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UNIFESP Campus Diadema Físico-Química Medidas de Tensão Superficial I) OBJETIVOS a) Realizar observações acerca de fenômenos interfaciais; b) Determinar o raio de um tubo pelo método da gota; c) Verificar efeito da concentração de etanol sobre a tensão superficial da água; d) Determinar a concentração micelar crítica de um surfactante aniônico por medidas de tensão superficial. II) INTRODUÇÃO Nos líquidos, as forças intermoleculares atrativas são responsáveis pelo fenômeno de capilaridade, isto é, a ascensão de líquidos em tubos capilares. Um exemplo cotidiano do fenômeno de capilaridade é a completa umidificação de uma toalha quando apenas uma ponta fica diretamente mergulhada na água. As forças intermoleculares atrativas são responsáveis também por fenômenos de superfície onde o princípio de Arquimedes parece ser violado como, por exemplo, quando um inseto caminha na superfície livre da água e uma agulha de aço flutua na superfície da água, muito embora sua densidade seja muito maior do que a densidade da água. As forças atrativas entre duas moléculas são significativas até uma distância de separação d, que chamamos de alcance molecular. Em geral, d ~ 10 −7 cm. Figura 1. Forças de atração atuantes nas moléculas (a) no interior, (b) nas proximidades da superfície e (c) na superfície do líquido. Considere um líquido em equilíbrio com seu vapor. A resultante das forças atrativas sobre uma molécula qualquer no interior do líquido é, em média, nula porque as demais moléculas estão igualmente distribuídas em todas as direções (Figura 1a). Contudo, a resultante das forças atrativas sobre uma molécula que se encontra a uma distância da superfície do líquido menor do que o alcance molecular (Figura 1b) não é nula. Isto acontece porque o hemisfério de raio d, abaixo da molécula em questão, contém mais moléculas do que o hemisfério de raio d acima dela. A resultante das forças atrativas tem módulo máximo quando a molécula está na superfície livre do líquido (Figura 1c). Desse modo, existe uma forte tendência das moléculas que se encontram dentro de uma camada superficial de espessura d serem puxadas para o interior do líquido e, por isso, a superfície do líquido tende a se contrair espontaneamente nesta direção. As moléculas de um líquido, pelo exposto anteriormente, são estabilizadas no interior da solução tendendo, portanto, a migrar espontaneamente da interface para o interior, já que a energia livre interfacial é maior que a energia livre no interior. Esta migração promove a diminuição/contração espontânea da interface, explicando a tendência das superfícies em adotar a forma esférica, que tem a menor área interfacial e, portanto, a menor energia livre interfacial. Dessa forma, para levar uma molécula do interior da solução para a interface, aumentando a área da superfície, é necessário que realizem trabalho sobre o líquido. Esse trabalho (𝜔) será: dω=γdA (1) onde 𝐴 é a área interfacial, e 𝛾 é uma constante que chamaremos de tensão superficial. A energia livre de Gibbs (𝐺) das moléculas na interface é maior que no interior da solução. Então, combinando a 1ª com a 2ª leis da termodinâmica tem-se: dG=VdP − SdT+dωextra (2) À pressão e temperatura constantes, tem-se: dG=dωextra=γdA (3) Portanto, qualquer acréscimo de área, fará com que a variação de energia livre do sistema seja positiva (dG > 0), isto é, o aumento da área interfacial não é um processo espontâneo. No entanto, se uma molécula for da interface para o interior da solução, a variação de energia livre do sistema será negativa (dGde gotas. A aplicação desta lei nos permite realizar medidas relativas da tensão superficial. Sabendo a tensão superficial da água podemos medir a tensão superficial do líquido em estudo. O fator de correção 𝑓 é uma função do raio do tubo e do volume da gota. Observe que a devido a dilatação dos líquidos em temperaturas altas o valor de 𝑓 pode mudar com a temperatura. Na maioria dos casos utilização com boa aproximação o valor 𝑓= 0,6. 