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1 CONFLITOS E DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DO ASSENTAMENTO SANTA RITA, JATAÍ – GO CONFLIT ET DEVELOPPEMENT SOCIO-ECONOMIQUE DANS LE “ASSENTAMENTO” SANTA RITA, JATAÍ - GO Marcos Vinicius Ferreira da Silva - Universidade Federal de Goiás/Campus Jataí markos_winysius@hotmail.com Luline Silva Carvalho - Universidade Federal de Goiás/Campus Jataí lulinycarvalho@hotmail.com Dinalva Donizete Ribeiro – Universidade Federal de Goiás/Campus Jataí dinalvadr@gmail.com Resumo: Este estudo refere-se à pesquisa realizada no Projeto de Assentamento Santa Rita, localizado no município de Jataí - GO. Por meio desta pesquisa, com base no diagnostico rural participativo (DRP), pretende-se demonstrar e discutir as relações conflituosas existentes no assentamento e como essas vêm influenciando na organização do trabalho e na vida de cada família. Os resultados desta pesquisa evidenciam-se as perdas causadas pelo abandono do trabalho coletivo e como esse fato é percebido dentro do assentamento. O artigo demonstra como o trabalho individual tem exercido papel amenizador das dificuldades em alguns casos e como as experiências já vividas em práticas coletivas interferem na tomada de decisão sobre quais caminhos a serem seguidos. Palavras-chaves: Assentamento rural, conflitos, relações de trabalho, cooperação. Résumé: Cet étude fait référence à la recherche réalisée dans le Projet de « Assentamento Santa Rita » localisé dans la ville de Jataí –GO. Utilisant la méthodologie de diagnostique rural participatif (DRP), l’article prétend démontrer et discuter les relations de conflit existantes dans l’ « Assentamento » et quelle est leur influence dans l’organisation du travail et dans la vie de chaque famille. Sont mises en évidence les pertes générées par l’abandon du travail collectif et comment cet état de choses est perçu dans l’«Assentamento ». L’article démontre comment les formes de travail individuel se reflètent dans la dynamique sociale et de production dans l’«Assentamento » Santa Rita. Il tisse, aussi, une réflexion sur la façon dont comment les expériences déjà vécues avec le collectivisme interfèrent dans la prise de décision sur les chemins à suivre. 2 Mots - Clés: Bénéficiaires de la réforme agraire, conflits, relations de travail, coopération. Objeto de Análise A área de análise corresponde ao Projeto de Assentamento Santa Rita (PASR), localizado na microrregião Sudoeste de Goiás no município de Jataí - GO, a 23 km da cidade, tendo como via de acesso a BR-158 no sentido Jataí/Caiapônia - GO. Esse assentamento pode ser pontuado pelas seguintes coordenadas geográficas: latitude de 17º 39' 40''S, longitude de 51º 48' 39''W, tendo altitude de 793 metros de elevação (figura 1). Figura 01: Mapa de localização do Projeto de Assentamento Santa Rita. Fonte: Adaptado da Imagem GeoEye (1B2G3R), fevereiro de 2011, resolução 2m. O PASR, fundado em 1998, é composto por 23 famílias, tendo como principais atividades econômicas a pecuária leiteira, a produção de derivados do leite, hortaliças e quitandas. Porém, os lotes possuem atividades econômicas diversas como agricultura, piscicultura, apicultura e silvicultura em pequena escala. O excedente da produção de alimentos é comercializado em feiras, em alguns comércios da cidade de Jataí e em programas do governo federal destinados à agricultura familiar como o PAA (programa de aquisição de alimentos). 3 O assentamento conta com área total de 968 hectares, sendo que cada um dos 23 lotes possui área média de 38,7 hectares. Há, ainda, uma área comunitária com cerca de 12 hectares e uma área de reserva legal de 195 hectares. Objetivos Este ensaio visa entender as relações conflituosas entre as famílias do assentamento Santa Rita e como tais relações dificultam o trabalho coletivo, fragilizando a possibilidade de cooperação entre os camponeses no PASR. Busca-se compreender os conflitos gerados no PASR: como surgiram; as formas que se agravaram; e os reflexos provocados na dinâmica social e de produção do assentamento, considerando as dificuldades e as diferenças sociais, culturais e econômicas existentes entre as famílias. Referencial Teórico Ferrante, Barone & Kuranaga (2006) analisaram os assentamentos rurais de reforma agrária do estado São Paulo sobre a óptica do seu desenvolvimento como sinônimo de emancipação dos camponeses. Esse trabalho abordou questões como a organização social e interna dos P.A.s (projetos de assentamentos) na região, a inserção das famílias nos contextos político e econômico locais e os diferentes modos de vida que, a partir dos conflitos