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METODOLOGIA DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NOS ANOS INICIAIS Jozilda Fogaça 2ª Edição | 2022 METODOLOGIA DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NOS ANOS INICIAIS 3 APRESENTANDO O AUTOR JOZILDA FOGAÇA Sou professora de alma e de formação. Sou pedagoga, psicopedagoga e mestre em Inclusão Social e Acessibilidade. Aprendi a ser professora concomitante a ser alfabetizadora. Trabalhei com crianças com deficiência. Na universidade, reaprendi a docência no curso de Pedagogia. Andarilhei por projetos de extensão com grupos em vulnerabilidade: crianças, indígenas e pessoas em situação de rua. Fiz uma inserção no PIBID, estive à frente do curso de especialização em Psicopedagogia e do Núcleo de Acessibilidade e Permanência. Hoje sou doutoranda da Universidade de Coimbra. 4 SINOPSE O texto que segue quer convidar o leitor a criar um espaço de imersão nos processos de construção da leitura e da escrita. Inicialmente, o texto será um exercício de revisitar conceitos e a perspectiva histórica da alfabetização e do letramento. A partir do contexto histórico, iremos lançar um olhar especificamente sobre os fundamentos teóricos, epistemológicos e metodológicos que regem a alfabetização. Irrigados por um lastro teórico, numa perspectiva interacionista, iremos nos aventurar a pensar e analisar a produção de materiais didáticos para alfabetizar, buscando compreender que a intervenção e avaliação vão depender da compreensão que o professor tem dos processos que a criança vive ao reinventar a escrita. 5 Metodologia de alfabetização e letramento nos anos iniciais | Jozilda Fogaça 1 Alfabetização e Letramento: Fundamentos Teóricos, Epistemológicos e Metodológicos Os homens da pré-história faziam desenhos nas paredes das cavernas. Desenhavam o que estava a sua volta: animais, homens, arcos, flechas. Aos poucos as figuras evoluíram e se transformaram em símbolos. Surgiram, então, os ideogramas. Há mais de 5 mil anos, os egípcios já possuíam os hieróglifos (um sistema de escrita). Há também os ideogramas chineses que são usados até hoje em numerosos países. O primeiro alfabeto foi criado pelos fenícios no século XII a.C. Mais tarde, os gregos introduziram as letras vogais e seu sistema deu origem a diversos outros alfabetos. O alfabeto grego, com 24 letras, é utilizado apenas na Grécia, embora suas letras sejam usadas internacionalmente em trabalhos científicos. Algumas línguas são escritas em mais de um alfabeto, como o servo-croata (Iugoslávia). Os japoneses e os coreanos utilizam 2 sistemas combinados: um ideográfico e um fonético (cada letra representa uma sílaba). O alfabeto mais usado atualmente é o romano, composto de 26 letras. Nele cada letra representa um determinado som, mas é necessário combinar as letras para se obter a reprodução dos sons usados na língua falada. Tudo começou nas paredes de uma caverna. Desde então o homem evoluiu, o que capacitou você a ler este texto. A capacidade de escrever com intenção de comunicar uma ideia conduziu à necessidade de ensinar os princípios da língua escrita. Para isso, criaram-se os métodos de alfabetização, ou seja, maneiras para garantir o sucesso da aprendizagem da leitura e da escrita. Vagamos à procura do “melhor método”. Existem dois grandes grupos que se definem em método sintético e método analítico. O primeiro desdobra-se em alfabéticos, silábicos e fonéticos, compreendendo que a alfabetização deve partir de segmentos menores da fala (fonema, sílaba e letra) para chegar à palavra e depois ao texto. Nessa perspectiva metodológica, as estratégias de aprendizagem estão vinculadas à repetição e à memorização, primando pelo treinamento auditivo e visual para uma posterior associação do som com seu sinal gráfico. Observa-se, nesse método, uma prática empirista e associacionista. O segundo, método analítico, evoca o inverso do método sintético, ou seja, parte do texto, da palavra para os segmentos menores (fonemas, letras e sílabas), que, de alguma forma, tornam a aprendizagem mais significativa, contudo fragmentam a construção da leitura e da escrita em etapas lineares. Segundo Moll (2011, p. 56): 6 Metodologia de alfabetização e letramento nos anos iniciais | Jozilda Fogaça Do ponto de vista pedagógico, apesar de reconhecermos o avanço dos métodos analíticos em relação aos sintéticos, a preocupação “obsessiva” de grande parte dos educadores com a escolha de um método/processo de ensino da língua escrita tem esvaziado seu conteúdo enquanto objeto