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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 
FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO 
 
 
 
 
 
 
O PANORAMA ATUAL DA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO À 
LUZ DAS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA ARGUIÇÃO DE 
DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54 
 
 
 
André Quimello Theago 
 
Orientador: Prof. Dr. Claudio do Prado Amaral 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ribeirão Preto 
2014 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ANDRÉ QUIMELLO THEAGO 
 
 
 
 
 
 
O PANORAMA ATUAL DA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO À 
LUZ DAS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA ARGUIÇÃO DE 
DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao 
Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito de 
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para a obtenção 
do título de bacharel em Direito. 
 
Orientador: Prof. Dr. Claudio do Prado Amaral 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ribeirão Preto 
2014 
 
 
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio 
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FICHA CATALOGRÁFICA 
Theago, André Quimello 
O panorama atual da descriminalização do aborto à luz das alterações 
trazidas pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. – Ribeirão 
Preto, 2014. 
74 p.; 30 cm. 
Trabalho de conclusão de curso – Faculdade de Direito de Ribeirão Preto 
da Universidade de São Paulo 
 Orientador: Claudio do Prado Amaral 
Palavras-chave: aborto, descriminalização, judiciário 
 
 
 
Nome: THEAGO, André Quimello 
Título: O panorama atual da descriminalização do aborto à luz das alterações 
trazidas pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito de Ribeirão 
Preto da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de bacharel em 
Direito. 
 
 
Aprovado em: 
 
 
Banca Examinadora 
 
 
 
Prof. Dr.________________________Instituição: ________________________ 
Julgamento:_____________________Assinatura:________________________ 
 
 
 
Prof. Dr.________________________Instituição: ________________________ 
Julgamento:_____________________Assinatura:________________________ 
 
 
 
Prof. Dr.________________________Instituição: ________________________ 
Julgamento:_____________________Assinatura:________________________ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
O julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 conferiu 
legalidade à realização de aborto caso constatada a hipótese de anencefalia fetal. No entanto, O 
Supremo Tribunal Federal não se pronunciou acerca da autorização de abortamento quando o 
feto fosse acometido por outras doenças que inviabilizassem a vida extrauterina. Por esta razão, 
surgiu no ordenamento jurídico brasileiro uma lacuna, tratada apenas superficialmente pela 
doutrina atual.Comprovada a necessidade de melhor regulamentação sobre o tema, percebe-se 
que o Poder Legislativo tem atuado insatisfatoriamente na tutela do direito desta minoria de 
mulheres que desejam abortar. Em sua mora, persistem os números de abortos clandestinos, 
inseguros, que punem com a morte aquelas que ousam desafiar a lei.Neste panorama, o Poder 
Judiciário mostra-se a via adequada para a legalização de tal procedimento, visto estar adstrito 
aos preceitos emanados pela Constituição Federal e, desta forma, assegura a tradução para 
argumentos com pertinência jurídica dos dogmas religiosos que atentam a laicidade estatal.Por 
fim, a proteção irrestrita do embrião humano deve ser questionada, pois além de emperrar 
avanços científicos essenciais à sobrevivência humana, ameaça a dignidade da pessoa humana. 
Palavras-Chave: aborto, descriminalização, judiciário 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The trial of the Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (Accusation of 
Breach of Fundamental Precept) 54 conferred legality to abortion if verified the hypothesis of 
fetal anencephaly. However, the Supremo Tribunal Federal (Brazil’s Supreme Court) did not 
rule whether it is permitted to abort if detected that the fetus has other diseases that also make 
extrauterine life impossible. For this reason, a gap appeared in Brazilian legal system, only 
superficially treated by current doctrine. Once demonstrated the need for better regulation on 
the subject, it is also noticeable that the Legislative has acted poorly to protect the rights of this 
minority of women who wish to abort. In the delay for changes, the number of illegal and unsafe 
abortions grow, punishing with death those who dare to defy the law. In this scenario, the 
Judiciary has proven to be the only appropriate way for the legalization of such procedure, since 
it is attached to the precepts issued by the Federal Constitution and, thus, ensures that religious 
arguments and dogmas are translated into assertives that can be juridically relevant. Finally, the 
unrestricted protection of the human embryo must be questioned, since it delays scientific 
advances and, sometimes, threatens human dignity. 
Keywords: abortion, legalization, judiciary 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO……………………………………………………………….13 
 
1 INTRODUÇÃO DOUTRINÁRIA……………………………....................14 
 
1.1 Conclusão………………………………………………..................26 
2 ANÁLISE DO JULGAMENTO DA ARGUIÇÃO DE 
DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54 PELO 
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL...............................................................28 
2.1 Principais pontos sobre o julgamento................................................31 
2.1.1 Da laicidade estatal.............................................................31 
2.1.2 Dos direitos da mulher em contraposição aos direitos do 
feto...............................................................................................35 
2.1.3 Da Postura Minimalista do Supremo Tribunal Federal.......39 
2.1.4 Dos Votos Contrários à Legalização do Aborto do Feto 
Anencéfalo..................................................................................48 
2.1.5 Da Anencefalia...................................................................53 
2.1.6 Conclusão...........................................................................57 
3 NECESSIDADE DE DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO AOS 
OLHOS DO AUTOR.........................................................................................58 
4 CONCLUSÕES...............................................................................................64 
 
 
 
BIBLIOGRAFIA...............................................................................................68 
Referências eletrônicas............................................................................68 
Referências bibliográficas.......................................................................73 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
O presente trabalho pretende analisar, à luz dos impactos no âmbito jurídico 
provenientes do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a 
descriminalização do aborto no ordenamento brasileiro. 
Objetivava-se primordialmente tratar da necessidade ou não da descriminalização do 
aborto, bem como por quais métodos tal abolitio criminis ocorreria. No entanto, restou 
impossível ao autor desta monografia quedar-se indiferente por todo o trabalho para chegar a 
uma conclusão óbvia. Além disso, em nada acrescentaria ao debate forjar neutralidade quanto 
à necessidade premente de descriminalização de tal conduta. 
Assim, analisando doutrina e jurisprudência,de maternidade 
era desvalorizado devido à autoridade e poder paternal, já que o homem era superior 
tanto à mulher quanto à criança. A relação da mãe com o filho era apenas de 
reprodução e não cabia a ela os cuidados na infância, mesmo a amamentação. As 
crianças nem sequer ficavam muito tempo com a família burguesa, sendo enviadas 
para um instrutor a fim de aprender as tarefas dos adultos. Os sentimentos de ternura 
e valorização da criança são de certa forma recente. O amor materno, 
convencionalmente descrito como “instintivo” e “natural” foi reforçado por discursos 
filosófico, médico e político a partir do século XVIII. 
Devido o declínio populacional que enfrentava a Europa e a necessidade da nova 
classe social (burguesia), que através do liberalismo discursava sobre a igualdade e a 
liberdade individual proporcionou uma nova posição para a maternidade e a educação 
 
53 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo STF nº 661. Disponível em: 
. Acesso em 13 de agosto de 
2014. p. 5. 
54 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Disponível em: 
. Acesso em 15 de 
setembro de 2014. p. 70-78. 
55 MOURA, Solange M. S.; ARAÚJO, Maria de Fátima. A maternidade na história e a história dos cuidados 
maternos. Psicologia: ciência e profissão, v. 24 nº1 Brasília mar. 2004. 
37 
 
das crianças. A nova ordem econômica contou ainda com o auxílio da medicina e suas 
novas práticas que promoveram mudanças de hábitos e a higienização. Surgia nesta 
época a noção de vida privada e o casamento “por amor”, já que aquele feito por 
contrato não garantia os ideais liberais. Os cuidados da criança deveriam passar a ser 
função essencialmente da mãe. (MOURA E ARAUJO, 2004)56. 
O culto à Maria, proclamada imaculada pela Igreja, a define como a única pessoa a 
ter concebido sem pecado, reafirmando o modelo cristão de mulher submissa, pura, 
virgem e mãe. Acentua-se então, o papel da mulher com relação à maternidade, e 
define o não desejo de gerar ou cuidar de um filho como um comportamento anormal, 
e o aborto como exercício de crueldade. (NUNES, 2006)57. 
[...] 
A maternidade é vista como parte de um processo biológico que capacita as mulheres 
a gerarem filhos. Porém, os seres humanos são capazes de controlar suas vidas 
reprodutivas, ou seja, pensar, refletir e decidir. Neste aspecto, trazer à vida outro 
indivíduo é um ato completamente diferente para os humanos do que para qualquer 
outro animal. Nunes (2006) diz que o desejo de conceber novas vidas é um ato 
plenamente humano. Dessa forma, seguir com uma gravidez não pode ser apenas uma 
aceitação de um resultado biológico, mas o desejo de amar essa nova pessoa. (grifos 
do autor)
 58
. 
 
A autora relaciona a moral cristã e a concepção hodierna de amor maternal, afirmando 
não se tratar de um sentimento instintivo, natural, mas sim um valor construído através de 
discursos filosóficos, médicos e políticos. Não se pretende com estas afirmações descontruir tal 
valor social, mas simplesmente apontar que nem todas as mulheres possuem interesse em ter 
filhos. Assim, uma gravidez indesejada não deve ser vista como algo tolerável, que todas as 
mulheres desejariam eventualmente em suas vidas, que se trata apenas de uma situação 
temporal inoportuna (não era apenas o momento ideal). Portanto, obrigá-las a prosseguir na 
gestação a colocariam em cárcere privado de seu próprio corpo. Não há que se contra-
argumentar indignamente aqui que a mulher “assumiu os riscos de engravidar ao relacionar-se 
sexualmente”, “não tomou as devidas precauções” e falácias do gênero: primeiro porque 
hipoteticamente pode-se imaginar a falha dos métodos contraceptivos por razões alheias à sua 
vontade (adulteração do lote do remédio anticoncepcional do qual ela se utilizava59, por 
exemplo); segundo, porque o desrespeito à sua vontade persistiria da mesma forma. 
Ademais, se se considerar como violência todo ato ou conduta baseada no gênero que 
cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública, 
 
56 MOURA, Solange M. S.; ARAÚJO, op. cit. 
57 NUNES, Maria José R. Aborto, maternidade e a dignidade da vida das mulheres. In: CAVALCANTE, Alcilene e 
XAVIER, Dulce (Orgs.). Em defesa da vida: aborto e direitos humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito de 
Decidir, 2006, p. 23-40. 
58 TOLEDO, Patrícia. O Aborto e a Política do Corpo. Disponível em: . Acesso em 15 de setembro de 
2014. p. 1-3. 
59 PINHO, Márcio. Folha de São Paulo. São Paulo barra a venda de lotes de anticoncepcional. Disponível em: 
. Acesso em 15 de setembro de 2014. 
38 
 
como na esfera privada, nos termos do artigo 1 da Convenção Interamericana para Prevenir, 
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher60, não há me melhorar maneira de exemplificá-
la senão citando uma gravidez indesejada: basta considerar as alterações corporais, a pressão 
social, os abortos clandestinos, etc. 
 Nestes termos, conclui o ministro relator, não se coadunaria com o princípio da 
proporcionalidade proteger apenas um dos seres da relação, de modo a privilegiar aquele que, 
no caso da anencefalia, não deteria sequer expectativa de vida fora do útero e aniquilar-se, em 
contrapartida, os direitos da mulher ao lhe impingir sacrifício desarrazoado61. Tal entendimento 
se coaduna com o expressado pelo ministro Luiz Fux, que afirma que o bem jurídico em 
eminência seria exatamente a saúde física e mental da mulher, confrontada em face da 
desproporcionalidade da criminalização do aborto levado a efeito por gestante de feto 
anencefálico.62 
Para Fux, “O prosseguimento da gravidez gera na mulher um grave abalo psicológico, 
e, portanto, impedir a sua interrupção da gravidez equivale a uma tortura, vedada pela Carta 
Magna” (art. 5º, III).63 
Mesmo embora ambos os ministros tenham analisado especificamente a gravidez de 
feto portador de anencefalia para tecer tais comentários, para o autor desta obra é perfeitamente 
possível estender tais argumentos para quaisquer casos de gravidez indesejada, 
independentemente da viabilidade do feto: obrigar a mulher a prosseguir com uma gestação 
indesejada seria impingir-lhe sacrifício desarrazoado, não somente pelas alterações corporais 
intrínsecas a tal processo, mas também pelas mudanças em todo seu modo de vida e planos para 
o futuro. 
Estende-se o rol trazido por Fux, já que o nascituro atualmente é protegido em 
detrimento da dignidade da mulher como pessoa humana, de sua liberdade no campo sexual, de 
 
60 Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Disponível em 
. Acesso em 19 de 
agosto de 2014. 
61 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Voto do Ministro Relator Marco Aurélio 
Mendes de Faria Mello. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: 
. Acesso em 24 de agosto de 2014. p. 
78. 
62 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Voto do Ministro Luiz Fux. Disponível em 
. Acesso em 24 de agosto de 2014. 
p. 7 
63 FUX, Luis. op cit. 
39 
 
sua autonomia, de sua saúde, de sua privacidade e de sua integridade física, psicológica e moral, 
valores estes todos assegurados constitucionalmente, vide artigos 1º, inciso III, 5º, caput e 
incisos II, III e X, e artigo6º, caput. 
Aos olhos do autor deste trabalho, sopesar o direito de células em desenvolvimento 
em detrimento dos direitos de um indivíduo plenamente formado é inconcebível. 
 
 
2.1.3 Da Postura Minimalista do Supremo Tribunal Federal 
 
 
O Ministro Luiz Fux defendeu em seu voto a necessidade de que o Supremo Tribunal 
Federal adotasse uma postura minimalista no presente caso. De fato, julgou-se apenas a hipótese 
de aborto do feto anencéfalo. Em suas palavras: 
[...]Mas, com relação a nós magistrados, a existência desse dissenso moral 
significativo nos impõe, assim como já adotamos em outros hard cases (como a 
Marcha da Maconha e a legitimação da união homoafetiva), uma postura minimalista 
do Poder Judiciário, adstrita à questão da criminalização do aborto de feto 
anencefálico. 
Seria, no meu modo de ver, extremamente prematuro que o Supremo Tribunal Federal 
buscasse solucionar, como se legislador fosse, todas as premissas de um intenso 
debate que apenas se inicia na nossa sociedade, fruto do pluralismo que lhe 
caracteriza. Aliás, fazendo justiça mais uma vez, o Ministro Marco Aurélio, no seu 
exauriente voto, citou casos de conjuração de qualquer pensamento de eugenia ou de 
aborto eugênico, mencionando inúmeras doenças gravíssimas que poderiam levar a 
uma estratégia de seletividade pessoal do ser humano. Então, este caso é um caso 
típico em que se exige do Judiciário uma "passividade virtuosa", na célebre expressão 
de Alexander Bickel no famoso estudo The Least Dangerous Branch e, também, na 
expressão utilizada por Cass Sustein sobre o minimalismo na Suprema Corte 
Americana. O professor Cass Sustein, nessa publicação de Harvard, em tradução livre, 
preconiza que nesses casos - em que, diferentemente da Suprema Corte Americana, 
nós não podemos pronunciar o non liquet, ainda que haja o desacordo moral na 
sociedade - nós somos obrigados a dar uma palavra final. A trilha minimalista faz 
muito sentido quando o tribunal está lidando com a questão constitucional de alta 
complexidade, sobre a qual muitas pessoas possuem sentimentos profundos e sobre a 
qual a nação está dividida, em termos morais ou outros quaisquer. O tribunal e os 
tribunais, portanto, tentam economizar no desacordo moral mediante a recusa em 
adotar os compromissos morais profundamente assumidos por outras pessoas, quando 
desnecessários para decidir o caso. Por essa razão, estou adotando essa postura de 
40 
 
contenção judicial à hipótese de criminalização da mulher que realiza a antecipação 
terapêutica do parto em razão da anencefalia do feto.64 (grifos do autor). 
 
