o feijão, de 
bater o acarajé, porque é essencial saber oferecer e respeitar o que agrada a cada um 
deles, isto é, suas preferências e proibições, de maneira que não é simplesmente 
preparar o alimento e comê-lo, mas transformar aquilo que é material e o que é 
incorpóreo na pura essência da vida. 
Além das comidas bem temperadas pelas mãos de muitas especialistas da 
cozinha do candomblé e que são servidas na festa, também são mostradas as artes nas 
roupas, nas danças, no som que emana das repercussões dos atabaques e das vozes das 
mulheres que cantam azuelas106. 
Rita Amaral explica a festa como o “momento em que a identidade dos grupos 
se expressa plenamente (...) (a festa) Expressa a glória da coletividade (...) A festa 
mostra o que o grupo é e o que o grupo pensa. Nesse sentido pode ser entendida como o 
“proselitismo” do candomblé.” (2002; p.31, 32) 
O trabalho para a preparação da festa, por ser muitas vezes realizado 
concomitantemente ao emprego que garante sustento do adepto, torna–se extenuante 
pelo acúmulo de tarefas, em razão de terem que conciliar o tempo que vão passar dentro 
do terreiro com o tempo do emprego. Ainda que seja assim, é visível, na festa, a 
satisfação da filha ou filho-de-santo, que confeccionou a coroa de Dandalunda107, vê-la 
balançar o cintilante chorão enquanto dança na sala dissipando seu moyo108, ou quando 
a mesa do inquice está posta com os bolinhos de inhame pilado redondinhos, todos do 
mesmo tamanho, os acaçás caprichosamente enrolados em folhas de bananeiras, as 
 
106 Cantigas que são realizadas na roda de candomblé angola 
107 Inquice relativo ao orixá Oxum 
108 O mesmo que axé dos candomblés de origem sudanesa 
 114
carnes moles e cheirosas nos molhos condimentados, segundo a preferência do inquice, 
os melões, as bananas, as uvas arrumadas carinhosamente em gamelas, os acarajés fofos 
e rubros, tudo arrumado de maneira a convidar os deuses a virem comer e festejar com 
os homens. Desta forma, a festa também pode ser lazer, porque além do prazer que 
resulta ao ver o produto do trabalho pronto exibido na sala do terreiro, também é na 
festa que se conhecem pessoas, começam namoros, o povo-do-santo fica sabendo dos 
acontecimentos de outras casas, é a ocasião em que se recebem os convites para outras 
festas, tudo isso enquanto se come o cudiá109 que é o banquete da festa dos inquices. 
Uma outra perspectiva que a festa proporciona visualizar é a hierarquia do grupo 
de candomblé em questão. 
Muitos papéis são representados no momento da festa. Por exemplo, as 
makotas110 se manifestam ao acudirem os inquices quando eles “viram” na sala. 
Desamarram os panos-da-costa das cinturas ou dos bustos das filhas-de-santo e os 
arrumam segundo a natureza feminina ou masculina do inquice, secam-lhes o suor do 
rosto, dançam com eles, cobrem-lhes com seus panos-da-costa para encaminhá-los de 
volta à terra dos ancestrais. Também são os tatas111 que devem saber as azuelas112 e 
toques para cada inquice, além daqueles especiais utilizados nas saídas de muzenza113, 
nas confirmações de tata e makota e das saídas de sete anos. 
A ordenação cosmológica do grupo também é representada na festa, de forma 
que, nos candomblés angola, primeiro se canta para Aluvaiá e se despacha a rua com 
farofa e água. A seguir, pede-se licença para começar a festa: Cubana gira ê, Cubana 
gira, cuba gira de Roxe mokumbo, Cubana gira e nanguê. Depois se reza a pemba, 
momento em que todos se ungem com o pó branco de um giz que misturado a ervas e 
 
109 Comida servida nas festas e considerada sagrada. Equivalente ao ajeum dos candomblés queto. 
110 Cargo equivalente a equeji dos candomblés queto. 
111 No candomblé de rito angola , cargomasculino equivalente ao cargo de ogã nas casas de rito queto. 
112 Rezas cantadas nas festas de candomblé angola 
113No candomblé de rito angola-congo, filha-de-santo. 
 115
sementes torna-se uma substância sagrada chamada pemba, que os adeptos acreditam 
fortificá-los e protegê-los. A seguir, canta-se para os inquices nesta ordem: 
Incossimucumbe, Gongobira, Catendê, Angorô, Cafungê, Tempo, Zaze, Matamba, 
Dandalunda Caiatumbá, Vunge, Zumbarandá, Lembarenganga. 
Esta é uma ordem mais ou menos comum nos terreiros de angola de Campinas, 
contudo pode haver algumas diferenças conforme a festa que está sendo realizada. Os 
atabaques nos terreiros de angola são repercutidos com as mãos e as cantigas são feitas 
em línguas bantas. 
A festa, conforme Rita Amaral, é 
“um momento de síntese de tudo o que o povo-do-santo pode 
apresentar publicamente em termos de imagem da religião, para 
a assistência à festa é não só um verdadeiro espetáculo, de 
estética ímpar, mas também uma “vitrine” da alegria, do 
ludismo, da sensualidade e beleza vividos pelos adeptos dessa 
religião. De seu estilo de vida.”( 2002; p.56) 
Por ser a festa o próprio candomblé, é através dela que o candomblé angola vai 
se mostrar na praça da Catedral Metropolitana de Campinas. 
 Embora a lavagem de Campinas se efetive diferente da de Salvador, foi 
mediante o conhecimento da dramatização realizada no Bonfim que uma das mametos 
desejou realizar a Lavagem de Campinas. No seu depoimento ela conta que: “eu fui 
para Salvador assistir à lavagem, porque quando eu morava lá sempre ia... quando eu 
cheguei de lá queria muito fazer aquela lavagem...” (mameto Corajacy) 
A Lavagem do Bonfim, em Salvador, conforme pesquisa realizada por Ordep 
Serra, em virtude de hoje serem sacerdotisas do candomblé as protagonistas deste ritual 
“induziu muitos a pensar que esse rito foi criado pelo povo dos terreiros. Mas trata-se 
 116
de uma velha tradição ibérica – que na Bahia combinou-se à lógica do culto do 
candomblé, segundo a qual foi reinterpretada.” (2000, p.71) 
Segundo esse autor, esse era um ritual comum em Portugal o qual se realizava 
dentro da igreja a propósito de pagamento a graças concedidas pelo santo da invocação 
que era o padroeiro da igreja. No Brasil, esse rito era realizado por devotos que 
lavavam não só as escadarias, mas todo a chão da igreja. Conforme descrições do século 
XIX sugerem, o término da lavagem resultava numa espécie de carnaval dentro do 
santuário. Ordep Serra escreve que em “1889 o arcebispo dom Luiz Antonio de Sousa 
proibiu a Lavagem da basílica do Bonfim.(2000, p. 71) Porém, a proibição teve 
conseqüências não previstas, uma vez que cerrada a porta da igreja o candomblé surgiu 
como “via disponível para o sacramento” e reinterpretou a lavagem segundo seus 
mitos e agora se reduz às escadas. 
De acordo com a interpretação do mesmo autor, a identificação do Senhor do 
Bonfim com Oxalá se deu porque Oxalá era cultuado na África, em cima da colina, pois 
ele é o orixá criador e o pai de todos os orixás. Ordep escreve que: 
“segundo o seu mito, quando Oxalá fez emergir a terra do seio 
das águas do primórdio, despontou primeiro uma elevação, 
considerada o “umbigo do mundo”. É Oxalá o senhor do monte 
sagrado, e também das águas fecundas, festejado com ritos 
lustrais... ritos que se caracterizam, nos terreiros do candomblé, 
por uma serena solenidade”. ( 2000; p.72). 
 
 Como a igreja do Bonfim fica em cima de uma colina, as baianas passaram então 
a realizar um rito religioso que é uma “celebração do sagrado na fronteira do profano” 
(2000; p.73). 
 117
Esta festividade tornou-se com o tempo muito popular e um paradigma para 
outras iniciativas em todo o país. 
Entretanto, se a Lavagem da Catedral Metropolitana de Campinas nasceu do 
desejo de uma mameto de realizar um rito semelhante ao de Salvador, trilhou uma 
história muito diferente da primeira. 
 
 
 
 
Vencendo A Intolerância: Murmúrio de uma festa afro-brasileira 
 
 
 
Articulada por duas mães-de-santo, a festa da Lavagem em 
Campinas começou a ser pensada por causa de um sonho da mameto 
Corajacy de levar o candomblé para a rua, assim como era feito em 
Salvador, na Lavagem do Bonfim. 
Por outro lado, um ato de preconceito ao candomblé que fora 
cometido contra mameto Dangoroméia , na mesma praça onde hoje é 
realizada a festa, também foi motivo de interesse dessa sacerdotisa em 
realizar esse rito na praça da catedral. 
 Mameto Dangoroméia conta: 
 “Eu era conserva114, na época chamada laranjinha115. 
Aí eu me iniciei. . . Eu tinha um uniforme, mas tinha 
que pôr branco por baixo. Eu punha meus 
 
114 Funcionária da limpeza pública que conserva limpas as ruas da cidade. 
115 Funcionária da limpeza pública que, por vestir uniforme cor de laranja, era chamada de laranjinha. 
 118
mijeloguns116. . . os meus fios de contas e o ojá117 na 
cabeça, porque eu estava careca e punha meu 
chapeuzinho por cima, e ia trabalhar. Eu tomei seis 
meses de obrigação, três meses de “migui de 
muzala”118. . . porque eu sou de Angorô119, então minha 
mãe me deu seis meses de obrigação. E aí eu tinha que 
trabalhar.. . Eu tinha muita amizade com um engraxate 
ali. Um dia eu ali varrendo, tomei um tamanho tapa no 
bumbum, que eu caí em cima do engraxate. Esse 
homem disse assim: Sua feiticeira, isso, aquilo e me 
xingou de outros nomes. Eu caí e ele correu (. . .) Aí eu 
comecei a chorar, fiquei tão nervosa e olhei assim na 
igreja, e aí eu falei: Olha, minha santa Nossa Senhora 
da Conceição, a senhora me viu em perigo.. . Se a 
Senhora é de verdade.. . Se a Senhora representa a 
Iemanjá de nossa religião.. . naquela época não 
conhecia Caiá120. . . Eu vou entrar aí (referia-se a lavar 
o adro da igreja). Essa é a única coisa que eu falo pra 
Senhora. Porque esse mistério desse preconceito tem 
que acabar. Campinas foi a última que aderiu à 
abolição, entre aspas. E continuei varrendo. Tinha 
que trabalhar.”(mameto Dangoroméia) 
 
Do preconceito nasceu o pacto com a santa que tinha algo do orixá 
que também era inquice. Naquele momento, a mãe-de-santo, além de 
mulher, pobre, negra, era também a feiticeira aglutinando toda uma gama 
de atributos pejorativos outorgados pela sociedade branca, cristã e 
masculina representada pelo homem que a agredira na praça. 
 
116 Corruptela da palavra de origem ioruba merindelogum que significa dezesseis e que no candomblé são 
dezesseis longos fios de contas fechados por uma pedra maior chamada firma e que tem a cor 
representativa do orixá ou inquice correspondente. 
117 Faixa de pano usada para diversos fins litúrgicos e rituais no candomblé e em cultos a ele associados. 
118 Migui,Musala: apetrechos que os recém iniciados no candomblé angola usam no pescoço. 
119 Inquice correspondente ao orixá Oxumare. 
120 Caiá- inquice correspondente ao orixá Iemanjá. 
 119
Mãe Corajacy também era “laranjinha” e tinha o sonho de trazer o 
candomblé para a rua, a fim de ser reconhecida pelo poder que sua 
iniciação lhe concedera como mãe-de-santo. 
 Note-se que sair do barracão, da periferia, tornar o candomblé 
visível e ser reconhecido como religioso, é sair do âmbito da magia e ir 
para o da religião, é deixar de ser feiticeiro, charlatão para se tornar 
sacerdote. 
Certo dia reuniram-se as duas em frente à catedral, ambas 
varredoras de rua, com o objetivo de terem um reconhecimento religioso. 
Planejavam fazer a Lavagem 
Por intermédio de uma amiga influente, conversaram com 
repórteres e comunicaram-lhes a vontade de fazer a Lavagem da catedral. 
Segundo mameto Dangoroméia e mameto Corajacy , mais que uma 
conversa foi um debate. Afinal, diz mameto Dangoroméia: “o jornalista 
retrucava, porque.. . Cidade das andorinhas.. . é, é, como é que se fala? 
invadida por feiticeirosbaianos, mineiros.. . Ah menina, foi uma luta.” ( 
mameto Dangoroméia) . 
Finalmente, com a imprensa convencida, impôs-se uma conversa 
formal com a Igreja católica, ficando de um lado as duas mães-de-santo, 
mulheres, negras e do candomblé e, de outro, o bispo, representando a 
Igreja, pois, para que pudessem dançar candomblé em praça “pública” 
teriam que pedir l icença para o bispo; afinal, a escada era da Catedral. 
Foi uma conversa tensa, difícil , conta mameto Dangoroméia: 
 
“Aí eu fui falar com Don. Gilberto, ele demorou muito 
para me atender, e aí, graças aos deuses, ele me 
atendeu. Eu fui falar com ele e ele me questionou 
muito, falou que eu estava misturando a igreja dele 
com aquela história de Santos, que todo mundo bebia, 
que todo mundo quebrava garrafa. Falava da festa de 
Iemanjá , né!? 
Aí falei pra ele que não era nada daquilo, que a gente 
não ia incorporar na frente da igreja dele. O papo 
demorou mais ou menos umas duas horas até quando 
 120
ele disse assim: Olha, e se a Senhora for proibida de 
fazer? Eu disse: Olha, vai ser difícil o senhor me 
proibir, sabe por quê? Se o senhor for pôr guarda lá, 
nós vamos levar uma torcida. Aí vai ter uma torcida 
para o senhor e uma para mim. Porque um terço da 
sua população católica vai ao meu candomblé. 
Eu já sou mulher, negra e do candomblé, não vai 
afetar minha moral. Que moral se dá para isso? A 
sociedade não dá moral mesmo..Agora, o senhor já 
pensou metade da torcida do senhor e outra metade 
minha? Ai ele deu aquela risada e falou: A senhora 
quer saber de uma coisa? Faça. (mameto 
Dangoroméia). 
 
