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GESTÃO AMBIENTAL Vanessa de Souza Machado OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Definir as relações existentes entre saúde e meio ambiente. > Exemplificar problemas de saúde decorrentes de desequilíbrio ambiental. > Identificar o impacto da qualidade da água e do ar na saúde humana. Introdução Se a saúde é um estado de equilíbrio que decorre do funcionamento harmonioso de todos os sistemas corporais, a doença é um estado em que algumas das funções normais do corpo humano encontram-se prejudicadas. Infelizmente, as ações humanas sobre o ambiente vêm causando um enorme desequilíbrio ambiental e, como consequência, inúmeras doenças, tanto na população humana como no próprio ambiente. Neste capítulo, você estudará a relação entre saúde e meio ambiente e os problemas de saúde decorrentes do desequilíbrio ambiental. Além disso, você verá diferentes ações antrópicas que ocasionam alterações físicas, químicas e biológicas no solo, na água e no ar e os principais impactos dessa contaminação na saúde humana. Saúde e meio ambiente Ronei Tiago Stein Relação entre saúde e meio ambiente O ambiente está passando por constantes alterações e com o passar do tempo as espécies (animais, vegetais, microrganismos) evoluem. Quando falamos de evolução, estamos falando do processo pelo qual os seres vivos se transformam no transcurso das gerações. A evolução é extremamente vagarosa e somente após muitas gerações é possível observar mudanças (BURNIE, 1997). Após a Revolução Industrial (período de transição de processos de ma- nufatura, que ocorreu no período entre 1760 e 1840), o homem começou a produzir em larga escala. Assim, segundo Barsano, Barbosa e Viana (2014), à medida que a população mundial foi crescendo e a tecnologia evoluindo, a produção (dos mais diferentes bens e produtos) aumentou paralelamente. Entretanto, isso vem causando graves consequências, uma vez que o homem provoca desmatamentos, queimadas, geração de resíduos sólidos, poluição atmosférica, dentre outros. Como resultado, tem-se o aquecimento global, ocasionando alterações em várias espécies. Ou seja, o homem vem impactando negativamente na evolução das espécies, pois está acelerando um processo que levaria centenas/milhares de anos para ocorrer, não dando tempo suficiente para as espécies se adaptarem. Além disso, a caça e a comercialização em larga escala acarretaram (e ainda acarreta) a extinção de várias espécies ao redor do mundo. A partir desse contexto, é importante entender que qualquer alteração no ambiente desencadeia, em maior ou menor grau, modificações nas cadeias biológicas, e propicia o aparecimento ou o reaparecimento de doenças. Isso porque o homem vem liberando no ambiente diferentes substâncias nocivas, causando um desequilíbrio ambiental. O termo "nocivo" é utilizado para designar tudo que é considerado como perigoso ou prejudicial para o ser humano ou para qualquer organismo vivo. Tanto produtos químicos como resíduos desempenham papéis críticos na sociedade e na economia, ao mesmo tempo que têm grandes impactos sobre o meio ambiente e a saúde humana. De fato, muitas substâncias químicas são prejudiciais para as pessoas e o meio onde vivem, enquanto muitas formas de resíduos resultam em substâncias nocivas e representam perigos à vida e à natureza. Saúde e meio ambiente2 Portanto, são cada vez mais conhecidas as substâncias químicas que podem causar impactos à saúde humana, entre elas, ganham destaque: � substâncias persistentes, biocumulativas e tóxicas (PBTs); � substâncias químicas cancerígenas ou mutagênicas, ou que afetam negativamente os sistemas reprodutor, endócrino, imunológico ou nervoso; � produtos químicos que oferecem perigos imediatos (tóxicos, explosivos, corrosivos); � poluentes orgânicos persistentes (POPs); � gases causadores de efeito estufa e substâncias destruidoras do ozônio (ODS); � resíduos hospitalares, caso não sejam adequadamente manejados e descartados. Produtos considerados perigosos (seja para a saúde