gerados, refletem de forma objetiva, subjetiva e econômica, como se desenvolvem nos assentamentos. Os autores apontam alguns exemplos de organização interna por meio da cooperação, no caso de algumas famílias que abandonaram a cooperativa a fim de criar uma associação pautada exclusivamente no trabalho familiar, buscando fortalecer suas relações sociais trocando saberes, experiências e, principalmente, o apoio mútuo entre os camponeses. A partir da participação ou bloqueio econômico dos assentamentos, discutindo ainda o trabalho tradicional e os vínculos com a terra que as famílias têm, os autores concluem que existe ausência de políticas públicas voltadas à educação de jovens camponeses que possibilitaria sua permanência e autonomia no campo. Maciel (2009) pesquisou sobre as formas de organizar a produção e a comercialização dentro de assentamentos rurais. Este estudo foi realizado nos assentamentos Bela Vista, no município Araraquara e Primavera e Tupaciretã, no pontal do Paranapanema, no estado de São Paulo. O 4 trabalho revelou como as diversas trajetórias das famílias podem influenciar no momento de escolherem entre a produção individual e coletiva. De acordo com a autora, quando os indivíduos estão acampados encontram-se em condições iguais, sendo que as trajetórias não influenciam neste período. Mas, a partir do momento que cada um recebe seu lote, suas heranças passam a influenciar as posturas individuais. A pesquisa ressalta ainda que, na maioria das vezes, o ato de rejeitar o trabalho coletivo se dá pelas experiências fracassadas já vividas por eles. A análise feita por Scopinho (2007) apontou a importância do cooperativismo e da cooperação na dinâmica de organização social dos assentamentos rurais, entendendo cada um deles como elementos distintos. Por meio de pesquisas em assentamentos organizados pelo MST na região de Ribeirão Preto – SP, este trabalho procurou mostrar que a cooperação pode ser entendida como modo de se organizar em grupo, a fim de mantê-lo protegido das dificuldades que possam ser enfrentadas e, ainda, uma maneira alternativa de aumentar a qualidade e a quantidade da produção. Assim, o ato de institucionalizar esta relação foi o que gerou a criação das cooperativas, porém, em muitos casos, perderam a essência da cooperação visando apenas o acesso a benefícios financeiros oferecidos pelo estado. Evidenciou-se a necessidade de mudar a forma como tem se dado a cooperação e entender que ela se dá mediada, principalmente, pela relação estabelecida entre as famílias e o estado. Rios (2006) realizou um estudo no qual se discutiu o processo social de cooperação. O estudo nos revela como a entidade cooperativa possui uma dupla natureza, uma vez que ela atua como uma estrutura administrativa e necessita ser eficiente para sobreviver economicamente e de modo simultâneo, exercendo um papel social. Pois, na formação de uma entidade como tal, existem muitas questões subjetivas, como significados políticos, religião, cultura, família e são justamente estas questões que impedem que o termo cooperativismo perca seus valores. O trabalho levanta ainda a necessidade de que exista uma convergência de interesses para que se evite a existência de um conflito, que nem sempre provoca a ruptura,mas fará com que as necessidades de alguns sejam atendidas enquanto as de outros sejam ignoradas. Segundo o autor, é necessário interesses econômicos e culturais heterogêneos, mas, também, é necessário construir um cooperativismo solidário, que seja intercedido pelos interesses sociais da 5 comunidade, diferente do cooperativismo de negócio, que é mediado por interesses políticos de outros. Carvalho (2006) realizou um estudo sobre condições sócio-culturais em assentamentos de reforma agrária, sendo dois na cidade de Araguari e um em Uberlândia na região do triângulo mineiro, utilizando o Diagnóstico Rural Participativo – DRP. A análise foi desenvolvida por meio do diálogo entre pesquisador e pesquisado, para se ter uma abordagem fiel das práticas de apropriação, produção e comercialização dos produtos agrícolas e das condições sócio- culturais do espaço rural estudado. Segundo Carvalho op. cit. o DRP é um processo metodológico que surge a partir das percepções dos pesquisadores de ciências humanas, que passam a ver a importância de uma pesquisa participativa em suas práticas de estudos. A ação do DRP foi realizada através de visitas aos lotes acompanhados de alguns moradores do assentamento, assim, as observações sobre a apropriação do espaço rural e a apropriação agrícola, bem como as demais observações, se deram por meio do diálogo, onde a participação direta das famílias na