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Língua Latina Prof. Rafael Lima Garanhuns 2013 Universidade Federal Rural de Pernambuco Unidade Acadêmica de Garanhuns Curso de Licenciatura em Letras limarafaelb@gmail.com www.sites.google.com/site/limarafaelb Latim: língua viva ou língua morta? Aprender latim significa resgatar uma língua que fundamentou a nossa civilização e transmitiu através de si a história de seu povo: costumes, pensamentos, tecnologias, concepções de vida em sociedade, lazer, consumo diário, ofícios e ocupações, estruturas familiares, política, conquistas, enfim, tudo o que diz respeito ao modo de viver de um povo e que só foi possível o conhecimento porque essa língua sobreviveu ao tempo e à queda do Império Romano que, mesmo deposto como supremo e poderoso, não deixou sua história “jogada ao vento”, transmitindo-a a todos por meio do idioma. Isso é legado, é herança passada de geração em geração. 1. O Latim: um pouco de história (NASCIMENTO, 2012) O Lácio tem relevantes motivos para ser preservado pela história. Território de solo rico, onde os latinos – pastores e agricultores – levavam uma vida simples, situava-se na parte central da Itália. Esta região é o berço de três importantes marcos da humanidade: o latim, o Império Romano e indiretamente, o Cristianismo. Há 2500 anos o latim era apenas uma das línguas faladas na região central da Península Itálica. Língua usada pelos latinos, convivia na situação limítrofe com outros idiomas locais: osco, volsco, samnita, umbro, etrusco, falisco etc. As inscrições em latim mais antigas que se conhecem datam do século VI a.C. e foram feitas em várias versões do alfabeto grego, o qual havia sido levado para a Itália por colonos gregos. Este alfabeto, com adaptações ao romano, é o que se utiliza hoje. Enquanto Império, os romanos conhecem vários imperadores, mas dois nomes se destacam pela importância com a cultura: Augusto e Adriano. É nesta fase que Roma conquista o mundo, ampliando seus horizontes e levando sua cultura para os quatro cantos conhecidos da Terra. O latim torna-se, então, o grande mensageiro romano. Sobre o comando de Augusto, os literatos da época responsabilizaram-se, então, por esta missão. Como o poeta Virgílio, sensível às reações populares diante dos acontecimentos, tentavam, através de suas obras, trazer à memória recordações de um tempo próspero, onde o campo era um ambiente de paz e o trabalho gerava o progresso. A história de Roma, desde a sua fundação, era recontada em poemas para que fosse percebida a grandeza da nação e a indiscutível contribuição de seu povo para tal. Império Romano na época de Trajano O declínio do latim como língua oficial e dominante corresponde ao enfraquecimento do Império Romano, o que, mais uma vez, ratifica a indissociável relação entre linguagem, história e poder. Todavia as marcas romanas já estavam tão impregnadas na humanidade que, mesmo perdendo o poder político e linguístico, Roma irá legar a base de culturas vindouras. O Cristianismo, assim, passa a ser o grande responsável por tal feito. Período Roma Língua 753 a.C Fundação de Roma pelos gêmeos Rômulo e Remo (segundo a lenda). Vestígios arqueológicos de um vilarejo (Lácio) habitado por pastores e lavradores latinos. 509 a.C Até então uma monarquia, os latinos de Roma a tornam uma república. Surgem as primeiras inscrições em latim. 272 a.C Roma dominava a Itália. O latim torna-se língua oficial da Península Itálica. 58-44 a.C Júlio César é declarado ditador perpétuo pelo Senado, mas é morto. Desenvolvimento do latim arcaico sob o influxo da literatura grega. 27 a.C e 14 d.C Após uma guerra civil, Otaviano (Augusto) vira imperador e consolida os domínios no Mediterrâneo. Produção literária de Virgilio, Horácio e outros escritores. O latim é usado em todo o Império como língua oficial da lei, da administração e cada vez mais como língua do dia- a-dia. 116 Com Trajano, o império alcança sua extensão máxima. O auge dura até as invasões dos povos bárbaros. Os romanos cultos falam tanto o latim quanto o grego. 313 Constantino confere liberdade religiosa ao império e lança as bases para transformar o cristianismo em religião oficial. Enfraquece o prestígio da língua literária e a separação entre o latim clássico e vulgar diminui. 