Prévia do material em texto
Moda Contemporânea Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Estela Maris de Medeiros e Oliveira Revisão Textual: Prof.ª Me. Alessandra Fabiana Cavalcanti Revisão Técnica: Prof.ª Me. Mariana Lucena Consumo de Moda Consumo de Moda • Construir um repertório de conexões entre os sistemas culturais e a moda contemporânea; • Perceber de modo crítico as relações do comportamento das sociedades e as influências nos modos de consumo de moda; • Compreender as representações simbólicas das sociedades, associando aos fatores socioculturais. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Introdução; • As Funções do Vestuário e a Indústria de Consumo; • Necessidade e Desejo; • Simbologias na Moda Contemporânea. UNIDADE Consumo de Moda Introdução Em outras unidades foram trabalhados os temas de cultura material e imaterial, consumo, contexto histórico e o consumo contemporâneo a fim de possibilitar a compreensão da influência da cultura no universo do vestuário. Nesta unidade, serão abordadas as especificidades do consumo de moda na contemporaneidade. Com o objetivo de promover um repertório de conexões entre os sistemas culturais e a moda contemporânea, serão estudadas, ainda, as características do consumo de moda tanto no sentido das representações de desejo na atualidade, quanto dos desa- fios das marcas autorais. Para tal, serão desenvolvidos os seguintes tópicos: • Funções do vestuário e a indústria de consumo. • Necessidade e desejo. • Simbologias da moda. As Funções do Vestuário e a Indústria de Consumo O vestuário faz parte da vida do ser humano desde a pré-história quando o homem usava pele de animal envolta ao seu corpo para se proteger do frio. A função pri- mária do vestuário é de proteção do corpo às intempéries da natureza: sol, chuva, vento, etc. Já, nessa época, a roupa tinha, além do aspecto prático, uma função simbólica, pois acreditava-se que o homem adquiria a força do animal ao usar sua pele como vestimenta. O pudor e o impudor são outras funções primárias do vestu- ário presentes em civilizações antigas que motivavam a exibição e o encobrimento de partes do corpo, em sinal de atração sexual ou de respeito. Nas civilizações mais antigas, como as assírias, as babilônicas e as egípcias, a roupa era produzida com a matéria-prima a qual cada grupo de pessoas tinha acesso, o que resultava em diferenciação de classes sociais de acordo com o tipo de roupa usada. Ainda que de forma não sistematizada, isto já configurava o uso da vestimenta como elemento de diferenciação social. A partir da segunda metade do século XIX, o desenvolvimento fabril e tecnoló- gico decorrente da revolução industrial impulsiona o crescimento da oferta de bens de consumo com menor custo e com larga distribuição. O prêt-à-porter se desen- volve em decorrência do crescimento da reprodutibilidade técnica e do surgimento de novos produtos mais baratos e acessíveis. Este novo modelo de produção de vestuário se expande em consonância com a economia e o novo modelo de vida da Europa, pós-segunda guerra, que não suportava mais o sistema de roupas feitas sob medida, como único sistema vigente. 8 9 Figura 1 – Loja de fast fashion Fonte: Getty Images Este cenário configura a expansão do mercado de vestuário, fundamentado na produção em larga escala, baixo preço de custo como instrumento de fortalecimento do sistema capitalista de produção industrial. A função do vestuário de hierarquia social prevalece neste modelo que promove o acúmulo de bens como elemento de diferenciação social e de sucesso (LIMA, 2010). A aceleração do consumo não aconteceu de forma isolada na área da tecnolo- gia industrial, pois a publicidade e o design foram atores fundamentais para este processo, no sentido de alimentar o ciclo de lançamento de novas necessidades de consumo na população e de personalização de variedades de produtos que agradem os mais diversos gostos e maneiras de usos. O modelo de sociedade, baseado no consumo simbólico, estimula a constante procura por novos produtos e serviços e a percepção de insaciedade perante o consumo. Este fenômeno se dá em função das simbologias que os produtos representam para a sociedade e o desejo de per- tencimento realizado por meio dos hábitos de consumo. O resultado é um sistema que alimenta um ciclo infinito de novos desejos e consumo. Neste cenário, a moda se configura como um sistema potente de estímulo ao consumo, dada a sua relação com a beleza e autoimagem. A produção em larga escala e a facilidade de aquisição aumentaram o volume de produção. Alinhado a este modelo de consumo simbólico, na década de 1990 o fast fashion reconfigura o sistema da moda com a renovação constante de coleções para a comercialização. As minicoleções, ao longo do ano, aumentam a variedade e a rotatividade dos produtos. Na última década, a indústria da moda observou um novo fenômeno que alimenta o consumo rápido e por impulso: o See now, by now. O movimento veja agora, compre agora, surgiu nas grandes semanas de moda no mundo, tornando possível a comercialização das coleções já no momento do desfile. 