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165 ATENÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina 166 Atenção à Criança e ao Adolescente Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Anamnese A anamnese inicia-se desde o momento em que a família entra na sala de atendimento, quando pode- se observar alguns dados como quem traz a criança, a maneira como é carregada e sua relação com seus cuidadores. É importante que a equipe conheça o nome das pessoas que trazem a criança. Referências como “ mãe”, “mãezinha” “ tia” ou outras afins, pecam pela impessoalidade, não levando em conta a subjetividade do acompanhante, a qual é fundamental para o estabelecimento de um vínculo adequado entre o médico e a família da criança. Na pediatria, como nas demais áreas de atendimento, não há acompanhantes, mas participantes da consulta. No atendimento pediátrico, além dos dados obtidos tradicionalmente em outras faixas etárias é fundamental a obtenção dos seguintes dados: (1) antecedentes pessoais: realização de pré-na- tal, idade gestacional de início, número de consul- tas, intercorrências gestacionais, uso de medicações, álcool ou drogas durante a gestação. Tipo de parto (indicação e intercorrências), idade gestacional, peso de nascimento e intercorrências neonatais. Agravos pregressos ao longo da vida da criança, idade de aparecimento, evolução e tratamento; (2) antecedentes alimentares: duração do aleita- mento materno, motivo do desmame, idade de intro- dução de outros alimentos, história de intolerância e/ou alergia alimentar. Registro do dia alimentar atual (incluindo as madrugadas), com horários, modo de preparo dos alimentos, quantidades oferecidas e aceitas pela criança; (3) antecedentes vacinais: averiguação do car- tão de vacina, anotando-se as datas de aplicação e a presença de eventos adversos; (4) desenvolvimento: a avaliação do desenvolvi- mento da criança deve ser realizada durante todo o período de consulta, quando se observa sua atitude, interação com a mãe ou cuidadora e a reação às ou- tras pessoas. Em locais onde crianças são atendidas, é fundamental a presença de brinquedos ou outros objetos que chamem a sua atenção. É importante registrar as idades em que se iniciaram as principais aquisições e a percepção dos pais quanto ao desen- volvimento global de sua criança (motor, lingua- gem, socialização, habilidades); (5) condições de vida: características do domicílio (se urbano ou rural, ventilação, insolação, número de cômodos, número de pessoas, presença de saneamento básico, luz elétrica e coleta de lixo), presença de ani- mais, local onde a criança dorme, grau de escolaridade dos pais, renda familiar e rotina de vida da criança (quem cuida, horário das principais atividades); (6) antecedentes familiares: idade dos pais e ir- mãos, profissão, horário de trabalho, antecedentes de consangüinidade, presença de moléstias impor- tantes na família; (7) aspectos psicológicos: buscar identificar a psicodinâmica familiar, planejamento familiar, situações de estresse; (8) hábitos: uso de chupeta, mamadeira, caneca, qualidade do sono. Exame Físico A ordem do exame físico da criança não é rígida, devendo o médico desenvolver uma flexibilidade, para que consiga examinar as diferentes partes do corpo da criança. Muitas vezes é mais prático iniciar o exame da criança com ela no colo da mãe, para que se faça uma ausculta pulmonar com a criança tranqüila. É comum deixar-se a otoscopia e o exame da orofaringe por último, já que a criança costuma se assustar com o otoscópio e com a espátula. Assim, deve-se aproveitar o momento mais tranqüilo para realizar a ausculta pulmonar, em seguida, o exame do abdome. Imobilizar a criança para conseguir examiná-la deve ser uma conduta de exceção, reservada somente para as situações em que se suspeita de um diagnóstico mais específico (otite bacteriana, amigdalite bacteriana, por exemplo). Francisco Frederico Neto1 Rosa Resegue1 Semiologia Pediátrica 1Médico Assistente do Instituto da Criança do HCFMUSP Atenção à Criança e ao Adolescente 167Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Normotrófica Exame Físico Geral Lactente Criança Maior Estado geral/Fácies Ativo, risonho; Ativo, comunicativo Hidratação Olhos brilhantes, saliva presente, fontanela anterior normotensa e plana, fraldas com diurese mucosas úmidas; Olhos brilhantes, saliva presente, mucosas úmidas Cor de mucosas e pele Conjuntiva*, lábios e/ou palma das mãos co- radas; *Choro compromete a avaliação