sociocultural, ao mesmo tempo que tem ignorado a realidade contextual dos alunos. A busca incansável pelo método nada mais é do que a representação da episteme que rege a prática do professor alfabetizador. Por isso, é importante que o professor busque compreender como os sujeitos se apropriam do conhecimento. Responder a essa questão é fundamental, porque toda prática educativa é expressão de uma teoria de conhecimento, quer ela seja consciente, quer não seja por parte do educador. Assim, é preciso examinar as tendências epistemológicas vinculadas às implicações que se apresentam na prática pedagógica. Para Ferreiro (1987, p. 31): Nenhuma prática pedagógica é neutra. Todas estão apoiadas em certo modo de conceber o processo de aprendizagem. São provavelmente essas práticas (mais do que os métodos em si) que têm efeitos mais duráveis, a longo prazo, no domínio da língua escrita como em todos os outros domínios. Conforme se coloque a relação entre sujeito e objeto de conhecimento e conforme se caracterize a ambos, certas práticas aparecerão como normais ou aberrantes. Portanto, é preciso e urgente superar as discussões no entorno dos métodos de ensino, introduzindo nessa polêmica a questão: como as crianças aprendem a ler e a escrever? 7 Metodologia de alfabetização e letramento nos anos iniciais | Jozilda Fogaça 2. Alfabetização: Processos de Construção da Linguagem Escrita Repensar as formas de ensinar, para Emília Ferreiro, não bastava para dar conta de responder a como as crianças aprendem a escrever. Em suas palavras: “A minha contribuição foi encontrar uma explicação segundo a qual por trás da mão que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam, há uma criança que pensa.” (FERREIRO, 1985, p. 14). Emília Ferreiro não foi autora de um método de alfabetizar, como pesquisadora, sempre definiu sua investigação como teoria que perpetuou seus estudos na construção da linguagem escrita na criança. Ela (1988) sustenta que, ao tomar contato com os sistemas de escrita, a criança, por meio de processos mentais, praticamente reinventa esses sistemas, realizando um trabalho concomitante de compreensão da construção e de suas regras de produção/ decodificação. Esse caminho caracteriza-se por ser um processo cognitivo, em que a criança elabora um grande número de hipóteses e vai confrontando-as num movimento de interação entre seu saber e aquele apresentado na escrita convencional. 3. Das Hipóteses à Intervenção: Propostas Práticas 3.1 Pré-Silábico: Quantas Letras Cabem em uma Palavra? Esta é a fase em que a escrita reproduz letras e traços conhecidos. Neste nível, é comum que o alfabetizando, ao escrever, utilize letras do seu nome em outras palavras e/ou as vogais mais “conhecidas”; as letras são colocadas ao acaso, misturadas com rabiscos, desenhos, números e grafias que não sejam conhecidas. Escrever corresponde a reproduzir traços aleatórios. Assim, o alfabetizando escreve, rabisca, desenha e, no momento de ler o que escreveu, expressa aquilo que desejaria ter escrito. Na fase inicial do nível pré-silábico, para algo ser lido, deve ter letras que acompanham um desenho e essas letras estão relacionadas com o próprio desenho que as acompanha. Aos poucos, o alfabetizando começa a desestruturar as hipóteses anteriormente construídas, ele se dá conta de que o que escreveu não precisa necessariamente estar acompanhado de desenho para que tenha significado e possa ser lido. Na hipótese pré- silábica,a criança pode pensar a escrita de diferentes formas: 8 Metodologia de alfabetização e letramento nos anos iniciais | Jozilda Fogaça Nível Pré-Silábico 1 Neste nível não existe distinção entre desenho e escrita. A criança escreve por meio de desenhos, não usa nenhum tipo de letra ou sinal gráfico. Nível Intermediário 1 A criança utiliza letras ou sinais gráficos para escrever, sempre junto com o desenho. Nível Pré-Silábico 2 A criança utiliza letras para escrever ou sinais gráficos, mas sem nenhuma correspondência oral. Intermediário 2 A criança começa a se dar conta da letra inicial ou final da palavra, geralmente utiliza as consoantes ou vogais da palavra que escreve. Nas escritas dos alunos neste nível, observa-se a ideia de uma quantidade mínima de letras, geralmente 3, e de variedade interna, em que uma palavra não pode ser escrita com uma única letra. Também há diferenciação externa, ou seja, a exigência de não repetir a mesma sequência para duas palavras diferentes. Neste momento, o alfabetizando não estabelece nenhuma ordem específica para a disposição das letras. Aspectos