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UNIVERSIDADE ESTA DUAL DE MATO GROSSO DO SUL UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE PARANAÍBA - MS CURSO DE DIREITO DISCIPLINA: DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS PROFESSORA: Roberta Pantoni PLANO DE AULA: Aula 1 CONTEÚDO: Apresentação plano de ensino - Plano de Ensino de Direitos e Garantias Fundamentais – Transparência Ementa, objetivos, Conteúdo programático, Métodos de avaliação, Bibliografia. - Cronograma de aulas UNIVERSIDADE ESTA DUAL DE MATO GROSSO DO SUL UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE PARANAÍBA - MS CURSO DE DIREITO DISCIPLINA: DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS PROFESSORA: Roberta Pantoni PLANO DE AULA. Aulas 2 e 3 CONTEÚDO: Perspectiva histórica: a “afirmação histórica” (F. K. COMPARATO) dos direitos fundamentais Ponto de partida: De que maneira os acontecimentos políticos econômicos e sociais condicionaram e moldaram a afirmação histórica dos direitos fundamentais? Quando eles efetivamente surgem? A análise da origem, natureza e evolução dos direitos fundamentais ao longo da história é tema que caberia grande aprofundamento. Mas o objetivo da disciplina será modesto, ou seja, pretende-se apenas abordar aspectos relevantes a respeito da temática, principalmente porque pode-se dizer que a história dos direitos fundamentais inicia-se com a luta pela limitação do poder estatal, desembocando no próprio surgimento do moderno Estado constitucional. Daí a sua imbricação e vinculação com a transformação pela qual passou o próprio Estado – de Estado Liberal - Estado Social – e o moderno Estado de Direito (Estado social e democrático de direito - material), e consequentemente seu papel na sociedade (a cada modelo de Estado corresponde uma geração/dimensão de direitos). Sintetizando, portanto, o “devir” histórico (SARLET), dos direitos fundamentais até o seu reconhecimento nas primeiras constituições escritas, tem-se que: a) Pré- história, que se estende até o século XVI b) Uma fase intermediária que corresponde ao período de elaboração da doutrina jusnaturalista e da afirmação dos direitos naturais do homem com as declarações de direitos originadas pelas grandes revoluções; c) Fase da constitucionalização iniciada no final do século XVIII. O estudo deve ser obviamente norteado pela compreensão do valor dignidade da pessoa humana, expressão de difícil definição, que encontrará em Imannuel Kant seu ápice conceitual e será resgatada de forma mais efetiva após a segunda guerra mundial. A discussão sobre a questão da dignidade da pessoa humana como valor jurídico será retomada em momento oportuno. Por hora vou me restringir a dizer que com a reflexão sobre o homem e sua situação no mundo (surgida concomitantemente em várias civilizações no mundo) começa-se a delinear uma ideia de direitos humanos. (COMPARATO). A ideia de direitos humanos no mundo antigo liga-se à limitação do poder político com a criação das primeiras instituições democráticas em Atenas - modelo político fundado na figura do homem livre e dotado de individualidade, e a lei escrita como fundamento da sociedade política. Na democracia ateniense, a autoridade ou força moral das leis escritas suplantou, desde logo, a soberania de um indivíduo ou grupo ou classe social. Para os atenienses, a lei escrita é o grande “antídoto” contra o arbítrio governamental (COMPARATO). No entanto, deve-se ressaltar que ao lado da lei escrita havia também entre os gregos outra noção de igual importância, a de lei não escrita: as leis universais aplicadas a todos os homens em todas as partes do mundo fundadas na natureza – direito natural/jusnaturalismo clássico, de conteúdo cosmológico. (ex: Antígona- Sófocles). A ideia de direitos humanos prosseguiu no século seguinte, na esteira do entendimento dos estoicos (Cícero “justo por natureza”) sobre o direito natural, com a fundação da república romana, pela criação de um mecanismo de controles recíprocos entre os diferentes órgãos políticos. Pode-se, portanto, dizer que os valores da liberdade e igualdade dos homens, encontram, pois, suas raízes na filosofia clássica (greco-romana). Todavia, ainda que consagrada na doutrina a concepção de que não foi na antiguidade que os direitos fundamentais surgiram, não menos verdadeira é a constatação de que o mundo antigo, por meio da religião e da filosofia, nos legou algumas ideias-chave que vieram posteriormente influenciar direitamente o pensamento jusnaturalista (de conteúdo teológico, bem como o racionalista) e a sua concepção de que o ser humano, pelo simples fato de existir, seria titular de alguns direitos naturais inalienáveis O desenvolvimento da noção de direitos naturais do homem segue durante a idade média com o pensamento cristão (homem seria o ponto culminante da criação divina), pela patrística (Sto Agostinho) e especialmente pela escolástica (São Tomas de Aquino – lei natural é uma parte da ordem imposta pela mente de Deus que se encontra na razão do homem) – que reuniu filósofos e teólogos que buscavam fundamentar-se mais na razão do que na fé. Pode-se nos dois períodos imperou a ideia de direito natural de conteúdo teológico, fundada na inteligência e na vontade divina (deus único) e, por maior que fosse, na escolástica, o esforço para emancipar o pensamento da religião, esse desiderato era praticamente inviável, dado que as Sagradas Escrituras eram um ponto de partida indiscutível. Para os pensadores cristãos a trilogia se põe assim: em primeiro lugar está a lei eterna, expressão da razão divina que governa o universo; a lei natural, parte da lei eterna, é a lei da natureza humana, conhecida racionalmente pelo homem; a lei positiva ou lei humana é obra do legislador humano e deve ser conforme a lei natural e, portanto, a lei eterna. As duas primeiras são imutáveis e as últimas variáveis, segundo as exigências circunstanciais, desde que respeitados os primeiros princípios. São Tomas de Aquino (1225-1274/ “Suma Teológica”) fez a síntese do cristianismo (fé) com a visão aristotélica do mundo (conhecimento). Desenvolve uma teoria da pessoa segundo a qual o homem é uma réplica de Deus concebendo-o como “substância individual de natureza racional” – Boécio. Isso lhe confere uma superioridade em relação a todas as outras substâncias (entes) que não compartilham da mesma potência. Essa superioridade é chamada expressamente de dignidade. Foi o primeiro a utilizar o termo “dignitas humanitas”. Professava a existência de duas ordens distintas, formadas, respectivamente pelo