Conjuntiva*, lábios e/ou palma das mãos coradas *Choro compromete a avaliação Pele Elástica, brilhante e sem lesões* * Não é incomum encontrar, no lactente, le- sões congênitas com resolução espontânea com o tempo: hemangiomas, milium, man- cha mongólica; Elástica, brilhante e sem lesões Tecido subcutâneo Turgor firme, distribuição harmônica; Turgor firme, distribuição harmônica Gânglios Sem adenomegalia; Sem (ou discreta) adenomegalia* *Não é incomum a criança maior apresentar algum gânglio (que não trará preocupação se isolado) não- aderente, sem sinais inflamatórios e sem outros sinais ou sintomas. Musculatura Normotrófica. < 2meses – 60 RPM 2 e 12 meses – 50 RPM 12m a 4 anos – 40 RPM > 4anos – 30 RPM Avaliação quantitativa Lactente peso* é importante a regulação prévia da balança Antes das refeições e com a criança com o mínimo de roupa (em dias frios, manter camiseta) Apenas com roupas íntimas (em dias frios manter camiseta) estatura Criança deitada, colocando-se um dos extremos da régua no polo cefálico e a outra na planta dos pés em 90o Crianças maiores de três anos a medida da altura deve ser realizada em posição ortostática, cuidan- do para que seu olhar seja dirigido para frente (nem para baixo, nem para cima) *Quando for muito difícil (choro e agitação), pesar a criança junto com a mãe em balança de adulto. Em seguida pesar somente a mãe e subtrair os valores para se chegar ao valor aproximado do peso da criança temperatura Axilar, por três minutos. Temperatura retal somente em suspeita de abdome agudo Axilar, por três minutos; Temperatura retal somente em suspeita de abdome agudo perímetro craniano (PC) Medida com fita métrica, envolvendo poste- riormente, o ponto mais extremo do occipício, e anteriormente a fronte. PC > PT até os seis meses de idade Não é realizado de rotina perímetro torácico (PT) Medida com fita métrica, envolvendo o tórax posteriormente e, anteriormente, passando sobre os mamilos. PT > PC após os seis meses de idade Não é realizado de rotina pressão arterial (PA) Não se faz medida rotineiramente, exceto em lactentes de famílias com história de hipertensão, dislipidemia e/ou criança com antecedente de internação em unidade de terapia intensiva Buscar medir PA a partir dos três anos de idade em manguito apropriado (ta- manho correspondente a 40% do di- âmetro do braço) e, preferencialmen- te, com esfigmomanômetro com co- luna de mercúrio RN – 70-170 RPM 1-11 meses – 80-160 RPM 2-6 anos – 75-130 RPM 8-10 anos – 70-90 RPM freqüência cardíaca freqüência respiratória PC = perímetro craniano; PT = perímetro torácico; PA = pressão arterial; BPM = batidas por minuto; RN = recém-nascido 168 Atenção à Criança e ao Adolescente Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Mobilidade, tumorações e palpação de cadei- as ganglionares EXAME FÍSICO ESPECIAL Segmento cefálico Lactente Criança Maior crânio Simetria, forma, abaulamentos; no recém-nas- cido, pode apresentar alterações que regridem com o tempo, como o céfalo-hematoma ou a bossa serosanguinolenta Simetria e forma, presença de abaulamentos. Assume características familiares fontanela Normotensa e plana; realizar as medidas e acompanhar o fechamento progressivo Não palpada olhos Formato, distância, mobilidade e simetria; ava- liar a coloração das conjuntivas, esclera e pre- sença de secreções; avaliar a presença do re- flexo vermelho e de desvios; tamanho das pu- pilas e reação à luz Formato, distância, mobilidade esimetria; colo- ração das conjuntivas, esclera e presença de se- creções; tamanho das pupilas e reação à luz orelhas Implantação, forma e presença de secreções; no recém-nascido e no lactente jovem, a otoscopia costuma ser difícil, devido à presen- ça de estreitamento de conduto Implantação, forma e presença de secreções. Sinais de normalidade à otoscopia: membrana timpânica translúcida e visualização do cabo do martelo boca Simetria e lesões Simetria e lesões dentes Costumam surgir a partir do sexto mês, mas há grande variabilidade familiar; relatar o nú- mero de dentes presentes e sua conservação A dentição permanente inicia-se por volta dos seis a sete anos de idade; verificar alterações de mordida, implantação dos dentes, condições de higiene e a presença de cáries nariz Forma, secreções; lactentes jovens costumam apresentar uma obstrução nasal fisiológica que regride ao longo do primeiro semestre Forma, secreções, visualização de cornetos anteriores, verificando-se seu tamanho e colo- ração seios da face Não palpados, embora