como diversidade de letras, número mínimo de letras para se ler a palavra e relação entre a palavra e o desenho estão presentes no diálogo apresentado. O conjunto dessas hipóteses demonstra o processo intenso de pensamento sobre a produção escrita desde a sua origem. Nesse sentido, a aprendizagem que o sujeito constrói é radicalmente diferente das propostas tradicionais que consideram a alfabetização uma repetição mecânica e limitada de palavras e letras, rigidamente ordenadas. No processo de troca de informações, por meio de várias estratégias, o alfabetizando se aproxima do conjunto de letras convencionadas historicamente usado para representação escrita de nossa língua. Começa a se estabelecer, então, o conflito das relações entre a pronúncia e a escrita. 9 Metodologia de alfabetização e letramento nos anos iniciais | Jozilda Fogaça Para que o alfabetizando avance nesse conflito, é necessário que: 1. Conheça as letras e o valor sonoro delas; 2. Vincule a fala à escrita; 3. Reconheça que o papel das letras é representar de forma escrita aquilo que se expressa pela fala; 4. Perceba que uma palavra é sempre escrita da mesma forma. O educador deve então: Criar um ambiente alfabetizador, rico em materiais e atos de leitura e escrita, e isso deve ser uma prática constante, dinâmica, atualizada, de forma que o espaço de alfabetização se torne agradável e significativo para o alfabetizando. É importante também que o alfabetizando tenha contato com todas as letras – trabalhar com o alfabeto –, com palavras e textos significativos. É no contato enquanto interação do aluno com o texto na totalidade (textos inteiros) e na diversidade (vários textos) que ele vai desenvolvendo segurança e percebendo a importância de escrever e ler, afinal, aquilo que escreve será lido por alguém e terá significado. Neste nível da escrita, o educador deve ter o cuidado de não reforçar a leitura de sílabas isoladas, como acontece com os ba, be, bi, bo ,bu, da alfabetização tradicional, pois, para o aluno, uma sílaba solta não significa nada, é importante trabalhar com a palavra na sua totalidade. A palavra com a qual vai se trabalhar deve ser contextualizada, deve fazer parte de um texto ou do universo vocabular do aluno. A análise detalhada da palavra, desde a quantidade de letras, letra inicial e final, ordem em que aparece na palavra, tamanho e posição das letras na palavra, possibilita ao alfabetizando se apropriar de escritas e leituras de diferentes palavras e avançar na alfabetização. No confronto dessas hipóteses, é que se estrutura a escrita da próxima fase. A partir daí surge o que Emília Ferreiro e Ana Teberosky chamam de hipótese silábica. 10 Metodologia de alfabetização e letramento nos anos iniciais | Jozilda Fogaça 3.2 Nível Silábico: Quantas Letras A Boca Precisa Falar Para Escrever Uma Palavra? Este nível é caracterizado pela tentativa de dar valor sonoro a cada uma das letras que compõem uma escrita. Nessa tentativa, o alfabetizando passa por um período de grande importância evolutiva: é a hipótese de que cada letra corresponde a uma sílaba. A característica marcante deste nível é a correspondência quantitativa entre a pronúncia oral das palavras e dos sinais gráficos. Nesse sentido, cada vez que se abre a boca para pronunciar as palavras, cada sílaba oral é escrita com uma letra. Todavia, o alfabetizando, ao escrever uma frase, pode colocar uma letra para cada palavra, ao invés de uma letra para cada sílaba. Isso revela que ele identifica a palavra como tal na frase. Neste nível, o alfabetizando ora associa letra oral à sílaba oral, ora a várias sílabas orais, tantas quantas constituam uma palavra na frase. É nesta etapa do processo que acontece o conflito entre o controle silábico e a quantidade mínima de letras e a escrita. O alfabetizando nesse momento enxerga a prevalência desta hipótese sobre a quantidade mínima de letras, ou seja, supera a hipótese de que a escrita se refere somente à junção de letras para escrever palavras ou frases. Como cada sílaba é representada por um sinal gráfico, nesta etapa as palavras são escritas com menos letras, havendo um salto qualitativo com respeito aos níveis anteriores. O alfabetizando, ao estabelecer essa associação, vive um período de segurança com suas descobertas da escrita alfabética. Essa é uma hipótese falsa, mas necessária, pois o alfabetizando ao escrever fortalece a sua capacidade de explicar a escrita, o que lhe prepara para enfrentar os novos conflitos, que exigirão a reformulação de suas hipóteses para passar para a