direito natural, como expressão na natureza racional do homem e pelo direito positivo, sustentando inclusive que a desobediência ao direito natural por parte dos governantes poderia em casos extremos, justificar até mesmo o exercício do direito de resistência da população. “a lei natural é promulgada pelo próprio Deus que a instilou na mente do homem, de modo a ser conhecida naturalmente por ele” Pico Della Mirandola (1463-1496/ “Discurso sobre a dignidade do homem”), autor renascentista que resgata o pensamento tomista entende de que a personalidade humana se caracteriza por ter um valor próprio, inato, expresso justamente na ideia de dignidade do ser humano, que nasce na qualidade de valor natural, inalienável e incondicionado. Assim, para ele o homem está no “meio do mundo” não em um sentido físico ou topográfico, mas em um sentido ontológico: ao homem são abertas possibilidades diversas para sua própria realização. Note-se, no entanto, que a palavra “antropocentrismo”, aplicado ao pensamento de Pico della Mirandola, não significa que o homem esteja livre de Deus. Tampouco que Deus não exista, ou ainda que não seinteresse pelo que é humano. O homem é, e será sempre, criatura de Deus, e é pelo Seu desejo que ocupa o lugar central no mundo. O “antropocentrismo” de Pico não exclui Deus, pelo contrário: como foi Deus quem deu ao homem o seu lugar central, a realização humana de seu próprio destino é fruto da graça divina. O homem não é um ser que Deus abandonou à própria sorte, mas uma criatura que Ele emancipou. O homem, assim, é um ser livre, “árbitro e soberano de si mesmo”. A liberdade, para Pico, não é meramente um “dom” dado por Deus ao homem, mas a capacidade de escolher dentre diversas possibilidades. Cada homem, ao decidir seu destino, decidirá também o que é. A originalidade de Pico, que o torna elo entre duas eras, a medieval e a moderna, está nessa visão do homem. A liberdade é o dom que o homem recebeu. Sua dignidade está em saber usá-lo bem, transformando o mundo e a si mesmo em direção ao melhor. A noção de direitos naturais do homem seguirá, portanto, pela influência das doutrinas jusnaturalistas insurgentes no século XVI, pelas quais “a existência de postulados de cunho suprapositivo, que por orientarem e limitarem o poder atuariam como critérios de legitimação de seu exercício” (SARLET). Assim, a partir do século XVI, mas principalmente nos séculos XVII e XVIII a doutrina jusnaturalista, de modo especial com as teorias contratualistas que ressaltam o aspecto subjetivo dos direitos naturais (pois o contrato social apenas existe em função da cessão por parte dos indivíduos de direitos que lhes são inerentes em prol de um ente maior – artificial – o Estado), chega ao seu ponto culminante de desenvolvimento, ocorrendo paralelamente a isso uma laicização do direito natural, que atingirá seu apogeu no iluminismo. Consegue-se enfim retirar a carga teológica inerente ao jusnaturalismo de até então. Haverá de modo definitivo a transição do jusnaturalismo clássico para o jusnaturalismo racionalista, que afasta o vínculo teológico e procura fundamento de validade do direito na própria razão humana. O que impulsionará este jusnaturalismo insurgente será o racionalismo renascentista, que coloca a função da razão, do entendimento de que o ser humano é capaz, acima de qualquer outra potência ou atividade. Entre os novos jusnaturalistas existem distinções sensíveis no modo de ver o homem e a sociedade. O que os reúne sob a denominação comum de Escola do Direito Natural é a idéia de que o direito natural pode ser deduzido apenas da razão. Ainda é a natureza, mas já não entendida como cosmologia metafísica e sim natureza racional do homem social. Hugo Grocio (1583-1645/ “Do direito da paz e da guerra”) é tido como o criador do jusnaturalismo pai do direito natural. Entende que o homem é capaz de um julgamento perceptivo no qual as coisas são boas ou más por sua própria natureza, rompendo com isso com a divinização do direito. Divide entre leis primárias e secundárias. As primeiras são aquelas que expressam a vontade divina e secundárias são as leis e regras dentro do âmbito da razão. Discute a guerra como mal necessário que figura como meio de se proteger os direitos. Guerra justa seria aquela pela qual se pretende obter um direito. “6”... O homem é de fato um animal, mas um animal de excelente espécie, que difere muito mais de todas as outras tribos de animais do que um homem difere do outro; o que se evidencia pelas muitas ações peculiares à espécie humana. E entre essas propriedades que são peculiares ao homem, há um desejo de sociedade... não meramente saciado de qualquer maneira, mas tranquilamente e de uma maneira que corresponde ao caráter de seu intelecto. Os estoicos chamavam esse desejo de instinto doméstico ou sentimento de parentesco. Por conseguinte, a afirmação de que por natureza todo animal é impelido apenas a procurar sua própria vantagem, se dita de maneira tão geral a ponto de incluir o homem, não pode ser admitida... 8. Essa tendência à conservação da sociedade, que expressamos agora de maneira rude, e que está de acordo com a natureza do intelecto humano, é a fonte do Jus ou Direito Natural, assim chamado corretamente. A esse Jus pertence a regra de se abster daquilo que pertence a outras pessoas; e, se estivermos de posse de alguma coisa de outro, a restituição dessa coisa ou de qualquer ganho que tenhamos tido com ela; o cumprimento de promessas e a reparação do dano cometido por culpa; e o reconhecimento de certas coisas como merecedora de punição entre os homens. 9. Dessa significação resultou um outro sentido maior de Jus; porque, na medida em que o homem é superior aos outros animais, não apenas no impulso social... mas também em seu juízo e poder de avaliar vantagens e desvantagens..., podemos compreender que é congruente com a natureza humana seguir... um juízo corretamente formado; não ser desencaminhado pelo medo ou pela tentação do prazer presente, nem ser arrebatado por impulso cego e irrefletido; e que aquilo que é claramente repugnante a tal juízo também é contrário a Jus, ou seja, ao Direito Natural Humano. 