395 Antes de morrer, o imperador Teodósio divide os domínios de Roma em Império do Ocidente e Império do Oriente. Ao longo do tempo o latim se dialetaliza e os romanismos desenvolvem- se cada vez mais. 476 Rômulo Augusto, último imperador do Ocidente, é deposto em 476 e, em 1453, o Império do Oriente cai. Com a queda do Império, a oposição entre unidade e diversidade, entre latim culto e popular foi eliminada definitivamente em benefício deste último. 639 Isolamento das diversas partes do Império e colapso cultural. A língua escrita tornou-se quase impossível pelo alto preço dos pergaminhos e pela falta total de papiro; condenação da literatura. 813 Renascimento carolíngio (renascimento da literatura e das artes que teria ocorrido principalmente no reinado de Carlos Magno). Morte do latim culto e nascimento dos romanços, rompendo a unidade do latim e favorecendo sua diversificação. O latim começa a perder sua posição de língua oficial e dominante, quando a cultura desses outros povos passa a influenciar consideravelmente a de Roma. Entretanto, no período de gestão do imperador Constantino, a religião que viria mais tarde a se espalhar pelo mundo – o Cristianismo – passou a utilizar a língua latina como principal difusora de seus ideais. O latim propagou-se de tal maneira pelos territórios romanos que ocorreu a sua dialetação, tornando o latim clássico, usado mais frequentemente pela burguesia e pelos literatos, muito diferente do latim falado pelo povo, o chamado vulgar. Produto de uma contribuição variada, o sermo vulgaris possibilitou que línguas como o português viessem a surgir, tornando-se patrimônio de uma nação. Torna-se indiscutível afirmar que toda e qualquer língua é um valioso bem a ser preservado pelo seu povo. O latim, surgido na região do Lácio, formou seu povo, os latinos, que por sua vez, constituiu o Império Romano que, mais tarde, proporcionou ao mundo, através de sua língua, o surgimento de outras que fariam dela uma língua eterna, vivida e revivida no cotidiano dos “neorromanos” da contemporaneidade. 2. A herança do Latim e da cultura romana Para a ciência, o sistema de nomenclatura binominal, que foi criado por Carolus Linnaeus em 1755, utiliza o latim nas nomenclaturas científicas em geral, em nomes de plantas e animais. Os biólogos usam a terminologia latina, assim como os paleontólogos e outros cientistas, a fim de nomear gêneros e espécies. Na medicina, Nero foi o precursor do parto em “cesariana”, pois este imperador, um dos doze Césares, nasceu em circunstâncias especiais. O latim eclesiástico ainda é usado pela Igreja Católica em liturgias e documentos oficiais, apesar das missas atualmente serem celebradas em línguas vernáculas. Há, no entanto, indícios de que em algumas regiões do Brasil, por exemplo, a igreja opte por rezar missas em latim, como eram feitas originalmente. Dois outros motivos pelos quais Roma deve ser constantemente lembrada são a Literatura e a Filosofia. Vários estilos literários praticados atualmente são de origem romana, como é o caso da sátira. Também, no lado profano, nomes como os de Dante, Petrarca, Boccaccio, Erasmo, Descartes e Newton produziram obras e tratados valiosíssimos em latim. Até mesmo o termo literatura vem do latim "litterae" que significa "letras", possivelmente uma tradução do grego "grammatikee". Emlatim, literatura significa uma instrução ou um conjunto de saberes ou habilidades de escrever e ler bem, e se relaciona com as artes da gramática, da retórica e da poética. Os romanos foram introdutores de novos componentes arquitetônicos, dos quais se destacam os arcos, as cúpulas e as abóbadas, além dos aspectos monumentais de suas construções, a exemplo de estradas e pontes, imprescindíveis para facilitar a comunicação e o comércio entre as cidades. Sem falar nos arcos de triunfo, anfiteatros, templos, circos, basílicas e casas de banhos (termas). Muitos desses monumentos sobrevivem até os dias atuais, como é o caso das ruínas do Coliseu. Na escultura, sempre houve a preocupação de reproduzir de forma realista as características da fisionomia dos modelos, mormente cabeças ou bustos, principalmente das grandes personagens públicas, dando grande valor ainda à