alfabética. Nesse momento, a intervenção do alfabetizador, bem como as referências do mundo escrito, o desafiam para que enxergue as contradições da sua hipótese e busque soluções. Por exemplo: 0000 = ma-ri-po-as 00 = ti-gre 000 – ja-ne-la 11 Metodologia de alfabetização e letramento nos anos iniciais | Jozilda Fogaça Quais são as letras que se usam para representar as vogais? Naturalmente as crianças quase sempre escolhem as vogais. Apesar de nunca terem visto uma palavra, elas escrevem assim: AlOA= ma-ri-po-as IE = ti - gre AEA= ja-ne-la O problema dos monossílabos. Como escrever sol? Pela lógica seria escrever apenas o O. Mas isso é muito difícil de aceitar quando se está convencido de que se necessita de mais de uma letra para escrever uma palavra. É um conflito cognitivo autêntico. Então, a criança usa algumas alternativas que possam dar conta de seu conflito, tais como: OO = duplicar a vogal para evitar uma letra solitária, que fere sua hipótese de escrita, ou ainda OL ou SO. Palavras com todas as letras iguais? BATATA, AAA? Isso para a criança em hipótese silábica não pode ser Iido, porque todas as letras são iguais. Palavras diferentes são escritas de mesma maneira? Como é possível que SUCO (U O) seja igual a TUBO (U O). Isso ofende o intelecto infantil e leva as crianças a pensar que é preciso usar outros critérios. Para Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1987), a hipótese silábica é uma construção original do alfabetizando, que não pode ser atribuída a uma transmissão por parte do professor. É importante ressaltar que leitura e escrita não caminham necessariamente juntas, passo a passo, pois o alfabetizando pode se encontrar em um nível na leitura e em outro na escrita, no mesmo momento. Nesse sentido, podemos encontrar alfabetizandos pré- silábicos na leitura, que leem globalmente textos, sem nenhuma segmentação, e que ao mesmo tempo estão silábicos na escrita, associando uma sílaba oral para cada letra. Também é possível encontrar silábicos na escrita e que estão alfabéticos na leitura, ou pode acontecer ainda de estar silábico na leitura e pré-silábico ou alfabético na escrita. Para que o alfabetizando avance nesse nível, é necessário que ele perceba que o que escreve os outros não leem; perceba também que aquilo que eleescreve nem ele mesmo consegue ler; conheça as letras e o valor sonoro delas. O educador deve, então, destacar a análise da primeira letra no contexto da primeira sílaba, provocando dúvidas sobre o número de letras necessárias para formar a sílaba. Nesse nível, o educador deve desenvolver atividades que possibilitem que o alfabetizando prossiga no estudo das formas e das posições das letras, lembrando que esse estudo já vem acontecendo desde o Nível Pré-silábico. 12 Metodologia de alfabetização e letramento nos anos iniciais | Jozilda Fogaça O trabalho do educador deve ainda propiciar que o alfabetizando se dê conta de que cada som não é representado necessariamente com uma única letra, mas que os vários sons na sílaba oral precisam ser representados por uma, duas ou mais letras. O educador deve criar espaços para que o aluno escreva sílabas sem caracterizar tal escrita como “errada”, deve também propor situações para que o alfabetizando perceba que não é suficiente uma letra para cada sílaba, deve questionar as produções para que o aluno crie outras hipóteses sobre a forma de se escrever. Isso pode ser feito por meio da leitura de poesias, letras de músicas e receitas, pesquisando palavras e frases no texto. Para o aluno que está na hipótese silábica, na busca de palavras é que vai percebendo que elas possuem mais letras do que imaginava. Nesse conflito, a hipótese de escrita se modifica, ampliando para o nível silábico alfabético. 3.3 Silábico Alfabético: Quantos Sons Cabem em uma Sílaba? Este é o nível em que o alfabetizando começa a perceber que é necessário escrever mais de uma letra para formar uma sílaba. Porém, ainda não está suficientemente seguro sobre a forma de escrever a sílaba, nem conhece todas as sílabas, demonstrando muitas dúvidas. Assim, é comum trocar as letras ao escrever. Quando o aluno escreve bI e diz que escreveu bolo, mas os outros leem apenas bl, ele compara isso com a escrita convencional, de modo que vai percebendo que escrever uma letra para cada sílaba não é suficiente. O aluno passa, então, a colocar mais letras nas palavras, surgindo escritas como: XOCOLATE CAZA CAXORO EZAME OJE No entanto, aparecem novos problemas de escrita: S/Z, J/G, H, maiúsculas ou minúsculas, a separação de palavras, incluindo os acentos. Ao escrever assim, o aluno estará omitindo letras? Não! Na verdade, ele coloca mais letras do que colocava quando escrevia de forma silábica. Já aconteceu um avanço em relação à escrita anterior, pois estará estabelecendo uma relação mais coerente entre a escrita e a leitura. 