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Apostila Bioquímica do Sistema Cardiorrespiratório

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Apostila 
 
Bioquímica dos Sistemas 
Cardiovascular e Respiratório 
 
 
 
Professores: 
Russolina Zingali 
Robson Monteiro 
 2
SUMÁRIO 
 
UNIDADE 1. Metabolismo do Miocárdio ........................................... pág. 03 
UNIDADE 2. Sistema Hemostático .................................................... pág. 19
UNIDADE 3. Regulação do Processo Hemostático ......................... pág. 47 
UNIDADE 4. Testes de Hemostasia ................................................... pág. 67
UNIDADE 5. Hemácias e Grupos Sanguíneos .................................. pág. 75
UNIDADE 6. Metabolismo da Hemácia .............................................. pág. 87
UNIDADE 7. Hemoglobina e Mioglobina ........................................... pág. 104
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................... pág. 122
 
ANEXOS 
I. Anemia e Índices Hematimétricos .................................................. pág. 125
II. Aula Prática 1 – Testes de Hemostasia ........................................ pág. 140
III. Aula Prática 2 – Índices Hematimétricos e Determinação de 
Grupo Sanguíneo ................................................................................ pág. 143
 
 3
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UNIDADE 1 
 4
1. METABOLISMO DO MIOCÁRDIO 
 
1.1. INTRODUÇÃO 
 
O coração necessita de energia diariamente para poder exercer a sua 
função de bombear o sangue por todo o corpo humano e, assim, perfundir os 
tecidos. Para que isso ocorra em harmonia, é necessário que haja uma oferta 
contínua de oxigênio e substratos energéticos, o que é obtido através da 
circulação coronariana. 
 
A utilização de cada substrato pelo coração é definida tanto pela 
concentração arterial de cada um deles, quanto pela demanda energética do 
miocárdio em determinado momento. 
 
 
1.2. COMBUSTÍVEIS DO CORAÇÃO HUMANO 
 
As principais fontes de energia do coração são carboidratos e ácidos 
graxos, os quais são utilizados em maior proporção nos estados pós-prandial e de 
jejum, respectivamente. Em jejum, ou no período entre as refeições, o nível de 
ácidos graxos livres no sangue é alto, e estes são preferencialmente utilizados 
para o metabolismo oxidativo (Figura 1), tornando-se então a principal fonte de 
energia. Quando os ácidos graxos são oxidados, a oxidação da glicose é inibida, 
e a mesma é altamente convertida a glicogênio. Este fenômeno é conhecido 
como “o efeito econômico da oxidação do ácido graxo”. Inversamente, quando os 
níveis de glicose e insulina circulantes estão elevados, os níveis de ácidos graxos 
circulantes são suprimidos; logo, o coração diminui a captação dos mesmos e, 
com isso, a inibição da glicólise pelos ácidos graxos é removida, e a oxidação da 
glicose é aumentada. Além disso, o próprio metabolismo da glicose suprime 
diretamente a oxidação de ácidos graxos (Figura 2). 
 
Refeições ricas em gorduras levam a um aumento acentuado de 
triglicerídeos no sangue durante a lipemia pós-prandial. Nestes casos, a enzima 
lipase lipoprotéica converte o triglicerídeo a ácidos graxos, que então entra nas 
vias de oxidação dos mesmos. Nestas circunstâncias excepcionais, os 
triglicerídeos circulantes tornam-se o principal combustível do miocárdio. 
 
Durante exercícios físicos intensos, o nível de lactato sanguíneo eleva-se e 
este se torna o principal combustível do coração, enquanto a oxidação da glicose 
e a captação de ácidos graxos passam a contribuir para a obtenção de apenas 
15-20% da energia necessária ao coração durante o exercício. 
 
Os corpos cetônicos contribuem significativamente para o metabolismo 
energético do coração somente em estado de jejum ou em cetose diabética 
severa, pois, assim como os ácidos graxos e o lactato, sua utilização é 
dependente de sua concentração. Finalmente, na isquemia, vale ressaltar que o 
padrão de captação de substratos modifica-se de uma predominância da 
utilização de lipídeos para a de carboidratos. 
 5
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 1. Metabolismo Oxidativo dos Ácidos Graxos. Quando o nível sanguíneo de ácidos 
graxos livres (FFA) é alto, estes são utilizados como a principal fonte de energia do coração. Além 
disso, enquanto os ácidos graxos são oxidados, a oxidação da glicose encontra-se reduzida, e a 
mesma é altamente convertida a glicogênio. GS = glicogênio sintase; PFK = fosfofrutoquinase; 
PDC = complexo piruvato desidrogenase. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 2. Controle da Insulina sobre a Absorção da Glicose pelo Coração. Quando os níveis 
de glicose e insulina circulantes estão elevados, o coração diminui a absorção dos ácidos graxos, 
e a oxidação da glicose é aumentada. 
 6
1.2.1. Ciclo Glicose-Ácido Graxo 
 
O ciclo glicose-ácido graxo, primeiramente descrito por Randle e 
colaboradores (1963), é baseado na variação dos papéis relativos da glicose e do 
ácido graxo como principais fontes de energia entre os estados abastecidos e em 
jejum (Figura 3). A produção cíclica (liga/desliga) de ácido graxo pelo tecido 
adiposo é o evento básico no ciclo. Durante o jejum, o tecido adiposo é quebrado 
para liberar ácidos graxos, inibindo o metabolismo da glicose pelo coração. Após 
as refeições, a presença de glicose estimula a produção de insulina e a primeira 
torna-se o principal combustível. A contribuição de determinado combustível para 
o metabolismo oxidativo do coração varia no decorrer do dia de acordo com seus 
níveis circulantes, assim como com o tipo de alimento ingerido e com a prática de 
exercício físico. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 3. Metabolismo Cardíaco da Glicose e dos Ácidos Graxos. Os miócitos cardíacos 
transportam a glicose para o seu interior através dos transportadores específicos GLUT 1 e GLUT 
4. A glicose é metabolizada na via glicolítica e produz piruvato, que pode ser então oxidado na 
mitocôndria a acetil CoA pela enzima piruvato desidrogenase (PDH). A acetil CoA entra no ciclo do 
ácido cítrico e gera equivalentes redutores para a produção de ATP na cadeia transportadora de 
elétrons. Já os ácidos graxos entram nos miócitos por difusão passiva ou mediada por 
translocases específicas. Estes são então esterificados pela acil CoA sintase e subsequentemente 
transportados à mitocôndria pela via da carnitina acil transferase 1 (CAT-1 ou CPT-1, no 
esquema), onde são oxidados e geram acetil CoA. 
 
 
 7
1.2.2. Metabolismo Oxidativo da Glicose 
 
A captação da glicose pelas células cardíacas é controlada pelos 
transportadores de glicose GLUT 4 e GLUT 1 (Figura 2). Como a concentração de 
glicose no meio extracelular é maior do que no intracelular, este transporte não 
requer energia. A absorção da glicose aumenta sempre que os transportadores 
são estimulados, como durante o trabalho cardíaco aumentado, no período pós-
prandial, ou em situações de hipóxia ou isquemia, condições estas que aumentam 
também a glicólise. Por outro lado, a absorção da glicose é reduzida pelos fatores 
que inibem a glicólise, como um baixo trabalho cardíaco, o jejum, ou em casos de 
diabetes mellitus severa. Nas últimas duas condições, o nível de ácidos graxos no 
sangue encontra-se elevado. 
 
No período pós-prandial com consumo de carboidratos, os níveis 
circulatórios de glicose elevam-se e a liberação de insulina, um hormônio 
circulante, é estimulada. Esta aumenta o número dos transportadores de glicose 
GLUT 4 e GLUT 1 no sarcolema (Figura 2), translocando-os de sítios internos não 
disponíveis para sítios externos. Logo, a insulina estimula a taxa de reciclagem 
desses transportadores entre sítios internos e externos. A insulina se liga a 
receptores específicos, os quais consistemde uma sub-unidade α externa e uma 
sub-unidade β interna. A ligação da insulina na sub-unidade α leva a uma 
autofosforilação da sub-unidade β, a qual amplifica fortemente o efeito da insulina 
e promove a ativação de tirosina cinases, desencadeando vias de sinalização 
celulares que irão culminar, por exemplo, em um aumento da atividade de 
enzimas como a glicogênio sintase e a piruvato desidrogenase. 
 
Em diversas doenças, tais como a diabete tardia, falha cardíaca congestiva 
e alguns tipos de hipertensão, o transporte de glicose encontra-se prejudicado 
mesmo com níveis de insulina aparentemente normais ou até elevados. Estes são 
casos de resistência à insulina. 
 
 
1.2.3. Via Glicolítica 
 
A glicólise é a via metabólica que converte a glicose a piruvato (Figura 4a). 
Durante o metabolismo oxidativo normal, a glicose gera piruvato, que então é 
oxidado no ciclo do ácido cítrico (ou Ciclo de Krebs). Ao entrar na célula cardíaca, 
a glicose é rapidamente convertida pela enzima unidirecional hexoquinase a 
glicose 6-fosfato. Esta é então dirigida para a síntese de glicogênio ou para a 
glicólise. 
 
Na glicólise, a glicose-6-fosfato é convertida a frutose 1,6-bisfosfato pela 
fosfofrutoquinase (PFK), uma das enzimas que regulam o fluxo desta via. Quando 
sua atividade é aumentada, como em hipóxia, a conversão da glicose 6-fosfato a 
frutose 1,6-bisfosfato, via frutose 6-fosfato, ocorre em uma taxa aumentada 
(Figura 4a). 
 
glicose + ATP glicose 6-fosfato + ADP 
 
glicose 6-fosfato frutose 6-fosfato 
hexoquinase 
 8
 
frutose 6-fosfato + ATP frutose 1,6-bisfosfato + ADP 
 
Depois disso, cada frutose 1,6-bisfosfato é convertida a duas moléculas de 
trioses fosfato (Figura 4a). Nas etapas seguintes, duas moléculas de piruvato e 
quatro de ATP são formadas independentemente da presença de oxigênio, além 
de 2 (NADH + H+) (Figura 4a). 
 
frutose 1,6-difosfato + 2 Pi + 4 ADP + 2 NAD+ 2 x piruvato + 4 ATP + 2 
NADH + + 2 H+ + 2 H2O 
 
Logo, no balanço geral, uma molécula de glicose gera duas de ATP, duas 
de piruvato, duas de H2O, e dois (NADH + H+). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 4. Metabolismo Aeróbio e Anaeróbio da Glicose. a) Via glicolítica: a via metabólica da 
conversão da glicose a piruvato. b) Destinos do piruvato dependendo das condições de oxigênio: 
anaeróbia – formação de lactato; aeróbia – descarboxilação oxidativa. LDH = lactato 
desidrogenase; PDH = piruvato desidrogenase. 
PFK 
a. 
LDH b. 
PDH
 9
Cabe ressaltar que existe um controle intracelular coordenado da glicólise, 
de tal modo que a absorção e fosforilação da glicose, a atividade da PFK e a da 
piruvato desidrogenase podem aumentar ou diminuir simultaneamente em 
resposta a um trabalho aumentado do coração, assim como a outros estímulos. 
Esses são, portanto, pontos-chave no controle da glicólise. 
 
