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W BA 09 44 _V 1. 0 ÉTICA E RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL 2 Alberto Carneiro Barbosa de Souza São Paulo Platos Soluções Educacionais S.A 2021 ÉTICA E RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL 1ª edição 3 2021 Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP: 01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/ Diretor Presidente Platos Soluções Educacionais S.A Silvia Rodrigues Cima Bizatto Conselho Acadêmico Alessandra Cristina Fahl Camila Turchetti Bacan Gabiatti Camila Braga de Oliveira Higa Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Camila Turchetti Bacan Gabiatti Revisor Juliana dos Santos Corbett Editorial Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Márcia Regina Silva Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) _________________________________________________________________________________________ Souza, Alberto Carneiro Barbosa de S729e Ética e responsabilidade profissional / Alberto Carneiro Barbosa de Souza. – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2021. 43 p. ISBN 978-65-5356-080-2 1.Psicologia. 2. Ética. 3. Responsabilidade profissional. I. Título. CDD 174 ____________________________________________________________________________________________ Evelyn Moraes – CRB 010289 © 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Platos Soluções Educacionais S.A. 4 SUMÁRIO Entidade de classe e o Código de Ética Profissional __________ 05 Normas para a atuação em psicologia clínica ________________ 20 Registros profissionais e a guarda de documentos ___________ 33 Reflexões acerca da atuação profissional – Sigilo _____________ 47 ÉTICA E RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL 5 Entidade de classe e o Código de Ética Profissional Autoria: Alberto Carneiro Barbosa de Souza Leitura crítica: Juliana dos Santos Corbett Objetivos • Conhecer a história do Código de Ética profissional do Psicólogo. • Apresentar os conselhos de Psicologia e a formação profissional. • Compreender a regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil e a ética na Psicologia. 6 1. Introdução No Brasil, a profissão de psicólogo passou a ser protegida por lei a partir de 1967, mediante a regulamentação do exercício da profissão no país por um Código Oficial de Ética próprio. Diante disso, a prática da Psicologia passa a ser permitida apenas para pessoas com a devida formação acadêmica e reconhecida como válida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). Em outras palavras, o Código de Ética da Psicologia se antecipou ao poder legislativo que, somente em 1971, por meio da Lei Federal nº 5.776, determinou que o registro profissional do psicólogo em seu conselho de classe local passasse a ser exigência para o exercício legal da profissão em todas suas atribuições no Brasil. Portanto, a fim de preservar a eficácia e a confiabilidade do fazer em Psicologia, o profissional deve ser registrado no Conselho Regional de Psicologia (CRP) de sua região, fazendo com que pessoas sem a devida qualificação incorram no exercício ilegal da profissão e sejam sujeitas às punições cíveis e penais da legislação vigente (SANTOS, 2001). 2. História do Código de Ética do Psicólogo e a regulamentação da profissão No ano de 1971 foi fundado o Conselho Federal de Psicologia (CFP), órgão centralizador das diretrizes, recomendações e obrigações éticas que regulam a profissão de psicólogo no país em suas diversas áreas de atuação. Isso significa que, para exercer a Psicologia em suas diversas áreas, o profissional deve obrigatoriamente se registrar em seu conselho regional (CRP) e manter atualizada sua anuidade, caso contrário não poderá exercer a profissão, mesmo possuindo título de psicólogo. O sistema conselhos possui diversos conselhos regionais com o objetivo de preservar a integridade dos valores éticos vigentes na profissão, assim como as diretrizes instituídas pelo conselho federal da categoria. 7 Além disso, o conselho regional permite que o profissional participe de decisões específicas de sua área de atuação que digam respeito às particularidades legislativas e/ou do fazer da Psicologia de sua região, desde que não entrem em conflito com as normas do CFP. Dessa forma, apesar de haver diretrizes federais que devem ser observadas em todas as regiões do país, as questões locais do fazer da psicologia no Acre, por exemplo, podem diferir daqueles presentes em Santa Catarina ou em São Paulo. Portanto, o conselho regional atua como um fórum para discussões de problemas e soluções referentes ao exercício da Psicologia em determinada realidade regionalmente circunscrita. Não por acaso, os processos éticos são julgados nos conselhos regionais e não no CFP. Por fim, o profissional deve observar as diretrizes e normas do código de ética da profissão, o qual tem sido atualizado desde sua primeira edição em 1966/67 (Figura 1), de acordo com a realidade e a conjuntura sociopolítica da sociedade brasileira. Figura 1 – Linha do Tempo dos Códigos de Ética da Psicologia no Brasil Fonte: elaborada pelo autor. 8 2.1 O primeiro Código de Ética da Psicologia no Brasil: 1966/67 O primeiro Código de Ética da Psicologia foi criado entre os anos de 1966 e 1967 pela extinta Associação Brasileira de Psicologia (ABP), entidade que antecedeu o Conselho Federal de Psicologia. Esse primeiro Código de Ética possuía quarenta artigos, em que muitos deles trouxeram influência do Conselho Federal de Medicina, com o intuito de buscar obter maior legitimidade uma vez que a Psicologia era um fazer muito recente no país. Outra razão para essa forte influência foi de que os primeiros laboratórios de Psicologia no Brasil surgiram em clínicas e hospitais psiquiátricos (SANTOS, 2001). De acordo com Bernardes (2012), esse primeiro código foi seguido por outros dois, sempre contribuindo para o empoderamento do fazer da psicologia brasileira e garantindo seu exercício dentro da ética vigente e, ao mesmo tempo, se afastando de outros saberes, tais como o da medicina, definindo aos poucos sua própria identidade. 2.2 O segundo Código de Ética da Psicologia no Brasil: 1979 Com o rápido aumento de profissionais qualificados para exercer a Psicologia, novos campos de atuação começavam a ser abertos por todo o país, fatores que levaram ao CFP a rever o código de ética, a fim de responder às demandas de uma profissão que crescia e avançava rapidamente no Brasil. A forma de reavaliação seguiu um modelo descentralizador, ou seja, o CFP enviou a todos os CRP existentes na época suas sugestões de mudanças que, somadas às demandas regionais, deram origem ao segundo Código de Ética em Psicologia. Uma das grandes mudanças foi o envio do novo código aos cursos de graduação em Psicologia, para que ele passasse a fazer parte do currículo obrigatório. Assim, em 1979 entrava em vigor o novo código de ética que, em vez da influência da medicina, espelhava os anseios de 9 vários movimentos sociais em plena ditadura militar (BERNARDES, 2012). Seu texto continha cinquenta artigos e trazia como novidade a criação de um comitê para fiscalização do fazer da psicologia no Brasil. Uma vez que os movimentos sociais com agendas pautadas no combate a um poder executivo repressor exerceram forte influência nesse segundo código de ética, o papel social do psicólogo passa a ter papel de destaque em sua redação, afastando-se dapacientes, assim como de usuários de serviços públicos de psicologia clínica. Todavia, existem situações extraordinários nas quais o sigilo do psicólogo clínico pode e, em alguns casos, deve ser quebrado e, nesse caso, o cliente deve ser sempre comunicado. Contudo, deve-se ter em mente que tais situações são excepcionalmente pontuais e não devem ser tidas como justificativa para que se quebre o sigilo profissional sem a real necessidade ética e/ou legal. Por exemplo, uma das situações nas quais o sigilo na clínica pode ser quebrado se dá em momentos nos quais determinado paciente e/ou usuário profere ameaças reais e críveis contra a vida de outra(s) pessoas(s) ou contra si próprio. Porém, é imprescindível que o psicólogo clínico tenha convicção absoluta de que 50 tais ameaças são reais e não apenas parte da elaboração de emoções e sentimentos do sujeito (CFP, 2005). Em todas as demais áreas de atuação da psicologia, o sigilo também se impõe como obrigação ética e legal. Para fins ilustrativos, temos o seguinte cenário clínico: um usuário de serviço de Psicologia em um centro comunitário revela ao psicólogo de plantão que se descobriu soropositivo para HIV (pessoa vivendo com HIV). Caso o paciente revele planos reais de não comunicar seu parceiro, o risco de infectá-lo é real. Assim, ele deve ser avisado dos limites do sigilo imposto ao psicólogo e previsto em lei. Figura 1 – O resultado de exame positivo para o HIV não representa mais uma sentença fatal na atualidade Fonte: Olesya Chesnokova/iStock.com. 51 Contudo, se o usuário afirmar categoricamente que não pretende se tratar e que, além disso, não irá revelar sua condição de pessoa que vive com o HIV a sua esposa, nesse caso, em se confirmando o diagnóstico assim como a intenção de não o revelar a sua parceira, é obrigação ética do psicólogo informar ao usuário que ele deve, por determinação legal, conversar com sua esposa. Caso contrário, o profissional deve deixar claro que chamará a esposa para uma conversa junto com o usuário. Atualmente, existem resoluções em relação a essa situação no Código de Ética de Medicina através da Resolução nº 1.359/1992 (CFM, 1992), similar ao CRP. Outra situação na qual o sigilo deve ser quebrado por determinação legal se refere às crianças e aos adolescentes e/ou pessoas incapazes de responderem por si. Segundo Taquette (2010), diferente dos casos acima, aqui a forte suspeita de maus tratos, abuso sexual, psicológico ou físico, cárcere privado e/ou trabalho similar à escravidão basta para que o psicólogo em qualquer área de atuação seja obrigado por lei a fazer uma denúncia às autoridades locais. A obrigatoriedade da denúncia está prevista no art. 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), afirmando que “os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.” (BRASIL, 1990) Por fim, existe a mais recente obrigatoriedade de quebra de sigilo por parte do psicólogo, instituída pelo Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003). O psicólogo atuando em qualquer área de atuação tem obrigatoriedade legal de denunciar maus tratos a idosos, assim como situações nas quais o idoso se encontre em grande vulnerabilidade. Apesar de a confirmação da denúncia necessitar de exames e/ou entrevistas comprobatórias, a comunicação às autoridades deve ser feita pela simples fundada suspeita por parte do psicólogo. A não comunicação pode, inclusive, gerar consequências legais graves para o profissional. 