9 UNIDADE Consumo de Moda Necessidade e Desejo O padrão de comportamento de consumo das sociedades contemporâneas é baseado na satisfação de necessidades simbólicas e de modo contínuo, a fim de favo- recer o sistema capitalista. Neste modelo, as funções primárias do vestuário de pro- teção e de pudor e impudor não retratam as motivações reais do consumo de moda. Além da hierarquia social e o status, a função da moda, enquanto ferramenta de comunicação, é o principal estímulo para o consumo contínuo. A integração social e a singularização do indivíduo como instrumento de afirmação social retratam carac- terísticas geracionais da atualidade e a moda é dos principais recursos de promoção desta necessidade. O modo de vestir permite ao indivíduo satisfazer as necessidades de aprovação pelo grupo e de diferenciação pela sinalização de determinado status social. É carac- terística do indivíduo contemporâneo a dualidade da busca por individualidade e pela conformidade. Na busca pela individualidade, busca-se a afirmação social por meio de uma assinatura única e pessoal em reação contra a sociedade de massa, a fim de ressaltar seu posicionamento individual. Ao passo que a busca por integração social, refere-se ao desejo pela aprovação social do grupo em que se quer ser aceito. Como símbolo, a roupa significa diferente para cada pessoa, mas elas expressam seu eu nos seus hábitos de consumo e veem as posses como parte ou como extensão do seu eu. A motivação para se dar pelos desejos individuais de enxergar refletida nos produtos, nos valores e nos gostos pessoais, como uma atitude de busca por saciedade dos seus anseios. O significado agregado a qualquer situação ou objeto é determinado pela interpretação destes símbolos e os indivíduos interpretam as ações dos outros para assim escolherem a forma mais adequada de se expor à sociedade. O questionamento acerca da razoabilidade das necessidades associadas ao consumo de moda não se faz coerente ser simplificado e classificado como supérfluo. O ser humano contemporâneo é estimulado por motivações simbólicas e com a moda não seria diferente. O desejo, na atualidade, é necessidade maior e as roupas, adornos e beleza são instrumen- tos potentes de disfarce e de destaque da imagem deste ser humano vaidoso e complexo. No modelo de consumo simbólico contemporâneo, não é a busca por solução de questões práticas que nos motiva a adquirir um objeto, pois a possessão se dá atra- vés da paixão e do desejo, necessidades tipicamente humanas. Desde as civilizações mais primitivas, as vestimentas e os adornos já eram utilizados como elementos de atração sexual em rituais. Na era das redes sociais e da exibição, o desejo é a moeda de troca sutil. Na atualidade, tanto a roupa quanto a moda são necessidades condi- zentes com o tempo e, por este motivo, não se faz coerente abrir mão das necessi- dadesestéticas e simbólicas no ato de vestir. A teoria humanista, desenvolvida pelo psicólogo americano Abraham Maslow (1908-1970), explica que o ser humano não se limita às suas necessidades fisiológicas. 10 11 São várias as necessidades que possuem importâncias distintas e são priorizadas as que julgamos mais necessárias. À medida que temos uma necessidade saciada, busca-se uma nova para suprir. Necessidades psicológicas Necessidades básicas Realização pessoal Estima Sociais Segurança Fisiológicas Figura 2 – Pirâmide de Necessidades Humanas de Abraham Maslow A hierarquia de necessidades proposta pelo psicólogo possui o formato de pirâmide, como ilustra a Figura 2, cuja base possui as questões fisiológicas básicas relacionadas à sobrevivência, como fome, saúde e segurança. No centro da pirâmide concentram-se as necessidades sociais e de estima, como relacionamentos pessoais, familiares e bem-estar, estando no topo a realização pessoal. Partindo do modelo de consumo simbólico característico da sociedade contempo- rânea, é possível compreender que, na atualidade, a moda se faz presente em todos os níveis da escala de necessidades de Maslow. As prioridades dadas às necessidades são resultados