13 Metodologia de alfabetização e letramento nos anos iniciais | Jozilda Fogaça Tal qual o nível silábico, para que a criança avance nesse nível, é necessário que perceba que o que ele escreve os outros não leem; perceba também que aquilo que ele escreve nem ele mesmo consegue ler; conheça as letras e o valor sonoro delas. Nessa fase, a hipótese se complexifica, pois a criança começa a perceber o valor sonoro de cada letra, chegando à hipótese alfabética. 3.4 Nível Alfabético: Desmistificando O Mistério dos Sons e das Letras Neste nível, o alfabetizando percebe que para cada letra há um som correspondente e para cada grafia há um fonema. Isso caracteriza o que denominamos de fonetização da grafia. O aluno passa a compreender que uma sílaba pode ter 1, 2 ou 3 letras. Escrever dessa forma significa relacionar o som com as sílabas, com as palavras que escreve e faz uma análise sonora dos fonemas. Para escrever vida, por exemplo, o aluno pronuncia a palavra e percebe que a quantidade do som de vi e de da é menor do que as sílabas que escreveu ou pensa que devem ser escritas. Assim, ele se dá conta de que precisa de mais letras para representar as sílabas. Todavia, a fonetização das sílabas é construída de forma processual. O aluno começa a escrever alfabeticamente algumas sílabas e, para a escrita de outras, permanece silábico. Às vezes há razões lógicas para esse comportamento, uma delas é porque certas letras, pelo seu nome, podem ser consideradas uma sílaba completa, como ge em gelo, quando escreve GLO. Essa escrita parcialmente alfabética é uma etapa do Nível Alfabético, no sentido que mistura os dois tipos de concepções, mas elas já fazem parte dele, pois a entrada em um nível significa a superação básica das concepções do nível anterior, o que aconteceu para quem fonetiza uma sílaba. Nesse momento, o aluno apresenta dificuldade na separação das palavras. Ora emenda as palavras, ora divide em duas ou três partes. Essa dificuldade se dá porque o aluno dá ênfase à fonetização da sílaba, concentrando-se no entendimento dela, situação na qual as palavras tendem a desaparecer como um todo. É importante lembrar que a compreensão de sílabas mais complexas é fruto de esforços lógicos de raciocínio e não da fixação mecânica por repetição. Ao chegar a este nível, o alfabetizando já superou a barreira do código, compreendeu que a cada um dos caracteres da escrita correspondem valores sonoros menores que a sílaba, realizando sistematicamente uma análise dos fonemas das palavras que vai escrever mesmo que todas as dificuldades não tenham sido superadas. A partir desse momento, o alfabetizando se defronta com todas as dificuldades da própria ortografia, pois escreverá da forma como fala, mas isso será superado por 14 Metodologia de alfabetização e letramento nos anos iniciais | Jozilda Fogaça meio de situações que favoreçam a aprendizagem: muita leitura e muita escrita. O alfabetizando não terá problemas de escrita no sentido restrito, suas dificuldades serão na ortografia, ou seja, na forma convencional de escrever as palavras. Dessa maneira, é comum escrever, por exemplo: • MEDICU (médico) • TABAIO (trabalho) • CAZA (casa) • OJE (hoje) • LOGE (longe) Enfim, o alfabetizando, no processo de alfabetização, reconstrói a língua escrita. Vai se apropriando desse objeto de conhecimento, por meio da construção de hipóteses cada vez mais complexas em direção à hipótese alfabética da língua escrita. Vai aprendendo a língua escrita mediante conflitos que se estabelecem em relação a ela. O nível desses conflitos e o tempo no qual ocorrem estão vinculados às exigências e às possibilidades do contexto sociopedagógico em que o sujeito se insere. Para que o aluno avance nesse nível, é necessário que conheça a forma das letras e seu respectivo valor sonoro; faça a microvinculação interna das letras nas sílabas; avance na compreensão das convenções específicas da língua escrita: separação entre as palavras/pontuação, uso de maiúsculas e minúsculas; avance na ortografia. O educador, por sua vez, deve promover atividades de produção e leitura de textos nas quais o alfabetizando reconheça palavras, frases e letras no texto. É importante aprofundar cada vez mais o estudo das sílabas constituídas nas palavras, ora trabalhando a primeira, ora a última, ora as sílabas intermediárias. São situações em que o alfabetizando é desafiado a fazer a análise do número de letras em todas as suas sílabas; a montagem de palavras por meio de sílabas; a classificação das palavras de acordo com o número de sílabas; e a classificação de sílabas de acordo com o número de letras. Tudo isso vai contribuir para que ele avance cada vez mais na construção de uma escrita ortográfica e convencional, que fará com que o aluno passe de alfabetizando a sujeito letrado. 