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Texto 6 - CSS _ Iara

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Observador On-line 
 
 
 
| v.7, n.03, mar. 2012 | 
 
 
 
 
 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
1 
 
 
 
Cooperação Sul-Sul: Conceito, História e Marcos Interpretativos 
 
Iara Costa Leite 
Doutoranda em Ciência Política pelo IESP/UERJ 
Pesquisadora do Centro de Estudos e Articulação da Cooperação Sul-Sul 
 
 
 
1. Introdução 
O termo “cooperação Sul-Sul” (CSS) vem sendo usado, talvez com 
recorrência inédita, por governos, organizações internacionais e entidades da 
sociedade civil. Em geral ele é usado para se referir a um amplo conjunto de 
fenômenos relativos às relações entre países em desenvolvimento – formação 
de coalizões de geometrias múltiplas, barganha coletiva em negociações 
multilaterais, arranjos regionais de integração, assistência para o 
desenvolvimento, intercâmbio de políticas, fluxo de comércio e de 
investimentos privados etc. Já para especialistas a CSS diz respeito a uma 
modalidade da cooperação internacional para o desenvolvimento (CID). 
Se, por um lado, o uso aleatório do termo e a pouca preocupação em defini-lo 
vem estimulando sua dilatação excessiva, impossibilitando a geração de um 
conhecimento teórico sobre suas dinâmicas, por outro entender CSS como 
modalidade da CID limita a apreensão da complexidade das trocas realizadas 
entre os países em desenvolvimento, as quais não se restringem de forma 
alguma à ajuda oferecida pelos chamados “doadores emergentes”. 
O objetivo deste artigo é tentar dar sentido à multiplicidade de eventos 
classificados ordinariamente como CSS tendo como base elaborações mais 
gerais sobre a cooperação da teoria social, por um lado, e sobre análise de 
política externa, por outro. Acreditamos que o diálogo com o conhecimento 
produzido por outras áreas e subáreas das Ciências Sociais é fundamental 
para compreendermos os objetivos e recompensas envolvidos em relações 
 
Observatório Político Sul-Americano 
Instituto de Estudos Sociais e Políticos 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro IESP/UERJ 
www.opsa.com.br 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
2 
 
cooperativas, os quais se tornam ainda mais complexos quando abrimos a 
“caixa-preta” dos Estados.1 
Para tanto, exploraremos, na primeira seção, diversos conceitos da CSS, 
tentando extrair seu possível mínimo denominador comum. Em seguida 
tentaremos traçar uma breve história da CID e da CSS para entendermos a 
multiplicidade de fenômenos englobados pelas duas áreas e suas possíveis 
convergências. Na última parte, exploraremos o marco central utilizado para 
interpretar a CSS, as abordagens dependentistas, apontando suas lacunas e 
tentando supri-las com reflexões oriundas das teorias das relações 
internacionais, da teoria social e da análise de política externa. 
 
2. O que é CSS? 
Em busca de uma definição de CSS, um bom ponto de partida é selecionar 
uma amostragem de definições para tentar extrair o seu mínimo denominador 
comum e possíveis modalidades.2 Conforme apontam as definições abaixo, 
originárias de trabalhos acadêmicos e de instituições internacionais, o único 
consenso que parece existir em relação à CSS, ao menos à primeira vista, é a 
referência a dinâmicas envolvendo países em desenvolvimento. 
 
 
1 A falta de integração entre os estudos sobre CSS e outros estudos sobre cooperação se insere 
no problema mais amplo da fragmentação das ciências sociais. Apesar de estudarem fenômenos 
iguais ou similares, sociólogos, internacionalistas e cientistas políticos, entre outros, e mesmo 
subáreas dentro de cada uma dessas disciplinas, focam programas de pesquisas restritos (self-
contained) e não dialogam entre si. Com isso, as hipóteses, circunscritas a áreas e subáreas 
específicas, parecem limitadas em escopo, embora possam ser aplicadas e testadas por 
disciplinas que estudem temas similares. Este é certamente o caso das hipóteses produzidas por 
estudos sobre cooperação, um tema que, embora abordado com frequência extraordinária pelas 
diversas áreas e subáreas das ciências sociais, não é objeto de teorias abrangentes, o que acaba 
por obliterar sua importância (Sullivan et alli, 2008). 
2 Tomamos como base metodológica os trabalhos de Gerring (2001) e Goertz (2005), embora 
não tenha sido possível aplicar toda a metodologia de formação de conceitos proposta pelos 
autores. 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
3 
 
QUADRO 1: AMOSTRAGEM DE DEFINIÇÕES DE CSS 
 
“… economic and political co-operation among developing countries… (…). South-South co-
operation is a broad term used to describe diverse types of co-operation among developing 
countries. The more significant are: co-operation among developing states in multilateral 
negotiations with the developed countries; promotion of South-South trade; the development of 
regional political and economic associations, and the provision of development assistance.” 
(Bobiash, 1992:6). 
... any cooperative initiative between two or more developing countries; it may be carried out by 
governmental institutions, non-governmental organizations, universities, independent 
professionals, scholars, and researchers.” (Sá e Silva, 2009:39) 
“… a broad framework for collaboration among countries of the South in the political, economic, 
social, cultural, environmental and technical domains. Involving two or more developing 
countries, it can take place on a bilateral, regional, subregional or interregional basis. Developing 
countries share knowledge, skills, expertise and resources to meet their development goals 
through concerted efforts. Recent developments in South-South cooperation have taken the form 
of increased volume of South-South trade, South-South flows of foreign direct investment, 
movements towards regional integration, technology transfers, sharing of solutions and experts, 
and other forms of exchanges.” (Unidade Especial de Cooperação Sul-Sul/PNUD)
3
 
“… countries of the South, many of them poor, helping each other by sharing technical or 
economic knowledge and skills to facilitate development”. (Unidade Especial de Cooperação Sul-
Sul/PNUD)
4
 
“… sharing of knowledge and resources between - typically - middle-income countries with the 
aim of identifying effective practices.” (Task-Team on South-South Cooperation/OCDE)
5
 
“… an exchange of expertise between governments, organizations and individuals in developing 
nations.” (Task-Team on South-South Cooperation/OCDE)
6
 
A pouca preocupação em definir a CSS de forma precisa pode ser observada, 
por um lado, no lançamento de definições díspares por uma mesma 
organização; e, por outro, na não definição do significado da palavra 
“cooperação”, substituída, em alguns casos, pela palavra “colaboração”. 
Para suprir tal lacuna, consideramos útil revisitar estudos sociais sobre 
dinâmicas de cooperação em geral. A partir de detalhada revisão e 
sistematização de trabalhos da Psicologia e da Sociologia que se dedicaram ao 
 
3 Disponível em: http://ssc.undp.org/content/ssc/about/what_is_ssc.html. 
4 Disponível em: http://ssc.undp.org/content/ssc/library/videos/south-
south_cooperationanintroduction.html. 
5 Disponível em: 
http://www.oecd.org/document/51/0,3746,en_2649_3236398_43385523_1_1_1_1,00.html. 
6 Disponível em : http://www.impactalliance.org/ev_en.php?ID=48789_201&ID2=DO_TOPIC 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
4 
 
tema, Marwell e Schmitt apontam que quase todos coincidem no tratamento 
da cooperação como um conjunto de relações entre comportamentos e suas 
conseqüências, sendo seus dois os seus elementos básicos: o comportamento 
voltado para objetivos; e a existência de recompensas para cada uma das 
partes envolvidas.7 Nota-se, portanto, que o elemento da troca é essencial a 
qualquer processo cooperativo, o que é, de fato, explicitado por algumasdas 
definições de CSS elencadas no quadro acima. 
Aplicando-se essa acepção mais genérica ao campo da CSS, acreditamos ser 
possível dar sentido a processos de troca envolvendo quaisquer agentes 
originários dos países do chamado “Sul global”, entendido aqui não como uma 
categoria geográfica, mas como o agrupamento que reúne os chamados 
“países em desenvolvimento” (países de renda média e países de renda 
baixa).8 Porém, cabe ressaltar que podemos qualificar os diversos contatos 
entre países em desenvolvimento como cooperativos apenas se ambas as 
partes se sentirem recompensadas pela relação.9 
Nota-se que algumas das definições de CSS apresentadas no quadro 
incorporam a dimensão do comércio e do investimentos Sul-Sul, mas não há 
consenso sobre o tema. Uma dificuldade advém de se estabelecer em que 
medida agentes de mercado poderiam ou não ser qualificados como 
cooperativos, já que as ciências sociais em geral, influenciadas por 
perspectivas marxistas e weberianas, tendem a encarar dinâmicas de 
mercado como sendo pautadas pela lógica da competição.10 No caso das 
relações econômicas envolvendo países do Sul, porém, há uma forte 
influência do pensamento dependentista, que pressupõe que as trocas 
 