De fato, à luz do artigo 2º do Código Penal, o ideal seria que a abolitio criminis 
ocorresse através de novatio legis, isto é, que lei posterior revogasse os artigos que tipificam 
determinada conduta, conforme se extrai de sua interpretação literal: “Ninguém pode ser punido 
por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os 
efeitos penais da sentença condenatória”. No entanto, para a discussão em pauta, tal 
possibilidade é improvável. 
Atualmente, a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Vida - Contra o Aborto conta 
com 192 (cento e noventa e dois) deputados federais e 13 (treze) senadores. Isto representa 
37,42% (trinta e sete inteiros e quarenta e dois centésimos por cento) do total de 513 (quinhentos 
e treze) deputados federais e 16,04% (dezesseis inteiros e 4 centésimos por cento) do total de 
81 (oitenta e um) senadores. Resta evidente a dificuldade em qualquer alteração favorável à 
descriminalização no âmbito legislativo. 
Assim, ao assumir uma “postura mínima”, o Poder Judiciário, ao invés de assegurar a 
separação dos poderes e a não extrapolação de sua competência está, na verdade, deixando de 
regulamentar o direito de uma minoria. 
Os fatos precisam ser encarados: apenas aproximadamente metade da população é 
mulher, já que a própria natureza encarrega de manter tal proporção65, o que restringe a 
demanda por tal procedimento. Como se não bastasse, a população brasileira em geral é 
religiosa e dotada de espiritualidade acurada, e a maioria das religiões professadas mostra-se 
contrária a realização da prática abortiva (não se afirmará pela inexistência destas que preguem 
o contrário, pois não se estudará neste presente trabalho todas as diversas crenças brasileiras: 
sabe-se, no entanto, que o catolicismo, o protestantismo, o espiritismo, a umbanda e o 
 
64 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Voto do Ministro Luiz Fux. Disponível em: 
. Acesso em 4 de setembro de 
2014. p. 3-4. 
65 GONÇALVES, Carolina. Em dez anos, população de mulheres superou a de homens em 4 milhões no Brasil. 
UOL Notícias. Rio de Janeiro, 29 de abril de 2011. Disponível em: . Acesso em 8 
de setembro de 2014. 
41 
 
candomblé66 são contrários, em decorrência da proteção da vida intrínseca a tais cultos). Assim, 
evidente que a maioria da população manifestar-se-ia contrariamente à legalização do aborto, 
como demonstram diversas pesquisas realizadas67 (o que resultaria em um plebiscito com 
resultado negativo). 
No entanto, a necessidade da realização de um aborto surge fatidicamente, 
especialmente quando o feto é portador de alguma enfermidade. Tendo em vista à omissão do 
Legislativo, não há outro poder a se recorrer além do Judiciário. Como já foi constatado a 
impossibilidade de julgar pela via individual caso a caso a possibilidade de aborto, em razão da 
mora do judiciário e o prazo improrrogável de menos de nove meses para julgar cada ação, resta 
evidente a necessidade de controlar concentradamente a constitucionalidade da prática abortiva. 
Mesmo embora restrinja-se seguramente ao tema do feto do aborto anencéfalo, assim 
como a maioria de seus colegas, a ministra Carmen Lúcia, ao citar o professor Daniel Sarmento, 
destaca o crescimento e a importância do Poder Judiciário, afirmando que nos últimos anos 
assistimos a uma verdadeira “judicialização” da política e das relações sociais: a Justiça passou 
a ocupar-se dos grandes conflitos políticos e morais que dividem a nação, atuando como árbitro 
final, decidindo questões tormentosas e delicadas, que vão dos direitos das minorias no processo 
legislativo até os debates sobre aborto e pesquisa em células-tronco68. 
Frisa-se: não há a quem recorrer para tratar do direito das minorias senão o Poder 
Judiciário, que respeita à Constituição Federal e não se subjuga à aprovação eleitoral. 
Como prova do que se alega, pode-se citar o Estatuto do Nascituro, Projeto de Lei 
478/2007, de autoria dos deputados Luís Bassuma e Miguel Martini, que está em trâmite perante 
a Câmara dos Deputados e que já teve aprovado seu substitutivo, de autoria da deputada 
Solange Almeida, pela Comissão de Seguridade Social e Família e pela Comissão de Finanças 
e Tributação, pendente apenas de aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça e de 
Cidadania (CCJC) para, em seguida, ser apresentado e votado em plenário. 
 
66 ARAÚJO, Adriano de. Conversando acerca do aborto e as religiões. Ribeirão Preto Online, Ribeirão Preto. 
Disponível em: . Acesso 8 de setembro de 
2014. 
67 BRAMATTIE, Daniel. TOLEDO, José Roberto de. Ibope: Quase 80% são contra legalizar maconha e aborto. 
Estadão Política. 4 de setembro de 2014. Disponível em . Acesso em 8 de setembro de 2014. 
68 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: 
.Acesso em 9 de 
setembro de 2014. p. 180. 
42 
 
O Estatuto objetiva, basicamente: ampliar o conceito (bem como a proteção) dada ao 
nascituro, para incluir neste o embrião, ainda que concebido in vitro, mesmo que ainda não 
transferido para o útero materno que o gestará, protegendo, portanto, os embriões excedentários 
(art. 2º e parágrafo único69). Partindo desta premissa, pretende conferir ao nascituro (e ao 
embrião, ainda que congelado) plena proteção jurídica dada à pessoa humana (artigo 3º e 
parágrafos), reconhecendo, desde a concepção, todos os direitos, em especial o direito à vida, à 
saúde, ao desenvolvimento e à integridade física e os demais direitos da personalidade previstos 
nos artigos 11 a 21 do Código Civil vigente, sendo que apenas os direitos patrimoniais ficam 
condicionados resolutivamente ao nascimento com vida do embrião70. 
As consequências de tais alterações são graves e diversificadas: desde problemas de 
identificação do nascituro até controvérsias relativas à representação civil e à parentalidade dos 
embriões gerados exclusivamente com material fecundante de doadores e aos desdobramentos 
referentes às relações de parentesco, ordem sucessória, além da pretensa possibilidade de 
exercício dos direitos da personalidade por parte do nascituro, entre tantas outros. 
 A Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do 
Estado do Rio de Janeiro, em parecer sobre o referido projeto, aponta que este busca estender 
a proteção jurídica conferida atualmente para o nascituro ao embrião (mesmo que ainda fora de 
gestação), igualando-a. Consequência imediata desta alteração seria a ilegalidade das pesquisas 
realizadas com células-tronco embrionárias, o que resultaria em verdadeiro retrocesso ao 
desenvolvimento científico71. Não seria possível outra interpretação do artigo 5º do Estatuto: 
“Nenhum nascituro será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, 
violência, crueldade e opressão, sendo punido na forma da lei, qualquer atentado, por ação ou 
omissão, aos seus direitos”72. 
No entanto, o próprio Supremo Tribunal Federal, ao julgar improcedente a Ação Direta 
de Inconstitucionalidade 3.510, já considerou constitucional a pesquisa com células-tronco 
 
69 BRASIL. Projeto de Lei nº 478, de 2007. Dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências. 
Disponível em: . Acesso em 9 de setembro de 2014. 
70 Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Estado do Rio de Janeiro. 
Parecer da Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Seção do Estado do 
Rio de Janeiro acerca (da Inconstitucionalidade) do Projeto de Lei nº 478/2007, do seu substitutivo e dos seus 
apensos. Disponível em: . Acesso em 9 de setembro de 2014. p. 1-3. 
71 Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Estado do Rio de Janeiro. Op 
cit. 
72 BRASIL. Projeto de Lei nº 478, de 2007. Dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências. 
Disponível em: . Acesso em 9 de setembro de 2014. 
43 
 
embrionárias, bem como manifestou seu posicionamento referente à distinta proteção jurídica 
que deve ser conferida ao feto, ao embrião e à pessoa humana, respectivamente, afirmando que 
“o embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico 
a que se refere à Constituição” ( ADI 3.510 ,Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 29-5-2008, 
Plenário,DJE de 28-5-2010.). 
Os mais problemáticos artigos deste Estatuto, pertinentes a esta tese de láurea, são os 
artigos 9º e seguintes: 
Art. 9º É vedado ao Estado e aos particulares discriminar o nascituro, privando-o de 
qualquer direito, em razão do sexo, da idade, da etnia, da origem, de deficiência física 
ou mental. 
Art. 10. O nascituro terá à sua disposição os meios terapêuticos e profiláticos 
disponíveis e proporcionais para prevenir, curar ou minimizar deficiências ou 
patologia. 
Art. 11. O diagnóstico pré-natal é orientado para respeitar e salvaguardar o 
desenvolvimento, a saúde e a integridade do nascituro. 
§ 1º O diagnostico pré–natal deve ser precedido de consentimento informado da 
gestante. 
§ 2º É vedado o emprego de métodos para diagnóstico pré-natal que causem à mãe ou 
ao nascituro, riscos desproporcionais ou desnecessários. 
Art. 12. É vedado ao Estado ou a particulares causar dano ao nascituro em razão de 
ato cometido por qualquer de seus genitores. 
Art. 13. O nascituro concebido em decorrência de estupro terá assegurado os seguintes 
direitos: 
I – direito à assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da mãe; 
II – direito de ser encaminhado à adoção, caso a mãe assim o deseje. 
§ 1º Identificado o genitor do nascituro ou da criança já nascida, será este responsável 
por pensão alimentícia nos termos da lei. 
§ 2º Na hipótese de a mãe vítima de estupro não dispor de meios econômicos 
suficientes para cuidar da vida, da saúde do desenvolvimento e da educação da 
criança, o Estado arcará com os custos respectivos até que venha a ser identificado e 
responsabilizado por pensão o genitor ou venha a ser adotada a criança, se assim for 
da vontade da mãe73. 
A Comissão supracitada resumiu a opinião do autor desta monografia em seu parecer: 
o Projeto de Lei 478/2007 busca reduzir a mulher a mero receptáculo ou veículo da vida por 
nascer, desempenhando papel de mera “incubadora”74. 
Com as alterações propostas, as excludentes de ilicitude previstas no artigo 128 
deixariam de existir: não seria possível abortar o feto portador de doenças graves (como a 
anencefalia, por exemplo, em total dissonância ao julgado na Arguição de Descumprimento de 
 
73 BRASIL. Projeto de Lei nº 478, de 2007. Dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências. 
Disponível em: . Acesso em 9 de setembro de 2014 
74 Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Estado do Rio de Janeiro. 
Parecer da Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Seção do Estado do 
Rio de Janeiro acerca (da Inconstitucionalidade) do Projeto de Lei nº 478/2007, do seu substitutivo e dos seus 
apensos. Disponível em: . Acesso em 9 de setembro de 2014. p. 10. 
44 
 
Preceito Fundamental 54), nem mesmo se a gravidez fosse resultante de estupro. Mesmo 
embora não trate explicitamente dos casos em que a gravidez gere risco à saúde e à vida da 
mãe, a Comissão da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Rio de Janeiro afirma que o 
projeto “pretende impor compulsoriamente a maternidade em caso de risco de vida e à saúde 
das mulheres”75. 
Apensado a este projeto, encontram-se os Projetos de Lei 489/2007, de autoria do 
deputado Odair Cunha, e que também dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e outras 
providências; o Projeto de Lei 1763/2007, de autoria do deputado Jusmari Oliveira, que dispõe 
sobre a assistência à mãe e ao filho gerado em decorrência de estupro; e o Projeto de Lei 
3748/2008, de autoria da deputada Sueli Vidigal, que trata sobre a autorização do Poder 
Executivo de conceder pensão à mãe que mantenha a criança nascida de gravidez decorrente de 
estupro. 
O Projeto de Lei 487/2007 é obviamente inconstitucional, no entanto, reforça a 
pertinência do presente trabalho. Os membros do Poder Legislativo, no desempenho de suas 
atribuições, assegurados pelas abundantes prerrogativas constitucionalmente elencadas, como 
parte indissociávelda sociedade a qual servem e pertencem, refletem em seu trabalho os 
diversos valores que carregam. Atualmente, grupos religiosos têm conquistado representação 
política cada vez maior, o que interfere significativamente na tutela dos direitos e interesses das 
minorias, ameaça a laicidade estatal e coloca em risco garantias fundamentais hodiernamente 
asseguradas pelo ordenamento jurídico. 
Assim, conclui-se que o Poder Legislativo é uma via improvável para a 
descriminalização do aborto, restando apenas o Poder Judiciário para resolver os grandes 
conflitos políticos e morais que dividem a nação, atuando como árbitro final, decidindo 
questões tormentosas e delicadas como o aborto, de modo a considerar os interesses das 
minorias. 
 
75 Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Estado do Rio de Janeiro. Op. 
cit. p. 10. 
45 
 
Convém ressaltar que qualquer generalização é problemática. Nem todos os 
parlamentares são contrários à descriminalização do aborto. Prova disto é o projeto de reforma 
do Código Penal Brasileiro76 que está em tramitação no Senado Federal77. 
Segundo relata Jennifer Mendes Lemos, fora aprovada pelo Senado Federal a 
formação de uma Comissão de Juristas para a elaboração de um Anteprojeto de Código Penal 
em 10 de agosto de 2011, para qual fora nomeado como Presidente o Ministro do Superior 
Tribunal de Justiça e como Relator Geral decidiu-se logo em sua primeira reunião, datada de 
18 de outubro de 2011, o Procurador Regional da República da Terceira Região Luiz Carlos 
dos Santos Gonçalves78. 
A referida Comissão foi subdividida em três, uma responsável pela parte geral do 
Código Penal, outra responsável por sua parte especial e a última, pela legislação penal 
extravagante. Durante o processo legislativo, cada subcomissão apresentou suas propostas em 
reuniões conjuntas, o que permitiu a realização de acréscimos e supressões aos textos aprovados 
por todos os membros das distintas subcomissões. 
A reforma objetivava uma releitura do Código Penal, a partir das novas perspectivas 
surgidas após a outorga da atual Constituição Federal e em virtude da dinamicidade dos fatos 
sociais. Foi destacado o problema da grande quantidade de leis esparsas tratando da matéria 
penal, que foram criadas justamente na tentativa de acompanhar às mudanças sociais, cada vez 
mais céleres. Em suma, a Comissão comprometeu-se à: modernizar o Código Penal; unificar a 
legislação penal esparsa; analisar a compatibilidade dos tipos penais atualmente existentes com 
a Constituição de 1988, promovendo a descriminalização e a tipificação de condutas, quando 
necessário; analisar a proporcionalidade das penas dos crimes atualmente tipificados, a partir 
de sua gravidade relativa e, por fim buscar formas alternativas, não prisionais, de sanção penal. 
 
76 LEMOS, Jennifer Mendes. A descriminalização do aborto na proposta de reforma do Código Penal. Disponível 
em: 
. Acesso em 10 de setembro de 2014. 
77 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado, nº 236 de 2012. Disponível em: 
. Acesso em 10 de 
setembro de 2014. 
78 LEMOS, Jennifer Mendes. op. cit. 
46 
 
O anteprojeto foi transformado no Projeto de Lei do Senado nº 236 de 2012, autoria 
de José Sarney e, mesmo embora ainda esteja sujeito à mudanças significativas, propõe a 
seguinte inovação ao artigo 128 do Código Penal: 
Art. 128. Não há crime de aborto: 
I – se houver risco à vida ou à saúde da gestante; 
II – se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do emprego 
nãoconsentido de técnica de reprodução assistida; 
III – se comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis 
anomalias que inviabilizem a vida extrauterina, em ambos os casos atestado por dois 
médicos; ou 
IV – se por vontade da gestante, até a décima segunda semana da gestação, quando o 
médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de 
arcar com a maternidade. 
Parágrafo único. Nos casos dos incisos II e III e da segunda parte do inciso I deste 
artigo, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante, ou, quando menor, 
incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de 
seu companheiro.79 
 
Tal projeto, ao invés de descriminalizar a prática do aborto (e, de certa forma, 
minimizar polêmicas), acrescenta duas novas causas excludentes de ilicitude àquelas já 
previstas atualmente no Código Penal: pela nova redação, não seriam puníveis os abortos 
realizados em razão de comprovada anencefalia fetal ou quando este padecesse de doenças 
graves, incuráveis anomalias que inviabilizassem a vida extrauterina, bem como por vontade 
da gestante, até a décima segunda semana, quando o médico ou psicólogo constatar que a 
mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade. 
Como já foi dito no presente trabalho, é problemático arrolar quais doenças graves e 
anomalias incuráveis poderiam dar causa à realização de aborto, excluída a ilicitude da conduta 
nos termos da indicação prevista na alínea III. Porém, já que a alínea IV traz a hipótese de 
realização de aborto, até a décima segunda semana, se a gestante assim manifestasse sua 
vontade, eventuais controvérsias poderiam ser minimizadas. 
O autor do presente trabalho vê com maus olhos a expressão “quando o médico ou 
psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a 
maternidade”. Sabe-se que entrevistas com peritos e psicólogos podem ser desgastantes e em 
nada contributivas para a tutela dos direitos dos cidadãos. Exemplo disto é o exame 
criminológico, atualmente empregado em dissonância com o preceituado pela Lei de Execução 
 
79 BRASIL. Senado Federal. Quadro comparativo do Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012 (projeto do novo 
Código Penal). Disponível em . 
Acesso em 10 de setembro de 2014. 
47 
 
Penal, já que determinado pelos magistrados para analisar se o sentenciado que preenche o 
requisito objetivo necessário à progressão de regime ou à concessão do Livramento Condicional 
também preenche o requisito subjetivo, isto é, tem bom comportamento carcerário e está apto 
à ressocialização. Nestes exames, em conversas extremamente curtas, psicólogos e assistentes 
sociais concluem pela negativa de concessão dos benefícios mencionados caso o réu não 
confesse o crime, não se mostre arrependido ou tenha problemas familiares, o que é absurdo, já 
que nem mesmo em juízo existe tal obrigação ou são analisados tais aspectos. 
 Receia, assim, que se torne necessário às gestantes que optam em abortar 
desempenhar certo papel nestas entrevistas, mentindo para obter a autorização que necessitam. 
Para o autor desta monografia, as razões que levam uma mulher a abortar devem ser respeitadas 
independentemente de quais sejam, e devem permanecer no âmbito interno de sua 
subjetividade. 
No entanto, seria deveras interessante que as mulheres que realizem o procedimento 
abortivo tenham acompanhamento psicológico (facultativo, obviamente) antes, durante e após 
o processo, de modo que este não seja traumático, mas sim digno, seguro e humanizado. 
De todo modo, é extremamente positiva a proposta do Projeto de Lei ora em comento, 
que ainda faz questão de tratar sobre a validade do consentimento da gestante incapaz em seu 
parágrafo único: impossibilitada de consentir, deve-se recolher o consentimento de seu 
representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro. Tem-se, assim, uma possível solução 
para a incongruênciada legislação já apontada neste presente trabalho. 
Convém ressaltar que as alterações propostas estão em consonância com o parecer do 
Conselho Federal de Medicina, emitido em março de 2013, que se prostrou favorável à 
interrupção da gravidez até a 12ª semana de gestação, se por vontade da gestante. Tal 
documento foi solicitado pelo próprio Senado Federal, que inclusive realçou o problema social 
do aborto clandestino como uma das principais causas de mortalidade materna, e defendeu a 
autonomia da mulher para determinar seu corpo e seu futuro. Roberto Luiz d’Avila, presidente 
do Conselho, ensina que este limite faz-se necessário para assegurar a saúde da gestante, bem 
como em razão do desenvolvimento do sistema nervoso central do feto80. 
 