52 Figura 2 – O atendimento preferencial Fonte: CarlaNichiata/iStock.com. 3. Novas áreas de atuação da psicologia no Brasil e o sigilo profissional Apesar de não ser uma área nova propriamente dita, a psicologia jurídica merece destaque em função de sua especificidade em relação ao sigilo profissional. A primeira razão é autoexplicativa: a psicologia jurídica trabalha diretamente com a lei e, portanto, o conhecimento sobre a legislação nessa especialidade deve ser naturalmente maior do que a de seus colegas atuando em outras áreas. Muitas vezes, o psicólogo jurídico se depara com dificuldades em relação ao sigilo profissional em função de trabalhar frequentemente com técnicos do direito que têm relação e interesse diretamente ligado a instituições (Ministérios Públicos, Defensorias etc.) e não com clientes, que é o caso do psicólogo (SILVA, 2009). 53 O problema surge, comumente, na formulação de pareceres psicológicos para fins jurídicos, nos quais o técnico do direito possa pedir maiores detalhes a respeito de determinado indivíduo, pedido que, em ferindo a ética da profissão de psicólogo, deve ser sumariamente indeferido. Outra área de possíveis atritos é a vara de família, por exemplo, em disputas de guarda de crianças ou adolescentes, o psicólogo pode decidir por não quebrar o sigilo de qualquer uma das partes se julgar que tal quebra poderia gerar prejuízos psicoemocionais ao indivíduo. Segundo Silva (2009), a não ser que se impetre judicialmente a quebra de sigilo, isso fica a critério exclusivo do psicólogo jurídico. Em relação às novas áreas consolidadas de atuação da psicologia temos a psicologia do trânsito. Nessa área pouco se tem estudado sobre a questão do sigilo, já que grande parte da atuação do psicólogo se concentra em testes psicotécnicos a serviço do DETRAN. As outras atuações nessa área, como tratamento de traumas e medos, se concentram na psicologia clínica. Contudo, mesmo na atuação em autarquias públicas, o psicólogo do trânsito tem a obrigação ética de sigilo com o candidato ou usuário (CUELLAR, 2014). Essa obrigação se dá sobretudo nos casos em que o profissional identifica possíveis psicopatologias nos testes aplicados. O psicólogo deve sugerir o encaminhamento a um colega clínico e/ou psiquiatra ao candidato/usuário, mas sua conclusão diagnóstica não deve ser compartilhada com terceiros sem a autorização explícita do candidato/ usuário. Embora não se tenha previsão legal, a possível falha em descumprir resoluções ética acarretará punição por parte do Sistema Conselhos de Psicologia (CUELLAR, 2014). Entre as novas áreas de atuação, a psicologia ambiental é ainda pouco conhecida no Brasil, mas é uma das que mais cresce no mundo. O psicólogo ambiental investiga como o ambiente influencia a saúde mental do indivíduo e como ele percebe o meio ambiente a sua volta. Por vezes, tal investigação se dá em relação ao ambiente no sentido 54 mais tradicional do termo na psicologia, ou seja, a família, os amigos e a sociedade. Porém, a maior parte dos estudos em psicologia ambiental se concentra no chamado ambiente modificado, ou seja, no impacto de fenômenos como o amplo desmatamento, queimadas, transformações climáticas, aquecimento global e outras alterações ambientais. (RAYMUNDO; KUHNEN, 2010). Normalmente, o psicólogo ambiental trabalha em uma equipe multidisciplinar, em que esse profissional se concentra nos efeitos psicoemocionais de tais fenômenos. Assim, quando a ciência identifica, por exemplo, um aquecimento anormal em áreas tradicionalmente mais frias, o psicólogo irá pesquisar as consequências que tal aquecimento pode estar causando nas pessoas, desde depressão e ansiedade em idosos até a modificação de comportamento entre os mais jovens. O sigilo nessa atuação se dá em grande parte nas declarações que pessoas fornecem ao psicólogo ambiental. Elas só poderão ser compartilhadas por terceiros mediante autorização escrita do dependente e, mesmo autorizado, o psicólogo ambiental deverá seguir as resoluções do Código de Ética da Profissão (RAYMUNDO; KUHNEN, 2010). Por fim, a psicologia ambiental é um dos novos campos da psicologia que mais crescem atualmente. 55 Figura 3 – A importância da psicologia ambiental para o estudo sobre saúde mental Fonte: Virinka/iStock.com. Por fim, outra nova área de atuação que merece menção éa psicologia do consumidor. Esse psicólogo investiga o consumidor em seu comportamento antes, durante e após sua interação com o mercado. Nessa área, seu trabalho tem sido muito utilizado no Brasil por grandes empresas, que encomendam pesquisas sobre o perfil psicológico de seu consumidor-alvo com objetivo de melhorar o atendimento, promover a reengenharia da empresa e potencializar as vendas. O sigilo nessa especialidade se refere a proibição de divulgar os resultados das pesquisas para empresas e pessoas não autorizadas pelo cliente e respostas dos consumidores que não interessem ao cliente e/ou que possam causar dano ao entrevistado (SOLOMON, 2008). Saúde mental 56 3.1 Normas gerais do sigilo do psicólogo no Sistema Único de saúde (SUS) A universalidade, a equidade e a integralidade são os princípios básicos do Sistema Único de saúde (SUS), internacionalmente reconhecido como um dos melhores sistemas de saúde pública do mundo (VASCONCELOS; PASCHE, 2008). Além dos cuidados da saúde física e mental da população, um dos pilares de sustentação da filosofia do SUS é a restituição de direitos de populações particularmente vulneráveis, como pacientes oriundos de longas internações psiquiátricas, que são hoje em dia proibidas por lei (SCHEFFER; SILVA, 2014). Portanto, as informações obtidas pelo psicólogo a respeito dos usuários do serviço de Psicologia possuem caráter extremamente sensível e devem ser mantidos em total confidencialidade pelo profissional, incluindo outros servidores de uma equipe multiprofissional. O sigilo do psicólogo locado em uma unidade do SUS em relação ao usuário traduz o comprometimento com uma população que teve esse mesmo direito negado e usurpado por décadas inteiras no Brasil. A restituição – ou, em muitos casos, a instituição – do direito fundamental ao sigilo clínico e da integridade psicoemocional do indivíduo, talvez, seja umas das principais características do fazer da psicologia no SUS. Outro diferencial do sigilo nessa área de atuação é a interação do psicólogo com as chamadas Redes Intersetoriais. Por sua vez, essas redes substituíram o modelo de saúde pré-SUS marcadamente fragmentado, propondo uma ação conjunta de serviços e políticas oferecidos a população no sentido de proporcionar prevenção e tratamento holísticos ao usuário. Nas Redes Intersetoriais, o sigilo psicológico tem sido amplamente discutido em pesquisas acadêmicas, uma vez que psicólogos de diferentes áreas podem dividir um mesmo prontuário. Nesse caso, o psicólogo clínico deve manter um prontuário separado, onde devem constar informações sensíveis e confidenciais. Com isso, apenas informações que possam ser compartilhadas com terceiros constarão de um prontuário multiprofissional. 57 O sigilo no âmbito do SUS também tem sido debatido no que tange uma das mais consolidadas políticas desse sistema: o princípio de transversalidade, que é o princípio da Política Nacional de Humanização (PNH), que se trata de uma política pública no SUS voltada à ativação de dispositivos que favoreçam ações de humanização no âmbito da atenção e da gestão da saúde no Brasil. Segundo esse princípio, a intervenção – inclusive psicológica – só pode acontecer em sintonia com a contribuição de outros fatores na psicologia clínica e vice-versa. O problema é quando a confidencialidade e o sigilo das sessões acaba por ser rompido em reuniões multiprofissionais ou, até mesmo, entre psicólogos de diferentes áreas de atuação. Até que ponto o psicólogo clínico deve compartilhar informações de um usuário atendido por ele? No caso de transferências e encaminhamentos para outros serviços, quais dados relativos ao usuário devem ser compartilhados sem que seu direito ao sigilo não seja desrespeitado? Essa questão tem tido diferentes respostas, todas observando o código de ética da categoria e, portanto, fruto de constante revisão e aprimoramento por parte dos psicólogos clínicos que atuam no SUS. A questão ética em relação ao sigilo de psicólogos que atuam no SUS e que trabalham em equipes que firmam as Redes Intersetoriais tem levado diversos pesquisadores a proporem uma “reinvenção” do fazer da psicologia aplicada a população por parte de órgãos governamentais, sem obviamente burlar o código de ética da profissão (NASCIMENTO; MANZINI; BOCCO, 2006). Entre as sugestões estão o acompanhamento do psicólogo clínico durante todo o processo de encaminhamento para que, juntos, psicólogo e usuário decidam quais informações podem e/ou devem ser reveladas pelo psicólogo em eventuais reuniões com a nova equipe. Com isso, enfatiza-se o caráter preventivo do SUS e, ao mesmo tempo, uma filosofia de trabalho na qual se prioriza o empoderamento do usuário por meio de iniciativas destinadas a promover transformações sociais em diferentes comunidades, sobretudo aquelas constituídas por cidadãos em situação de vulnerabilidade. 58 Apesar da inegável importância dos pontos estudados até aqui, uma das principais características da psicologia clínica aplicada ao SUS é seu engajamento político e ético com a reforma manicomial e a horizontalidade do poder entre diferentes profissionais ligados à saúde mental em hospitais psiquiátricos. 3.2 Psicologia clínica do adolescente e o sigilo profissional A instituição da adolescência tal como explica o historiador francês Phillpe Ariès em sua clássica obra A História Social da Infância e da Família (1986), a cultura ocidental passou a compreender que existia um período de transição na vida das pessoas, no qual elas não eram mais crianças, mas tampouco poderiam ser consideradas adultas. A esse período deu- se o nome de adolescência (LEPRE, 2003). Ao contrário do que muitos acreditam, a adolescência não coincide necessariamente com a idade biológica do indivíduo. Nesse contexto, comumente, confunde-se adolescência com puberdade, que, para as meninas, é o início da menstruação nas meninas e surgimento dos seios; já nos meninos, a puberdade também não deixa de ser um desafio: crescimento do pênis, surgimento de pelos pubianos e, junto com isso tudo, a insegurança de uma sexualidade ainda pouco conhecida (ARIÈS, 1986). Por outro lado, a adolescência se caracteriza por um período determinado na vida do sujeito que pode ou não coincidir com a puberdade, embora na maioria das vezes assim se passe. Ao contrário da puberdade, que se caracteriza por mudanças biológicas cronologicamente marcadas, a adolescência foi uma invenção da sociedade industrial do século XVIII. O objetivo seria eliminar a noção de que a criança era um “adulto em miniatura” e, portanto, pronto para conhecer a vida adulta em suas mais variadas formas. 