7 Marwell e Schmitt, 1975. 
8 Para mais detalhes sobre essas classificações, ver: http://data.worldbank.org/about/country-
classifications. Pode-se dizer que, apesar de não possuírem atributos econômicos, sociais e 
políticos próprios, os países em desenvolvimento compartilham de um conjunto de 
vulnerabilidades e desafios no que se refere ao seu desenvolvimento (PNUD, 2004). 
9 Dizer em que medida determinada relação entre dois países do Sul pode ser qualificada como 
CSS é, portanto, uma questão empírica, e não um pressuposto, como vem sendo tratado pelas 
abordagens à CSS em geral. Antes que o processo de troca seja empiricamente demonstrado, 
talvez o ideal seja referir aos diversos contatos entre países em desenvolvimento não como CSS, 
mas como “relações Sul-Sul”. 
10 Essa ideia se baseia no entendimento de que a modernidade teria favorecido a emergência de 
três pilares regulatórios distintos: o pilar do Estado, caracterizado por relações verticais; o pilar 
do mercado, caracterizado por relações horizontais e competitivas; e o pilar da comunidade, 
pautado por relações horizontais e colaborativas (Santos, 2000). Vale ressaltar, porém, que o 
próprio Marx reconhecia a existência de laços de solidariedade entre os capitalistas (Marx e 
Engels, 1998). Nas últimas décadas vários trabalhos vieram apontar que a separação entre os 
três pilares não mais constituiria base segura para a análise dos fenômenos sociais em geral (ver, 
por exemplo, Domingues, 2004). No caso das análises dedicadas à interação entre entes 
mercadológicos, muitos autores apontam que a necessidade de promover a inovação, por 
exemplo, vem favorecendo a formação de pools entre empresas de um mesmo setor, de forma a 
fazer frente ao risco de não-aceitação de um novo produto pelo mercado (ver, por exemplo, 
Castells, 1999). 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
5 
 
comerciais e financeiras entre eles seriam influenciadas por um sentimento de 
solidariedade e escapariam, portanto, da esfera competitiva do mercado – 
algo que, conforme veremos mais adiante, não necessariamente se verifica 
em bases empíricas. 
Apesar dessas limitações, podemos considerar que o fluxo de bens, serviços e 
investimentos privados entre os países em desenvolvimento constitui 
modalidade da CSS, já que numa perspectiva ampla de cooperação as 
relações econômicas, como processo de troca, envolvem objetivos e 
recompensas. 
Talvez um elemento que reúna maior consenso entre as definições elencadas 
no quadro seja o entendimento da CSS como uma modalidade da CID, cuja 
definição mais difundida está relacionada à chamada “Assistência Oficial para 
o Desenvolvimento” (AOD).11 Seguindo os critérios do Comitê de Assistência 
para o Desenvolvimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento 
Econômico (CAD/OCDE), são quatro os elementos necessários e suficientes 
para que uma iniciativa se configure como AOD: 
(1) sua origem deve ser uma agência do setor público (incluindo governos 
subnacionais); 
(2) seu destino devem ser os países que compõem a lista de recipiendários do 
CAD (países em desenvolvimento) ou agências multilaterais;12 
(3) o objetivo central declarado deve ser a promoção do desenvolvimento 
econômico e bem-estar;13 
(4) ser realizada na forma de doações (dinheiro, bens ou serviços), ou 
empréstimos a taxa de concessionalidade igual ou superior a 25%14 e 
concedidos durante prazo superior a um ano.15 
 
11 A AOD pode ser entendida como uma das categorias do que se chamava, no passado, de 
“foreign aid”, que inclui também transferências no âmbito militar. Para uma definição e proposta 
de categorização de “foreing aid”, ver Morgenthau (1962). 
12 Contribuições para grandes ONGs internacionais e para ONGs ativas na promoção do 
desenvolvimento também são contabilizadas como AOD pelo CAD, ao passo que subsídios oficiais 
ao setor privado são contabilizados como “outros fluxos oficiais”, não como AOD (CAD, 2008). 
13 Embora o CAD reconheça a dificuldade de medir intenções, tornar o propósito do 
desenvolvimento elemento central de definição tem por objetivo excluir fluxos relativos, entre 
outros, a: ajuda militar, iniciativas de combate ao terrorismo, gastos com componentes 
ostensivos das missões de paz e pesquisas não destinadas à resolução de problemas básicos dos 
países em desenvolvimento. Para mais informações, ver CAD (2008). 
14 Para uma explicação detalhada sobre a medição de concessionalidade pelo CAD, ver ECOSOC 
(2008). 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
6 
 
Além dos fluxos financeiros, também são contabilizados gastos com 
cooperação técnica, que incluem gastos com treinamento e equipamentos em 
áreas relevantes para o desenvolvimento nos níveis técnico, secundário e 
terciário, sejam eles realizados no país doador ou no país recipiendário; e 
custos administrativos dos programas, inclusive de consultores e outros 
funcionários do país doador.16 Ressalte-se, por fim, que o CAD também 
contabiliza como AOD o perdão de dívidas, assistência humanitária, gastos 
com refugiados recebidos pelos doadores e programas para conscientização 
para o desenvolvimento internacional realizados no país doador.17 
Embora tenha o mérito de ser operacionalizável, proporcionando bases 
comuns para a contabilização, comparação e análise dos dados fornecidos 
pelos países que reportam ao CAD, iniciativas classificas como AOD não 
esgotam a CID, que engloba também: (1) a cooperação oficial oferecida pelos 
países que não fazem parte do CAD/OCDE; (2) a chamada “assistência 
privada para o desenvolvimento”, realizada por ONGs, organizações 
religiosas, empresas e fundações, entre outros.18 
Talvez devido à multiplicidade de atores e dinâmicas envolvidas tanto na CID 
como na CSS, alguns autores e instituições vêm optando por delimitar a 
discussão à modalidade Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento 
(CSSD),19 que nos parece representar justamente a interseção entre os dois 
campos, conforme demonstra o diagrama abaixo. 
 
 
15 No caso dos empréstimos concessionais, o CAD exclui da contabilização da AOD empréstimos 
concedidos a prazos iguais ou inferiores a um ano, baseando-se na premissa de que não gerariam 
impactos sobre o desenvolvimento (CAD, 2008). 
16
Informações disponíveis em: 
http://www.oecd.org/document/32/0,3343,en_2649_33721_42632800_1_1_1_1,00.html#ODA. 
17 CAD, 2008. Segundo estimativas, de cada US$ 100 contabilizadoscomo AOD, apenas US$ 
18,8 chegariam, de fato, aos países beneficiários (Kharas, 2009). 
18 Para mais informações sobre a ajuda privada para o desenvolvimento ver Kharas et alli, 2011. 
19 Ver, por exemplo, ECOSOC (2008). 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
7 
 
DIAGRAMA 1: A COOPERAÇÃO SUL-SUL PARA O DESENVOLVIMENTO COMO 
INTERSEÇÃO ENTRE A CID E A CSS 
 
Fonte: Elaboração própria 
Subsistem, contudo, enormes empecilhos para a operacionalização dessa 
dimensão da CSS. À dificuldade de se medir fluxos não-oficiais de cooperação, 
própria da CID em geral, soma-se a inexistência, no caso dos países em 
desenvolvimento, de bases nacionais para contabilização de iniciativas oficiais 
ou de critérios compartilhados a respeito dessa contabilização.20 Além disso, 
há empecilhos técnicos e políticos para a incorporação dos padrões utilizados 
pelo CAD, ao mesmo tempo em que esses critérios devem passar por revisão 
dentro da própria organização diante dos efeitos da atual crise financeira e da 
demanda por assistência por países que não integram sua lista de 
recipiendários (países, portanto, que não se enquadram na categoria “países 
em desenvolvimento”). 
Deveriam os países do Sul contabilizar como CSSD toda espécie de fluxos 
financeiros e técnicos com objetivo declarado de promover o desenvolvimento 
ou apenas aqueles fluxos voltados para a resolução de problemas primários 
do desenvolvimento, conforme sugere o CAD? O que é um problema primário 
de desenvolvimento? Iniciativas de cooperação envolvendo tecnologias de 
ponta, como o programa espacial conjunto Brasil-China, podem ser 
 
20
 ECOSOC, 2008. 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
8 
 
entendidas como CSSD? Qual critério de concessionalidade seria mais 
apropriado para medir os fluxos financeiros que acontecem na forma de 
empréstimos? Eis algumas das múltiplas questões que deveriam ser 
respondidas para que tivéssemos uma definição operacionalizável da CSSD. 
Do ponto de vista político, outras questões se impõem. Como capacitar e 
convencer toda a burocracia dos países em desenvolvimento sobre a 
necessidade de realizarem a contabilização da CSSD, seguindo critérios 
precisos, quando esses países enfrentam tantos outros desafios domésticos? 
E, uma vez que os dados dos gastos com cooperação dos países em 
desenvolvimento passem a ser publicados, como garantir sua aprovação em 
bases plurianuais (prerrogativa para o engajamento em iniciativas que 
contribuam, de fato, para o desenvolvimento internacional) e como justificá-la 
diante das múltiplas constituencies domésticas? 
Acreditamos ser fundamental, como ponto de partida, resgatar as dimensões 
elementares a dinâmicas de cooperação em geral que, como vimos, só podem 
ser enquadradas enquanto tais se os seus resultados forem considerados 
satisfatórios por ambas as partes. Veremos, mais adiante, que esse grau de 
satisfação pode ser avaliado de várias formas, ao contrário do que nos fazem 
crer definições de CSS que restringem seu entendimento ao 
compartilhamento/troca de conhecimentos ou de políticas entre os países do 
Sul. Antes, porém, de revisitarmos os marcos interpretativos dominantes nos 
estudos passados e atuais sobre CSS, consideramos necessário traçar a 
evolução histórica das duas categorias que se combinam na CSSD: a CID e a 
CSS. 
 