A primeira Lavagem aconteceu no sábado de aleluia de 1985. 
Bispo e mães de santo resolveram o dia, conta mãe Corajacy: 
“Aí nós falamos para ele que nós íamos fazer em 
Janeiro, porque a festa de Oxalá é em Janeiro, Não é 
lavagem, é chamada de as águas de Oxalá121. Aí ele 
sugeriu que nós fizéssemos na páscoa que é 
renovação, que estava pertinho.. .” ( Mãe Corajacy) 
 
Uma vez que o Oxalá na Bahia é sincretizado com Nosso Senhor 
do Bonfim, então, lavar o adro desta igreja significa na reinterpretação 
afro-brasileira, preitear Oxalá. Por sua vez, o orago da Catedral 
Metropolitana de Campinas é Nossa Senhora da Conceição, de forma 
que, se fosse seguida a mesma lógica da Lavagem do Bonfim, a Lavagem 
 
121 Muitos dos adeptos do candomblé têm essa concepção, de que a Lavagem do Bonfim é ligado às 
“águas de Oxalá”. Oxalá é ligado às águas primordiais. Há um mito que fala sobre uma viagem de Oxalá 
ao reino se Xangô onde se sucederam diversos imprevistos. Oxalá acabou preso e esquecido na prisão do 
reino de Xangô. Sua tristeza foi tão intensa que causou grandes danos a esse reino, até que, através de 
sacerdotes de Ifá. Xangô ficou sabendo de seu amigo que havia anos estava preso em seu reino. Então, 
mandou que soltassem Oxalá, que lhe banhassem com águas perfumadas e que lhe oferecessem farto 
banquete a fim de que Oxalá aceitasse suas desculpas. 
Ao mesmo tempo quando a mameto denomina a Lavagem do Bonfim de “águas de Oxalá” diferenciando 
da Lavagem de Campinas, ela procura legitimar sua festa dando-lhe uma identidade diferenciada da festa 
de Salvador. 
 121
Campineira deveria ser realizada dia 8 de dezembro, dia votivo desta 
santa. Da mesma maneira, não há nenhum mito afro-brasileiro que 
justifique a lavagem tal como é o caso da do Bonfim. 
 Em Campinas, por meios hábeis do bispo, houve um novo arranjo 
para a festa. Por que não ser no sábado de aleluia, quando a igreja está 
fechada para os seus fiéis e quando é o dia de se malhar o Judas, que já é 
uma festa pagã? Fica, então, de alguma forma, tudo no seu lugar, a saber, 
as festas populares, os pagãos na rua, e o que é da igreja guardado sob 
suas portas cerradas. Nada se mistura , estando do lado de dentro. 
Devido à independência total em relação à santa padroeira e aos 
ofícios da igreja, configura-se uma ruptura quase completa entre a igreja 
e a rua, no sentido em que, neste caso, um espaço não se configura 
complementar, do ponto de vista simbólico, em relação ao outro. 
Porém o que se pode observar é que por ser no sábado de aleluia 
em que a igreja traz suas portas fechadas, o singelo ato de devoção das 
mametos se apropria do fechamento das portas do templo católico e lhe 
dá novo sentido. 
Em muitos aspectos, as duas Lavagens , a do Bonfim e a da 
Catedral de Campinas, se assemelham, uma vez que existem diversos 
componentes de inversão na devoção da Lavagem de santuários, antes 
luso-brasileiras e hoje afro-brasileiras. Ordep Serra destaca dois aspectos 
de inversão que acontecem no rito de Salvador, que a meu ver podem ser 
identificados nas duas Lavagens . A primeira inversão é que, ”enquanto 
nos ofícios regulares da Igreja o povo acorre ao templo para purificar-
se, numa “Lavagem” o templo é purificado pelo povo” (200, p. 75) 
A segunda inversão é a que resulta do fechamento das portas da 
igreja. Ordep, neste caso, aponta para a ausência dos sacerdotes 
católicos e seus acólitos na realização dos ritos litúrgicos, permitindo 
que se invertam os papéis. “Então seu rebanho tem toda a iniciativa, ao 
contrário do uso normal” (2000; p. 75) 
Ainda no sentido “anárquico” da inversão de valores, o afã do 
serviço alegre realizado espontaneamente, segundo Ordep pode, “ser 
qualificado como um anti-trabalho, numa cultura em que a idéia de 
 122
trabalho liga-se com a de obrigação penosa imposta, humilhante até.” 
(2000; p. 75). 
 
 
 
Lavagem: festa na praça - Uma etnografia 
 
 
 
Fazia uma manhã quente, quando comecei a descer a avenida 
Francisco Glicério em direção à praça da Catedral. Ainda distante umas 
três quadras, podia-se ouvir entrecortada pelo vento, uma voz feminina 
que cantava ao microfone. Imaginei que estivesse muito atrasada e que 
talvez eu tivesse perdido já grande parte da festa. 122 Eram 11horas da 
manhã e eu não sabia a que horas ela havia começado. Um pouco mais 
adiante, uma rajada de vento tornou mais audível a música: Azekutála 
zinge, o iá zinge, o Azekutála zinge, o iá zinge o Iá iza Kutala, Kawiza 
Kurá.. . Ai ai, ai ai, ai ai. . . Cantavam para Kabila , que era um dos 
primeiros inquices a ser louvado na roda de angola. Eu não havia perdido 
muito da festa. 
Observei as pessoas passando na calçada, indiferentes à cantoria. 
Era mais um sábado comum de comércio. 
Conforme fui me aproximando, percebi que a praça estava toda 
circundada de grandes barracas brancas entre as quais poucas pessoas 
circulavam. 
Direcionei-me para a igreja onde se via um aglomerado de pessoas. 
Um palanque havia sido montado em frente às escadas da Catedral de 
 
122Após um ano, na segunda observação etnográf ica pude chegar mais cedo e ver 
um alegre cor tejo do povo-do-santo chegando à praça com quar t inhões enfei tados de 
f lores carregados sobre as cabeças. À frente, juntos com as mametos , v inham faixas 
e color idos estandar tes escr i tos em l íngua banta . Os grupos de Jongo, de tambor, de 
capoeira, ader iram ao cor tejo . Todos trajando roupas brancas i luminaram a praça sob 
o sol da manhã. Quanto às demais a t iv idades , e las ocorreram de maneira muito 
semelhante à pr imeira observação. 
 
 123
onde vinha o som dos tambores. Entre os transeuntes, duas moças negras 
com cabelos trançados com fitas coloridas conversavam alegremente com 
um rapaz de longos cabelos rastafari. 
 Aproximei-me para ver melhor o que acontecia naquele espaço. 
Sem muita dificuldade fui saindo do meio das pessoas e chegando 
à frente e pude subir nos degraus do palanque. Havia uma grande roda de 
baianas vestidas de branco, que dançavam num espaço anterior à 
escadaria da igreja. Alguns homens também de branco se misturavam a 
elas. Uma outra roda menor,ao centro, composta de homens e mulheres 
trajando roupas de imaculado branco e bordadas em richelieu, dançavam 
formando um centro referencial para a roda maior. Neste pequeno circulo 
interior, identifiquei mameto Corajacy e mameto Dangoroméia . 
 No palanque, uma orquestra de tambores e seus tatas, ao microfone 
tata Tawá . Esse tata viera de São Paulo para prestigiar a Lavagem 
campineira. Pessoa de grande prestigio com mameto Dangoroméia, é um 
articulador da recuperação lingüística banta nos candomblés angola de 
São Paulo, além do desejo de valorização desta nação. Esse tata cantava 
uma azuela, enquanto a roda de candomblé dançava. 
Quando a música cessou, e os componentes da roda pararam de 
dançar, pude identificar diversos personagens da polít ica e do 
movimento afro-brasileiro. O deputado estadual Sebastião Arcanjo dos 
Santos, famoso pela luta anti-racista e assumido candomblessita , somado 
a outros ativistas que se misturavam com as mulheres vestidas de 
baianas. 
 Do lado esquerdo da escadaria da igreja havia um tapume, que 
escondia talvez obras na calçada lateral. A igreja fechada silenciava-se 
ao movimento do candomblé do lado de fora. A grande porta fechada do 
templo católico separava os “deuses”. Os santos católicos lá dentro, 
protegidos sob a majestosa construção da catedral que curiosamente fora 
toda construída com mão-de-obra escrava, e os deuses negros, na praça, 
no tempo, na rua, na boca dos homens, na batida dos tambores. 
 Do alto da igreja, dois anjos pareciam esquecer suas trombetas e 
observavam a festa dos inquices. 
 124
Talvez naquele momento, lá de cima da torre, os anjos olhassem, 
atentamente, para depois contar a Nossa Senhora da Conceição o quanto 
era bonita “Caiatumbá” com quem ela muitas vezes fora sincretizada. 
Ali, diferente do que muitas vezes acontece nos terreiros, tudo e 
todos podiam ser fotografados. Ninguém fazia cerimônia, afinal, se 
estavam na praça, era para serem filmados, fotografados, porque parece 
que hoje também o povo do candomblé gosta de sair na mídia. Era o 
momento do candomblé se mostrar, de dizer para toda a população que 
ele existe e é forte. Hoje, ao invés da polícia fechar as casas, quebrar e 
apreender símbolos afro-brasileiros ou bater no lombo dos sacerdotes e 
adeptos, o candomblé tem a seu favor todo o aparato dos órgãos do 
governo e da segurança pública. 
 Mameto Corajacy contou como isso foi importante para ela, por 
ocasião primeira Lavagem: 
“Mas olha, eu vou te falar, quando nós 
chegamos lá na catedral.. . Estava(sic) ambulância, o 
prefeito na época era Magalhães Teixeira, o vice dele 
em cima daquela estátua, que eu tenho uma foto dele 
até hoje, no jornal. Ambulância, Corpo de bombeiro, 
tudinho. Aí eu percebi que Campinas.. . (mameto 
Corajacy) 
A mameto não terminou a frase, porém o que ela queria mesmo 
dizer era que tinha sido naquela ocasião que Campinas dera-lhe 
importância e à sua crença e que, naquele momento, ela tinha se sentido, 
pela primeira vez, respeitada como uma verdadeira cidadã campineira. 
Atualmente, na praça, tudo parece mais fácil e a festa flui sem 
resistência. 
Cada um dos componentes da roda de candomblé foi pegar seu 
porrão123 de água de cheiro enfeitado de flores brancas que estava junto 
aos outros, nas escadarias da igreja. Organizada uma fila indiana, 
encaminharam todos para a escada. As mães de vassoura em punho, com 
alegre e contagiante entusiasmo, encenaram uma Lavagem . 
 
123 Pote ou vasilha de barro, comumente bojuda e de boca e fundo estreitos. 
 125
Naquela hora varriam a escada com outro intuito, não eram mais as 
“conservas”, não trabalhavam mais para a limpeza pública; na verdade, 
varriam agora o preconceito sofrido por ser do candomblé e a dor de 
terem nascido mulheres, negras e pobres. 
Muitas pessoas pediam bênçãos. Outros queriam que elas lavassem 
suas cabeças com água de cheiro. Todos distribuíam flores. A praça foi 
se tornando movimentada, muita gente chegava para a outra festa que se 
daria depois da realizada pelas mametos . As pessoas alegremente se 
cumprimentavam. 
Eram amigos, gente que identificava ou não o candomblé com a 
lavagem, mas que, certamente, tinha algo a ver com a cultura afro-
brasileira. Gente da capoeira, do jongo, do maculelê ia chegando e se 
espalhando pela praça, atrás do palanque. Muita gente de pele negra, com 
roupas vistosas, com cabelos trançados e enormes boinas coloridas. 
Um pai-de-santo que não se aventurara a participar, estava com 
muitos filhos de sua casa, ali parado, cumprimentando amigos e se 
deixando ver. 
Uma negra gorda e jovem passou bem perto de mim e pude ver 
marcas de escoriações em forma de cruz nas costas e braços. Esta é 
independente da sua forma, a marca do “santo” que indica um filho do 
candomblé. 
Muita gente andava agora pela praça. Todos se confraternizavam 
alegremente. 
Em frente ao palanque, uma voz feminina chamava todos os 
participantes para se reunirem novamente a fim de que fosse encerrada a 
celebração. O adro estava cheio de gente conversando, o chão molhado 
pela água de cheiro. A limpeza festiva da escadaria da igreja resultou 
numa manifestação espontânea de alegre entusiasmo. Não havia mais 
organização, apenas a devoção aos inquices e a vontade de conversar e 
divertir-se. 
 Uma das filhas-de-santo me puxou pelo braço e disse que queria 
que eu conversasse com uns americanos, porque ninguém ali falava 
inglês. 
 126
Se, por um lado, o povo do santo aprecia a presença e o interesse 
pelo candomblé de estrangeiros, de integrantes da academia e de 
políticos, por outro lado, essas pessoas também valorizam o apreço que 
se efetiva com a aproximação aos sacerdotes. Ao mesmo tempo em que o 
candomblé pode conseguir maior visibilidade, e conseqüentemente 
legitimidade e poder, através dessas pessoas, também os políticos e 
ativistas conseguem com o candomblé visibilidade e influência, podendo 
angariar novos votos em eleições futuras. Do mesmo modo, gente da 
academia, ao se tornar mais íntima dos sacerdotes, pode realizar com 
maior facilidade pesquisas e os estrangeiros acreditam conseguir receber 
axé de uma religião que se configura exótica quando se compara a 
cultura afro-brasileira com as norte-americanas ou européias das quais 
descende. 
A voz feminina novamente apelava para a reorganização das 
pessoas. Acatado o pedido, foram entoados cânticos de despedida e o 
povo do candomblé retirou-se para a parte maior da praça, que ficava 
atrás do palanque, cercada de barracas. 
As pessoas procuravam os banheiros e um lugar para trocarem as 
roupas, uma vez que as armações e as grandes saias rodadas, certamente 
incomodavam por causa do calor que era intenso e volume que 
certamente restringia os movimentos. 
Numa barraca aberta, muitos se escondiam do sol. Passei perto de 
uma negra jovem de sorriso aberto que me deu um galhinho de alecrim, 
convidando-me para o jongo. Ouviam-se berimbaus e as rodas de 
capoeira foram se formando. 
 Nas barracas de bebidas e comidas formaram-se filas de gente 
querendo comprar algo que os refrescasse do calor e que lhes saciasse a 
fome. O cheiro do acarajé, frito no dendê, não deixava esconder que ali 
havia comida de santo. 
Um grupo de jongueiros se instalou bem à porta da catedral que 
àquela hora já adquirira uma sombra acolhedora e ali começou a ensaiar. 
Gente vestida de branco, e com roupas muito coloridas encheu a praça 
para beber, conversar, comer e namorar. 
 127
É importante observar que, ao sair da sua cercania, o candomblé 
levou para a praça central de Campinas seu povo e, mesmo que hoje seja 
um candomblé freqüentado por muitos brancos, este rito na praça atraiu 
as mais diversas manifestações de luta e de resistência do povo afro-
brasileiro. 
 4142 
 128
A Lavagem e o Ideal de pureza. 
 
 
 A Lavagem das escadarias da Catedral Metropolitana de Campinas, embora 
esteja inserida no calendário oficial de Campinas124 e no calendário cultural e turístico 
do Estado de São Paulo125, suscita reações por parte de membros da academia e da 
comunidade do candomblé por acreditarem que este tipo de evento está associado à 
igreja e aos símbolos católicos, e revela desta forma uma submissão do candomblé ao 
catolicismo. 
 Na verdade, a discussão sobre o sincretismo afro-brasileiro não é novidade. 
Desde as décadas de 30 e 40 do século XX, este debate já havia tomado força entre os 
adeptos do candomblé e na academia, salientando uma dimensão política que até então 
não havia sido declarada. 
 O sincretismo era visto como imposto pelas circunstâncias da escravidão e, 
hoje, ele não se faz mais necessário, uma vez que há a liberdade de culto amparada 
legalmente. Desta forma, separar o candomblé do catolicismo era naquele momento 
uma tomada de consciência por parte dos adeptos das religiões de matrizes africanas. 
 Essa discussão gerou muita polêmica quando, em 1983, a imprensa baiana 
divulgou um documento resultante da II Conferência Mundial da Tradição de Orixá e 
Cultura que declarava o fim do sincretismo.126
 
124 Lei nº 9515 de 2 de dezembro de 1997 institui, no calendário oficial da Secretaria Municipal de 
Cultura e Turismo, o sábado que antecede o domingo de páscoa (sábado de aleluia) como dia da lavagem 
das escadarias da Catedral Metropolitana de Campinas pelos candomblés. 
125 Em Sessão realizada dia 13 de setembro de 2005, na assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, 
foram aprovados os seguintes projetos de autoria do Deputado Estadual Sebastião Arcanjo: PROJETO 
DE LEI NO 1163 – Inclui a cerimônia da “Lavagem das Escadarias da Catedral de Campinas” no 
calendário Turístico do Estado. 
126 Consorte escreve que “no dia 29 de julho de 1983, uma sexta-feira, o Jornal da Bahia, editado em 
Salvador, trazia em letras garrafais, como principal manchete da primeira página do seu primeiro 
caderno, a seguinte notícia: “candomblé rompe de vez com o sincretismo.” Ilustrada com foto de mãe 
Stella do Opô Afonjá e complementada em letras menores, por um resumo da matéria, de que se 
 129
 Contudo, Consorte observa que “a ruptura do sincretismo não implicava, 
porém, o abandono da fé católica, não se tratava, propriamente de um cisma.” (1999; 
p.73). 
Na realidade, isso significava ainda, conforme a mesma autora, que “o manifesto 
deslocava, porém a dupla pertinência do plano coletivo do terreiro para o plano 
individual, passando a ser assunto de foro íntimo, particular, perseverar naquela 
crença.” (1999; p. 73) Isto significava que acabariam as missas de iaô e as de sétimo 
dia coordenadas com os ritos do candomblé, e do mesmo modo deveriam ser revistas 
datas festivas do candomblé associadas aos santos católicos, como por exemplo, a 
lavagem do Bonfim. Contudo, se cada um quisesse acreditar em São Lázaro ou nossa 
Senhora das Candeias, era um problema particular. 
Interessada em saber o que acontecera após as tomadas de posições contra o 
sincretismo de 1983, Consorte em 1992 retorna ao campo e percebe que no 
“desenrolar das festas religiosas em Salvador, parecia que nada 
mudara. A lavagem do Bonfim continuava entregue às baianas 
com trajes rituais e suas quartinhas; o presente de Iemanjá 
continuava a ser entregue no dia consagrado a Nossa Senhora 
das Candeias e a Nossa Senhora da Purificação, em Santo 
 
ocuparia mais amplamente em sua página 3, o articulista Vander Prata, seu autor: a notícia era 
daquelas a mexer com meio mundo na cidade que fora chamada de Roma Negra por uma das suas mais 
veneradas ialorixás, Mãe Aninha, a fundadora do Ilê Opô Afonjá. Estava escrito no resumo: 
 São Jorge não é Oxossi, Santa Bárbara não é Iansã. O candomblé resolveu romper com o 
sincretismo religioso. Agora, nada de exploração folclórica. Nada de utilização em concursos oficiais ou 
propaganda turística. A II Conferência Mundial da Tradição Orixá e Cultura, que se realizou em 
Salvador, de 17 a 23 deste mês ( julho de 1983. Nota nossa), ajudou na decisão. Quem assina o manifesto 
ao público e ao povo do candomblé , merece respeito: Menininha do Gantois, Stella de Oxossi(foto), Tetê 
de Iansã, Olga de Alaketo e Nicinha do BogumAxé.”- Consorte, Josildeth Gomes Em torno de um 
manifesto de Ialorixás Baianas contra o Sincretismo, in Faces da Tradição afro-brasileira. 
Organizadores: Carlos Caroso & Jéferson Bacelar. Editora Pallas, Rio de Janeiro. R.J.1999. 
 