 
1.2.4. Metabolismo Aeróbico dos Ácidos Graxos (AGs) 
 
O metabolismo miocárdico dos AGs começa em função de seus níveis 
circulantes. Ou seja, quanto maior o seu nível, maior será a relação molar 
AG/albumina, e maior será a captação dos AGs pelo miocardio. Uma vez 
captados, os AGs passam por uma série de mudanças até a formação de 
moléculas de acetil CoA. O primeiro passo desta via é a ativação dos AGs 
intracelulares pela coenzima A (CoA) para formar derivados de acil CoA. A 
membrana mitocondrial não é permeável a essas moléculas, que necessitam, 
portanto, serem transformadas e transportadas para o interior da mitocôndria. 
Inicialmente, as moléculas de acil CoA combinam-se com a carnitina, formando 
acil carnitina, que é transportada pelo sistema carreador de carnitina para o 
espaço mitocondrial interno. Depois disso, as longas cadeias de acil CoA, já livres 
de carnitina, sofrem β-oxidação e progressivamente são formadas moléculas de 
acetil CoA, as quais são oxidadas no ciclo do ácido cítrico e finalmente levam à 
geração de ATP. Qualquer AG intracelular não oxidado pode ser estocado como 
triglicérides ou transformado em lipídeos estruturais por alterações no grau de 
saturação. Os triglicérides (ou triacilgliceróis) teciduais podem ser fontes de 
ácidos graxos quando os níveis destes estão baixos na circulação (Figura 5). 
 
Sumário das etapas do metabolismo dos AGs: 
 
1. AG intracelular reage com CoA e forma acil CoA extramitocondrial: 
 
AG + CoA + ATP acil CoA + AMP + PPi 
 
2. Acil CoA extramitocondrial reage com a carnitina e forma acil cartinina, 
reação essa catalisada pela enzima carnitina acil transferase 1 (CAT-1); 
3. A enzima carnitina acil translocase transloca a acil carnitina 
extramitocondrial para o espaço intramitocondrial; 
4. A enzima carnitina acil transferase 2 (CAT-2) permite à acil carnitina 
intramitocondrial reagir com a CoA, e ocorre a liberação de acil CoA 
intramitocondrial e carnitina. Esta última é exportada de volta ao 
citoplasma; 
5. A acil CoA intramitocondrial sofre β-oxidação e forma unidades de dois 
carbonos de acetil CoA, que entram no ciclo do ácido cítrico; 
6. Quando os níveis de captação de AGs são bem elevados, ocorre mais 
formação de acetil CoA do que o ciclo do ácido cítrico é capaz de 
consumir. Nestes casos, o excesso de acetil CoA pode também reagir com 
carnitina intramitocondrial, formando acetil carnitina, que é transportada ao 
espaço extramitocondrial pela enzima carnitina-acetil translocase, onde 
ocorre formação de acetil CoA citoplasmático. Este pode então sofre 
transformação a malonil CoA, que provê um feedback inibitório. 
Acil CoA sintetase 
 10
O malonil CoA é produzido sempre que elevados níveis de acetil CoA 
citossólico estão presentes devido ao alto metabolismo de AGs, ou às altas taxas 
de oxidação da glicose. 
 
 
1.2.5. β-Oxidação 
 
A β-oxidação converte a longa cadeia de acil CoA em fragmentos de dois 
carbonos de acetil CoA. A oxidação do AG continuamente remove uma molécula 
de acetil CoA da terminação carboxi da cadeia. 
 
Durante o esforço cardíaco aumentado, a mitocôndria torna-se mais 
oxidada. Os níveis intramitocondriais de NADH2 e FADH2 diminuem, e ocorre um 
aumento na taxa de oxidação dos ácidos graxos. Por outro lado, na anaerobiose, 
os níveis de NADH2 e FADH2 aumentam, como resultado de uma redução da taxa 
de β-oxidação devido ao diminuído transporte de elétrons. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 5. Descrição detalhada da absorção e degradação dos ácidos graxos pela 
mitocôndria. Os números correspondem às enzimas acil CoA sintase (1), carnitina acil 
transferase 1 (2), carnitina acil translocase (3), carnitina acil transferase 2 (4) e 3-hidroxiacil-CoA 
desidrogenase (5). Fp = flavoproteína, NAD+ = nicotinamida adenina dinucleotídeo oxidada, NADH 
= nicotinamida adenina dinucleotídeo reduzida. 
 11
 Um resumo do metabolismo energético das células cardíacas está 
representado na Figura 6. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 6. Representação esquemática da absorção e metabolismo dos substratos nas 
células musculares cardíacas. FAT, fatty acid translocase; FABP, sarcoplasmic fatty acid-binding 
protein; NAD, nicotinamide adenine dinucleotide; NADH, reduced niconamide adenine 
dinucleotide. 
 
 
1.2.6. Piruvato e Lactato 
 
 O piruvato é formado a partir do lactato absorvido pelo coração e pela 
degradação da glicose, e situa-se na intersecção da glicólise e do metabolismo 
oxidativo no ciclo do ácido cítrico. No coração anaeróbico, o piruvato forma 
lactato; no aeróbico, sofre descarboxilação oxidativa e entra no ciclo do ácido 
cítrico. Esta reação ocorre pela atividade do complexo enzimáticoda piruvato 
desidrogenase (PDH) (Figura 4b), encontrado na membrana interna da 
mitocôndria. Os produtos desta reação de múltiplas etapas incluem a acetil Coa e 
NADH2. A primeira entra diretamente no ciclo de Krebs e é totalmente oxidada a 
CO2 e H2O, e a segunda forma ATP pela fosforilação oxidativa. 
 
 A piruvato desidrogenase é encontrada tanto na forma ativa como na 
inativa. Normalmente, encontra-se na forma inativa, mas pode ser ativada pelo 
aumento do esforço cardíaco, pelas catecolaminas ou pelas altas taxas de 
glicólise do estado pós-prandial. Por outro lado, a enzima é inibida pela formação 
 12
de NADH2 na isquemia ou na hipóxia, ou pela oxidação dos ácidos graxos. A 
inibição desta enzima é o evento-chave na inibição da glicólise durante a 
oxidação dos ácidos graxos. 
 
 O lactato é absorvido pelo coração aeróbico e produzido durante a 
anaerobiose; então, a sua liberação no seio coronário pode ser usada como um 
sinal de isquemia do miocárdio. A contribuição do lactato para as necessidades 
de energia de um miocárdio bem oxigenado pode aumentar a até 60% quando o 
seu nível em circulação encontra-se elevado, como por exemplo durante e logo 
após exercício físico. Durante infusão de lactato, a contribuição do mesmo pode 
subir a até 90%. O lactato é um combustível muito menos importante quando seu 
nível está baixo, ou quando os níveis dos ácidos graxos estão elevados. A 
absorção do lactato pelo coração depende de um sistema de transporte 
específico, pois o sarcolema não é livremente permeável ao mesmo. Uma vez 
absorvido, o lactato é convertido a piruvato pela lactato desidrogenase (LDH), 
sendo que esta reação é reversível: 
 
 LDH 
 lactato + NAD+ piruvato + NADH + H+ 
 
 Existem cinco isoformas de LDH, nomeadas de acordo com suas 
migrações eletroforéticas. Cada enzima é composta de quatro subunidades do 
tipo H ou M. A isoforma cardíaca é constituída predominantemente de subunidade 
H, e é conhecida como LDH-1. Pode-se estimar o tamanho de um infarto do 
miocárdio dosando-se a taxa de aparecimento e desaparecimento de LDH-1 no 
sangue periférico, com picos entre 35-43 horas após o aparecimento dos 
sintomas. 
 
 
1.2.7. Corpos Cetônicos 
 
 Os corpos cetônicos (CC) são formados no fígado em decorrência do 
metabolismo excessivo de ácidos graxos através da β-oxidação. Esse processo, 
como já mencionado anteriormente, consiste na degradação dos ácidos graxos 
nas mitocôndrias através da liberação progressiva de fragmentos de dois 
carbonos, na forma de acetil Coenzima A (acetil CoA). 
 
 Durante um jejum prolongado, quando a glicemia encontra-se muito baixa, 
os níveis de ácidos graxos elevados, os níveis de insulina baixos e os de 
glucagon altos, há estímulo para a gliconeogênese, que ocorre principalmente no 
fígado, e desvia o oxaloacetato do ciclo do ácido cítrico. A gliconeogênese 
aumentada é necessária porque alguns órgãos nobres, como o cérebro, utilizam 
principalmente a glicose como fonte energética. Desta forma, ocorre o acúmulo de 
acetil CoA pelo metabolismo excessivo de ácidos graxos, e diminuição da via do 
ácido cítrico devido ao desvio do oxaloacetato para a gliconeogênese. Com esse 
acúmulo, ocorre aumento na produção de corpos cetônicos pelo fígado que se 
formam pela união de duas moléculas de acetil CoA. Inicialmente, é formado 
acetoacetato, que é transportado pelo sangue do fígado para diversos órgãos que 
podem utilizá-lo como fonte energética. O acetoacetato é ainda convertido a β-
 13
hidroxibutirato ou acetona. Esses três compostos são denominados corpos 
cetônicos (Figura 7). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 7. Síntese dos Corpos Cetônicos. Duas moléculas de acetil CoA se juntam e formam o 
acetoacetato, que pode se transformar em β-hidroxibutirato ou acetona. Corpos cetônicos: 
acetoacetato, β-hidroxibutirato e acetona. 
 