humana ou para o ambiente) são identificados por diferentes símbolos, de forma universal, apresentando as características e os perigos associados. Para um melhor entendimento, a Figura 1 apresenta os principais símbolos adotados para identificar produtos químicos nocivos. Figura 1. Principais simbologias utilizadas para identificar produtos perigosos. Fonte: Santa Catarina (2021, documento on-line). Saúde e meio ambiente 3 A relação entre o ambiente e o padrão de saúde de uma população, define um campo de conhecimento denominado de saúde ambiental (ou saúde e ambiente). Essa área de estudo analisa toda e qualquer doença relacionada a substâncias químicas, a elementos biológicos ou a situações que interfiram no estado psíquico do indivíduo, ou até aquelas relacionadas com aspectos negativos do desenvolvimento social e econômico dos países (TAMBELLINI; CÂMARA, 1998). Quando um ambiente está poluído, existem riscos de haver patologias na população. Por exemplo, qualquer água é passível de causar doenças mesmo sem apresentar contaminantes, porém quando o ser humano incor- pora grandes cargas de poluentes nas águas, seja superficial ou subterrânea, aumentam bactérias, protozoários, vírus e vermes nas águas, microrganismos que são responsáveis por provocar ou agravar muitas das patologias nos seres humanos. Poluição refere-se a qualquer degradação das condições ambientais do habitat de uma coletividade humana. A poluição ocorre devido a deposição, armazenamento, acúmulo, injeção, aterramento ou infiltração de produtos, nos estados sólido, líquido ou gasoso, que provocam alterações na composição natural do solo, da água ou do ar, modificando características físicas, químicas e biológicas. Dessa forma, podemos dizer que toda atividade desenvolvida pelo homem irá obrigatoriamente resultar em um impacto ambiental (na grande maioria dos casos, um impacto negativo) e, consequentemente, em riscos à saúde humana e ao próprio ambiente. Acompanhe no Quadro 1, alguns exemplos de impactos ambientais causados devido às diferentes atividades humanas e os riscos decorrentes. Saúde e meio ambiente4 Quadro 1. Principais impactos ambientais e riscos à saúde ocasionados pelas atividades antrópicas Atividades Impactos ambientais Riscos à saúde Desmata- mento � Alterações climáticas; � danos à flora e à fauna; � erosão do solo; � empobrecimento do solo; � assoreamento de recursos hídricos; � aumento do escoamento superficial da água; � redução de infiltração da água no solo; � inundações. � Risco de extinção de espécies (animais e vegetais); � aumento de patolo- gias causadas por microrganismos; � liberação de gases causadores do efeito estufa; � aquecimento global. Movimen- tos de terra � Alterações na drenagem das águas; � erosão do solo. Assoreamento dos recursos hídricos e, consequentemente, alterações negativas na fauna aquática. Imperme- abilização do solo � Aumento do escoamento das águas; � redução da infiltração da água; � problemas de drenagem; � inundações. Principalmente em centros urbanos, as inun- dações podem aumentar o risco de patologias, devido ao aumento do contato das pessoas com agentes vetores (ratos, baratas, dentre outros). Destruição dos ecos- sistemas � Danos à fauna e à flora; � desfiguração da paisagem; � problemas ecológicos; � prejuízos às atividades humanas; � danos sociais e econômicos. � Risco de extinção de espécies (animais e vegetais); � aumento de patolo- gias causadas por microrganismos. (Continua) Saúde e meio ambiente 5 Atividades Impactos ambientais Riscos à saúde Emissão de resíduos � Poluição ambiental; � prejuízos à saúde humana; � danos à fauna e à flora; � danos materiais; � prejuízos às atividades; � danos econômicos e sociais. Aumento de patologias causadas por microrga- nismos ou contato direto com os resíduos. Emissão de gases carbônico, cloroflu- orcarbo-no (CFC), metano e outros � Alterações de caráter global; � efeito estufa (aumento da tempera- tura; elevação do nível de oceanos, alterações na precipitação; desa- parecimento de espécies animais