dos valores culturais dos grupos sociais. A busca por suprir suas necessidades tem relação com as motivações que podem ser internas (fisiológicas, emocionais e extintivas) e externas, fruto do ambiente e do convívio social. O desejo como motivação social é inerente ao ser humano contemporâneo, e esta motivação poder ser tanto fisiológica quanto psicológica (LIMA, 2010). Simbologias na Moda Contemporânea A moda é um instrumento de expressão social independentemente do modelo de consumo. Na atualidade, a roupa é um importante e potente elemento de fala e de autoafirmação para o indivíduo. Ela tanto pode falar como servir de suporte para o discurso, de modo autônomo ou coletivo (Figura 3). Isso quer dizer que esta pos- sibilidade existe e é acessível, mesmo considerando as extensões e os limites dessa acessibilidade. Compreender a roupa como um documento é considerar a roupa como objeto de estudo, o que implica entendê-la no espectro de fatores materiais e simbólicos historicamente e culturalmente variáveis. Este conjunto complexo de significações age na superfície da pele, o suporte humano que dá vida à mensagem da roupa e à sua atitude. 11 UNIDADE Consumo de Moda Figura 3 – Desfile da Rhodia, 1968 Fonte: Acervo Alcantara Machado | Vassily Volvoc Filho Para além do desejo como simbologia motriz de moda, a indústria do consumo contemporânea gera a eterna sensação de insaciedade, de ansiedade e de infelicidade. A propaganda do desejo é o discurso da publicidade para tornar o consumidor refém de cada novo lançamento. Além do aspecto humano, os impactos ambientais gera- dos pelo consumo rápido, pelo acúmulo de bens e de baixo custo são devastadores. O modelo vigente da indústria e do consumo de moda é tanto parte quanto reflexo dos sistemas econômicos e políticos da sociedade. À medida que a moda alimenta e faz parte desta indústria aliada a interesses de uma elite dominadora, a moda é também instrumento de expressão acessível às classes menos privilegiadas. Se faz necessária a crítica a este modelo que também aprisiona no consumo exagerado e contínuo os menos preparados emocionalmente. Refletir sobre o comportamento do consumo de moda é necessário tanto enquanto indiví- duo consumir, quanto como ator da indústria enquanto designers. O escritor André Carvalhal aborda o impacto das nossas atitudes do presente na constituição do futuro que esperamos alcançar, apontando os desafios do mercado de moda diante do cenário da pandemia do COVID-19. Vídeo disponível em: https://bit.ly/2RT7Yw6 Tendo conhecimento dos danos humanos e ambientais gerados pelo sistema da indústria de consumo simbólico do qual a moda faz parte, é pertinente nos questio- narmos até que ponto a sociedade contemporânea irá seguir alimentando esta lógica de consumo. É sensato também nos perguntarmos a cerca de como os valores sub- jetivos humanos podem ser usados como moeda de troca para um sistema opressor. A reflexão e a crítica são necessárias para a consciência e a continuidade do debate. 12 13 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Revolução na moda. André Carvalhal e Dudu Bertholini https://bit.ly/3j0RpdR Comportamento na Pandemia, por André Carvalhal https://bit.ly/3i3ub5o Inventando Moda – O consumo de moda está mudando? https://youtu.be/z00W4hoj-kA Episódio 10 – Qual o papel do Design na Cultura Material de uma sociedade? (part. Nathalie Mota) https://spoti.fi/2RUw7mb Leitura Moda, necessidade e consumo https://bit.ly/3kJgcn1 Mundo Moderno favorece crescimento do fast fashion https://bit.ly/302Ql1s Reportagem Herdeiro da Chanel põe Brasil no radar https://bit.ly/2HpSTjL 13 UNIDADE Consumo de Moda Referências BUENO, M-L.; CAMARGO, L-O. L. (Orgs). Cultura e Consumo: estilos de vida na contemporaneidade. São Paulo: SENAC, 2008. LIMA, A. G.; MORAIS, T. M. do C. A conceituação sociológica de sociedade de consumo e suas implicações na legislação consumerista brasileira. LIMA, P. G. Moda, necessidade e consumo. Disenõ en Palermo. Año V, Vol. 9, Julio 2010, Buenos Aires, Argentina. 264 páginas. Disponível em: . LIPOVETSKY, G. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. MCCRACKEN, G. Cultura e Consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003. MIRANDA, A. P. de. Consumo de moda: a relação pessoa-objeto. São Paulo: Es- tação das Letras e Cores, 2008. MESQUITA, C. Moda Contemporânea: quatro ou cinco conexões possíveis. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2004. OLIVEIRA, A-C. de; CASTILHO, K. Corpo e Moda: por uma compreensão do contemporâneo. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2008. 14