 
 Portanto, quando grande parte da energia do organismo provém do 
metabolismo das gorduras, como na inanição, nas dietas ricas em gorduras e no 
diabetes não tratado, aumenta a produção de corpos cetônicos. A utilização 
desses compostos pelas células cardíacas é mediada pela enzima tiolase, que 
realiza a reação inversa e converte corpos cetônicos em duas moléculas de acetil 
CoA. Como no miocárdio não ocorre gliconeogênese e, nessas células, o 
oxalacetato não é desviado do ciclo do ácido cítrico, o acetil CoA formado segue 
nesta via, gerando energia para o coração. 
 
 Nos diabéticos descompensados, mesmo que a glicemia esteja elevada, a 
glicose não consegue ser absorvida pelas células insulino-dependentes, uma vez 
que o estímulo para a exposição dos transportadores GLUT 1 e GLUT 4 dado 
pela insulina não encontra-se ativo, por falta de ou resistência a esse hormônio. 
Logo, observa-se uma intensa produção hepática de corpos cetônicos nesses 
pacientes, assim como uma grande utilização desses substratos como fonte de 
energia pelos miócitos cardíacos, mesmo em situações pós-prandiais. Vale 
ressaltar que o acúmulo de corpos cetônicos na corrente sanguínea (cetose), 
observado na diabetes não tratada, pode levar a um quadro de acidose 
metabólica severa (cetoacidose) nesses indivíduos. 
 
 
 14
1.3. PRINCIPAIS RESERVAS DE ENERGIA 
 
 O coração possui reservas de energia que são poupadas para momentos 
de carência energética, como por exemplo, durante a isquemia. A isquemia é a 
interrupção do fluxo sangüíneo para determinado órgão, diferente da hipóxia, que 
é a interrupção apenas da chegada de oxigênio, podendo ou não haver fluxo 
sangüíneo. 
 
 Durante uma isquemia, portanto, o coração fica privado tanto dos 
substratos energéticos, como ácidos graxos, glicose, lactato e corpos cetônicos, 
quanto de hormônios como glucagon e adrenalina. Para continuar funcionando, 
então, os miócitos cardíacos utilizam suas principais reservas energéticas: 
creatina-fosfato e glicogênio. 
 
 
1.3.1. Creatina-Fosfato 
 
 O miocárdio utiliza as reservas de creatina fosfato, principalmente, para a 
manutenção da integridade da membrana plasmática (mantém os canais 
dependentes de ATP). A creatina fosfato transfere fosfato ao ADP, formando 
creatina e restaurando os níveis de ATP, cuja produção está muito reduzida 
durante a isquemia. Essa reação é catalisada pela enzima creatina fosfoquinase 
cardíaca (CPK-MB). Essa mesma enzima também se localiza próximo à 
membrana mitocondrial, e, nessa região, quando as ofertas de oxigênio e ATP 
são normalizadas, a CPK-MB restaura os níveis de creatina fosfato através da 
reação inversa. Assim, a creatina fosfato é uma fonte energética de curtíssima 
duração. 
 
 
1.3.2. Glicogênio 
 
 O glicogênio é um polissacarídeo constituído de várias moléculas de 
glicose, que forma grandes grânulos no citoplasma da célula cardíaca. As 
moléculas de glicogênio estão em constante estado de turnover, como resultado 
das taxas variáveis de síntese e degradação das mesmas. As vias de síntese e 
degradação do glicogênio são realizadas por dois sistemas de enzimas diferentes. 
A síntese ocorre em altas taxas nos períodos pós-prandiais sob influência da 
insulina, que aumenta a absorção da glicose e estimula a atividade da enzima 
glicogênio sintase (Figura 1). A síntese do glicogênio parece também acontecer 
após intenso esforço cardíaco ou após isquemia, quando o glicogênio é 
depletado, sugerindo que a própria diminuição dos níveis de glicogênio é capaz 
de estimular sua produção. No estado de jejum, embora haja falta de insulina, a 
síntese do glicogênio ainda pode ocorrer, mesmo que em menor taxa, porque a 
glicogênio sintase é estimulada por altos níveis miocárdicos de glicose 6-fosfato, 
que resultam do bloqueio da via glicolítica. A energia requerida para a síntese do 
glicogênio é derivada de um composto fosfato de alta energia, uridina trifosfato(UTP), que é formado a partir do ATP. 
 
Já os dois principais mecanismos que levam à glicogenólise são: (1) 
ativação da glicogênio fosforilase pela adenosina monofosfato cíclica (cAMP); ou 
 15
(2) na isquemia, por uma diminuição nos níveis de fosfato de alta energia. Um 
aumento em cAMP promove uma cascata de eventos que no final converte a 
enzima fosforilase b inativa à fosforilase a altamente ativa: 
 
estímulo de catecolaminas β-receptor adenilato ciclase cAMP * 
* ativação de proteína quinase ativação da fosforilase b quinase * 
* mudança da fosforilase b à fosforilase a degradação do glicogênio 
 
 
A glicogênio fosforilase cataliza a reação em que uma ligação glicosídica, 
reunindo dois resíduos de glicose no glicogênio, sofre o ataque por fosfato 
inorgânico (Pi), removendo o resíduo terminal não-redutor de glicose como 
glicose 1-fosfato. A fosforilase age repetitivamente nas extremidades não-
redutoras das ramificações do glicogênio, controlando assim o início da 
glicogenólise durante hipóxia ou isquemia. A continuação da degradação pode 
ocorrer apenas depois da ação de uma enzima de desramificação, que cataliza as 
reações sucessivas que removem as ramificações. 
 
 
Função do Glicogênio Cardíaco 
 
 O glicogênio cardíaco é uma fonte potencial de energia miocárdica, 
produzindo três moléculas de ATP durante a glicólise e a quantidade padrão de 
ATP através do ciclo do ácido cítrico em condições aeróbicas. O glicogênio tem o 
papel estabelecido como fonte de energia durante hipóxia ou isquemia 
miocárdica. Além dessas condições de curta duração, o turnover do glicogênio 
pode contribuir substancialmente para a glicólise aeróbica em um coração em 
trabalho normal, e pode ser oxidado preferencialmente à glicose externa, 
especialmente logo depois de um estímulo β-adrenérgico aumentado. Como o 
glicogênio está situado nas proximidades do retículo sarcoplasmático, seu 
turnover pode fornecer ATP no local para a bomba de captação de Ca2+. 
 
 
1.4. DOENÇA CARDÍACA DA ESTOCAGEM DE GLICOGÊNIO 
 
 A degradação do glicogênio pode ocorrer em lisossomos das células 
cardíacas através de uma outra via, dependente de α-1,4 glicosidase. Quando 
esta enzima é inativa, ocorre um acúmulo muito grande de glicogênio que pode 
levar a uma condição de glicogenólise cardiomegálica ou doença de Pompe 
(Figura 8). As membranas lisossomais se rompem devido ao acúmulo de 
glicogênio, com risco de destruição do músculo cardíaco. A glicogenólise 
citoplasmática, dependente de fosforilase e da enzima desramificadora, ocorrem 
normalmente. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 16
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 8. Eletromicrografia de Tecido Cardíaco de Paciente com Doença de Pompe. 
(aumento de 6.500 X) A célula superior consiste de muitos elementos contrácteis intactos, com as 
terminações e a lateral da fibra esfiapadas, e glicogênio ligado à membrana (seta descontínua). O 
citoplasma da célula inferior foi totalmente “substituído” pelo glicogênio (seta contínua). Verifica-se 
que os elementos contráteis ou mitocôndrias não foram mantidos, e as membranas lisossomais 
rompidas flutuam livremente no glicogênio. 
 
 
1.5. REPERFUSÃO 
 
 O coração é irrigado pelas artérias coronarianas que, normalmente, 
adaptam-se ao aumento de demanda energética. Caso isso não aconteça, pode 
ocorrer hipóxia por redução do fluxo sanguíneo no coração, causando lesões 
reversíveis ou irreversíveis, dependendo do tempo de hipóxia. Se as lesões forem 
irreversíveis, mesmo após a reperfusão, não há restauração das estruturas 
celulares, gerando áreas de necrose. Por outro lado, quando as lesões são 
reversíveis, a velocidade de reperfusão deve ser definida pelo tempo de hipóxia 
sofrido. Quanto maior o tempo de hipóxia, menor deve ser a velocidade de 
reperfusão, pois a rápida restauração do fluxo sangüíneo após um longo período 
de hipóxia gera aumento paradoxal da lesão. 
 
 Em situações fisiológicas, o metabolismo das bases nitrogenadas leva a 
formação de pequena quantidade de hipoxantina, que através da enzima xantina 
oxidase, na presença de O2, leva a formação de xantina e peróxido de hidrogênio 
(H2O2), que são rapidamente degradados. 
 
 A isquemia, ao longo do tempo, leva ao esgotamento de fontes energéticas 
como ácidos graxos, glicose, fosfocreatina e glicogênio, e ao acúmulo de 
metabólitos do ATP, como ADP, AMP, adenosina e inosina (Figura 9). Como o 
ATP nessas ocasiões não pode ser regenerado, as ligações fosfato de menor 
energia (ADP e AMP) tendem a ser utilizadas como fonte energética para a 
tentativa de manutenção da maquinaria celular, gerando, portanto, o acúmulo 
dessas substâncias. O aumento da concentração desses metabólitos estimula a 
 17
formação de hipoxantina a partir de adenosina e inosina, através de reações 
catalisadas por enzimas presentes no citoplasma das células cardíacas. 
 
 Quando o fluxo sangüíneo é restabelecido, através do uso de trombolíticos, 
por exemplo, o oxigênio que chega ao miocárdio ativa a enzima xantina oxidase. 
Essa enzima utiliza a hipoxantina como substrato para gerar xantina e H2O2, que 
se acumula. Essa mesma enzima ainda pode utilizar a xantina como substrato 
para gerar ácido úrico. Já o peróxido de hidrogênio formado pode dissociar-se em 
dois radicais livres hidroxila (OH·). Essas espécies reativas peroxidam lipídios (os 
lipídios peroxidados tornam-se instáveis e reativos, iniciando uma reação 
autocatalítica em cadeia), reagem com proteínas da membrana celular 
(aumentam a sua degradação) e provocam danos ao DNA (ruptura dos seus 
filamentos), agravando as alterações em áreas com lesões ainda reversíveis. O 
miocárdio possui mecanismos protetores antioxidativos contra esses radicais 
livres, mas como estes radicais estão sendo formados em alta velocidade, há 
discrepância entre a síntese dos mecanismos protetores e dos radicais livres. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 9. Efeito da Reperfusão sobre o Metabolismo de Produtos de Degradação da 
Adenosina. Durante a hipóxia, o metabolismo de adenosina e inosina leva ao acúmulo de 
hipoxantina. A reperfusão, aumento repentino de O2, leva a uma ativação da enzima xantina 
oxidase, que transforma a hipoxantina em xantina e liberação de H2O2. A xantina é posteriormente 
transformada em ácido úrico. O acúmulo de espécies reativas de O2 leva a danos nos tecidos. 
 