e vegetais); � destruição da camada de ozônio (aumento da radiação ultravioleta; riscos à diversidade genética; cân- cer de pele, catarata). Aumento de proble- mas respiratórios na população Fonte: Adaptado de Mota (1999). A exposição à poluição ambiental é geralmente involuntária e, muitas vezes, os seus possíveis efeitos são ignorados ou desconhecidos, o que dificulta que os indivíduos, em sua maioria, exerçam algum controle sobre os riscos de exposição. Agentes biológicos, químicos e físicos podem ser encon- trados no ambiente exterior ou nos diversos tipos de ambientes interiores e são responsáveis por diferentes efeitos à saúde. Para saber mais sobre a relação entre ambiente e saúde, leia o livro Saneamento, Saúde e Ambiente: fundamentos para um desenvolvimento sustentável, de Arlindo Philippi Jr. Principais fatos históricos entre saúde e meio ambiente Quando falamos da relação entre meio ambiente e saúde, existem inúmeros exemplos que podem ser mencionados, no entanto, antes de citar alguns exemplos, é preciso compreender a definição de peste, que, segundo Botkin e Keller (2018), refere-se a alguma doença infecciosa, normalmente causada por baratas, pulgas, cupins, ratos, pardais, pombos e diferentes espécies de insetos. (Continuação) Saúde e meio ambiente6 Uma das pestes mais conhecidas foi a peste bubônica (ou popularmente conhecida como peste negra), a qual se proliferou na Antiguidade e na Idade Média devido às precárias condições de higiene daquela época. A peste bubônica é causada por uma bactéria, a qual é transmitida do rato para o homem por meio das pulgas. Naquela época, esse modo de contágio era totalmente desconhecido, sendo que as pessoas, inclusive, toleravam ratos em suas casas e pulgas nas roupas. Nesse contexto, a peste bubônica se espalhou e dizimou cerca de 25% da popu- lação da Europa da época (matando entre 75 milhões e 200 milhões pessoas). Outra doença que merece destaque é a varíola, que atormentou a po- pulação mundial por mais de 3 mil anos. Essa doença é transmitida por um vírus (Orthopoxvírus variolae), que passa de pessoa para pessoa por meio das vias respiratórias. Apenas em 1980 a varíola foi considerada erradicada, devido a uma campanha de vacinação em massa que ocorreu em todo o mundo. A cólera, transmitida por meio do consumo de água (ou alimentos) conta- minados, matou milhares de pessoas em 1817. Essa doença infelizmente ainda é muito comum nos dias de hoje, principalmente em países subdesenvolvidos, onde o investimento em saneamento básico é baixo. Recentemente, a cólera atingiu o Haiti, após um terremoto em 2010. Em 1918, o mundo sofreu os efeitos da gripe espanhola (Figura 2). Estima- -se que entre 40 e 50 milhões de pessoas tenham morrido em decorrência da doença causada pelo vírus que se tornou pandêmico. O vírus, que surgiu nos Estados Unidos, se espalhou rapidamente pelo mundo devido à grande comercialização por meio de navios na época. No Brasil, o vírus veio da Eu- ropa, a bordo do navio Demerara, que desembarcou passageiros infectados, resultando na morte de mais de 35 mil brasileiros. Figura 2. A gripe espanhola foi uma vasta e mortal pandemia do vírus influenza, que durou entre 1918 e 1920, deixando mais de 50 milhões de mortos no mundo. Fonte: Galileu (2020, documento on-line). Saúde e meio ambiente 7 Epidemia é um surto de doença infecciosa que se espalha rapida- mente e afeta muitos indivíduos de uma determinada população. Caso a epidemia atinja grandes proporções e se espalhe por diferentes países, passa a ser considerada pandemia. Segundo Amabis e Martho (2006), uma mesma doença pode ser endêmica em uma determinada população, epidêmica em outra e não existir em uma terceira. Diversos fatores são responsáveis por esse quadro, que depende tanto das condições ambientais quanto do nível sociocultural das populações. Por exemplo, a malária (doença transmitida por mosquitos) não existe em locais de clima frio e está ausente dos grandes centros urbanos, de onde o agente transmissor e o parasita foram erradicados. Nas