59 Figura 4 – A adolescência é um período de crises e descobertas Fonte: sitotography/iStock.com. Enquanto no Brasil a adolescência, de maneira geral, compreende o período de vida entre os 12 e os 18 anos, a OMS (Organização Mundial de Saúde) a entende como entre os 12 e 19 anos de idade. Independentemente do período exato, a adolescência é um período normalmente bastante desafiador e que desperta inseguranças e medos em relação à própria sexualidade e sua identidade, o futuro, o luto de uma infância perdida e um angustiante sentimento de pertencimento que faz com que o adolescente tenha pavor de imaginar que não faça parte de um grupo que o apoie e o compreenda (OUTEIRAL, 2008). Portanto, o sigilo e a confiabilidade na clínica psicológica do adolescente é extremamente importante e que sua quebra trará danos, em muitos casos, irreparáveis ao indivíduo. Discutir o sigilo nessa clínica é tarefa complexa, não apenas devido à heterogeneidade dos adolescentes, mas por sua diversidade cultural. Cada clínica do adolescente possui 60 características muito próprias e únicas, tais como em conflito com a lei, automutilação e ideação suicida (tão comuns na adolescência!), adolescentes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, adolescentes LGBTQIA+, entre muitos outros grupos. Portanto,o importante nessa discussão é analisarmos o sigilo comum a todos os grupos de adolescentes na clínica. Tendo em vista de que o adolescente necessita criar laços sociais e, para tal, é imprescindível que ele se sinta seguro, ele provavelmente chegará à clínica trazendo apenas o silêncio. É nesse momento que o psicólogo deve se certificar de que seu paciente compreende que ali está se formando um elo de confiança mútuo, o qual não será quebrado de forma nenhuma (LEPRE, 2003). O sigilo deve ser não apenas uma prática nessa clínica, mas algo reforçado ao cliente até que ele se sinta à vontade. Isso pode levar tempo e, muitas vezes, não acontecer. Por isso, é essencial que o que se foi dito nas sessões não seja jamais transmito aos responsáveis sem que um acordo muito claro se dê antes com o adolescente. A falha em tal negociação, normalmente, resulta em fracasso no processo. Referências ARIÈS, P. História social da infância e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Brasília, DF: Presidência da República, 1940. BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2003. CFM. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.359, de 11 de novembro de 1992. (Substituída por Resolução CFM 1.665/2003). Brasília, DF: CFM, 1992. 61 CFP. Conselho Federal de Psicologia. Código de ética profissional do psicólogo. Brasília, DF: CFP, 2005. CUELLAR, K. Direitos humanos e Cidadania no Trânsito Brasileiro. Revista de Administração de Roraima–RARR, [s.l.], v. 4, n. 1, p. 103-118, 2014. Disponível em: https://revista.ufrr.br/adminrr/article/view/2127. Acesso em: 2 fev. 2022. FIGUEIREDO, L. C. Revisitando as psicologias: da epistemologia à ética das práticas e discursos psicológicos. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2015. HOFFMAN, M. H.; CRUZ, R. M. Síntese Histórica da psicologia do trânsito no Brasil. In: HOFFMANN, M. H.; CRUS, R. M.; ALCHIERI, J. C. (org.). Comportamento humano no trânsito. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. p. 17-29. LEPRE, R. M. Adolescência e construção da identidade. Psicopedagogia Online, [s.l.], v. 1, p. 1-9, 2003. NASCIMENTO, M. L.; MANZINI, J. M.; BOCCO, F. Reinventando as práticas Psi. Psicologia & Sociedade, [s.l.], v. 18, n. 1, p. 15-20, 2006. Disponível em: http:// dx.doi.org/10.1590/S0102-71822006000100003. Acesso em: 2 fev. 2022. OUTEIRAL, J. Adolescer. 3. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2008. RAYMUNDO, L. S.; KUHNEN, A. A psicologia e a educação ambiental. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 44, n. 2, p. 435-450, abr. 2010. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/2178- 4582.2010v44n2p435. Acesso em: 2 fev. 2022. SCHEFFER, G.; SILVA, L. G. Saúde mental, intersetorialidade e questão social: um estudo na ótica dos sujeitos. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, p. 366-393, 2014. 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Introdução 2. Conhecer o Código de Ética de Psicologia e a Legislação Sobre Sigilo Profissional 3. Novas áreas de atuação da psicologia no Brasil e o sigilo profissional Referênciasredação de sua primeira versão. 2.3 O Terceiro Código de Ética da Psicologia no Brasil: 1987 Se o segundo código de ética já sofria influência de setores progressistas da sociedade em plena ditadura militar, essa influência se consolidou na terceira edição do código, criado durante o período de abertura política e de costumes nos anos de 1980, publicado em 1987. O diálogo com a sociologia e a antropologia se mostra muito presente, influenciando a psicologia a jogar luz a abordagens mais humanistas e se afastando do conceito de moral mais conservador em sua primeira edição. O resultado foi a construção de uma profissão em que o ethos e a cultura são compreendidos como elementos fundamentais na constituição do sujeito, tanto do psicólogo quanto de seu paciente ou cliente, qualquer que seja o campo de atuação. O psicólogo passa a ter sua função social como essencial em sua conduta ética. Segundo Bernardes (2012), antes de ter papel punitivo, a terceira edição privilegia o caráter didático em seu texto, fazendo um convite à reflexão do papel do psicólogo em sua comunidade, entre seus pares e no mundo. A ideia de um código de ética que convida a uma reflexão do próprio fazer da profissão gerou uma maior polarização na categoria. Enquanto alguns profissionais acreditavam que havia avanços no aspecto social, outros o criticavam por acreditar que um código de ética deveria ser 10 sobretudo um guia prático do bom fazer da psicologia com uma redação mais objetiva, ou seja, mais próximo de suas versões anteriores e menos corporativista (SANTOS, 2001). A fim de apaziguar e reduzir tal polarização foi promovido um encontro em 1989, em que foi redigido um documento com sugestões de diferentes correntes políticas. Tal documento resultou, posteriormente, em um dos marcos da psicologia brasileira, o I Congresso Nacional de Psicologia em 1994. O evento se tornou em uma reunião a cada três anos, na qual várias questões são discutidas e chapas para as eleições regionais são oficialmente lançadas. 2.4 O quarto Código de Ética da Psicologia no Brasil: 2005 Com a chegada de um novo século, o avanço dos direitos individuais e de minorias, com a Constituição Federal de 1988 e a esquerda no poder executivo central, sentiu-se a necessidade de se promover uma reavaliação e atualização do Código de Ética de 1987, ainda em vigor. Assim, o Conselho Federal de Psicologia e os vários conselhos regionais de reuniam em um grande fórum nacional, em 2003, para esse fim, resultando em modificações profundas no código de ética da categoria. Entre as mudanças mais marcantes e que continuam em vigor está a grande ênfase na questão de Direitos Humanos no que tange ao combate à discriminação e aos preconceitos racial, social e cultural, a proibição do tratamento psicológico da orientação sexual em consultórios, clínicas, hospitais e afins, a chamada “terapia de conversão”, por meio da Resolução nº 01/99 do CFP (SANTOS, 2001). Da mesma forma, ficou vedada aos psicólogos a pesquisa experimental com seres humanos (uma reivindicação antiga por vários segmentos políticos na psicologia) e autorizado o atendimento clínico remoto, via internet. O novo código de ética se mostra mais enxuto, com menos artigos e tem sido criticado por ser muito generalista, deixando de lado questões relativas às especificidades das diversas áreas da Psicologia. O novo código de ética e as resoluções têm como função dar o tom cotidiano 11 da Psicologia. Contudo, fica claro em sua própria redação que o novo código se propõe a incentivar a observação da ética na prática diária do profissional por meio da reflexão de um fazer em Psicologia amplo e abrangente, capaz de contemplar as diversas modalidades e atribuições da psicologia sem se deter em detalhes dessa ou daquela área de atuação (BERNARDES, 2012). 3. Os conselhos de Psicologia e a formação profissional O Conselho Federal de Psicologia juntamente com os conselhos regionais de psicologia (CRP) formam o que se denomina “Sistema Conselhos”. Os CRPs são órgãos consultivos no que se refere ao registro e à regularização de psicólogos, além de ser o fórum mais adequado para que o profissional debata as práticas de sua profissão dentro de sua realidade regional, assim como permite que ele seja representado e protegido em seus direitos legais e éticos. Da mesma forma, o CRP é responsável pelo aperfeiçoamento e fiscalização do fazer em Psicologia e por decisões relativas às possíveis faltas éticas, cumprindo importante papel social. Assim, uma vez que o fazer social é antes de mais nada político, uma das funções do CRP é exatamente a de ser um fórum de discussões políticas a cerca não apenas da profissão de psicólogo, mas também servir como um lugar seguro e despido de preconceito para a promoção de reflexões sobre questões macropolíticas de nosso país. Outra função dos CRP é a de regulamentação e fiscalização. Porém, antes de regulamentar e fiscalizar, tem-se discutido sobre a função de organização do CRP. Ele deve ser capaz de organizar a forma e as diretrizes por meio das quais o psicólogo exerce seu trabalho, dentro de uma legislação vigente e respeitando as normas éticas do conselho de classe, promovendo igualmente a ampla divulgação do papel do 12 psicólogo nas mais diversas áreas de atuação não só entre seus pares, mas também na sociedade. Além das atribuições de regulamentação, fiscalização, organização e política, o CRP tem papel fundamental no aprimoramento e na formação do psicólogo tanto no âmbito da ciência como no exercício da profissão. Por ser uma profissão na qual o saber acadêmico deve ser essencialmente dinâmico e transformador, é importante que os cursos de formação, sobretudo em nível de graduação, estejam em sintonia com as mudanças e as atualizações do Sistema Conselhos e da sociedade em geral. Atualmente, o Brasil conta com 24 conselhos regionais CRP (Figura 2), sendo o CRP 1 responsável por Brasília e o CRP 24 por Rondônia e Acre, os demais conselhos são: CRP 2 (Pernambuco), CRP 3 (Bahia), CRP 4 (Minas Gerais), CRP 5 (Rio de Janeiro), CRP 6 (São Paulo), CRP 7 (Rio Grande do Sul), CRP 8 (Paraná), CRP 9 (Goiás), CRP 10 (Pará e Amapá), CRP 11 (Ceará), CRP 12 (Santa Catarina), CRP 13 (Paraíba), CRP 14 (Mato Grosso do Sul), CRP 15 (Alagoas), CRP 16 (Espírito Santo), CRP 17 (Rio Grande do Norte), CRP 18 (Mato Grosso), CRP 19 (Sergipe), CRP 20 (Amazonas e Roraima), CRP 21 (Piauí), CRP 22 (Maranhão) e CRP 23 (Tocantins). 