 
 130
Amaro; as missas das segundas-feiras na Igreja de São Lázaro, 
sincretizado com Omolu, continuava a ser freqüentadas por uma 
população numerosa ritualmente vestida de branco, sem falar da 
presença da pipoca por todo o lugar; a festa de São Roque, 
sincretizado com Obaluaiê, preservava as suas características 
tradicionais; a festa da Irmandade da Boa Morte/Nossa Senhora 
da Glória, não havia alterado seus rituais e a tradicional bênção 
das terças-feiras no altar de Santo Antônio, sincretizado com 
Ogum, depois da missa das 18 horas na Igreja de São Francisco, 
parecia cada vez mais concorrida, tendo se tornado o mais novo 
evento do calendário de Salvador” (1999; p.81) 
 Ainda em 1992, Consorte, voltando a ouvir as sacerdotisas que haviam 
participado da carta em repúdio ao sincretismo, não encontrou unanimidade entre as 
sacerdotisas, quanto a essa questão, tampouco entre os adeptos do candomblé. Desta 
forma, deixa claro que este é um tema complexo e que as posições divergentes das 
sacerdotisas “revelam uma compreensão diversa da natureza da formação das religiões 
afro-brasileiras, com repercussões significativas para o debate e o encaminhamento da 
(re)construção da identidade do negro no Brasil. (1999; p.88) 
 Chamou-se a atenção para o “abandono do sincretismo” na Bahia, porque aí é 
possível perceber quão profundas são as raízes das relações entre o candomblé e o 
catolicismo. 
 Houve uma repercussão relevante deste tema no Sudeste e dos debates que aí 
ocorreram é que se originou a crítica à “Lavagem” de Campinas. 
 131
Por um outro lado, quando Geertz escreve que ao realizar uma etnografia não se 
pode ficar somente numa “descrição superficial” ,isto é, numa primeira observação 
ingênua, mas que o importante é que seja feita uma “descrição densa”, isto quer dizer 
que o etnógrafo tem que procurar seu caminho nas “estruturas sobrepostas de 
inferências e implicações”. (1989, p. 6) Percebe-se, desta forma, que a “Lavagem” 
deve ser compreendida por aquilo que está insinuado nas suas entrelinhas e o que 
importa, ainda segundo o mesmo autor, é “escolher entre as estruturas de significação 
e determinar sua base social e sua importância.” (Geertz, 1989; p.7) 
 Assim, torna-se importante averiguar em que medida o universo religioso afro-
brasileiro goza de uma cosmovisão que possibilita realizar através do simbolismo 
religioso, uma relação da sua esfera de existência com a esfera mais ampla. 
 Lody chama essa cosmovisão afro-brasileira de “mundovisões do povo de 
santo” que estão invariavelmente vinculadas ao sagrado, e seus símbolos aludem tanto à 
mítica e remota África quanto às mais recentes memórias afro-brasileiras. Conforme o 
mesmo autor, “Os modelos africanos transculturados e ricamente incorporados em 
cenário cristão legam forte e expressivo paralelismo entre santos da igreja e santos dos 
terreiros”. (1995; p.2) 
 Essa correlação torna-se muito evidente na situação da diáspora em que “as 
identidades se tornam múltiplas.” (Stuart Hall: 2003) 
Contudo, mesmo havendo esse paralelismo, são os terreiros que preservam as 
histórias dos povos africanosda mesma sorte que os negros 
crioulos, mulatos e caboclos fetichistas, possuem todos, à moda dos nagôs, terreiros e candomblés em 
que as suas divindades ou fetiches particulares recebem, ao lado dos orixás iorubanos e dos santos 
católicos, um culto externo mais ou menos copiado das práticas nagôs.”( Rodrigues, Nina. Os africanos 
no Brasil. Edita. UnB ,Brasília, D.F. 7a edição, 1988, p. 216). 
Por outro lado, Arthur Ramos embora considerasse também que as “sobrevivências religiosas e 
mágicas de origens bantu existiam deturpadas e transformadas” (1961: p. 361), escreveu um capítulo 
intitulado:“sobre as culturas bantu”, no 1o volume da coleção de sua obra chamada “Introdução à 
antropologia brasileira”. Nesse capítulo faz uma ressalva à afirmação de Nina Rodrigues quanto à 
quantidade de negros bantos existentes na Bahia, que para Nina não passavam de “uns três Congos e 
alguns angolas”. Já para Ramos os bantos eram encontrados em grande número, mesmo na Bahia (1961: 
p. 357). 
Outro autor, Edson Carneiro, refere-se aos candomblés angola e congo tanto no livro 
Candomblés da Bahia, quanto no Religiões Negras. Carneiro escreveu que: “Pode-se dizer que, na Bahia, 
os negros bantos esqueceram os seus próprios orixás.” (1991, p,134). E quando escreve sobre a 
formação dos candomblés de caboclo, diz que : “foi a mítica pobríssima dos negros bantos que, 
fusionando-se com a mítica igualmente pobre do selvagem ameríndio, produziu os chamados candomblés 
de caboclo na Bahia.” ( 1991, p. 62). 
Carneiro, Edson. Religiões Negras. Negros Bantos. Edita . Civilização Brasileira , 3a edição. 
Rio de Janeiro, R.J. 1991. Candomblés da Bahia. Edita. Civilização Brasileira, 8a edição. Rio de 
Janeiro, R.J. 1991. 
Ver ainda: Carneiro Édison. Cartas de Édson Carneiro a Artur Ramos. Edita . Corrupio, São 
Paulo. S.P. 1987. 
 Querino, Manoel. Costumes Africanos no Brasil.Edita Massangana, 2a edição. 
Recife. Pernambuco. 1988. 
 
 4
da baixa qualificação dada a esta cultura, os trabalhos posteriores trataram dos 
candomblés queto, deixando de lado os de nação angola. 
Prandi, em 1992, escreveu que “o candomblé nagô4 pode contar, além do 
prestígio, com muitas fontes escritas brasileiras, além de uma etnografia produzida 
sobre o culto dos orixás da Nigéria e do Benin. Nada semelhante existe para o 
candomblé angola, a não ser o ensino do quicongo oferecido pela Universidade 
Federal da Bahia”. (Prandi, 1991; p. 20). O mesmo autor comenta o discurso feito por 
Esmeraldo Emérito de Santana, representante da nação angola no Encontro de Nações 
de Candomblé, promovido em Salvador pelo Centro de Estudos Afro-Asiáticos da 
Universidade Federal da Bahia em 1981...: “Aqui faço um apelo, já que existe um 
centro de estudos, para que pesquisem o angola. Não há livros sobre o angola. E tem 
mais terreiros de angola na Bahia do que de queto, de jeje, de qualquer nação” (Lima 
et al., 1984:41, In Prandi, 1991; p.20). 
Portanto, o principal argumento que pode justificar esta dissertação é a falta de 
pesquisa sistemática sobre o candomblé angola. É importante ressaltar, ainda, que, 
mesmo havendo preconceito sobre o candomblé de origem banta, o candomblé angola 
de Campinas é majoritário e vem se fortificando perante seus adeptos, o movimento 
negro e outras instituições. 
 A produção etnográfica sobre o candomblé elegeu para seus estudos antigas 
casas de candomblé queto da Bahia, que foram preferidas por preencherem os critérios 
necessários de pureza que as tornavam melhores que as outras ditas mais miscigenadas 
e, portanto, impuras. Segundo Beatriz Góis Dantas “a ideologia da pureza pressupõe a 
existência de um estado original, uma espécie de reduto cultural preservado das 
influências perturbadoras de elementos estranhos”... (Dantas, 1988; p. 145) 
 
4 Prandi quando fala de candomblé nagô se refere à nação queto. 
 5
A pureza, nesse sentido, presume que haja um estoque original de bens 
simbólicos, uma continuidade da tradição e fidelidade à África, requisitos para a “marca 
dos puros”. É lógico que as origens existem, porém numa África distante no tempo e, 
portanto mítica. O candomblé foi composto por diversos povos, por isso, não tem uma 
origem única, embora preserve mais traços de uma ou outra cultura originária. 
Desta forma, mesmo que esses terreiros baianos tenham nascido de mães 
africanas ou de seus descendentes, não foi somente este fator que os caracterizou como 
os mais puros e que os colocou em evidência. 
Embora a pureza fosse uma categoria nativa utilizada para expressar as 
rivalidades entre as diversas nações, na disputa pelo mercado de bens simbólicos, a 
influência nos meios religiosos afro-brasileiros dos antropólogos apegados aos 
africanismos, segundo Dantas, “transformou esta categoria nativa em categoria 
analítica, prática” que cristalizou traços culturais que passaram a ser representações 
da “expressão máxima da africanidade” (Dantas, 1998; p.148) 
Prandi, estudando os candomblés de São Paulo, entende que: “A produção 
etnográfica sobre estes candomblés prestigiados por sua publicidade passou também, 
em anos recentes, a oferecer modelos legitimamente puros da religião dos orixás para 
aquelas casas de criação mais recente, ou de origem de memória perdida”. (Prandi, 
1991,17) 
O candomblé de São Paulo somente se torna expressivo a partir dos anos 60 
(Prandi; 1991. Wagner; 1995) e, por isso, muitas casas se servem dos modelos baianos 
para se espelharem. 
Ao participar do projeto “Religião da diáspora negra: Continuidades e rupturas” 
de autoria da Dra Teresinha Bernardo, para o qual realizei a coleta de histórias de vida 
 6
das mães-de-santo mais velhas de São Paulo, percebi, ainda em uma observação 
preliminar, que o candomblé paulista procura uma legitimidade que vai ser encontrada 
por meio da descendência a uma destas casas antigas de queto ou pela proximidade 
com a África, obtida através da viagem à Nigéria. 
Por outro lado, em Campinas, os terreiros angolas são fortes representantes das 
religiões afro-brasileiras, mesmo conhecendo a existência de um preconceito banto, que 
ainda hoje tem muito peso entre os adeptos do candomblé; ao contrário do que se 
poderia esperar ao observar o candomblé paulistano, o candomblé campineiro de nação 
angola elaborou uma reação à soberania nagô, que começou com a delimitação das 
fronteiras da nação angola. 5
À primeira instância, o que parece é que a mesma categoria analítica utilizada 
para definir a pureza nagô, definida por Beatriz Góis Dantas, é a que o candomblé 
angola de Campinas está utilizando, a fim de marcar suas diferenças e de firmar sua 
identidade. 
No entanto, com um olhar mais cauteloso, percebi que, num primeiro 
movimento, as casas paulistas procuravam uma tendência homogeneizante em direção à 
nação queto, em decorrência do ideal de pureza que se lhe atribuía. Atualmente em 
Campinas, e numa observação preliminar, pude averiguar que, também em São Paulo, 
 
5 Isso pode ser percebido em algumas casas de candomblé angola de Campinas pela preocupação em, 
por exemplo, repercutir os atabaques apenas em toques que são reconhecidos da nação angola, em 
somente cantar nas festas em alguma língua banta, em separar os inquices (divindades bantas) dos orixás 
(divindades queto)., mediante também dos vocabulários em banto colados nos murais dos terreiros e que 
servem para o aprendizado dos filhos-de-santo, os nomes das casas que foram transformados de nomes 
em língua ioruba para nomes bantos, entre outras evidências que têm o sentido de delimitar as fronteiras e 
o fortalecimento da identidade. 
 
 7
surge um segundo movimento que se caracteriza, utilizando as palavras de Hall, como 
uma” proliferação subalterna da diferença”. (Hall; 2003) 
O candomblé paulista, tanto em Prandi quanto na pesquisa que realizei para o 
trabalho de“aqui dinamizados e interpretados em concentrações 
etnoculturais chamados Nações.” (Lody, 1995; p.2) 
 132
Os terreiros de nação angola em Campinas, além dos rituais, preservam um 
núcleo de cultura em que se incluem as comidas, as músicas, a língua, a dança, o 
artesanato, enfim “ um elenco de motivos e realizações do ser africano no Brasil, e do 
ser afro-brasileiro.” (Lody, 199;, p.14) 
 Além disso, há numa outra questão que envolve o povo do candomblé que é a 
integração em seu meio de lideranças de movimentos sociais, de forma que cresce no 
seu âmago uma “afirmação racial e de busca de ocupação do poder, unindo-se a 
diferentes segmentos do amplo processo de conscientização do negro.” ( Lody, 1995; 
p.2). Isso é um fato que também se concretiza nas ações dessas duas mametos. 
Mameto Dangoroméia e mameto Corajacy há muito se identificam com os 
movimentos políticos e sociais, tornando-se ativistas da luta anti-racista, pois nelas está 
inscrita a marca da mulher negra e do candomblé. 
Quando o candomblé chega à praça da catedral no sábado de aleluia, junto a seu 
cortejo vêm grupos de capoeira, de jongo, de tambores que trazem faixas e estandartes 
escritos em línguas bantas. Esses escritos retomam a uma África mítica que fornece 
histórias e referências que possibilitam reinterpretar a história oficial. 
Desta forma, a Lavagem faz mais do que mostrar seus cantos, danças e vestes do 
candomblé na praça. Ela tornou o invisível visível e, por isso, mostra a existência do 
negro, permitindo assim um retorno para si mesmos. Essa África construída na diáspora 
vem desse retorno. 
 Stuart Hall fala que a cultura é uma produção dinâmica. “Tem sua matéria-
prima, seus recursos, seu “trabalho produtivo”. Depende de um conhecimento da 
tradição enquanto “o mesmo em mutação” e de um conjunto efetivo de genealogias.” 
Porém, há os desvios, que no caso foram causados pela diáspora negra e que são, de 
certa forma, ressarcidos por meio da cultura, em virtude de sua constante produção. 
Essa dinâmica, possibilita uma nova elaboração desse sujeito, surgindo daí um novo ser. 
Portanto, segundo Stuart Hall, 
 
 133
“não é uma questão do que as tradições fazem de nós, mas 
daquilo que nós fazemos de nossas tradições. Paradoxalmente, 
nossas identidades culturais, em qualquer forma acabada, estão à 
nossa frente. Estamos sempre em processo de formação cultural. 
A cultura não é uma questão de ontologia, de ser, mas de se 
tornar.” (2003; p. 44) 
 