 
Ciclo do 
Ácido 
Cítrico Cadeia 
Respiratória 
NADH
FADH2 
O2 
ADP/AMP 
Adenosina/Inosina 
Reperfusão 
O2 
H2O2 
Xantina Hipoxantina Ácido Úrico 
HO-
Xantina 
Oxidase 
Xantina 
Oxidase 
Danos ao DNA 
Modificação Oxidativa de 
Proteínas 
Peroxidação de Lipídeos 
Glicólise Anaeróbia 
Lactato 
Acidose Lática 
Estoque de Glicogênio 
 18
 Quando a reperfusão ocorre gradualmente, apesar de haver muito 
substrato (hipoxantina) para a enzima xantina oxidase, o estímulo lento do 
oxigênio permite que haja sincronia entre a produção de radicais livres e 
mecanismos antioxidantes de defesa celular. 
 
 Durante a perfusão normal do miocárdio, com aporte de oxigênio e 
nutrientes, a enzima xantina oxidase também está ativa. No entanto, nessas 
ocasiões, os níveis de metabólitos de ATP não estão elevados, pois o ATP está 
sendo sempre renovado. Portanto, não há formação em excesso de hipoxantina, 
o substrato da xantina oxidase. Assim, a formação de radicais livres não é 
significante, pois os mecanismos celulares de proteção a esses radicais 
conseguem dar conta da pequena quantidade produzida. 
 
 
1.6. MARCADORES BIOQUÍMICOS DE ISQUEMIA MIOCÁRDICA 
 
 O dano celular provoca a ruptura da membrana plasmática, com 
conseqüente extravasamento do conteúdo intracelular para o interstício.Através 
da drenagem venosa, essas substâncias caem na corrente sangüínea, permitindo 
que se estime ocorrência de infarto através das suas dosagens. Os principais 
marcadores bioquímicos utilizados são as isoformas cardíacas das troponinas T e 
I, mioglobina, CK-MB, e a enzima LDH-1. A troponina I é o marcador mais 
específico, mas demora um pouco para ter sua concentração sangüínea elevada; 
no entanto, seus níveis mantêm-se altos entre 7 a 10 dias após o episódio de 
infarto. A mioglobina é o primeiro marcador a apresentar seus níveis elevados, 
mas apesar de ser muito sensível, é pouco específica, pois sua concentração 
aumenta após qualquer injúria muscular, não só do miocárdio. A CK-MB, uma 
isoforma cardíaca da creatina fosfoquinase, e a LDH-1, isoforma cardíaca da 
lactato desidrogenase, também apresentam alterações mais tardias na corrente 
sangüínea, mas as suas dosagens são realizadas de rotina, pois apresentam 
baixo custo e resultado satisfatório. Todas essas enzimas devem ser dosadas 
periodicamente, e seus resultados anotados em um gráfico, formando uma curva 
enzimática e permitindo, assim, a confirmação do diagnóstico, a monitoração da 
lesão e a estimativa do tamanho do infarto do miocárdio. 
 
 
 
 
 
Autor(es): 
Catarina A. Miyamoto 
Eduarda P. Redenschi 
Luize Gonçalves Lima 
Russolina Zingali 
 19
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UNIDADE 2 
 20
2. SISTEMA HEMOSTÁTICO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2.1. PRINCÍPIOS GERAIS 
 
Hemostasia é o processo fisiológico responsável pela manutenção da 
fluidez do sangue e pela contenção da perda de sangue após algum dano 
vascular, evitando perturbações no fluxo sanguíneo, além de estar envolvido no 
início do processo de reparo tecidual. O sistema hemostático contribui ainda para 
o sistema de defesa, uma vez que previne ataques de microorganismos por 
formar uma rede de plaquetas e fibrina, que é dissolvida mais tarde com o 
restabelecimento do fluxo sangüíneo normal. Simultaneamente à hemostase, 
inicia-se um processo um pouco mais lento de formação de um novo tecido e 
revascularização. 
 
Mas quais são os agentes participantes do processo de hemostasia? De 
maneira geral, podemos citar: 
 
• Plaquetas; 
• Parede vascular (especialmente endotélio e subendotélio); 
• Fatores de coagulação e seus inibidores; 
• Proteínas plasmáticas (fator de von willebrand, outras proteínas de 
adesão, imunoglobulinas); 
• Íons Ca2+; 
• Substâncias orgânicas de baixo peso molecular (fosfolipídeos, 
prostaglandinas, etc); 
• Citocinas e hormônios. 
 
As interações desses agentes podem ser estimuladas principalmente após 
uma lesão vascular, mas também em condições patológicas como doenças auto-
imunes, aterosclerose ou câncer. 
 
 21
Mas por que, em condições fisiológicas, essas interações não ocorrem o 
tempo todo, se grande parte dos fatores envolvidos encontra-se circulante ou 
presente nos vasos sanguíneos? A resposta é que os fatores de coagulação, em 
sua maioria consistindo de proteínas plasmáticas, circulam na forma de 
zimogênios, isto é, pré-enzimas que requerem processamento por proteólise para 
que se tornem ativas. Além disso, a camada interna dos vasos, formada pelas 
células endoteliais, possui um papel preponderantemente anti-hemostático. 
 
 As células endoteliais são capazes de: 
 
• Separar fisicamente o sangue do subendotélio (que é a camada que 
possui substâncias pro-hemostáticas); 
• Sintetizar e liberar prostaglandina do tipo PGI2 (prostaciclina) e óxido 
nítrico, substâncias que reduzem a resposta plaquetária a estímulos 
ativadores da hemostasia primária; 
• Além disso, possuem em sua membrana externa, em contato com o 
sangue, duas substância anti-hemostáticas: a proteína trombomodulina 
e o glicosaminoglicano heparan sulfato (que será discutido 
futuramente). 
 
A figura abaixo demonstra como está o endotélio na hora em que a lesão 
ocorre, ou seja, o endotélio intacto e, portanto, inibidor da hemostasia. Além 
disso, o esquema à direita demonstra o endotélio lesionado e sua ação 
trombogênica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 10. Ações Endoteliais Opostas (Antirombótica Vs. Pró-Trombótica) em Diferentes 
Situações. Repouso (à esquerda); ou frente uma lesão (à direita). 
 
 
 
Para o melhor entendimento do processo hemostático, este é dividido em fases: 
 
• Hemostasia primária – consiste na formação de tampão ou agregado 
plaquetário; 
• Hemostasia secundária ou coagulação – consiste na formação de uma 
rede de fibrina (coágulo) encarregada de estabilizar a agregação 
plaquetária. 
 22
Após a hemostasia secundária, ocorre a dissolução do coágulo de fibrina. 
A essa fase denominamos fibrinólise. 
 
Cada capítulo dessa unidade é destinado a elucidar cada uma dessas 
fases, que estão esquematizadas com suas respectivas durações na figura 
abaixo: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 11. Resumo das Fases do Processo Hemostático. 
 
 
LESÃO HEMOSTASIA 
PRIMÁRIA 
(1-5 min) 
 
Vasoconstricção 
(3-10 seg) 
 
Adesão 
plaquetária 
(segundos) 
 
Agregação plaquetária 
(minutos) 
 
HEMOSTASIA 
SECUNDÁRIA 
(3-15 min) 
 
Ativação dos fatores 
de coagulação 
 
Formação de fibrina 
(minutos) 
FIBRINÓLISE 
 
Ativação da fibrinólise 
(minutos) 
 
Lise do “coágulo” 
(horas) 
 23
2.2. HEMOSTASIA PRIMÁRIA 
 
 Hemostase primária consiste em uma série de eventos, os quais incluem 
vasoconstricção e adesão, ativação e agregação plaquetárias, como apresentado 
na figura abaixo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 12. Participação das Plaquetas no Processo de Hemostasia durante a Formação do 
Tampão. A) Processo de injúria com exposição de agonistas plaquetários; B) Adesão das 
plaquetas ao subendotélio; C) Mudança de forma da plaqueta com secreção de grânulos; D) 
Ligação plaqueta-plaqueta; E) Depósito de fibrina sobre o tampão plaquetário. 
 
 
2.2.1. Vasoconstricção 
 
 Eficiente forma de prevenir perdas sanguíneas, em especial na 
microcirculação. É um processo mediado por uma interação do sistema nervoso 
autônomo, células musculares e diversos mediadores como serotonina, 
adrenalina e noradrenalina. 
 
 Para modular a vasoconstricção e impedir que essa seja extrema e cause 
isquemia, a prostaciclina I2 e a liberação de óxido nítrico pelo endotélio possuem 
ação vasodilatadora. 
 
 A vasoconstricção é extremamente rápida e eficiente para conter pequenos 
sangramentos. Para sangramentos maiores, são recrutadas as plaquetas. 
 
 
2.2.2. Plaquetas: Sua Estrutura e Funções 
 
 As plaquetas constituem o grupo celular mais importante da hemostasia. 
São fragmentos de células com formato discoidal, sintetizados na medula óssea, 
e representam uma forma especializada e madura dos megacariócitos. Sua 
 24
síntese é estimulada pelo hormônio trombopoietina, que é encontrado em baixas 
concentrações no plasma. 
 
O citoesqueleto da plaqueta contribui significativamente para a manutenção 
da sua forma discóide e para a sua alteração de forma, que ocorre durante a fase 
de ativação plaquetária. Metabolicamente, as plaquetas perderam a capacidade 
de sintetizar proteínas. Sua energia é gerada essencialmente pela degradação da 
glicose e fosforilação oxidativa. 
 
 Em geral, as plaquetas tornam-se ativadas e, portanto, pró-hemostáticas, 
ao serem estimuladas por diferentes fatores. Por sua vez, as plaquetas ativadas 
secretam diversas citocinas, fatores de crescimento e outras proteínas por meio 
de grânulos. 
 