13 Figura 2 – Sistema de Conselhos Regionais de Psicologia Fonte: elaborada pelo autor. A formação em Psicologia no Brasil se divide basicamente em três momentos em sua história: o período inicial, assim definido pelo renomado educador e professor de psicologia Lourenço Filho (MONARCHA, 1999), o currículo mínimo, que vai dos anos 1960 até o fim do século passado e finalmente o período de Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), implementado no início deste século até os dias de hoje (LHULLIER, 2013). De forma resumida, no Brasil, o período inicial da formação de psicólogo se deu antes de sua regulamentação ou organização curricular. Assim, antes de 1946, não existia qualquer fiscalização ou diretrizes para a emissão de diplomas e certificados na área. Por essa razão, alguns autores consideram o início da história da formação de psicólogo no Brasil somente a partir de 1962, ou seja, quando da regulamentação da profissão, quando se implementou um currículo mínimo obrigatório nos cursos de graduação. Segundo Santos (2001), umas das principais medidas tomadas a partir dessa data foi a 14 obrigatoriedade do curso de bacharel em Psicologia de quatro anos e de Psicólogo de cinco anos, em que o primeiro não permitia o exercício da Psicologia, permitindo apenas pesquisas e atividades acadêmicas, exigência que permanece válida até hoje. Com o avanço da pesquisa e a complexidade da era da informação, as áreas de atuação da Psicologia se multiplicaram rapidamente,exigindo que a academia se adaptasse à essas mudanças, assim, a formação do profissional foi reformulada por meio do programa de diretrizes curriculares. Nesse contexto, uma das principais demandas foi que o novo currículo atendesse às diversas áreas de atuação do psicólogo, que se fragmentava cada vez mais. Para resolver tal impasse, a nova diretriz curricular implementa uma formação mais generalista e técnica, na qual se contempla o fazer da Psicologia como um todo para que, posteriormente, o aluno graduado pudesse buscar a especialização com a qual se identificasse mais. Uma das críticas mais comuns a esse modelo é que, apesar de generalista, diversos cursos de graduação ainda mantêm seu foco central na área clínica, fazendo com que outros campos de atuação sejam menos abordados ou, até mesmo, completamente ignorados. Outra crítica comum é a falta de atenção às disciplinas de base importantes para a Psicologia, como: Biologia, Sociologia e Antropologia. 3.1 A formação de psicólogo no Brasil A primeira pesquisa com rigor metodológico que se propôs a investigar as principais áreas de atuação de psicólogos brasileiros só ocorreu em 2004, promovida pelo CPF, algo que denuncia um claro sintoma do distanciamento entre a academia e o mercado de trabalho no país. Ao interpretar esses resultados, alguns analistas acreditam que a maior concentração na clínica seja em função do foco central de muitos cursos de graduação se concentrarem nessa área, enquanto outros acreditam 15 que, além disso, a pouca divulgação de novos campos da Psicologia contribui esse índice. De maneira geral, os objetivos do currículo obrigatório de formação de psicólogo dentro do programa de diretrizes curriculares almejam sobretudo: a) proporcional uma formação generalista plural e sobretudo multidisciplinar; b) colaborar no sentido de criar parcerias acadêmico-profissionais entre docentes e discentes, mantendo o fazer acadêmico o mais próximo possível da realidade do mercado de trabalho em Psicologia; c) aproximação de teoria e prática, com o objetivo de construir sólidas habilidades do futuro profissional em Psicologia; d) fazer com que questões éticas estejam sempre no centro das discussões, assim como incentivar a produção científica dentro dos limites éticos necessários. Em resumo, segundo Santos (2001), o currículo de formação busca trazer a prática para a sala de aula, a fim de qualificar os estudantes nas diversas competências da profissão. Além de promover o diálogo entre a academia e o mercado de trabalho, a diretriz curricular de 2002 enfatiza a importância do estágio supervisionado, sobretudo ao longo do último ano de formação. A diferença entre os estágios finais supervisionados e o diálogo com o mercado de trabalho ao longo do curso é que os estágios estão sujeitos à regulação e à fiscalização do Ministério da Educação e, no caso de estágios na área da saúde, ao Ministério da Saúde. Além disso, todos os programas de estágios finais supervisionados estão igualmente sujeitos à fiscalização do Sistema de Conselhos de Psicologia. Da mesma forma, o CFP publicou em 2013 o documento denominado Carta de Serviços sobre Estágios e Serviços-Escola. Nesse documento constam todos os pontos obrigatórios a serem observados pela instituição de ensino (IES) responsável pelo estágio: a) qualificação e funções do supervisor de estágio; b) modalidades de estágios autorizados pelo CFP; c) condições mínimas para a aprovação de terminado estágio; d) regras para a criação de parcerias escola-empresa, entre outros pontos; e esse mesmo documento estabelece os estágios devem perfazer 15% da carga horária 16 final do aluno ao final do curso e não ultrapassar 20% dela (YAMAMOTO; GOUVEIA, 2013). A formação em Psicologia deve também proporcionar ao aluno a possibilidade de participar de programas de pesquisa, incentivando a produção científica de qualidade e pavimentando o caminho para os que desejarem seguir na carreira acadêmica e ser, portanto, o pilar inicial para a formação de futuros mestres e doutores em Psicologia (FIGUEIREDO, 2015). Igualmente importante para a formação do psicólogo são as atividades de extensão universitária, em que sua relevância se dá sobretudo na possibilidade de proporcionar ao aluno a oportunidade de se aprimorar em sua área de interesse sem a necessidade de seguir a carreira acadêmica, por meio de programas de Mestrado e Doutorado. Assim, o psicólogo fará uma produção mais voltada diretamente ao trabalho para a comunidade não acadêmica, permitindo uma formação mais próxima da realidade de seu futuro público-alvo. Mais recentemente temos visto a proliferação de especializações em psicólogo no sistema chamado EaD, ou ensino à distância, embora sua regulamentação já date desde 2004, por meio da Portaria nº 4.059, do Ministério da Educação. Por outro lado, é inegável que testemunhamos verdadeira mudança de paradigma com a democratização do acesso à informação oferecida tanto pela rede mundial de computadores quanto com o aumento de oferta de cursos de especialização de Psicologia nas mais diversas áreas disponíveis no sistema EaD, uma vez que alunos vivendo em áreas desprovidas de universidades ou cursos presenciais passaram a ter as mesmas oportunidades de um aluno de um grande centro. Além disso, os encargos financeiros normalmente são menores do que uma formação presencial. 17 A questão ética na Psicologia–sobretudo a partir do quarto Código de Ética da Psicologia em vigor desde 2005–tem enfatizado o diálogo com diversos atores a respeito de questões sociais brasileiras contemporâneas e seu diálogo com pesquisadores e profissionais da área de Psicologia (FARE, 2019). Uma das consequências desse diálogo tem sido o incremento de pesquisas voltadas para comunidades menos favorecidas e/ou de minorias, provocando uma maior reflexão a respeito da ética nesses contextos, algo novo na Psicologia brasileira (Figura 3). Mesmo nos campos mais tradicionais da Psicologia, como na clínica ou na psicologia organizacional, a influência desse novo cenário tem sido sentida por meio da transformação das relações interpessoais, tais como a obrigação ética (e até mesmo legal) de contratação de funcionários oriundos de grupos historicamente oprimidos no Brasil, como é caso da comunidade LGBTQIA+. Dessa forma, as fronteiras que separam as diferentes áreas de atuação do psicólogo se tornam cada vez mais tênues e, consequentemente, suas premissas éticas se influenciando mutualmente e incorporando questões éticas de outros campos do saber, como a medicina social e coletiva ou a sociologia (YAMAMOTO; GOUVEIA, 2013). Figura 3 – A ética e a formação do psicólogo Fonte: Devonyu/iStock.com. 18 A recente intercessão entre campos mais progressivos na Psicologia (psicologia comunitária, atendimento psicossocial na rede SUS, vertentes contemporâneas clínicas com viés feminista, entre outras) têm forçado as áreas mais tradicionais da profissão a se desterritorializar, isto é, sair de um lugar já conhecido para incorporar novos desafios profissionais e, consequentemente, éticos. Entre os exemplos mais significativos dessa transformação temos a iniciativa de muitos núcleos de psicologia universitários, com o objetivo de introduzir o atendimento psicanalítico na psicologia comunitária em comunidades em situação de vulnerabilidade e de baixa renda. Assim, é comum que em estágios supervisionados em programas de graduação ofereçam atendimento clínico freudiano e lacaniano em postos de saúde comunitários, contrastando com uma clínica em psicanálise que até o século passado era tradicionalmente circunscrita aos consultórios nos Jardins em São Paulo ou na Zona Sul no Rio de Janeiro, em sua ampla maioria. Atualmente, a Ética em Psicologia no Brasil busca, portanto, o equilíbrio entre o sujeito e o coletivo, entre o profissional de psicologia solitário em um consultório e sua conexão com um fazer socialmente engajado, permitindoque os diferentes campos de atuação da profissão se obriguem a dialogar e a aprender mutualmente com suas práticas e pressupostos éticos e políticos (YAMAMOTO; GOUVEIA, 2013). Referências BERNARDES, J. A formação em Psicologia após 50 anos do Primeiro Currículo Nacional da Psicologia: alguns desafios atuais. Psicologia: Ciência e Profissão, [s.l.], n. 32, 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pcp/a/ SqN9fHxq3KnkxGYh5CZm5mt/abstract/?lang=pt. Acesso em: 31 jan. 2022. BRASIL. Lei nº 5.766, de 20 de dezembro de 1971. Cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1971. BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 4.059, de 10 de dezembro de 2004. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2004. https://www.scielo.br/j/pcp/a/SqN9fHxq3KnkxGYh5CZm5mt/abstract/?lang=pt https://www.scielo.br/j/pcp/a/SqN9fHxq3KnkxGYh5CZm5mt/abstract/?lang=pt 19 CFP. Conselho Federal de Psicologia. Carta de serviços sobre estágios e serviços- escola. Brasília, DF: CFP, 2013. CFP. Conselho Federal de Psicologia. Resolução CFP nº 001/99, de 22 de março de 1999. Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual. Brasília, DF: CFP, 1999. CNP. Congresso Nacional da Psicologia. Caderno de Deliberações do 9º Congresso Nacional de Psicologia (CNP). Brasília, DF: CFP, 2016. FARE, M. Ética no processo de formação de pesquisadores. In: ANPEd. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Ética e pesquisa em educação. Rio de Janeiro: ANPEd, 2019. p. 119-23. FIGUEIREDO, L. C. Revisitando as psicologias: da epistemologia à ética das práticas e discursos psicológicos. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2015. LHULLIER, L. A. (org.) Quem é a Psicóloga brasileira? Mulher, Psicologia e Trabalho. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2013. MONARCHA, C. Lourenço Filho e a organização da psicologia aplicada à educação (São Paulo 1922-1936). Brasília, DF: INEP/MEC, 1999. SANTOS, A. A. L. dos. A clínica no século XXI e suas implicações éticas. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 21, n. 4, p. 88-97, dez. 2001. Disponível em: https:// www.scielo.br/j/pcp/a/sDyzhNWSRm3Khttm7LSjXFt/?lang=pt. Acesso em: 31 jan. 2021. YAMAMOTO, O.; GOUVEIA, V. V. (orgs.). Construindo a Psicologia brasileira: desafios da Ciência e prática psicológica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2013. https://www.scielo.br/j/pcp/a/sDyzhNWSRm3Khttm7LSjXFt/?lang=pt https://www.scielo.br/j/pcp/a/sDyzhNWSRm3Khttm7LSjXFt/?lang=pt 20 Normas para a atuação em psicologia clínica Autoria: Alberto Carneiro Barbosa de Souza Leitura crítica: Juliana dos Santos Corbett Objetivos • O exercício da psicologia clínica: normas e ética. • Normas para a supervisão de estágio em psicologia clínica no Brasil. • Normas para a avaliação psicológica na psicologia clínica. 