12. ... Somos levados a uma outra origem de Jus, além dessa fonte natural; a saber, o livre-arbítrio de Deus ao qual, como nossa razão nos diz de maneira irresistível, estamos fadados a nos submeter... O Direito Natural do qual falamos, seja aquele que liga comunidades ou do tipo frouxo... pode assim ser corretamente atribuído a Deus; porque foi a Sua vontade que tais princípios chegaram a existir em nós... 14. Ademais: A História Sagrada, além daquela parte que consiste em preceitos, oferece uma outra visão que excita na mesma medida o sentimento social de que falamos; porque nos ensina que todos os homens nasceram dos mesmos pais. Podemos, portanto, dizer corretamente nesse sentido também, aquilo que Florentino diz em outro sentido, que há um parentesco estabelecido entre nós por natureza: e em virtude dessa relação é errado o homem tencionar o dano do homem... Surgem discussões sobre direitos de personalidade (vida, integridade coporal, imagem etc.) e sobre a questão do individualismo que levou ao desenvolvimento de direito subjetivo (“faculdade da pessoa que a torna apta para possuir ou fazer algo justamente” (H. Grocio), Passa-se a se identificar direito natural a direito subjetivo. O Estado passa, assim, a ser considerado uma obra voluntária dos indivíduos (contratualismo) cuja obrigação seria a de proteger os direitos naturais do homem. O pensamento jusnatural e contratual do Iluminismo formulou esta regra primária da relação entre o Estado e o cidadão e da convivência civil entre maioria e minoria, concebendo os direitos vitais do homem como “naturais” e a sua garantia como condição de legitimidade daquele “homem artificial que é o Estado” e do pacto social por ele assegurado. Todavia, a diferença fundamental entre os jusnaturalistas racionalistas consiste em que, entre alguns, o contratualismo assumiu uma feição pessimista (ex. Hobbes) e em outros, uma otimista (ex. Rousseau). Todavia, apesar das diferenças entre os filósofos do contratualismo, o elemento central de todas as coisas passa a ser o homem: “De uma forma ou de outra, no entanto, o dado primordial passa a ser o homem mesmo, orgulhoso de sua força racional e de sua liberdade, capaz de constituir por si mesmo a regra de sua conduta. É por isso que surge, desde logo, a idéia de contrato. O contratualismo é a alavanca do Direito na época moderna. Por que existe a sociedade? Porque os homens concordaram em viver em comum. Por que existe o Direito? O Direito existe, respondem os jusnaturalistas, porque os homens pactuaram viver segundo regras delimitadoras do arbítrio.” (REALE) Para Hobbes, o homem é um ser originariamente anti-social, individualista e egoísta, preocupado apenas com os próprios interesses e compelido a viver em sociedade para prevenir a violência. Estado de guerra de todos contra todos/O homem é o lobo do homem. O Estado seriaum ente artifical que teria a finalidade de pacificar as relações individuais. Em Hobbes o Estado assume uma importância maior que os próprios indivíduos. Não poderia ser diferente, vez que a teoria do contrato social de Hobbes é edificada justamente para justificar a existência dos Estados Absolutistas Modernos. Thomas Hobbes (1588-1679/ “Leviatã”, “De cive”) – atribui ao homem a titularidade de determinados direitos naturais, ainda que apenas no seu estado de natureza. "O direito de natureza, que em geral os autores chamam de Jus Naturale, é a liberdade que cada homem tem de usar seu próprio poder, como quiser, para preservação de sua própria natureza, o que vale dizer, de sua própria vida; e, por conseguinte, de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão concebam ser os meios mais apropriados para isso. Por liberdade entende-se, de acordo com o próprio significado da palavra, a ausência de impedimentos externos; impedimentos estes que com frequência, tiram parte do poder do homem de fazer o que faria; mas que não podem impedi-lo de usar o poder que lhe estou, de acordo com o seu julgamento e razão lhe ditarem. Uma lei da natureza (Lex Naturalis) é um preceito geral ou regra geral, descoberto pela razão pelo qual um homem é proibido de fazer aquilo que pode destruir sua vida ou privá-lo dos meios de preservá-la; e de omitir aquilo que ele pensa que melhor pode preservá-la. Porque, embora aqueles que tratam desse tema costumam confundir jus e lex, direito e lei, eles devem ser diferenciados; porque direito consiste na liberdade de fazer ou de abster-se; ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas coisas; de modo que a lei e o direito se distinguem tanto como obrigação e liberdade, que são incompatíveis quando se referem a uma mesma e única matéria." No entanto, foi justamente na Inglaterra do século XVII, parte da Europa em que vigorava um sistema monárquico absolutista cruel, que a concepção contratualista da sociedade e a ideia de direitos naturais do homem adquiriam particular relevância; e isto não apenas no plano teórico, mas também nos diversos documentos escritos que precederam as revoluções francesa e americana, mas que, no entanto, tiveram uma conexão direta com as revoluções inglesas Puritana (1640) e Gloriosa (1688). Elas de fato marcaram a primeira manifestação de crise das monarquias absolutistas (“o reina mas não governa”) - sustentáculo dos Estados modernos, criando condições políticas favoráveis à implantação da Revolução Industrial da Inglaterra no séc. XVIII . Um dos principais pensadores ingleses sustentadores deste ideal revolucionário foi John Locke (1632-1704), o primeiro a reconhecer, com base no contrato social, aos direitos naturais e inalienáveis do homem (vida, liberdade, propriedade e resistência) uma eficácia oponível, inclusive aos detentores do poder. Aprimorou a concepção contratualista, já existente em Hobbes, de que os homens tem o poder de organizar o Estado e a sociedade de acordo com sua razão e vontade. No entanto, em Locke a expressão “direitos naturais” designa uma validade anterior à formação do Estado, ou seja, uma categoria de direito que se refere a todos, na medida em que se materializa no chamado “estado de natureza”. Neste sentido, direito natural em Locke se diferencia de qualquer outra espécie de direito que podemos acordar, pois não pressupõe a existência de um Estado, consenso social ou qualquer poder político vigente. O conceito de estado de natureza, em seus “Dois Tratados sobre o Governo” aparece com uma conexão estreita com o conceito de direito natural à medida que se pode observar um caráter transcendental que fundamenta essa categoria de direito. Demonstrou assim que a relação autoridade-liberdade se funda na autovinculação dos governados. Lançou, com isso, as bases do pensamento individualista e do jusnaturalismo iluminista do século XVIII, que por sua vez desaguou no constitucionalismo de no reconhecimento de direitos e liberdades dos individuais considerados como limites do poder estatal. (John Milton (1608-1674) – escritor que reivindicou o reconhecimento de direitos