A plaqueta contém dois sistemas internos de membrana: 
 
• Sistema canalicular aberto, que é formado por múltiplas invaginações,semelhantes a uma esponja, que são visualizadas na superfície da 
plaqueta. Durante a ativação plaquetária, a plaqueta secreta seus 
grânulos através desses canais. O sistema canalicular também fornece 
pseudópodes que são emitidos com a mudança de forma que a 
plaqueta sofre após sua ativação. 
• Sistema tubular denso, que é constituído por restos de 
reticuloendoplasmático. Este sistema membranoso, que não se 
comunica com o exterior, serve como um local de depósito de cálcio 
intracelular. 
 
A forma como as plaquetas atuam na hemostase é discutida abaixo e, 
didaticamente, dividimos essa participação plaquetária nas três fases a seguir: 
 
 
Adesão Plaquetária 
 
 Essa etapa se inicia quando a plaqueta entra em contato com uma 
superfície não fisiológica, gerada por uma lesão do endotélio. Tal lesão faz com 
que o colágeno subendotelial seja exposto às plaquetas circulantes. A adesão 
inicia-se com a interação entre o colágeno e as plaquetas, que ocorre pela ligação 
direta do receptor plaquetário glicoproteína Ia/IIa (GPIa/IIa) às fibrilas de 
colágeno. Outro receptor presente na superfície das plaquetas, a glicoproteína 
Ib/IX/V (GP Ib/IX/V), também participa da interação plaqueta-colágeno, porém de 
maneira indireta. Este receptor se liga a uma proteína plasmática denominada 
fator de von WIllebrand (FwV), a qual, por sua vez, está ligada ao colágeno. O 
FvW age, portanto, produzindo uma espécie de “gancho” entre a plaqueta (mais 
especificamente o receptor plaquetário GP Ib/IX/V) e o colágeno subendotelial. 
 
Cabe ressaltar que este último exemplo de interação (GP Ib/IX/V-FvW-
colágeno) é determinante para a estabilização da adesão plaquetária inicial ao 
espaço subendotelial, especialmente sob alta força de fluxo da corrente 
sanguínea, permitindo a continuidade do processo de hemostasia primária. 
Assim, ambas as deficiências genéticas de FvW (Doença de von Willebrand) ou 
 25
do seu receptor GPIb/IX/V (Síndrome de Bernard-Soulier) resultam em adesão 
plaquetária defeituosa e distúrbios hemorrágicos, como demonstrado na figura 
abaixo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 13. Doenças Relacionadas à Hemostasia Primária. 
 
 
 
Fator de von Willebrand 
 
 O FvW é sintetizado nos megacariócitos e nas células endoteliais, e 
armazenado, respectivamente, em grânulos α e em organelas específicas, 
denominadas corpos de Weibel-Palade. O FvW é uma proteína de alto peso 
molecular que forma multímeros extensos, sendo encontrado tanto no plasma 
(associado ao fator VIII) como em plaquetas, e, ainda, na região subendotelial. 
Sua concentração plasmática é aproximadamente 30% menor em indivíduos do 
grupo sanguíneo “O”. 
 
Este fator apresenta sítios de ligação específica aos receptores 
plaquetários GPIb/IX/V, ao fator VIII, ao colágeno, e à proteína botrocetina, 
derivada de veneno de cobra. A função de carregar o fator VIII é de extrema 
importância. A concentração plasmática do FvW é de 50 nmol/L excedendo em 
quase 50 vezes a de FVIII (1 nmol/L). Ambas as proteínas possuem grande 
afinidade uma pela outra e, portanto, praticamente todo o FVIII encontra-se ligado 
ao FvW. Este estabiliza e protege o FVIII da inativação proteolítica, transportando-
o até o local da lesão e aumentando, assim, sua concentração local. Depois da 
ativação do FVIII, este se desliga do FvW, podendo ser inativado pela proteína C. 
 
 
 26
Ativação Plaquetária 
 
 Uma vez aderida, através da interação plaqueta-subendotélio 
eficientemente estabilizada pelo FvW, a plaqueta sofre um estímulo de ativação 
pela própria ligação ao colágeno, além da ação de outras substâncias ativadoras 
– os agonistas plaquetários. O colágeno, a trombina, o ADP e a adrenalina, entre 
outros, são exemplos de agentes responsáveis pelo processo de ativação 
plaquetária. Na tabela abaixo, estão os principais agonistas e seus respectivos 
receptores plaquetários: 
 
 
 
Agonista Receptor Tipo de receptor 
ADP P2Y1 P2Y12 
Acoplados à Proteína G 
Canal de cálcio 
Colágeno GP IV GP VI Tirosina fosfatase 
Epinefrina Receptor de Epinefrina Acoplado à Proteína G 
PAF Receptor de PAF Acoplado à Proteína G 
α-trombina 
GP Ib 
PAR 1 
PAR 4 
Acoplados à Proteína G 
Tromboxana A2 Receptor de tromboxana A2 Acoplado à Proteína G 
 
 
 A ativação plaquetária induz vários eventos, dentre os principais: 
 
• Secreção dos grânulos α e grânulos densos; 
• Mudança de forma da célula – o formato original da célula (discóide) é 
alterado para um formato esférico com emissão de pseudópodes; 
• Aumento nos níveis intracelulares de cálcio; 
• Alteração da composição lipídica da membrana externa; 
• Exposição da GP IIb/IIIa. 
 
 
Secreção de grânulos 
 
 A ativação plaquetária é iniciada pela ligação dos agonistas supracitados 
aos receptores da superfície plaquetária, seguida pelo desencadeamento de uma 
cascata de fosforilação de proteínas intracelulares que culmina, entre outras 
coisas, na liberação dos grânulos plaquetários, os quais podem ser de três tipos: 
 
• grânulos densos, contendo cálcio, serotonina, epinefrina e ADP; 
• grânulos alfa, contendo FvW, fibronectina, trombomodulina, fator de 
crescimento derivado das plaquetas (PDGF) e uma enzima inativadora 
da heparina (fator plaquetário 4); 
 27
• lisossomas com endoglicosidases e heparinases. 
 
 Em especial, as liberações de tromboxano A2 (TXA2) – um derivado do 
ácido araquidônico – e ADP são de extrema importância, por serem capazes de 
ativar ainda mais plaquetas, desencadeando finalmente a agregação plaquetária. 
 
 
 
Mudança de forma da célula e aumento nos níveis intracelulares de cálcio 
 
 Os agonistas plaquetários se ligam a seus receptores e estimulam a 
fosfolipase C, uma enzima que hidrolisa o fosfatidilinositol (PIP2) em dois 
componentes: o inositol trifosfato (IP3) e o diacilglicerol (DAG). O IP3 induz a 
liberação de cálcio no citoplasma, proveniente do sistema tubular denso, além de 
fosforilar a miosina, uma proteína contrátil do citoesqueleto plaquetário. Como 
resultado, a plaqueta muda a sua forma e torna-se capaz de degranular (liberar os 
seus grânulos, como explicado anteriormente). 
 
 Com o aumento de cálcio, a assimetria da membrana – presença de 
fosfatidilserina exclusivamente na camada interna das células – é alterada, devido 
a mudanças na atividade das seguintes enzimas: 
 
• Aminofosfolipídeo translocase ATP-dependente (ou flipase) – 
transporta especificamente os lipídeos fosfatidilserina e 
fosfatidiletanolamina da camada externa para a camada interna da 
membrana da célula. Ativada em baixos níveis de cálcio e inativa em 
altos níveis de cálcio intracelular. 
 
• Flopase ATP-dependente – transporta inespecificamente fosfolipídeos 
da camada interna para a camada externa da membrana. Ação lenta. 
 
• Escramblase – transporta inespecificamente fosfolipídeos da camada 
interna para a externa e vice-versa. Ação rápida. Inativa em baixos 
níveis de cálcio e ativa em altos níveis de cálcio intracelular. 
 
Além disso, a alta concentração de cálcio também ativa as chamadas 
fosfolipases A2, que liberam ácido araquidônico a partir de fosfolipídeos de 
membrana, como a fosfatidilcolina para a produção de tromboxano A2, um 
potente ativador de plaquetas. O ácido araquidônico sofre a ação da enzima 
ciclooxigenase, produzindo compostos como PGG2 e PGH2. A partir destes, a 
enzima tromboxano sintetase produz tromboxano A2 (TXA2), o qual, por sua vez, 
age na própria plaqueta, estimulando fosfolipases de membrana – um mecanismo 
de retroalimentação positiva. 
 
 
Alteração da composição lipídica da membrana externa 
 
 O aumento nos níveis de fosfatidilserina na membrana externa da plaqueta 
ativada é fundamental para a montagem de alguns complexos da coagulação 
 28
sanguínea, como demonstradoabaixo e melhor aprofundado no capítulo de 
coagulação sanguínea. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 14. Perda de Assimetria Fosfolipídica da Membrana Plasmática na Presença de 
Cálcio. Efeito regulatório do cálcio sobre a atividade de enzimas transportadoras de fosfolipídios e 
exemplo do papel da exposição de fosfatidilserina na montagem do complexo pró-coagulante 
protrombinase. 
 
 
DAG 
 
O DAG, produzido na via ativada por fosfolipase C, estimula ainda a 
proteína quinase C (PKC), que fosforila a miosina e conduz as plaquetas à 
profunda mudança na forma plaquetária. 
 
 
Agregação Plaquetária 
 
A agregação plaquetária é estritamente dependente da ativação 
plaquetária, especialmente devido à indução da maior exposição da GP IIb/IIIa, 
presente na membrana da plaqueta, ao seu ligante fibrinogênio (decorrente de 
mudanças conformacionais dessa glicoproteína), e à secreção de ativadores 
plaquetários contidos nos grânulos. Este fenômeno de agregação consiste em 
uma interação física entre as plaquetas, mediada pela proteína plasmática 
fibrinogênio, que possui uma seqüência específica de aminoácidos que é 
reconhecida pela GP IIb/IIIa. 
 
O resultado final desta fase é a formação do agregado plaquetário, capaz 
de impedir o sangramento até que a hemostase secundária (coagulação) esteja 
concluída. 
 