21 1. Introdução Atualmente, no Brasil, segundo a legislação vigente, a graduação em Psicologia permite que o recém-formado exerça funções clínicas. Na prática, contudo, se observa a exigência de cursos de especialização, mestrado latu sensu e, por vezes, até doutorado na érea na qual ele deseja atuar como requisitos básicos para contratação de psicólogo clínico. Em outros países, tais como o Canadá e os Estados Unidos, o exercício da clínica pelo psicólogo só é possível após o término de um doutorado em psicologia, ou seja, cada vez o mercado está elevando seus critérios mínimos e exigências fora do Brasil. 1.1 O exercício da psicologia clínica: normas e ética Com o avanço da tecnologia, as possibilidades de atuação clínica têm se multiplicado rapidamente, acompanhadas por obrigações éticas do profissional. Um dos campos em que se tem constatado maiores expansões é o da clínica a distância, também conhecida como clínica on-line (SANTOS, 2021). Essa modalidade de tratamento se dá total ou parcialmente pela internet, seja de forma assíncrona (via e-mail, mensagens por WhatsApp ou por outra plataforma eletrônica) ou de forma síncrona (via Skype, Zoom, WhatsApp em tempo real, por meio de áudio e/ou vídeo e, menos frequentemente, via telefone). Todavia, não é suficiente que o psicólogo possua apenas graduação, tenha seu registro no CRP e domine o uso dessas ferramentas. A clínica on-line abriu novas perspectivas em psicologia no século XXI, resultando na chegada de demandas antes menos frequentes no atendimento psicológico presencial no país. Exemplos de tais demandas são os campos de direitos humanos, certas complexidades na psicopatologia, como síndrome do pânico associada à outras comorbidades, emergências de abuso sexual/psicológico/físico ou atendimento psicológico em português com pacientes residindo em outros países, 22 trazendo questões desde adaptação cultural até situações de alta vulnerabilidade sexual e/ou física. Portanto, é condição sine qua non que o psicólogo esteja preparado e atualizado em sua formação, a fim de que seja capaz de prestar atendimento a distância. No entanto, as obrigações éticas em relação a essa forma de atendimento podem ser bastante específicas e, como muitas delas já estão homologadas pelo CFP, o não cumprimento pode levar a punições, desde uma simples advertência até a cassação do registro profissional. Figura 1 – Normas da OMS contra a covid-19 seguidas por psicólogos no Brasil Fonte: elaborada pelo autor. 23 O atendimento psicológico presencial clínico se mantém como a forma mais comum de tratamento em Psicologia, possuindo normas éticas obrigatórias a serem seguidas, começando pela divulgação desse serviço. No Brasil, de acordo com o §20 do Código de Ética do Profissional do Psicólogo, a divulgação de atendimento psicológico é permitida, mas deve seguir normas rígidas, a saber: o psicólogo pode divulgar seus títulos e formação completa, mas deve obrigatoriamente informar seu nome, seu número de registro (CRP) e somente deve oferecer modalidades clínicas autorizadas pelo CFP. No caso de o profissional preferir criar um nome para sua clínica, ele deve também possuir registro no CRP como pessoa jurídica, não isentando o profissional, todavia, de informar seu próprio número de registro. Entre as proibições estão o valor cobrado, exercer/divulgar tratamentos de outras categorias e usar os resultados de tratamentos como estratégia de marketing. Em relação ao local de atendimento, ele deve ser em local no qual seja proporcionada a privacidade adequada, móveis que forneçam o conforto necessário para o paciente e garanta o sigilo da sessão, atendendo às exigências previstas no §1 do Código de Ética. Além das modalidades citadas anteriormente, no atendimento remoto ou não- presencial via internet, deve-se observar as normas contidas no Anexo 1 da Resolução nº 11/2018 do CFP que, além de reconhecer e autorizar o atendimento remoto, a resolução importa todas as obrigações previstas no atendimento presencial. Ainda, vale lembrar que, para realizar atendimento remoto, o profissional deve se cadastrar na plataforma e-Psi. Por fim, temos ainda o atendimento domiciliar, acontecendo apenas no caso de o paciente expressar claramente essa necessidade/ demanda, além de o psicólogo se certificar de que o sigilo e a segurança de ambas as partes estarão asseguradas (FIGUEIREDO, 2015). 24 1.2 Normas para a supervisão de estágio em psicologia clínica no Brasil A pandemia da covid-19 atingiu todo o planeta, tendo seu início no Brasil em 2020, obrigando a psicologia clínica a repensar vários de seus paradigmas em relação aos protocolos de atendimento presencial pré- pandemia. Entre as principais consequências desse processo temos a transformação da percepção na sociedade a respeito da modalidade do atendimento clínico on-line, refletido inclusive no Sistema Conselhos de Psicologia. Antes da pandemia – apesar do avanço do atendimento on-line e sua regulamentação em 2018 – uma relativa resistência a essa modalidade de atendimento ainda estava presente no Brasil por muitospsicólogos. Entre algumas das resoluções do CFP, ABEP e MEC a respeito estágios em Psicologia durante a pandemia de covid-19, destaca-se a proibição de estágios e práticas em laboratórios de forma remota. Com o advento da covid-19 e a confirmação oficial de calamidade pública pelo governo federal no ano de 2020, o atendimento on-line se impõe bruscamente como a única forma de atendimento clínico possível durante a pandemia, a fim que se cumprissem as medidas obrigatórias de isolamento social e de quarentena, ocasionando o aumento exponencial de atendimentos nessa modalidade, além da migração de todos os atendimentos presenciais para o remoto. Os efeitos imediatos na Psicologia se fizeram sentir rapidamente, a começar pela Resolução nº 03/2020 do CFP, determinando a prorrogação do vencimento das anuidades dos profissionais no ano de 2020, seguindo as medidas adotadas pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2020) e o cadastro na plataforma e-Psi sem a necessidade do deferimento para o início dos atendimentos. Por fim, o CFP passava a promover colóquios e seminários on-line gratuitos para orientar psicólogos no atendimento clínico on-line em situações de catástrofes, desastres e emergências sanitárias, assim como palestras e cursos a 25 respeito de medidas biopsicossociais referentes aos atendimentos em psicologia clínica. Figura 2 – Normas da OMS contra a covid-19 seguidas por psicólogos no Brasil Fonte: Space_Cat/iStock.com. No entanto, ao autorizar a retomada lenta e gradual de atendimentos presenciais, o CFP publicou normas obrigatórias que deveriam ser seguidas de acordo com os protocolos da OMS (Organização Mundial de Saúde) por todo profissional: referências com o protocolo ou resolução utilizada proporcionar ampla ventilação no consultório; disponibilidade de álcool em gel 70% para o paciente e para o próprio psicólogo a todo o tempo; requisitar que o paciente lave as mãos ao ingressar no consultório e interromper o atendimento presencial imediatamente ao aparecimento de sintomas para a covid-19 pelo psicólogo e/ou pelo paciente, o qual poderá ter sua continuidade de forma on-line. 26 Se antes de 2020 as normas de atendimento psicológico para o atendimento de pacientes advindos de tratamento em UTI por longo tempo não recebiam atenção fora da psicologia hospitalar (ISMAEL, 2005), após a pandemia passavam a se tornar conhecidas por várias outras linhas clínicas. Isso se deu em razão da divulgação de cursos e seminários sobre o processo de desmame de ventilação mecânica durante a pandemia, tratamento usado para pacientes graves da covid-19, entre outros quadros clínicos (CFP, 2020a). A importância pós-pandemia da divulgação dessa conduta clínica e suas normas se justifica por serem procedimentos padrões em psicologia clínica para pacientes internados em UTI, indo além da covid-19 (MARTINS; SILVA; NÊVEDA, 2020). No caso específico da pandemia do covid-19, o desmame se dá de forma gradual e o psicólogo que acompanha o procedimento devia cumprir rigorosamente as normas bioéticas e de sigilo profissional já existentes anteriormente, o que foi de grande valia após a pandemia, sobretudo em relação a pouca atenção dada à psicologia hospitalar nos programas de graduação no Brasil (TOREZAN et al., 2013). O atendimento desses pacientes exige condutas muito específicas, como a análise de possível distanciamento emocional e afetivo do paciente em relação à família e/ou vice-versa. Normalmente, esse distanciamento é um mecanismo de defesa do paciente que, ao enfrentamento da possibilidade de morte, busca o isolamento para amenizar o sofrimento de entes queridos. Outras especificidades são a cuidadosa observação da relação dos profissionais de saúde com o paciente, tratar possível estigmatização pós-desmame. Ao proporcionar a divulgação dessa expertise, a psicologia clínica hospitalar passa a ser muito mais valorizada e conhecida na sociedade até hoje. O estágio em psicologia clínica durante o curso de graduação ou durante a formação de especialização objetiva primordialmente desenvolver (no caso da graduação ou aprimorar (em especializações) as habilidades e 27 as práticas clínicas do aluno. Tendo objetivos pedagógicos por natureza, esta supervisão tem por objetivo facilitar e articular o diálogo entre a prática clínica e a teoria relativa à abordagem escolhida para o estágio. A norma primeira de estágio em psicologia obriga que o estagiário tenha conhecimento e assine o Termo de Compromisso de Estágio (TCE) e duas vias, ficando uma delas na instituição e à disposição do CRP para fins de fiscalização. A carga horaria dependerá do programa de estágio (graduação ou especialização) e da área clínica, mas o estagiário sempre deverá preencher um relatório de suas atividades, normalmente, semanal, embora essa periodicidade seja de escolha da instituição e do supervisor, e o não preenchimento recorrente pode levar à reprovação do aluno (SANTOS; NÓBREGA, 2017). Além disso, as normas de supervisão clínica visam garantir que o atendimento de pacientes por estagiários não ultrapassem suas qualificações. Portanto, caso o supervisor e/ou o responsável técnico pela clínica escola identifique casos clínicos que exijam profissionais com maior experiência e conhecimento teórico, ele deve por obrigação ética e legal a ele a possibilidade de continuar seu tratamento com profissional indicado pelo responsável técnico, a preço compatível com suas disponibilidades financeiras. 