1.1 Determinação do raio do tubo de vidro A determinação do diâmetro do tubo pode ser feita de basicamente 2 maneiras: i) O diâmetro do tubo pode ser medido utilizando-se um paquímetro ou mesmo uma régua. ii) Pode ser estimado a partir da massa de uma gota de um líquido padrão/referência (ex. água destilada), cujo valor da tensão superficial seja conhecido. A tensão da água destilada próximo de 20º C é 𝛾 = 0,0728 N/m. Medindo-se a massa de um numero 𝑛 de gotas (por exemplo, 40 gotas para minimizar o erro) calcula-se o diâmetro do tubo (em metros) a partir da expressão: d=2𝑟 ∼ 𝑚𝑡 𝑛⁄ 0,6 9,8 3,1416 1 𝛾 (8) onde 𝑚𝑡 representa a massa total das gotas pingadas e 𝑛 é o número de gotas. 2. Tensoativos e a determinação da Concentração Micelar Crítica A atividade superficial é um fenômeno dinâmico, caracterizado pelo equilíbrio entre a tendência à orientação do tensoativo na interface e a tendência à mistura ou dissolução completa do mesmo, em decorrência da agitação térmica. A tendência à orientação da molécula anfifílica na interface se dá caso esta orientação seja energeticamente mais favorável que a dissolução completa em qualquer uma das fases. Alcoóis são moléculas que apresentam uma porção polar (o grupo ─OH) e uma porção apolar (a cadeia carbônica) podendo, por isso, ser considerados tensoativos. Em misturas água/álcool, o grupo polar do álcool apresenta afinidade suficiente pela água, sendo capaz de carregar a molécula de álcool para o interior, solubilizando-a na água, desde que a mesma apresente uma cadeia carbônica curta. No entanto, existem evidências experimentais de que mesmo moléculas de alcoóis de cadeia curta, como o metanol e o etanol, orientam-se na interface da solução alcoólica com o ar, sendo possível a determinação do excesso superficial destes álcoois. Para misturas água/álcool de cadeia curta, verifica-se o equilíbrio dinâmico entre a tendência à orientação das moléculas de álcool na interface e a tendência à dissolução completa das mesmas, em decorrência da agitação térmica. Tensoativos são moléculas anfifílicas, isto é, constituídas por porções polares (cabeças polares) e apolares (cadeias apolares). Os tensoativos (ou surfactantes) possuem a capacidade de diminuir a tensão superficial da água devido a sua adsorção na interface água/ar, onde as cabeças polares ficam voltadas para o interior da água e as cadeias apolares voltadas para o ar (Figura 4a). Em muitos casos, esta adsorção leva à formação de um filme monomolecular de moléculas de tensoativo na superfície da água, denominada monocamada de Gibbs (Figura 4b). Geralmente, este filme, após formado, não aceita mais nenhuma molécula de surfactante quando a solução atinge uma dada concentração, denominada concentração micelar crítica (cmc). Então, estando o filme formado, a adição de mais tensoativo levará à agregação de moléculas do mesmo no interior da solução, formando agregados conhecidos como micelas, onde a porção polar do surfactante fica na superfície do agregado, em contato com a água, enquanto que as cadeias apolares se voltam para o interior do agregado (Figura 4c). O número de moléculas de surfactante que se agregam para formar uma micela é definido como número de agregação, n. A adição de tensoativo além da cmc não irá alterar a tensão superficial da água, que permanecerá constante. A adição de sal a uma solução contendo surfactante iônico causa uma blindagem das forças de repulsão eletrostáticas existentes entre os grupos carregados na superfície da micela. Este fenômeno favorece a micelização do surfactante (ocorre uma diminuição da cmc), e permite a formação de micelas maiores, ou seja, com maior número de agregação. Figura 4. (a) Ação de um tensoativo na redução da tensão superficial da água. (b) Formação da monocamada molecular de tensoativo. (c) Micelização do tensoativo A inclinação da curva de tensão superficial versus logaritmo natural da concentração do surfactante pode ser usada para determinar o excesso superficial pela equação da isoterma de adsorção Gibbs: Γ= − 1 RT ( 𝜕𝛾 𝜕ln𝑎 )T,P (9) onde 𝛤 é o excesso superficial, 𝑎 é a atividade do tensoativo, 𝑇 é a temperatura absoluta e 𝑅 é a constante dos gases, 8,314 J/K mol. A equação 4 pode ser re-escrita na forma: γ=ΓRTln𝑐 (10) onde a atividade do tensoativo foi substituída por