3. Breve histórico da CID 
Embora possua antecedentes que remontam pelo menos ao século XIX e à 
primeira metade do século XX,21 a CID se constituiu em bases permanentes 
apenas na segunda metade do século XX, marcada, por um lado, pelo 
 
21 Lancaster (2007a) destaca como antecedentes da ajuda a emergência da assistência 
humanitária moderna no fim do século XIX, as pequenas quantidades de assistência das 
potências europeias para o desenvolvimento de suas colônias no período entre-guerras e 
assistência norte-americana a países latino-americanos no início da II Guerra Mundial. Domergue 
(1968), ao analisar as origens da assistência técnica, remonta à Antiguidade, mencionando, entre 
outros, contatos entre os impérios babilônico e egípcio. 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
9 
 
contexto da Guerra Fria e, por outro, por uma fase de crescimento econômico 
mundial sem precedentes.22 
Se, a princípio, a CID se configurou como expediente temporário no âmbito 
da disputa bipolar, posteriormente evoluiu para a formação de um regime 
internacional pautado, em grande medida, pela profissionalização das 
agências prestadoras de cooperação e pela emergência de constituencies pró-
desenvolvimento internacional dentro dos países desenvolvidos.23 Tal regime 
internacional se transformou ao longo das décadas, acompanhando a 
evolução do próprio conceito de desenvolvimento. 
Nas décadas de 40 e 50, a CID era predominantemente bilateral24 e tinha 
como foco a melhoria da infra-estrutura dos países em desenvolvimento.25 
Esse foco se baseava no entendimento do desenvolvimento econômico como 
crescimento da renda nacional, a ser atingido por meio de uma rápida 
industrialização. Seguindo a experiência dos países desenvolvidos, e 
baseando-se em padrões puramente econômicos,26 a causa do 
subdesenvolvimento era atribuída à escassez de capital e de conhecimentos 
técnicos para a industrialização, cabendo aos doadores, como havia 
acontecido no caso do Plano Marshall, suprir essas lacunas.27 A transferência 
desses recursos era, por seu turno, vinculada à compra de bens e serviços do 
país doador, justificada com base na necessidade de obtenção de apoio 
doméstico para a assistência.28 
 
22 Ver, por exemplo, Lancaster (2007a); Sagasti e Alcade, 1999. Kuhnen (1987) adiciona que os 
esforços iniciais para promover o desenvolvimento internacional aconteceram em um contexto 
marcado pelo desejo de harmonia no pós-II Guerra Mundial e por um sentimento de obrigação 
moral dos países ricos em relação aos mais pobres. 
23 Lancaster, 2007a. 
24 O marco foi o lançamento do chamado Programa do Ponto IV (1949), proposto por Truman, 
cuja execução foi autorizada pelo Congresso dos EUA em 1950, com a promulgação da Lei do 
Desenvolvimento Internacional (para mais informações sobre o Programa do Ponto IV, ver Black, 
1968). Antes disso, já havia sido lançado, no âmbito multilateral, o primeiro Programa de 
Assistência Técnica da ONU, em 1948, que se tornou o Expanded Technical Assistance 
Programme em 1949 (Domergue, 1968). Não obstante, esse programa foi importante mais do 
ponto de vista simbólico, por ter conferido papel à ONU na agenda do desenvolvimento, que 
operacional, pois seu orçamento era baixo (US$ 20 milhões em 1951) e apresentou crescimento 
modesto ao longo dos anos. Os doadores mostraram preferência, desde o início, por canalizar 
seus recursos, no âmbito multilateral, por meio das instituições de Bretton Woods, marcadas pelo 
sistema de voto proporcional (Weiss et alli, 2010). 
25 Sagasti e Alcade, 1999. 
26 O primeiro economista a se voltar contra esse pensamento foi Gunnar Myrdal, que publicou em 
1957 o livro “Economic theory and under-developed regions”, afirmando que o desenvolvimento 
demandava uma análise abrangente das relações sociais, em detrimento de análises que 
contemplassem apenas o aspecto econômico (Kuhnen, 1987). 
27 Kuhnen, 1987; Morgenthau, 1962. 
28 Sagasti e Alcade, 1999. 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
10 
 
As décadas de 60 e 70, por seu turno, foram marcadas por várias 
transformações em relação ao modelo anterior. Algumas delas foram: (1) a 
pressão dos países em desenvolvimento, influenciados pelo pensamento 
dependentista articulado no âmbito da UNCTAD, para que a cooperação se 
efetivasse também no âmbito comercial;29 (2) o aumento dos fundos da 
cooperação aplicados via instituiçõesmultilaterais;30 (3) a designação de 
fundos oficiais para o planejamento familiar, calcada na ideia de que a 
pressão populacional nos países em desenvolvimento tornava os seus desafios 
particulares em relação à experiência passada dos países desenvolvidos.31 
Além disso, esse período é marcado pela publicação de uma série de obras de 
economistas atribuindo o fracasso do modelo anterior à negligência do setor 
agrícola no desenvolvimento econômico. Para que industrialização 
acontecesse deveria estar atrelada ao desenvolvimento das áreas rurais, que 
forneceriam alimentos, trabalho e capital para o setor industrial, além de 
servir de mercado para produtos industriais locais e gerar divisas em moeda 
externa, por meio de exportações, para as importações necessárias para o 
avanço industrial.32 
Baseando-se nessas novas concepções, particularmente nas veiculadas no 
livro “Transforming traditional agriculture” (Theodore Schultz, 1964),33 foram 
elaboradas estratégias de crescimento agrícola para os países em 
desenvolvimento (“Revolução Verde”). Embora a rápida disseminação de 
sementes mais apropriadas a climas tropicais e áridos, associada a programas 
 
29 Domergue aponta que, antes do surgimento da UNCTAD, a própria OCDE teria reconhecido, 
em publicação de 1961, a contradição entre a doação de assistência técnica e financeira e o 
fechamento do mercado dos países desenvolvidos para os produtos oriundos dos países em 
desenvolvimento. Segundo o documento, “[i]t would indeed be absurd to enable the under-
valorised countries to produce greater quantities of goods than their national market can absorb, 
if complementary measures for the organisation of trade were not taken at intervals to restore 
the balance of the international market. In other words, it is clear that if technical assistance and 
financial assistance attain their essential purpose, which is to develop agricultural and industrial 
productions of the under-valorised countries, the balance of international trade ceases to be more 
or less static and becomes definitely dynamic. It would be a strange contradiction on the part of 
the ‘developed’ countries to consider countries to which they give their technical assistance as 
‘competitors’ against whom they must defend themselves by means of quotas and/or protective 
tariffs.” (OCDE apud Domergue, 1968:42). 
30 Lancaster, 2007a; Sagasti e Alcade, 1999. 
31Essa particularidade foi apontada pelo economista japonês Shigeru Ishikawa em 1967, com a 
publicação do livro “Economic Development in Asian Perspective”, que influenciaria elaborações 
centrais da segunda década do desenvolvimento (Kuhnen, 1987). Na verdade, a incorporação da 
temática do crescimento demográfico às práticas de assistência internacional havia se 
concretizado já nos anos 50 e 60. Do ponto de vista da ajuda oficial, a Suécia destinou fundos 
para iniciativas de planejamento familiar em países em desenvolvimento no fim dos anos 50. No 
caso dos EUA, somente em 1968 foram designados fundos para a USAID, abrindo espaço para 
um engajamento maior de outros doadores em tema até então considerado sensível (Lancaster, 
2007a). 
32 Kuhnen, 1987. 
33 Ibid. 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
11 
 
de irrigação e uso de fertilizantes e pesticidas, tenha levado ao aumento da 
produtividade agrícola, seus custos sociais foram altos diante da prevalência 
de estruturas agrárias desiguais na maior parte dos países em 
desenvolvimento.34 
Paralelamente, começava-se a questionar, cada vez mais, se o modelo 
ocidental de desenvolvimento deveria servir de base para os demais países. 
Num contexto marcado pelo desemprego e o subemprego em massa, bem 
como pelos movimentos estudantis e ambientalistas nos países 
industrializados, muitos economistas passaram a recomendar um 
deslocamento do foco de políticas voltadas para aumento da produção para 
políticas de manutenção de emprego, passando a produção de bens de fim a 
meio para garantir o emprego. A cooperação internacional acompanhou esse 
movimento, influenciada por recomendações da OIT para a priorização de 
atividades intensivas em trabalho.35 
Em missões enviadas a vários países em desenvolvimento, a OIT também 
constatou que o problema não seria a falta de ocupação, mas a renda 
obtida.36 Associada à insatisfação com os resultados sociais da Revolução 
Verde, o debate deslocou-se, então, para a questão da pobreza, entendendo-
se que o crescimento do PIB não estava garantindo a inclusão dos pobres. 
Nesse contexto, emergiu o paradigma das ações focadas nas “necessidades 
humanas básicas” (NHBs) como ferramenta de promoção do 
desenvolvimento, em detrimento de intervenções voltadas para o estímulo do 
crescimento de longo prazo. Lideradas pelo Banco Mundial e pelos EUA, essas 
iniciativas buscavam a adoção de políticas intersetoriais, envolvendo 
financiamentos a educação e saúde básicas, estradas, esgoto etc., que 
beneficiassem os pobres, a maior parte dos quais estavam concentrados em 
áreas rurais.37 
O foco em projetos baseados nas NHBs foi fruto da convergência de diversos 
fatores. Cabe mencionar a influência do livro “Small is beautiful” (1973), do 
economista britânico Ernest Schumacher. Schumacher rejeitava a 
prosperidade baseada na industrialização – que estaria levando à corrupção 
de modelos não-materialistas -, em prol de iniciativas locais baseadas em 
 
34 FAO, 2000. 
35 Pupavac, 2010. 
36 Kuhnen, 1987. 
37 Lancaster, 2007a. 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
12 
 
tecnologias simples e na assistência técnica, que deixaria de criar relações 
dependentes e tornaria as pessoas livres.38 
Embora os próprios governos dos países beneficiados pela ajuda rejeitassem a 
abordagem das NHBs,39 ela se tornou dominante por ter influenciado toda 
uma geração de profissionais ligados a agências de desenvolvimento 
internacional,40 por ter coincidido com a preocupação de que o 
desenvolvimento desigual e a pobreza levassem a frustração e radicalização 
na periferia, ameaçando o progresso dos países industrializados, e por 
demandar menos recursos num contexto marcado pelos primeiros sinais de 
desaceleração econômica nos países industrializados. 
Quando essa desacelaração se consumou, após o segundo choque do 
petróleo, a emergência de governos conservadores em vários países 
industrializados levou a uma diminuição de fundos destinados à ajuda, 
considerada ineficiente, já que, depois de três décadas de tentativas, não 
teria atingido o objetivo de levar o desenvolvimento aos países mais pobres 
(“donor fatigue”).41 No âmbito multilateral, somas crescentes passaram a ser 
destinadas, desde os anos 80, aos programas de ajuste estrutural, 
predominando o entendimento de que o investimento estrangeiro direto, não 
a ajuda oficial, levaria ao desenvolvimento dos países do Sul. 
Muitos acreditavam que esse entendimento se tornaria dominante com o fim 
da Guerra Fria e que, tendo a prática da assistência oficial externa emergido 
no contexto da disputa bipolar, o fim desta levaria ao fim daquela. Não 
obstante, o que se observou foi a introdução de uma miríade de outros temas, 
que passariam a compor o regime internacional pró-desenvolvimento: a 
 