80 Conselho Federal de Medicina. CFM esclarece posição a favor da autonomia da mulher no caso de 
interrupção da gestação. Disponível em: 
. Acesso em 10 de setembro de 
2014. 
81 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: 
. Acesso em 9 de 
setembro de 2014. p. 245. 
49 
 
embriões que sofrem ou venham a sofrer outras doenças congênitas, genéticas ou adquiridas, 
as quais, de algum modo, “levem ao encurtamento de sua vida”82, ressaltando de maneira 
calorosa a importância do Processo Legislativo para o alcance dos interesses sociais e para 
adequação das leis aos interesses sociais. 
Mesmo embora a expressão utilizada (“levem ao encurtamento de sua vida”) tenha 
sido problemática, não há que se negar que a melhor maneira de tratar sobre temas controversos 
seria por lei, até mesmo porque o código penal prevê que a descriminalização desta maneira 
ocorra. No entanto, conforme amplamente discorrido, recorrer ao Poder Legislativo para tutelar 
direitos de minorias, tendo em vista a forte carga religiosa de seus membros, mostra-se inviável. 
Discorda-se, porém, da inadequação do Judiciário para sanar a discussão ora em pauta: 
o Supremo Tribunal Federal, através do controle de constitucionalidade concentrado, pode 
analisar a validade os dispositivos previstos nos artigos 124 e seguintes, à luz dos preceitos 
constitucionais. Critica-se tal órgão por não já tê-lo feito na Arguição de Descumprimento de 
Preceito Fundamental 54, já que totalmente pertinente ao caso e, conforme apontado pelo 
Ministro Lewandoski, indissociável a anencefalia de doenças cuja gravidade seja semelhante, 
motivo que o levou a votar pela improcedência da ação. Por adotar uma postura mínima em 
julgar apenas o que fora pleiteado, ainda restaram problemas e lacunas sobre a legalidade da 
prática abortiva, conforme dito incansavelmente. 
Percebe-se, assim, que seu voto contrário foi fundamentado na inadequação da via 
judiciária para resolver conflitos sociais, morais e éticos como o aborto, por exemplo. Porém, 
conforme explanado pelo autor desta obra, trata-se de um direito de uma minoria em total 
desvantagem: as pesquisas demonstram que a maior parte da população é contra, o Poder 
Legislativo possui uma Frente Parlamentar à Favor da Vida Contra o Aborto que conta com 
parcela significativa de seus membros, criando projetos de lei para excluir até mesmo as 
hipóteses excludentes de ilicitude previstas no artigo 128 do Código Penal. Para o autor desta 
monografia, somente discutindo-se a constitucionalidade do aborto, à luz de valores 
constitucionais como a dignidade da mulher como pessoa humana, de sua liberdade no campo 
sexual, de sua autonomia, de sua saúde, de sua privacidade e de sua integridade física, 
psicológica e moral, conforme artigos 1º, inciso III, 5º, caput e incisos II, III e X, e artigo 6º, 
caput, todos da Constituição Federal, seria possível obter a abolitio criminis. 
 
82 op. cit. p. 247 
50 
 
O voto do Ministro Antônio Cezar Peluso foi o mais singular em sua opinião. Iniciou 
seu voto alegando que a vida humana não constitui criação artificial da ciência jurídica, mas 
trata-se de realidade pré-jurídica da qual o Direito se apropria para efeito de valorações 
normativas fundamentais. Por este motivo, não seria lícito ao ordenamento subalterno, a seu 
respeito, mediante a técnica de ficção, negar-lhe a realidade autônoma, perceptível fora do 
mundo jurídico. Em palavras mais diretas, afirma não ser possível atribuir ao ser humano a 
qualificação jurídico-normativa de ser vivo apenas quando seja capaz de pleno 
desenvolvimento orgânico e social, de consistência e interação. Conclui, assim, que todos os 
fetos anencéfalos (a menos que já estejam mortos), são dotados de vida, e só morrem porque 
assim são83. 
Partindo desta premissa, Peluso refuta a tese de que o aborto pressuponha uma 
potencialidade de vida fora do útero, afirmando que para restar configurado tal crime, basta a 
eliminação da vida, abstraída toda especulação quanto a sua viabilidade futura ou extrauterina. 
Por esta razão, considera o aborto provocado de feto anencefálico como crime tipificado nos 
artigos 124 e seguintes do Código Penal, não havendo que se falar em resguardo à autonomia 
de vontade, quando esta se “preordena ao indisfarçável cometimento de um crime” danoso à 
vida ou à incolumidade física alheia, transpondo, portanto, a esfera da autonomia e da liberdade 
individuais84. 
Conclui, ainda: 
É que, nessa postura dogmática, ao feto, reduzido, no fim das contas, à 
condição de lixo ou de outra coisa imprestável e incômoda, não é dispensada, de 
nenhum ângulo, a menor consideração ética ou jurídica, nem reconhecido grau algum 
da dignidade jurídica e ética que lhe vem da incontestável ascendência e natureza 
humanas. Essa forma odiosa de discriminação, que a tanto equivale, nas suas 
consequências, a formulação criticada, em nada difere do racismo, do sexismo e do 
chamado especismo. Todos esses casos retratam a absurdadefesa e absolvição do uso 
injusto da superioridade de alguns (em regra, brancos de estirpe ariana, homens e seres 
humanos) sobre outros (negros, judeus, mulheres e animais, respectivamente). No 
caso do extermínio do anencéfalo, encena-se a atuação avassaladora do ser poderoso 
superior que, detentor de toda a força, inflige a pena de morte ao incapaz de pressentir 
a agressão e de esboçar-lhe qualquer defesa. Mas o simples e decisivo fato de o 
anencéfalo ter vida e pertencer à imprevisível espécie humana garante-lhe, em nossa 
ordem jurídica, apesar da deficiência ou mutilação - apresentada, para induzir horror 
e atrair adesão irrefletida à proposta de extermínio, sob as vestes de monstruosidade -
, que lhe não rouba a inata dignidade humana, nem o transforma em coisa ou objeto 
 
83 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: 
. Acesso em 9 de 
setembro de 2014. p. 378 
84 op. cit. p. 383-384. 
51 
 
material desvalioso ao juízo do Direito e da Constituição da República.85 (grifos do 
autor). 
 
Peluso ainda aponta em seu voto que não há que se sopesar diferentemente a vida do 
infante com a de outra pessoa: aquela não vale menos que esta, já que o direito a vida não seria 
suscetível de graduações axiológicas. Para ilustrar seu raciocínio, o ministro exemplifica que o 
enfermo em estado terminal, independentemente de sua idade, portador de doença incurável, 
também sofre e causa sofrimento a seus familiares e amigos, mas nem por isso pode ser 
executado, nem é lícito atualmente receber auxílio para dar cabo à própria vida, já que tal prática 
seria enquadrada no artigo 122 do Código Penal (crime de auxílio ao suicídio). Analogamente, 
interromper a gravidez do feto anencéfalo em razão de sua ínfima possibilidade de sobrevida, 
ou em seu curto período, seria insustentável à luz da ordem constitucional, que garante valor 
supremo à vida humana. 
O voto do ministro Cézar Peluso baseia-se em uma tecnicalidade: o feto anencéfalo 
tem vida e, por este motivo, deve gozar de proteção jurídica. De imediato, discorda-se acerca 
da impossibilidade de sopesar a vida humana em seus diferentes estágios: prova disso é a 
hipótese excludente de ilicitude prevista no primeiro inciso do artigo 128 do Código Penal que 
autoriza a interrupção da gravidez caso esta traga riscos para a vida da gestante. 
A diferença clara entre o feto anencéfalo e o paciente terminal é a dependência física 
com outro organismo vivo já plenamente desenvolvido (no caso, a mãe) que aquele possui para 
sobreviver, tendo em vista ainda não existirem métodos artificiais substitutivos ao processo de 
desenvolvimento intrauterino. Qual razão lógica poderia ser invocada para defender o desgaste 
físico e psíquico da mulher e obrigá-la a nutrir um organismo fadado a morrer logo após seu 
nascimento, gestando morte em seu próprio ventre? 
Em verdade, o Ministro Peluso fundamenta sua argumentação no fato de que o Estado 
brasileiro atual protege indistintamente e indiscriminadamente à vida humana. No entanto, para 
o autor do presente trabalho, é essencial a mudança desta mentalidade. Não se pode esquecer o 
fim primordial de qualquer processo reprodutivo que é a formação de um novo ser da mesma 
espécie. 
 
85 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: 
. Acesso em 9 de 
setembro de 2014. p. 384. 
52 
 
De fato, com o avanço da medicina e do conhecimento científico, surgem novas 
questões a serem tratadas e reguladas pelo direito. As novas discussões no campo da bioética 
trazem assuntos à ordem jurídica como o direito de não nascer (wrongful birth), o direito à uma 
morte digna (eutanásia e ortotanásia), a utilização de células-tronco embrionárias para fins 
medicinais, entre tantos outros. Em todos estes, é necessário tratar da proteção conferida à vida 
humana e, mesmo embora seja indubitável a necessidade de regulamentação jurídica, a proteção 
indistinta do que é vivo em nada contribui para a evolução da humanidade. 
Caso se pense nos gametas reprodutivos humanos separados, estes já carregam 
potencialidade para formar um novo ser humano. No entanto, conferir-lhes proteção jurídica 
semelhante (ou idêntica, utilizando-se da argumentação trazida por Peluso) à de um indivíduo 
plenamente desenvolvido parece absurdo, até mesmo porque, em regra geral, a maioria das 
células reprodutivas humanas será descartada: se se considerar a média brasileira de filhos como 
entre um ou dois por casal, chega-se à conclusão óbvia de que pouquíssimas destas células 
realmente atingirão os fins para os quais se destinam. 
Porém, quando um espermatozoide masculino fecunda um óvulo feminino, não se 
julga tão absurdo conferir à apenas duas células que se fundem proteção idêntica àquela 
atribuída a um ser humano plenamente desenvolvido (vide não somente seu voto, mas também 
o Estatuto do Nascituro). De fato, há vida no zigoto formado, bem como existe a esperança de 
que este venha a desenvolver-se e a formar mais um exemplar da espécie humana. No entanto, 
é óbvio para o autor desta monografia tratar-se de duas situações distintas, sendo a 
dissemelhança mais gritante a incapacidade de auto sobrevivência do embrião. 
Além disso, ao votar pela proteção indistinta da vida humana, o ministro trata com 
demasiada frieza o sofrimento humano trazido pela fatídica gravidez de um feto portador de 
anencefalia, amplamente relatada em diversos casos ao longo da Arguição: aos olhos do autor 
deste trabalho, mesmo embora exista a certeza de que todos os seres vivos morrerão, há também 
a incerteza do momento em que seu término ocorrerá. No caso do feto anencéfalo, não há 
expectativa de vida extrauterina (sem o auxílio da medicina e da tecnologia humana). Não há 
prognóstico, tratamento, eventuais pesquisas para sanar tamanha deficiência. Eis aqui a grande 
diferença entre a eutanásia e a interrupção terapêutica do parto: o feto depende do organismo 
materno para sobreviver, e não é justo obrigar uma mulher a gestar a morte dentro de seu ventre, 
mesmo que as células do feto possuam vida. 
53 
 
Felizmente, seu voto não se fundamenta em dogmas religiosos, o que em muito agrada 
o autor deste trabalho. Mesmo que embutidos em seu discurso, sua linha de raciocínio 
permaneceu eminentemente jurídica. Assim, na opinião do autor desta obra, a via judiciária é 
ainda a mais adequada, até mesmo porque os argumentos apresentados são racionalmente 
rebatíveis. No entanto, evidentemente é impossível para o autor concordar com as afirmações 
tecidas pelo Ministro Peluso, já que, aos olhos do autor desta monografia, proteger 
indistintamente a vida do feto anencéfalo é prender-se a tecnicalidades, ignorando a própria 
realidade de que o feto só tem vida em razão da mãe. 
 
 
 
2.1.5 Da Anencefalia 
 
 
O argumento decisivo dos votos procedentes da Arguição de Descumprimento de 
Preceito Fundamental foi, sem dúvidas, a gravidade da anencefalia fetal, que indubitavelmente 
ocasionará em óbito do feto em 100% dos casos, sendo que, em 50% dos casos, a morte se dá 
no período intrauterino86. 
Thomaz Rafael Gollop aponta que, no Brasil, a anencefalia só ficou popularmente 
conhecida em razão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Nos demais 
países onde a legislação contempla a hipótese de interrupção da gravidez em razão de graves 
anomalias fetais, não foi dado enfoque à tal doença. Desse modo, quaisquer malformações que 
inviabilizem a vida extrauterina ficariam abarcadas pela legalidade87. A Arguição de 
Descumprimento de Preceito Fundamental é, portanto, criticável neste aspecto: o Supremo 
Tribunal Federal deveriater analisado a matéria amplamente, não ficando restrito ao objeto da 
 
86 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: 
. Acesso em 9 de 
setembro de 2014. p. 14. 
87 GOLLOP, Thomaz Rafael. Anomalias Fetais Graves ou Incuráveis. Disponível em: 
. Acesso em 8 de setembro de 
2014. 
54 
 
referida ação constitucional justamente porque existem diversas outras doenças tão graves 
quanto a anencefalia que ainda padecem de regulamentação ou orientação jurisprudencial. 
Quanto a enfermidade em si, Gollop explica que a anencefalia constitui grave 
malformação fetal resultante da falha de fechamento do tubo neural, cursando com ausência de 
cérebro, calota craniana e couro cabeludo, e ocorre entre o 24º e 26º dia após a fecundação88. 
 Gollop ainda afirma que um pequeno percentual desses fetos anencefálicos apresenta 
batimentos cardíacos e movimentos respiratórios fora do útero, funções que podem persistir por 
algumas horas e, em raras situações, por alguns dias. 
De fato, existiu discussão acerca da gravidade da doença, bem como de seu 
diagnóstico. O Ministro Cezar Peluso, um dos dois ministros que votaram pela improcedência 
da ação, ressalta em seu voto que, enquanto os favoráveis à descriminalização do aborto 
apontavam a certeza do diagnóstico da anencefalia, os grupos que condenavam a prática 
temperaram que a anencefalia não seria algo certo e determinado, mas um conceito fluido, 
contínuo, que vai da forma mais grave (a própria anencefalia) a formas menos graves 
(meroanencefalia), e que a ciência médica não seria capaz de distingui-las precisamente, através 
das técnicas atuais. Em sua linha argumentativa, afirma ser este um dado científico que não 
pode ser retrucado89. 
No entanto, esqueceu-se Peluso de analisar a letalidade das diversas más formações 
cerebrais existentes. Novamente, conforme já dito, existem diversas outras doenças que 
inviabilizam a vida extrauterina, e a restrição do objeto da Arguição de Descumprimento de 
Preceito Fundamental à anencefalia cerebral mostra-se insuficiente, já que confere tratamento 
jurídico diferenciado a hipóteses semelhantes. 
Quanto a letalidade, Peluso afirma que a medicina atual não pode nunca prognosticar 
o tempo de sobrevida do anencéfalo90, o que reforça sua linha argumentativa previamente 
analisada de preservação da vida do feto, já que a morte é uma certeza universal à todos os seres 
 
88 Cheschier N. ACOG Commitee on Practice Bulletins-Obstetrics. ACOG practice bulletin. Neural 
Tube Defects.Number 44, July 2003. Int J. Gynaecol Obstet. 2003 Oct. 83(1): 123-133. 
89 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: 
. Acesso em 9 de 
setembro de 2014. p. 23-26. 
90 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: 
. Acesso em 9 de 
setembro de 2014. p. 401. 
55 
 
vivos e, assim, a vida deve ser respeitada independentemente de sua duração. Novamente, o 
discurso do ministro carece de sensibilidade: a sobrevida do feto anencéfalo é possível somente 
através das técnicas médicas atuais. Aos olhos do autor deste trabalho, não há sentido prolongar 
a expectativa de vida do feto anencéfalo apenas para provar que o organismo portador de 
anencefalia pode ser mantido vivo às custas da ciência médica, postergando o sofrimento 
inevitável à mãe e à família. Tal tratamento só é tolerável para fins de transplante de órgãos, 
nos casos em que diagnosticada a morte cerebral e houver o consentimento prévio do paciente, 
que se declarou como doador de órgãos, ou de seus familiares. 
De todo modo, a maioria dos ministros votaram pela atipicidade do fato, já que a 
anencefalia é incompatível com a vida extrauterina. Não faz sentido esperar o desenvolvimento 
e nascimento do feto anencéfalo dentro do útero materno, uma vez diagnosticada a doença, 
estendendo o sofrimento da mãe e das famílias. 
O Ministro Marco Aurélio, citando Thomaz Rafael Gollop, ressalta que o anencéfalo, 
tal qual o morto cerebral, não tem atividade cortical, sendo possível considera-lo um morto 
cerebral (natimorto)91. Conclui, assim, que a anencefalia configura doença congênita letal, já 
que não há possibilidade de desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior: 
Citando Cláudia Wernek, o ministro afasta a hipótese de se considerar o aborto nestas 
circunstâncias eugênico, já que, em razão da total ausência de expectativa de vida fora do útero, 
a anencefalia não pode ser considerada deficiência e, portanto, não cabe questionar se existe 
negação do direito à vida ou discriminação92. 
Marco Aurélio ainda afasta a hipótese de se considerar a manutenção da gravidez para 
fins de doação de órgãos do feto anencéfalo, já que não se pode tratar a mulher como 
instrumento para geração de órgãos e posterior doação: ela é um fim em si mesma. Ressalta-se, 
nenhum indivíduo é obrigado doar sangue, medula óssea ou quaisquer órgãos, mesmo que tais 
atitudes possam salvar vidas93. 
Conclui seu raciocínio afirmando que: 
 
91 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: 
. Acesso em 9 de 
setembro de 2014. p. 44. 
92 Op. cit. p. 49. 
93 Op. cit. p. 52 
56 
 
Os tempos atuais, realço, requerem empatia, aceitação, humanidade e solidariedade 
para com essas mulheres. Pelo que ouvimos ou lemos nos depoimentos prestados na 
audiência pública, somente aquela que vive tamanha situação de angústia é capaz de 
mensurar o sofrimento a que se submete. Atuar com sapiência e justiça, calcados na 
Constituição da República e desprovidos de qualquer dogma ou paradigma moral e 
religioso, obriga-nos a garantir, sim, o direito da mulher de manifestar-se livremente, 
sem o temor de tornar-se ré em eventual ação por crime de aborto. 
Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial, para declarar a 
inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de 
feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do 
Código Penal brasileiro. 
 