de autodeterminação do homem, tolerância religiosa, liberdade de expressão – manifestação oral e imprensa e supressão da censura) Nada obstante o surgimento da Magna Carta/1215 (convenção dotada de um certo espírito inovador por ser foi documento que reconheceu direitos próprios de segmento social específico dando-lhes independência e imutabilidade frente à vontade do monarca, sem contudo dar-lhes caráter de autênticos direitos fundamentais), foi a partir do século XVII que surgiram os documentos inspirados pelas novos ideais. Clara foi a contribuição de Edward Coke de decisiva importância na discussão em torno da Petition Of Rigths/1628, que em suas manifestações públicas como juiz e parlamentar, sustentou a existência direitos fundamentais dos cidadãos ingleses, principalmente no que diz respeito a proteção pessoal contra prisão arbitrária e reconhecimento dos direitos de propriedade. Documento seguido do Habeas Corpus (1679) e o Bill of Rights (1689). O primeiro consubstanciou-se em garantia judicial criada para proteger a locomoção, tornou-se matriz de todas que vieram a ser criadas posteriormente, para proteção de outras liberdades fundamentais e, o segundo, que apesar de beneficiar o clero e a nobreza, pôde, por sua formulação mais geral e abstrata do que o texto da Magna Carta, beneficiar a burguesia que dotada agora do poder econômico. Além disso, o Bill Of Rights/1689 pôs ao regime de monarquia absoluta, no qual todo poder emanava do rei e em seu nome era exercido. A partir de 1689 os poderes de legislar e criar tributos já não eram mais prerrogativas do monarca, mas entrariam agora na esfera de competência reservada ao Parlamento. Representou, portanto, a institucionalização da permanente separação de poderes no Estado. Assim, ao limitar os poderes governamentais e garantir as liberdades individuais, essa lei fundamental suprimiu a maior parte das peias jurídicas que embaraçavam a atividade profissional dos burgueses. Principais disposições: proibição de cobrança de impostos sem autorização do Parlamento, bem como a de prisão sem culpa formada, direito de petição, proibição de penas cruéis – separação poderes. Rousseau, otimista, crê, por sua vez, no homem primitivamente bom, corrompido pela sociedade que implantou um contrato desigual que anseia por um contrato racional e igualitário. (Samuel Pufendorf (1632-1694), jurista alemão, e precursor de Rousseau, apesar de críticas recebidas deste, já havia desenvolvido a partir da ideia de direito natural a teoria voluntarista do contrato - Vontade do Estado = soma das vontades individuais.) Rousseau (1712-1778 / “Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens”, “Do contrato social”). Para ele, todos nascem livres e nessa condição não podem ser subordinados a outro sem o seu consentimento, sob pena de ser tolhida a sua liberdade. A forma defendida por Rousseau estabelecia uma soma de esforços de todos para a construção e conservação de uma sociedade que estabelecia regras de convivência, tendo como consequência a alienação sem reserva de cada indivíduo. “achar uma forma de sociedade que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada sócio, e pela qual, unindo-se cada um a todos, não obedeça todavia senão a si mesmo e fique tão livre como antes” “cada um, enfim dando-se a todos, a ninguém se dá; e como em todo sócio adquiro o mesmo direito que sobre mim lhe cedi, ganho o equivalente de tudo quanto perco e mais forças para conservar o que tenho” “quanto a igualdade, não se entenda por essa palavra que os graus de riqueza e poder sejam absolutamente os mesmos [...]; e quanto a riqueza, entendo que nenhum cidadão seja assaz opulento que possa comprar o outro, e nenhum tão pobre que seja constrangidoa vender-se: isso supõe da parte dos grandes moderação nos bens e no crédito, e da parte dos pequenos, moderação na avareza e na cobiça.” Um dos escopos do jusnaturalismo racionalista era perseguir a independência, a autonomia do direito em face da moral, entendida como ética subjetiva, individual. O primeiro critério distintivo entre direito e moral será a questão do foro, que pode ser interno ou externo. O foro interno é o lugar do julgamento da consciência, enquanto que o foro externo é representativo do Direito. O Direito deve cuidar apenas das ações humanas exteriorizadas. Evidentemente, essa distinção teve enorme repercussão para a reivindicação da liberdade de pensamento, numa época em que não só a Igreja, mas o próprio Estado atribuíam a si mesmos a prerrogativa de impor determinada crença, punindo não só o culto diverso (manifestação externa da crença), como a presumida consciência religiosa contrária. Posteriormente à exigência de liberdade de consciência, seguem-se as demandas por outras liberdades civis, decorrentes das transformações sociais que caracterizaram o trânsito para a modernidade. Para efeito de comparação com o direito natural clássico, lembra-se um elenco nuclear do conteúdo do direito natural racional: a) direito de pactuar livremente; b) direito de auto- conservação e liberdade física; c) direito ao trabalho e à propriedade privada; d) direito à defesa da própria vida e dos bens; e) liberdade e igualdade política. Entende-se que os fatos históricos (e econômicos) possibilitaram ao jusnaturalismo racionalista dar o passo decisivo da ideia de direito natural objetivo para a concepção de direitos naturais subjetivos. Este novo prisma trará a inspiração revolucionária e o fundamento teórico das modernas Declarações de Direitos, que trarão em seu bojo os direitos de liberdade, igualdade e propriedade, valores caros à burguesia e ao Estado liberal nascente. Interessante fazer menção, portanto, à obra “Propriedade e liberdade”, pela Richard Pipes busca evidenciar a relação intrínseca entre liberdade e propriedade, partindo da hipótese de que o direito à propriedade privada é condição necessária para que exista liberdade, ainda que não seja suficiente. “Há uma ligação íntima entre garantias públicas de propriedade e liberdade individual: que enquanto a propriedade de certa forma existe sem a liberdade, o contrário é inconcebível” (PIPES). O autor propõe-se a demonstrar tal hipótese examinando a relação entre propriedade e sistemas políticos desde o início da história registrada, em especial os da Rússia e Inglaterra. Enfim, em resumo, em todas as revoluções modernas e nas declarações de direitos está presente a ideia de que o homem e não o Estado está em primeiro lugar, a convicção de que o homem tem direitos naturais, em sentido subjetivo, que limitam a ação