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A dinâmica da transferência

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A DINåMICA DA
TRANSFERæNCIA (1912)
TêTULO ORIGINAL: ÒZUR DYNAMIK DER
†BERTRAGUNGÓ. PUBLICADO PRIMEIRAMENTE
EM ZENTRALBLATT F†R PSYCHOANALYSE
[FOLHA CENTRAL DE PSICANçLISE], V. 2, N. 4,
PP. 167-73. TRADUZIDO DE GESAMMELTE
WERKE VIII, PP. 364-74; TAMBƒM SE ACHA
EM STUDIENAUSGABE, ERG€NZUNGSBAND
[VOLUME COMPLEMENTAR], PP. 157-68.
ESTA TRADU‚ÌO FOI PUBLICADA
ORIGINALMENTE EM JORNAL DE PSICANçLISE,
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANçLISE
DE SÌO PAULO, V. 31, N. 57, PP. 251-8,
SETEMBRO DE 1998; ALGUMAS DAS
NOTAS DO TRADUTOR FORAM OMITIDAS
NA PRESENTE EDI‚ÌO.
A ÒtransfernciaÓ, um tema quase inesgot‡vel, foi recentemente abordado de
modo descritivo por W. Stekel nesta Zentralblatt. Desejo agora acrescentar al-
gumas observa›es que levem a entender como surge necessariamente a trans-
ferncia numa terapia anal’tica e como ela chega a desempenhar seu conhecido
papel no tratamento.
Tenhamos presente que todo ser humano, pela a‹o conjunta de sua dis-
posi‹o inata e de influncias experimentadas na inf‰ncia, adquire um certo
modo caracter’stico de conduzir sua vida amorosa, isto Ž, as condi›es que es-
tabelece para o amor, os instintos que satisfaz ent‹o, os objetivos que se
coloca.1 Isso resulta, por assim dizer, num clich (ou v‡rios), que no curso da
vida Ž regularmente repetido, novamente impresso, na medida em que as cir-
cunst‰ncias externas e a natureza dos objetos amorosos acess’veis o permitem,
e que sem dœvida n‹o Ž inteiramente imut‡vel diante de impress›es recentes.
Nossas observa›es mostraram que somente uma parte desses impulsos que
determinam a vida amorosa perfaz o desenvolvimento ps’quico; essa parte est‡
dirigida para a realidade, fica ˆ disposi‹o da personalidade consciente e con-
stitui uma por‹o desta. Outra parte desses impulsos libidinais foi detida em
seu desenvolvimento, est‡ separada tanto da personalidade consciente como da
realidade, p™de expandir-se apenas na fantasia ou permaneceu de todo no in-
consciente, de forma que Ž desconhecida para a conscincia da personalidade.
Aquele cuja necessidade de amor n‹o Ž completamente satisfeita pela realidade
se voltar‡ para toda pessoa nova com expectativas libidinais,* e Ž bem prov‡vel
que as duas por›es de sua libido, tanto a capaz de conscincia quanto a incon-
sciente, tenham participa‹o nessa atitude.
ƒ perfeitamente normal e compreens’vel, portanto, que o investimento li-
bidinal de uma pessoa em parte insatisfeita, mantido esperanosamente em
prontid‹o, tambŽm se volte para a pessoa do mŽdico. Conforme nossa
premissa, tal investimento se apegar‡ a modelos, se ligar‡ a um dos clichs
presentes no indiv’duo em quest‹o ou, como podemos tambŽm dizer, ele in-
cluir‡ o mŽdico numa das ÒsŽriesÓ que o doente formou atŽ ent‹o. Combina
com os laos reais com o mŽdico o fato de nessa inclus‹o ser decisiva a Òimago
paternaÓ (para usar a feliz express‹o de Jung).2Mas a transferncia n‹o se acha
presa a esse modelo, pode tambŽm suceder conforme a imago da m‹e, do
irm‹o etc. As peculiaridades da transferncia para o mŽdico, em virtude das
quais ela excede em gnero e medida o que se justificaria em termos sensatos e
racionais, tornam-se intelig’veis pela considera‹o de que n‹o s— as expect-
ativas conscientes, mas tambŽm as retidas ou inconscientes produziram essa
transferncia.