sua concentração 𝑐. Em curvas de tensão superficial versus logaritmo natural da concentração do surfactante, uma descontinuidade indica o valor da cmc. O Dodecil Sulfato de Sódio (SDS), cuja estrutura química está ilustrada a seguir, é um bom exemplo desta natureza ambígua dos compostos tensoativos. O SDS apresenta uma longa cadeia alquílica, praticamente insolúvel em água, ligada covalentemente a um grupo iônico, o sulfato de sódio. Os surfactantes podem ser iônicos ou neutros. Alguns são encontrados na natureza, enquanto que outros são sintetizados em laboratório. Os Surfactantes Aniônicos são surfactantes onde os ânions da molécula são a espécie tensoativa, como por exemplo: laurato de potássio (CH3(CH2)10COO-K+), decil sulfato de sódio (CH3(CH2)9SO4 -Na+; hexadecilsulfonato de sódio (CH3(CH2)15SO3 -Na+). Nos surfactantes catiônicos, os cátions da molécula são a espécie tensoativa, podendo ser citados como exemplos o brometo de hexadeciltrimetilamônio ou também conhecido como brometo de cetiltrimetilamônio (CH3(CH2)15N+(CH3)3 Br-) e o cloreto de dodecilamina (CH3(CH2)11NH3 +Cl-): Há vários métodos disponíveis para a determinação da tensão superficial. Um deles, é o método do anel, baseado na medida da tensão superficial utilizando um tensiômetro de du Noüy, por exemplo. No entanto nesta prática utilizaremos o método da gota por ser mais simples e alcançar resultados reprodutíveis e confiáveis. III- PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL Parte A. Observações acerca de fenômenos interfaciais. 1. Na pia, preencher um copo de plástico com água (pode ser de torneira) até quase transbordar, mas cuidado para não transbordar, formando o menisco. Se for necessário pode usar uma pipeta de Pasteur e adicionar gota a gota para formar o menisco. Colocar uma gota de detergente. Observar e descrever o que ocorre. Explicar o fenômeno. 2. Colocar, com o auxílio de uma pinça, um clipe limpo cuidadosamente sobre a superfície de um copo plástico preenchido com água, de modo que o clipe fique boiando. Pingar uma gota de detergente. Observar e descrever o que ocorre. Explicar o fenômeno. 3. Na placa de Petri contendo água (não é necessário encher até a boca), adicionar um pouco de pimenta do reino (ou orégano). Adicionar uma gota de etanol. Observar, descrever e explicar o fenômeno. Adicionar mais duas ou três gotas de etanol, uma de cada vez, observando, descrevendo e explicando o que ocorre. Esvaziar a vasilha, enxaguar a mesma várias vezes com água e preenchê-la, de novo, com água e orégano. Adicionar uma gota de detergente. Observar, descrever e explicar o fenômeno. Adicionar mais uma gota de detergente, observando, descrevendo e explicando o que ocorre. Comparar o que foi observado com o detergente e com o etanol. Parte B. Determinação do raio do tubo de vidro pelo método da gota. O “tubo” a ser utilizado será a bureta de 25 mL. Antes de iniciar o experimento medir com a régua o raio da ponta da bureta (a medida nãoserá precisa, mas dará uma noção da escala/tamanho do raio). Após este processo prender a bureta no suporte e preenche-la com água destilada (importante: Tirar as bolhas). Pese um béquer de 10 mL seco e limpo, anote sua massa. A este béquer serão adicionadas 40 gotas da bureta com água. Pese novamente o béquer + água para determinar a massa de água contida em 40 gotas. Faça a medida em triplicata, sempre pesando o béquer antes e após a adição de água. Para a determinação do raio do tubo utilizar a equação 8 (considere γH2O = 0.0728 N/m). A velocidade do gotejamento é muito importante! Manter uma velocidade de cerca de 1 gota/segundo durante todos os experimentos. Parte C. Efeito da adição de etanol na tensão superficial da água Após determinar o diâmetro do tubo que será utilizado para o gotejamento, preparar 5 soluções de etanol/água destilada conforme a tabela abaixo, cada uma com 10 mL (preparar nos tubos de ensaio). Transferir a solução para a bureta (começar pela solução com maior volume de água). Realizar o gotejamento das soluções em um béquer de 10 mL e medir a massa das gotas. OBS: Não esqueça de medir a massa do béquer antes para poder subtrair seu valor das medidas. Em