15 Metodologia de alfabetização e letramento nos anos iniciais | Jozilda Fogaça 4 Avaliação na Língua Escrita Alfabetizar é um processo de construção do conhecimento. A abordagem epistemológica construtivista, que compreende o conhecimento como resultado da interação (interacionismo), acompanhada da descoberta da psicogênese da língua escrita, exige uma postura docente no inverso do empirismo, que, por sua vez, afirma que o conhecimento se dá de forma vertical, situação na qual o aluno é tão somente receptor. Ou seja, a compreensão do processode aprendizagem da língua escrita nos remete a pensar e, consequentemente, a redefinir o que a escola considera como erro na alfabetização e nas aprendizagens em geral: o erro passa a ser olhado como construtivo, ou melhor, como hipóteses necessárias à construção da conceitualização da escrita. Nessa perspectiva, não é possível levar em consideração unicamente o resultado, pois resultados semelhantes podem ser produzidos por diferentes processos, assim como processos semelhantes podem levar a produtos diversos. Quando um alfabetizando, ao escrever a palavra boneca escreve: b n c, provavelmente estará supondo que, para cada sílaba pronunciada, escreve-se uma letra. Numa alfabetização tradicional, o aluno receberia por parte da professora uma “marca”, assinalando que a palavra foi escrita de forma errada. Numa proposta construtiva, esse “erro” será o indicador da hipótese que o aluno formulou para escrever a palavra boneca. Esse tipo de “erro”, na psicogênese, é considerado um erro construtivo, pois indica a hipótese do aluno sobre a escrita. O educador, ao considerar e problematizar essa forma de escrever, possibilitará que o aluno formule novas hipóteses sobre como se escreve, chegando, por meio da problematização do professor, à hipótese correta sobre a escrita. Portanto, o processo de avaliação não pode ser diferente. A avaliação deve auxiliar o educando a vivenciar uma aprendizagem significativa. Ao invés de assinalar erros ou atribuir conceitos e notas, o professor alfabetizador deve realizar o acompanhamento sistemático das hipóteses das crianças acerca da escrita, por meio de registros individuais que possam servir de documento que expresse o crescimento do aluno em relação a ele mesmo. Fazer uso de tabelas individuais, nas quais estejam elencadas as habilidades que devem ser desenvolvidas, usando os Planos de Estudos da escola, ou a própria BNCC (2018) como referência, é um ótimo instrumento de registro que será usado para a construção do parecer indicativo do crescimento do aluno em seu processo de construção da escrita. Avaliar é fazer perguntas ao aluno para aprender com ele e sobre ele. 16 Metodologia de alfabetização e letramento nos anos iniciais | Jozilda Fogaça Encerramos essa imersão nos processos da construção da escrita tomando emprestado as palavras de Soares (1998, p. 24): Um adulto pode ser analfabeto, marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros leem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva, [...] se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita. Portanto, letramento é saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente. Resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita. 17 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: BNCC. Disponível em: http://gg.gg/ksg45. Acesso em: 06 jul. 2020. FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. 4. ed. Porto Alegre, Artes Médicas: 1991. FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. 2. ed. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1992. FERREIRO, E. et al. Los adultos no-alfabetizados y sus conceptualizaciones del sistema de escritura. Cuadernos de Investigaciones Educativas, n. 10, México, 1993. MOLL, Jaqueline. Alfabetização Possível: reinventando o ensinar e o aprender. Porto Alegre: Mediação, 2011. SOARES, M. B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. Av. Victor Barreto, 2288 | Canoas - RS CEP: 92010-000 eadproducao@unilasalle.edu.br