regiões em que o mosquito é combatido, ainda que insatisfatoriamente, a malária pode existir na forma endêmica. No entanto, a doença pode se tornar epidêmica nesses locais se o combate ao agente transmissor for negligenciado. Assim, percebe-se que o ambiente está relacionado diretamente com a proliferação de doenças e vetores. Felizmente, com o aumento da tecnologia, o avanço das pesquisas e da medicina, essas doenças acabam sendo con- troladas mais rapidamente. Como exemplos, podemos citar a raiva, a gripe aviária, a doença da vaca louca, o H1N1 e, mais recentemente, a Covid-19. Fatos históricos no Brasil No Brasil, existem vários exemplos de impactos decorrentes da relação direta entre o ambiente e a saúde humana. Um deles foi o vazamento de gasolina em um dos oleodutos da Petrobrás, em fevereiro de 1984, na Vila Socó (atual Vila São José) em Cubatão/SP, que ligava a Refinaria Presidente Bernardes (RPBC) ao Terminal de Alemoa. A tubulação passava em região alagadiça (mangue), sendo que em suas margens se encontrava uma vila carente, construída principalmente com palafitas. Segundo relatos da época, um operador abriu uma válvula errada e iniciou a transferência de gasolina para uma tubulação, gerando sobrepressão e ruptura, que espalhou aproximadamente 700 mil litros de gasolina pelo man- gue. Com a movimentação das marés, o produto inflamável se espalhou pela região alagada. Ocorrido duas horas do vazamento, um incêndio se alastrou por toda a área alagadiça, incendiando as palafitas e provocando a morte de 93 pessoas. Contudo, estima-se que esse número possa ter chegado a 700 pessoas, haja vista que famílias inteiras devem ter sido queimadas, não sobrando ninguém para reclamar seus corpos. Saúde e meio ambiente8 Além dos problemas sociais ocasionados pelo vazamento e incêndio da gasolina, o meio ambiente também foi severamente contaminado. Isso porque, de acordo com Manzoli (2009), a gasolina é composta por uma mis- tura de hidrocarbonetos com alguns contaminantes, como enxofre, nitrogênio e certos metais, sendo que sua composição varia conforme a origem do petróleo, os processos de refino e especificações de qualidade. Outro gravíssimo acidente ambiental ocorreu em setembro de 1987, na cidade de Goiânia (GO), sendo considerado um dos mais graves acidentes causados por exposição à radiação do mundo. Cerca de 6 mil toneladas de lixo radioativo foram recolhidas na capital goiana após o acidente. Todo esse material com suspeita de contaminação radioativa foi levado para a unidade do Cnen, em Abadia de Goiás, onde foi enterrado. No entanto, o desaparecimento completo de riscos de radiação só deve ocorrer em pelo menos 275 anos. Esse acidente iniciou após dois catadores de lixo encontrarem um apare- lho abandonado em um instituto de tratamento de câncer desativado. Após levarem o aparelho para casa e o desmontaram, os catadores tiveram contato com uma porção de cloreto de césio, o césio-137. Ainda, os catadores venderam as peças para um ferro-velho. Dentro de uma das peças, foram encontradas 19 gramas de césio, e, devido à peça apresentar um brilho verde-azulado, o comprador, sem desconfiar da contaminação, resolveu levar o pó para casa e mostrar para várias pessoas. Dois dias após desmontagem da máquina pelos catadores, várias pessoas apresentaram sintomas de indisposição, como náuseas, vômitos, tonturas e diarreia. Duas semanas depois, a esposa do dono do ferro-velho percebeu que todas as pessoas expostas ao pó brilhante estavam doentes. Intrigada, levou a cápsula para a Vigilância Sanitária, que imediatamente identificou a substância como radioativa (Figura 1). Oficialmente, quatro pessoas morreram devidoà exposição à radiação, mas, de acordo com a Associação de Vítimas do Césio-137, o número de vítimas é bem maior e chega a 80 (CÉSIO 137, 2017). Outro exemplo que deve ser citado é o vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo in natura na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro (RJ), em janeiro de 2000. Esse vazamento foi causado por um