 29
2.2.3. Distúrbios na Hemostasia Primária 
 
 Quando há deficiência em algum dos fatores envolvidos na hemostasia, há 
um prejuízo em todo o processo descrito, que é o que caracteriza os distúrbios 
hemostáticos. Os distúrbios hemostáticos congênitos mais importantes estão 
descritos na tabela abaixo. Além dos congênitos, também há distúrbios 
adquiridos, como pelo uso excessivo de antiinflamatórios, de ácido acetilsalisílico, 
anti-histamínicos ou de psicotrópicos. Há também distúrbios numéricos, de 
alteração na produção de plaquetas, como a aplasia medular, leucemia e 
produção reduzida por deficiência de folato ou vitamina B12, ou de destruição 
excessiva: coagulação intravascular disseminada (CID), envenenamento 
botrópico e esplenomegalia. 
 
 
Distúrbio 
Freqüência da 
ocorrência 
Descrição Gravidade do sangramento 
Doença de von 
Willebrand 
Relativamente 
comum 
Fator de von Willebrand 
defeituoso ou ausente, a proteína 
que mantêm as plaquetas unidas 
à parede vascular lesada, ou 
deficiência do fator VIII da 
coagulação 
Leve a moderado na maioria 
dos casos. Pode ser severo 
nas pessoas que apresentam 
níveis muito baixos do fator de 
von Willebrand 
Doença da 
reserva de 
armazenamento 
Relativamente 
incomum 
Grânulos das plaquetas 
defeituosos que impedem a 
aglomeração das plaquetas 
Leve 
Síndromes de 
Chédiak-Higashi 
e de Hermansky- 
Pudiak 
Raras Formas especiais de doença do 
fundo de armazenamento 
Variável 
Disfunção do 
tromboxano A2 
Muito rara Resposta plaquetária 
comprometida aos estímulos de 
aglomeração 
Leve 
Trombastenia de 
glazman 
Rara Ausência de GP IIb/IIIa na 
superfície da plaqueta que são 
necessárias para a aglomeração 
plaquetária 
Variável 
Síndrome de 
Bernard-Soulier 
Rara Ausência de proteínas na 
superfície da plaqueta e 
plaquetas anormalmente grandes 
que não aderem às paredes 
vasculares lesadas 
Variável 
 30
2.2.4. Importante Observação Farmacológica 
 
 O ácido acetilsalisílico, comercialmente conhecido como aspririna®, é 
capaz de interferir no processo de hemostasia primária. A aspirina®, que inativa a 
enzima ciclooxigenase, evita a síntese de PGH2 plaquetário e, 
consequentemente, de tromboxano A2, o que dificulta uma eficiente ativação 
plaquetária. Além disso, discute-se seu efeito limitador sobre a capacidade do 
colágeno de ativar as plaquetas, uma vez que o colágeno é, por si só, indutor 
fraco da ativação plaquetária, mas se torna um indutor poderoso na presença de 
PGH2. Dessa forma, percebemos que a aspirina® possui um papel 
antitrombótico, ou seja, de inibir a hemostase, mas que não ocorre tão 
intensamente em indivíduos normais pela compensação da ativação plaquetária 
por outros agonistas, tais como a trombina. 
 
 Por outro lado, no endotélio, a aspirina® também atuará inibindo a 
ciclooxigenase endotelial. Esta produz PGG2 que passa a PGH2, o qual, no 
endotélio, se converte em PGI2 – um inibidor da hemostasia primária. Logo, no 
endotélio, a aspirina® agiria como um agente pró-hemostático. 
 
 Mas porque será que a sua ação predominante continua sendo 
antitrombótica? 
 
 Porque apesar de a aspirina® agir na mesma enzima, tanto na plaqueta 
quanto no endotélio, este último possui a capacidade de sintetizar novas 
proteínas e, dessa forma, rapidamente repõe seus níveis de ciclooxigenase. Já 
nas plaquetas, a síntese protéica não ocorre, e a enzima não é reposta, inibindo, 
portanto, a produção de PGH2 e consequentemente de tromboxano A2, o que 
dificulta a ativação plaquetária. O esquema abaixo busca resumir toda essa 
produção dos derivados do ácido araquidônico. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 31
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Assim, concluem-se os conceitos relacionados à hemostasia primária, 
cujos pontos mais importantes são: 
 
• As fases desse processo; 
• A participação das plaquetas e de seus receptores; 
• A ação da aspirina. 
 
A partir de agora, passaremos à próxima etapa, hemostasia secundária, 
mas tendo em mente que a hemostasia primária não é uma fase separada da 
secundária. Os processos de ativação ocorrem todos juntos, somente com 
diferença temporal para os efeitos apresentados que fazem com que sejam 
agrupados em fases. Na verdade, essa divisão é meramente didática, e essas 
fases interligam-se, estimulam-se e inibem-se, como será explicado a seguir. 
PGG2 
ciclooxigenase 
PGH2 TROMBOXANA A2 
Tromboxana sintetase 
(nas plaquetas) 
aspirina 
Inibida 
por
ÁCIDO 
ARACDÔNICO 
PGI2 
Prostaciclina sintetase 
(no endotélio) 
 32
2.3. HEMOSTASIA SECUNDÁRIA: COAGULAÇÃO SANGÜÍNEA 
 
A coagulação sangüínea constitui a segunda etapa do processo 
hemostático. Apesar da divisão didática e conceitual desta fase, como veremos 
mais adiante, esta etapa está naturalmente relacionada à hemostase primária. 
 
O sangue contém diversas proteínas plasmáticas, dentre as quais os 
fatores de coagulação, que estão envolvidos em uma seqüência rigorosamente 
controlada de reações de ativação, as quais resultam, em última instância, na 
formação de trombina e, subsequentemente, fibrina. Esta série de eventos leva à 
ativação parcial dos fatores de coagulação, que circulam em um estado precursor 
inativo chamado de zimogênio (zimo= enzima, gênio= que dá origem). 
 
O processo de ativação é primariamente uma seqüência de clivagens 
proteolíticas em locais específicos – também conhecida como proteólise limitada 
–, um mecanismo muito comum a vários outros sistemas do organismo, tais 
como o sistema complemento, sistema de regulação da pressão sanguínea via 
angiotensina/renina ou sistema de cininas, ativação de metaloproteases de 
matriz, etc. 
 
A enzima, nesta constelação, é um fator de coagulação ativado, e o 
substrato (em muitos casos também ligados a superfície), um zimogênio de um 
fator de coagulação diferente que se torna ativado depois de uma parte da 
molécula ter sido clivada (o peptídio de ativação). Em alguns casos, várias 
clivagens proteolíticas podem ser requeridas, porém nem sempre o peptídeo de 
ativação é liberado, e isto se deve ao fato de o mesmo estar ligado à molécula 
residual via pontes dissulfeto ou por ligação não covalente. No caso dos fatores 
homólogos VIII e V, várias clivagens proteolíticas ocorrem, mas as cadeiasde 
proteínas individuais finais ainda formam uma molécula ligadora de cálcio 
relativamente estável (ver figura 15 para sítio de clivagem nos fatores de 
coagulação). 
 
A clivagem das ligações do peptídio de ativação induz mudanças 
conformacionais consideráveis que expõem o sítio ativo da enzima recém gerado, 
geralmente escondido dentro da pró-enzima. Na maioria dos casos, os passos de 
ativação proteolítica são mais ou menos restritos a superfície, porque muitos dos 
fatores de coagulação ou de seus precursores têm locais de ligação específica a 
fosfolipídios, íons metálicos, receptores específicos ou co-fatores localizados na 
superfície de diferentes tipos de células. Todos os fatores de coagulação com 
atividade proteolítica pertencem à classe de serino-proteases (que contém o 
resíduo de aminoácido serina no sítio catalítico), as quais compartilham 
significativa seqüência de homologia. 
 
Em certas doenças, uma ativação inespecífica de fatores de coagulação 
pode ser mediada por uma variedade de outras proteases de microorganismos, 
liberadas por células tumorais, leucócitos ativados ou tecidos danificados. Um 
caso especial são as proteases de animais venenosos, tais como certas espécies 
de serpentes que contêm poderosos ativadores da coagulação (e inibidores) nos 
seus venenos, e podem induzir mudanças maciças associadas à hemostase, com 
severas complicações tromboembólicas ou hemorrágicas. 
 33
2.3.1. Fatores da Coagulação 
 
Os fatores de coagulação representam uma família de proteínas 
plasmáticas altamente glicosiladas. A maioria deles (exceto Fator II – protrombina 
– e Fator I – fibrinogênio) é encontrada em concentrações muito baixas. À 
exceção do fator tecidual (TF) que está ligado à membrana de células do 
subendotélio, todos os fatores da coagulação são proteínas plasmáticas que 
requerem uma etapa de ativação proteolítica. A pré-calicreína e o cininogênio de 
alto peso molecular – HMWK –, e também o Fator XII estão envolvidos na então 
chamada fase de contato da coagulação sanguínea ou via extrínseca, que parece 
ser de mínima importância para a hemostase fisiológica. 
 
 
Fator 
Peso 
Molecular 
(Da) 
Concentração 
Plasmática 
(µg/mL) 
Concentração Necessária para 
Hemostase 
(% concentração normal) 
Fibrinogênio 330.000 3.000 30 
*Protrombina 72.000 100 40 
Fator V 300.000 10 10-15 
*Fator VII 50.000 0,5 5-10 
Fator VIII 300.000 0,1 10-40 
*Fator IX 56.000 5 10-40 
*Fator X 56.000 10 10-15 
Fator XI 160.000 5 20-30 
Fator XIII 320.000 30 1-5 
Fator XII 76.000 30 0 
Pré-calicreína 82.000 40 0 
HMWK 108.000 100 0 
 
*Fatores dependentes de vitamina K 
 
 
Alguns dos fatores da coagulação são dependentes de vitamina K, isto é, 
uma série de reações enzimáticas que resultam na modificação (gama-
carboxilação) de cadeias laterais de ácido glutâmico presentes no chamado 
“domínio-Gla” dessas proteínas dependem de vitamina K. “Gla” é o acrônimo para 
ácido gama-carboxiglutâmico (do inglês gamma-carboxyglutamic acid). Resíduos 
Gla- são requeridos para ligação de íons cálcio, co-fatores pivôs da maioria das 
reações da cascata de coagulação. Entretanto, a ligação do cálcio não está 
restrita a apenas o ácido gama-carboxiglutâmico. É importante observar que mais 
de um resíduo de ácido glutâmico é modificado por esta reação, somente no 
domínio Gla. 
 