pesquisa tornou-se um elemento importante. Macedo & Barone (2009) em seu trabalho deram ênfase sobre a aplicação metodológica do DRP, fazendo o levantamento socioambiental da realidade vivida nos assentamentos rurais no Pontal do Paranapanema, no extremo oeste paulista. A partir da realidade ambiental evidenciada nesse estudo, houve a participação direta das famílias na pesquisa percebendo os problemas enfrentados por elas nos assentamentos, como dificuldade de produção, desmatamento de APP (área de preservação permanente), falta de políticas públicas, de acesso a educação e a serviços de saúde. Procedimentos Metodológicos A partir da seleção do objeto e dos atores a serem pesquisados, foram realizados oito dias de campo, entre fevereiro e abril de 2011. Foram visitados os 23 lotes do assentamento. No entanto, só foram encontradas 21 famílias com as quais a pesquisa foi realizada. A área de análise e os sujeitos foram delimitados, a partir do trabalho de Benincá (2010), que avalia a situação socioambiental e econômica do assentamento Santa Rita, indicando os aspectos positivos e negativos do manejo ambiental. O estudo da autora serviu como base para o planejamento das visitas e preparo do levantamento prévio em cada lote. 6 A pesquisa realizada considerou a relação de trabalho estabelecida no núcleo familiar, buscando não influenciar nas rotinas de trabalho das famílias. Pois, o tempo é de essencial importância para o desenvolvimento da rotina camponesa, nesse processo as famílias estão totalmente envolvidas na dinâmica de produção em seus lotes e qualquer interferência poderia as atrapalhar. Os procedimentos metodológicos foram fundamentados no Diagnóstico Rural Participativo (DRP), que se baseia no diálogo recíproco entre pesquisador e pesquisado. Segundo Freire (1983) apud Peneireiro (2010) a relação de diálogo só é possível se o assunto gira em torno da vida diária das pessoas e não em torno de técnicas. Conforme a metodologia aplicada neste estudo, o DRP foi utilizado segundo as concepções teóricas de Carvalho (2006) e de Macedo & Barone (2009). Nesta pesquisa buscou-se respeitar as práticas socioculturais e os costumes tradicionais do meio rural. Não se direcionou perguntas específicas às famílias, para que dessa forma elas sentissem liberdade em relatar as questões que viam como problema, sem nenhuma imposição de assuntos, levando-as a expressarem suas dificuldades e perspectivas dentro do PASR. Esta metodologia demandou o envolvimento da equipe nas atividades realizadas pelas famílias, como tirar leite, colher frutos, hortaliças e descarregar cana, a fim de não interromper, tampouco dificultar ou atrasar as rotinas desenvolvidas nos lotes. Colaborar no trabalho em andamento ou na realização de outras tarefas determinadas pelos camponeses foi uma estratégia utilizada a fim de construir condições favoráveis para o desenvolvimento dos diálogos, sem despertar imposições ou favorecer argumentações de respostas, propiciando melhor relacionamento entre pesquisador e pesquisado. Após o término de cada visita aos lotes, foram anotados os relatos das famílias nas cadernetas de campo, o que possibilitou registrar observações importantes sobre a realidade vivida e como abordam as dificuldades, conflitos internos e perspectivas no assentamento. As informações obtidas em campo foram transcritas em relatórios, posteriormente, tabuladas e transformadas em dados qualitativos e quantitativos. Assim, sistematizou-se os procedimentos e dados a fim de desenvolver e discorrer o assunto proposto. 7 Resultados O assentamento Santa Rita foi criado em 1998, quando famílias acampadas, tomaram conhecimento que a área do atual assentamento estava com pendências judiciais. Remanejaram-se para o local, decidindo ocupá-lo. A ocupação, como acampamento, durou cerca de oito meses, quando as famílias tiveram o requerimento do direito à terra atendido, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), instituindo-se aí o Projeto de Assentamento Santa Rita. As famílias que lutaram e permaneceram para adquirir sua parcela de terra dentro do PARS são de origens diversas: algumas são do entorno rural e urbano de Jataí – GO e outras vieram de regiões próximas ao município. Dados da pesquisa e do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Agricultura Familiar – NEAF/UFG (2010) apontam que 58% das famílias são oriundas do meio rural, enquanto 42% são de origem urbana. Atualmente, as atividades produtivas do PASR baseiam-se principalmente na pecuária leiteira, entretanto, o trabalho realizado em cada lote é diferenciado devido aos interesses diversos dos camponeses, isso influencia em