do Estado, que devem ser respeitados pelo direito positivo. As primeiras declarações de direito surgirão, todas, como produto legislativo das revoluções francesa e americana. Inspiradas igualmente pelos postulados do jusnaturalismo racionalista tiveram, no entanto, características diversas. Mas, a que momento, então, deve-se o surgimento dos direitos fundamentais¿ Qual o marco jurídico de surgimento de tais direitos¿ “A despeito do dissídio doutrinário sobre a paternidade dos direitos fundamentais, disputadas entre a Declaração do Povo da Virgínia (1776) e a Declaração Francesa (1789), é a primeira que marca a transição dos direitos de liberdade legais para os direitos constitucionais” (SARLET). Isto porque atribui-se a titularidade a todos indivíduos integrantes da sociedade indistintamente. A Declaração resultado do Povo da Virginia, ao lado das outras declarações dos Estados americanos recém-independentes (Pennsyilvania/1776, Massachusetts/1780, etc.), e da Constituição Americana, foram obviamente produto da Revolução Americana de Independência. A independência das treze colônias britânicas da América do Norte era um resultado histórico previsível e inelutável, vez que seu patrimônio cultural, formado desde os primórdios da colonização, punha-se total contraste com os valores sociais e costumes políticos na Inglaterra, ou seja, caracterizava-se pela não reprodução em seu território de uma dinâmica estratificada. Desde o início do século XVII o núcleo colonial que acabou moldando a futura nação norte-americana – a nova Inglaterra - constituiu-se de uma sociedade tipicamente burguesa, como um grupo de cidadãos livres, iguais perante a lei. As duas grandes características culturais da sociedade norte-americana decorreram naturalmente da cidadania igualitária: a defesa das liberdades individuais (principalmente religiosa) e a submissão dos poderes governamentais ao consentimento popular. Isto aliado ao fato da questão do protestantismo (puritanismo) - valorização a riqueza na terra (salvação terrena pelo trabalho). “Na América, é a religião que leva às luzes; é a observância das leis divinas que conduz o homem à liberdade”, existia a combinação maravilhosa do espírito de religião ao espírito de liberdade. Isto era devido, principalmente, a completa separação entre Igreja e Estado” (TOCQUEVILLE:). A democracia política americana nasceu, portanto, da democracia social religiosa. As concepções econômicas que propulsionaram o incentivo ao trabalho capitalista foram: a exploração individual da quase ilimitada extensão de terra desocupada, a doutrina nacionalista de desenvolvimento político, econômico e jurídico, e até mesmo a total ausência das velhas concepções ligadas às relações feudais A independência das 13 colônias britânicas da América do Norte (idealizada por Thomas Paine no escrito “Senso comum”, que, popularizou, ademais a expressão “direitos do homem” em outro escrito) representou ato inaugural da democracia moderna, combinando, sob o regime constitucional a representação popular com a limitação de poderes governamentais e o respeito aos direitos humanos (COMPARATO). A Declaração de Independência/4 de Julho de 1776 (redigida por Benjamim Franklin, Thomas Jefferson, John Adams, Roger Sherman e Robert R. Livingston e, segundo alguns o próprio Thomas Paine) já em seu preâmbulo, previa a defesa dos direitos inalienáveis do homem (vida, liberdade e felicidade) como direitos justificadores da existência dos governos e ditos como auto-evidentes, com a conclusão de que não basta ter poder sem justiça, e não ter poder com qualquer justiça, mas somente poder da justiça advinda do consentimento dos governados. Assim, a sua característica mais notável constituiu-se em ser o primeiro documento a afirmar os princípios democráticos na história política moderna - princípio da nova legitimidade política: a soberania popular. Ou seja, uma nação só está legitimada a auto-afirmar sua independência, porque o povo que a constitui detém o poder político supremo. Princípio que será reafirmado nas declarações de direitos e na Constituição. Declaração de Direitos de Virgínia/1776: O artigo I da declaração do Bom povo da Virgínia constitui o registro de nascimento dos direitos humanos na História. É o reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente vocacionados pela própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos. “Todos os seres humanos são, pela sua natureza igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade não podem por nenhum pacto, privar ou despojar sua posteridade: nomeadamente a fruição da vida e liberdade, como meios de adquirir e possuir a propriedade de bens, bem como de procurar a felicidade e a segurança”. Disposições: 1º e 2 º Parágrafo – reconhecimento direitos inatos e princípios de que o poder emana do povo, 3º parágrafo – reafirma soberania popular, 4º parágrafo – igualdade perante a lei, 5º parágrafo – igualdade condição política, parágrafos8 a 13 – têm por objeto a proteção da liberdade. A Constituição Americana surgiu apenas somente posteriormente em 1787 (Princípio democrático e separação dos poderes), seguidas das demais constituições estaduais, cada qual com sua declaração de direitos. Preâmbulo: "os homens foram criados iguais; com direitos inalienáveis – como à vida, liberdade e felicidade; os governos devem defender esses direitos, porque foram formados pelo consentimento dos governados; o povo pode invocar o direito à insurreição, contra toda forma de governo que atente contra tais direitos, garantias e liberdades". Enquanto a Revolução americana objetivava a Independência das 13 colônias em relação à coroa britânica e estabelecer seu próprio regime político do que em estimular igual movimento em outras colônias européias. Na França, que estava passando por sérios problemas econômicos e sociais - fome, consideravam-se os franceses investidos em uma missão universal de libertação dos povos (COMPARATO). Não foi em vão que o espírito da Revolução Francesa difundiu-se em pouco tempo para a América Latina e outros continentes. Por esta razão, o termo revolução passou a ser usado para indicar uma renovação completa das estruturas sociopolíticas, a instauração do novo não apenas de um governo ou de um regime político, mas de toda uma sociedade, no conjunto das relações de poder que compõem a sua estrutura. O grande problema político do movimento revolucionário francês foi, exatamente o de encontrar outro titular da soberania em substituição à figura do monarca. A classe burguesa resolvia a questão: em lugar do monarca