Os elementos culturais, nas suas formas originais, passam pelo processo de 
tradução cultural, (Hall: 2003) desta maneira, a Lavagem com os estandartes e faixas 
escritas em línguas bantas, com as danças e os batuques apresentados em frente à igreja, 
assume outro significado que é o de “descolonizar as mentes”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 134
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
 
Tratei nesta dissertação de alguns aspectos do candomblé angola em Campinas. 
Apesar de não ser um estudo comparativo, penso ser importante fazer algumas 
comparações que apresentem as semelhanças e as diferenças nos aspectos dos 
candomblés angola e queto, aqui estudados. 
No candomblé há uma preocupação primordial que é a manutenção, a 
preservação e a ampliação da força vital, pois é através dela que a vida andará 
acertadamente e as bênçãos dos inquices/orixás coroará o adepto de prosperidade. A 
força vital pode ser medida e manipulada pelo moyo/axé. A palavra axé - termo oriundo 
dos candomblés de origem nagô, grandemente difundido pela música popular elaborada 
por compositores baianos e pela literatura, principalmente pelos romances de Jorge 
Amado - é muito mais conhecida e utilizada que moyo, por todas as nações. 
Prandi escreve que axé pode ter muitos significados, a saber, pode ser bênção, 
poder, carisma, dádiva dos deuses, além de ser o conjunto material que representa os 
deuses e sinônimo de Amém; por fim, é a “força vital, energia, princípio da vida, 
força sagrada dos orixás.” ( 1999; p.103) 
Da mesma maneira Elbien, interessada com a importância do axé no candomblé 
queto, o define como “a força que assegura a existência dinâmica, que permite o 
acontecer e o devir... É o princípio que torna possível o processo vital” (1993; p. 39). 
É interessante notar que a inquietação com a força vital nos candomblés, 
também é uma prerrogativa de toda a África Negra. Da mesma maneira que os nagôs, 
também os bantos, conforme escreveu Tempels, tinham tal apreço pela preservação do 
 135
moyo - para eles a força vital- que a grande resistência que faziam em se tornarem 
cristãos não era em decorrência de terem que abandonar a poligamia que praticavam, 
mas, sobretudo, em virtude do “pavor” em renunciar ao culto de seus ancestrais e 
perderem com isso a própria vida. Desta maneira, o culto aos ancestrais se configura 
como uma questão de vida ou morte. A vida torna-se, neste caso, o bem supremo de 
todos os bantos. 127
 Nos candomblés de origem banta, esta força vital é chamada de moyo e é ela que 
liga os ancestrais aos seus descendentes, o inquice àquele que foi iniciado, permitindo 
que a dinâmica da vida se realize positivamente de maneira a proporcionar uma vida 
plena ao adepto. Neste sentido, tanto o candomblé angola quanto o queto são 
semelhantes em sua origem, que se efetiva na mesma procura, qual seja, a preservação e 
o crescimento do moyo/ axé. 
 Conforme exposto, celebrar a vida como o bem mais precioso é um requisito 
básico no candomblé. Por ser assim, o advento da morte causa perturbação na harmonia 
do grupo e exige rituais específicos, tanto nos candomblé angola quanto nos queto 
(sirrum/axexê) a fim de reabilitar a simetria entre o mundo dos vivos e o dos mortos. 
 
127 Segundo Tempels, o conceito de vida para os Bantos tem um significado ontológico. Cada ser é uma 
força da vida, e cada força da vida é um ser. A noção da vida que é fundamental da ontologia banta, é 
uma noção universal suprema, e é aplicada a tudo que existe : Deus, os espíritos, os mortos, os homens, 
os animais, as plantas e todos os seres materiais. Ainda conforme Tempels, “ “ens” é para nós uma 
realidade estática, para os negros é a força, que é uma noção e uma realidade dinâmica”. (tradução livre ) 
La vie du Muluba, raffermie, sauvée par l'intervention du devin, kilumbu, le médecin magique et les 
défunts, court un grand risque s'il abandonne tous ces aides et moyens, pour devenir chrétien: ce n'est 
pas la polygamie, ni le soi; disant conservatisme et leur attachement aux coutumes anciennes qui est la 
grande raison pour laquelle les païens n'osent pas devenir chrétiens, mais c'est 
la peur de perdre leur vie. La question est pour eux une question de vie ou de 
mort[([47])]. 
 La vie est donc le grand motif de tout agir essentiel des païens[([48])]. 
Et, chez les Bantu, ce motif est enraciné dans la connaissance ontologique des êtres, des vivants, des 
morts, des êtres de rang inférieur, de tout l'univers. 
 On peut bien dire que la vie est le bien suprême de tous les hommes; que ce bumi ou cette théorie de la 
vie des Bantu les assimile précisément à toute l'humanité. C'est vrai dans un certain sens[([49])) 
PLACIDE TEMPELS - MELANGES DE PHILOSOPHIE BANTU - RECUEIL DE TEXTES 
PREPARES PAR A.J. SMET C.P. Première partie - L'idée fondamentale de l'ontologie bantu. 
 136
 Os espíritos primordiais, isto é, aqueles que deram origem aos primeiros clãs, 
eram cultuados pelos bantos e pelos nagôs (bakulo/egungum), porém, no Brasil, assim 
como em África, o culto de egungum desenvolveu-se concomitantemente ao culto de 
orixás, concebeu uma estrutura separada do candomblé queto, constituiu-se uma 
comunidade própria e realiza ritos específicos com o objetivo de reintegrar os ancestrais 
religiosos à comunidade dos vivos. 
Desse modo, conquistou uma reputação que lhe deu mais apreço que o culto dos 
bantos, emborana origem a importância dada aos egunguns e aos espíritos dos mortos 
fossem semelhantes. Assim, as almas cultuadas nos Cruzambê das almas ou no Inso 
Yombeta das casas angola passaram a ser comumente chamadas de egum ou como no 
Ilê Axé Arolê, em que foi realizada a junção do Inso Yombeta com Ile Ibo Aku ( casa 
dos culto dos mortos). As almas dos candomblés angola passaram a dividir o espaço 
com o assentamento de egungum, cujo culto foi totalmente importado de casas de 
egungum provenientes de Itaparica. 
Uma outra categoria de seres ligados à natureza e cultuados no candomblés são 
os inquices/orixás que, ao se transferirem para o Brasil através da diáspora, sofreram 
ressignificações. 
Os povos Bantos assim como os nagôs acreditavam em forças da natureza, isto 
é, nas matas, rios cachoeiras, fogo, ar, terra, água, raios, ventos e tempestades. Os nagôs 
tinham os Orixás que representavam reinados em terras iorubas, famílias reais, e seus 
mitos contam a história de guerras e conquistas de seus povos. Esses reis e rainhas em 
terras africanas constituíram-se em ancestrais divinizados e, com a diáspora, os orixás 
passaram a ser entendidos como forças da natureza, uma vez que ficaram desprendidos 
da sociedade a que pertenciam e que organizavam por meio de seus mitos. 
 137
Por outro lado, também os bantos, conforme escreve Girotto, “rompido os laços 
com a ancestralidade,(...) reinterpretam o conceito de nkisi (inquice), alterando o foco 
de importância, de culto de mortos para o de espíritos da natureza que já praticavam 
em África.” ( 1999; p.276) ( grifo nosso) 
Da mesma forma, também os assentamentos dos orixás eram muito parecidos 
com a representação material dos inquices, isto é, enquanto símbolo e maneira de 
confeccionar. (Girotto, 1999). Nas palavras do autor: 
 “Quando se encontram no Brasil inquices e orixás que já tinham 
em África muitas coisas em comum, transformam-se, da seguinte 
maneira: “nkisi (objeto confeccionado) passou, no Brasil, a 
designar o ”Ser Força” que energiza a sua representação 
material (assentamento), símbolo que contém elementos capazes 
de captar e armazenar, através de ritos, uma minúscula parcela 
de sua energia.” ( 1999; p. 276) 
Como se pode verificar, inquices e orixás puderam ter uma correspondência que 
se baseia principalmente no campo da natureza em que atuam. (Ver Tabela de 
correspondência entre Orixás e Inquices) 
No trabalho de campo, uma mameto expressou sua visão sobre Inquice/orixá da 
seguinte maneira: 
“Adoro ser filha-de-santo e sou muito feliz em ser filha de Iansã. 
Quando eu fiz santo, fiz queto. É outro conhecimento, é outra 
coisa, mas eu passei para angola e minha mãe não mudou a 
dijina, a minha dijina é a mesma. Hoje a gente já sabe que não é 
mais Iansã, é Matamba, mas eu não fico brigando com ninguém, 
tem que ser isso ou aquilo, não tem que ser Iansã tem que ser 
 138
Matamba. Eu, para mim meu nome é Antônia, que minha mãe me 
deu, minha mãe de santo me deu Oyá Corajacy, meus amigos me 
chamam de Cora; e outros, Toninha. Eu sei que sou a mesma. 
Então quando eu discutia religião... Eu não discutia religião, eu 
acho que a gente não tem que discutir nação. A gente tem que 
discutir orixá. Eu sei que orixá/inquice é a mesma coisa. Você 
chama a pessoa do jeito que tem que ser, eu chamo da minha, e 
tudo é uma coisa só. Porque se eu for ao queto cantar queto 
dependendo o quê, meu santo vai responder sim, porque não vou 
dizer que não vai. Se eu for ao jeje cantar, ela responde, então, eu 
acho que nós não temos que ficar discutindo nação, porque nós 
somos do orixá. “( mameto Corajacy) 
Com suas palavras essa sacerdotisa traduz de uma maneira muito peculiar o 
sincretismo entre as nações de candomblé que ora é inquice, ora é santo e ora é orixá. 
 
 
Tabela de correspondência entre Orixás e Inquices.128
 
NÀGÓ BANTU 
------------------------------------------------------------------------------------------- 
 
• Olórun , Olódùmare Zambi, Zambiapongo 
• Èsù, Bará, Elégbára Aluvaiá,Bombogira, 
 Jiramavambo, Mavambo 
• Ògún Incossimucumbe,Incossi, 
Mungongo 
• Òsóòsì Matalambô, Tauamim 
 
128 Dados retirados de: Giroto, Ismael. Tese de doutorado apresentada ao Departamento de Antropologia 
da FFLCH da USP, sob orientação do Prof Carlos Moreira Henriques Serrano. 1999 
 
 139
• Òsanyin Katende 
• Obalúayé Burungunço, Cuquete 
• Omolu Cafunge, Quingongo 
• Sànponná Kaviungo 
• Òsùmàrè Angorô 
• Nana Buruku Zumbarandan 
• Òsun Dandalunda, Kissimbi 
• Yemonja Kaitumbá, Micaiá 
• Oyá Mtamba, Bamburucema 
• Sangó Zaze, Luango 
• Òbà Caramoce 
• Yewa Cuiganga, Kissanga 
• Ìbejì Vungé 
• Írókò Kitembo 
• Olóòkun Kalunga 
• Òrìsànlá Gangarumbanda, 
Lembarenganga 
• Òsàlufón Gangarumbanda, 
Lembarenganga 
• Onile Tateto Kisanga Ria - Incungo 
• Iku Tateto Kisanga Ria- Kalunge 
 
 
 
Outra questão relevante na relação entre as nações angola e queto é sobre Exu. 
Com expusemos no capítulo II, o Aluvaiá/Exu no angola assume duas características, 
uma se assemelha ao orixá Exu da concepção nagô e outra em que ele se revela como 
espírito de pessoas que tiveram uma vida de moral duvidosa e hoje trabalha incorporado 
nos seus médiuns para atender aos pedidos dos clientes. Embora esta diferença entre o 
angola e o queto exista nos terreiros mais tradicionais, o Exu espírito que incorpora nas 
 140
festas e dá consultas, não é prerrogativa apenas dos terreiros de angola, pois um grande 
número de terreiros de nação queto também trabalha com estes Exus, além de possuírem 
como os terreiros de angola seus assentamentos diferenciados do assentamento do Exu-
do-santo. Além do mais, muitos dos seus filhos têm assentados seus Exus de rua e 
Pombajiras. 
A questão do sincretismo no candomblé, não só entre os diversos elementos das 
nações, mas também com os santos católicos, como vimos, é uma questão que exige 
muito cuidado ao ser analisada. Percebe-se entre os sacerdotes entrevistados, seus filhos 
de santo, enfim, entre os adeptos do candomblé, que todos sabem, por exemplo, que o 
inquice Matamba não é Iansã e também não é Santa Bárbara, mas que em alguns 
momentos podem ser uma só. Os assentamentos em muito se parecem quanto aos 
elementos usados na sua composição, e as danças dos inquices e dos orixás são 
diferenciadas entre as nações quanto aos movimentos de corpos, as músicas e quanto ao 
ritmo e os toques dos atabaques, porém reproduzem as mesmas histórias míticas. 
As duas mametos referidas nesta dissertação, por causa de uma forte aliança 
entre elas, lavam, no sábado de aleluia, as escadas da Catedral de Campinas, que tem 
como padroeira Nossa Senhora da Conceição. Reproduzem de certa forma a lavagem 
baiana de Nosso Senhor do Bonfim, porém em nome de Kaiátumbá realizam uma 
inversão de posturas e valores. Ao efetuarem os ritos religiosos do candomblé, 
purificam a igreja ,invertendo e reinventando os papéis. 
A festa na praça, embora seja realizada pelas duas mametos, promove o 
candomblé campineiro independente de linhagens e nações. Contudo, a festa se efetiva 
de maneira muito mais ampla, porque abrange diversos aspectos das questões anti-
raciais e da valorização da cultura afro-brasileira. Torna visível o negro. 
 141
O que percebi estudando estes candomblés campineiros de nação angola foi que 
ser mais ou menos puro significa obedecer a uma medida de pureza que varia conforme 
os interesses dos grupos envolvidos. Concordando com Stuart Hall: “Sabemos que o 
termo ‘África’ é, em todo caso, uma construção moderna, que se refere a uma 
variedadede povos, tribos, culturas e línguas cujo principal ponto de origem comum 
situa-se no tráfico de escravos.” (2003; p. 31). Neste sentido, sujeitos que 
anteriormente se encontravam disjuntivos geográfica e historicamente, tiveram suas 
trajetórias cruzadas por intermédio da convivência espacial e temporal a que a diáspora 
os obrigou. Esta “zona de contato” (Hall; 2003) proporcionou uma mistura específica 
da combinação de santos católicos, orixás, inquices e vodus que é observada no Brasil, 
embora possam ser encontrados sincretismos semelhantes em toda a América Latina. 
Porém os grupos reorganizados em torno das nações de candomblé procuram 
afirmar suas identidades. Conforme Stuart Hall, “as culturas, é claro têm seus “locais”. 
Porém não é mais tão fácil dizer de onde elas se originam.” (2003; p. 36). 
Mesmo assim, o candomblé angola procura nos reflexos pálidos dos antigos povos 
bantos afirmar sua identidade. É uma questão que se torna importante na medida em 
que a diferença “é essencial ao significado, e o significado é crucial à cultura.” 
(Hall, 2003; p. 33) 
No entanto, o conceito binário de diferença em que a exclusão do outro se torna 
imprescindível, não se encaixa no caso das nações de candomblé, pois, embora haja um 
lugar de origem, “sempre existe algo no meio” que as torna singularmente diferentes 
das primordiais. A diferença aqui não pode seguir padrões rígidos de inclusão e 
exclusão, mas uma relação com o outro mais fluida em que as fronteiras podem ser 
construídas e descontruídas continuamente, e que mostram a posição de relação com o 
outro. 
 142
Embora Stuart Hall escreva sobre culturas caribenhas na Europa, acredito que se 
encaixe muito bem a utilização da noção derridiana de différance na questão de 
afirmação da identidade do candomblé angola em Campinas. De maneira que o que faz 
sentido na determinação de uma nação de candomblé é captado no processo mais fluido 
do “fazer sentido na tradução”. Desta forma, todas nações são híbridas. Não obstante a 
formação sincrética estabeleça entre os vários elementos inclusos relações desiguais por 
causa das relações de poder, hoje em dia o candomblé angola tem uma luta cultural que 
o permite fazer uma revisão e a reapropriação de seus elementos de origem banta. O 
que sugere que a cultura está sempre em processo de produção. 
As sociedades das quais se originaram as diversas nações do candomblé foram 
muitas, suas origens não são únicas, tanto que algumas nações são oriundas de povos 
bantos e outras de sudaneses, termos que englobam inúmeros grupos negros africanos. 
Por conseguinte, é importante perceber que a produção diaspórica da cultura é 
invariavelmente “impura”. Essa impureza, Segundo Hall “tão frequentemente 
construída como carga e perda, é em si mesma uma condição necessária à sua 
modernidade.” (2003, p.34) 
Assim, o candomblé angola em Campinas sobrevive, resiste e se fortifica, ao 
mesmo tempo em que se constitui mediante uma grande plasticidade, vai à procura de 
uma África banta, mítica, que não é um ponto antropológico fixo, mas “hifenizada”, 
afro-brasileira, resultado da diasporização que, segundo Hall, “foi apropriada e 
transformada pelo sistema de engenho do Novo Mundo”. (2003, p.41) 
Desta forma, os estandartes e as faixas escritas em banto que vêm puxando o 
cortejo do candomblé até a praça da Catedral Metropolitana de Campinas retomam essa 
África metafórica que torna pronunciáveis o negro e o afro-brasileiro, por uma “lógica 
diferente” e permitem não-ditos virem à tona, as memórias subterrâneas serem 
 143
desenterradas, mostrando uma cultura afro-brasileira, que diz “não” à marginalização e 
à subordinação. 
A lavagem anarquiza, subverte e dá como resposta ao racismo manifestado pelo 
homem que agrediu mameto Dangoroméia, na praça, uma “política de 
reconhecimento”, ao lado das lutas contra o racismo e pela justiça social. (Hall, 2003; 
p.46) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 144
 