práticas agrícolas distintas, variando de acordo com a realidade de cada família. A partir dos relatos das famílias, foram identificadas suas perspectivas, dificuldades, conflitos, formas de relações sociais e de trabalho, apontando as realidades vivenciadas por cada uma delas. As dificuldades enfrentadas pelas as famílias no PARS ocorrem devido às condições sociais e ambientais, sendo, geralmente, a falta de mão-de-obra, solos desgastados, áreas de declive. Todos estes fatores influenciam na forma de apropriação e produção dos lotes. No contexto hodierno do PASR, as famílias que ficaram acampadas conseguiram manter a produção familiar para garantir sua segurança alimentar e venda do excedente, porém, elas alegam como dificuldade a pouca capacidade de investir em seu lote, inviabilizando parte da produção. As famílias que adquiriram suas parcelas de terra por meio da compra de lotes, venderam todos os seus bens situados na área urbana a fim de efetuar a aquisição do mesmo, o que resultou na falta de recurso para investimentos, dificultando a produção. Essa realidade é comum entre todas as famílias: há autonomia alimentar e a venda de excedente, garantindo uma renda mínima. Contudo, os lucros são pequenos, não atingindo o 8 ideário planejado, por outro lado o fato de não necessitarem comprar mantimentos na cidade é motivo de orgulho, como foi demonstrado durante a pesquisa. Para as famílias entrevistadas possuir a terra e ter autonomia no processo produtivo representa grande parte de suas satisfações. Pois não ter necessidade de adquirir alimentos na cidade, representa a liberdade camponesa. A venda da produção se dá por meio, principalmente, do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) ou das feiras na cidade de Jataí. Entretanto, as famíliasrelatam dificuldades em trabalhar com projetos como PAA por receberem menos pelos alimentos, além de apresentar atrasos constantes no recolhimento da produção, o que provoca perdas, deixando dúvidas se o plantio deve ser feito novamente nos próximos meses. A venda dos alimentos nas feiras é mais viável, pois os produtos são mais valorizados. Porém, muitas famílias não possuem condições para transportarem os produtos à cidade. Neste caso, quando as famílias não têm possibilidade de comercializar os alimentos com os projetos e nem na cidade, estabelece-se relações internas vendendo os produtos a outras famílias, para que estas transportem os alimentos e os comercializem na cidade. Há também, no PASR famílias que não conseguem produzir em quantidade suficiente para ser destinada à venda. Esta realidade é causada, principalmente, por motivos como: insuficiência de mão de obra, quando quem trabalha no lote se trata de pessoas senis ou existe apenas um trabalhador (podendo ser uma mulher) e casos em que a família adquiriu o titulo da terra recentemente e está tentando iniciar a produção em sua parcela. Porém, a pequena produção e as dificuldades com mão de obra não são os únicos problemas enfrentados pelas famílias do assentamento. Ainda há o grave problema da falta de acesso a créditos, financiamentos e a falta de assistência técnica. A pesquisa aponta que o trabalho individual é visto como o mais viável pelas famílias, já que estas se encontram insatisfeitas com a forma de organização política do assentamento, a saber: tem-se um presidente que, apesar de ter sido eleito democraticamente, segundo as famílias não busca atender as necessidades coletivas. Ainda, dentre os entrevistados, 62% afirmou não ter um bom relacionamento com pelo menos uma família. Existem desentendimentos por motivos variados como, por exemplo: o uso da área comunitária, que muitas vezes fica sem nenhuma utilização por não chegarem a um acordo 9 sobre como explorá-la, sendo que em alguns períodos é utilizada atendendo a interesses individuais. Segundo relatos, esta área deve ser utilizada de maneira comum em atividades em conjuntas entre as famílias. Um agricultor relatou que propôs o cultivo de milho coletivo nesta área, porém, não obtive êxito, o que gerou conflitos e tensões. No período de realização da pesquisa, a área comunitária estava sendo utilizada para o cultivo de eucalipto, atendendo aos interesses de uma única família. Esse fato tem gerado indignação e conflitos entre as famílias. A maioria dos conflitos e desacordos ocorre entre o grupo das famílias que esteve acampada desde o início do assentamento (representado por 62%) e as famílias que compraram lotes de outras que deixaram o PASR (representada por 38%). As famílias que estão no assentamento desde a época do acampamento, que participaram do movimento de luta pela terra, consideram