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para melhor se adaptar ao frio é um processo natural. A atração sexual a que estamos submetidos é um processo biológico, os diversos métodos que usamos para conquistar o(a) parceiro(a) sexual é um processo social. Mas o social envolve muito mais do que fazer certas coisas, ou a maneira de se construir determinados objetos. O social envolve algo especial: a conduta humana. Os cientistas sociais, tais como antropólogos, sociólogos, cientistas jurídicos e cientistas políticos, para ficarmos apenas em alguns poucos exemplos, visualizam a conduta humana como dotada de especificidades que só se explicam pelo social. - Por que as pessoas votam naquele candidato? - Por que a norma carece de mecanismo de punição para que tenha eficácia? - Por que sociedades distintas produzem respostas diferentes para problemas semelhantes? As respostas para essas questões apresentam uma singularidade: social. Em outras palavras, todas elas lidam com dilemas da conduta humana e que só são respondidas se forem levadas em consideração as implicações que a vida social impõe. Já se tentou relacionar fenótipo e conduta criminosa. Além desse tipo de relação, outras já foram empreendidas, como a tentativa de identificar raças superiores. Todas essas tentativas levaram a humanidade a produzir preconceitos e discriminação que resultaram em dominação de um grupo sobre o outro ou na justificativa pseudocientífica desse domínio. Odair José Torres de Araújo – Introdução às Ciências Sociais 6 Quando dissemos, contudo, que alguém tem natureza ruim, por exemplo, estamos, na verdade, tentando justificar uma conduta que desaprovamos sob o viés do determinismo biológico. Ou seja, embora se trate de conduta humana, resultante de um complexo processo de socialização, estamos atribuindo à essa conduta um fator estritamente natural. Os primeiros cientistas sociais tiveram, então, que enfrentar o problema da conduta humana considerando-a como resultante de um processo humano, construído nas relações que se estabelece no seio de um determinado grupo e não como processos naturais, biológicos ou meramente instintivos. Se consideramos apenas nossos instintos, nossas necessidades primárias, ou respostas que se traduzem a partir de fatores biológicos ou climáticos, não nos distanciamos em nada dos animais. Mas dizer que as ciências sociais encaram a conduta humana e suas múltiplas dimensões como produto social não diz muita coisa. É preciso ir um pouco além. É preciso entender, por exemplo, que nesse processo o homem é resultado de um processo social, visto que está inserido numa sociedade e, por isso mesmo, reproduz grande parte dos elementos do grupo do qual faz parte, como também é capaz de alterar seu próprio meio. Clifford Geertz (1989) nos ajuda a entender a idéia acima a partir de uma metáfora. A cultura é um empreendimento humano e a cultura é também produtora do homem. Assim, o antropólogo britânico chama a cultura de teia de significados tecida pelo próprio homem. Talvez o mais difícil na idéia de social seja compreender como somos produto de uma coisa, mas também somos produtores dessa mesma coisa. Para entendermos essa idéia temos que sair da dimensão meramente individualista. Vamos tentar ilustrar essa idéia a partir de um exemplo. Nossas avós aprenderam, desde muito pequenas, que as mulheres deveriam ser submissas ao homem. Na maioria das vezes, esse processo de formação não era Odair José Torres de Araújo – Introdução às Ciências Sociais 7 empreendido de forma direta: vocês mulheres são submissas aos homens! Não! Não era assim que acontecia. Uma das formas encontradas e muito bem sucedida se dava através da divisão do trabalho e, mais do que isso, através da justificativa dessa divisão. Homens trabalham fora de casa, ganham dinheiro e trazem os produtos necessários para manutenção do lar. As mulheres ficam em casa, cuidam dos filhos e dos afazeres domésticos. Os homens são os provedores materiais. Esse processo, que durou por muitos séculos sem nenhuma alteração, permitia a manutenção da submissão da mulher sob três aspectos importantes: (1) Não podem trabalhar fora de casa, ficam em casa cuidando da família, logo não terão renda e assim manter-se-ão na dependência financeira em relação aos homens; (2) Tendo em vista que sua função é fundamentalmente doméstica, a educação recebida será destinada a esse fim. Até mesmo a formação escolar não deverá se estender muito, visto que não há necessidade de capacidade técnica-formal. Isso gera dependência, uma vez que dificulta sua entrada no mercado de trabalho em função da não qualificação. (3) Por fim, temos a ideologia da fragilidade feminina. Essa ideologia é útil porque inibe àquelas mulheres que estejam, eventualmente, interessadas em mudar a sua condição. Hoje é extremamente fácil identificarmos uma sala de aula do ensino superior com um número maior de mulheres do que de homens. Da mesma forma, é fácil identificarmos mulheres que não estão dispostas a reproduzir aquele modelo de família no qual nossas avós se enquadravam, qual seja, homem como provedor material e a mulher submissa e responsável pelos afazeres domésticos. Embora a luta para sair desse domínio tenha começado antes das nossas avós nascerem, vale a pena insistir nesse exemplo, porque ele também revela outro elemento, não apenas o da dominação, mas o tempo que essa dominação leva para ser eliminada. Odair José Torres de Araújo – Introdução às Ciências Sociais 8 Ainda hoje testemunhamos condutas que reproduzem a cultura vivenciada por nossas avós! Mas afinal em que esse exemplo nos ajuda na compreensão da especificidade das ciências sociais? Vamos explorar um pouco mais o exemplo e com isso, acredito, a resposta será dada. Não é raro encontrarmos mulheres que responsabilizam as próprias mulheres pelo machismo. Em parte essas mulheres têm razão, mas apenas em parte. De fato, como foram educadas numa sociedade machista, a tendência é reproduzirem o machismo e, sob esse ângulo, são elas responsáveis pelo machismo. Mas não vamos ignorar que são as mulheres também produto de uma cultura e como tal acabam reproduzindo, muitas vezes a contra gosto, ou sem perceber, o próprio machismo. As mulheres são machistas porque fazem parte de uma sociedade machista e reproduzem o machismo porque são machistas! Nossa! Repetimos tanto essa palavra que chega até a nos confundir! Sigamos em frente! A cultura é um processo social e não individual. Assim, quem a faz são os próprios indivíduos na condição de grupo e não individualmente. Por esse motivo, ainda que minha avó tenha se recusado a se enquadrar no padrão da sociedade de sua época, sua atitude teria poucos resultados. Ela não encontraria muito espaço para fazer valer sua contrariedade. Acontece que, com o passar dos anos, não apenas a minha avó se manteve incomodada com a submissão aos homens, mas muitas outras mulheres começaram a pensar assim também e até alguns homens perceberam que a dominação masculina deveria ser combatida. Esse processo, na medida em que sai de uma condição meramente individual e ganha dimensões muito mais amplas, passa a provocar alterações significativas na própria sociedade. Não é intenção aqui reproduzir de forma sistemática a revolução feminista. O Odair José Torres de Araújo – Introdução às Ciências Sociais 9 objetivo aqui é outro: é mostrar que a conduta humana é criada por nós e por isso mesmo passível de alteração, foi isso que as mulheres perceberam. Sendo a conduta