técnica dos afrescos e mosaicos. Isso mostra a inovação dos romanos em relação aos gregos, uma vez que estes, ao representarem um imperador ou filósofo importante, os endeusavam e davam-lhes uma forma escultural divinizada. Quanto ao esporte, as lutas de gladiadores nas arenas (termo que significa areia), o lançamento de dardos, as corridas, o levantamento de pesos e a natação, praticados pelos romanos, exerceram muita influência nas modalidades esportivas atuais, tendo até mesmo a estrutura dos estádios de futebol inserida neste legado. Outro legado romano é a forma de contar os dias do ano e o próprio calendário gregoriano usado atualmente. Janeiro: Jano, deus romano das portas, passagens, inícios e fins. Fevereiro: Februus, deus etrusco da morte; Februarius (mensis), "Mês da purificação" em latim. Março: Marte, deus romano da guerra. Abril: É o quarto mês do calendário gregoriano e tem 30 dias. O seu nome deriva do latim Aprilis, que significa abrir, numa referência à germinação das culturas. Outra hipótese sugere que Abril seja derivado de Aprus, o nome etrusco de Vênus, deusa do amor e da paixão. Maio: Maia Maiestas, deusa romana. Junho: Juno, deusa romana, esposa do deus Júpiter. Julho: Júlio César, general romano. O mês era anteriormente chamado Quintilis, o quinto mês do calendário de Rómulo. Agosto: Augusto, primeiro imperador romano. O mês era anteriormente chamado Sextilis, o sexto mês do calendário de Rómulo. Setembro: septem, "sete" em latim; o sétimo mês do calendário de Rómulo. Outubro: octo, "oito" em latim; o oitavo mês do calendário de Rómulo. Novembro: novem, "nove" em latim; o nono mês do calendário de Rómulo. Dezembro: decem, "dez" em latim; o décimo mês do calendário de Rómulo. 3. A LÍNGUA LATINA: culta versus vulgar Uma vez com uma sociedade politicamente ordenada e fazendo uso da língua para fins inclusive estéticos, os romanos passam a conhecer a literatura como arte, e o latim passa a ter dois padrões de fala: o vulgar e o literário. Fundamentais para a história do antigo império, estas duas modalidades de articulação da mesma língua convivem lado a lado por muito tempo, até que tenham desfechos diferentes: uma transformar-se-á, gerando falares, enquanto a outra será preservada em obras de arte. Para Maurer Jr. (1962, p. 53 apud ROSSI, 2001) na Roma antiga, as três principais manifestações do latim eram: • A língua literária, utilizada por grandes escritores como Cícero e Horácio; • A língua coloquial urbana, usada pela sociedade aristocrática; • A língua vulgar, que era falada pelo povo. Outra característica é a formalidade da língua, sempre tendendo para o sintético, e a estabilidade do latim literário, uma espécie de suporte documental para o latim utilizado por essa minoria. Vê-se aí o idioma como fator de dominação, como instrumento de poder, uma espécie de subestimação da cultura do dominado, como se o fato de saber uma língua de extrema rigidez gramatical, como o latim clássico, conferisse direitos quase divinos aos seus falantes, e qualquer outra manifestação linguística diferente desta seria quase uma ofensa aos deuses. Daí a marginalização por parte dos patrícios do latim dito vulgar. O latim falado, denominado vulgar ou sermo vulgaris, floresceu durante o Império Romano e permaneceu quando então os povos bárbaros invadiram e conquistaram essa nação. Os fatores que diferenciam-no do latim erudito estão além da dialetação. Sendo aquele usado pelas classes populares e estas, portanto, em maior número, funcionava “como um instrumento familiar de comunicação diária” (Coutinho, 1976, p. 30). Já o latim clássico, também chamado de sermo urbanus, é o latim em sua essência culta e bela, uma língua sintética que prima pela objetividade. Segundo Coutinho (1976, p. 29) “caracteriza-se pelo apuro do vocabulário, pela correção gramatical e pela elegância do estilo”. Herança valiosa para as sociedades que as tem como línguas oficiais, ou mesmo um segundo falar, as línguas românicas formam um grupo de idiomas evoluído do latim vulgar. Sabendo-se que a língua, de uma forma geral, é viva e dinâmica e, por este motivo, carrega consigo aspectos histórico-culturais de um povo, tornando-se o elemento básico para a construção e o desenvolvimento de uma civilização, pode-se afirmar que as línguas neolatinas são responsáveis pela formação de um novo mundo: a civilização latina. (NASCIMENTO, 2012) De acordo com Furlan (2006, p. 31), “entendê-lo no sentido depreciativo de vulgarismo, de uso linguístico condenável, implicaria equívoco resultante de visão linguística superada”. Isso porque, segundo ele, a variação falada do latim não significa que houve corrupção do latim clássico, tampouco que o latim vulgar o sucedeu, uma vez que caracteriza-se como uma evolução e perpetuação da língua. 