seguida calcule a tensão superficial de cada uma das soluções pela equação 8. Considere o raio do tubo como o determinado na etapa anterior (realizar as medidas em duplicata). Tubo Solução (valores em volume) Massa 40 gotas (em Kg) med1. med2. média γ (N/m) #1 95% água + 5% etanol #2 70% água + 30% etanol #3 50% água + 50% etanol #4 30% água + 70% etanol #5 10% água + 90% etanol Parte D. Determinação da concentração micelar crítica de surfactante por medidas e tensão superficial Preparar 10 soluções de água destilada + solução aquosa de SDS (concentração da sol estoque = 0,03 mol.L-1 de SDS) conforme a tabela abaixo (preparar nos tubos de ensaio). Realizar o gotejamento das soluções em um béquer de 10 mL e medir a massa das gotas. OBS: Não esqueça de medir a massa do béquer antes para poder subtrair seu valor das medidas. Em seguida calcule a tensão superficial de cada uma das soluções pela equação 8. Considere o raio do tubo como o determinado na etapa anterior (realizar as medidas em duplicata). Tubo Solução (valores em volume) Massa 40 gotas (em Kg) med1. med2. média γ (N/m) #1 10 mL de água + 0,5 mL SDS #2 10 mL de água + 1,0 mL SDS #3 10 mL de água + 1,5 mL SDS #4 10 mL de água + 2,0 mL SDS #5 10 mL de água + 3,0 mL SDS #6 10 mL de água + 4,0 mL SDS #7 10 mL de água + 5,0 mL SDS #8 10 mL de água + 6,0 mL SDS #9 10 mL de água + 7,0 mL SDS #10 10 mL de água + 8,0 mL SDS IV- RESULTADOS Parte A. Descrever os fenômenos observados, interpretando-os. Parte B. Determinar o raio do tubo utilizar a equação 8 (considere γH2O = 0.0728 N/M). Parte C. Faça um gráfico mostrando a concentração percentual do etanol em função da tensão superficial e a partir de um ajuste aos pontos experimentais determine o valor da tensão superficial de uma solução contendo 60% água e 40% etanol. Discuta seus resultados. No gráfico, faça uma extrapolação dos pontos até uma concentração de etanol igual a 100%, compare o valor da tensão superficial obtida com o valor da literatura 𝛾etanol (26º C) = 22 mN/m e discutir possíveis fatores de desvio do resultado esperado. Parte D. Construa gráficos de tensão superficial em função do ln da concentração de surfactante (calcular concentração de SDS em cada tubo). Atenção: como tensão superficial é expressa em mN/m, as concentrações devem ser expressas em mol/m3 (lembrar que concentração molar é dada em mol/L e que 1 L = 10-3 m3). Determinar o coeficiente angular da porção linear (imediatamente antes da descontinuidade), de acordo com a equação 10, e obter a concentração superficial de excesso 𝛤 , do surfactante na monocamada adsorvida na superfície da água (expressar o valor encontrado em moléculas por Å2). Definir a concentração superficial de excesso (excesso superficial). Discutir os resultados. Determinar a área transversal que uma única molécula de SDS ocupa na superfície da água. Através dos gráficos de tensão versus ln da concentração de surfactante, determinar o valor da cmc (ponto de descontinuidade). Procurar na literatura o valor de cmc para o SDS. Compare com o valor obtido experimentalmente. Discutir os resultados e compare os valores da cmc que obteve para o SDS por medidas de tensão superficial e condutividade. Questões a serem respondidas (justifique brevemente suas respostas): 1) Considere dois surfactantes como mesmo número de carbonos na cadeia apolar, sendo um deles iônico e o outro não iônico. Qual deles terá a menor cmc em água? 2) Como funcionam (em termos de química de superfícies e tensoativos) os xampus e condicionadores? Qual é a principal diferença entre eles? 3) Qual a ordem de tensão superficial que você esperaria para as seguintes amostras: àgua, solução de NaCl, propanol, n-butanol, n-hexano e mercúrio. VI-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] Netz, P.A., Ortega, G. G. Fundamentos de Físico-Química. Uma abordagem conceitual para as ciências farmacêuticas. São Paulo: Artmed, 2002. [2] Rangel, R.N. Coloides: Um Estudo Introdutório. São Paulo: LTCE Ed, 2006. [3] Shaw, D.J. Introdução à química de colóides e superfícies. Editora Edgar Blücher 1975. [4] Barbosa, A. B.; Silva, R. R. Xampus. Química Nova na Escola, no 2, novembro, 1995.