acidente com um navio petroleiro, resultando na morte da fauna local e na poluição do solo em vários municípios, como Magé. Nesse caso, o Ibama aplicou duas multas a Petrobras, uma de R$ 50 milhões e outra de R$ 1,5 milhão. Saúde e meio ambiente 9 Mais recentemente, dois graves acidentes ambientais relacionados à mineração ocorreram em Minas Gerais. O primeiro ocorreu no dia 5 de no- vembro de 2015, na cidade de Mariana, com o rompimento da barragem do Fundão, que pertence à mineradora Samarco. O rompimento da barragem provocou uma enxurrada de lama (cerca de 62 milhões de metros cúbicos foram liberados) que devastou o distrito de Bento Rodrigues, deixando um rastro de destruição à medida que avançava pelo Rio Doce. Além dos enormes impactos ambientais, o acidente ocasionou a morte de 19 pessoas. O segundo acidente ocorreu no dia em 25 de janeiro de 2019, também com o rompimento de uma barragem de mineração, dessa vez, a Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale. Esse acidente desencadeou uma avalanche de lama, destruindo a comunidade próxima, bem como as construções da própria Vale (empresa que administrava a mina) e resultou na morte de 259 pessoas, além de deixar 11 desaparecidos. Impactos da qualidade da água e dos problemas atmosféricos na saúde humana A água é o principal agente causador de doenças, uma vez que ela é consumida diariamente pelos seres humanos. As águas superfi ciais, de rios e lagos, já pos- suem microrganismos, mas a incorporação desenfreada de dejetos humanos e de esgotos domésticos acarreta a contaminação por outros microrganismos causadores de doenças. Ao ter contato com essa água contaminada, seja pela ingestão ou pelo contato com a pele, a população poderá contrair diferentes patologias (Figura 3). Figura 3. Água contaminada é a principal causadora de patologias na população. Fonte: (a) Calixto (2016, documento on-line); (b) Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (2013, documento on-line); (c) Rylo (2017, documento on-line). Saúde e meio ambiente10 Saneamento consiste no conjunto de medidas que objetivam preservar ou modificar o meio ambiente para prevenir doenças e promover saúde. Ele melhora a qualidade de vida dos cidadãos, sua produtividade e otimiza a atividade econômica. No Brasil, o saneamento básico é um direito assegurado pela Constituição e pela Lei nº 11.445/2007, pois sabe-se que o saneamento básico e o tratamento de água e esgoto são práticas de extrema importância, não apenas para garantir a saúde e o bem-estar da população, mas também para que um país possa ser considerado desenvolvido (BRASIL, 2007). No entanto, o saneamento básico está longe de ser considerado satis- fatório ao redor do mundo (incluindo no Brasil). A ausência de serviços de saneamento tem resultado em precárias condições de saúde e incidência de doenças, principalmente de veiculação hídrica. Segundo uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), cerca de 4,5 bilhões de pessoas no mundo (mais da metade da população global, estimada em 7,6 bilhões de pessoas) não têm acesso a saneamento básico seguro (ONU, 2019). Segundo Silva (2016, p. 98), população com menores condições financeiras acaba sendo a mais atingida pela falta de saneamento: A determinação da água na dinâmica das relações entre saúde está intimamente vinculada a forças sociais que moldam e estabelecem os riscos existentes, que não são equitativamente distribuídos. Como poderemos observar, populações mais vulneráveis apresentam uma exposição mais elevada às cargas ambientais e, por conseguinte, se configuram como sendo de risco mais acentuado. Existem muitos locais sujeitos a inundações periódicas, que, além de contribuir para a rápida disseminação de doenças, se tornam um ambiente propício para espécies, muitas vezes, nocivas, como ratos e baratas. As doenças causadas por águas contaminadas (principalmente por esgo- tos) podem proliferar doenças de origem bacteriológica, protozoária, viral e de verminoses, e são comumente conhecidas como doenças de veiculação