Carmen Lúcia compartilha desta sensibilidade defendida por Marco Aurélio, 
argumentando que a impossibilidade de abortar constada a anencefalia importa risco à saúde da 
gestante, não somente físico, nem somente àquele inerente à qualquer gravidez, mas mental, 
visto a tortura psicológica e moral que o dever da gestação de um feto anencefálico impõe a 
uma mulher: 
A ameaça ao direito à saúde dá-se pela obrigatoriedade de uma mulher manter-se 
grávida, mesmo contra sua vontade, após o diagnóstico da inviabilidade fetal. A 
maioria absoluta das mulheres opta pela interrupção da gestação após a certeza da 
anencefalia no feto. O dever da gestação constitui um ato de tortura do Estado contra 
elas, em que a gravidez passa a ser uma experiência angustiante de luto prolongado. 
A passagem da glorificação feminina pela gravidez para o luto materno é 
continuamente traduzido no 'dilema berço-caixão' descrito por essas mulheres 
[...] 
Em um ordenamento jurídico laico e plural, não importa se há origem para essa 
injustiça ou se ela é imputada à loteria da natureza. Em qualquer uma dessas 
explicações, não há agente causador da injustiça de uma mulher gestar um feto 
anencefálico: natureza e acaso se confundem. Mas há, sim, mecanismos sociais de 
proteção ou de abandono desta mulher. Proibi-la de interromper a gestação, forçando-
a a manter-segrávida de um feto fadado à morte iminente, exigir que ela converta o 
sofrimento involuntário em uma experiência mística de sublimação de si e do luto 
pelo futuro filho, são tarefas que não cabem a um representante do Estado.94 
Percebe-se que tais argumentos podem ser utilizados para fundamentar a 
descriminalização de quaisquer outras doenças que causem a inviabilidade fetal: inexistentes a 
possibilidade de tratamento, não há que se falar em prorrogação do sofrimento materno, cujo 
organismo sustenta a vida do feto enfermo de maneira semelhante aos aparelhos que mantém 
pacientes terminais em sobrevida. Entende-se ser possível utilizar tais argumentos até mesmo 
para defender a descriminalização do aborto em quaisquer hipóteses, já que realçam a 
necessidade de melhor se proteger a mulher, sua dignidade e sua autonomia. 
 
 
94 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: 
. Acesso em 9 de 
setembro de 2014. p. 189. 
57 
 
 
2.1.6 Conclusão 
 
 
Conclui-se, diante do exposto, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Arguição 
de Descumprimento de Preceito Fundamental, levantou diversos argumentos que podem ser 
utilizados para se defender a descriminalização do aborto, não somente na hipótese de 
constatada a anencefalia fetal, mas também independentemente de quaisquer anomalias fetais, 
ressalvada a opinião médica quanto a viabilidade do procedimento. 
Percebe-se, também, que o órgão é um mecanismo viável de solução de grandes 
controvérsias, já que considera o direito das minorias à luz dos preceitos elencados na 
Constituição Federal. Mesmo que a laicidade estatal esteja atualmente ameaçada (se é que já 
esteve ou estará eventualmente fora de risco), sente-se que a influência dos diversos dogmas 
religiosos são ponderados adequadamente, isto é, mesmo embora sejam levados em 
consideração, devem ser traduzidos em argumentos pertinentes à ordem jurídica. 
Mesmo embora tenham sido analisados dois projetos de lei, a saber, o Estatuto do 
Nascituro e o de Reforma do Código Penal, o intuito do autor desta tese de láurea foi demonstrar 
a atual improbabilidade de alterações legislativas sobre o assunto aborto. O primeiro deles 
restou ser evidentemente inconstitucional, enquanto o segundo deles, em razão de sua pretensão 
elevada, pode demorar muitos anos para ser aprovado. 
Assim, não há que se falar em postura mínima do judiciário, especialmente frente a 
questões de premente necessidade, que envolvam a saúde e a vida de milhares de pessoas. Na 
opinião do autor deste trabalho, não há conflito de competências neste caso entre Judiciário e 
Legislativo, senão negativo (caso o Judiciário adote tal postura minimalista), já que este 
provavelmente não proporcionará as devidas mudanças e aquele declara-se incompetente. 
 
 
58 
 
CAPÍTULO 3 – NECESSIDADE DE DESCRIMINALIZAÇÃO DO 
ABORTO AOS OLHOS DO AUTOR 
 
 
Primeiramente, convém ressaltar que a descriminalização não importa incentivar a 
prática anteriormente tipificada, mas simplesmente a abstenção da aplicação da ultima ratio 
estatal para punir o indivíduo que se comportar da maneira anteriormente prevista como delito. 
Desse modo, defender a descriminalização do aborto possibilita às mulheres que optaram em 
realiza-lo ter acesso a procedimentos médicos seguros e eficazes, resguardando a cada uma 
delas o direito de autodeterminar-se. Por esta razão, os motivos que levam uma mulher a abortar 
não têm relevância para este estudo, já que, independentemente de quais sejam, dizem respeito 
apenas ao indivíduo, em sua singularidade. 
Feita esta consideração, inicia-se o debate apontando sua importância: o aborto 
inseguro é um problema de saúde pública: segundo dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, 
1.054.242 abortos foram induzidos em 2005, sendo evidente sua demanda, que o faz ocupar o 
papel de uma das principais causas de mortalidade materna (variando entre a quinta e a terceira 
posição nesta classificação infausta)95. Tal número ainda é utilizado para se estimar o número 
de abortos realizados anualmente, haja vista a dificuldade de obtenção de dados fidedignos (por 
motivos óbvios: vergonha, criminalização, desrespeito pelos funcionários de saúde, etc.). 
Inegável, portanto, a relevância temática do presente trabalho. 
Jennifer Mendes Lemos ressalta que o aborto entre a classe alta resta impune (assim 
como tantas outras condutas), já que seus membros podem simplesmente deslocar-se para 
países onde tal prática já esteja legalizada, tendo acesso a tratamento médico de qualidade. 
Logo, somente as mulheres de classe média e baixa correm riscos de vida caso desejem 
interromper uma gravidez, pois não terão alternativa a não ser buscar meios clandestinos de 
 
95 BRASIL. Ministério da Saúde. 20 anos de pesquisas sobre o aborto no Brasil. 2009, Brasília-DF. Disponível em: 
. Acesso em 9 de setembro de 2014. 
59 
 
realiza-lo96. Por esta razão, afirma-se que o aborto no Brasil é um problema de saúde, e não 
criminal. 
Lemos ainda pontua que o crime de aborto é difícil de ser provado, pois, assim como 
todo delito que deixa vestígios, exige-se o exame de corpo de delito, e a perícia médica necessita 
provar tanto a pré-existência de gravidez, de modo a embasar justa causa para propositura da 
ação penal, como o fato de que o aborto ocorreu de forma criminosa, o que é extremamente 
temeroso, já que existem diversas causas naturais que também ocasionam a perda do feto. Por 
estas razões, Lemos, ao citar o entendimento da Sociedade Brasileira de Bioética, realça que a 
tipificação da conduta de aborto e a prisão de mulheres que realizam tal procedimento não é 
medida adequada para proteger o feto, pois, além de não inibir a sua ocorrência, estigmatiza e 
torna as mulheres de baixa renda mais vulneráveis, já que tais mulheres serão as únicas 
submetidas ao sistema repressivo penal, e a prática de abortos clandestinos pode acarretar sérios 
problemas à sua saúde, sendo uma das principais causas de mortalidade materna, conforme já 
mencionado97. 
Ainda tratando de dados estatísticos, estima-se que existam mais de sete bilhões de 
pessoas no mundo98. Além disso, a humanidade, em razão da má gestão e abuso dos recursos 
naturais (renováveis e não renováveis), tem alterado catastroficamente o planeta Terra, 
deteriorando o meio ambiente de maneira mais acelerada do que este pode se regenerar99 (vide 
aquecimento global). Pois bem: em um planeta superpopulado, qual a necessidade de obrigar 
um ser humano a procriar? 
Diversas religiões compreendem a procriação como um dos sentidos da vida. A 
mulher, encarregada de gestar o embrião, só alcançaria a plenitude de sua existência quando se 
tornasse mãe. Na sociedade patriarcal, a mulher desempenha, de fato, apenas este papel (além 
 
96 LEMOS, Jennifer Mendes. A descriminalização do aborto na proposta de reforma do Código Penal. Disponível 
em: 
. Acesso em 10 de setembro de 2014. 
97 Nota da Diretoria da SBB sobre a Descriminalização do Aborto no Projeto de Lei do Novo Código Penal. 
Disponível em . Acesso em 14 de setembro de 2014. 
98 Organizações das Nações Unidas. ONU: dos 7 bilhões de habitantes do mundo, 6 bi têm celulares, mas 2,5 bi 
não têm banheiros. 22 de março de 2013. Disponível em: . Acessoem 9 de setembro de 2014. 
99 Global Footprint Network. August 19th is Earth Overshoot Day: The date our Ecological Footprint exceeds our 
planet’s annual budget. Disponível em 
. 
Acesso em 9 de setembro de 2014. 
60 
 
de governanta de sua residência). A esterilidade era encarada como um castigo divino, 
causadora de muito sofrimento e indutora de diversos e caros tratamentos. 
Mesmo embora diversas mulheres ainda vivam tal realidade, e sem desmerecer a dor 
daqueles que possuem enfermidades que causem problemas de fertilidade, o panorama atual é 
diversificado: as mulheres ganham espaço no mercado de trabalho e as atividades por elas 
desempenhadas multiplicam-se exponencialmente. Muitas adiam a gravidez para quando 
estiverem financeiramente e profissionalmente estabilizadas, mas ainda são raras aquelas que 
optam em não ter filhos, haja vista a incrustação de tais valores. 
Não querer gerar descendentes ainda hoje não é uma opinião naturalmente respeitada, 
até mesmo crível. Para o autor da presente obra, há problema nesta incredulidade social: as 
mulheres são intrinsecamente ligadas à maternidade, indissociáveis à esta, como se fosse um 
dever ser mãe. 
A taxa de fecundidade - número médio de filhos que uma mulher teria dentro do seu 
período fértil - também é um fator interessante à ser analisado nesta discussão. Entre os anos 
2000 e 2010, a média brasileira caiu para 1,9 filhos por mulher100. 
Além disso, não é tipificado pela sociedade atual não desejar engravidar (e 
consequentemente desperdiçar gametas), mesmo embora diversas religiões considerem pecado 
usar métodos contraceptivos, como a camisinha. Mesmo embora constate-se o óbvio, convém 
sublinhar que lícitos, portanto, são os métodos contraceptivos. 
Por fim, também é importante considerar que o aborto é um fenômeno natural, que 
pode acontecer espontaneamente, sendo múltiplas as suas causas. 
Partindo destes pressupostos, o autor deste trabalho entende que a maioria das células 
reprodutivas de um indivíduo da espécie humana, tanto masculinas quanto femininas, serão 
desperdiçadas, já que em média apenas uma ou duas destas gerarão um novo espécime. A regra 
geral, portanto, é o desperdício de gametas. 
 
100 G1. Taxa de fecundidade no Brasil cai e é menor entre mais jovens e instruídas. Média de filhos por mulher 
no país chegou a 1,9 em 2010, segundo Censo. Mulheres sem instrução e com ensino fundamental incompleto 
têm 3 filhos. São Paulo, 17/10/2012. Disponível em: . Acesso em 10 de setembro de 2014. 
61 
 
Pois bem: se é lícito desperdiçar gametas anteriormente à fecundação do óvulo pelo 
espermatozoide humano, por que não o é seu descarte posterior? 
Neste ponto, deve-se relembrar a discussão já apontada acerca do caráter abortivo de 
diversos métodos anticoncepcionais, como a pílula de contracepção de emergência (do dia 
seguinte) e o Dispositivo Intrauterino (DIU). Se se considerá-los abortivos, percebe-se a 
existência de tratamento jurídico diferenciado para situações semelhantes, visto que 
socialmente aceitos. 
Mister se faz adotar postura feminista neste ponto: trata-se o embrião como 
indispensável à sobrevivência da espécie humana, imperdível, como se o espermatozoide 
santificasse o óvulo, mesmo embora em regra ambos seriam simplesmente descartados. 
Muito pelo contrário: o mundo atualmente está superpopulado, os recursos naturais 
estão sendo depredados e a espécie humana não se encontra em risco de extinção 
(diferentemente de diversas espécies animais e vegetais). Com estas informações, é possível 
afirmar que o controle de natalidade voluntário mostra-se um mecanismo de preservação das 
futuras gerações, sendo louvável a posição adotadas por aqueles que não desejam ter uma prole, 
de maneira semelhante como a adoção é por muitos considerada. Independentemente do 
impacto econômico presumível em razão da inversão da pirâmide populacional, é lógico 
afirmar que, nas mesmas circunstâncias, um número menor de indivíduos consome menos 
recursos que um número maior. 
Alguns doutrinadores, conforme apontado, consideram a nidação como marco inicial 
para que seja possível a prática delitiva. No entanto, conforme já dito, não se pode concordar 
com tal doutrina (nem é a favor desta discussão), pois estar-se-ia afirmando existir uma 
indicação tácita de excludente de ilicitude até a segunda semana de gestação. Mesmo embora 
seja difícil a prova e a consequente condenação em tais casos, não há que se duvidar da 
possibilidademde persecução penal, o que por si só já é degradante. Ademais, se não há 
discussão acerca do marco inicial da gravidez (tem-se um consenso de que inicia a partir da 
fecundação), não faz sentido discutir o marco inicial para que se considere possível a prática 
abortiva. 
Conforme dito, tem-se que considerar a extensão da proteção dada ao embrião, que 
não deve ser igualável àquela conferida a um indivíduo humano. Convém relembrar que, nas 
hipóteses de fertilização in vitro, diversos embriões são preparados artificialmente, sendo que 
62 
 
nem todos são aproveitados, assim como alguns destes falham no processo de nidação, sendo 
descartados naturalmente. Objetivando proteger os embriões não utilizados (que são 
congelados), os bancos de reprodução assistida de todo o país armazenaram-nos por anos101, 
até que o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução 2.013/2013, que autorizou e 
regulamentou o desfazimento destes embriões, inclusive sua doação para fins de pesquisa, que 
a Lei de Biossegurança (Lei no 11.105/05), em seu artigo 5º, inciso II, já autorizava, desde que 
os embriões estivessem congelados há três anos para uso em pesquisas sobre células- tronco, 
estendendo o prazo para cinco anos. Tal prazo é estipulado em razão da viabilidade de utilização 
destes embriões para fins de fertilização artificial, já que o decorrer do tempo diminui as 
chances de sucesso de tratamento e os riscos. 
Conclui-se pelo fato relatado que a proteção indistinta conferida às células 
reprodutivas e aos embriões humanos é inviável. Ao julgar a Ação Direta de 
Inconstitucionalidade 3.510, o Supremo Tribunal Federal, já posicionou-se acerca da 
constitucionalidade da realização de pesquisas com células-tronco embrionárias, reconhecendo 
que o progresso da ciência e da humanidade só é atrapalhado pela regulamentação retrógrada. 
No entanto, evidentemente, não há que se falar em ausência de regras. Nesse aspecto, 
convém redizer que o Conselho Federal de Medicina já se posicionou a favor da legalização do 
aborto até a décima segunda semana de gestação, quando o feto atinge um certo nível de 
desenvolvimento do sistema nervoso central. É evidente que haja a necessidade de se impor um 
limite temporal para a realização de tal procedimento, tanto para assegurar a saúde da gestante 
e o sucesso do tratamento, como para evitar a tortura de um organismo em formação. 
Sobre a capacidade do feto sentir dor, existem diversos posicionamentos: uns apontam 
que são incapazes102, outros afirmam que ele passa a sentir dor a partir da 24ª semana103, por 
exemplo. De todo modo, cabe a medicina definir tais questões, e não ao direito. 
 