entra em cena uma entidade global - o povo (o Terceiro Estado). Por oportuno, Emmanuel Sieyès, idealizador da revolução, elabora um obra intitulada Qu’est-ce que le tiers état ?" (“Quem é o Terceiro Estado¿”), de modo a legitimar a ascensão do “povo” ao poder político. (o Primeiro Estado: clero, Segundo Estado: nobreza e Terceiro Estado: todos os demais indivíduos - camponeses, burgueses e trabalhadores urbanos. Obtinha a classe burguesa o exercício efetivo e exclusivo do poder político, em nome de todos os cidadãos/ foi a consolidação da civilização burguesa. O emprego da expressão “povo” nas Constituições modernas possui a função de legitimar o sistema político-jurídico de um Estado, é por esta razão que F. Müller ao escrever o livro “Quem é o povo¿ A questão fundamental da democracia” entende ser o termo marcado por uma forte ambiguidade, pois representa por um lado, a superação de um modelo de Estado no qual o exercício do poder se legitimava por razões teológicas e por outro persiste em ser forma de legitimar grupos determinados no poder. Assim, a obra tem por escopo investigar os modos de utilização da palavra “povo” nos textos normativos constitucionais buscando discuti-los não apenas pelo viés do direito positivo, mera definição legal, mas pela dimensão da legitimidade. Por esta razão, principia sua obra fazendo as seguintes indagações: “Por que as Constituições falam de ‘povo’?” (p. 47) “Se uma constituição recorre ao poder constituinte do povo será que ela esta formulando um enunciado sobre a realidade?” (p. 50). Já que em alguns momentos este povo pode representar apenas uma parcela da sociedade ou nada nem ninguém (povo como ícone). A burguesia, já detentora do poder econômico, ascenderia finalmente ao poder político. Discute-se na história o fato de a burguesia ter utilizado os demais Integrantes do Terceiro Estado apenas massa de manobra para chegar ao poder. Seja como for, é fato que a revolução francesa desencadeou o mais rápido movimento de transformação social de todos os tempos. Declaração de direitos do homem e do cidadãos/1789: Representou o atestado de óbito do antigo regime constituído pela monarquia absoluta e pelos privilégios feudais. Foi referência indispensável a todo projeto de constitucionalização dos povos. As liberdades individuais alcançaram nesse primeiro texto revolucionário francês uma definitiva precisão de contornos. No campo penal sobretudo fixou- se claramente o princípio fundamental de que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena que não seja fixada em lei (art. 8). Duas preocupações máximas da burguesia foram rigorosamente atendidas: a garantia da propriedade privada contra expropriações abusiva (atr. 17) e a estrita legalidade da cobrança de tributos (art. 13 e 14) A Declaração é clara ao se pronunciar em favor dos direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem. O alcance universal e a promoção global dos direitos do homem (dos direitos humanos) tornam a Revolução Francesa mais universalista do que a americana. Não foi à toa e nem é um mero detalhe que a elaboração da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão tenha se dado na França, porque este é o espírito jurídico realmente universalista que se encontrava presente na época. Neste sentido, o burguês francês foi mais cosmopolita e de pensamento político mais refinado do que o colono ou o miliciano americano, ainda muito limitado às suas próprias aspirações. No que tange a técnica jurídica utilizada, foi bem diferente em relação aos documentos norte-americanos. Seguindo a tradição inglesa, os norte- americanos deram mais ênfase às garantias judiciais em detrimento à declaração de direitos pura e simplesmente. Já, os franceses quase se limitaram a declarar direitos, sem mencionar os instrumentos judiciais que os garantissem. A revolução francesa vai acabar por impactar todos os escritos de Imannuel Kant (1724-1804), filósofo alemão que via naquela uma tentativa de instaurar o domínio da razão e da liberdade. Todavia, face à violência da Revolução e do novo tipo de autoritarismo que se firmava nas “luzes” da razão, Kant terá reconsiderará seus conceitos políticos. Tenha sido Kant, talvez, o que melhor definidor da “dignidade humana” (“Fundamentação da metafísica dos costumes”). A concepção Kantiana, vinculada a uma compreensão da dignidade como qualidade insubstituível da pessoa humana é a mais expressiva do período, como repúdio de considerações acerca do ser humano que o reduzissem a objeto ou coisa, vez que ele deve ser tido com um fim ele mesmo. “O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas acções, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ter considerado simultaneamente como fim”. Kant traça uma distinção entre as coisas no mundo que têm preço e as que, em contraposição, têm dignidade e vale-se do entendimento de que tudo aquilo que está acima de qualquer preço e sem possibilidade de substituição é dotado de dignidade. Tudo que é digno não permite valoração ou substituição. (Esta noção será resgatada no contexto do pós II Guerra Mundial face aos acontecimentos do holocausto). O advento do Estado Liberal ou Estado Abstenseísta – movimento cujas raízes na Inglaterra remontam a Magna Carta (1215), mas que todavia teve suas bases jurídicas forjadas pelo Bill of Rigths (1689); nos EUA e França, após as revoluções americana e francesa - decorreu da instituição dos direitos de liberdade individual. Porém, as limitações de base do pensamento liberal estavam presentes e claras: -A liberdade negativa será definida no que toca ou alcança ao outro. -Liberdade é poder fazer tudo que não seja definido como crime. -A liberdade é formal: "Todos são iguais perante a lei"; não há igualdade de fato ou igualdade real - econômica. - as diferenças entre plebeus e burgueses são evidentes. O advento dos direitos de cunho liberal não se mostrou suficiente para que a dignidade humana fosse assegurada. A industrialização, marcada pelo signo do laissez faire, laissez passer, acentuou a exploração do homem pelo homem, problemaque o Estado liberal, de característica absenteísta, não tinha como resolver. A sociedade liberal ofereceu ao indivíduo a segurança da legalidade com a garantia de igualdade de todos perante a lei. Mas essa isonomia revelou-se inútil para a legião crescente de trabalhadores, compelidos a se empregarem nas empresas capitalistas. Patrões e operários eram considerados, pela lei, como contratantes perfeitamente iguais em direitos, com inteira liberdade para estipular o salário e as demais condições