ÍNDICE E CRÉDITOS DAS ILUSTRAÇÕES 
 
1. Desenho de Carybé incluso no livro “As sete 
portas da Bahia” 
2. Desenho de Carybé incluso no livro “As sete 
portas da Bahia” 
3. Região de governo de Campinas – distribuição 
populacional. Fonte IBGE 
4. Primeiro barracão de candomblé de Campinas -
1980 foto baba Tologi 
5. Frente do primeiro barracão de candomblé - 
1980 - foto baba Tologi 
6. Interior do salão do primeiro barracão de 
candomblé de Campinas, com peji, cadeira de 
orixá e oferendas – 1980 – foto baba Tologi 
7. Lembrançinha da abertura do primeiro terreiro 
de candomblé de Campinas 
8. Planta do terreiro : Inzo dia Roxe Mokumbo ni 
Dandanlunda 
9. Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda- 
2005- frente atual. Foto Ivete M. Previtalli 
Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda- 2005 - 
Corredor de entrada 
10. A o fundo a entrada do salão. Foto Ivete M. 
Previtalli 
11. Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda- 
2005- Entrada do barracão.Foto Ivete M. 
Previtalli 
12. Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda- 
2005- salão de festas. Foto Ivete M. Previtalli 
13. Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda- 
2005- detalhe das paredes internas do salão. 
Foto Ivete M. Previtalli 
14. Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda- 
2005- casa de caboclo 
15. Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda- 
2005- Assentamento do Inquice Tempo e 
inquice Angorô. Foto Ivete M. Previtalli 
16. Ilê Axé Arolê. Entrada do salão Foto Ivete 
M.Previtalli 
 
 
 
 
20 
 
34 
 
37 
 
45 
 
45 
 
 
45 
 
 
45 
 
55 
 
 
60 
 
 
 
60 
 
 
61 
 
 
61 
 
 
61 
 
61 
 
 
62 
 
 
65 
 
 
 
 
 145
17. Ilê Axé Arolê. Coluna central. Foto: Ivete M. 
Previtalli 
18. Ilê Axé Arolê. Detalhe da coluna central. Foto: 
Ivete M. Previtalli 
19. Ilê Axé Arolê. Casas de santo Foto: Ivete M. 
Previtalli 
20. Ilê Axé Arolê. Casa de egungum e das almas. 
Foto: Ivete M. Previtalli 
21. Ilê Axé Arolê. Cantinho da umbanda. Foto: 
Ivete M. Previtalli 
22. Ilê Axé Arolê.Detalhes do cantinho da 
umbanda. Foto: Ivete M. Previtali 
23. Ilê Axé Arolê. Assentamento Iyámi. Foto: Ivete 
M. Previtalli 
24. Ilê Axé Arolê. Assentamento da prosperidade 
25. Ilê Axé Arolê. Assentamento inquice Tempo. 
Foto: Ivete Miranda Preitalli 
26. Desenho Carybé. In: As sete portas da Bahia 
27. Gráfico: Grupos aparentados de A (Iniciado no 
candomblé) 
28. Gráfico :Possibilidades de parentesco com “A” 
em que não há proibição do incesto 
29. Gráfico: casos em que a proibição do incesto 
não permite que “B” esteja localizado na 
organização familiar por causa de seu parceiro 
sexual “A” 
30. Gráfico: Família biológica de mameto 
Dangoroméia 
31. Gráfico: Família de santo cruzada com a 
família biológica de mameto Dangoroméia 
32. Gráfico: Família de santo cruzada com família 
biológica de mameto Corajacy 
33. Gráfico: Família de santo cruzada com família 
biológica de tateto Ubiacylê 
34. Gráfico: Família de santo cruzada com família 
biológica de tateto Gitalanguange 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
65 
 
65 
 
73 
 
 
73 
 
 
74 
 
74 
 
77 
 
77 
77 
 
81 
 
87 
 
87 
 
 
88 
 
 
 
90 
 
 
91 
 
91 
 
92 
 
92 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 146
35. I- Diagrama da família de santo de Tateto dya 
N’kisse Gitalanguange 
36. II- Diagrama da família de santo de Tateto dya 
N’kisse Ubiacylê 
37. III - Diagrama da família de santo de Mameto 
dya N’kisse Dangoroméia 
38. IV - Diagrama da família de santo de Mameto 
dya N’kisse Corajacy 
39. Diagrama do candomblé de angola de Campinas. 
40. Desenho de Carybé incluso no livro “As seteportas da Bahia” 
41. I.Prospecto da Lavagem da Catedral 
Metropolitana de Campinas. 
42. II. Prospecto da Lavagem da Catedral 
Metropolitana de Campinas. 
43. Tabela de Correspondência entre Orixás e 
Inquices 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
94 
 
 
94 
 
 
95 
 
 
95 
 
103 
 
 
112 
 
128 
 
139 
 
 
 
 
 
 
 
 147
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
 
 
 
Amaral, Rita. Xirê! O modo de crer e de viver no candomblé. Editora Pallas, 
Rio de Janeiro, R.J. EDUC – Editora da PUC – SP, São Paulo, S.P. 2002. 
- A coleção etnográfica de cultura religiosa afro-brasileira do museu de 
arqueologia e etnologia da universidade de São Paulo. In: Revista do Museu de 
Arquelogia e Etnologia – USP. n.10. 2000. 
Baeninge, Rosana. Espaço e tempo em campinas: Migrantes E A Expansão Do 
Pólo Industrial Paulista. Dissertação De Mestrado Apresentada Ao Departamento De 
Sociologia Do Instituto De Filosofia E Ciências Humanas Da Unicamp. 1992. 
Barcellos, César Mario. Jamberesu – as cantigas de angola. Editora Pallas, Rio 
de Janeiro,1998. 
Bastide, Roger. ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS. Editora PERSPECTIVA. 
São Paulo, 1983. 
- O candomblé da Bahia. Rito nagô. Tradução: Maria Isaura Pereira de Queiroz. 
Editora Companhia das Letras. São Paulo, 2000. . 
Bauman, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução Plínio Dentzien. Edita. 
Jorge Zahar, Rio de Janeiro, R. J. 2000. 
Bernardo, Schettini Teresinha. A mulher no candomblé e na umbanda. 
Dissertação de mestrado apresentada ao programa de Estudos Pós Graduados em 
Ciências Sociais da PUCsp. 1986. 
 148
- Tradição e contemporaneidade. In: Simbologia - Tradição e mitos Afro-
brasileiros. Anais do IV congresso afro-brasileiro. Recife, maio, 1994. Volume 3. 
Fundação Joaquim Nabuco, Edta Massangana, 1996. 
- Memória em Branco e Negro. Olhares sobre São Paulo. Edta EDUC São Paulo, 
Sp, Edta UNESP, São Paulo, SP 1998. 
- Negras mulheres e mães. Lembranças de Olga de Alaketu.Educ, São Paulo; 
Pallas, rio de Janeiro, 2003. 
Bourdieu, Pierre. A Economia das trocas Simbólicas. Edta Perspectiva S.A 
 ed. 2. reimpressão. São Paulo. 2004 
Braga, Júlio. Ancestralidade afro-brasileira. O culto de babá egum. EDUFBA, 
2.ed. Salvador , Bahia, 1995. 
Carybé. As sete portas da Bahia. Editora Record, Rio de Janeiro, 1987. 
Carneiro, Édison. Cartas de Édson Carneiro a Artur Ramos. Edita. Corrupio, 
São Paulo. SP 1987. 
- Candomblés da Bahia. Edita. Civilização Brasileira, 8a edição. Rio de Janeiro, 
R.J. 1991. 
- Religiões Negras. Negros Bantos. Edita. Civilização Brasileira, 3a edição. Rio de 
Janeiro, R.J. 1991. 
- Antologia do Negro Brasileiro. Editora Tecnoprint S.A. s.d. 
Consorte, Josildeth Gomes. Em torno de um Manifesto de ialorixás Baianas 
contra o Sincretismo. In: Faces da tradição Afro-brasileira. Organizadores: Carlos 
Cardoso & Jéferson Bacelar. Pallas Editora e distribuidora Ltda. Rio de janeiro, R.J. 
1999. 
 149
Dantas, Beatriz Goiás. Repensando a pureza nagô. In: Religião e Sociedade, 8. 
Cortez Editora e Tempo e Presença. Julho de 1982. 
- Pureza e poder no mundo dos candomblés. In: Candomblé – Desvendando 
Identidades. Org. Carlos Eugênio Marcondes de Moura. EMW Editores, São Paulo, 
1987 
- Vovó Nagô e papai branco: usos e abusos da África no Brasil. Edições Graal 
Ltda. SP.1988 . 
 Figueira Mello. Formação histórica de Campinas: Breve Panorama. Subsídios 
para a Discussão do Plano Diretor. Prefeitura Municipal de Campinas, 1991. 
Gallet, Luciano. Estudos de Folclore. Edita. Carlos Wehrs & Ltda. Rio de 
Janeiro, R.J. 1934. 
Giroto, Ismael. O Universo Mágico – religioso Negro-africano e afro-
brasileiro: bantu e nagô. Tese de doutorado apresentada ao Departamento de 
Antropologia da FFLCH da USP. 1999. 
Geertz, Clifford. Interpretação das Culturas. Editora LTC. Rio de Janeiro, R.J. 
1989. 
Godelier, Maurice. O enigma do dom. Tradução Eliana Aguiar. Edita. 
Civilização brasileira, Rio de Janeiro, RJ. 2001. 
Halbwachs, Maurice. A Memória Coletiva. Edita. Vértice, Revista dos 
Tribunais, São Paulo. 1990. 
Hall, Stuart. Da diáspora - Identidades e Mediações Culturais, organização Liv 
Sovik .Tradução Adelaide la Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Claudia 
Álvares, Francisco Rüdiger, Sayonara Amaral. Edita. UFMG, Belo horizonte, Minas 
Gerais. 2003. 
 150
- A Identidade Cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da silva e 
Guacira Lopes Louro- 9. ed. – DP&A, Rio de Janeiro. 2004 
Joaquim, Maria Salete. O papel da Liderança Religiosa Feminina na 
Construção da Identidade Negra. EDUC, São Paulo, Pallas Editora, Rio de Janeiro. 
1996 
Landes, Ruth. A cidade das mulheres. Tradução Maria Lúcia do Eirado 
Silva.2.ed. Editora UFRJ, 2002 
Lépine, Claude. O Incosciente da antropologia de Lévi-Straus. Editora Atica, 
São Paulo, 1974. 
Lévi-Strauss, Claude. As Estruturas Elementares Do Parentesco., tradução 
Mariano Ferreria. Edita. Vozes São Paulo, SP.1976. 
Lima, Vivaldo da Costa. Organização do grupo do candomblé, In Bandeira de 
Alairá (outros escritos sobre a religião dos orixás). Org. Carlos Eugênio Marcondes de 
Moura. Nobel, São Paulo, 1982. 
- A FAMÍLIA DE SANTO – nos candomblés jejes-nagôs da Bahia. Um estudo de 
relações intragrupais. Edt. Corrupio. 2.ed. Salvador, Bahia. 2003. 
Lody, Raul. O povo de santo. Religião, História e Cultura dos Orixás, Voduns, 
Inquices e Caboclos. Pallas Editora. Rio de Janeiro, R.J. 1995. 
Lopes, Nei. Bantos, Malês e Identidade Negra. Editora Forense Universitária, 
Rio de Janeiro, 1988. 
Maggie, Yvonne. Guerra de Orixá. Um estudo de ritual e conflito. Editora 
Jorge Zahar, 3.ed. Rio de Janeiro, 2001. 
Mauss, Marcel. Esboço de uma teoria geral da magia. In: Sociologia e 
Antropologia. Tradução: Paulo Naves. Edita. Cosac & Naify, São Paulo, 2000. 
 151
Nora, Pierre. ENTRE MEMÓRIA E HISTÓRIA.. Tradução: Yara Aun 
Khoury. In: Proj. História São Paulo, 10 Dez. 1993. 
Ortiz, Renato. A morte branca do feiticeiro nego. Umbanda e sociedade 
brasileira. Edita. brasiliense, São Paulo. 1a reimpressão, 1999 
Petrônio Domingues, Uma História Não Contada – negro racismo e 
branqueamento em São Paulo na pós-abolição. Editora Senac, SP. 2005 
Pollak, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio, In Estudos Históricos n.3. 
Edita. Revista dos Tribunais Ltda. (Edições Vértice) São Paulo, S. P. 1989. 
- Memória e identidade Social. In Estudos Históricos, vol. 5, n. 10, Rio de 
Janeiro. RJ, 1992. 
 Prandi, Reginaldo. Os candomblés de São Paulo. Edita. da Universidade de 
São Paulo, São Paulo, S.P. 1991. 
Querino, Manoel. Costumes Africanos no Brasil. Edita Massangana, 2a edição. 
Recife. Pernambuco. 1988. 
Ramos, Arthur. Introdução à Antropologia Brasileira. Obras Completas 1o 
Volume, 3a edição, Edita. da casa do Estudante do Brasil. Rio de Janeiro, R. J. 1961. 
 Rodrigues, Nina. Os africanos no Brasil. Edita. UnB ,Brasília, D.F. 7a edição, 
1988. 
Santos, Boaventura de Souza. Pelas mãos de Alice: o social e o político na 
pós-modernidade. Cortez Editora São Paulo,1996 
Santos, Juana Elbien dos. Os nagô e a morte. Editora Vozes. Petrópolis, São 
Paulo. 1993. 
Sennett, Richard. A corrosão do caráter. Tradução marcos Santarrita. Editora 
Record, 5. edição. Rio de Janeiro – São Paulo. 2001 
 152
Serra, Ordep. Rumores de Festa. Osagrado e o profano na Bahia. EDUFBA, 
Salvador, Bahia. 2000. 
Silva, Vagner Gonçalves da. Orixás da Metrópole. Edita. Vozes Ltda. 
Petrópolis, RJ. 1995. 
- O antropólogo e sua magia. Edita. Edusp, São Paulo, SP 2000. 
Slenes, Robert W. Na senzala, uma Flor. Edita. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 
R.J. 1999. 
 Tempels, Placide. LA PHILOSOPHIE BANTOUE. Traduit du néerlandais par 
A. Rubbens. Texte intégral digitalisé et présenté par le Centre Aequatoria. Lovania 
(Elisabethville) 1945. http://www.aequatoria.be/tempels/HomeFra.html 
Theodoro, Helena. Mito e Espiritualidade. Mulheres Negras. Editora Pallas, 
Rio de Janeiro , 1996. 
Trindade, Liana.Exu poder e perigo. Ícone Editora LTDA. São Paulo, SP. 
1985. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 153
 