4. As línguas românicas Passada a fase de transição que caracterizou os romanços ou romances, paulatinamente com o surgimento de textos redigidos atesta-se, então, o nascimento das línguas românicas. Assim, tem-se: francês (séc. IX); espanhol ou castelhano (séc. X); italiano (séc. X); sardo (séc. XI); provençal (séc. XII); rético ou reto-românico (séc. XII); catalão (séc. XII, ou princípios do séc. XIII); português (séc. XIII); franco-provençal (séc. XIII); dálmata ou dalmático (séc. XIV) e romeno (séc. XVI). As línguas românicas encontram-se presentes nos sete continentes, atuando em seis países como línguas oficiais. Delas, apenas o dalmático – falado até fins do século XIX na Dalmácia, antiga região da Iugoslávia – está morto. Atualmente, dos dez idiomas mais falados no mundo três são românicos (o espanhol, o português e o francês) e dois receberam bastante influência do latim (o inglês e o alemão); e dos cinco principais difundidos com a colonização (o inglês, o francês, o espanhol, o holandês e o português), mais uma vez a língua dos romanos se faz presente. Latim Italiano Francês Provençal Catalão (Central) Espanhol Português Romeno clavem chiave clef clau clau llave chave cheie noctem notte nuit nuèit/nuèch nit noche noite noapte cantare cantare chanter cantar cantar cantar cantar cânta capram capra chèvre cabra cabra cabra cabra capra linguam lingua langue lenga llengua lengua língua limbă plateam piazza place plaça plaça plaza praça piaţă 5. No português Na fonética, com o latim vulgar, a tendência na fala do povo era tornar palavras proparoxítonas em paroxítonas. Esse fator explica porque em português há um número considerável de palavras paroxítonas em relação às demais. Exemplo: álacrem (latim clássico) > alácre (latim vulgar) > alegre (português); cáthedram (latim clássico) > cathédra (latim vulgar) > cadeira (português). No léxico também houve a predominância do uso de palavras populares e afetivas com sufixos diminutivos. Por exemplo: a palavra equus (latim clássico)jamais era usada pelo povo que preferia caballu (latim vulgar), culminando em cavalo. Na morfologia, a regra do plural em muitas palavras na língua portuguesa consiste apenas no acréscimo da desinência S, o que não ocorre em latim. Assim, o estudo da língua latina esclarece que as diferentes formas de plural do português, sobretudo terminadas em ão, podem ser naturalmente explicadas. A terminação plural ões tem sua origem na terminação latina one ou ones, a exemplo de orationes (orações) e nationes (nações); O plural ães, nasceu de palavras terminadas em an, ane ou anes, como canes (cães) e panes (pães); Na sintaxe, também se encontram várias estruturas que só podem ser entendidas e explicadas a partir do conhecimento da língua dos romanos. Citemos o caso das orações subordinadas substantivas que no português possuem mais de uma forma: as substantivas reduzidas de infinitivo, as quais seguem o latim clássico. Exemplo: O povo diz ser a Terra redonda (Vulgus dicit terram esse rotundam); e as substantivas desenvolvidas, que mediante a conjunção integrante segue o analitismo do latim vulgar. Exemplo: O povo diz que a terra é redonda (Vulgus dicit quod Terra est rotunda). Como descreve Arruda (2011, p. 18) o conhecimento de uma língua está muito além de sua estrutura ou gramática, pois possui também aspectos culturais e históricos. Então, conhecer a língua latina, bem como a sua formação, conferem ao usuário do idioma português a capacidade de entender sua própria origem e elucidar as dúvidas relacionadas às mudanças de uma língua para outra. Para finalizar: Atividade! Fazer uma pesquisa sobre a Literatura latina
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