101 MARCHIORI, Rafael. Resolução define o destino de 108 mil embriões congelados. Gazeta do Povo. 19 de 
maio de 2013. Disponível em: 
. Acesso em 14/09/2014. 
102 BBC Brasil. Fetos 'não sentem dor', diz especialista britânico. Brasília, 14 de abril de 2006. Disponível em: 
.Acesso em 
14/09/2014. 
103 VEJA. Feto humano não sente dor antes de 24 semanas. 25 de junho de 2010. Disponível em: 
. Acesso em 
14/09/2014. 
63 
 
Além disso, a criação de um filho é uma importante decisão que, em tese, deveria ser 
planejada. O planejamento familiar pode fornecer oportunidade para que um novo ser humano 
venha a desenvolver-se plenamente, não se tratando aqui somente do desenvolvimento corporal, 
mas também intelectual. 
Célebre é a frase que diz que a cura do câncer pode estar presa na mente de uma pessoa 
sem educação (autoria desconhecida). De fato, o Estado, no plano ideal, deveria cuidar para 
fornecer todo o aparato necessário para o desenvolvimento de seus integrantes, de modo a 
alcançar o bem comum, sendo secundária a responsabilidade da família. No entanto, na 
realidade, é esta quem cuida primordialmente e principalmente do desenvolvimento dos 
indivíduos, em todos os planos (alimentar, cultural, intelectual, etc.). 
Assim, a família, como célula mater do Estado, tem papel importantíssimo no 
desenvolvimento de um indivíduo, sendo que não ter total controle sobre sua capacidade 
reprodutiva pode prejudicar irremediavelmente tanto o desenvolvimento da mulher, haja vista 
os sacrifícios e abdicações que terá que fazer para cuidar de sua prole, como a criança que venha 
a nascer, em razão de possível instabilidade gerada dentro da família por sua chegada. 
De fato, com os mecanismos anticoncepcionais, a mulher foi empoderada 
significativamente, podendo impedir que engravide sem abster-se de relações sexuais. Porém, 
sabe-se da falibilidade destes mecanismos. Assim, justifica-se a necessidade do acesso a todos 
os mecanismos contraceptivos, inclusive os abortivos, de modo que este empoderamento seja 
completo. 
Um dos argumentos que o autor desta tese de láurea não consegue rebater (e 
provavelmente o mais importante deles) é o de que cada combinação entre óvulo e 
espermatozoide é única, e a prática abortiva poderia vir a impedir o nascimento de um indivíduo 
que traria um bem à humanidade inigualável, como, por exemplo, descobrir a cura do câncer. 
Suaviza-se este argumento contra-argumentando com o alegado anteriormente: sem condições 
ideais, tal indivíduo não alcançaria seu pleno desenvolvimento, e seu brilhantismo e 
singularidade também poderiam ser desperdiçados. 
Mesmo que não trouxesse nenhum bem maior, sua singularidade estaria perdida. 
Contra este argumento, não há debate. No entanto, a discussão é possível quanto à aplicação da 
Ultima Ratio estatal para punir as mulheres que realizam tal procedimento, e o autor deste 
trabalho posiciona-se a favor de sua não aplicação. 
64 
 
CAPÍTULO 4: CONCLUSÕES 
 
 
O presente trabalho objetivava demonstrar a pré-existência de argumentos jurídicos 
necessários à descriminalização do aborto, haja vista terem estes sido utilizados para 
fundamentar o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. 
Ao analisar a doutrina, percebeu-se a precária regulamentação sobre o tema: como 
visto, o Código Penal confere validade ao consentimento da gestante maior de catorze anos para 
tipificar a conduta prevista em seu artigo 126, o que, por si só, exclama por melhor tratamento. 
Além disto, analisando-se brevemente o Direito Romano, esclareceu-se que nem 
sempre a conduta abortiva fora considerado crime, tendo o cristianismo papel principal como 
motivador de seu repúdio104. Aprofundando-se ao tema, restou explicado que o dogma cristão 
é baseado na teoria da animação imediata da alma, que prega seu surgimento a partir da 
fecundação do óvulo. Desse modo, argumentos religiosos devem ser analisados com deveras 
parcimônia, visto fundamentarem-se em um mistério. Para o autor desta monografia, a 
manutenção da tipificação do crime de aborto em razão de ensinamentos proferidos por esta ou 
aquela religião é inviável, haja vista o Princípio da Laicidade Estatal105. 
 Tal argumento somente se fortifica quando o feto padece de doenças graves. Com o 
julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e o abarcamento pela 
legalidade da realização do aborto se constatada a anencefalia cerebral, em razão da atipicidade 
da conduta, surge uma lacuna: a possibilidade de realização da prática em casos semelhantes, 
isto é, quando o feto portar doenças e anomalias que também inviabilizem a vida extrauterina. 
 De fato, este foi um dos principais pontos criticáveis: para o autor deste trabalho, era 
imprescindível que o Supremo Tribunal Federal não restringisse o objeto do litígio, haja vista 
a indissociável existência de diversas outras enfermidades tão graves quanto a anencefalia. 
Pode-se afirmar que a não ampliação dos efeitos de sua decisão importa conferir tratamento 
 
104 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos 
Tribunais, 2013. 1020 páginas. p. 128-153. 
105 VERARDO. Maria Tereza. SOUZA, Maria Jucinete de. Aborto - Interrupção Voluntária da Gravidez. Disponível 
em . Acesso em 17 de agosto de 2014. p 5. 
65 
 
jurídico diferenciado à situações semelhantes. A omissão do Judiciário, in casu, pode ocasionar 
a persecução penal de milhares de mulheres. Não convém amenizar tal falha relembrando existir 
a possibilidade de absolvição nestes casos, já que cabível a aplicação da excludente de 
culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa: o processo penal, per se, é 
estigmatizante. Conforme dito, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 
está rica em argumentos descriminalizadores, que poderiam fundamentar a ampliação do objeto 
da ação. Reitera-se, a anencefalia e demais doenças graves incompatíveis com a vida humana 
constituem objeto indivisível aos olhos deste autor. 
Portanto, critica-se a posição minimalista do Poder Judiciário. Primeiramente, por ser 
o tema extremamente polêmico e existir controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, conforme 
constatado, sendo gritante a necessidade de unificação de entendimento. Segundo porque, aos 
olhos do autor desta tese de láurea, não é provável que ocorra qualquer alteração legislativa 
(quiçá favorável) à descriminalização do aborto (ou extensão do rol das indicações de exclusão 
de ilicitude previstas no artigo 128 do Código Penal). Prova disto são os diversos projetos de 
Lei que objetivam agravar a legislação vigente sobre o tema, como o Estatuto do Nascituro, que 
pretende excluir quaisquer hipóteses lícitas de aborto. 
Mesmo embora existam Projetos de Lei favoráveis à descriminalização (como o 
projeto de reforma do Código Penal), é provável que tais alterações sejam vetadas, tanto pelos 
próprios membros do Congresso Nacional, quanto pelo Presidente da República. Isto se deve 
pois, conforme constatado pelo autor deste trabalho, a laicidade do Estado brasileiro encontra-
se ameaçada na atualidade (se é que houve efetiva cisão entre Estado e Religião em 1891, 
quando a Constituição Republicana elencou primordialmente este princípio, ou se será 
efetivamente respeitada no futuro), e este fenômeno é perceptível tanto na esfera legislativa, 
quanto na executiva e judiciária. Exemplo e prova do que se alega é o grande número de líderes 
religiosos no Parlamento, que são eleitos por seus seguidores, a formação de bancadas religiosas 
com grande número de integrantes, a existência de decisões judiciais que desrespeitaram 
crenças africanas como a umbanda e o candomblé, não as considerando religião, entre tantos 
outros. 
Na esfera executiva, ressalta-se que as eleições do presente ano (2014) podem 
determinar um enfraquecimento ainda maior de tal princípio constitucional. Convém declarar 
que temas polêmicos como o aborto e a legalização do casamento civil igualitário, em razão debuscou-se despontar argumentos 
favoráveis e estudar àqueles contrários à descriminalização, porém, com enfoque evidente para 
a descoberta de linhas de pensamento que fossem ao encontro do posicionamento do autor deste 
trabalho. 
Foram tratadas também as recentes propostas de alteração legislativa sobre o tema, 
mas o enfoque do presente trabalho, sem dúvidas, é a Arguição de Descumprimento de Preceito 
Fundamental 54, visto ser uma fonte extremamente rica sobre o tema aborto. 
 
 
 
 
 
 
 
14 
 
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO DOUTRINÁRIA 
 
 
Mister se faz analisar a doutrina para o presente trabalho, a fim de proporcionar 
premissas essenciais para a compreensão do debate. Convém ressaltar, de imediato, que não 
será dada ênfase ao aborto praticado por terceiro sem consentimento da gestante, já que tal 
conduta evidentemente deve permanecer tipificada. 
 Luiz Regis Prado inicia sua explanação sobre o tema analisando historicamente tal 
delito, relatando que, em Roma, a prática de aborto (partus abortio), durante longo lapso 
temporal, não era prevista como delito: predominava inicialmente a total indiferença do Direito 
em face de tal conduta, já que considerava o feto como parte integrante do organismo materno 
e, de conseguinte, deixava a critério da mulher a decisão acerca da conveniência de dar 
prosseguimento à sua gravidez: 
Em Roma, nos primeiros tempos, não era sancionada a morte dada ao feto. O produto 
da concepção, longe de ser vislumbrado como titular do direito à vida, era tido como 
parte do corpo da gestante que, a seu turno, poderia dele livremente dispor (partus 
antequam edatur mileris pars est vel viscerum). As práticas abortivas eram, portanto, 
frequentes. 
[...] 
Sob o influxo do Cristianismo, robusteceu-se a reprovação endereçada ao aborto. O 
direito pretérito foi reformulado pelos imperadores Adriano, Constantino e Teodósio 
e o aborto – entendido agora como um delito ao ser humano – foi definitivamente 
equiparado ao delito de homicídio. 
[...] 
O Direito Canônico sustentava a reprovação ao aborto pela perda da alma do 
nascituro, que morria sem que fosse batizado. Alguns motivos, todavia, eram capazes 
de torná-lo lícito – como a honoris causa, quando ainda inanimado o feto.
 1
 
 
O doutrinador identifica o cristianismo como responsável pela crescente reprovação à 
tal conduta, que foi até mesmo equiparado ao homicídio. 
Sobre tal citação, convém ressalvar que nem sempre o aborto foi considerado crime, 
nem mesmo pela Igreja Católica, que já permitiu a realização da prática para pôr fim a gestação 
da mulher, de modo a preservar sua honra. Tal tema será abordado oportunamente. 
 
1 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2013. 1020 páginas. p. 128-153. 
15 
 
De todo modo, assim prevê o Código Penal brasileiro atualmente: 
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento 
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: (Vide 
ADPF 54) 
Pena - detenção, de um a três anos. 
 
Aborto provocado por terceiro 
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: 
Pena - reclusão, de três a dez anos. 
 
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide ADPF 54) 
Pena - reclusão, de um a quatro anos. 
 
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 
quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante 
fraude, grave ameaça ou violência 
 
Forma qualificada 
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, 
se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante 
sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas 
causas, lhe sobrevém a morte. 
 
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54) 
 
Aborto necessário 
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; 
 
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro 
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da 
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. 
 
Prado conceitua o crime de aborto à luz da recente decisão do Supremo Tribunal 
Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54: utilizando-se da lição de 
Romeo Casabona2, afirma que o aborto “consiste em dar morte ao embrião ou feto humanos, 
seja no claustro materno, seja provocando sua expulsão prematura. Nesta última hipótese, 
exige-se a falta de viabilidade e de maturidade do feto expulso”3. 
Trata-se de crime comum, doloso contra a vida, cuja competência para julgamento é 
do Tribunal do Júri, nos termos do artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “d” da Constituição 
Federal. Convém ressaltar, neste ponto, a existência de diversos Projetos de Lei, dentre eles, o 
 
2 ROMEO CASABONA, C. M. Los delitos contra a vida y la integridade personal y los relativos a la manipulación 
genética. p. 152 e 160. 
3 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2013. 1020 páginas. p. 133. 
16 
 
de número 4703/19984, que objetivam enquadrar o aborto como crime hediondo, inserindo-o 
no rol previsto no artigo 1º da Lei 8.072/90. 
 O bem jurídico tutelado pela tipificação de tal conduta é a vida do ser humano 
dependente, em formação – embrião ou feto. Prado ressalta, no entanto, que também há a tutela 
da vida e da incolumidade física e psíquica da mulher grávida, mas somente se se tratar de 
aborto sem o consentimento da gestante: 
O direito à vida, constitucionalmente assegurado (artigo 5º, caput, CF), é inviolável, 
e todos, sem distinção, são seus titulares. Logo, é evidente que o conceito de vida, 
para que possa ser compreendido em sua plenitude, abarca não somente a vida humana 
independente, mas também a vida humana dependente (intrauterina). 
Assinala-se, de modo geral, que no aborto provocado por terceiro (com ou sem o 
consentimento da gestante) tutelam-se também – ao lado da vida humana dependente 
(do embrião ou feto) – a vida e a incolumidade física e psíquica da mulher grávida. 
Todavia apenas é possível vislumbrar a liberdade ou a integridade pessoal como bens 
jurídicos secundariamente protegidos em se tratando de aborto não consentido (artigo 
125, CP) ou qualificado pelo resultado (artigo 127, CP)5. 
 
Realça-se a ironia do trecho transcrito: a incolumidade física e psíquica da mulher 
grávida não são bens jurídicos tutelados no autoaborto justamente porque o Estado não respeita 
sua vontade, sua liberdade de escolha, sua integridade pessoal e capacidade de 
autodeterminação sobre o próprio corpo e futuro, sendo que estes bens jurídicos não são tratados 
como secundários pela norma (como afirma o jurista), mas são, na verdade, sopesados 
desfavoravelmente. 
De todo modo, percebe-se que Prado cuida em distinguir os termos embrião e feto. 
Mario Burlacchini ensina, basicamente, que até a oitava semana de gravidez, o óvulo fecundado 
é classificado cientificamente como embrião, sendo que, posteriormente, passa a ser chamado 
de feto. Ressalta-se, de imediato, que há discussão doutrinária a respeito do marco temporal 
que separa as duas fases. O que diferencia ambos os estágios é o desenvolvimento celular, muito 
mais intenso no primeiro período, no qual órgãos em tecidos são formados, do que no segundo, 
período marcado pelo crescimento e desenvolvimento destes para a vida extrauterina6. 
 
4 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 4703/1998. Disponível em 
. Acesso em 12 de setembro de 
2014. 
5 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2.66 
 
sua íntima e conflituosa relação com dogmas religiosos, foram utilizados pelos políticos para 
barganhar votos106. 
Convém dizer, por último, baseando-se nas pesquisas que apontam ser a maioria da 
população brasileira contra a descriminalização do aborto, que consultas populares (Plebiscito) 
acerca do tema também não resultariam em mudança alguma. 
Assim, entende-se que a maneira mais viável para que ocorra a descriminalização do 
aborto, no cenário atual, é o controle de constitucionalidade concentrado pelo Supremo Tribunal 
Federal em razão da violação da dignidade da mulher como pessoa humana, de sua liberdade 
no campo sexual, de sua autonomia, de sua saúde, de sua privacidade e de sua integridade física, 
psicológica e moral, já que todos estes valores são assegurados constitucionalmente, vide 
artigos 1º, inciso III, 5º, caput e incisos II, III e X, e artigo 6º, caput. 
Além disto, diversos argumentos evidentemente favoráveis à descriminalização do 
aborto já foram utilizados pelo próprio Supremo Tribunal Federal: ao ponderar adequadamente 
dogmas religiosos, ao afirmar que obrigar a mulher a prosseguir com a gravidez (de fetos 
anencéfalos, mas que, para o autor desta tese de láurea, seria extensível a todos os casos) seria 
equiparável à tortura, encarcerando-a em seu próprio corpo, ao apontar a necessidade de 
humanização do tratamento conferido às mulheres, que muitas vezes são ponderadas 
desfavoravelmente a células em desenvolvimento, entre tantos outros argumentos, a última 
instância do Judiciário brasileiro faísca esperança de mudanças favoráveis à descriminalização. 
Enfim, buscou-se, com o presente trabalho, acrescentar diversos argumentos ao já 
conhecido discurso feminista de que a mulher deve ter domínio sobre seu próprio corpo, sendo 
cabível somente a ela decidir se deseja gerar um ser vivo em seu ventre ou não, e sua escolha 
deve ser respeitada. Que fique claro, concorda-se com tal posicionamento e, de fato, não 
consegue imaginar outra hipótese em que um indivíduo seja obrigado a permitir o 
desenvolvimento de outro ser vivo às custas de seu próprio organismo, apenas objetivou 
enriquecer o debate. Assim, baseando-se no fato de que a repulsa ao aborto é proveniente de 
dogmas religiosos, o mundo está superpopulado e a humanidade está ameaçando o futuro das 
gerações que ainda estão por vir em razão da degradação ambiental, não se vê ilicitude em 
desejar não procriar. Aos seus olhos, não há diferença entre a mulher que retira os ovários, ou 
 
106 VEJA. Marina muda capítulo sobre casamento gay de programa. 30 de agosto de 2014. Disponível em: 
. 
67 
 
realiza a laqueadura, por exemplo, daquela que deseja passar por um procedimento abortivo. 
Tratam-se de medidas anticoncepcionais, e todas deveriam ser legalizadas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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2013. 1020 páginas. p. 133-134. 
6 BURLACCHINI, Mario. Entrevista: Medicina Fetal, com Dr. Drauzio Varella. Disponível em: 
. Acesso em 21 de agosto de 2014. 
17 
 
Prado afirma que o momento inicial em que deve ser concedida a proteção jurídica ao 
embrião, que não é pessoa, mas também não é coisa, devendo ser-lhe reconhecida uma condição 
própria e independente, é quando ocorre a nidação: 
Biologicamente, porém, o começo da vida é marcado pela concepção ou fecundação, 
ou seja, a partir do momento em que o óvulo feminino e o espermatozoide masculino 
se unem. Não obstante, o início da vida humana como limite mínimo de sua proteção 
jurídica é fixado pela nidação, isto é, com a implantação do embrião na parede do 
útero, quatorze dias após a fecundação. Até então não é possível se falar em gravidez7. 
 