de trabalho (...) essa isonomia rapidamente mostrou-se como uma “pomposa inutilidade” para a massa operária. (COMPARATO). Assim no centro da discussão está a relação liberdade-igualdade: além de um certo limite a desigualdade nas condições econômico-sociais dissolve a liberdade, mesmo que esta permaneça solenemente garantida e consignada no plano jurídico formal. “Deste lado o escravo, do outro o patrão; ali a riqueza de alguns, aqui a miséria da maioria” (TOCQUEVILE, em uma de suas viagens à Inglaterra/1833) – desigualdade material levada ao extremo e uma substancial escravidão. Num contexto de expansão capitalista decorrente da Revolução Industrial (retratada no livro O Germinal – Zola, que inspirou a produção de filme de mesmo nome), o resultado não poderia ser outro senão a brutal pauperização das massas proletárias. O grande impacto causado pela industrialização, aliado aos graves problemas sociais e econômicos dela decorrentes, bem como ao surgimento das doutrinas socialistas e à constatação de que a consagração formal da liberdade e da igualdade não gerava a garantia de que seriam efetivamente gozadas, resultaram, ainda no decorrer do século XIX, no surgimento de amplos movimentos reivindicatórios e no consequente reconhecimento de direitos que impunham ao Estado um comportamento ativo na busca da realização de justiça social. (SARLET) A Constituição Francesa/1848, retomando o espírito de certas normas das Constituições de 1791 e 1793 (de certa maneira seria reflexo do embate entre Girondinos – alta burguesia e Jacobinos – baixa burguesia que queria uma maior participação popular no governo e professavam mudanças profundas na sociedade que beneficiassem os mais pobres (Robespierre/Saint Just), reconheceu algumas exigências econômicas e sociais. A Constituição francesa de 1848 foi composta de um lado, entre o liberalismo – claramente afirmado com a declaração preambular de redução gradual de despesas públicas e dos impostos – e o socialismo democrático/reivindicação do reconhecimento do direito ao trabalho. Crítica: criou-se uma estrutura jurídica ambígua. Mas seja como for não se pode deixar de assinalar que a instituição de deveres sociais do Estado para com a classe trabalhadora e os necessitados em geral aponta para a criação do que viria a ser o Estado do Bem-Estar Social no século XX. Já na primeira metade do século XIX ocorre a organização da classe trabalhadora, impulsionada pelos desenvolvimentos intelectuais de Karl Marx e F. Engels (“O Capital”, “O Manifesto Comunista”/1848). Marx fará a união da filosofia clássica de Hegel (“direitos materiais”) e a vertente jacobina- rousseauniana da Revolução Francesa. Para Marx, abaixo de um nível mínimo de renda a liberdade deixa de existir concretamente, ou seja, a construção da liberdade é indissolúvel da construção de um mínimo de igualdade. Segundo o pensamento de Marx, num primeiro momento seriam instalados o controle do Estado através da ditadura do proletariado e a socialização de todos os meios de produção, não existindo mais a propriedade privada. O objetivo final desta revolução seria o comunismo, que representaria o fim de todas as desigualdades sociais e econômicas. Em toda parte do globo ecoava as ideias de igualdade pregada pelo socialismo de Marx. Revoluções socialistas - Revolução Russa (1917). A Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, redigida no âmbito da Revolução russa de 1917 e promulgada no dia 03 de janeiro de 1918 introduziu três novidades que, em sua substância, não aderiram tanto ao constitucionalismo ocidental de então quanto àquele que se seguiu, marcado pelo que se convencionou denominar “economia de mercado”: a) declarou abolida a propriedade privada e a possibilidade de exploração do trabalho assalariado (Capítulo II), rompendo com as anteriores constituições e declarações de direitos que garantiam a propriedade privada como elemento central; b) estabeleceu um tratamento diferenciado para os titulares de direitos de acordo com a classe social, promovendo uma restrição às prerrogativas dos integrantes da burguesia; c) estabeleceu o trabalho como dever obrigatório para todos. Essas inovações foram ratificadas pela Constituição soviética de 10 de julho de 1918, que introduziu uma série de direitos sociais (DIMOULIS) Mas a plena afirmação desses novos direitos (sociais) – direitos prestacionais - só veio a ocorrer no século XX com a Constituição mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919. A CF Mexicana foi a primeira a atribuir direitos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais, juntamente com as liberdades individuais e os direitos políticos: limitação jornada de trabalho, desemprego, proteção da maternidade, idade mínima de admissão de empregados nas fábricas e o trabalho noturno dos menores nas indústrias. Ela afirmou o princípio da igualdade de posição jurídica entre trabalhadores e empresários da relação contratual de trabalho, criou a responsabilidade dos empregados por acidente do trabalho e lançou, de modo geral, as bases para a construção do moderno Estado Social de Direito. Deslegitimou, com isso as práticas de exploração mercantil do trabalho. E, portanto, da pessoa humana cuja justificativa se procurava fazer, abusivamente sob a invocação da liberdade de contratar. Aboliu o caráter absoluto e sagrado da propriedade privada, submetendo o seu uso, incondicionalmente ao bem público, ao interesse do povo, criando com isso o fundamento jurídico para a reforma agrária. A Constituição Alemã/1919, por sua vez, institui a primeira república alemã, surge como um produto da grande guerra de 1914-1918. O Estado da democracia social, cujas linhas-mestras já haviam sido traçadas pela Constituição Mexicana adquiriu na Alemanha uma estrutura mais elaborada. Foi sem dúvida pelo conjunto das disposições sobre a educação pública e o direito trabalhista que ela organizou bases da democracia social – atribui-se ao Estado o dever fundamental de educação escolar. Ela representa a ascensão do Estado Social A educação fundamental foi estabelecida com a duração de oito anos e a educação complementar até os dezoito anos de idade; a função social da propriedade foi marcada. Tal como a Mexicana os direitos trabalhistas e previdenciários são elevados ao nível constitucional de direitos fundamentais. Neste conjunto de normas duas devem ser ressaltadas: art. 162 que coloca a preocupação com os padrões mínimos de regulação internacional do trabalho assalariado, tendo em vista a criação de um mercado internacional de trabalho; art. 163, é