28 Figura 3 – A supervisão de estágio em psicologia é parte fundamental da formação em psicologia clínica Fonte: SDI Productions/iStock.com. Em relação às normas que regem as obrigações do estagiário, ele deverá desmarcar a sessão agendada com antecedência e, por meio de seu supervisor, ao obter autorização, comunicar o paciente. Da mesma forma, é necessário manter o sigilo profissional e discutir seus casos clínicos apenas nas sessões de supervisão, sob pena do estagiário ser desligado do programa. As entrevistas de acolhimento podem ser feitas pelo próprio estagiário, dependendo de sua qualificação ou pelo supervisor, o que acontece sobretudo nos estágios de graduação, embora nesses casos e à critério da supervisão, o próprio estagiário poderá conduzi-las. Independentemente da natureza do estágio clínico–seja curricular ou não obrigatório-, todas as normas éticas devem ser cumpridas e 29 seu desconhecimento não é justificativa para seu descumprimento. A responsabilidade em relação à má conduta clínica poderá recair sobre a supervisão ou, dependendo do ocorrido, sobre o estagiário. De qualquer forma, em casos de queixas formais por parte do paciente, ambos devem ser ouvidos pela coordenação do serviço de psicologia do curso. Portanto, é fundamental que tanto o supervisor quanto o estagiário conheçam o Código de Ética da Psicologia, assim como as resoluções do CRP de sua região e as normas da ABEP. 1.3 Normas para a avaliação psicológica na psicologia clínica A avaliação psicológica é prática vedada a qualquer profissional no Brasil que não possua registro no CRP de sua região, tendo como objetivo central conhecer melhor a demanda do paciente e sugerir a melhor conduta terapêutica ou encaminhá-lo a um profissional que possa melhor atender a demanda apresentada. De acordo com Resolução nº 9 do CFP, a avaliação psicológica é, portanto, “a investigação de fenômenos psicológicos, composto de métodos, técnicas e instrumentos, com o objetivo de prover informações à tomada de decisão, no âmbito individual, grupal ou institucional.” Uma vez que a avaliação psicológica é de iniciativa do psicólogo, ele deve seguir a norma vigente na qual o instrui a explicar a razão da realização, como será feita e o nome do(s) teste(s) psicológico(s), se houver, assim como deve estar claro ao paciente que ele poderá interromper a avaliação e/ou o teste psicológico a qualquer momento. Se o profissional decidir aplicar um teste psicológico durantesua avaliação, ele deve obrigatoriamente estar listado no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI), que se constitui nos testes avaliados e aprovados pelo CFP. É terminantemente vedada ao psicólogo a aplicação de qualquer instrumento que não conste no SATEPSI que foi aprovado pela Resolução nº 9/2018, do Conselho Federal de Psicologia. 30 Figura 4 – Utilização de testes psicológicos Fonte: elaborada pelo autor. 31 A avaliação psicológica é usada em diversos contextos não-clínicos no país, em que um dos mais conhecidos é o chamado Teste Psicotécnico, utilizado pela psicologia do trânsito para avaliar candidatos à carteira de motorista. A norma central dessa avaliação informa o psicólogo que ele não avaliará se o candidato irá causar acidentes, mas sim se ele possui predisposição de se expor a situações de risco (CFP, 2019). A avaliação psicológica do trânsito foi definida pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) em sua Resolução nº 090/98. Segundo essa resolução, o psicólogo deverá ser capaz de avaliar o candidato em relação a suas habilidades preceptoras-reacionais, motoras e mentais, além de seu equilíbrio psicoemocional e habilidades específicas à atividade de condução de veículos motorizados (HOFFMANN; CRUZ, 2003). Referências BRASIL. Portaria nº 639, de 31 de março de 2020. Dispõe sobre a ação estratégica “o Brasil conta comigo–profissionais da saúde”, voltada à capacitação e ao cadastramento de profissionais da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2020. CFP. Conselho Federal de Psicologia. Coronavírus–Informações ao Psicólogo. Brasília, DF: CFP, 2020a. CFP. Conselho Federal de Psicologia. Código de ética profissional do psicólogo. Brasília, DF: CFP, 2005. CFP. Conselho Federal de Psicologia. Nota orientativa às(aos) psicólogas(os): trabalho voluntário e publicidade em psicologia, diante do coronavírus (COVID-19). Brasília, DF: CFP, 2020b. CFP. Conselho Federal de Psicologia. Resolução nº 1, de 7 de fevereiro de 2019. Institui normas e procedimentos para a perícia psicológica no contexto do trânsito e revoga as Resoluções CFP nº 007/2009 e 009/2011. Brasília, DF: CFP, 2019. CFP. Conselho Federal de Psicologia. Resolução nº 3, de 23 de março de 2020. Dispõe sobre a prorrogação do vencimento da anuidade do exercício 2020. Brasília, DF: CFP, 2020c. CFP. Conselho Federal de Psicologia. Resolução nº 9, de 25 de abril de 2018. Estabelece diretrizes para a realização de Avaliação Psicológica no exercício profissional da psicóloga e do psicólogo, regulamenta o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos–SATEPSI e revoga as Resoluções n° 32 002/2003, nº 006/2004 e n° 005/2012 e Notas Técnicas n° 01/2017 e 02/2017. Brasília, DF: CFP, 2018a. CFP. Conselho Federal de Psicologia. Resolução nº 11, de 11 de maio de 2018. Regulamenta a prestação de serviços psicológicos realizados por meios de tecnologias da informação e da comunicação e revoga a Resolução CFP N.º 11/2012. Brasília, DF: CFP, 2018b. FIGUEIREDO, L. C. Revisitando as psicologias: da epistemologia à ética das práticas e discursos psicológicos. 8. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. HOFFMAN, M. H.; CRUZ, R. M. Síntese Histórica da Psicologia do Trânsito no Brasil. In: HOFFMANN, M. H.; CRUZ, R. M.; ALCHIERI, J. C. (org.). Comportamento humano no trânsito. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. p. 17-29. ISMAEL, S. M. C. A inserção do psicólogo no contexto hospitalar. In: ISMAEL, S. M. C. (org.). A prática psicológica e sua interface com as doenças. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. p. 17-36. MARTINS, A.; SILVA, A.; NÊVEDA, R. Ajustamento psicológico de doentes com insuficiência respiratória crónica em ventilação mecânica domiciliária. Revista Portuguesa de Psicossomática, [s.l.], v. 7, n. 1-2, p. 125-137, 2005. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/287/28770210.pdf. Acesso em: 1 fev. 2022. SANTOS, A. A. L. dos. A clínica no século XXI e suas implicações éticas. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 21, n. 4, p. 88-97, dez. 2001. Disponível em: https:// www.scielo.br/j/pcp/a/sDyzhNWSRm3Khttm7LSjXFt/?lang=pt. Acesso em: 1 fev. 2022. SANTOS, A. C.; NÓBREGA, D. O. Dores e delícias em ser estagiária: o estágio na formação em psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 37, n. 2, p. 515-528, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pcp/ a/6cGHYvPWPpvfdKCWmGNpVSm/abstract/?lang=pt. Acesso em: 1 fev. 2022. TOREZAN, Z. F. et al. A graduação em psicologia prepara para o trabalho no hospital? Psicologia: ciência e profissão, Brasília, v. 33, n. 1, p. 132-145, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pcp/a/nJQ5FsRvCxfXYqgdYKM7YxK/ abstract/?lang=pt. Acesso em: 1 fev. 2022. https://www.redalyc.org/pdf/287/28770210.pdf https://www.scielo.br/j/pcp/a/sDyzhNWSRm3Khttm7LSjXFt/?lang=pt https://www.scielo.br/j/pcp/a/sDyzhNWSRm3Khttm7LSjXFt/?lang=pt https://www.scielo.br/j/pcp/a/6cGHYvPWPpvfdKCWmGNpVSm/abstract/?lang=pt https://www.scielo.br/j/pcp/a/6cGHYvPWPpvfdKCWmGNpVSm/abstract/?lang=pt https://www.scielo.br/j/pcp/a/nJQ5FsRvCxfXYqgdYKM7YxK/abstract/?lang=pt https://www.scielo.br/j/pcp/a/nJQ5FsRvCxfXYqgdYKM7YxK/abstract/?lang=pt 33 Registros profissionais e a guarda de documentos Autoria: Alberto Carneiro Barbosa de Souza Leitura crítica: Juliana dos Santos Corbett Objetivos • Conhecer o que são documentos psicológicos. • Estudar a guarda de documentos psicológicos digitalizados. • Investigar a guarda de documentos psicológicos não- digitalizados e documentos psicológicos em equipes multiprofissionais. • Compreender como se dão os registros profissionais. 34 1. Introdução No Brasil, o registro profissional em Psicologia é mais do que um direito do psicólogo, trata-se de uma obrigação. Sem ele, o profissional estará impedido de exercer as funções para as quais foi habilitado, mesmo tendo concluído graduação em Psicologia. Além disso, ao se mudar de estado ou de região, o psicólogo necessita transferir seu registro para a localidade onde irá trabalhar. Na prática, se o profissional iniciar suas funções sem a devida transferência cometerá falta grave e será punido pelo Sistema Conselhos. A exceção se dá quando o psicólogo exercer apenas atividades acadêmicas e/ou de pesquisa. Nesse caso, ele não é necessária a transferência do registro. A mesma rigidez se aplica no tocante à guarda de documentos importantes, em que o professional necessita zelar bem deles, pois podem conter informações confidenciais e/ou sensíveis em relação aos pacientes, às instituições ou aos diagnósticos. A guarda de documentos emitidos pelo psicólogo ou a ele conferidos é de responsabilidade exclusiva dele. 2. Documentos psicológicos O chamado documento psicológico é importante para o exercício da profissão do psicólogo, independentemente da área de atuação. O documento emitido e assinado pelo profissional pode ser o resultado de serviços prestados a um indivíduo, organização, escola, organização ou qualquer outra pessoa jurídica. Na avaliação psicológica, o documento faz parte de um processo científico de coleta de dados resultantes de complexos fenômenos e processos psicológicos. Portanto, os documentos gerados serão a mais importante fonte de consultas futuras a respeito de terminado processo e diagnóstico e terá valor inclusive legal, dependendo de quem o requereu. Portanto, tais documentos não podem ser substituídos, a não ser por expressa autorização do psicólogo que o elaborou. Contudo, ao perdê-lo, o requerente deverá 35 pedir exclusivamente que esse profissional emita uma nova via ou, se quiser, proceder novos testes psicológicos com ele ou outro profissional. Da mesma forma, o processo de escrita de documentos está relacionado ao tempo e, dependendo que quanto se passou, devem ser feitas novas avaliações. A importância dos documentos para a psicologia ultrapassa o tempo presente. Cada vez mais, a academia se interessa pelos processos psicológicos epelos fenômenos psicoemocionais. Portanto, a documentação a respeito do que já foi desenvolvido no passado é vital para a produção acadêmica e científica presente. Até mesmo os documentos de uma prática da psicologia dos séculos XVIII e XIX se mostram importantes fontes de consulta para que possamos compreender a evolução da profissão e o comportamento humano ao longo do tempo. Porém, entre todos os pontos abordados até agora, talvez o mais importante no tocante aos documentos para a psicologia é que, por meio deles, pode-se conhecer como se deu as relações de poder e o lugar do psicólogo frente à medicina e outras áreas do saber. O profundo estudo das relações de poder na clínica tão bem estudadas por Michel Foucault, só foi possível pois esse autor pesquisou extensivamente milhares de documentos a respeito da clínica em psicologia e psiquiatria, resultando em um dos mais importantes livros a respeito da história da clínica em saúde mental: O Nascimento da Clínica (FOUCAULT, 2011). 