 154Bernardo com as mães-de-santo mais antigas de São Paulo, parecia 
“quetetizar-se”, porém, paradoxalmente, notei, por intermédio da presença em 
congressos de cultura banta e reuniões com a comunidade de candomblé campineira, 
que a nação angola está interessada em firmar as diferenças. Porém não se trata de uma 
diferença binária em que existe o absolutamente eu e o absolutamente outro, seria 
conforme o pensamento de Hall “uma ‘onda’ de similaridades e diferenças, que recusa a 
divisão em oposições binárias fixas.” (2003; p. 60) 
Neste caso, o candomblé de nação angola procura retornar ao particular, ao 
específico, que o torna diferente, mas não pode deixar intactas as formas antigas 
tradicionais. Então, ao mesmo tempo em que se torna um sítio de resistência também 
traduz e se ressignifica, tornando evidente que a tradição não precisa necessariamente 
ser algo fixo, mas que busca um diálogo com o passado e a comunidade e este diálogo 
conduz à afirmação da identidade. Contudo, isto não se dará sem conflitos e acordos, 
sem disputas e consensos. 
Para designar este tipo de diferença, Hall utiliza o termo Derrida “ différance 
que tanto pode ser “marcar diferença” [to differ], quanto “diferir” [ to defer]. O 
conceito se funda em estratégias de protelação, suspensão, referência, elisão, desvio, 
adiamento e reserva.” ( 2003; p.92) 
Conforme observei, há nos quatro terreiros que fizeram parte de minha pesquisa 
uma preocupação em valorizar a nação angola para si e perante a sociedade religiosa 
afro-brasileira. Para que isso ocorra, os pais e mães-de-santo têm se empenhado em 
 8
recuperar as marcas autênticas do angola e, em alguns casos, retirar elementos estranhos 
à nação. 
 Para que seja possível a "recuperação" do angola, acreditam os adeptos que 
existe um estoque original de bens simbólicos, que hoje está numa África mítica, uma 
vez que a diáspora transformou os elementos africanos constitutivos desta nação. Desta 
forma, dicionários de língua banta são muito comuns a estas comunidades, sugerindo 
conforme as palavras de Hall, “que a cultura não é apenas uma viagem de 
redescoberta, uma viagem de retorno. Não é uma ‘arqueologia’. A cultura é uma 
produção.” (2003; p.44). 
Neste contexto, a procura da valorização da cultura banta surge como 
instrumento que mobiliza e justifica a nação angola, podendo ainda agregar, no sentido 
da afirmação identitária da população afro-descendente campineira, outros movimentos 
culturais e políticos afro-brasileiros. Neste caso estão inseridos os grupos de capoeira, 
de jongo, de tambor de crioula, que acompanham, no sábado de aleluia, a lavagem das 
escadarias da Catedral Metropolitana de Campinas, realizada pelo candomblé angola. 
Para a realização da pesquisa, acho relevante expor as dificuldades e facilidades 
que minha condição de iniciada gerou para a de pesquisadora. Ao mesmo tempo em que 
a minha posição de adepta possibilitou ao trabalho uma perspectiva interna do 
candomblé, causou-me algumas dificuldades, quando tive que olhar de fora para essa 
expressão religiosa da qual faço parte. A questão foi tornar estranho aquilo que já há 
muito tempo me era familiar. 
Vagner Gonçalves, no livro “O antropólogo e sua magia”, diz que: 
“Para alguns antropólogos que têm experiências de 
aproximação e familiaridade com as religiões afro-brasileiras 
 9
(como simpatizantes, freqüentadores ocasionais ou adeptos) em 
períodos anteriores à realização da pesquisa etnográfica, a 
observação participante pode assumir outros significados, pois 
para eles, a imersão no campo não tem a função, propriamente, 
de proporcionar a familiaridade com o universo dos seus 
observados, mas tornar aquilo que aparentemente lhes é 
“familiar” em “estranho”. Se por um lado o antropólogo pode 
contar com maior segurança em estabelecer contato e conviver 
no ambiente da pesquisa, pois parte do código de comportamento 
do grupo ele conhece, por outro, seu esforço será redobrado para 
não restringir a pesquisa a relações e posições mais 
contingenciais à sua própria experiência de vida na religião". 
(2000; p. 69)6 
Desta forma, o fato de eu ser iniciada, por um lado, facilitou a realização da 
observação etnográfica, posto que eu conheço a expressão religiosa e, por conseguinte 
suas regras, por outro lado, dificultou a observação mais atenta de detalhes que 
pudessem ser importantes para uma descrição minuciosa e interpretativa. Além disso, 
tive que tomar cuidado com o “jeito de olhar”, já que o olhar curioso de observador 
etnográfico poderia ser tomado por bisbilhotice a fim de conhecer os “segredos da 
casa”. Destarte, procurei voltar diversas vezes em cada casa, para que pudesse observar 
com os olhos da curiosidade de pesquisadora aquilo que me era familiar, ao mesmo 
tempo em que o ato de repisar me permitia olhar sem ser inconveniente. 
Na verdade, eu estava ali desempenhando outro papel, ou seja, eu era a aprendiz 
de antropóloga e procurava mostrar isso indo às visitas com roupas ocidentais e sem 
 
6 Silva, Vagner Gonçalves da. O antropólogo e sua magia. Edusp, São Paulo, SP. 2000, 
 10
utilizar símbolos que pudessem me associar ao candomblé. Deixei claro para os pais e 
mães-de-santo que, no momento das entrevistas, eu estava realizando uma pesquisa 
sobre o candomblé de Campinas, proposta aceita por todos. Apesar disso, jamais 
deixaram de me tratar como uma “de dentro”, ora chamando-me pela “dijina" 7, ora 
expondo-me segredos, pedindo sigilo, dizendo que confiavam em mim, em virtude de 
minha posição religiosa. 
O distanciamento entre a adepta e a pesquisadora que, nas entrevistas, se deu 
tão-somente pelo abandono dos símbolos religiosos afro-brasileiros, não foi assim tão 
simples, quando das idas às festas. Em tais ocasiões, não foi possível participar sem a 
vestimenta típica de baiana, o que me causou alguns constrangimentos para tirar fotos, 
porque eu era vista ali, antes de tudo, como sacerdotisa vestida com roupas incômodas 
que tolhiam meus movimentos; ao mesmo tempo, era estranho estar paramentada com a 
máquina fotográfica à mão. 
Para a realização do trabalho de campo, programei uma observação sistemática, 
durante um ano, que começou no sábado de aleluia de 2004 com a “lavagem” da 
Catedral e terminou com o mesmo evento, em 2005. Durante esse período, fui às 
principais festas, saídas de muzenza8, de makotas9, de tatas10, festa de caboclo, 
confirmação de kota11, kudiá mutue12 e, como já disse, à lavagem da Catedral. Além 
disso, participei de encontros com a comunidade de candomblé de Campinas que 
promoveu discussões sobre legalização e visualização dos terreiros, sobre os problemas 
com a polícia e com outras religiões, principalmente, com as neopentecostais. 
 
7 Nome religioso recebido por aquele que é iniciado no candomblé angola 
8 No candomblé de rito angola-congo, filha-de-santo. 
9 Cargo feminino correspondente ao cargo de equeji no candomblé queto. Acolita dos orixás, quando 
descem nas filhas-de-santo. 
10 Cargo masculino no candomblé de rito angola correspondente ao ogã no candomblé queto. 
11 Irmã mais velha, com mais de sete anos de feita. 
12 Cerimônia de dar de comer à cabeça. 
 11
 A minha pesquisa se concentrou em quatro terreiros que foram selecionados, 
levando-se em conta os seguintes critérios: pertencer à nação angola, antiguidade, ter 
expressividade para o povo de santo e ter reconhecimento na cidade. 
Terreiro 1 
Nome do terreiro: Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda 
Data de fundação: dezembro de 1981 
Pai-de-santo: Antonio Carlos Rodrigues da Silva 
Dijina: Tateto dia Nkisi Ubiacyle 
Data da iniciação: ano - 1971 
 
Terreiro 2 
Nome do terreiro: Inzo Musambo dia Hongolo 
Data de fundação: abril de 1974 
Mãe-de-santo: Eunice de Souza 
Dijina: Mameto dya Nkisi Edangoroméia 
Data de iniciação: 18de janeiro 1984 
 
Terreiro 3 
Nome do terreiro: Inzo dia Musambu Kaiango n’boti Ofulá 
Data de fundação: 20 de Janeiro de 1983 
Mãe-de-santo: Antônia Lima Duarte 
Dijina: Mameto dya Nkisi Corajacy 
Data da iniciação: 15 de fevereiro de 1981 
 
 12
Terreiro 4 
Nome do terreiro: Ile Axé Arolê 
Data de fundação: 8 de dezembro de1986 
Pai-de-santo: José Estrivo 
Dijina: Tateto dya Nkisi Odé Gitalanguangi 
Data de iniciação: 13 de maio de 1980 
 
A teoria escolhida para interpretar os dados selecionados das histórias de vida dos 
pais e mães-de-santo foi a da memória. De acordo com Pierre Nora, diferentemente da 
história que é uma representação do passado, “a memória é um fenômeno sempre atual, 
um elo vivido no eterno presente... Porque é afetiva e mágica...” (Nora, 1993, p. 9) 
Para a memória é fundamental o envolvimento com o grupo afetivo, pois segundo 
Halbwachs: 
“Outros homens tiveram essas lembranças comigo. Muito 
mais, eles me ajudaram a lembrá-las: para melhor me recordar, 
eu me volto para eles, adoto momentaneamente seu ponto de 
vista, entro em seu grupo, do qual continuo a fazer parte, pois 
sofro ainda seu impulso e encontro em mim muito das idéias e 
modos de pensar a que não teria chegado sozinho, e através dos 
quais permaneço em contato com eles.” (1990, p.27) 
Seguramente, ao trabalhar com a memória, se tem a lembrança que é, ainda 
segundo Halbwachs, 
“em larga medida uma reconstrução do passado com ajuda 
de dados emprestados do presente e, além disso, preparada por 
 13
outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a 
imagem de outrora manifestou-se já bem alterada. Certamente, 
que se através da memória éramos colocados em contato 
diretamente com algumas de nossas antigas impressões, a 
lembrança se distinguiria, por definição, dessas idéias mais ou 
menos precisas que nossa reflexão, ajudada pelos relatos, os 
depoimentos e as confidências dos outros, permite-nos fazer uma 
idéia do que foi nosso passado.” (Halbwachs.1990; p.71) 
Neste sentido, a memória é viva, uma vez que o ato de lembrar dispõe de um 
movimento que sai do presente, vai para o passado, retornando novamente para o 
presente. Deste modo, trabalhar com a memória é trabalhar com reconstrução que se 
efetiva mediante este movimento de ir e vir tal qual uma lançadeira, isto é, tem-se 
elementos do presente incorporados aos do passado. 
Embora lembrar seja o ato mais importante no estudo da memória, quando 
lidamos com grupos discriminados, como é o caso do candomblé, o esquecimento 
também tem que ser considerado, visto que por meio dele podemos identificar a 
presença de conflitos. Tais conflitos são muitas vezes revelados por intermédio de 
lacunas nas histórias de vida que surgem como esquecimentos de algumas situações ou 
de épocas da vida. 
A memória das minorias tem tanto continuidades quanto rupturas. A estas últimas, 
Pollak vai chamá-las de memórias subterrâneas, porque é uma memória que não pode 
ser revelada, por causa do preconceito e das perseguições; fica, pois, restrita à 
comunidade afetiva. 
 14
Uma característica da memória subterrânea é que ela somente vem à tona 
quando surge uma brecha nas relações sociais, especialmente as políticas, e por ela ser 
assim, podemos outorgar-lhe um caráter de resistência. 
Segundo Pollak, 
“o longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao 
esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente 
opõe ao excesso de discursos oficiais. Ao mesmo tempo ela 
transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes 
familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da 
redistribuição das cartas políticas e ideológicas.” (Pollak,1989, 
p.5). 
No caso do candomblé, é muito comum a presença deste tipo de memória, já que 
a origem dessa manifestação religiosa está vinculada à população afro-descendente, e o 
racismo que se impinge contra esta população também se estende aos elementos de sua 
cultura. 
Uma das formas de localizar a memória subterrânea é por meio da história oral. 
Michael Pollak, ao se ocupar da memória de grupos “segregados, excluídos e 
minorias” diz que “para poder relatar seus sofrimentos, uma pessoa precisa antes de 
mais nada encontrar uma escuta.” (Pollak, 1989; p. 6). Desta forma, a história oral 
revela-se uma importante técnica de pesquisa com minorias sociais. 
Na história de vida há um núcleo forte que vai dar consistência ao discurso e ao 
qual o sujeito vai sempre retornar. Nas de longa duração, conforme Pollak: 
 “a despeito de variações importantes, encontra-se um núcleo 
resistente, um fio condutor, uma espécie de leitmotiv em cada 
 15
história de vida. Essas características de todas as histórias de 
vida sugerem que estas últimas devem ser consideradas como 
instrumentos de reconstruções da identidade, e não apenas como 
relatos factuais.” (Pollak, 1989; p. 12). 
Esta reconstrução da identidade do grupo é um ponto bastante importante para o 
candomblé angola campineiro que hoje luta contra o preconceito que o próprio povo do 
santo, aliado a alguns intelectuais, possui em relação a este tipo de expressão religiosa. 
Neste sentido, a história de vida transforma-se numa técnica excelente para realização 
deste trabalho. 
O critério assumido para determinar quantas histórias de vida deveriam ser 
coletadas foi aquele conhecido como “bola de neve”, isto é, foram os entrevistados do 
primeiro grupo que indicaram os outros que os sucederam até que se repetiram as 
indicações, terminando assim as entrevistas. Além disso, muitos dados foram frutos da 
convivência com os sacerdotes, por causa de minha condição de iniciada do candomblé. 
Coletei histórias de vida das quatro mães e pais-de-santo escolhidos e de outros 
pais-de-santo, inclusive de outras nações, que se revelaram essenciais na formação do 
candomblé campineiro, por intermédio da citação de seus nomes nas histórias orais já 
ouvidas. Também fizeram parte da pesquisa filhos-de-santo das diversas casas. 
Para registrar as histórias de vida, optei pelo uso do gravador que foi bem aceito 
por uns e considerado constrangedor para outros. Muitas vezes, as revelações 
interessantes aconteciam depois que eu desligava o aparelho. 
Foram gravadas 40 horas de entrevistas, mas muitas revelações importantes 
foram obtidas em conversas informais, nos fins das festas, nos dias de sacrifícios, nas 
reuniões políticas da comunidade religiosa afro-brasileira de Campinas, em que o 
 16
gravador não estava presente. Estas revelações feitas pelos pais, mães-de-santo e filhos-
de-santo eram anotadas discretamente em cadernetas ou escritas assim que fosse 
possível, porém em momento e local adequados. 
É importante mencionar uma outra questão relevante para quem pesquisa esta 
expressão religiosa: aquela relacionada aos conflitos e rivalidades. Como nem sempre 
fosse possível ficar neutra, no momento da pesquisa, era importante saber a que 
distância eu deveria me manter para não me envolver na “indaka de mavula" 13 e poder 
realizar o meu trabalho. 
Quando comuniquei aos pais e mães-de-santo selecionados para este meu estudo 
que estaria nos próximos anos fazendo uma pesquisa e escrevendo sobre o candomblé 
de Campinas, a notícia se espalhou como rastro de pólvora. Numa reunião com aquela 
comunidade, na qual se discutiam as diversas dificuldades que os terreiros encontravam 
na legalização da construção de suas casas, percebi uma conversa paralela, que não era 
comigo, mas que se fazia bem ao meu lado para que eu pudesse ouvi-la. O assunto desta 
conversa era: Qual era a casa mais antiga de candomblé de Campinas? 
Havia diversos nomes de pais e mães-de-santo envolvidos na questão, e eu não 
havia percebido o quanto era importante para a comunidade ser notada, isto é, ser 
tomada como objeto de um trabalho acadêmico. Certamente, na perspectiva do 
candomblé de Campinas, ser objeto de estudo lhe dava maior importância.Na realidade, para esta expressão religiosa, seja queto, seja angola, ser o 
primeiro significa ter prestígio, pois quer dizer que, no mínimo, os que vêm depois 
descendem dele. Daí a relevância da questão da casa mais antiga, do primeiro 
candomblé, do primeiro pai-de-santo. 
 