Antagonistas da vitamina K (coumadim / Warfarin®, phenprocoumon / 
Marcumar® / Falithrom®, acenocoumarol / Sintrom®) são drogas que são 
ministradas para profilaxia e tratamento de doença tromboembólica. Sua função é 
inibição de gama-carboxilação, o que leva a formação de fatores de coagulação 
em parte inativos. Estes anticoagulantes orais inibem o sistema de reciclagem 
 34
(redução) enzimática de uma forma oxidada e inativa de vitamina K (vitamina K 
epóxido) que é gerada nas reações de gama carboxilação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 15. Representação Esquemática da Seqüência de Alguns Fatores da Coagulação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 35
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 16. Formação do Domínio Gla. A reação de gama carboxilação dos fatores da 
coagulação ocorre no fígado, e pode ser bloqueada por antagonistas da vitamina K como a 
varfarina. Em (A) está representada a reação de gama carboxilação em resíduos de ácido 
glutâmico, catalisada pela enzima gama-glutamil carboxilase. Esta converte uma forma reduzida 
de vitamina K em vitamina K epóxido (oxidada), que por sua vez é reciclada a sua forma reduzida 
pela enzima vitamina K epóxido redutase (em B), a qual é alvo de inibição pela varfarina e outros 
cumarínicos relacionados. 
 
 
 
2.3.2. Vias de Ativação da Coagulação Sanguínea 
 
 A ativação do sistema de coagulação pode ser separada em duas vias: a 
via extrínseca ou via do fator VII, cuja ativação se dá pelo fator tecidual; e a 
ativação por contato com superfícies não-fisiológicas, também chamada de 
ativação intrínseca ou via de contato, onde há participação das proteínas pré-
calicreína (PK) e cininogênio de alto peso molecular (HMWK), e dos fatores XII, XI 
e IX (FXII, FXI, FIX). 
 
Estas duas vias não estão diretamente separadas; elas interagem em 
diversas etapas. As duas vias se encontram no fator X. Etapas restantes são 
comuns a ambas as vias. Por razões práticas, uma vez que os dois principais 
ensaios de coagulação (TAP e PTTa) separaram estas vias, é comum tratá-las 
individualmente. 
 
 
Via Extrínseca 
 
A ativação fisiológica da coagulação sanguínea é mediada quase 
exclusivamente por meio da via do fator tecidual. Fator tecidual (TF) é uma 
proteína de membrana que usualmente não é encontrada em quantidade 
suficiente na superfície do endotélio, células brancas do sangue ou no plasma. 
Entretanto, o subendotélio é constitutivamente rico em TF, o qual também tem 
sido localizado em quase todos os tecidos. Placas ateroscleróticas e monócitos 
estimulados com lipopolissacarídeos (endotoxina LPS) ou a citocina pró-
inflamatória interleucina 1 (IL-1) também podem gerar TF. 
 36
ou estímulos de ativação celular, ou sintetizado de novo por 
leucócitos/células sanguíneas, respectivamente. Os indutores fisiológicos da 
biossíntese do fator tecidual são diversas citocinas, tais como IL-1, fator de 
necrose tumoral (TNF), trombina, proteína C 5a (do sistema complemento), a 
anaflatoxina gerada do complemento C5, e provavelmente vários outros. 
 
O fator tecidual consiste de um domínio intracelular, uma porção 
transmembrana e um domínio extracelular, que é homólogo ao de receptores de 
citocinas. Após injúria vascular, TF é exposto no subendotélio, e o contato do fator 
tecidual com o fator VIIa leva à formação de um complexo ativo, chamado de 
complexo tenase extrínseco, o qual pode ativar o fator X, ainda mais 
eficientemente na presença de fosfolipídios (PL) e íons cálcio. De acordo com 
outros resultados, concentrações muito baixas de fator VIIa parecem estar 
sempre presentes no sangue (meia vida 2,5 h) e são responsáveis pela ativação 
inicial de tal complexo nos locais onde há TF exposto. O sistema, 
simplificadamente, pode ser ilustrado como uma série de etapas subseqüentes: 
 
TF/FVIIa + FX (+ Ca2+ + PL) → FXa 
 
FXa + FII (protrombina) → FIIa (Trombina) 
 
FIIa + Fibrinogênio → Fibrina 
 
Na realidade, entretanto, o sistema é muito mais complexo. Um elemento 
muito importante da hemostase é o envolvimento de reações de feedback 
positivo, caracterizadas pela participação de um produto da reação em sua 
própria formação, levando a uma amplificação maciça. 
 
Na hemostase, o feedback positivo é provido pela ativação de uma pró-
enzima pelo produto de sua reação, a enzima resultante, (p.ex., a ativação de 
FVII pelo próprio FVIIa na presença de TFe íons cálcio), e pela ativação de co-
fatores que aceleram as reações enzimáticas. As reações de feedback positivo 
estão envolvidas em muitas etapas na cascata de coagulação. Na via extrínseca, 
provavelmente o feedback mais importante é alcançado depois que o fator V é 
ativado pelos primeiros traços de trombina. Junto com Ca++ e PL, FVa acelera a 
ativação de protrombina pelo FXa significativamente, enquanto a forma não 
ativada não é efetiva. O complexo FXa, FVa, PL e cálcio (complexo 
protrombinase) é muito mais efetivo na geração de trombina que o FXa sozinho, e 
é parcialmente protegido contra inibição por inibidores tais como a antitrombina. 
 
 
A contribuição do FVIII, FIX e FXI para a formação de trombina 
 
Pacientes com deficiências de FVIII ou FIX (hemofílicos A e B, 
respectivamente) são muito mais comuns que pacientes com uma deficiência em 
um dos fatores extrínsecos típicos. Isso ilustra que a deficiência completa ou 
muito severa de FVII, FX, FV e protrombina é provavelmente letal. Mas uma grave 
deficiência de FVIII e IX é também associada com hemorragia maciça, 
especialmente no tecido conjuntivo das articulações. No caso de deficiência de 
FXI (hemofilia C), a tendência ao sangramento é relativamente fraca em alguns 
 37
pacientes. Outros sofrem de uma diátese hemorrágica severa, similar àqueles das 
clássicas hemofilias A e B. Os achados clínicos provam que todos os fatores 
devem estar envolvidos na ativação da coagulação. 
 
O FVIII circulante está ligado ao FvW e é ativado pela trombina: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 17. Esquema de Ativação do FVIII pela trombina. 
 
 
O envolvimento de FVIII, FIX e FXI na formação de trombina foi 
reinvestigado através dos últimos anos e isso levou a uma descrição revisada da 
coagulação sanguínea, na qual a então chamada ‘’via intrínseca’’ não representa 
mais um papel importante a respeito da formação de trombina fisiológica. Já há 
um longo período, sabia-se que, na presença de baixas concentrações de TF, não 
apenas fator X, mas também fator IX era ativado por FVIIa. Sob essas condições, 
a taxa de formação de trombina tornou-se também dependente deste FIXa e de 
FVIIIa (co-fator do FIXa, juntos formam o complexo tenase intrínseco, na 
presença de Ca++ e PL). Usando um ensaio imune para o peptídio de ativação do 
fator IX, que é liberado por ativação, foi demonstrado que FVIIa in vivo é de longe 
o ativador mais relevante de FIX. 
 
Sob as condições do ensaio de tempo de protrombina (TAP), entretanto, no 
qual um grande excesso de TF é usado, a ativação da coagulação é 
independente dos fatores IX e VIII. Mais recentemente, descobriu-se que a 
 38
trombina é capaz de ativar também o FXI, ativador conhecido do FIX. Essa etapa 
é provavelmente dependente da presença de superfícies negativas ou compostas. 
De acordo com dados mais recentes, FXI é ativado quando altos níveis de 
trombina são gerados, que é um processo em andamento até mesmo quando 
fibrina já está formada. Isto explica por que a deficiência do FXI não é detectada 
em ensaios de coagulação para a via extrínseca, nos quais a taxa para formação 
de fibrina (usualmente os primeiros filamentos de fibrina detectados) é 
determinável. 
 
 
A Fase de Contato da Coagulação Sanguínea e a Via Intrínseca 
 
A interação do sangue com superfícies artificiais, especialmente superfícies 
que são negativamente carregadas tais como vidro ou plásticos (em dispositivos 
médicos), aciona uma complexa interação de várias proteínas que requerem uma 
superfície negativamente carregada para uma mudança conformacional que as 
ativa. Superfícies biológicas negativamente carregadas também podem ser 
representadas por certos componentes de membrana, tal como sulfatídeos. Eles 
são expostos ao sangue em casos de injúrias. Este processo é chamado de “fase 
de contato” da coagulação sanguínea. 
 
 A fase de contato também é caracterizada por reações de feedback 
positivo. Na presença de cininogênio de alto peso molecular (HMWK ou HK), pré-
calicreína é ativada pelo FXIIa a calicreína, que por sua vez ativa mais FXII e 
assim por diante. O FXIIa, por sua vez, pode também ativar FXI a FXIa. 
 
O único fator envolvido que parece ser um fator fisiológico de coagulação é 
o FXI. Uma deficiência desta proteína (hemofilia C) pode levar a problemas 
hemorrágicos leves e, às vezes, até mesmo severos, enquanto que a deficiência 
de FXII e HMWK ou pré-calicreína não determinam quadros hemorrágicos. O 
FXIa ativa FIX a FIXa. Todas as etapas subseqüentes requerem íons cálcio e são 
fosfolipídeos dependentes. FIXa livre ativa FX, mas esta reação não é muito 
efetiva. Tão logo alguma trombina é formada, entretanto, FIXa forma um 
complexo com FVIIIa (que é ativado pela trombina). Junto com PL (na superfície 
de plaquetas) e íons cálcio, este complexo (tenase intrínseco) ativa FX com 
eficácia muito maior. 
 
 A via intrínseca, especialmente a fase de contato, parece ser um tanto 
menos importante que a via extrínseca. Existe crescente consenso de que o 
gatilho fisiológico típico da coagulação, em saúde e doença, é o fator tecidual. 
Cabe ressaltar, entretanto, que a ativação por contato desempenha um papel 
importante quando o sangue é exposto a superfícies não biológicas, tal como 
durante cirurgia de by-pass cardiopulmonar, na qual a inibição da ativação por 
contato é rotineiramente realizada com aprotinina, um inibidor de protease 
polivalente. Aparentemente, o benefício terapêutico alcançado com aprotinina, 
entretanto, é preferencialmente a inibição da fibrinólise induzida pela ativação por 
contato (discutido em mais detalhes na parte de fibrinólise). 
 39
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 18. Resumo das Vias Extrínseca e Intrínseca da Coagulação. Observe a ligação 
comum entre ambas as vias no nível de ativação do fator IX. PL=fosfolipídios; HMWK=cininogênio 
de alto peso molecular. 
 