os seios maxilares e etmóides estejam aerados desde o nascimento Percussão e palpação, principalmente dos seios maxilares e etmóides; os seios frontais, geral- mente, encontram-se a erados em crianças em idade escolar; habitualmente, esses procedimen- tos não são tão brilhantes enquanto manobras diagnósticas, quanto no adulto orofaringe Avaliação de alterações anatômicas, integridade e conformação do palato, erupção dentária, localização do frênulo lingual e presença de lesões; e muito raro o diagnóstico de amigda- lite bacteriana no lactente Além da avaliação citada, tamanho de amígdalas, presença de pontos purulentos ou petéquias, sinais de amigdalites bacterianas, que incidem em crianças maiores. As amígdalas crescem até o sexto ano , quando começam a regredir atingindo o tamanho do adulto na adolescência pescoço Mobilidade, tumorações e palpação de ca- deias ganglionares Presentes e simétricos em MMII e MMSS EXAME FÍSICO ESPECIAL Aparelho cardio-respiratório lactente criança maior tórax Forma, simetria, retrações, abaulamentos, tamanho e distância entre os mamilos Forma, simetria, retrações, abaulamentos, tamanho e distância entre os mamilos pulmões Presença e simetria do murmúrio vesicular; averiguar a presença de ruídos adventíceos Presença e simetria do murmúrio vesicular; azveriguar a presença de ruídos adventíceos coração Ausculta das bulhas, averiguando seu ritmo, intensidade e a presença de desdobramentos ou sopros Ausculta das bulhas, averiguando seu ritmo, intensidade e a presença de desdobramentos ou sopros pulsos Presentes e simétricos em MMII e MMSS MMII = membros inferiores; MMSS = membros superiores Atenção à Criança e ao Adolescente 169Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Livres, de difícil palpação, na suspeita de pielonefrite, realizar a manobra de Giordano ABDOME LACTENTE CRIANÇA MAIOR abdome Forma, simetria, movimentos peristálticos. Palpação superficial e profunda, verificando a presença de dor ou massas à palpação; verificar o coto umbilical, a presença de secreções e hiperemia* * não é incomum a constatação de hérnia umbili- cal, que costuma fechar espontaneamente até os dois anos de idade Forma, simetria, movimentos peristálticos. Palpação superficial e profunda, verificando a presença de dor ou massas à palpação fígado Medir a distância entre o local de aparecimento da sub-macicez hepática à percussão e a borda hepática à palpação – Dor, tamanho, consistência e forma da borda palpável Percussão avaliando-se o local de aparecimento da sub-macicez hepáti- ca; palpação – Dor, tamanho, consis- tência e forma da borda palpável baço Percussão e palpação: cerca de 14% dos lactentes normais apresentam baço palpável, geralmente basculante, sem que isso seja sinal de doença Percussão e palpação lojas renais Livres, de difícil palpação Sempre que houver dúvida sobre tamanho e forma de pênis, clitóris, lábios vaginais a criança ou adolescente deverá ser referido para atendimento. EXAME FÍSICO ESPECIAL GENITAIS E ÂNUS LACTENTE CRIANÇA MAIOR pênis Na maioria dos bebês, o prepúcio não é completamente retrátil, caracterizando uma “fimose fisiológica” , meato uretral no ápi- ce e centralizado Avaliar o grau de exposição da glande; Meato uretral no ápice e centralizado saco escrotal Sem abaulamentos e indolor à palpação, Testículos tópicos; é freqüente o diag- nóstico de hidrocele, que deve ser dife- renciada da hérnia inguino-escrotal; as hidroceles, quando não-comunicantes, costumam regredir espontaneamente Sem abaulamentos e indolor à palpação; Testículos tópicos lábios Lábios livres e não aderidos; mucosa rósea; hímen imperfurado Lábios livres e não aderidos; mucosa rósea; hímen imperfurado genitália ambígua Sempre que houver dúvida sobre tamanho e forma de pênis, clitóris, lábios vaginais, o bebê deverá ser referido para atendimento *O exame de genitais*, costumeiramente tranqüilo em bebês, deve ser realizado com muita sensibilidade e respeito em crianças maiores, respeitando seu pudor. Algumas vezes só permitirão que sejam examinados por profissional de saúde que seja do mesmo sexo. região inguinal Sem abaulamentos Sem abaulamentos ânus Pérvio, sem fissuras Pérvio, sem fissuras. períneo Íntegro, sem lesões Íntegro, sem lesões PERÍNEO LACTENTE CRIANÇA MAIOR *O exame do períneo, costumeiramente tranqüilo em bebês, deve ser realizado com muita sensibilidade em crianças maiores, respeitando seu pudor. Algumas vezes só permitirão que sejam examinados por profissional de saúde que seja do