38
 Ideia semelhante havia sido difundida, já no início da década de 60, pela campanha “Freedom 
from hunger”, da FAO, que popularizou, junto aos círculos da cooperação internacional para o 
desenvolvimento, o provérbio chinês “dê um peixe a um homem faminto e você o alimentará por 
um dia. Ensine-o a pescar, e você o estará alimentando pelo resto da vida" (Lancaster, 2007a). 
39 A resistência dos governos do Sul à abordagem das necessidades humanas básicas, mais 
particularmente aos clusters de desenvolvimento rural,devia-se ao fato de priorizarem um 
crescimento rápido focado nas áreas urbanas, onde as elites que os apoiavam viviam (Lancaster, 
2007a). A teoria da dependência, muito popular nesses países na época, não entendia que a 
fonte das desigualdades estaria na industrialização, mas no capitalismo e no imperialismo 
(Pupavac, 2010). 
40 Pupavac explica por que as ideias de Schumacher ganharam tanta popularidade entre os 
profissionais das agências de cooperação dos países industrializados: “International aid work 
drew upon colonial administrative experience, as well as a younger generation of post-
independence aid workers. Schumacher’s Small is Beautiful’s emphasis on spiritual development 
and non-industrial technology fits with their romantic anti-modern vision. The younger generation 
of post-independence aid workers was inspired by a broadening of international solidarity. And 
yet there was an element, too, of the romantic escape from mundane, disappointed political 
activism at home to more glamorous, less accountable activism abroad when the post-1968 
counter-culture rejected the industrial masses at home for the romantic ideal of the pre-modern 
rural peasant” (Pupavac, 2010:63-64). 
41 Sagasti e Alcade, 1999. 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
13 
 
promoção de transições econômicas (economia de mercado) e políticas 
(democratização) dos ex-regimes socialistas e de países da África 
Subsaariana; a prevenção de conflitos; e outros temas discutidos nas 
conferências dos anos 90 (meio-ambiente, população, mulher etc.), a maior 
parte das quais haviam culminado com promessas, mas não compromissos 
concretos, de financiamento por parte dos países desenvolvidos.42 
O ano 2000, por fim, marcou de certa forma a retomada da perspectiva das 
NHBs, encampadas no lançamento dos Objetivos de Desenvolvimento do 
Milênio. Cinco anos depois, foi lançada a Agenda de Paris sobre Eficácia da 
Ajuda, contendo regras que, uma vez seguidas pela comunidade de doadores 
e recipiendários, garantiriam que os recursos canalizados pela cooperação 
internacional tivessem, de fato, impactos positivos sobre o desenvolvimento. 
Por ser uma agenda extraída das lições aprendidas, ao longo das décadas, 
pelos chamados “doadores tradicionais”, sua legitimidade vem sendo criticada 
diante da emergência de novas temáticas, como a mudança climática, e de 
“novos” atores da cooperação internacional, sendo o grupo mais expressivo o 
dos países emergentes. Para entendermos como esses países se inserem hoje 
nesse regime pró-desenvolvimento internacional, contudo, é necessário 
entender antes como emergiu a chamada CSS e suas diversas fases. 
Passamos a isso na próxima seção. 
 
4. Uma história tentativa da Cooperação Sul-Sul43 
No contexto da Guerra Fria e dos movimentos de descolonização, os países do 
chamado “Sul global” passaram a ser tratados, e também a se verem, como 
parte de um grupo específico, cujo objetivo comum seria a promoção do seu 
desenvolvimento e a defesa de sua soberania. Três marcos nesse sentido 
foram: (1) o discurso de posse de Truman em 1949, que, ao assumir para seu 
governo o papel de resolver os problemas das “áreas subdesenvolvidas”, 
conferiu, de forma inédita, unidade aos países que faziam parte delas;44 (2) a 
 
42 Lancaster, 2007a. 
43 Há uma lacuna de estudos empíricos sobre a CSS, para a qual contribui primordialmente a 
carência de registros adequados por parte dos governos dos países em desenvolvimento. Essa 
carência era ainda mais grave no passado, o que dificulta enormemente traçarmos uma história 
fidedigna da CSS. Tal problema foi constatado, por exemplo, pelo Prof. Amado Cervo, que tentou, 
no início da década de 90, agregar dados sobre o engajamento brasileiro em iniciativas de 
Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CTPD). Foram identificados 695 projetos, 
mas sua documentação “era frequentemente incompleta, dificultado o estudo da cooperação 
prestada pelo Brasil a países da América Latina, Caribe e África negra” (Cervo, 1994:46). 
44 Escobar, 1995. 
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14 
 
realização, em 1955, da Conferência Afro-Asiática, a primeira realizada sem a 
presença de representantes dos EUA, URSS e Europa;45 e (3) a constituição 
do Movimento dos Não-Alinhados (MNA) na Conferência de Belgrado (1961), 
que marcou a convergência, entre os países do Sul, acerca da necessidade de 
defenderem sua autonomia – recém-conquistada no caso de muitos – diante 
de novas aventuras colonialistas da Guerra Fria. 
Nesses primeiros anos de articulação entre países do Sul, a cooperação entre 
eles sofria pelo menos três restrições: o número reduzido de participantes;46 
a limitação temática diante de um contexto marcado pela Guerra Fria e pelos 
problemas da descolonização; e, principalmente, a baixa complementaridade 
entre suas economias. Embora os comunicados resultantes de conferências 
reunindo representantes dos países em desenvolvimento, desde Bandung, 
mencionem a necessidade de se promover a cooperação econômica e técnica 
entre eles,47 a concretização da CSS se limitou, em grande medida, à união 
contra o imperialismo das grandes potências e o racismo, e a favor do 
pacifismo, do multilateralismo, da autodeterminação e da igualdade entre as 
nações.48 
A criação da UNCTAD em 1964, ao mesmo tempo em que representou 
alargamento da aliança entre os países do Sul, agregou à agenda da CSS o 
consenso em torno do comércio internacional como instrumento de promoção 
do desenvolvimento econômico. Mesmo países considerados aliados 
 
45 Sá e Silva, 2009. Segundo cronologia da CSS elaborada pela Secretaria Geral Ibero-Americana 
(SEGIB), um ano antes de Bandung, em 1954, teria sido registrada a primeira ação sob a 
modalidade Sul-Sul: o oferecimento de cooperação pela Tailândia a países do Sudeste Asiático 
(SEGIB, 2008). 
46 Em Bandung, reuniram-se representantes de 29 países asiáticos e africanos, ao passo que 
apenas 25 representantes compareceram à Conferência de Belgrado, considerada, no entanto, de 
âmbito geográfico mais amplo, dada a presença de representante de um país da América Latina: 
Cuba. 
47 O primeiro item do Comunicado Final de Bandung contempla, justamente, propostas de 
cooperação no âmbito econômico, entre elas: assistência técnica mútua, ação coletiva para 
estabilização dos preços e demanda internacional do comércio de commodities, diversificação da 
pauta de exportações via estímulo ao processamento nacional de matérias-primas, 
desenvolvimento da infra-estrutura necessária para o avanço do comércio regional, como as 
ligações mercantes e ferroviárias e o estabelecimento de bancos de fomento e seguradoras 
nacionais e regionais, formulação de políticas comuns em matéria de petróleo, apoio à energia 
nuclear para fins pacíficos, consultas prévias para a elaboração de posições comuns em fóruns 
internacionais a fim de promover o interesse econômico mútuo. 
48 Ainda assim, há que se ressaltar que os países em desenvolvimento não se uniam sempre em 
torno dessas resoluções. O Brasil, por exemplo, costumava adotar postura ambígua em relação à 
descolonização, apoiando resoluções gerais de condenação à exploração econômica das colônias 
ou a favor da autonomia e da autodeterminação (p.e., Res. n. 1514/1960, Declaração de 
Independência dos Povos Coloniais), ao passo que na votação de resoluções específicas ou se 
abstinha (p.e., Res. n. 1573, de apoio à autodeterminação da Argélia) ou votava contra (p.e., 
Res. 1542, obrigando Portugal a fornecer informações sobre suas colônias à ONU) (Cervo e 
Bueno, 1992). 
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15 
 
incondicionais dos países industrializados passaram a demandar mudanças 
nas relações econômicas internacionais.49 
Logo na primeira seção da UNCTAD os países latino-americanosse juntaram 
aos asiáticos e africanos para formar o Grupo dos 77 (G-77), cujas atividades 
também se restringiram, a princípio, a barganhas coletivas vis-à-vis os países 
industrializados (no âmbito comercial a cooperação entre países em 
desenvolvimento viria se institucionalizar apenas em 1988, com o 
estabelecimento do Sistema Global de Preferências Comerciais entre Países 
em Desenvolvimento). 
Data ainda dos anos 60 a emergência dos primeiros arranjos regionais e sub- 
regionais de integração: Mercado Comum da América Central (1960); 
Associação Latino-Americana de Livre-Comércio (1960); Organização da 
União Africana (1963); União Econômica e Aduaneira da África Central 
(1964); Associação das Nações do Sudeste Asiático (1967); Pacto Andino 
(1969).50 Não obstante, devido à carência de infra-estrutura (comunicações e 
transportes) ligando os países que formavam esses arranjos, bem como à sua 
base produtiva similar, a cooperação econômica, destinada a gerar economias 
de escala no âmbito das estratégias de industrialização, não se concretizou 
nos níveis esperados.51 
Diante das limitações mencionadas, a modalidade de CSS que se efetivou de 
forma marcante, nessa primeira fase, foi o apoio mútuo entre os países em 
desenvolvimento na arena multilateral, com destaque para as articulações 
que culminaram na aprovação, em 1974, da Declaração pelo Estabelecimento 
da Nova Ordem Econômica Mundial (NOEI). Fundamental para isso foram, por 
um lado, o aumento do número de países em desenvolvimento na ONU com o 
avanço do processo de descolonização e, por outro, a liderança exercida por 
estadistas como Jawaharlal Nehru (Índia), Julius Nyerere (Tanzânia), Mao 
Tse-Tung (China), Luis Echeverría (México) e Mahathir bin Mohamad 
(Malásia). 
 