 
 
 
 
 40
Um Modelo Recente na Coagulação Sanguínea Fisiológica 
 
Resultados mais recentes proveram evidências para um modelo baseado 
em superfícies celulares hemostáticas que enfatiza a importância de receptores 
celulares específicos para as proteínas da coagulação. Já há algum tempo foi 
reconhecido que plaquetas fornecem fatores que apóiam a ativação de 
protrombina, uma vez que FXa ligado à superfície da plaqueta pode levar à 
geração de trombina. De acordo com este novo modelo, a coagulação não ocorre 
simplesmente como uma “cascata”, mas em três estágios sobrepostos: 
 
Fase 1: Iniciação 
Ocorre na superfície de uma célula que expõe fator tecidual, p.ex. em células 
subendoteliais ou monócitos ativados. A formação do complexo tenase extrínseco 
(TF/FVIIa) resulta na formação de FXa e FIXa, e na geração de pequenas 
quantidades de trombina. Essa fase de iniciação é facilmente desligada pelo 
inibidor da via do fator tecidual (TFPI), como veremos mais adiante. 
 
Fase 2: Amplificação 
A trombina formada na fase inicial é essencial para ativação das plaquetas e dos 
co-fatores das enzimas FXa e FIXa, respectivamente FV e FVIII, de modo a 
permitir uma amplificação da geração de trombina em larga escala. Dessa forma, 
o FXa, agora constituinte do complexo protrombinase, está protegido da inibição 
por antitrombina. 
 
Fase 3: Propagação 
Grandes quantidades de trombina são geradas na superfície da plaqueta ativada, 
onde a exposição de fosfolipídios aniônicos, especialmente fosfatidilserina, é 
essencial para a montagem dos complexos tenase intrínseco (FIXa/FVIIIa/FX) e 
protrombinase (FXa/FVa/protrombina). Níveis mais elevados de trombina levam 
também à ativação de FXI, que está disponível no plasma, mas também é 
liberado de plaquetas (através dos grânulos alfa). Asuperfície da plaqueta ativada 
protege ainda o FXIa de inibição por inibidores plasmáticos. FXIa pode induzir a 
formação de trombina de forma explosiva, por ativação mais eficiente de FIX na 
superfície da plaqueta ativada. Obviamente, uma formação adicional maciça de 
trombina através dessa via ocorre quando a fibrina já estiver formada. 
 
 41
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 19. Reações da Coagulação Dependentes de Superfícies de Membrana. 
Representação esquemática dos principais complexos enzimáticos da coagulação, onde cada 
serino-protease está associada ao seu co-fator protéico e substrato apropriados, em uma 
superfície de membrana expondo Fator Tecidual (no caso do complexo tenase extrínseco) ou 
fosfatidilserina, representada em azul (no caso dos complexos tenase intrínseco e protrombinase). 
 
 
 
Formação de Polímero de Fibrina Solúvel e Fibrina Estabilizada 
 
A fase final da cascata de coagulação leva à formação de fibrina insolúvel 
por conversão da proteína solúvel no plasma, o fibrinogênio, pela trombina em 
uma série de reações proteolíticas. Fibrinogênio é uma grande proteína 
plasmática multimérica que é formada de duas cadeias alfa, beta, gama. As 
cadeias de proteínas individuais do fibrinogênio são conectadas por diversas 
ligações dissulfeto. A molécula forma uma estrutura nodular que pode ser depois 
segmentada em um domínio-E central e dois domínios-D (Figura 20). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 20. Desenho Esquemático aa Clivagem de Fibrinogênio pela Trombina. Este esquema 
mostra os fibrinopeptídios A (FPA) e B (FPB), expostos no domínio-E central, sendo cortados pela 
trombina. O produto da reação é chamado des-AB-fibrina, monômeros de fibrina, ou, depois da 
formação de oligômeros, “fibrina solúvel”. 
 42
A liberação de fibrinopeptídios FPA e FPB (um processo gradual levando 
primeiro a des-A-fibrina e um tanto depois a des-AB-fibrina) gera mudanças 
significativas na estrutura geral da molécula e induz polimerização. Após certo 
tamanho molecular ter sido atingido, a solubilidade da fibrina é reduzida 
significativamente. Isso leva à formação de um polímero insolúvel, que forma uma 
rede de cadeias ramificadas, o coágulo. A trombina permanece ligada ao coágulo 
e ainda é ativa. 
 
 Em adição à trombina, existem diversas enzimas de cobras venenosas que 
também podem gerar fibrina (Reptilase®, uma protease semelhante à trombina 
proveniente de Bothrops atrox, Ancrod e várias outras). Algumas enzimas de 
cobras venenosas cortam apenas FPA ou FPB. Defibrinação terapêutica com 
enzimas de cobras venenosas parecem ser benéficas no acidente vascular 
cerebral (AVC) e outras doenças tromboembólicas arteriais. Em contraste com a 
trombina, batroxobin e enzimas de cobras venenosas altamente purificadas 
similares não são inibidas por antitrombina ou inibidores de ação rápida similar, e 
não ativam plaquetas ou FV, FVIII, FXI ou FXIII. Portanto, estas enzimas são 
ferramentas valiosas na investigação da formação de fibrina e retração do 
coágulo. 
 
 
Fator XIII 
 
A formação de des-A-fibrina por trombina leva à quase simultânea ativação 
de outro fator da coagulação, FXIII, em uma reação dependente de cálcio. FXIIIa 
age como uma transglutaminase e faz uma ligação cruzada entre as moléculas 
de fibrina. De acordo com dados recentes, o substrato de FXIIIa já é a des-A-
fibrina. 
 
 FXIIIa também promove a ligação cruzada entre diversas outras proteínas 
e o coágulo de fibrina. Dentre estas proteínas, estão a alfa2-antiplasmina, inibidor 
central do sistema de fibrinólise, e o inibidor da fibrinólise ativado por trombina 
(TAFI). Esses inibidores previnem o coágulo de ser dissolvido precocemente. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 21. Conversão de Fibrinogênio em Fibrina (1) e Estabilização do Coágulo de Fibrina 
pelo Fator XIIIa (2). 
 43
A ligação cruzada mediada pelo FXIIIa é a formação de uma ligação 
isopeptídeo entre cadeias laterais de lisina e glutamina específicas no substrato. 
Essa reação libera uma molécula de amônia/ligação cruzada (Figura 22). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 22. Ligação Cruzada Isopeptídeo Catalisada pelo Fator XIIIa. 
 
 
 
A fibrina forma uma rede tridimensional. In vivo, um coágulo de fibrina 
contém células aprisionadas tais como plaquetas, eritrócitos e células brancas do 
sangue. Devido à baixa atividade fibrinolítica inicial, o coágulo é relativamente 
estável por algum tempo. Desde de que o coágulo ainda tenha trombina ativa, 
pedaços dissolvidos do coágulo (embolia) podem transportar um material 
altamente trombogênico para outros segmentos de vasos sanguíneos, que podem 
então ser o início de um novo evento tromboembólico (p.ex., um infarto do 
miocárdio ou um AVC). 
 
A fixação direta de filamentos de fibrina a diferentes células tais como 
plaquetas, fibroblastos, células do músculo liso e a proteínas adesivas garante 
que a área afetada esteja mecanicamente (impacto do fluxo) e quimicamente 
(impacto de enzimas fibrinolíticas ou proteases de leucócitos) bem protegida. Isto 
limita a perda de sangue no caso da injúria de um vaso, protege contra invasão 
por agentes infecciosos em feridas abertas, e previne os filamentos de fibrina e 
células aprisionadas de formar êmbolos, que podem ocluir vasos sanguíneos em 
outras áreas. 
 
 
2.3.3. Deficiência dos Fatores da Coagulação 
 
 
 
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Deficiências Hereditárias 
 
As deficiências congênitas da maioria dos fatores da coagulação são 
relativamente raras. 
 
Deficiências leves de fatores da coagulação (usualmente abaixo de 30% da 
atividade normal ou até mesmo mais baixo), não levam a diátese hemorrágica 
espontânea. Entretanto, a combinação com um fator de risco diferente, tal como 
trombocitopenia, uso de AAS (ácido acetilsalicílico) e outros, pode ser perigoso, 
especialmente quando é requerida uma cirurgia. Portanto, uma anamnese 
cuidadosa é obrigatória, e testes de coagulação que investiguem a função das 
vias de coagulação devem sempre ser efetuados, incluindo uma investigação da 
função plaquetária, que é provavelmente mais importante que o sistema 
plasmático. 
 
As deficiências hereditárias que levam a diátese hemorrágica são mais 
conhecidas como hemofilias, e três tipos diferentes são descritos: a Hemofilia A, 
conhecida também como hemofilia clássica e que se caracteriza pela ausência do 
fator VIII da coagulação; a Hemofilia B, também conhecida como doença de 
Christmas, e que se caracteriza pela ausência do fator IX; e a Hemofilia C, que é 
determinada por gene autossômico dominante não relacionado com o sexo e 
caracteriza-se pela ausência de fator XI. 
 
 
Terapia 
 
Deficiências de fatores da coagulação são usualmente tratadas com fatores 
purificados e concentrados de plasma agregado de diferentes doadores, ou de 
origem recombinante, especialmente para a maioria das formas de hemofilia, as 
deficiências de FVIII (hemofilia A) e FIX (hemofilia B). Deficiências de alguns dos 
outros fatores da coagulação são usualmente tratadas com plasma fresco 
congelado (ou liofilisado) ou com PPSB, uma fração do plasma que é rica em 
fatores da coagulação dependentes de vitamina K. PPSB tem sido utilizado 
cuidadosamente porque algumas marcas podem conter fatores da coagulação 
ativados tal como FIXa. Apenas para alguns subtipos de deficiência do fator de 
Von Willebrand, a peptídio hormônio desmopressina (que libera FvW de células 
endoteliais) pode ser usada como uma alternativa menos cara, mas muito efetiva. 
Terapia concentrada requer monitoração cuidadosa. 
 
 
Inibidores 
 
Uma complicação perigosa da terapia concentrada é o desenvolvimento de 
“inibidores”, autoanticorpos, que agem diretamente contra o respectivo fator da 
coagulação. O desenvolvimento de

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