36 Figura 1 – Os documentos psicológicos são essenciais ao fazer ético da psicologia Fonte: smolaw11/iStock.com. Outra questão que pode ser estudada por meio de documentos psicológicos são o preconceito e a formação de estereótipos ao longo do tempo, tanto na clínica quanto em outros campos da Psicologia. Com os estudos de documentos, Ervin Goffmann investigou o fenômeno social do estigma, algo importante para a psicologia social e comunitária. Goffmann explica como a estigmatizaçāo se constrói a partir de um processo histórico e social, causando danos à identidade do indivíduo. Por meio de documentos psicológicos, pode-se pesquisar como determinados estigmas se formaram na sociedade e, como psicólogos, elaborarmos novas formas de lidar com o estigma tanto em nossa geração como para as futuras. 2.1 A guarda de documentos psicológicos digitalizados A guarda de documentos em ambiente digital tem crescido vertiginosamente nos últimos vinte anos e, provavelmente, manterá essa tendência. Com tal volume de dados circulando na internet seria 37 natural prever que problemas de segurança poderiam surgir e, por isso, diversos mecanismos de proteção foram criados, como os certificados digitais. A psicologia não ficou de fora da revolução digital e, por esse motivo, tanto o CFP quanto a legislação vigente elaboraram normas e obrigações éticas para a guarda de documentos psicológicos, seja para a troca de documentos ou para sua guarda. Deve-se guardar legalmente vários documentos, como testes psicológicos, laudos ou, até mesmo, prontuários. Contudo, é necessário estar atento às normas éticas. Além da responsabilidade da guarda de informações confidenciais, há ainda o risco real de falhas técnicas na rede mundial de computadores. O armazenamento eletrônico de documentos psicológicos deve seguir a Resolução nº 007/2003 do CFP, que orienta o profissional a guardar o material pelo prazo mínimo de 5 anos, seja na forma física ou digitalizada em lugar seguro e sigiloso. A não observação dessa resolução pode gerar as punições previstas no código de ética da categoria, observando-se a responsabilidade por eles tanto do psicólogo quanto da instituição em que ocorreu a avaliação psicológica. Outro importante ponto para nos atentarmos na guarda de documentos psicológicos digitalizados se refere a sua legibilidade. Isso significa que, se porventura a digitalização de um documento psicológico físico não possa garantir sua completa legibilidade, os originais físicos não devem ser eliminados. Isso é fundamental para psicólogos que trabalhem em autarquias, organizações ou instituições, pois, com o avanço da tecnologia é comum termos implementados nesses lugares projetos de digitalização de todos ou grande parte dos documentos e, em muitas delas, esse processo de digitalização é automatizado. Por isso, o psicólogo deve estar atento para não permitir que nenhum documento psicológico seja digitalizado sem sua expressa autorização. Em alguns casos, seja pela possibilidade de perda da legibilidade ou pelo documento conter dados extremamente sensíveis 38 e que devem ser cofiados apenas ao psicólogo, o profissional pode proibir sua digitalização ou não permitir a destruição do original físico. Os prontuários psicológicos são documentos muito específicos e importantes para o exercício da Psicologia, pois são registros documentais a respeito de pacientes. Por isso, quando sua digitalização for permitida, os originais devem ser preservados em lugar seguro e sigiloso por no mínimo cinco anos, como institui o Código de Ética de Psicólogos. Contudo, é consenso entre muitos psicólogos clínicos que prontuários psicológicos que contenham informações de ideação suicida, automutilação, violação de direitos humanos e possibilidade de processos judiciais, como alienação parental entre outros, devem ser arquivados acima do prazo mínimo de cinco anos estabelecido pelo CFP. Esse cuidado extra resguardará o psicólogo e seu(s) cliente(s) de quaisquer problemas no campo da Psicologia e no âmbito jurídico. Em relação ao atendimento clínico on-line, deve-se estar ciente de que o registro em vídeo e/ou de voz, de acordo com o CFP, não se configura como prontuário. Portanto, em acordo com a Resolução nº 01/2009 do CFP, todo o atendimento on-line deve ter seu respectivo prontuário e registro documental. Da mesma forma, o psicólogo é aconselhado a compartilhar com seu cliente e a ter uma cópia em sua guarda (seja em formato digital e/ou físico) de um termo de declaração de prestação de serviços psicológicos de forma não-presencial, on-line. Aconselha-se também que o profissional faça seu cliente ter ciência da Resolução nº 04/2020 do CFP – especificamente direcionada à pandemia de covid-19 -, que autoriza e regulamenta serviços psicológicos através de tecnologias da informação e de comunicação. Esse é um documento que o psicólogo que presta seus serviços de forma remota deve ter sempre em sua guarda o todo o tempo. Além disso, caso seja necessário, o psicólogo poderá assinar documentos 39 psicológicos com sua assinatura digital, sem se descuidar das diretrizes do CFP. Figura 2 – A tecnologia de criptografia permite que documentos psicológicos sejam guardados eletronicamente em segurança Fonte: elaborada pelo autor. Para a guarda de documentos digitalizados, além das obrigações éticas exigidas pelo conselho de classe, algumas instituições, sobretudos as autarquias públicas, podem aconselhar que o psicólogo faça a certificação digital de documentos com informações sigilosas, a fim de garantir sua fidedignidade do documento digital, assim como garantir a autenticidade de sua autoria. Uma das possibilidades nesses casos é que o psicólogo obtenha a certificação digital emitida pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (INTI), por meio de sua Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Essa certificação foi criada por meio da MP 2002/2001 e a vantagem da ICP-Brasil é que, além de ser emitida pelo governo federal, está 40 protegida por criptografia assimétrica. Esse sistema emite um certificado público para acesso do cliente, paciente ou instituição e um certificado privado. Dessa forma, as partes interessadas podem visualizar o documento psicológico, mas não podem modificá-lo, pois apenas o psicólogo terá tal possibilidade. Esse sistema de guarda digital também é útil na proteção contra invasões no sistema onde o documento está armazenado. O invasor poderá até visualizar o documento psicológico, mas será incapaz de modificá-lo. 2.2 A guarda de documentos psicológicos não- digitalizados e documentos psicológicos em equipes multiprofissionais Como visto anteriormente, todo documento psicológico deve ser guardado obrigatoriamente por no mínimo cinco anos, podendo estender-se por decisão judicial ou por escolha do próprio psicólogo. Além disso, tais documentos devem permanecer sob a guarda do psicólogo mesmo após o términodo serviço prestado. Antes de se aprofundar na guarda de documentos não-digitalizados, é importante saber quais os documentos têm a obrigatoriedade de arquivamento segundo o CFP e como preenchê-los. É obrigação do psicólogo, de acordo com a Resolução nº 001/2009 do CFP, relatar como foi o atendimento com cada paciente/cliente. Essa obrigatoriedade não se limita ao psicólogo clínico, pois engloba qualquer área de atuação da psicologia, como a psicologia jurídica, social e comunitária, hospitalar organizacional etc. No caso da avaliação psicológica, além da guarda dos resultados, pode-se produzir três documentos psicológicos: prontuário único, prontuário psicológico e registro documental. Prontuário único: documento usado em equipes multiprofissionais, no qual cada profissional fará anotações resumidas e em linguagem 41 acessível a todos os profissionais envolvidos. Portanto, deve-se evitar a utilização excessiva de jargões psicológicos. O prontuário único, por ser de uso multiprofissional, deve ter sua guarda pelo tempo mínimo previsto em todas as categorias. Como o prazo mínimo do CFM (Conselho Federal de Medicina) é de 20 anos, ele deve ser o tempo que o hospital ou a instituição deve mantê-lo sob sua guarda. No prontuário único devem constar as informações sobre a saúde mental e/ou física do paciente anotadas por todos os profissionais que fizeram atendimento. Nele inclui-se ainda resultados de exames, testes psicológicos e resumo do atendimento psicológico e/ou médico prestado. Ao fazer a guarda desde documento é imprescindível constatar que todas essas informações estão presentes e legíveis. O prontuário único, assim como o prontuário psicológico, possui valor legal e a falha em seu preenchimento se constitui falha ética do psicólogo. Nesse contexto, ainda, é importante lembrar que, apesar de o psicólogo ou a instituição terem a guarda do documento, de acordo com Portaria nº 1820/2009, do Ministério da Saúde, o documento pertence ao paciente ou ao usuário (GAZOTTI; PREBIANCHI, 2014). Prontuário único eletrônico: contém as mesmas informações do prontuário único físico. As diferenças estão na assinatura digital, mecanismos de segurança com chaves pública e privada (ver item “guarda de documentos digitalizados”) e a certificação digital. A guarda pelo hospital ou instituição também deve ser pelo mesmo tempo. Prontuário psicológico: documento exclusivo do psicólogo e do usuário, tem sua guarda sob responsabilidade do psicólogo, que deve fazê-lo pelo período mínimo de cinco anos e, atualmente, tem- se utilizado amplamente o Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP). Nele deve-se detalhar o atendimento psicólogo, assim como outras informações pertinentes ao caso (VENTURA; COELI, 2018). De uma forma geral, o prontuário psicológico, de acordo com a Resolução nº 001/2009, deve conter no mínimo os seguintes itens, normalmente (mas não obrigatoriamente) nessa ordem: 42 • Identificação do paciente. • Frequência dos atendimentos. • Avaliação psicológica inicial (anamnese, em algumas áreas da psicologia). • Resultados de testes psicológicos (se houver). • Evolução apenas do tratamento psicológico. • Registro de encaminhamento psicológico. Registro documental: esse documento é de uso exclusivo do psicólogo e, em caso de fiscalização, o Sistema Conselhos pode requisitá-lo, assim como autarquias jurídicas mediante solicitação de um juiz. O registro documental deve ser guardado pelo prazo mínimo de cinco anos e deve conter as informações do paciente/usuário, assim como avaliações, resultados de testes psicológicos e objetivos a serem alcançados com o tratamento. 2.3 Registros profissionais O Brasil, segundo Saldanha (1972), foi um dos primeiros países a oficialmente regulamentar e reconhecer a psicologia como profissão. Desde sua regulamentação em 1962, o registro profissional do psicólogo é obrigatório para qualquer profissional que queria atuar em área não acadêmica ou na gerência de Recursos Humanos (gerentes de RH não necessitam estar inscritos no CRP de sua região ou estado). Isso porque, segundo entendimento do TRF-4 de 30 de junho de 2016, a Lei Federal nº 4119/62 que regulamenta a profissão de psicologia não atinge o cargo de gerente de recursos humanos, já que ele não exerce funções exclusivas da psicologia, como a aplicação de testes psicológicos ou o atendimento clínico, assim como orientação e seleção profissional. 