que os compradores de lotes não compartilham da mesma visão que eles e por isso não participam de nenhuma atividade em conjunto no PASR. Os compradores de lote afirmam ser excluídos e dizem que não são informados das atividades desenvolvidas no assentamento, sentem-se prejudicados por isso e alegam que os demais não os aceitam. Este tipo de conflito é gerado pela relação pré-existente entre as famílias que estiveram acampadas, pois de acordo com Pessoa (1999) apud Maciel (2009), no acampamento as relações tendem a ser igualitárias, pois as trajetórias distintas dos indivíduos não podem ser determinantes. Por conta disso as relações existentes naquele momento podem se tornar até afetuosas, criando, assim, laços de fraternidade e união. Maciel (2009) explica que no momento em que o acampado recebe seu lote, os interesses individuais e naturais de cada para com sua terra, influenciam para que o assentamento deixe de ser um espaço com relações iguais. Com isso ocorre a quebra de alguns laços, o que dificulta o trabalho coletivo. Quando chega um comprador ao assentamento, não existe nenhum afeto previamente construído, portanto nenhum motivo que os levem a querer se integrar com os demais. 10 O fato é que as visões e percepções de cada família, em alguns casos são contrastantes e evidenciam as diferenças geradas, principalmente, pelas experiências vividas até chegarem ao assentamento. Esta questão pode ser confirmada ao analisar os anseios de quem vendeu seus bens na cidade e veio para o assentamento, com este já constituído. Enquanto, em outro momento, outros abandonaram o trabalho para viver debaixo da lona, “experienciando” a realidade do acampamento. Essa duas origens distintas podem ser reconhecidas no assentamento e revela uma das principais fragilidades nos relacionamentos entre as famílias. A ocorrência de desentendimentos, relatada por 62% das famílias pesquisadas, é expressiva e justifica o fato de que 43% delas considerou o trabalho coletivo como algo inviável, sendo que 19% afirmou ser indiferentes a tal iniciativa. Esses posicionamentos são um impasse na dinâmica social e produtiva desse assentamento. Em contrapartida, 38% das famílias considerou o trabalho coletivo como uma possibilidade viável de melhorar sua renda, sua qualidade de vida e promover interação com as outras famílias. No entanto, não encontram maneiras de articular esta prática, enquanto estratégia a fazer parte da realidade do assentamento. Dessa forma, nota-se que a organização social das famílias do PASR, em relação ao trabalho coletivo é fragmentada, por conta dos interesses distintos e da formação de pequenos grupos, dificultando as formas de construção de relações e aproximação no assentamento. Algumas famílias criaram uma cooperativa para a produção de leite, outras produzem individualmente leite, mel e outras. Na tentativa de se inserirem no agronegócio, algumas aderiram aos monocultivos em pequena escala, como cana-de-açúcar e eucalipto, com previsões de plantar soja na próxima safra (2012). Existem muitos fatores que influenciam as famílias a trabalharem de forma individual. De acordo com Maciel (2009) isso se dá devido a problemas pessoais, desejo de regular seu próprio tempo de trabalho, dificuldade em dividir os lucros da produção, experiências fracassadas, falta de confiança nos líderes, interesses diferentes, abandono dos órgãos governamentais, etc. Para muitos, estarem longe do grupo significa estar longe dos conflitos. A proposta de trabalho coletivo é apresentada muitas vezes por mediadores e não correspondem aos anseios das famílias pelos motivos já citados. Vale ressaltar que optar por 11 produzir individualmente nem sempre significa individualismo, pois em alguns casos há colaboração entre os vizinhos, cuja retribuição se dá com outras formas de ajuda mútua e não com parte nos lucros. Porém, no PASR os casos verificados de colaboração e de ajudam mútua, são poucos e, apesar das famílias reconhecerem alguns problemas expressivos do assentamento, como o desmatamento das nascentes, voçorocas, falta de transporte escolar (para pessoas que querem fazer curso superior) e a falta de assistência técnica, as mobilizações conjuntas para solucioná-los, no geral, são mínimas ou pouco idealizadas em grupo. Este fato demonstra os reflexos negativos da discórdia no assentamento. De modo geral, as famílias se afastam das demais por conta dos problemas e das tensões ocasionadas dentro assentamento. Ao invés de dialogarem a fim de chegar a uma solução, acabam se distanciando umas das outras. A maneira individual de trabalhar afeta, também, as formas que as famílias têm de se relacionarem