13 Discussão, litígio. Confusão, barulho, tumulto. Fofoca. 
 17
Ouvi estas conversas paralelas sem me intrometer durante vários encontros, até 
que um dia, a discussão entre alguns dos envolvidos veio à tona. Embora o recado fosse 
para mim, a conversa se passou como se eu não estivesse ali. Por fim, depois de alguns 
acertos, ficou resolvido, com muita habilidade, que a casa de candomblé mais antiga, 
“registrada” era a de pai Toloji; a primeira mãe-de-santo com casa aberta de candomblé 
angola em Campinas, porém sem registro, fora mãe Nanjerecy; o barracão mais antigo, 
isto é, o primeiro que tinha sido construído, era o que pertence hoje ao pai Ubiacyle, 
considerado como o pai-de-santo mais velho. Assim, a comunidade resolveu seus 
problemas muito diplomaticamente, sem deixar ninguém de fora, ao mesmo tempo em 
que me “passava o recado”. 
Portanto, ficou evidente para mim que o que eu fosse escrever deveria estar de 
acordo com o que a liderança desta expressão religiosa havia determinado. 
O trabalho está dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo, farei uma 
contextualização da cidade de Campinas, relacionada ao tipo de escravidão que foi 
instituído na região, que deve ser levado em conta para se entenderem as características 
do candomblé angola hoje estabelecido na cidade. 
O segundo capítulo trata da etnografia do espaço mais antigo, além de mostrar 
como uma das casas de candomblé pesquisada se diferencia das demais, na ocupação e 
distribuição do espaço com a introdução de novos ritos. 
 O terceiro capítulo destina-se a mapear as famílias de santo e mostrar como se 
formam os parentescos e o que resulta do trânsito de filhos-de-santo entre as famílias, 
levando-se em conta as alianças e os conflitos. 
Os nomes dos componentes das famílias de santo que participaram deste 
trabalho foram obtidos através dos depoimentos dos entrevistados. 
 18
 No quarto capítulo, será analisada a lavagem das escadarias da Catedral 
Metropolitana de Campinas, atentando para a ausência do deslocamento de filhos entre 
duas importantes casas de angola, que possivelmente tenham nessa prerrogativa a 
possibilidade de realizarem juntas a única festa pública do candomblé campineiro e que 
hoje está inscrita no calendário oficial deste Município e no calendário turístico e 
cultural do Estado de São Paulo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 19
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO I 
Nascimento e estabelecimento dos terreiros. 
 
 
1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 20
Campinas 
 
 
 
Por volta de 1767, em decorrência do caminho de Goiases, formou-se no oeste 
do Estado de São Paulo o bairro de "Campinas do Mato Grosso de Jundiaí". Um 
pequeno comércio se desenvolveu naquele local para suprir as necessidades das tropas 
que transitavam entre Santos, Minas Gerais, Goiás e Cuiabá e atendiam à economia 
mineira. (Baeninger, 1992) 
Em 1774, o bairro tornou-se "Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das 
Campinas do Mato Grosso de Jundiaí"14, e, em 1797, de Freguesia passou para a 
categoria de vila, "Vila de São Carlos". A cultura de cana de açúcar fora introduzida na 
região e, entre 1790 e 1795, a indústria açucareira fundou a prosperidade econômica e 
populacional da região. 15
O ciclo do açúcar arregimentou significativa quantidade de mão-de-obra escrava 
cuja maioria era formada de negros provenientes do grupo lingüístico banto, filhos das 
diversas etnias que o compõem. Conforme Slenes, 
“vários grupos de bakongo, mbundu e ovimbundo (localizados 
respectivamente no baixo rio Zaire, no interior de Luanda, e no 
hinterland de Benguela), forneceram grandes contingentes de cativos 
 
14 No dia 14 de julho de 1774, em uma capela de sapê e paus roliços, foi celebrada a primeira missa por 
Frei Antônio de Pádua, primeiro vigário da paróquia. Essa ficou sendo a data oficial da fundação da 
cidade, na época Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso de Jundiaí. 
Nessa fase, o Governador da Capitania cumpria expressas ordens do Rei de Portugal para povoar e 
implantar agricultura sólida no território paulista, pois a mineração estava em queda e os preços do açúcar 
anunciavam alta 
15. Em 1797, a freguesia foi elevada à condição de vila, mantendo até 1842 o nome de Vila São Carlos. O 
período do açúcar marcou a fase de construção da cidade, havendo ainda ruas com pouquíssimas casas. 
Site www.campinas.sp.gov.br 
 
 21
para o sudeste e (estou convencido) boa parte da matriz cultural da 
senzala”. (Slenes, 1999; p.50). 
Com a sangrenta revolução de Saint Dominique em 179116, que dizimou a 
colônia francesa, a exportação de açúcar para o mercado europeu ficou bastante 
prejudicada. O preço do produto subiu vertiginosamente e deu um impulso às 
"plantation" da região de Campinas, onde a escravidão passou a caminhar junto com o 
açúcar. A expansão da cultura da cana gerou uma expansão econômica que, por sua 
vez, estimulou, também, o crescimento da população cativa. 
Conforme Baeninger, 
"o ciclo do açúcar marcou a fase de construção da cidade. A dinâmica 
expressa por esse ciclo econômico contribuiu para o surgimento de 
pequenos núcleos urbanos ligados ao setor agrícola e à comercialização 
de escravos, introduzindo a diversificação, embora incipiente e 
apontando para o surgimento de uma importante rede urbana no 
Estado”.(1992; p. 23) 
Com a queda do preço do açúcar no mercado internacional, a cultura da cana 
entrou em decadência. Porém, o ciclo econômico do açúcar gerou capital suficiente para 
a introdução da cultura cafeeira que veio como alternativa econômica para a queda do 
mercado açucareiro. Embora a cultura do café tivesse surgido concomitantemente à 
 
16 O domínio colonial (no Haiti) foi seriamente abalado pelos acontecimentos que culminaram com a 
Revolução Francesa. Os antigos escravos da ilha rebelaram-se contra o jugo francês em 1791 e o grande 
líder abolicionista Pierre-Dominique Toussaint L'Ouverture tomou o poder. Em 1794, Napoleão 
Bonaparte enviou uma expedição para combater os rebeldes. Após meses de resistência, Toussaint aceitou 
os termos de paz e foi enviado para a França onde, contra os termos da paz negociada, morreu na prisão 
em 1803. www.ufrs.br/cdron. 
 22
prosperidade da cultura açucareira, foi somente em 1835 que houve a substituição de 
uma cultura pela outra. (Beaninger, 1992). 17 
Prometendo consideráveis ganhos para os fazendeiros, a cultura do café se 
estendeu por toda a região, o que aumentou a necessidade de mais trabalhadores, 
arregimentando, desta forma, grande quantidade de mão-de-obra escrava, que com a 
proibição do tráfico negreiro em 1850, foi suprida através do tráfico inter-regional.18 Os 
escravos do Norte e Nordeste deixaram as regiões que manifestavam decadência 
econômica e se dirigiam para as regiões que apresentavam maior desenvolvimento, 
como o Sudeste.19
O primeiro registro nacional de escravos, datado de 1872, segundo Slenes, 
mostrou que “Campinas tinha 14.000 cativos, ou a maior população escrava de todos 
os municípios paulistas". (Slenes, 1999; p. 71). Em virtude da proibição do tráfico 
externo20 a mão-de-obra escrava foi suprida pelo tráfico inter-regional. Embora a mão-
de-obra escrava, naquela ocasião, fosse proveniente principalmente do Nordeste 
 
17 Em 1867, com capital derivado essencialmente de cafeicultores, fundou-se a Ferrovia Paulista que entra 
em operação em 1872. www.campinas.sp.gov.br18 Período e economia fortemente escravagistas, entre 1854 e 1886, a população cativa estava em 50%. 
www.campinas.sp.gov.br 
19Conforme Baeninger: A migração de escravos provenientes de regiões onde as lavouras canavieiras 
entravam em decadência, como as do Nordeste, contribuiu para o crescimento populacional das 
províncias do Sul (Prado, 1983). De fato, nos jornais da época, encontravam-se anúncios como este: 
"vende-se(sic) 12 bonitos escravos de 12 a 20 anos, todos do Ceará" ( gazeta de Campinas, 22-6-1878; 
apud Lapa, 1991) - (Baeninger. 1992; p. 21) 
20 Leis Abolicionistas : 
* 1815 - Tratado anglo-português, na qual Portugal concorda em restringir o tráfico ao sul do Equador; 
* 1826 - Brasil compromete em acabar com o tráfico dentro de 3 anos 
* 1831 - Tentativa de proibição do tráfico no Brasil, sob pressão da Inglaterra. 
* 1838 - Abolição da escravidão nas colônias inglesas 
* 1843 - Os ingleses são proibidos de comprar e vender escravos em qualquer parte do mundo 
* 1845 - A Inglaterra aprova o Bill Abeerden, que dá à Inglaterra o poder de apreender os navios 
negreiros com destino ao Brasil. 
* 1850 - É aprovada sob pressão inglesa a lei Eusébio de Queirós, que proíbe o tráfico negreiro no Brasil. 
* 1865 - A escravidão é abolida nos Estados Unidos (13a. Emenda Constitucional) 1869 - Manifesto 
Liberal propõe a emancipação gradual dos escravos no Brasil. 
* 1871 - Lei do Ventre Livre ou Lei Rio Branco 1885 - Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotejipe 
* 1888 - Lei Áurea. 
 23
brasileiro, esses escravos poderiam não ser mais africanos, mas já terem nascido em 
terras brasileiras, contudo observa-se que "a população cativa de Campinas na primeira 
metade do século XIX era predominantemente africana.” (Slenes, 1999; p. 72). 
Cabe notar que a proibição do tráfico negreiro limitava a aquisição de mão-de-
obra escrava, numa época em que o complexo cafeeiro se estruturava, se consolidava e 
isso demandava uma grande quantidade de mão-de-obra.21 Ademais, a partir da metade 
do século XIX, o Movimento abolicionista tomou força e incitava levantes e fugas de 
escravos que desorganizavam a produção nas fazendas. Nesta mesma época, idéias 
racistas importadas da Europa formavam opiniões entre alguns intelectuais que, 
baseados nestas fontes, se preocupavam com um Brasil que se formava moreno e 
miscigenado. A solução encontrada nesse caso, tanto para o déficit de mão-de-obra, 
quanto para o branqueamento da população, foi uma política de imigração européia. 
Desta forma, acreditavam, estaria “salvo” o Brasil não só economicamente, mas 
também na constituição da sua identidade nacional, uma vez que com o branqueamento 
poderia se configurar uma nação aos moldes europeus. 
A lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel em 13 de Maio de 1888, além de ter 
libertado um décimo da população negra da época no Brasil, significou, principalmente, 
a retirada de um entrave para o trabalho assalariado no país, visto que muitos dos 
setores da economia já não mais utilizavam a mão-de-obra escrava. 
Porém o que deveria terminar com um programa de ajustamento social 
gradativo, tornou-se um desajustamento estrutural, porquanto os negros foram fadados 
ao desemprego e à marginalidade. Esse contexto somente agravou o preconceito racial 
 
21 A hipótese de que a proibição do tráfico negreiro gerara um déficit de mão-de-obra disponível para 
trabalhar na agricultura do café, é refutada no livro de Petrônio Domingues, Uma História Não Contada – 
negro racismo e branqueamento em São Paulo na pós-abolição (Editora Senac, SP) que foi resultado da 
dissertação de mestrado desenvolvida pelo autor na USP. Segundo Petrônio, não havia falta de mão-de-
obra em São Paulo, mas uma concreta intenção da elite, do governo e dos intelectuais paulistas em 
branquear a cidade. 
 24
que justificava a degradação do liberto na nova realidade social pela superioridade do 
branco sobre o negro. Além disso, os libertos tiveram que disputar no mercado de 
trabalho com os imigrantes brancos europeus, mais bem aceitos. 
Reafirmando essa questão, Bernardo chama a atenção para a concorrência no 
mercado de trabalhadores livres, entre os ex-escravos e o imigrante europeu, afirmando 
que este último era o preferido. Com isso, o ex-escravo alforriado ou aquele que mais 
tarde obteria a liberdade, eram colocados inteiramente à margem da nova ordem social, 
que se instaurou com o mercado de trabalho livre. (Bernardo, 1998; p. 24). 
A primeira experiência com mão-de-obra formada por imigrantes europeus no 
Estado de São Paulo data de 1847 e foi realizada na fazenda Ibicaba, na região de 
Campinas, e atual município de Limeira (Beaninger). Esse foi um empreendimento 
importante, por empregar, simultaneamente, mão-de-obra livre e escrava. 
No entanto, essa primeira tentativa de imigração européia não foi bem sucedida. 
Os imigrantes que chegaram ao sudeste vinham para trabalhar como meeiros, parceria 
que não deu certo, por um lado, porque as condições de trabalho eram péssimas e nesse 
sistema os imigrantes eram obrigados a pagar para o fazendeiro as despesas realizadas 
com a imigração, ficando vinculados a ele até saudarem a dívida. Por outro lado, o 
regime escravista ainda vigente também se tornou um entrave para a imigração, uma 
vez que esse sistema não era bem aceito pelos governos europeus da época. 
Em 1886, uma nova experiência imigratória se iniciou, mas, desta vez, com 
outro sistema de trabalho que não era mais o de "parceria" como fora nas décadas 
 25
anteriores, mas o de "colonato". Inaugurou-se, então, o sistema de trabalho livre, em 
contrapartida com a escravatura. 22 
O desenvolvimento da cultura do café no sudeste do Brasil trouxe consigo o 
desenvolvimento dos meios de transportes, da construção civil e uma industrialização 
rude, que geraram um processo de urbanização. A região se modificou, as cidades 
cresceram, as indústrias precisaram de mão-de-obra, e o comércio, de consumidores. 
Conforme Baeninger, 
"Com a implantação da cultura do café, que passou a ser o 
principal produto cultivado, Campinas acentuou seu dinamismo 
com um intenso desenvolvimento urbano e rural. O efeito 
urbanizador já se fazia sentir através da expansão das vias de 
comunicação para o transporte do café, como as Estradas de 
Ferro Mogiana e Companhia Paulista (1872), originando núcleos 
urbanos e ampliando as atividades ligadas a esse setor". (1992; 
p. 29) 
Em 1889, uma epidemia de febre amarela causou muitas mortes em Campinas e 
provocou intensa fuga de moradores para outros municípios, além de diminuir a 
imigração européia para a região. 23
Em São Paulo, a febre amarela adentrou por Santos, que era a porta de entrada 
dos imigrantes que vinham trabalhar nas lavouras de café. A doença alastrou-se 
 
22 Segundo os registros da hospedaria dos imigrantes do Estado de São Paulo, " foram enviados para as 
lavouras de café do Município, de 1882 a 1900, 140631 imigrantes estrangeiros, dos quais 75% eram 
italianos; 11,3% portugueses; 7,9% espanhóis; 3,9% alemães e 1,8% de outras nacionalidades." 
(Baeninger. 1992: 31, 32) 
23 Segundo Baeninger,: Os historiadores locais afirmam que durante a epidemia quase 75% da população 
emigrou do Município (Brito, 1969; Pupo, 1969). "A cidade é abandonada; a população reduziu-se de 20 
mil para 5 mil moradores; a morte rondava a cidade." (Figueira de Mello, 1991:23). Estabelecimentos 
comerciais, escritórios de indústrias e até algumas indústrias transferiram-se para São Paulo e Jundiaí. 
(Semeghini, 1988). (1992: 35) 
 26
primeiramente pela região portuária e, como não havia casos no interior paulista, a 
medicina acreditava que era uma doença típica das regiões litorâneas. Porém, em 1889, 
houve uma forte epidemia em Santos que subiu a serra através da ferrovia e chegou a 
Campinas. Foram vários surtos que assolaram a região nosanos de 1889, 1890, 1892, 
1896 e 1897, dizimando grande parte da população. 24
Como era desconhecido o meio de propagação da enfermidade, acreditava-se 
que a febre amarela era contagiosa e, num consenso geral, originária de eflúvios 
miasmáticos ou emanações pútridas. Sendo assim, os médicos higienistas, pensando na 
erradicação da enfermidade, voltaram-se para os aspectos urbanísticos, já que 
associavam a doença ao ar confinado, portanto a habitações coletivas, a ruas estreitas, 
matadouros, cemitérios, valas, águas de fontes duvidosas e à falta de esgotos. Desta 
forma, o combate da doença ficou centrado na reorganização urbana e na normatização 
da vida cotidiana. Nesse sentido, foi a população mais pobre, constituída de imigrantes 
e negros libertos, que arcou com a responsabilidade da disseminação da enfermidade, 
acentuando desta forma o preconceito contra aqueles que se amontoavam em cortiços na 
cidade. Segundo Figueira Mello “libertos e imigrantes em 1888 e1889, afluíram para a 
cidade. Entupiram os cortiços” (1991; p. 23)25 
Nessa perspectiva, o preconceito racial contra o negro se intensificou e gerou 
fortes demandas contra suas manifestações religiosas, pois do mesmo modo que a raça 
negra foi considerada inferior, sua religiosidade também foi encarada como mais 
primitiva e, ao mesmo tempo, associada a bruxaria e malefícios. 
Embora Slenes afirme que "a maioria dos escravos de Campinas, mesmo em 
1888, estava próxima no tempo às fontes africanas de sua cultura" (Slenes, 1999; p. 
 