mesmo sexo. 170 Atenção à Criança e ao Adolescente Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Simetria, movimentação espontânea, dor à palpação; avaliação da mobilidade ativa e pas- siva de todas as articulações. Avaliação da mar- cha EXAME FÍSICO ESPECIAL APARELHO LOCOMOTOR LACTENTE CRIANÇA MAIOR coluna Palpar apófises espinhosas; avaliar a pre- sença de fossetas em região sacral Avaliar a presença de desvios com a criança em roupas íntimas, de costas, de perfil e de frente para o examinador; avaliar a simetria dos ombros, das escáplas e dos ângulos formados entre o braço e o tórax; pedir para a criança tentar tocar os pés com as mãos e avaliar a simetria dos hemitórax; palpar apófises, à procura de desvios ou dor à palpação superiores Simetria, movimentação espontânea, dor à palpação; avaliação da mobilidade ativa e passiva de todas as arti- culações. Em recém nascidos, é importante perceber a simetria dos reflexos primitivos (principalmente o de moro), à procu- ra de possíveis paralisias obstétricas Simetria, movimentação espontânea, dor à palpação; avaliação da mobilidade ativa e passi- va de todas as articulações Simetria, movimentação espontânea, dor à palpação; avaliação da mobilidade ativa e passiva de todas as Simetria, movimentação espontânea, dor à palpação. Avaliação da mobilidade ativa e passiva de todas as arti- culações; Durante os dois primeiros meses, é fundamental a realização da Manobra de Ortolani para o diagnóstico da Displasia do Desenvolvimento do Quadril (Luxação congênita do quadril). Após essa idade, esse diagnóstico é realizado pela presença de assimetria de pregas, diferença do tamanho dos membros e pela dificuldade de abdução; é comum, nos primeiros anos de vida, a presença de pés planos posturais, que costumam regredir com a idade inferiores EXAME FÍSICO ESPECIAL SISTEMA NERVOSO LACTENTE CRIANÇA MAIOR Atitude Recém-nascido em flexão generalizada, assimétrica até o final do primeiro mês. A partir do terceiro ou quarto mês atitude simétrica. Quinto ou sexto mês – deitada espontânea. A partir dessa época, ativa espontânea (sentada com ou sem apoio ou de pé com apoio) Criança ativa, comunicante com o meio Tono muscular Avaliado pela palpação e movimentação Recém-nascido – predomínio do tônus flexor dos membros até o terceiro mês, com diminuição progressiva e hipotonia fisiológica a partir do sexto mês Normal para a idade Força muscular Movimentaçãopassiva, manobras do écharpe e dos membros pendentes na beira do leito para avaliar a força muscular dos membros superiores e inferiores, respectivamente Avaliada oferecendo-se resistência à realização dos movimentos Atenção à Criança e ao Adolescente 171Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Apresenta-se um objeto para a criança e verifica- se a direção e o modo como o agarra. Realiza-se a prova índex-nariz de olhos abertos nas crianças aos três anos e a partir dos quatro anos tam- bém de olhos fechados SISTEMA NERVOSO LACTENTE CRIANÇA MAIOR Equilíbrio Estático – Sustento da cabeça, posição sentada e ortostática; dinâmico – Avaliar a marcha ou o engatinhar Estático; Romberg de olhos abertos aos três anos e de olhos fechados a partir dos quatro anos; dinâmico – avaliar a marcha Motilidade espontânea e voluntária Avalia-se a motilidade espontânea e provocada; no recém-nascido os movimentos são globais e arrítmicos; avaliar a movimentação grosseira (sustento da cabeça, sentar, engatinhar, andar) e a fina ( aquisição do movimento de pinça) Avalia-se a motilidade espontânea e provocada Coordenação Apresenta-se um objeto para a criança e verifica-se a direção e o modo como o agarra Avaliar inteligibilidade da linguagem, respeitando-se as diferenças culturais Sensibilidade Muito difícil de ser realizada em crianças pequenas Avalia-se como no adulto Linguagem Nos primeiros meses, expressa pelo cho- ro, expressão facial e variações de tônus; a partir do quarto mês, arrulhos, posteri- ormente balbucio e primeira palavra com significado por volta dos 12 meses BIBLIOGRAFIA Hermann, AA; Silva, EMK – A consulta pediátrica. In Carvalho, ES; Carvalho, WB (eds), - Terapêutica e prática pediátrica, 2a. ed, pp. 3 –7. Atheneu, 2000. Diament, A - Exame neurológico do lactente. In Diament, A; Cypel, S (eds) – Neurologia Infantil, 3a. ed, pp. 33 – 62. São Paulo: Atheneu, 1996. Neto, FF - Pediatria ao Alcance dos Pais – Compreender a Doença é o Melhor Remédio, Rio de Janeiro, Editora Imago, 1992.
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