49 Menon, 1980. 
50 Tais iniciativas se inserem na chamada “primeira onda do regionalismo”, que engloba acordos 
e organizações criados entre o pós-guerra e o início dos anos 80. Esses arranjos foram 
classificados como promotores de um regionalismo “fechado”, pautado pela busca de incentivos 
especiais para a industrialização dos países em desenvolvimento, que não se consideravam em 
condições de igualdade para concorrer com os demais no âmbito de negociações multilaterais 
mais amplas, como o GATT (Herz e Hoffmann, 2004). 
51 Ohiorhenua e Rath 2000. 
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16 
 
Num segundo momento, com o avanço dos anos 70, o apoio mútuo no 
contexto do Diálogo Norte-Sul foi suplementado pela difusão de iniciativas de 
cooperação técnica e econômica entre os países em desenvolvimento,52 antes 
pontuais e ligadas principalmente à atuação de Cuba e da China.53 
Fundamental para isso, acreditamos, teria sido a própria diferenciação entre 
os países do Sul introduzida pelo que Alice Amsden chama de emergência do 
“resto”.54 Somente com o avanço de alguns países do Sul, expressos em 
termos de crescimento do PIB, das exportações e da renda per capita,55 seria 
possível concretizar a cooperação econômica e técnica entre os países em 
desenvolvimento.56 
Paralelamente, essa cooperação foi se convertendo em imperativo diante do 
fracasso do Diálogo Norte-Sul que, juntamente com a criação da Organização 
dos Países Produtores e Exportadores de Petróleo (OPEP), haviam marcado 
um contexto de grande otimismo, ativismo e união dos países em 
desenvolvimento em prol da construção de estruturas de poder e de relações 
econômicas mais eqüitativas. 
Em termos de cooperação financeira, embora haja iniciativas precedentes,57 o 
marco central foi o primeiro choque do petróleo, em 1974. Normalmente a 
 
52 Saksena, 1985. Menon (1980) caracteriza nota que nesse período teria havido a passagem da 
reclamação para a ação na forma da cooperação entre os países do Sul. 
53 Cuba se destacava na cooperação técnica pelo envio amplos contingentes de médicos e 
professores, especialmente a países alinhados com o bloco socialista (Sá e Silva, 2009). A China, 
que havia se tornado doador desde o início dos anos 50, foi protagonista no financiamento de 
projetos de larga escala, como a ferrovia Tanzânia-Zâmbia, construída no fim da década de 60. 
No que se refere à cooperação técnica, uma das frentes de atuação privilegiadas foram os 
projetos de ajuda agrícola, ferramenta de promoção do regime maoísta (Chin e Frolic, 2007). 
54 Amsden, 2004. 
55 Amsden afirma que um dos fatores fundamentais para a emergência dos chamados “New 
Industrialized Countries” (NICs) teria sido uma forte atuação do setor público na captação de 
conhecimentos e tecnologias necessários para alavancar o processo de desenvolvimento 
(Amsden, 2004). Esse ativismo dos Estados no Sul coincidiu com a migração da inovação, nos 
países do Norte, do setor público para o privado. A aposta na CSS baseou-se justamente na 
expectativa, que se sustenta até os dias atuais, de que os Estados, ao contrário do setor privado, 
estariam dispostos a compartilhar seus conhecimentos e tecnologias com outros países – o que 
caracterizaria um diferencial da CSS em relação à CNS. O caso da Embrapa aponta que há uma 
tendência de descolamento da empresa, como aconteceu no passado com a Embraer, do setor 
público, num contexto em que a inserção em redes internacionais de pesquisas voltadas para a 
inovação demanda uma flexibilidade de atuação que não é possível em âmbitos burocráticos. No 
caso da CSS, a empresa só transfere para países mais pobres tecnologias de domínio público. As 
novas tecnologias, desenvolvidas muitas vezes com parceiros do setor privado, só são 
transferidas mediante pagamento de royalties. 
 
56 É importante ressaltar que Amsden não apresenta reflexões sobre a CSS em si, apenas sobre 
os determinantes para a emergência dos NICs. Uma das poucas obras a se dedicar ao tema da 
concretização da CSS em função da “hierarquização” entre os países do então chamado “Terceiro 
Mundo” foi o volume “South-South relations in a chanding world order”, organizado por Jerker 
Calsson (1980). 
57 O Fundo do Kuwait para o Desenvolvimento Econômico Árabe, estabelecido em 1961, foi o 
primeiro da espécie estabelecido por um país em desenvolvimento. Em meados da década de 70, 
seriam criados o Banco de Desenvolvimento Islâmico e o Banco Árabe para o Desenvolvimento 
Econômico (ECOSOC, 2008). Tais iniciativas, motivadas em grande medida por propósitos 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
17 
 
literatura sobre a CSS analisa a formação da OPEP como mais uma expressão, 
talvez a mais eficaz historicamente, da barganha coletiva do Sul vis-à-vis os 
países industrializados. Não obstante, vale ressaltar que, ao garantir aos 
países produtores e exportadores de petróleo receitas extraordinárias (na 
forma dos chamados petrodólares), boa parte das quais foram transferidas 
para os países em desenvolvimento na forma de empréstimos a taxas de 
juros baixas ou mesmo negativas, o choque do petróleo representou um 
marco fundamental na cooperação financeira entre países em 
desenvolvimento. 
No âmbito multilateral, a cooperação técnica e econômica, antes discutidas 
em conferências mais amplas, passaram a ganhar conferências específicas. 
Respondendo a demanda dos países em desenvolvimento, a Assembleia Geral 
das Nações Unidas (AGNU) organizou a Conferência sobre Cooperação Técnica 
entre Países em Desenvolvimento (CTPD), que reuniu delegações de 138 
países em Buenos Aires em 1978. O resultado da conferência foi a adoção, 
por consenso, do Plano de Ação para Promover e Implementar a CTPD, que 
havia resultado de cinco anos de debates detalhados sobre o tema.58 O plano, 
cuja implementação seria monitorada pela Unidade Especial de CTPD do 
PNUD59, continha 38 recomendações destinadas a atores nacionais, regionais 
e globais, as quais contemplavam basicamente a necessidade de os países em 
desenvolvimento:registrarem e partilharem informações sobre suas 
capacidades, técnicas e experiências; estabelecerem e fortalecerem ligações 
institucionais e físicas necessárias para o compartilhamento de recursos; 
identificarem e concretizarem oportunidades de cooperação, com foco nas 
necessidades dos países menos desenvolvidos.60 
No âmbito da cooperação econômica, os marcos foram o Programa de Arusha 
(1979)61 e o Programa de Ação de Caracas (1981),62 que contêm 
recomendações sobre o estreitamento de ligações em vários setores, com 
foco no comércio e no estabelecimento do Sistema Geral de Preferências 
 
diplomáticos (busca de apoio para a causa palestina), concediam quantidades modestas de 
financiamentos concessionais especialmente para a África e Oriente Médio, sendo que Israel, em 
resposta, também começou a destinar ajuda em defesa da sua política, especialmente na África. 
O propósito diplomático (busca de liderança regional, defesa de interesses e apoio a diásporas) 
também teria imperado nas somas modestas concedidas por países como a África do Sul, Índia, 
Nigéria e Brasil (Lancaster, 2007a). 
58 Informações disponíveis em: http://southsouthconference.org/?page_id=276. 
59 A Unidade Especial de CTPD havia sido criada em 1974 e, em 2003 foi renominada Unidade 
Especial para a Cooperação Sul-Sul. 
60 UNDP, 2004. 
61 Arusha Programme for Collective Self-Reliance and Framework for Negotiations. 
62 Programa adotado durante a Conferência de Alto Nível sobre Cooperação Econômica entre 
Países em Desenvolvimento. 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
18 
 
Comerciais entre Países em Desenvolvimento, como ferramenta de promoção 
de uma nova ordem econômica mundial. 
Apesar de alguns avanços, pode-se dizer que, ainda nesse momento 
persistiam limitações à eficácia de a CSS se concretizar, de fato, como 
estratégia redefinição da divisão internacional de trabalho e de 
industrialização. Barreiras físicas, tecnológicas, institucionais e financeiras 
continuaram impedindo que os próprios países em desenvolvimento 
atendessem a demandas mútuas por bens intermediários e de capital63, 
desafios que viriam se tornar ainda mais profundos nos anos 80, com o 
retrocesso nas taxas de crescimento em boa parte dos países do Sul. 
Vários analistas coincidem no tratamento dos anos 80 e boa parte dos 90 
como uma fase de desmobilização da CSS. Isso ocorreu, por um lado, devido 
à premência de problemas domésticos, notadamente a crise da dívida 
externa, mas também, no caso dos latino-americanos, a transição 
democrática, que tornaram a ação externa desses países mais tímida. Por 
outro lado, a emergência de um novo modelo de desenvolvimento, focado no 
ajuste neoliberal, acabou levando os países do Sul a competir pela recepção 
de investimento estrangeiro direto, interrompendo décadas de mobilização 
conjunta pela reforma da ordem econômica mundial que, assim como as 
próprias iniciativas de CSS, havia se calcado na centralidade do Estado como 
motor do desenvolvimento. Por fim, a queda da URSS veio questionar o 
rationale central do movimento terceiro-mundista: a busca de autonomia 
diante da disputa bipolar.64 
Conforme aponta a tabela abaixo, se consultarmos o número de eventos 
multilaterais que contribuíram para impulsionar e definir a CSS ao longo das 
décadas, veremos que, de fato, essa desmobilização se verifica nos anos 80 e 
primeira metade dos anos 90 (apenas um evento registrado), em relação à 
década de 70 (seis eventos registrados). 
 