hídrica. O esgoto doméstico consiste em resíduos líquidos provenientes de diversas atividades que, em sua maioria, utilizam água em áreas como cozinha e sanitários, contendo, aproximadamente, 99,9 % de água, sendo o restante (0,1 %) composto de sólidos orgânicos e inorgânicos, bem como de Saúde e meio ambiente 11 microrganismos (bactérias, fungos, protozoários, vírus e helmintos). Apesar da baixa porcentagem de poluentes, necessitam ser tratados antes de serem lançados no meio ambiente, devido ao risco de patologias (ROSA; FRACETO; MOSCHINI-CARLOS, 2012). Dentre as principais doenças hídricas, são citadas as doenças a seguir. � Cólera: doença causada pela bactéria Vibrio cholerae. Após a inges- tão, a incubação ocorre no estômago por cerca de cinco dias, depois multiplica-se rapidamente no intestino delgado, provocando desidra- tação, perda de sais minerais e queda na pressão sanguínea, podendo levar o indivíduo à morte. A cólera é uma doença considerada de fácil dissipação e é transmitida para a água por meio de qualquer animal contaminado, inclusive o ser humano. A própria mão de uma pessoa contaminada, ou contato com animais, como baratas e ratos, também portadores da bactéria, pode contaminar um outro indivíduo. Não é à toa que a cólera já foi associada a pandemias. � Hepatite: o modo de transmissão ocorre por meio da ingestão de água ou de alimentos contaminados pelo vírus — moscas e baratas podem contaminar as partes externas do corpo humano com hepatite e transportar esses vírus para alimentos. Além disso, fezes de pessoas com hepatite podem contaminar a água de rios e mares. � Febre tifoide: doença causada pela bactéria Salmonella typhi, sendo que o maior contato ocorre por meio da água e de alimentos contaminados. A transmissão direta é rara, mas existe. Após a ingestão da bactéria, ela ruma para a corrente sanguínea, podendo alojar-se em qualquer órgão e multiplicar-se nas células de defesa. Após a bactéria chegar na corrente sanguínea, sintomas como febre alta, dor de cabeça, falta de apetite, manchas pelo corpo, tosse e diarreia são comuns e, se não tratados, podem levar o indivíduo à morte. � Leptospirose: causada por bactérias do gênero Leptospira, presente na urina de ratos. A contaminação é direta e a bactéria pode, inclusive, penetrar a pele, principalmente se houver algum ferimento ou arranhão, e reproduzir-se na corrente sanguínea. Os sintomas da leptospirose envolvem febre alta, mal-estar, dor muscular, tosse, cansaço, náuseas, diarreia, manchas no corpo e outros, e, caso não seja tratada, a do- ença pode evoluir para a forma mais grave, com complicações renais, hemorragias, coma e morte. Saúde e meio ambiente12 � Dengue: é transmitida através da picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti contaminado pelo vírus. É necessário que haja água parada para que o mosquito se desenvolva, não importando se a água está limpa ou suja. Mesmo não havendo uma relação direta entre a dengue e a contaminação hídrica, o homem acabou interferindo para que a espécie se desenvolva mais facilmente, pois com o desmatamento e aumento de áreas urbanas, os predadores naturais foram sendo eliminados/extintos, além do mosquito se espalhar mais facilmente. � Disenteria bacilar: é causada pela bactéria Shigella, a qual é transmitida pela contaminação fecal da água e de alimentos. Dentre os sintomas, estão febre, cólica e diarreia, e, consequentemente, desidratação. � Peste bubônica: causada pela bactéria Pasteurella pestis, atransmissão ocorre por meio da urina de ratos contaminados ou pela picada de pulgas contaminadas. Dentre os sintomas, tem-se a inflamação e a ruptura de gânglios linfáticos (bubões). Um dos instrumentos do saneamento básicos é investir em Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) e em fossas sépticas, em que a água após o uso passa por vários tipos de tratamento, podendo variar de empresa para empresa. O sistema de coleta é caracterizado pelas instalações prediais de esgotos sanitários e pelos componentes de uma rede pública de coletores