Rogério Greco também adota tal posicionamento: 
A vida tem início a partir da concepção ou fecundação, isto é, desde o momento em 
que o óvulo feminino é fecundado pelo espermatozoide masculino. Contudo, para fins 
de proteção por intermédio da lei penal, a vida só terá relevância após a nidação, que 
diz respeito à implantação do óvulo já fecundado no útero materno, o que ocorre 14 
(catorze) dias após a fecundação. 
Assim, enquanto não houver a nidação, não haverá possibilidade de proteção a ser 
realizada por meio da lei penal. Dessa forma, afastamos de nosso raciocínio inúmeras 
discussões relativas ao uso de dispositivos ou substâncias que seriam consideradas 
abortivas, mas que não tem o condão de repercutir juridicamente, pelo fato de não 
permitirem, justamente, a implantação do óvulo já fecundado no útero materno.8 
 
Não se simpatiza com a discussão relacionada ao marco inicial da proteção jurídica 
concedida ao nascituro. Primeiramente, não há que se falar em início da vida, já que seria 
necessário remeter-se aos primórdios dos tempos e o surgimento dos primeiros seres 
unicelulares. Já existe vida no processo reprodutivo humano. Assim, o ideal seria tratar do início 
do desenvolvimento embrionário humano, que indubitavelmente ocorre após a fecundação do 
óvulo pelo espermatozoide. Se se considerar o nascituro como o ser humano não nascido com 
expectativas de o vir a fazer, obviamente tais esperanças iniciam-se em tal momento. O 
essencial à discussão é a extensão da proteção dada ao óvulo fecundado. 
Poder-se-ia contra-argumentar tal posicionamento citando a fertilização artificial (in 
vitro), afirmando não haver expectativa de nascimento enquanto os embriões não forem 
introduzidos no útero materno. No entanto, tal afirmação só vem corroborar com o 
entendimento do autor do presente trabalho de que não se pode conceder proteção 
indiscriminada ao óvulo fecundado, haja vista a total dependência para com o corpo materno 
que este possui. 
 
7 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2013. 1020 páginas. p. 136. 
8 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial Volume II. 8ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Impetus, 
2011. 607 páginas. p. 225. 
18 
 
Ademais, sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, ao julgar a Ação 
Direta de Inconstitucionalidade 3510, no sentido de que deve haver níveis distintos de proteção: 
O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso 
instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um 
autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, 
porque nativiva (teoria ‘natalista’, em contraposição às teorias ‘concepcionista’ ou da 
‘personalidade condicional’). E quando se reporta a ‘direitos da pessoa humana’ e até 
a ‘direitos e garantias individuais’ como cláusula pétrea, está falando de direitos e 
garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais à 
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, entre outros direitos e 
garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à 
saúde e ao planejamento familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente 
significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária. A 
potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para 
acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar 
sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o 
embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não 
existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião 
referido na Lei de Biossegurança (in vitro apenas) não é uma vida a caminho de outra 
vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras 
terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto 
de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional protege por modo 
variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da 
vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito 
comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no 
sentido biográfico a que se refere à Constituição." ( ADI 3.510 ,Rel. Min. Ayres Britto, 
julgamento em 29-5-2008, Plenário, DJE de 28-5-2010.) 
 
 Assim, não é o direito à vida do embrião em si que deve ser sopesado favoravelmente, 
mas a vontade da mãe em fazer com que este se desenvolva em seu corpo: se, no caso da 
reprodução assistida, somente a mulher pode autorizar a realização de tal procedimento 
(introdução do embrião em seu útero), por que não é concedida às mulheres a mesma autonomia 
de vontade no processo de reprodução natural, respeitando assim sua decisão de prosseguir com 
uma gestação ou não? 
Nesta linha de raciocínio, Prado ressalta: 
[...] a mera interrupção da gestação, por si só, não implica aborto, dado que o feto 
pode ser expulso do ventre materno e sobreviver ou, embora com vida, ser morto por 
outra conduta punível (infanticídio ou homicídio). Atualmente, com as modernas 
técnicas de reprodução assistida, não é possível sustentar tal relação de causa e efeito 
(interrupção da gravidez/destruição do nascituro), pois pode o embrião ser transferido 
para outra mulher. Além disso, é bem possível a destruição de um dos embriões ou 
feto – na hipótese de gravidez múltipla – sem a interrupção do processo de gestação. 
De outro lado, também a expulsão do feto não é imperiosa para a configuração do 
aborto. Nos primeiros meses de gravidez, é possível que o embrião seja objeto de um 
processo de autólise, que termina com sua reabsorção pelo organismo materno. 
Ademais, pode o embrião passar por um processo de calcificação (litopédio) e 
permanecer no útero como um corpo anexo. Nesses casos, se exigível a expulsão do 
produto da concepção, não haverá aborto punível. Não será bastante também a morte 
do feto, se não resultar esta dos atos praticados ou dos meios utilizados para a 
19 
 
interrupção da gravidez ou da própria imaturidade do feto, que não sobirevive à 
expulsão prematura provocada por aqueles atos ou meios. 
O aborto consiste, portanto, na morte dada ao nascituro intra uterum ou pela 
provocação de sua expulsão. O delito pressupõe, por óbvio, gravidez em curso. É 
indispensável a prova de que o ser em gestação se encontrava vivo quando da 
intervenção abortiva e de que sua morte foi decorrência precisa da mesma. Assim, a 
morte deve ser consequência direta das manobras abortivas realizadas ou da própria 
imaturidade do feto para sobreviver, quando sua expulsão for provocada 
prematuramente por aquelas manobras9. 
 
Por tomar tal posicionamento, Prado considera como o limite mínimo temporal para a 
caracterização do abortoa nidação do embrião, que ocorre cerca de catorze dias após a 
concepção. Afirma, em apoio a essa assertiva, que algumas pílulas anticoncepcionais 
(anovulatórios orais), bem como os Dispositivos Intrauterinos (DIU) atuam após a fecundação 
(concepção), obstando assim a implantação do embrião na cavidade uterina, mas mesmo assim 
não são considerados abortivos, já que seu uso é legalizado. Relata, no entanto, que “se por 
aborto se entende a interrupção da gravidez e esta se inicia com a concepção, tais métodos 
anticoncepcionais seriam abortivos.10 
De fato, existem diversas notícias em sítios eletrônicos religiosos instruindo os fiéis a 
não utilizarem tais métodos contraceptivos por serem abortivos11. Para o autor deste trabalho, 
no entanto, é vantajoso que tais mecanismos sejam assim considerados, pois, se existem 
atualmente métodos abortivos amplamente utilizados, tem-se então prova de que a prática é 
socialmente aceita. 
Ademais, caso se adote tal teoria, consequentemente estar-se-ia dizendo que existe a 
possibilidade de realização de aborto legalmente em até catorze dias após a fecundação. Como 
não há previsão expressa de tal cláusula excludente de ilicitude, e mesmo embora esta teoria 
seja de fato favorável aos interesses das mulheres, mostra-se extremamente frágil, suscetível ao 
entendimento do órgão ministerial/julgador, que pode divergir. 
 
9 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. 2013. Revista dos Tribunais 1020 
paginas. p. 135-136. 
10 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2013. 1020 páginas. p. 136. 
11 FARIAS. Carolina. Durante visita do papa, igreja distribuirá "manual" que trata pílula e DIU como aborto. UOL 
Notícias. Rio de Janeiro, 17 de junho de 2013. Disponível em . Acesso em 28 de agosto de 2014. 
20 
 
Por último, Prado classifica o aborto em sete espécies, a saber: autoaborto e aborto 
consentido, aborto provocado por terceiro, aborto qualificado pelo resultado, aborto necessário, 
aborto sentimental, aborto eugenésico e aborto econômico. 
Autoaborto e aborto consentido, figuras previstas no artigo 124 do Código Penal, 
referem-se, respectivamente, a provocação do aborto pela própria mulher grávida e dar 
consentimento para que outrem lhe provoque o aborto. Ressalta-se, no entanto, que aquele que 
auxiliar a mulher na prática de tal ato responderá pelo crime previsto no artigo 126, sendo 
inadmissível a coautoria para as hipóteses previstas no referido artigo (sujeito ativo somente 
pode ser a mãe). Prado afirma: 
Faz-se oportuno consignar a seguinte distinção: se o partícipe induz, instiga ou auxilia 
a própria gestante a realizar o aborto em si mesma ou a consentir que outrem o faça, 
responde pela participação no delito do artigo 124; porém, se concorre de qualquer 
modo para a provocação do aborto por terceira pessoa, responde como partícipe do 
crime do artigo 126 do Código Penal. 
 
Discorda-se em parte do alegado. Se terceiro instigar ou induzir gestante a praticar 
autoaborto ou a consentir que com ela realize-se tal procedimento, responderá, de fato, como 
partícipe. No entanto, se auxiliar fisicamente tais práticas (e não apenas intelectualmente), 
enquadrar-se-á na hipótese do artigo 126 do Código Penal (ainda que como partícipe). 
O aborto provocado por terceiro, figura prevista nos artigos 126 e 125 do Código 
Penal, pode ocorrer, respectivamente, com o consentimento da gestante e sem este (figura que 
deve permanecer tipificada, cuja pena em abstrato prevista é maior). O Código penal ainda 
prevê que o consentimento, para ser válido, deve ser proferido por gestante maior de 14 anos, 
não portadora de insanidade mental (o Código utiliza-se da expressão “alienada ou debil 
mental” que, aos olhos do autor deste trabalho, é inadequada, em razão da carga pejorativa e 
falta de tecnicidade), e que não tenha vícios (não seja obtido mediante fraude, grave ameaça ou 
violência). 
É extremamente curioso o Código Penal dar validade ao consentimento da gestante 
maior de 14 anos e menor de 18 anos para fins de enquadramento em uma figura penal, já que 
esta seria plenamente incapaz entre 14 e 16 anos e relativamente capaz entre 16 e 18 anos. 
 Tal dispositivo alarma para questão problemática: seria necessário o consentimento 
dos pais e representantes para que fosse realizado o aborto em relativamente incapaz ou 
plenamente incapaz? 
21 
 
Aos olhos do autor desta presente tese de láurea, é evidente que o consentimento, para 
ser válido, deve ser expressado por mulher absolutamente capaz. Caso seja absoluta ou 
relativamente incapaz, imprescindível haver suprimento por seus representantes legais. De todo 
modo, tal ponto será tratado adiante. 
 A figura do aborto qualificado está prevista no artigo 127 do Código Penal, que dispõe 
que as penas cominadas nos artigos 125 e 126 são aumentadas de um terço se, em consequência 
do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza 
grave, e duplicadas se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. 
Prado explica que o resultado mais grave é imputado ao agente a título de culpa. Se 
houver dolo, seja direto ou eventual, haverá concurso formal de delitos – aborto e lesão corporal 
ou homicídio consumados. Por este motivo, não se aplica tal causa de aumento se a lesão 
corporal grave produzida é consequência normal da intervenção abortiva realizada: “é preciso 
que a lesão seja extraordinária (v.g., peritonite, septicemia, gangrena do útero etc.)”12. 
Ao tratar das excludentes de ilicitude do artigo 128, Prado ensina que o Código Penal 
brasileiro adota o sistema das indicações, afirmando-se tratar de um esquema de regra-exceção: 
a regra é a punição do aborto; a exceção, permitir tal prática em determinadas hipóteses. O 
doutrinador constata: 
As indicações geralmente aceitas pelas diversas legislações são as seguintes: a 
terapêutica (se como consequência da gravidez existe um grave perigo para a vida ou 
a saúde da mãe); a sentimental, ética ou criminológica (se a gravidez é resultado de 
um delito de natureza sexual ou da aplicação de uma técnica de reprodução assistida 
não consentida pela mulher); a eugenésica (se há riscos comprovados de que o feto 
nasça com graves anomalias físicas ou psíquicas); e a econômico-social (quando 
razões dessa natureza, tais como a prole numerosa, a escassez de recursos financeiros, 
motivem a opção pelo aborto).13 
 
Na legislação penal pátria, tão somente são previstas as indicações terapêutica (ou 
necessária) e sentimental. 
Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini realçam, ainda, a espécie de aborto 
conhecida como honoris causa, na qual a gestante recorreria à tal procedimento para preservar 
 
12 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2013. 1020 páginas. p. 143-144. 
13 PRADO. Luiz Regis. op cit. p. 145. 
22 
 
sua honra (por diversos fatores, por exemplo, seja por ser jovem demais e ainda não estar 
casada, seja para ocultar traição, etc.)14. 
Quanto à primeira indicação, isto é, no caso do aborto ser necessário para salvar a vida 
da gestante, Mirabete e Fabrini entendem tratar-se de estado de necessidade. Por este motivo, 
mesmo embora a lei preveja apenas a figura do médico como capaz de realizar o aborto, seria 
cabível alegar tal causa excludente de ilicitude para inocentar o autor do procedimento que o 
realizasse em razão da urgência, para salvar a vida da mulher.15 
O termo “eugenésico” utilizado por Prado para classificar o aborto em casos de riscos 
comprovadosde que o feto nasça com graves anomalias físicas ou psíquicas é criticável. Na 
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, tal termo foi descartado pelos 
ministros, conforme será tratado adiante, em razão de sua carga política, que remete ao 
melhoramento do patrimônio genético de grupos humanos (purificação de raça). 
Sobre esta indicação, Prado leciona: 
Em princípio, (o aborto eugenésico) trata-se de causa de exclusão da culpabilidade, 
pela inexigibilidade de conduta diversa. Demais disso, argumenta-se que não se pode 
exigir que a mãe dedique sua própria vida a cuidar de alguém portador de graves 
anomalias. 
Assinala-se, portanto, que o fundamento dessa indicação reside na inexigibilidade de 
outro comportamento da mãe. E o limite dessa não exigibilidade “reconhecida pelo 
Direito é imposto por critérios objetivos, concretizados na determinação do grau de 
presunção do prognóstico e na gravidade das anomalias (...) unicamente a partir desses 
limites a mãe está em condições de beneficiar-se legalmente da indicação ou não, uma 
vez valoradas suas forças emotivas e morais assim como sua situação econômica e 
social para assumir ou não as consequências de ter o filho; isto é, de decidir de acordo 
com sua subjetividade”16.17 
 
Além de afirmar que a prática deve ser realizada por médico, em estabelecimento 
hospitalar, com consentimento expresso da gestante ou de seu representante legal, o doutrinador 
ressalta que deve haver presunção de que o feto nascerá com graves enfermidades físicas ou 
psíquicas, que presumam a ocorrência de vida despojada de qualquer qualidade. 
Neste sentido, Guilherme de Souza Nucci: 
 
14 MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal II. 30ª Edição. São Paulo: Editora 
Atlas, 2013. 542 páginas. p. 67. 
15 MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. op. cit. p. 65. 
16 ROMEO CASABONA, C. M. Del gen al Derecho. p. 288 
17 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2013. 1020 páginas. p. 148. 
23 
 
Algumas decisões têm autorizado abortos de fetos que tenham graves anomalias, 
inviabilizando, segundo a medicina atual, a sua vida futura livre de cuidados e 
amparos contínuos. Cremos ser razoável a invocação da tese de ser inexigível à mulher 
carregar por meses um ser que, logo ao nascer, perecerá. Mas não se pode dar margem 
a abusos, estendendo o conceito de anomalia para abranger fetos que irão constituir 
seres humanos defeituosos ou até monstruosos. Afinal, nessa situação, o direito não 
autoriza o aborto. Lamentavelmente, tem-se observado que nem todas as decisões 
autorizadoras do aborto ligam-se ao feto plenamente inviável.18 
Por ser construção doutrinária e jurisprudencial, percebe-se inexistir critérios 
específicos para identificar tal causa de exclusão da culpabilidade na realização de abortos 
eugenésicos. Neste ponto, critica-se a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, 
que poderia ter tratado do tema, ao invés de manter-se restrita ao tema do aborto do feto 
anencéfalo. De fato, adianta-se, tal ação constitucional apenas declarou a atipicidade do aborto 
de fetos portadores de tal anomalia, não havendo que se falar em descriminalização. 
Para o autor do presente trabalho, parece palpável distinguir doenças que causem 
inviabilidade da vida extrauterina: basta que o feto apresente sobrevida extremamente curta 
(horas, dias, meses), e que sua condição seja incurável pelas técnicas médicas atuais. Como 
exemplo de tais doenças, pode-se citar Thomaz Rafael Gollop: 
Há de se considerar que outras anomalias fetais graves e incuráveis são de diagnóstico 
simples e 100% seguro, muitas vezes apenas com o recurso amplamente acessível da 
ultrassonografia. Lembramos que o Sistema Único de Saúde (SUS, 2010) realizou 
2.500.000 ultrassonografias na assistência pré-natal no Brasil, apenas em 201019. A 
agenesia renal bilateral é outro exemplo destas anomalias incuráveis, cuja ocorrência 
se dá por um defeito no broto uretérico ou no blastema metanéfrico. O recém-nascido 
não apresenta formação de urina e morre em horas após o nascimento por falência 
respiratória causada por hipoplasia dos pulmões20. A hipoplasia pulmonar é 
caracterizada pela redução do número de células pulmonares, espaço aéreo e alvéolos. 
A urina fetal é essencial para a formação do líquido amniótico e este último para o 
desenvolvimento dos pulmões fetais. Assim o feto com agenesia renal bilateral além 
da ausência dos rins não apresenta pulmões funcionais e, portanto sua sobrevivência 
é impossível21. 
A Pentalogia de Cantrell é caracterizada por defeitos do pericárdio (membrana que 
reveste o coração), esterno, diafragma e parede abdominal, junto com ectopia do 
coração (coração fora do tórax). A anormalidade geralmente ocorre devido a defeito 
embriológico ao redor do 14-18 dias pós concepção, quando há falha na migração 
ventromedial das estruturas mesodérmicas. Muitas variantes desta síndrome têm sido 
descritas e outras partes do feto como a face e o crânio também podem ser afetadas22. 
A bizarra coleção de anormalidades deve sugerir nestes casos o diagnóstico precoce23. 
 