 
63 Para uma descrição detalhada das barreiras, ver Saksena, 1985. 
64 Sá e Silva, 2009. 
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19 
 
TABELA 1: EVENTOS MULTILATERAIS QUE CONTRIBUÍRAM PARA IMPULSONAR E 
DEFINIR A COOPERAÇÃO SUL-SUL 
ANO EVENTO CONTRIBUIÇÕES 
1974 29º Período de 
Sessões da AGNU 
Nova York (EUA) 
Nasce, como dependência especial do PNUD, a 
Unidade Especial de Cooperação Sul-Sul 
(UECSS). Seu precedente é o Grupo de 
Trabalho sobre CTPD criado no 27º período de 
sessões. Entre suas funções se destacam: 
- A promoção e defesa da CSS 
- A canalização e inovação dos mecanismos 
que permitam que os países membros do PNUD 
possam participar de iniciativas trilaterais e 
Sul-Sul dentro do sistema das Nações Unidas. 
1976 V Conferência de 
Chefes de Estado e de 
Governo dos Países 
Não-Alinhados 
Colombo (Sri Lanka) 
O MNA nasce formalmente em Belgrado em 
1961. Integrado originalmente por 25 países, 
em 1976 os países membros somam 86. 
Atualmente formam parte desse movimento 
116 países. Durante a conferência de 1976, 
aprova-se um primeiro Programa de Ação para 
a CEPD. 
1976 Conferência sobre 
Cooperação 
Econômica entre 
Países em 
Desenvolvimento 
Cidade do México 
(México) 
Acordam-se medidas para facilitar a 
implementação dos Programas de Ação para a 
Cooperação Econômica surgidos nos marcos do 
MNA e do G-77 
1976 31º Período de 
Sessões da AGNU 
Nova York (EUA) 
Chamado à UECSS para que comece a preparar 
a Conferência de Buenos Aires. 
1977 32º Período de 
Sessões da AGNU 
Nova York (EUA) 
Emana a resolução que fixa como objetivos da 
CTPD: 
- A promoção da capacidade nacional e coletiva 
dos países em desenvolvimento para valerem-
se de meios próprios 
- O aumento da capacidade criadora desses 
países para resolver esses problemas de 
desenvolvimento. 
1978 Conferência das 
Nações Unidas sobre 
CTPD 
Buenos Aires 
(Argentina) 
138 países adotam por consenso o Plano de 
Ação de Buenos Aires ou Plano para Promover 
e Realizar a CTPD 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
20 
 
1981 Conferência de Alto 
Nível sobre 
Cooperação 
Econômica entre 
Países em 
Desenvolvimento 
Caracas (Venezuela) 
Elaboram-se as “Novas Diretrizes da CTPD”. 
Incluem: 
- O conceito de Países-Pivô ou países em 
desenvolvimento que, em virtude de suas 
capacidades e experiência em promover a CSS, 
jogam papel de líderes na promoção e 
aplicação da CTPD. 
- A promoção de uma maior integração entre a 
CTPD e a CEPD. 
1997 Reunião de Países-
Pivô (Chile) 
Permite conhecer experiências de Ásia, África, 
Europa e América Latina tanto em CTPD como 
em CEPD. 
2000 Reunião de Chefes de 
Estado e de Governo 
do G77 
(Cuba) 
Acorda-se convocar, para 2003, a I Conferência 
de Alto Nível sobre CSS. Busca identificar 
formas de fortalecer e expandir a cooperação 
entre países em desenvolvimento. 
2002 I Conferência 
Internacional sobre o 
Financiamento para o 
Desenvolvimento 
Monterrey (México) 
Nasce para dar o cumprimento financeiro aos 
compromissos contraídos pelos doadores 
tradicionais com os ODMs. Entre suas 
conseqüências está o aumento da AOD 
mundial, mas também a concentração da AOD 
em países mais pobres. O deslocamento dos 
países de renda média como receptores da 
AOD contribui para impulsionar sua 
participação na CSS. 
2003 Conferência de Alto 
Nível sobre CSS ou I 
Cúpula do Sul 
Marrakech (Marrocos) 
De acordo com as Novas Diretrizes da AGNU, o 
Comitê passa a se denominar Comitê de 
Cooperação Sul-Sul. 
2005 Conferência de Alto 
Nível sobre CSS. II 
Cúpula do Sul 
Doha (Qatar) 
Impulsiona-se o Plano de Doha, por meio do 
qual se detalham as iniciativas que deveria 
permitir o estímulo ao aumento da CSS em 
todas as regiões do mundo e em todas as suas 
modalidades. 
2006 XIV Cúpula do MNA 
Havana (Cuba) 
A declaração final considera insuficiente a ODA 
mundial e insta a aproveitar ao máximo o 
potencial da CSS. 
2007 62º Período de 
Sessões da AGNU. 
15º Período de 
Sessões do Comitê de 
Alto Nível para a CSS. 
NY 
Revisão mais recente e exaustiva da CSS no 
marco da cooperação internacional. Insta-se 
uma maior integração entre a CTPD e a CEPD. 
Fonte: SEGIB, 2008. 
Observador On-line| v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
21 
 
 
Conforme também mostra a cronologia acima, no fim dos anos 90 e início dos 
anos 2000 houve um ressurgimento e ampliação sem precedentes da CSS. A 
insatisfação com os impactos sociais dos programas de ajuste estrutural e a 
emergência de governos progressistas em vários países do Sul foram alguns 
dos fatores que contribuíram para isso,65 além da sua própria recuperação 
econômica, que permitiu atuação mais pró-ativa no cenário internacional. 
Embora tenha resgatado o rationale da união em barganhas no âmbito 
multilateral – com destaque para a articulação entre países em 
desenvolvimento, no âmbito da OMC, em prol da quebra de patentes de 
medicamentos antiretrovirais e da abertura comercial dos países 
desenvolvidos para os produtos agrícolas (G-20) -, a CSS não se restringiu de 
forma alguma a isso. Essa nova fase é marcada também pela emergência de 
coalizões unindo as potências emergentes, como o Fórum de Diálogo Índia-
Brasil-África do Sul (IBAS) e o agrupamento Brasil-Rússia-Índia-China-África 
do Sul (BRICS), e pela busca de modelos alternativos de desenvolvimento, 
com agências como o Banco Mundial, cuja atuação se viu questionada pelo 
fracasso do modelo anterior,66 incorporando a agenda da CSS por meio da 
difusão das chamadas “boas práticas” entre os países em desenvolvimento,67 
com destaque para iniciativas voltadas para a inclusão social e a consecução 
dos ODMs. 
A CSS também passou a ser incorporada como pilar fundamental de atuação 
das agências de cooperação dos países desenvolvidos, configurando a 
chamada “cooperação triangular”, que envolve, grosso modo, a transferência 
 
65 Ibid. A emergência de governos progressistas foi particularmente marcante na América Latina, 
embora tenha acontecido também em outras partes do mundo (caso, por exemplo, do governo 
do social-democrata Thabo Mbeki na África do Sul). Para mais informações sobre a emergência 
de governos progressistas na América Latina, ver, por exemplo, Panizza, 2006. 
66 Os questionamentos à atuação do Banco Mundial se inserem em questionamentos mais amplos 
aos efeitos desiguais da globalização em termos econômicos e sociais, os quais foram 
incorporados pelo Fórum Social Mundial e pelos protestos sociais que passariam a marcar a 
realização de reuniões da OMC e do G-8. 
67 Segundo Sá e Silva, o apoio à transferência de boas práticas, concretizadas na forma de 
amplos programas sociais, pelas agências internacionais teria sido uma forma de “clean up the 
mess left by structural adjustment” (Sá e Silva, 2009:48). Portanto, se insere na busca dessas 
agências de reconstruir sua legitimidade diante da comunidade internacional. Um marco nesse 
sentido foi o lançamento, em 1999, da Global Development Network pelo Banco Mundial, 
destinada a apoiar institutos de pesquisas dos países em desenvolvimento na geração e 
compartilhamento de pesquisas aplicadas ao desenvolvimento. Mais informações disponíveis em: 
http://cloud2.gdnet.org/cms.php?id=gdn_development_research. 
Observador On-line | v.7, n. 03 | mar. 2012 
 
22 
 
de “boas práticas” de um país em desenvolvimento para outro país em 
desenvolvimento, com o apoio de um país desenvolvido.68 
Em termos de modalidades setoriais, um fenômeno relevante nesta última 
fase da CSS diz respeito à expansão da noção tradicional da CSS como CTPD, 
resgatando-se como um dos eixos centrais para o desenvolvimento iniciativas 
de cooperação econômica, as quais podem se referir a iniciativas no âmbito 
do comércio, finanças ou mesmo de coordenação de políticas econômicas. 
Dois exemplos seriam a Petroamérica69 e a Iniciativa para a Integração da 
Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).70 
 
5. Marcos interpretativos da CSS 
Ao longo das últimas páginas vimos que a CSS, historicamente falando, se 
desenvolveu a partir de uma miríade de modalidades. Mas será que podemos 
de fato enquadrá-las em uma única categoria analítica? A CSS possui 
características próprias, que a diferencia das relações tradicionais Norte-Sul e 
Norte-Norte? Nessa seção buscaremos revisitar os marcos interpretativos 
centrais da CSS (teoria da Dependência) e da cooperação internacional 
(teorias do mainstream das Relações Internacionais), apontando suas lacunas 
e propondo um marco que, ao combinar elaborações da teoria social e de 
análise de política externa, busque dar sentido à complexidade das trocas 
envolvidas na CSS. 
 