24Dados obtidos na Biblioteca Virtual Adolph Lutz. 
http://www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/html/pt/home.html 
25 FIGUEIRA MELLO, F. Formação histórica de Campinas: Breve Panaroma. Subsídios para a 
Discussão do Plano Diretor. Prefeitura Municipal de Campinas, 1991. 
 27
72), seus cultos foram escondidos, parecendo desta forma não terem se estruturado ou 
mesmo desaparecido, mas, pode ser que tenham se tornado subterrâneos por causa das 
perseguições sofridas, segundo a concepção de Pollak. (Pollak, 1989). 26 
Apesar de Campinas ter passado por muitos surtos de febre amarela, a cidade 
aos poucos foi se recuperando e, em 1891, deu-se continuidade ao processo imigratório, 
com o registro do maior "volume anual de imigrantes com destino a Campinas". 
(Baeninger, 1992). Na virada do século, tanto São Paulo quanto os principais 
municípios do interior apresentaram dinamismo econômico e populacional. 
No entanto, com a queda do preço do café e a conseqüente crise neste setor, a 
imigração subsidiada para São Paulo e a economia cafeicultora encerraram-se, 
respectivamente em 1927 e 1930. 
Contudo, na região houve também a vinda de imigrantes norte-americanos que 
introduziram o cultivo do algodão, que trouxe consigo novas técnicas de plantio, além 
de um novo pólo industrial. 
Conforme Baeninger: 
"O movimento migratório internacional desempenhou 
urbanização, alternando em muitos casos, o comportamento 
 
26 Um estudo realizado por Rita Amaral sobre a coleção etnográfica de cultura religiosa afro-brasileira 
do MAE , curiosamente revela a Coleção Registro Sertanejo que apresenta um candomblé banto datado 
do começo do século XX. De acordo com o artigo, Rita divulga que: “Foram encontradas 187 das 252 
peças listadas, datadas do princípio do século, de cultos afro-brasileiros sediados principalmente no 
interior de São Paulo. 
Segundo informações contidas nesta listagem, algumas peças foram levadas ao Museu Paulista, em 1914. 
Outras, em 1938 e outras ainda, em 1943. São originárias de cultos do interior de São Paulo (Tietê, 
Pirapora, Araraquara, Jundiaí) e foram doadas ao Museu Paulista pela Secretaria de Segurança Pública, o 
que indica que devam ter sido apreendidas durante o período de repressão policial ao culto. Essa coleção 
é extremamente valiosa, não apenas por representar aspectos múltiplos do culto, como por seu caráter 
artesanal, constituindo peças únicas.”, 26 Amaral, Rita. A coleção etnográfica de cultura religiosa afro-
brasileira do museu de arqueologia e etnologia da universidade de São Paulo, In Revista do Museu de 
Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, no. 10, 2000, p266. Isso significa que houve um 
candomblé anterior a este que hoje existe em Campinas e que, possivelmente, desapareceu em virtude da 
perseguição policial. 
 
 
 28
demográfico, o perfil populacional econômico e as formas de 
inserção dos municípios na divisão social do trabalho no 
Estado". (1992; p.48) 
Campinas, no ciclo do açúcar, fora denominada a Capital da escravatura, no 
período cafeeiro, recebera a alcunha de "Princesa do oeste" e, com o avanço da 
industrialização, tornara-se uma "Cidade Modelo". 
Na primeira metade do século XX o processo de urbanização e industrialização, 
conforme Baeninger, 
"representou a formação de uma nova ordem social permeando 
todas as instâncias da sociedade. A mistura de raças, 
nacionalidades, culturas e ideologias, dispersas no espaço 
urbano, começou a caracterizar certos grupos sociais. A 
constituição da classe operária, formada primeiramente pelos 
trabalhadores estrangeiros foi expressão desse processo". (1992; 
p.50) 
Com o crescimento do número de indústrias aumentava também a migração 
originária não só de outros Estados, como também do êxodo rural. (Baeninger, 1992) 
Campinas era uma cidade que reforçava o papel da migração, uma vez que isto era 
sinônimo de dinamismo econômico e prosperidade. 
A partir dos anos 60, o fluxo migratório para a região de Campinas aumentou 
consideravelmente e continuou na década de 70, ocasião em a cidade recebeu 
 "um total de 230.464 migrantes, dos quais, aproximadamente, 
20% apresentavam como local de última residência o Estado do 
Paraná, 15% vinham da região Metropolitana de São Paulo, 10% 
 29
do Estado de Minas Gerais e 5% da própria região de governo 
da Campinas". 27 (Baeninger. 1992; p. 76) 
Em Campinas, é o Estado do Paraná que nesta época aparece como a principal 
área de procedência dos migrantes, porém de uma maneira geral é de Minas Gerais que 
tradicionalmente vem a maioria. Ademais, se para São Paulo a migração de nordestinos 
foi intensa, em Campinas ficou em torno de 12,5%, ocupando a quarta posição em 
relação a outras regiões do Brasil. (Baeninger, 1992) 
Além dos fluxos migratórios interestaduais, também foi significativo o 
movimento migratório proveniente do oeste paulista que se direcionou para Campinas. 
Na década de 70, coincidindo com o processo de urbanização, com a afluência 
de indústrias que formaram o maior parque industrial regional e com a expansão 
rodoviária, fatos que estimularam a vinda de um número significativo de migrantes, é 
que se deu a chegada dos pais e mães-de-santo que fazem parte desta pesquisa e, por 
meio deles, o surgimento dos primeiros terreiros de Umbanda em Campinas. 
Por sua vez, o candomblé que já havia se estabilizado em São Paulo nos anos 60, 
chega a Campinas na década de 80, confirmando o que nos afirma Boaventura de Souza 
Santos ( 1996), a saber, que só permanecem ou florescem elementos da cultura que 
possuem raiz. Por isso, me ative à explicação de como chegaram os escravos em 
Campinas, na verdade, a raiz das expressões religiosas afro-brasileiras. . 
Fundamentando-nos em Bernardo (1986) e Prandi (1991) que explicam que a Umbanda 
abriu caminho para o candomblé em São Paulo, podemos assegurar que o mesmo 
processo ocorreu em Campinas. 
 Mais reintegrada à sociedade a umbanda, como expõe Ortiz, 
 
27 Beaninger considera como migrante o indivíduo residente há menos de dez anos no município de 
residência atual. 
 30
 
”aparece, pois como um solução original; ela vem 
tecer um liame de continuidade entre as práticas 
mágicas populares à dominância negra e à ideologia 
espírita. Sua originalidade consisteem reinterpretar 
os valores tradicionais, segundo o novo código 
fornecido pela sociedade urbana e industrial” .(1999; 
p.48)28
 
Sem a necessidade de processos iniciáticos mais drásticos, tais 
como são exigidos pelo candomblé, na umbanda é por meio do transe 
que há a manifestação do caboclo, do preto-velho, que são espíritos 
ancestrais, que vão direcionar o inicio do caminho religioso a esses 
sacerdotes pesquisados. Todos os entrevistados vieram de famílias de 
religiões cristãs, sejam católicas ou neopentecostais, e para se chegar ao 
universo mágico do candomblé, no qual os ritos de passagem e 
purificação são realizados mediante o sacrifício de animais, ri to que foi 
e ainda é amplamente questionado e combatido pelas diversas 
modalidades de religiões cristãs no Brasil e pela sociedade mais 
abrangente, a umbanda surge, então, como uma interessante solução para 
a entrada ao universo afro-brasileiro. Por um lado, citando Ortiz, 
 
“O problema das despesas encontra, pois, na religião 
umbandista uma solução original; um primeiro 
 
28 Ortiz, Renato. A morte branca do feiticeiro negro. Umbanda e sociedade brasileira. Editora 
Brasiliense, São Paulo. 1a reimpressão, 1999. 
 31
resultado é a ausência de gastos no sacrifício de 
animal, uma vez que estes tendem a ser abolidos.” 
(1999; p.154). 
 
 Por outro lado, ainda referindo-se à obra de Ortiz, “o problema 
longe de ser uma equação funcional, parece-nos ser de cunho 
ideológico. Por detrás do jogo de funcionalidades se esconde um conflito 
muito mais amplo que se trava contra os valores da sociedade global”.29 
(1999; p.155) 
Este conflito já se mostrava desde o início da caminhada desses 
sacerdotes, quando iam à procura das benzedeiras e revelavam a má 
impressão deixada pelos objetos religiosos afro-brasileiros, expostos nos 
altares. Neste caso, o elemento básico determinante da ação dramática é 
a oposição entre os valores da população branca, cristã e de classe média 
e os padrões afro-brasileiros expressos na estatuária e, muitas vezes, na 
incorporação dos espíritos de pretos-velhos e caboclos. 
A entrada do candomblé em São Paulo se dá, segundo Prandi: 
 "... por diferentes maneiras: através de pais-de-santo que vêm do 
Rio e da Bahia para iniciarem filhos aqui; quando umbandistas 
vão ao Rio e à Bahia para lá se iniciarem no candomblé; nos 
casos em que um pai ou mãe-de-santo migra para São Paulo já 
iniciado em seu Estado de origem e abre aqui terreiros de 
candomblé; na situação em que o migrante já vem “feito” no 
 
29 Ortiz, Renato. A morte branca do feiticeiro negro. Umbanda e sociedade brasileira. Editora 
brasiliense, São Paulo.1a reimpressão, 1999. 
 
 32
candomblé, mas começa sua carreira religiosa em São Paulo 
abrindo casa de umbanda, para mais tarde vir a tocar candomblé 
e abandonar a umbanda; e, finalmente, através de filhos que já 
são iniciados em São Paulo por mães e pais-de-santo, também 
iniciados em São Paulo... Já na etapa de expansão, é claro, esta 
última forma é a mais freqüente e é também a que reforça a idéia 
de estar esta religião se enraizando na metrópole.” (1991; p.93) 
 
Em Campinas, a umbanda data da década de 70 e o candomblé se estabelece na 
década de 80 do século XX, edificado por dois pais-de-santo brancos e duas mães-de-
santo negras, todos provenientes de outras cidades do Estado de São Paulo e de outros 
Estados, e coincide com o fluxo migratório direcionado para este Município. 30
A iniciação destes sacerdotes no candomblé foi realizada por mães-de-santo 
oriundas de São Paulo e da baixada santista31, a propósito, da mesma forma de expansão 
relatada por Prandi. 
Convém ainda acrescentar que o candomblé que primeiro e mais largamente se 
estabeleceu em Campinas foi o de nação angola, ainda hoje o mais numeroso. 
 
30 Pai Ubiacylê é proveniente de Limeira, pai Gitalangunage de Catanduva, mãe Corajacy da Bahia, mas 
já morava em Minas Gerais quando migrou para Campinas e Mãe Dangoroméia é oriunda de Minas 
Gerais. A expansão do pólo industrial de Campinas atraiu grande quantidade de migrantes originários do 
interior de São Paulo assim como de outros Estados. Estes pais e mães-de-santo vieram com esse 
movimento migratório que muito se intensificou depois de 1960. 
31 Vagner Gonçalves nota que: A importância do candomblé litorâneo em São Paulo também pode ser 
atestada na relação dos mais antigos pais-de-santo em São Paulo, elaborada pela Comissão de Candomblé 
formada por algumas lideranças religiosas paulistas, a partir da Assessoria para Assuntos Afro-brasileiros 
da Secretaria do Estado da Cultura do Governo Franco Montoro, em 1983. Dos vinte e sete babalorixás e 
ialorixás citados, quinze se localizam na capital e doze em Santos; deste total, onze pertencem à nação 
angola e três à sua variável ameríndia – o xambá; do queto são seis, o mesmo número para sua variável 
efon. ( obs.: um dos terreiros não tem definida a nação) (Vagner, 1995: p.82) 
 33
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO II 
 
Da umbanda para o candomblé: o espaço conta a história. 
 
2 
 
 
 
 
 34
É no espaço que encontramos todas as marcas das épocas em que um 
determinado grupo viveu.. 
Maurice Halbwachs afirma que as religiões 
“estão solidamente afixadas sobre o solo, não somente porque se 
trata de uma condição que se impõe a todos os homens e a todos 
os grupos; mas uma sociedade de fiéis é conduzida a distribuir 
entre diversos pontos do espaço o maior número de idéias e 
imagens que são por ela defendidas.” (1990; p. 143). 32 
 
Nos terreiros pesquisados, isso é visível nas novas edificações, nas imagens dos 
inquices pintadas nas paredes, nas imagens de gesso dos santos católicos colocados em 
suportes, nos assentamentos distribuídos pelos canteiros, nos odus assentados nos 
cantos da casa, nos símbolos da umbanda que se encontram distribuídos pela casa ou 
reunidos num só recanto, nos centros dos salões, enfim, todo espaço é provido de 
símbolos cujos significados estão ali mostrando as relações com os deuses e como o 
fiel deve se comportar. 
Os terreiros aqui estudados, assim como a maioria dos terreiros paulistas,33 se 
tornaram de candomblé num movimento posterior à umbanda. 
Ao observarmos as permanências e modificações no espaço, podemos tentar 
desvendar a história da comunidade e o conjunto de símbolos e atributos pertinentes 
àquele grupo. 
 
32 Halbwachs, Maurice. A Memória Coletiva. Vértice, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo. 1990 
33 Sobre o trânsito dos terreiros paulistas da umbanda para o candomblé existe vasta bibliografia a 
respeito. Ver: Bernardo, S. Teresinha. A mulher no candomblé e na umbanda. Dissertação de mestrado 
apresentada ao programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais – PUCSP, 1986. Prandi, 
Reginaldo.Os candomblés de São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo,1991. Silva, 
Wagner Gonçalves da. Orixás da Metrópole. Editora Vozes Ltda. Petrópolis, R.J. 1995. 
 35
Situados em bairros periféricos de Campinas, os terreiros de candomblé podem 
ser identificados, externamente, pela presença de alguns elementos simbólicos que são 
comuns às religiões afro-brasileiras, os quais geralmente ficam dispostos sobre os 
portões e muros frontais. Sempre circundados por muros altos que não permitem a visão 
interior do pátio das casas, a fachada revela, por seu recato, a inquietação perante o 
preconceito que ainda hoje persiste contra as religiões de matrizes africanas. Desta 
forma a busca da segurança avança em direção a uma comunidade de interesses e 
identidade comuns, e os muros altos a protegem dos “olhos” dos diferentes. 
Das quatro casas escolhidas, apenas a de mameto Dangoroméia que está 
localizada num bairro de Hortolândia34, cidade

Mais conteúdos dessa disciplina