18 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal – Parte Geral, Parte Especial. 3ª edição. 2007, Revista 
dos Tribunais. 1071 páginas. p. 629. 
19 França, A – Fórum Médico-Jurídico sobre Anencefalia. Conselho Federal de Medicina, Brasília - 
setembro de 2010 (comunicação pessoal). 
20 Potter,EL. Bilateral absence of ureters and kidneys. Obstet Gynecol 1965, 25:3-12. 
21 Hooper SB, Harding R. Fetal lung liquid: A major determinant of the growth and functional 
development of the fetal lung. Clin Exper Pharmacol Physiol 1995, 22: 235-247. 
22 Zimmer EZ, Bronshtein M. Fetal midline disruption syndromes. Prenat Diagn 1996, 16:65-69 
23 Abu-Yousef MM, Wray AB, Williamson RA, Bonsib SM. Antenatal diagnosis of variant Pentalogy 
of Cantrell. J Ultrasound Med 1987, 6: 535-538. 
24 
 
A mais aberrante anomalia é a ectopia do coração que fica localizado fora da cavidade 
torácica. Esta é uma anomalia extremamente grave evoluindo para o óbito. Seu 
diagnóstico seguro é facilmente realizado por ultrassonografia exclusivamente em 
período precoce da gravidez. 
A Displasia Tanatofórica é uma doença uniformemente letal, daí sua denominação. É 
a displasia esquelética letal mais frequente em fetos e neonatos. Esta anomalia é 
caracterizada pelo encurtamento extremo dos membros, tórax estreitado, crânio longo 
com fronte proeminente. Ocorre em 0,24-0,69/10.000 nascimentos24. A Displasia 
Tanatofórica está associada a ossificação anormal e uma parte dos afetados apresenta 
um crânio em forma de trevo de 4 folhas. O diagnóstico seguro desta patologia pode 
ser feito através da ultrassonografia no segundo trimestre da gestação. 
A Hipofosfatasia é caracterizada pela desmineralização dos ossos e baixas doses de 
fosfatase alcalina no soro fetal e outros tecidos. A forma neonatal (também conhecida 
como congênita ou letal) está assoaciada à morte neonatal precoce ou óbito fetal 
intrauterino. Todos os diagnósticos podem ser realizados pela ultrassonografia25. 
A Síndrome de Patau ou trissomia do cromossomo 13, cujos afetados possuem 47 
cromossomos ao invés de 46 e três cópias do cromossomo 13 no lugar de duas, é uma 
anomalia com múltiplas malformações fetais e um péssimo prognóstico. As alterações 
estruturais incluem holoprosencefalia (um manto cortical com ventrículo cerebral 
único por clivagem incompleta do cérebro), defeitos faciais maiores, cardiopatias, 
cistos renais, deficiência da parede abdominal anterior, polidactilia e higroma cístico. 
As malformações faciais fetais podem ser severas incluindo desde fendas 
lábiopalatinas severas uni ou bilaterais até ciclopia com probóside (uma única 
cavidadeorbitária no centro da face). Este último sinal associado aos demais acima 
descritos permite ao ultrassonografista fazer a hipótese de diagnóstico de trissomia 
13. Mais de 90% destes fetos são portadores de cardiopatias. A polidactilia de mãos e 
pés é frequente e auxilia no diagnóstico além de ser facilmente detectada à 
ultrassonografia no segundo trimestre da gravidez. O diagnóstico definitivo desta 
síndrome é realizado pelo estudo cromossômico das células fetais através da amostra 
de vilo corial ou da amniocentese26. A severidade das malformações fetais determina 
que esta afecção seja quase sempre letal ao nascimento e em poucos casos permita 
sobrevida de semanas27. 
 
Se apenas definir se existe ou não “viabilidade vital” do feto já é atividade cheia de 
controversas, ainda mais problemático é discutir se a vida do ser em formação será digna: trata-
se do direito de não nascer (doente, ou de somente nascer se saudável for). Tal direito, também 
conhecido em países de common law como wrongful birth, e que pode ser causa legal para que 
pais processem médicos que falharam em alertá-los sobre doenças congênitas severas de sua 
prole, somente é tutelável se legalizado o aborto, no entanto: caso contrário, o Estado preserva 
a vida indistintamente, mesmo que esta seja torturante. 
 
24 Camera G, Mastriacovo P. Birth prevalence of skeletal dysplasias in the Italian multicentric 
monitoring system for birth defects. In Skeletal dysplasias (eds CJ Papadatos and CS Batsocas) 
pp 441-449 New York. Alan R. Liss, 1982. 
25 Kousseff BG, Mulliver RA. Prenatal diagnosis of second trimester skeletal dysplasias: a 
prospective analysis in a high risk population. J Ultrasound Med 1983, 2: 99-107. 
26 Lehman CD, Nyberg DA, WinterIII Tc, Kapur RP, Resta RG, Luthy DA. Trisomy 13 syndrome: 
prenatal US findings in a review of 33 cases. Radiology 1995, 194:217-222. 
27 GOLLOP, Thomaz Rafael. Anomalias Fetais Graves ou Incuráveis. Disponível em: 
. Acesso em 8 de setembro de 
2014. 
25 
 
Como exemplo destas possíveis doenças, tem-se a epidermólise bolhosa distrófica, que 
ficou popularmente conhecida após o documentário The Boy Whose Skill Fell Off (O Garoto 
Cuja Pele Caiu28), que registra o sofrimento de Jonny Kennedy e de seus familiares em razão 
de sua severa doença de pele, que lhe causava bolhas na pele e membranas mucosas quando 
pressionada, ainda que o mais levemente possível. 
Percebe-se, assim, a necessidade da melhor regulamentação do tema, seja legislativa, 
seja jurisprudencialmente. Ademais, convém ressalvar que, mesmo embora exista a 
possibilidade de absolvição dos réus (gestante e médicos envolvidos) no caso do aborto 
eugenésico, não se pode esquecer do caráter estigmatizante do Processo Penal, que por si só já 
causa constrangimento social. 
De todo modo, é reconfortante perceber que alguns doutrinadores ressaltam o 
movimento descriminalizador de tais condutas. Prado ensina: 
Na atualidade, o aborto provocado é incriminado em grande parte das legislações. Não 
obstante, disseminam-se vozes que se elevam contra essa tipificação. Embora vários 
os argumentos expendidos, calha-se a síntese: a) o feto é parte da mulher e esta pode 
dispor do produto da concepção; b) a vida do feto não é um bem jurídico individual, 
mas um interesse da sociedade a ser protegido em alguns casos; c) a pena não logra 
evitar as práticas abortivas; d) o aborto é uma lei de exceção endereçada às classes 
sociais mais pobres; e) é necessário proteger a vida e a saúde das numerosas mulheres 
que recorrem ao aborto clandestino. 
Em que pesem as razões invocadas a favor da descriminalização do aborto, - que aliás, 
ensejam discussão alheia às considerações dogmáticas aqui preferencialmente 
enfocadas -, este encontra previsão expressa no Código Penal brasileiro (1940) e na 
maioria das legislações penais contemporâneas.29 
 
Neste sentido, Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, complementam: 
Apontam-se várias razões para a liberação do aborto: um país que não pode manter 
seus filhos não tem o direito de exigir seu nascimento; a ameaça penal é ineficaz 
porque o aborto raramente é punido; a proibição leva a mulher a entregar-se a 
profissionais inescrupulosos; a mulher tem o direito de dispor do próprio corpo, etc. 
Atualmente, grande número de países não mais incrimina o aborto quando provocado 
até o terceiro ou quarto mês de gravidez (Suécia, Dinamarca, Finlândia, França, 
Alemanha, Áustria, Hungria, Japão, Estados Unidos, etc.30 
 
 
28 COLLERTON, Patrick via Youtube. The Boy Whose Skin Fell Off – Documentary. Reino Unido, 2004. Disponível 
em . Acesso em 09/09/2014. 
29 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2013. 1020 páginas. p. 131. 
30 MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal II. 30ª Edição, 2013. Editora Atlas. 
542 páginas. p. 59 
26 
 
Rogério Greco, por sua vez, mostra-se evidentemente à favor da criminalização do 
aborto, citando em sua obra diversos trechos bíblicos: 
Um dos argumentos principais daqueles que pretendem suprimir a incriminação do 
aborto é justamente o fato de que, embora proibido pela lei penal, sua realização é 
frequente e constante e, o que é pior, em clínicas clandestinas que colocam em risco 
também a vida da gestante. 
Por outro lado, há os defensores da vida, principalmente a dor ser que está em 
formação. Quando a gestante engravida, uma nova vida começa a crescer em seu 
útero. 
No livro de Jeremias, constante do Antigo Testamento, percebemos pela Palavra de 
Deus, que Ele já nos conhecia antes mesmo de haver a fecundação do óvulo materno, 
pelo espermatozoide do homem. Quando o Senhor constituiu Jeremias como profeta, 
Ele o tinha feito antes mesmo do seu nascimento. Na verdade, antes mesmo que se 
tivesse formado no ventre materno. Vejamos, literalmente, o que diz esta passagem 
no livro de Jeremias, Capítulo 1, versículos 5 e 6: “Antes que eu te formasse no ventre 
materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constitui 
profeta às nações”. 
Isso significa que, embora não saibamos, Deus tem um propósito na vida de cada um 
de nós, razão pela qual, a não ser por situações excepcionais, não podemos tirar a vida 
de um semelhante, não importando o seu tamanho. 
Ainda o livro de Salmos, no Capítulo 139, o salmista Davi, no versículo 16, diz: “Os 
teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os 
meus dias, cada um deles escrito e determinado quando nem um deles havia ainda”.31 
 
O que se observa é a indissociável carga religiosa que fundamenta o discurso daqueles 
favoráveis a criminalização de tal prática. Desse modo, não se faz possível adotar tais 
argumentos para regulamentar a conduta de toda a população, já que, caso contrário, 
desrespeitar-se-ia as demais crenças e a opinião individual da (ainda que) minoria dos 
brasileiros. 
 
 
1.1 Conclusão 
 
 
Pela análise da doutrina, denota-se que a existência de lacunas pertinentes ao tema 
aborto na legislação atual, principalmente em decorrência da recente decisão do Supremo 
Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, que autorizou 
 
31 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial Volume II. 8ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Impetus, 
2011. 607 páginas p. 222. 
27 
 
o abortamento de fetos anencefálicos e, ao tomar este posicionamento, abriu margem para que 
fossem discutidos outros casos em que o aborto também não seria punível. De fato, existem 
diversas outras doenças, conforme relatado, que são tão graves quantoa anencefalia, e 
inviabilizam a vida extrauterina da mesma maneira. Aos olhos do autor desta monografia, é 
evidente que, em tais casos, o aborto deve ser autorizado. 
No entanto, por não haver regulamentação expressa sobre o assunto, não é possível às 
mulheres tomar tal decisão com convicção de que agem dentro da legalidade, e recorrer ao 
judiciário para obter a devida autorização também não se mostra uma alternativa viável. Prova 
disto é que a mora em decidir acerca da possibilidade de abortar no caso da gravidez do feto 
anencefálico, com o consequente parto, ocasionou a propositura da Ação de Descumprimento 
de Preceito Fundamental 54. 
Não há que se esquecer que o crime de aborto é classificado como doloso contra a 
vida, cuja competência para julgamento é do Tribunal do Juri, nos termos do artigo 5º, inciso 
XXXVIII, alínea “d” da Constituição Federal. Não há dúvidas, portanto, de que mesmo que 
aquelas mulheres que realizem abortos em razão de doenças graves de seu feto (que 
inviabilizem a vida extrauterina) venham a ser absolvidas posteriormente na ação penal, 
indubitavelmente sofrerão em razão do estigma que o Processo Penal, por si só, inflige aos 
indivíduos. 
Percebe-se, assim, a premente necessidade de que o Poder Judiciário, através de seus 
mecanismos de controle de constitucionalidade concentrado, adote um posicionamento 
definitivo acerca da discussão ora realçada. 
 
 
 
 
 
 
28 
 
CAPÍTULO 2: ANÁLISE DO JULGAMENTO DA ARGUIÇÃO DE 
DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54 PELO 
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 
 
 
Convém ressaltar, antecipadamente, que as posições individuais tomadas por cada 
ministro do Supremo Tribunal Federal não representam um entendimento único da Suprema 
Corte. Vale dizer, não é possível extrair uma vertente ideológica a ser seguida pelos demais 
julgadores em instâncias inferiores apenas pela análise dos votos proferidos. Isto se deve pela 
própria organização do Poder Judiciário, que confere ao seus julgadores ampla liberdade para 
fundamentar suas decisões, vide o Princípio do Livre Convencimento (ainda que) Motivado do 
Juiz. Assim, nos órgãos colegiados, a decorrência de tal mandamento é verificada pela 
independência de cada julgador em fundamentar seu voto segundo suas próprias convicções. 
Consequência disto verificável na prática é que apenas o dispositivo (ou decisum) das 
sentenças ou acórdãos transitam em julgado. Assim, se o entendimento não for sumulado, seja 
de forma vinculante ou não, não é possível extrair de um julgado um mandamento de uma 
Corte: cabe apenas apontar o entendimento dos diversos ministros que compuseram o 
julgamento. 
Por este motivo, não se analisará cada voto individualmente, mas apenas os 
argumentos pertinentes ao debate, a fim de se evitar repetições. Feita, embora aparentemente 
óbvia, mas importante observação acerca do valor da motivação das decisões judiciais, analisar-
se-á o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamento 54. 
 Em suma, o plenário da corte superior, por maioria, julgou procedente o pedido 
formulado em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada, pela 
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS, a fim de declarar a 
inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto 
29 
 
anencefálico seria conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal, 
prevalecendo, assim, o voto do Ministro Relator Marco Aurélio Mendes de Farias Mello32. 
O objeto da referida arguição delimitou-se no reconhecimento do direito da gestante 
de submeter-se a antecipação terapêutica de parto na hipótese de gravidez de feto anencefálico, 
previamente diagnosticada por profissional habilitado, sem estar compelida a apresentar 
autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão do Estado. Desse modo, e é 
importante frisar, não fora postulada a proclamação de inconstitucionalidade abstrata dos tipos 
penais em comento, o que os retiraria do sistema jurídico. 
Assim, o pleito colimaria tão somente que os referidos enunciados fossem 
interpretados conforme a Constituição. Dessa maneira, é despropositado veicular que o 
Supremo examinara a descriminalização do aborto, já que fora empregada até mesmo outra 
terminologia, qual seja, a desenvolvida pela especialista Débora Diniz, que distingue aborto e 
antecipação terapêutica de parto33. Nos dizeres da autora: 
A antecipação terapêutica de parto é um procedimento médico que antecipa o parto, 
uma vez diagnosticada a inviabilidade fetal. As razões para a antecipação do parto 
devem ser entendidas em um sentido terapêutico amplo que inclui desde o bem-estar 
psicológico, a estabilidade afetiva dos futuros pais, a coesão familiar, até a integridade 
física da mulher grávida. A antecipação terapêutica do parto não é um mero 
subterfúgio para autorizar o aborto voluntário no Brasil e este argumento deve ser 
definitivamente abandonado do cenário das discussões sobre o assunto. O que se 
pretende autorizar é simplesmente a realização antecipada do parto de fetos inviáveis 
34. 
 