68 A cooperação triangular, ou trilateral, ou ainda tripartite é tratada como uma das modalidades 
da CID. Há quem defenda, ainda, que se trata de uma modalidade da CSS (ver, por exemplo, 
Segib, 2008). Prevalece, em sentido restrito, a ideia de que a cooperação triangular aconteceria 
pela via oficial, com um país de renda média fornecendo expertise, ao passo que um país de 
renda alta financiaria sua transferência. Isso, porém, raramente se confirma na prática, 
observando-se que ambos os parceiros podem contribuir tanto com expertise quanto com 
recursos financeiros. Em sentido amplo, a cooperação triangular pode se referir a qualquer 
modalidade que conte com três ou mais parceiros engajados em iniciativas de cooperação, sejam 
eles ou não entes oficiais (caso, por exemplo, do projeto Honra e Respeito a Bel Air, liderado pela 
ONG brasileira Viva Rio em uma favela em Porto Príncipe, Haiti, contando com o apoio do BID, de 
governos dos países industrializados e de parceiros não governamentais, como a ONG Norwegian 
Church Aid). Configuram também como cooperação triangular iniciativas envolvendo três ou mais 
países em desenvolvimento, como o caso do Fundo Ibas de Combate à Fome e à Pobreza; ou 
envolvendo dois países em desenvolvimento e uma organização internacional, como o caso do 
programa Pró-Huerta (Argentina-IICA-Haiti). Para mais informações sobre o projeto Honra e 
Respeito a Bel Air, ver: http://southsouth.org/uploads/Viva_Rio_Brasil-Haiti_-
_Honra_e_Respeito_por_Bel_Air.pdf. Para mais informações sobre o Fundo Ibas, ver: 
http://www.itamaraty.gov.br/temas-mais-informacoes/saiba-mais-ibas/fundo-ibas/view. Sobre o 
Pro-Huerta, ver: http://www.acdi-cida.gc.ca/cidaweb%5Ccpo.nsf/projEn/A033962001. Para mais 
informações sobre a definição, características, vantagens e desafios da cooperação triangular, 
ver, por exemplo, Fordelone, 2009. 
69 Ver: Segib, 2008. 
70 Mais informações sobre a IIRSA disponíveis em: 
http://www.iirsa.org/index.asp?CodIdioma=ESP 
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23 
 
5.1. Teoria da dependência: o Sul místico 
As abordagens dependentistas conformaram as lentes centrais de 
interpretação durante a primeira fase da CSS e, como veremos, influenciam 
até os dias de hoje as percepções sobre a CSS. Essa abordagem se fortaleceu 
nos anos 60 como resposta às teorias do desenvolvimento internacional 
harmônico, para as quais os ricos deveriam assumir liderança no estímulo ao 
desenvolvimento dos mais pobres, e às teorias da modernização, expressas, 
por exemplo, na obra do economista norte-americano Walt Rostow, que se 
baseavam em modelos puramente econômicos centrados na transferência de 
receituários, extraídos da experiência dos países desenvolvidos, para os 
países em desenvolvimento. 
Teóricos como Samir Amin passaram a apontar que o desenvolvimento 
deveria ser estudado como um movimento histórico, quer dizer, que o 
progresso dos países desenvolvidos não seria fenômeno ontologicamente 
primitivo, mas teria ele próprio gerado retrocesso dos países em 
desenvolvimento. Essa noção foi incorporada na América Latina pela Escola da 
Dependência, para a qual o subdesenvolvimento não seria estágio do 
desenvolvimento, mas produto da expansão do sistema capitalista pelo 
mundo. 71 
Um dos caminhos para se libertarem do subdesenvolvimento seria estimular 
trocas econômicas, tecnológicas e técnicasentre os países do Sul, âmbito em 
que imperaria a solidariedade em prol do objetivo comum do 
desenvolvimento. Essa confiança coletiva (collective self-reliance) contribuiria 
para que os países do Sul se libertassem de relações desiguais, tornando seu 
desenvolvimento autônomo e aumentando seu poder de barganha vis-à-vis os 
países do Norte.72 
Essa visão tem caráter limitado por pelo menos dois motivos. Em primeiro 
lugar, os próprios governos dos países do Sul, embora incorporassem em 
seus discursos, no passado e hoje, o suposto caráter diferencial da CSS, 
baseado nos princípios da horizontalidade e da não-ingerência (expresso na 
suposta inexistência de condicionalidades), relutavam em priorizar a CSS em 
detrimento da CNS. De fato, todos os comunicados resultantes de suas 
 
71 Kuhnen, 1987. 
72 Sá e Silva, 2009; Joy-Ogwu, 1982; Bobiash, 1992. A base para tal raciocínio vem, 
principalmente, das elaborações de Samir Amin, que se aproximam às de Mao-Tsé-Tung, para o 
qual a única estratégia possível para os países do Sul seria se desligarem (delinking) da divisão 
internacional do trabalho (Amin, 1990). 
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24 
 
reuniões apontavam o caráter complementar, e não substitutivo, da CSS em 
relação à CNS. Nos dias atuais, essa visão da complementaridade é reforçada 
com os chamados doadores tradicionais incorporando a CSS em suas próprias 
agendas. Com isso, há uma ampliação das visões, das práticas dos defensores 
da CSS, não mais restritos a acadêmicos dependentistas ou a governos de 
esquerda.73 
Em segundo lugar, a abordagem dependentista à CSS é excessivamente 
normativa por não se basear em evidências empíricas, mas em expectativas 
de que as relações entre os países em desenvolvimento seriam neutras e 
despidas de interesses imperialistas. O rationale básico é que, como foram 
colônias e sofreram intervenções externas a mais variadas no passado, sendo 
o caso recente mais emblemático o das condicionalidades atreladas aos 
programas de ajuste estrutural, os novos doadores não fariam o mesmo com 
seus homólogos sulinos. 
Apesar de a expansão recente dos atores que apoiam a CSS favorecer a 
ampliação das fontes de financiamento não apenas para sua implementação,74 
mas também para estudos mais aprofundados e baseados em evidências a 
respeito de suas principais dinâmicas,75 vários pressupostos normativos ainda 
informam essas visões.76 
 
73 Sá e Silva, 2009. 
74 Ibid. 
75 Três estudos relevantes foram: os estudos conduzidos pelo ECOSOC para informar as reuniões 
do Development Cooperation Forum (mais informações sobre o DCF disponíveis em: 
http://www.un.org/en/ecosoc/dcf/), como o relatório “Trends in South-South and triangular 
development cooperation”, que reúne dados e análises sobre a atuação de 18 doadores e três 
instituições multilaterais de países em desenvolvimento; o Emerging Donors Study, patrocinado 
pelo International Development Research Center (IDRC – Canadá), que busca entender as 
transformações na dinâmica da assistência internacional por meio do estudo de caso de quatro 
doadores emergentes: Brasil, Índia, China e África do Sul (mais informações disponíveis em: 
http://idrc.ca/EN/Resources/Publications/Pages/ArticleDetails.aspx?PublicationID=116); e os 
estudos de caso de CSS realizados pelo Task-Team on South-South Cooperation (TT-SSC), grupo 
vinculado à OCDE que assumiu a liderança na realização de estudos baseados em evidências para 
informar a IV Reunião de Alto Nível sobre Eficácia da Ajuda que aconteceu em Busan, Coreia, no 
fim de 2011 (mais informações sobre o TT-SSC disponíveis em: 
http://www.oecd.org/document/51/0,3746,en_2649_3236398_43385523_1_1_1_1,00.html; os 
23 casos estão disponíveis em: http://www.southsouthcases.info/casestudies/index.php). 
76 Não acreditamos que isso ocorra necessariamente por questões ideológicas. Como a CSS se 
converteu em modalidade politicamente correta da cooperação (Sá e Silva, 2009), há esforços os 
mais variados para defender sua diferenciação em relação à CNS. Essa diferenciação vem sendo 
colocada como requisito para o financiamento de pesquisas sobre a CSS, mesmo por agências 
dos países do Norte. A autora, por exemplo, presenciou uma negociação sobre o financiamento 
de estudos empíricos sobre a CSS em que o representante da agência doadora disse abertamente 
que só financiariam o estudo se mostrássemos que a CSS é diferente da CNS. Isso mostra, 
portanto, que mesmo os estudos empíricos atuais não são exatamente neutros. No caso de 
estudos sobre a CSS financiados por doadores do Norte, há, obviamente, a preocupação política 
de evitar críticas à CSS, talvez à exceção do caso chinês, para impedir o aprofundamento das 
clivagens com governos do Sul. Porém, há também uma tentativa por parte dos doadores 
tradicionais de reconstruir a legitimidade de sua cooperação, e o engajamento em iniciativas de 
CSS se tornou baluarte central nessa busca. 
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25 
 