com o ambiente. Um relato aponta que foram jogados dejetos/resíduos no córrego que serve o PASR e as famílias que fazem uso desta água ficaram sem condições de utilizá-la. Pois além de poluída, ficou com coloração estranha, provocando desavença entre as famílias. Entres as tensões relatadas pelas famílias, ocorreu umadesavença sobre uso impróprio de uma nascente do assentamento. Neste caso, uma família estendeu seu pasto até a área da nascente, para dessedentar o gado, provocando o início de processos erosivos por conta dessa ação. Conseqüentemente, a água que abastece as outras famílias chegou inapropriada para o consumo, dando começo a um novo conflito. As famílias afetadas se organizaram e cercaram a nascente. Posteriormente, a cerca foi retirada pelo morador da parcela que retornou com o gado à nascente, várias tensões foram geradas por este fato. Comunicada pelas famílias prejudicadas, a secretaria municipal do meio ambiente de Jataí e o INCRA começaram a intervir, amenizando, assim, a situação. As famílias afetadas por este problema querem reivindicar o reflorestamento da nascente degradada, porém, nem todas que estiveram envolvidas nesse conflito possuem o interesse de reflorestar - lá. Dados da pesquisa apontam que todas as famílias do assentamento dependem 12 da nascente e continuam usando a água poluída, mostrando a contradição e indiferença entre as famílias, quando se envolve em alguma forma de conflito. Outro conflito ocasionado pelo uso indevido do ambiente diz respeito a uma nascente localizada na divisa entre dois lotes. De acordo com os relatos das famílias envolvidas, ambas quando conseguiram suas terras, as pegaram com problemas ambientais, entretanto, a forma como cada um fez uso dessa área foi diferente. As duas famílias têm concepções distintas de utilização de seus lotes, enquanto uma visa manter a nascente com APP conforme a legislação, no outro lote a nascente está degradada. Por iniciativa própria uma das famílias parou de dessedentar o gado próximo do curso d’água. Em períodos chuvosos, ambas são prejudicadas. Os lotes estão inseridos em área de declive, com isso o enxurro advindo de áreas elevadas, agrava a situação da nascente com aumento dos processos erosivos, inundando e danificando parte das parcelas. Essa situação conflituosa ocorreu pela falta de colaboração entre as famílias, que não permitem nenhuma ação conjunta mesmo sendo benéfico para ambas. As perspectivas identificadas no decorrer da pesquisa correspondem aos interesses de cada família, sendo uma conduta pessoal. Porém, o que cada família visa para o futuro demonstra seus interesses em comum, como melhorar a produção de sua parcela, que corresponde a 38% das famílias. Algumas famílias do PASR pretendem iniciar novas atividades em seus lotes (como criação de frango 19%, produzir mel 19%, cana-de-açúcar 10%). No entanto, essas famílias não correlacionam que a cooperação por meio da coletividade do trabalho pode melhorar a produção e, por conseguinte, a renda familiar. Algumas famílias pretendem resolver suas dívidas financeiras como prioridade para, posteriormente, tentar melhorar ou iniciar uma nova produção. As demais famílias vêem como perspectivas futuras, conseguir o benefício da previdência social ou receber apoio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e outras visam recuperar áreas afetadas por problemas ambientais em seus lotes, causados por conta de processos erosivos. Parte das famílias planeja a criação de uma cooperativa (de alimentos) com a finalidade de agregar valor e facilitar as relações de negociação, de forma a evitar o desperdício da 13 produção. Estas entendem que a organização da cooperativa poderá criar ações que facilite acesso às linhas de crédito e outras formas de se articularem para além do cooperativismo, aproximando as famílias. Conclusão Por meio desta pesquisa identificou-se como a existência de conflitos no PASR limita social, cultural e economicamente a condição das famílias assentadas e o relacionamento em grupo. Uma vez que diminui sua capacidade de produção, restringe suas relações internas e dificulta a manutenção de costumes tradicionais do campo. Conclui-se, que a realidade observada no PASR evidencia a necessidade de construir estratégias que apontem os avanços e benefícios de uma relação de trabalho que tenha como base a colaboração e a ajuda mútua, respeitando, ainda, as realidades vividas nos lotes, as dificuldades e as perspectivas de cada família. Desta forma, a cooperação torna-se uma perspectiva possível de ser alcançada pelas famílias do assentamento Santa Rita. 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