claramente assentado o direito ao trabalho – ele implica o dever do Estado de desenvolver a política de pleno emprego; art. 165 – instituiu a participação de empregados e empregadores na regulação estatal da economia. As constituições a partir de então passaram a agregar aos direitos individuais um rol direitos sociais, vinculando inclusive o direito de propriedade à função social desta. Também em 1919 surge a OIT (Organização Mundial do Trabalho) – agência multilateral hoje ligada à ONU, especializada nas questões do trabalho. Surge após a assinatura do Tratado de Versalhes que deu fim à primeira guerra mundial. A ideia de uma legislação trabalhista internacional surgiu como resultado das reflexões éticas e econômicas sobre o custo humano da revolução industrial. Surge nocontexto da primeira fase da internacionalização dos direitos humanos, iniciado na segunda metade do século XIX e findo com a segunda Guerra mundial, manifestando-se basicamente em três setores: a) a regulação dos direitos do trabalhador assalariado, como já visto; b) o direito humanitário e, c) a luta contra a escravidão. No campo do chamado direito humanitário, que compreende o conjunto das leis e costumes de guerra visando a minorar o sofrimento de soldados prisioneiros, doente e feridos, bem como as populações civis atingidas por um conflito bélico. A Convenção de Genebra de 1864 inaugura o chamado direito humanitário, em matéria de direito internacional – Convenção assinada unicamente por potências européias, e destinada a melhorar a sorte dos militares feridos nos exércitos em campanha”, originou-se dos esforços de uma comissão que veio a se transformar na Comissão Internacional da Cruz Vermelha. O chamado direito humanitário cujo embrião foi a convenção de 1864 constituiu-se no curso do século XX em dois ramos distintos, cuja distinção tornou-se praticamente inexistente no século XX. De um lado o conjunto de normas internacionais destinadas a delimitar o recurso a determinados métodos ou meios de combate durante as hostilidades armadas; o segundo formado pelas normas internacionais que têm por fim proteger as vítimas de conflitos bélicos. A Convenção de Genebra de 1929 refundiu e desenvolveu o conjunto das normas de proteção aos prisioneiros de guerra, assentadas na Convenção de 1864 e na Convenção de Haia de 1907. Trata-se de documento normativo extenso e minucioso contendo noventa e sete artigos e um anexo, regulando a captura. Cativeiro, a organização dos campos de prisioneiros, o trabalho dos prisioneiros de guerra, suas relações, com o mundo exterior bem como entre si e com as autoridades, o fim do cativeiro, a morte dos cativos, os escritórios de ajuda e informação e a aplicação de suas disposições ao pessoal civil que acompanha as forças armadas sem delas fazer parte. A escravidão foi sem dúvida a principal fragilização do continente africano, não só em matéria econômica, mas sobretudo no campo social. No entanto a repressão ao tráfico de escravos teve início somente no século XIX. No que se refere à luta contra a escravatura, as primeiras regras interestatais de repressão ao tráfico de escravos africanos foram colocadas pelo Ato Geral da Conferência de Bruxelas de 1890 que foi seguida da Convenção/1926 no seio da Liga das Nações. Bibliografia Base: 1) A afirmação histórica dos direitos humanos – Fábio Konder Comparato 2) E eficácia dos direitos fundamentais - Ingo Wolfgang Sarlet 3) A Era dos direitos – Norberto Bobbio 4) A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt – Celso Lafer 5) Teoria geral dos direitos fundamentais – Dimitri Dimoulis; Leonardo Martins. Leitura complementar: a) A concepção tomista de pessoa (Daniela Paes Moreira Samaniego); b) A teoria da pessoa em Santo Tomás de Aquino como formatadora dos direitos humanos (Antonio Aldegir de Oliveira Almeida) c) A dignidade humana em Giovanni Pico Della Mirandola (Bruni Amaro Lacerda); d) Jusnaturalismo clássico e junsaturalismo racionalista (Adelângela de Arruda Moura Steudel); e) Teorias da lei natural: Pufendorf e Rousseau (Luiz Felipe Netto de Andrade Silva Sahd); f) Locke: entre os direitos humanos naturais e universais (Fabio Alves Gomes de Oliveira e Jacqueline de Souza Gomes); g) Um breve olhar do pensamento de Rousseau acerca do Estado (Vanessa Faustino e Nivaldo Machado); h) Kant e a Revolução Francesa (Henri d´Aviau de Ternay); i) Kant. Entusiasmo e revolução (Ricardo R. Terra); j) Thomas Paine e a Revolução Americana (Juliana Mattos, Raíssa Freitas e Rayssa Ramos); k) Thomas Paine revisitado (Modesto Florenzano); l) Marx, a tradição liberal e a construção histórica do conceito universal de homem (Domenico Losurdo). Documentários: a) A Revolução Francesa: http://www.youtube.com/watch?v=xpiAQRqVZtQ ou http://www.youtube.com/watch?v=Gcub1hOFIcg b) Eles se atreveram – A revolução Russa (http://www.youtube.com/watch?v=OTHsAeo66a0) O filme “Eles se atreveram” narra a história da maior revolução de todos os tempos, que despertou as esperanças dos oprimidos do mundo inteiro e abriu o caminho às revoluções do século XX. Alguns Filmes: a) Danton - O processo da Revolução: Na primavera de 1794, Danton (Gérard Depardieu) retorna a Paris e constata que o Comitê de Segurança, sob a incitação de Robespierre (Wojciech Pszoniak), inicia várias execuções em massa. O povo, que já passava fome, agora vive um medo constante, pois qualquer coisa que desagrade o poder é considerado um ato contra-revolucionário. Nem mesmo Danton, um dos líderes da Revolução Francesa, deixa de ser acusado. Os mesmos revolucionários que promulgaram a Declaração de Direitos do Homem implantaram agora um regime onde o terror impera. Confiando no apoio popular, Danton entra em choque com Robespierre, seu antigo aliado, que detém o poder. O resultado deste confronto é que Danton acaba sendo levado a julgamento, onde a liberdade, a igualdade e a fraternidade foram facilmente esquecidas. b) Os miseráveis: Inspirado em clássica obra do escritor Victor Hugo. A história se passa em plena Revolução Francesa do século XIX. Jean Valjean rouba um pão para alimentar a irmã mais nova e acaba sendo preso por isso. Solto tempos depois, ele tentará recomeçar sua vida e se redimir. c) O germinal (http://www.youtube.com/watch?v=vzVSlxWyxdc): Inspirado em clássica obra de Emile Zola, o filme retrata o processo de gestação e maturação de movimentos grevistas e de uma atitude mais ofensiva por parte dos trabalhadores das minas de carvão do século 19 na França em relação à exploração de seus patrões.
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