Em primeiro lugar, existe uma crença arraigada de que a proximidade de 
condições estruturais entre os países do Sul favoreceria uma eficácia maior 
dos modelos exportados entre eles em relação à cooperação tradicional. Não 
obstante, embora os problemas que atingem os países em desenvolvimentos 
sejam similares, as oportunidades e desafios à mudança política são 
particulares, ligados a ideologias, lobbies e aparatos burocráticos 
específicos.77 Isso significa que uma iniciativa que tenha tido impactos 
positivos sobre o desenvolvimento de um país do Sul não necessariamente 
terá os mesmos impactos em outro país em desenvolvimento. 
Em segundo lugar, e também ligado à premissa da homogeneidade entre os 
países do Sul, está o pressuposto de que as relações entre eles seriam 
despidas de dinâmicas de poder e de interesses. Estudos empíricos recentes 
sobre a CSS apontam o contrário: que considerações políticas e comerciais 
influenciam, também, a atuação dos doadores emergentes.78 
Em termos teóricos, a abordagem do sistema-mundo proposta por Immanuel 
Wallertein, ao agregar dimensão intermediária às relações entre centro e 
periferia, referente à existência de uma semiperiferia global, ajuda a jogar luz 
sobre a questão. Para Wallerstein, a atuação dos Estados localizados na 
semiperiferia, ao moderar as contradições econômicas e políticas entre centro 
e periferia, serviria como ferramenta de preservação da ordem capitalista.79 
As implicações disso para as relações Sul-Sul foram analisadas, por exemplo, 
por Jerker Carlsson. O autor mostra que, da mesma maneira que as relações 
tradicionais entre centro e periferia, o expansionismo da semiperiferia, o qual 
apresenta as particularidades de ser liderado pelo Estado e favorecido em 
contextos de contração da economia global, seria influenciado por pressões 
econômicas estruturais (expansão dos investimentos estrangeiros diretos 
como ferramenta, por exemplo, para superar limitações do mercado 
doméstico e práticas restritivas de importação por parte dos países de destino 
 
77 Sá e Silva, 2009. 
78 ECOSOC, 2008; Rowlands, 2008. Alguns estudos acadêmicos mais antigos que apontavam 
nessa direção. Por exemplo, no livro South-South Aid, publicado em 1992, Donald Bobiash fez a 
seguinte reflexão: “Although theories of dependency and self-reliance can help us understand the 
conceptual framework for SSC, also important for our analysis of SS aid are the immediate goals 
and national interests of developing-country governments. Whatever multilateral commitments to 
SSC by developing countries may exist, developing countries’ bilateral development assistance 
may be provided for a variety of motives, many of which may be unrelated to promoting the 
global objectivesof SSC” (Bobiash, 1992:9). 
79 Wallerstein, 2004. 
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26 
 
dos investimentos, além de garantia de acesso a matérias-primas), com 
efeitos igualmente deletérios sobre as economias periféricas.80 
Embora tal perspectiva contribua para desconstruir a premissa de que a 
similaridade entre os níveis de desenvolvimento dos países do Sul levaria a 
relações mais simétricas entre eles, ela peca por limitar a atuação externa dos 
Estados aos interesses das classes capitalistas dominantes. Para explorar com 
maior profundidade a dimensão dos interesses na CSS talvez seja útil revisitar 
teorias do mainstream das relações internacionais, que tomam os interesses 
próprios como drivers centrais das escolhas dos Estados em geral. 
5.2. Teorias das relações internacionais: o Sul ausente 
A teoria realista das Relações Internacionais, baseada na ideia de que os 
Estados se relacionam em um contexto anárquico caracterizado por um 
estado de guerra, trata a cooperação internacional como um fenômeno 
temporário, ligado à formação de alianças entre Estados na tentativa de 
dissuadir o expansionismo de terceiros. Essa teoria, contudo, não provê um 
marco interpretativo nem para as relações Norte-Sul nem para as relações 
Sul-Sul. Nas palavras de Kenneth Waltz, “a general theory of international 
politics is necessarily based on the great powers” (Waltz, 1976:73). A atuação 
de países que não sejam potências, sejam eles desenvolvidos ou não, é 
tratada como mero resultado das decisões dos grandes. 
Há, porém, abordagens sobre a cooperação internacional para o 
desenvolvimento inspiradas pela teoria realista. Para elas, a ajuda externa é 
instrumental, um meio para assegurar objetivos de segurança e aumentar o 
poder dos Estados donatários, reduzindo, por exemplo, tentações ligadas ao 
comunismo ou ao terrorismo.81 
A teoria neoliberal/neoinstitucionalista das relações internacionais, embora 
parta dos mesmos pressupostos da teoria realista – racionalidade e egoísmo 
dos Estados, interação em um contexto anárquico -, acredita que eles não 
levam necessariamente ao conflito. Num contexto marcado pela 
interdependência e pela interação estratégica, em que a maximização dos 
ganhos de um Estado depende não apenas das suas escolhas, mas também 
 
80 Carlsson, 1982. 
81 Ver, por exemplo, Liska (1960). Para uma interpretação da CSS a partir do neorealismo 
clássico, ver De la Fontaine e Seifert, 2010. 
 
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das escolhas de outros Estados, a cooperação emerge como o caminho mais 
racional. 
Não obstante, essa teoria é marcada por pelo menos duas lacunas. Em 
primeiro lugar, uma lacuna de escopo, na medida em que baseia-se em 
evidências apenas sobre as relações entre os países industrializados. Logo nas 
primeiras páginas do livro que viria influenciar boa parte do pensamento 
sobre a cooperação nas relações internacionais, “After hegemony: cooperation 
and discord in the world political economy”, Robert Keohane esclare: 
 
“This book is about how cooperation has been, and can be, organized in 
the world political economy when common interests exist. (...) Because I 
begin with acknowledged common interests, my study focuses on 
relations among the advanced market-economy countries, where such 
interests are manifold. These countries hold views about the proper 
operation of their economies that are relatively similar – at least in 
comparison with the differences that exist between them and most less 
developed countries, or the nonmarket planned economies. They are 
engaged in extensive relationships of interdependence with one another; 
in general, their governments’ policies reflect the belief that they benefit 
from these ties. Furthermore, they are on friendly political terms; thus 
political-military conflicts between them complicate the politics of 
economic transactions less than they do in East-West relations” 
(Keohane, 1984:6). 
Em segundo lugar, Keohane e seus seguidores entendem a cooperação 
internacional como processo de coordenação de políticas entre países situados 
em um contexto marcado pela interdependência. Nas suas palavras: 
 
“Cooperation occurs when actors adjust their behavior to the actual or 
anticipated preferences of others, through a process of policy 
coordination. To summarize more formally, intergovernmental 
cooperation takes place when the policies actually followed by 
one government are regarded by its partners as facilitating 
realization of their own objectives, as the result of a process of 
policy coordination” (Keohane, 1984:51-52, grifo do autor). 
Embora tal interdependência, entre os países do Sul, seja clara no contexto 
regional (caso do Mercosul), ou entre as economias emergentes (caso Brasil-
China), a questão é que ela não existe necessariamente entre todos os países 
do Sul. Portanto, interpretar a CSS como coordenação de políticas pode fazer 
sentido em alguns contextos, mas não em outros. Isso porque as relações 
entre os países do Sul, tradicionalmente, são em grande medida marcadas 
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pela indiferença, o que inviabiliza toda a interpretação subseqüente oferecida 
pela teoria liberal, já que ela se funda no raciocínio de que os Estados são 
constrangidos a cooperar porque, se não o fizerem, haverá conflito (dilema do 
prisioneiro). Como explicar, então, a cooperação entre países que se situam 
em um contexto marcado pela indiferença? Acreditamos que a teoria social, 
que tradicionalmente se ocupa de dinâmicas de cooperação entre indivíduos e 
grupos, pode ser útil na tarefa. 
5.3. Elaborações da teoria social sobre a cooperação 
A Segunda Guerra Mundial levou a uma mudança no foco de estudo das 
Ciências Sociais, que passaram a se voltar para o entendimento das condições 
que levam indivíduos ou grupos a optarem pela competição ou pela 
cooperação.82 É nesse marco que se insere o posterior surgimento da teoria 
dos jogos e suas variações, inclusive a abordagem liberal às relações 
internacionais. 
Não obstante, autores que realizaram uma profunda revisão e sistematização 
sobre as dinâmicas de conflito e cooperação entre indivíduos e subunidades 
apontam que, ao contrário do que as perspectivas supramencionadas nos 
fazem crer, competição e cooperação não são necessariamente conceitos 
polares; ausência de cooperação não significa presença de conflito.83 Isso, em 
última instância, acaba comprometendo a capacidade das teorias baseadas no 
dilema do prisioneiro de explicarem a cooperação entre países que não se 
relacionam em contextos marcados pela interdependência. 
Uma contribuição central da teoria social para o estudo da cooperação é o seu 
entendimento com um processo complexo de troca, no qual cada 
indivíduo/grupo provê ao outro um serviço que pode ser similar, mas com é 
com freqüência distinto.84 A CSS desenvolvida no âmbito das negociações 
multilaterais seria um exemplo em que as partes envolvidas provêem serviços 
similares umas às outras – votando a favor ou contra determinada resolução 
na AGNU, por exemplo. Ao contrário, quando um doador emergente oferece 
ajuda e recebe em troca vantagens comerciais (recompensa material) ou 
reconhecimento (recompensa intangível), estamos falando do segundo caso. 
 
82 Marwell e Schmitt, 1975. 
83 May e Doob, 1937; Marwell e Schmitt, 1975; Nisbet, 1968. 
84 Deutsch, 1953; Homans, 1961. 
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Além disso, as trocas podem ser diretas, envolvendo apenas as partes 
envolvidas na cooperação, ou indiretas, caso em que um doador não busca o 
reconhecimento do recipiendário, mas de terceiros (por exemplo de outros 
doadores).85 No caso, por exemplo, da atuação de Brasil e Índia em países

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