43 Além disso, o psicólogo deve ter sua inscrição ativa no conselho regional de onde atua, ou seja, estar em dia com sua anuidade e, ao mudar de estado ou região, transferir seu registro profissional. Caso o psicólogo atue sem ter efetuado seu registro profissional, incorrerá no exercício ilegal da profissão (CFP, 2005). Da mesma forma, ainda de acordo com o código de ética da categoria, se caracteriza exercício ilegal da psicologia quando o indivíduo não possua a formação em psicologia adequada para seu registro profissional, por exemplo, estudantes de psicologia sem formalização de contrato de estágio em que consta o nome do supervisor responsável, incluindo em ambiente virtual (CFP, 2005). Figura 3 – Antes de uma obrigação, o registro profissional é um direito de todo psicólogo Fonte: RafaPress/iStock.com. É importante saber que a formação em psicologia per se não autoriza o formado a atuar como psicólogo, pois, além de ferir o código de ética da categoria está infringindo a legislação que, de acordo com o Decreto- lei nº 3.688/41 art. 47: “exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce sem preencher as condições a que por lei está 44 subordinado o seu exercício. Pena–prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses ou multa.” Contudo, não apenas pessoas físicas são passíveis de punição por não estarem com seus registros profissionais de forma correta. Pessoas jurídicas, ainda segundo o código de ética, também são passiveis de fiscalização, pois elas devem ter suas inscrições junto ao CRP de seu estado ou região. Por esse motivo, é de responsabilidade da contratante se assegurar de que o psicólogo tenha seu registro profissional em dia, assim como as credenciais adequadas ao exercício legal e autorizado da psicologia. Por outro lado, o psicólogo também é responsável por se certificar de que a pessoa jurídica contratante possui registro ativo junto ao CRP de sua região ou estado. Diferente do exercício ilegal é o exercício irregular da psicologia. Essa situação se dá quando o psicólogo atua por mais de noventa dias em estado ou região no qual não fez possui registro profissional, ou seja, mudou-se de região ou estado, mas manteve seu registro em seu antigo domicílio. Nesse caso, o profissional incorrerá não em falha ética, mas em infração disciplinar e responderá em um Processo Disciplinar Ordinário. A fim de que o psicólogo seja habilitado para exercer sua profissão sem incorrer em falta ética ou exercer a profissão de forma irregular, ele deve ter seu registro profissional junto ao CRP e ter sua carteira profissional. Para tirar esse documento, deve-se apresentar um requerimento de pessoa física assinado, diploma de graduação em psicologia ou, na falta dele, o diploma de bacharelado com formação de psicólogo (ambos registrados). Caso o psicólogo seja recém-formado, ele poderá apresentar sua certidão de colação de grau. Além disso, deve-se apresentar seu RG (o Sistema Conselhos não aceita carteira de habilitação, por isso, também se pode apresentar a carteia de trabalho ou a carteira profissional de outra categoria), CPF, quitação eleitoral, certificado de reservista para os homens, comprovante de 45 residência atualizado, certidão de casamento/divórcio e três fotos 3x4. Normalmente, a carteira profissional fica pronta em até 45 dias, mas os prazos podem depender de cada CRP. Como já foi observado, o profissional que se muda para outra região ou estado deve e irá atuar como psicólogo por mais de 90 dias também transferir seuCRP, em um processo chamado “Inscrição Secundária”. Os documentos a serem apresentados são a identidade profissional de psicólogo, documento constando onde o psicólogo atuará caso não seja autônomo e comprovante de anuidade em seu CRP de origem. O prazo para a conclusão da transferência é de, normalmente, 60 dias. Ainda em relação ao registro profissional, se o psicólogo não mais desejar exercer a profissão, ele deve providenciar seu cancelamento de registro. Para tal, além de não mais estar trabalhando na área, o profissional não pode estar respondendo a processo ético, pois, se ele estiver não poderá cancelar seu registro. Existem ainda outras situações especiais em relação ao registro profissional. As principais são isenção de anuidade junto ao CRP por razão de doença grave são: tuberculose, esclerose múltipla, cardiopatia grave, Parkinson e demais patologias previstas na receita federal. Referências BRASIL. Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Brasília, DF: Presidência da República, 1941. BRASIL. Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre os cursos de formação em psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Brasília, DF: Presidência da República, 1962. BRASIL. Tribunal Regional Federal (4ª Região). Processo 5039822-15.2017.4.04.7000/ TRF. 30 de junho de 2016. CFP. Conselho Federal de Psicologia. Código de ética profissional do psicólogo. Brasília, DF: CFP, 2005. 46 CFP. Conselho Federal de Psicologia. Norma Técnica CFP nº 1, de 22 de março de 1999. Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual. Brasília, DF: CFP, 1999. CFP. Conselho Federal de Psicologia. Resolução CFP nº 1/2009. Dispõe sobre a obrigatoriedade do registro documental decorrente da prestação de serviços psicológicos. Brasília, DF: CFP, 2009. CFP. Conselho Federal de Psicologia. Resolução nº 4, de 26 de março de 2020. Dispõe sobre regulamentação de serviços psicológicos prestados por meio de Tecnologia da Informação e da Comunicação durante a pandemia do COVID-19. Brasília, DF: CFP, 2020. CFP. Conselho Federal de Psicologia. Resolução CFP nº 007/2003. Institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo, decorrentes de avaliação psicológica e revoga a Resolução CFP 17/2002. Brasília, DF: CFP, 2003 FOUCAULT, M. O nascimento da clínica. São Paulo: Forense Universitária, 2011. GAZOTTI, T. C.; PREBIANCHI, H. B. Caracterização da interconsulta psicológica em um hospital geral. Psicologia: Teoria e Prática, [s.l.], 16 (1), 18-30, 2014. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516- 36872014000100002#:~:text=A%20interconsulta%20psicol%C3%B3gica%20 %C3%A9%20um,ao%20paciente%20no%20hospital%20geral.&text=Realiz- ou%2Dse%20uma%20pesquisa%20documental,2011%20a%20fevereiro%20de%20 2012. Acesso em: 1 fev. 2022. SALDANHA, A. M. Nossa Revista. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, n. 0, p. 1-3, 1979. VENTURA, M.; COELI, C. M. Para além da privacidade: direito à informação na saúde, proteção de dados pessoais e governança. Cadernos de Saúde Pública, [s.l.], v. 34, p. e00106818, 2018. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872014000100002#:~:text=A%20interconsulta%20psicol%C3%B3gica%20%C3%A9%20um,ao%20paciente%20no%20hospital%20geral.&text=Realizou%2Dse%20uma%20pesquisa%20documental,2011%20a%20fevereiro%20de%202012 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872014000100002#:~:text=A%20interconsulta%20psicol%C3%B3gica%20%C3%A9%20um,ao%20paciente%20no%20hospital%20geral.&text=Realizou%2Dse%20uma%20pesquisa%20documental,2011%20a%20fevereiro%20de%202012 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872014000100002#:~:text=A%20interconsulta%20psicol%C3%B3gica%20%C3%A9%20um,ao%20paciente%20no%20hospital%20geral.&text=Realizou%2Dse%20uma%20pesquisa%20documental,2011%20a%20fevereiro%20de%202012 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872014000100002#:~:text=A%20interconsulta%20psicol%C3%B3gica%20%C3%A9%20um,ao%20paciente%20no%20hospital%20geral.&text=Realizou%2Dse%20uma%20pesquisa%20documental,2011%20a%20fevereiro%20de%202012 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872014000100002#:~:text=A%20interconsulta%20psicol%C3%B3gica%20%C3%A9%20um,ao%20paciente%20no%20hospital%20geral.&text=Realizou%2Dse%20uma%20pesquisa%20documental,2011%20a%20fevereiro%20de%202012 47 Reflexões acerca da atuação profissional – Sigilo Autoria: Alberto Carneiro Barbosa de Souza Leitura crítica: Juliana dos Santos Corbett Objetivos • Conhecer o Código de Ética de Psicologia e a Legislação Sobre Sigilo Profissional. • Apresentar novas áreas de atuação da Psicologia no Brasil e o sigilo profissional. • Discutir as normas gerais do sigilo do psicólogo no Sistema Único de saúde (SUS). • Refletir a respeito da psicologia clínica do adolescente e o sigilo profissional. 48 1. Introdução A psicologia tem conquistado mais espaço a cada dia na sociedade brasileira, sobretudo após dois momentos históricos: a abertura política em meados da década de 1980 e a reforma psiquiátrica no final do século XX. O fim da ditadura militar trouxe oxigênio para a formação em psicologia, fazendo com que o psicólogo começasse a construir sua carreira desde os primeiros anos de faculdade, por meio do exercício do pensamento crítico e da atuação política. Já a reforma psiquiátrica brasileira, embasada no modelo italiano de Franco Basaglia, pouco a pouco busca extinguir as internações no país, reformulando o serviço em saúde mental, embora o cenário atual no Brasil ainda não seja de extinção das internações. Entre outras inciativas, talvez a principal seja o movimento de destronamento da psiquiatria como saber central – ainda não atingido, apesar de alguns avanços –, trazendo para esse campo importantes contribuições da Psicologia e da Psicanálise. A consequência de todas essas transformações foi a importância cada vez maior do Código de Ética da Psicologia que, entre outros pontos, é muito rigoroso no tocante ao sigilo profissional. 2. Conhecer o Código de Ética de Psicologia e a Legislação Sobre Sigilo Profissional O sigilo profissional está intimamente ligado à profissão da psicologia na ampla maioria dos países no mundo. O principal objetivo do sigilo no campo da psicologia é proteger a integridade e a subjetividade do paciente que confia em seu psicólogo aspectos de sua personalidade na clínica, do usuário no sistema público e o cliente nas demais áreas da profissão (CFP, 2005). O sigilo na psicologia possui, segundo o Código de Ética, dois pontos cruciais: a privacidade e a confiança da pessoa que busca o serviço. 49 2.1 O sigilo na Psicologia O sigilo na clínica se constitui em um dos principais pilares de sua própria existência. Sem sigilo não há clínica psicológica e isso também constitui violação ética gravíssima e crime previsto em lei, além de ser quebra inadmissível de um contrato verbal implícito (muitas vezes, até mesmo, formal e escrito). O código de ética prevê em seu art. 9º que: “é dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio de confidencialidade a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional” (CFP, 2005). Já a legislação brasileira, por meio da Constituição Federal, é muito clara em relação à obrigatoriedade do sigilo profissional e à inviolabilidade da intimidade do cidadão. Com isso, a quebra de sigilo por parte do psicólogo clínico pode ser passível de processo civil por danos morais (BRASIL, 1988). Além disso, o Código Penal Brasileiro (CPB), em seu art. 154, tipifica a quebra de sigilo como crime passível de multa e/ou detenção por até um ano (BRASIL,1940), inclusive com jurisprudências para as clínicas médica e psicológica. Finalmente, a obrigação de sigilo do psicólogo clínico se estende ao prontuário de seus