Portanto, a antecipação terapêutica do parto seria termo específico utilizado apenas 
para os casos de inviabilidade fetal, isto é, nos casos em que o feto não possuísse expectativa 
de vida extra uterina. Tal medida objetiva desvincular o estigma social e religioso trazido pela 
palavra aborto35. 
 
32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo STF nº 661. Disponível em: 
. Acesso em 13 de agosto de 
2014. 
33 DINIZ, Debora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília: Letras Livres, 2004. 149 páginas. p. 
79-80. 
34 DINIZ, Debora. op. cit. 
35 CARVALHO, Teresa Robichez de. A antecipação terapêutica de parto na hipótese de anencefalia fetal: estudo 
de casos do Instituto Fernandes Figueira e a interpretação constitucional do Tribunal de Justiça do Estado do 
Rio de Janeiro e do Supremo Tribunal Federal. 2006. Dissertação de Mestrado em Direito. Pontifícia 
Universidade Católica do Rio de Janeiro. 
30 
 
Nesse contexto, também foram afastadas as expressões “aborto eugênico”, 
“eugenésico” ou “antecipação eugênica da gestação”, em razão do indiscutível viés ideológico 
e político impregnado na palavra eugenia, termo criado em 1883, por Francis Galton36, que 
denota o “conjunto dos métodos que visam melhorar o patrimônio genético de grupos 
humanos”.37 Tal expressão demonstra-se evidentemente inadequada, já que o feto anencefálico 
sobreviverá apenas para que lhe seja declarada a morte, obviamente não alcançará a fase 
reprodutiva e, portanto, não perpetuará os genes que herdou. 
Conforme ressaltado, a doutrina ainda emprega o termo eugenésico para tratar do 
aborto motivado por doenças e anomalias fetais, independentemente de sua gravidade, 
considerando tal motivação uma causa excludente de culpabilidade pela inexigibilidade de 
conduta diversa, justificando que não seria obrigável determinar que um indivíduo cuide por 
toda sua vida do ser vivo que nasceria enfermo. Aos olhos do autor desta monografia, esta 
terminologia deveria ser revista. 
 De todo modo, o confronto da lide, por sua vez, resume-se, basicamente, entre, de um 
lado, os interesses legítimos da mulher em ver respeitada sua dignidade e, de outro, os de parte 
da sociedade que supostamente desejava “proteger todos os que a integrariam, 
independentemente da condição física ou viabilidade de sobrevivência”38. 
Já o tema envolveria a dignidade humana, o usufruto da vida, a liberdade, a 
autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos individuais, especificamente, 
os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, em específico, que a tipificação penal da 
interrupção da gravidez de feto anencefálico não se coadunaria com a Constituição, 
notadamente com os preceitosque garantiriam o Estado laico, a dignidade da pessoa humana, 
o direito à vida e a proteção da autonomia, da liberdade, da privacidade e da saúde. 
 
36 GALTON, Francis. Inquiries into Human Faculty and its Development. First Edition, Macmillan, 1883 
Second Edition, Dent & Dutton (Everyman), 1907. Disponível em: . 
Acesso em 13 de agosto de 2014. 
37 PRIBERAM, Dicionário da Língua Portuguesa. "eugenia". Disponível em: 
 Acesso em 13 de agosto de 2014. 
38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo STF nº 661. Disponível em: 
. Acesso em 13 de agosto de 
2014. 
31 
 
Exposto este breve resumo, resta evidente não ser possível tratar sobre o tema sem 
expandi-lo. Objetivando nortear a discussão, passar-se-á a esmiúça dos principais pontos do 
acórdão para melhor estudá-lo. 
 
 
2.1 Principais pontos sobre o julgamento 
 
 
2.1.1. Da Laicidade do Estado 
 
 
O ministro relator Marco Aurélio frisa que a laicidade estatal não deve ser confundida 
com laicismo. Natália Gomes da Silva Machado assim ensina: 
Por laicidade, pode-se entender, em síntese, um Estado desvinculado de uma religião 
oficial e com liberdade de manifestação religiosa. Trata-se de um fenômeno político, 
e não religioso, tendo em vista que se refere ao Estado. Este terá de ser neutro e 
imparcial. Neutro porque deve permitir manifestações religiosas, e imparcial porque 
deve tratar com igualdade as diferentes religiões. 
[...] 
A política estatal em um estado laico certamente não pode ser dirigida para o fim de 
satisfazer os padrões éticos definidos por segmentos religiosos, contudo, estes, bem 
como segmentos não-religiosos da sociedade, possuem o direito de exercer sua 
cidadania, pronunciando-se acerca das políticas públicas. Se vivemos em um Estado 
democrático de Direito, a tentativa de um grupo social, religioso ou não, de influenciar 
as políticas do governo, não constitui por si, só uma afronta à laicidade estatal. O 
Estado pode adotar uma política que foi orientada por grupos de pressão religiosos, 
no entanto, o critério norteador de sua adoção não será religioso, mas sim voltado para 
o melhor interesse público. 
[...] 
O laicismo separa de forma total o bem comum social do sobrenatural, ou seja, separa 
a ordem das coisas divinas das coisas terrenas. Trata-se de uma ruptura ineficaz, visto 
que não influenciará nas convicções individuais dos seres, e agressiva, na medida em 
que nega um direito de manifestação religiosa pelo indivíduo que lhe é intrínseca [...]. 
A manifestação religiosa é um direito fundamental sem o qual torna impossível o 
pleno desenvolvimento da dignidade do ser humano. O laicismo é uma ideologia 
totalitária e pautada em uma verdade absoluta na qual só se permite expressões 
dotadas de um critério racional. Na verdade, é uma pseudo-religião que impõe aos 
cidadãos uma ideologia arbitrária e, além de negar-lhes direitos fundamentais, 
inerentes à própria pessoa humana, fere o princípio da igualdade, outro direito 
32 
 
fundamental, na medida em que desrespeita os cidadãos que possuem valores 
religiosos privilegiando aqueles que são adeptos da ideologia laicista
39
. 
 
Mesmo embora tenha um posicionamento contrário ao laicismo, a autora define ambos 
os conceitos de forma simples: enquanto laicidade refere-se à característica de um Estado que 
se desvincula de uma religião oficial, comprometendo-se a tratar todas as religiões dos povos 
de sua nação de maneira igualitária, permitindo sua livre manifestação (que pode influenciar a 
atuação estatal), laicismo compreenderia o Estado que repudia qualquer argumento ou fator não 
lógico-científico para tomada de decisões. Ambos buscam o bem comum, divergindo apenas 
quanto ao aproveitamento de argumentos religiosos nesta busca. 
Segundo o relator, a laicidade estatal revela-se um princípio que atua de modo dúplice: 
a um só tempo, salvaguarda as diversas confissões religiosas do risco de intervenção abusiva 
estatal nas respectivas questões internas e protege o Estado de influências indevidas 
provenientes de dogmas, de modo a afastar a prejudicial confusão entre o poder secular e 
democrático e qualquer doutrina de fé, inclusive majoritária40. 
Desse modo, concluiu Marco Aurélio que a garantia do Estado secular da liberdade de 
culto não denotaria que as religiões pudessem guiar o tratamento estatal dispensado a outros 
direitos fundamentais, tais como os direitos à autodeterminação, à saúde física e mental, à 
privacidade, à liberdade de expressão, à liberdade de orientação sexual e à liberdade no campo 
da reprodução. Logo, a questão do aborto não poderia ser examinada sob os influxos de 
orientações morais religiosas, apesar de a oitiva de entidades ligadas a profissão de fé não ter 
sido em vão. Isso porque, em uma democracia, não seria legítimo excluir qualquer ator do 
âmbito de definição do sentido da Constituição. Todavia, para se tornarem aceitáveis no debate 
jurídico, os a deveriam ser devidamente “traduzidos” em termos de razões públicas, ou seja, 
expostos de forma que a adesão a eles independesse de qualquer crença41. 
 
39 MACHADO, Natália Gomes da Silva. Princípio da Laicidade. 2010. Dissertação de Pós Graduação em Direito. 
Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. 29 p. p. 5-8. 
40 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo STF nº 661. Disponível em: 
. Acesso em 13 de agosto de 
2014. 
41 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Disponível em: 
. Acesso em 15 de 
setembro de 2014. p. 43 
33 
 
Tais argumentos trazem extremo alívio, haja vista atualmente a laicidade estatal estar 
ameaçada42, não somente nas esferas legislativa e executiva, mas também na judiciária. Tal 
fenômeno é perceptível tanto em aspectos relativamente menos danosos à sociedade, como, por 
exemplo, na presença de crucifixos em escolas, fóruns e diversos outros ambientes públicos, 
nas celebrações de cultos religiosos em esferas públicas, nas expressões “sob a proteção de 
Deus” no preâmbulo da Constituição e “Deus seja louvado” nas cédulas da moeda nacional, 
como em situações extremamente preocupantes, como no não reconhecimento da umbanda e 
do candomblé como religiões por decisão judicial (vide Ação Civil Pública 0004747-
33.2014.4.02.5101 - 2014.51.01.004747-2, que esteve em curso perante a 17ª Vara Federal do 
Rio de Janeiro43), na criação de projetos de Lei impregnados de valores religiosos 
potencialmente nocivos a direitos e garantias constitucionais, (vide Projeto de Lei 478/07, 
popularmente conhecido como Estatuto do Nascituro, ainda pendente de aprovação44), seja na 
participação política crescente de grupos religiosos em todo o cenário nacional45. 
Relacionando tal argumento ao objeto do presente trabalho, isto é, a descriminalização 
do aborto, é possível afirmar que dogmas religiosos somente podem interferir na esfera 
individual de convencimento de cada indivíduo. 
No cenário político atual, discutir religião e aborto é essencial, haja vista existir 
atualmente a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Vida - Contra o Aborto46, que conta com 
192 deputados federais e 13 senadores signatários, sendo que grande parte de seus integrantes 
possuem crenças religiosas como norteadoras de seu posicionamento político47, o que justifica 
a importância do tópico em questão. Tratar-se-á, no entanto, apenas do posicionamento da 
 
42 ZYLBERSZTAJN, Joana. O Princípio da Laicidade na Constituição Federal de 1988. 2012. Dissertação de 
Doutorado. Universidadede São Paulo. 
43 PÉROLAS JURÍDICAS. Sentença não reconhece candomblé e umbanda como religiões: em sentença, Juiz 
federal do TRF-2 negou pedido do Ministério Público Federal para que o Google fosse obrigado a retirar 15 
vídeos ofensivos às duas crenças do ar. Disponível em: . Acesso em 16 de agosto de 2014. 
44 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 478/07. Disponível em 
. Acesso em 16 de 
agosto de 2014. 
45 COUTINHO, Mateus. Evangélicos projetam aumento de 30% da bancada na eleição do ano que vem. O 
Estado de S. Paulo. Disponível em: . Acesso em 16 de agosto de 2014. 
46 BRASIL. Câmara dos deputados. Frente Parlamentar Mista em Defesa da Vida - Contra o Aborto. Disponível 
em: . Acesso em 15 de 
setembro de 2014. 
47 PEREIRA. Leonardo. Confira a lista atualizada da bancada evangélica em Brasília. Disponível em 
. Acesso 
em 17 de agosto de 2014. 
34 
 
religião católica, majoritária no Brasil48 e com efetiva influência política, cujo posicionamento 
é compartilhado semelhantemente pelos evangélicos. 
Segundo Kelli Cristina Ribeiro49, a doutrina católica nem sempre foi contrária à prática 
abortiva. Basicamente, seu posicionamento depende da teoria adotada em relação ao momento 
aquisitivo da alma pelo ser humano. 
Maria Tereza Verardo e Maria Junicete de Souza50 explicam que no século IV, São 
Basílio considerava que a alma era infundida no novo ser no momento da fecundação. Esta 
teoria, denominada animação imediata, proibia o aborto em qualquer fase, já que a alma passava 
a pertencer ao novo ser no preciso momento do encontro do óvulo com o espermatozoide. 
No século VI, com o Código de Justiniano, passou-se a considerar que o momento da 
infusão da alma só ocorreria quando o feto adquirisse forma humana. O que significaria que, 
enquanto a alma não estivesse infundida no novo ser, o aborto não era proibido. 
 O Concílio de Trento (1545-1563) passou a adotar a teoria de que o movimento era 
uma expressão da alma. Isto é, o feto passaria a ter alma no instante em que a mulher sentisse 
os primeiros movimentos em seu ventre, doutrina que ficou conhecida como a da animação 
mediata. 
Com Pio IX, a teoria da animação imediata foi restabelecida, e esta é a posição atual 
da Igreja. As pessoas que fizerem aborto, seja qual for o motivo, serão punidas com a 
excomunhão. 
Conforme se observa, nem sempre a igreja foi contrária ao aborto. Patrícia Toledo 
ensina que: 
[...] Segundo Nunes51, mesmo a crença na concepção imutável da Igreja Católica 
quanto à defesa incondicional da vida pode encobrir uma história, que na realidade, é 
cheia de controvérsias. De fato, nos primeiros séculos do cristianismo, a fim de 
proteger a monogamia, o aborto era permitido quando era fruto de adultério. A 
 
48 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Censo Demográfico 2010: Religião – Amostra. Disponível 
em: . Acesso em 18 
de agosto de 2014. 
49 RIBEIRO, Kelli Cristina. A posição de algumas religiões e questões polêmicas acerca do aborto. Dissertação de 
graduação em Direito. Universidade do Vale do Itajaí. 89 páginas. p 44 
50 VERARDO. Maria Tereza. SOUZA, Maria Jucinete de. Aborto - Interrupção Voluntária da Gravidez. Disponível 
em . Acesso em 17 de agosto de 2014. p 5. 
51 NUNES, Maria José R. Aborto, maternidade e a dignidade da vida das mulheres. In: CAVALCANTE, Alcilene e 
XAVIER, Dulce. Em defesa da vida: aborto e direitos humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 
2006, p. 23-40. 
35 
 
afirmação do casamento monogâmico era mais importante como fundamento social 
do que a proteção da vida. A própria discussão teológica da época não mantinha um 
consenso sobre o momento em que o feto passaria a ser uma pessoa. Até o século XIX 
pensou-se que a interrupção da gestação no início da gravidez não seria pecaminoso, 
não atentaria contra a vida de uma pessoa52. 
 
O posicionamento religioso poderia, no entanto, ser traduzido para o debate jurídico 
como qual seria o marco inicial da vida humana. No entanto, o autor deste trabalho entende tal 
discussão não ser pertinente ao trabalho em pauta, pois conceitua o nascituro como um ser 
humano em expectativa de nascer e, por esta razão, é indubitável que esta expectativa tenha 
início com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide. O debate deve, portanto, focar a 
possibilidade de interrupção do desenvolvimento de um óvulo fecundado e o desperdício destes 
gametas. 
Percebe-se, portanto, que argumentos religiosos devem ser respeitados, mas seu grau 
de influência necessita ser restrito, pois baseiam-se em valores espirituais que têm pertinência 
exclusivamente no âmbito interno de motivação dos indivíduos, sendo inviável auferir-lhes 
relevância jurídica, sob pena de ferir a laicidade estatal. 
 
 
2.1.2 Dos direitos da mulher em contraposição aos direitos do feto 
 
 
No que pertine aos direitos da mulher em contraposição aos do feto anencéfalo, aduziu 
o ministro relator, de início, que toda gravidez acarretaria riscos à mãe. No entanto, constatou 
que estes seriam maiores à gestante portadora de feto anencéfalo do que os verificados em 
 
52 TOLEDO, Patrícia. O Aborto e a Política do Corpo. Disponível em: . Acesso em 19 de setembro de 
2014. p. 2. 
36 
 
gravidez comum. O autor desta tese de láurea acredita, ainda, que tal risco seja totalmente 
desnecessário, visto a inexistência de chances de sobrevivência do feto53. 
 Além disso, o ministro Marco Aurélio afirmou ser incontroverso que impor a 
continuidade da gravidez de feto anencéfalo poderia conduzir a gestante a quadro psíquico 
devastador, haja vista que predominariam, na maioria das vezes, sentimentos mórbidos de dor, 
angústia, impotência, luto e desespero, tendo em conta a certeza do óbito, alegando até mesmo 
ser possível classificar como tortura o ato estatal de compeli-las a prosseguir na gestação de 
feto portador da anomalia, porquanto a colocaria em espécie de cárcere privado de seu próprio 
corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade54. 
Tal argumento, de vertente feminista, é evidentemente um dos mais fortes na luta pela 
descriminalização do aborto, e pode ser utilizado não somente no caso dos fetos anencéfalos, 
mas também em qualquer gravidez. Obrigar um ser humano a prosseguir a gestação de um ser 
indesejado em seu próprio corpo é, aos olhos do autor desta monografia, inconcebível, sendo 
tal pensamento facilmente relacionável à ficção científica, alienígenas e filmes de terror. 
É importante ressaltar que o amor maternal incondicional é uma construção histórico-
social. Nos dizeres de Patrícia Toledo: 
No que se refere aos papéis estipulados para as mulheres como inerente à sua natureza, 
apresenta-se a maternidade. No entanto, a relação mãe e filho, assim como outras 
formas de comportamento, estão em constantes mudanças que se adaptam aos valores 
políticos e econômicos de determinada época. 
De acordo com Badinter (1985) apud Moura e Araujo (2004)55, o amor materno, não 
deve ser visto como uma qualidade essencial da mulher, mas como uma construção 
histórico-social. Durante a Idade Média e na Antiguidade o conceito

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