de esgotos (Figura 4). Dessa forma, a água é liberada para o corpo receptor (normalmente rios) somente após estar tratada e livre de patologias. Figura 4. Estação de tratamento de água e fossa séptica são essenciais para garantir o saneamento básico e evitar a proliferação de doenças hídricas. Fonte: Sul Brasil (2016, documento on-line). Saúde e meio ambiente 13 A qualidade da água está, portanto, relacionada diretamente com a quali- dade de vida das pessoas e com o meio ambiente. Se a água estiver inadequada ao consumo humano, ela poderá se comportar como um dos principais meios de transmissão de doenças (PRATTE-SANTOS; TERRA; BARBIÉRI, 2008). Outro fator importante é que a qualidade da água é fundamental para a manutenção dos sistemas aquáticos, pois, uma vez que qualquer alteração ocorra, poderá causar prejuízos ambientais e econômicos, como a redução da atividade pesqueira, aumento do custo de aquisição da água e do tratamento, além de perdas sociais, como a proibição de atividades de recreação no recurso hídrico (BILICH; LACERDA, 2005). Entretanto, não são apenas as águas contaminadas que podem causar patologias, os poluentes atmosféricos também são grandes responsáveis por causar doenças na população, principalmente para aqueles que vivem em grandes metrópoles ou áreas urbanas, devido a maior concentração de poluentes na atmosfera (Figura 5). Figura 5. A poluição atmosférica causa patologias na população, principalmente respiratórias. Fonte: Pasca-Palmer (2019, documento on-line). A Resolução CONAMA nº 003/90 descreve poluente atmosférico como qualquer forma de matéria ou energia com intensidade e quantidade, concen- tração, tempo ou características em desacordo com os níveis estabelecidos por essa norma, e que tornem ou possam tornar o ar impróprio nocivo ou ofensivo à saúde; inconveniente ao bem-estar público; danoso aos materiais, à fauna e à flora; prejudicial à segurança, ao uso e ao gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade (CONAMA, 1990). Saúde e meio ambiente14 Dentre as principais patologias, a emissões atmosféricas causam inflama- ções relacionadas ao sistema respiratório, podendo apresentar-se na forma de rinites (nariz), faringites, traqueites, bronquites e alveolites (infecção dos alvéolos pulmonares), além disso, as conjuntivites (inflamação da conjuntiva do olho) também são comuns. Caso essas doenças não forem tratadas, os tecidos afetados podem desenvolver infecções, devido à exposição a micror- ganismos, evoluindo, por exemplo, para pneumonia, infecção pulmonar, ou mesmo faringites, rinites e bronquites. Dentre os principais poluentes encontrados na atmosfera, tem-se o óxido de nitrogênio, dióxido de enxofre, hidrocarbonetos, aldeídos, material par- ticulado e oxidantes fotoquímicos, poluentes comumente associados com problemas inflamatórios. Outros poluentes atmosféricos são cancerígenos e mutagênicos, principalmente os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos. O monóxido de carbono (CO), presente em grande quantidade na atmosfera, principalmente nas grandes cidades, impede a oxigenação dos tecidos bioló- gicos, e a inalação crônica de CO pode agravar ateroscleroses, principalmente do coração, sobretudo em fumantes. Estima-se que, anualmente, são despejados na atmosfera cerca de 5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), principal gás causador do efeito estufa. Em nível de comparação, no início do século XX, eram lançados cerca de 60 milhões de toneladas desse gás anualmente na atmosfera. Com isso, a temperatura do planeta Terra aumentou cerca de 0,5°C nos últimos 170 anos. Alerta-se, portanto, para o fato de que o aumento de 4°C na tempe- ratura global, causado pelo efeito estufa e pelo aquecimento global, poderá provocar a extinção de milhares de espécies de animais e vegetais no planeta. Referências AMABIS, J. M.; MARTHO, G. R. Fundamentos da biologia moderna. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2006. BARSANO, P. R.; BARBOSA, R. 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