Sobre essa conduta da transferncia n‹o haveria mais o que dizer ou cismar,
se dois pontos de especial interesse para o analista n‹o permanecessem inex-
plicados. Em primeiro lugar, n‹o entendemos por que a transferncia, nos in-
div’duos neur—ticos em an‡lise, ocorre muito mais intensamente do que em
outros, que n‹o fazem psican‡lise; em segundo lugar, continua sendo um en-
igma que a transferncia nos aparea como a mais forte resistncia ao trata-
mento, enquanto fora da an‡lise temos que admiti-la como portadora da cura,
como condi‹o do bom sucesso. Pois observamos Ñ e Ž uma observa‹o que
pode ser repetida ˆ vontade Ñ que, quando as associa›es livres de um pa-
ciente falham,3 a interrup‹o pode ser eliminada com a garantia de que no mo-
mento ele se acha sob o dom’nio de um pensamento ligado ˆ pessoa do mŽdico
ou a algo que lhe diz respeito. T‹o logo Ž feito esse esclarecimento, a inter-
rup‹o acaba, ou a situa‹o muda: a cessa‹o d‡ lugar ao silenciamento do que
ocorre ao paciente.
Ë primeira vista parece uma imensa desvantagem metodol—gica da psic-
an‡lise o fato de nela a transferncia, ordinariamente a mais forte alavanca do
sucesso, tornar-se o mais poderoso meio de resistncia. Olhando mais atenta-
mente, porŽm, ao menos o primeiro dos dois problemas Ž afastado. N‹o Ž cor-
reto que durante a psican‡lise a transferncia surja de modo mais intenso e
desenfreado que fora dela. Em institui›es onde os doentes de nervos s‹o
tratados n‹o analiticamente, observam-se as maiores intensidades e as mais in-
dignas formas de uma transferncia que beira a servid‹o, e tambŽm o seu
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inequ’voco matiz er—tico. Uma observadora sutil como Gabriele Reuter
mostrou isso quando ainda n‹o se falava em psican‡lise, num livro not‡vel que
deixa transparecer as melhores percep›es da natureza e da origem das neur-
oses.4 Essas caracter’sticas da transferncia n‹o devem, portanto, ser lanadas ˆ
conta da psican‡lise, mas atribu’das ˆ neurose mesma. O segundo problema
continua de pŽ.
Esse problema Ñ a quest‹o de por que a transferncia nos surge como res-
istncia na psican‡lise Ñ devemos agora abordar. Vejamos a situa‹o psicol—-
gica do tratamento. Uma precondi‹o regular e indispens‡vel de todo adoeci-
mento neur—tico Ž o processo que Jung designou adequadamente como intro-
vers‹o da libido.5Ou seja: diminui a por‹o da libido capaz de conscincia,
voltada para a realidade, e aumenta no mesmo grau a por‹o afastada da real-
idade, inconsciente, que ainda pode alimentar as fantasias da pessoa, mas que
pertence ao inconsciente. A libido (no todo ou em parte) tomou a via da re-
gress‹o e reanimou as imagos infantis.6 A terapia anal’tica segue-a ent‹o,
procurando ach‡-la, torn‡-la novamente acess’vel ˆ conscincia, p™-la a ser-
vio da realidade. Ali onde a investiga‹o psicanal’tica depara com a libido re-
colhida em seus esconderijos, uma luta tem de irromper; todas as foras que
causaram a regress‹o da libido se levantar‹o como ÒresistnciasÓ ao trabalho,
para conservar esse novo estado de coisas. Pois se a introvers‹o ou regress‹o
da libido n‹o fosse justificada por uma determinada rela‹o com o mundo ex-
terior (nos termos mais gerais: pela frustra‹o da satisfa‹o) e n‹o fosse ad-
equada para o momento, n‹o poderia em absoluto efetuar-se. Mas as resistn-
cias que tm essa origem n‹o s‹o as œnicas, nem mesmo as mais fortes. A li-
bido ˆ disposi‹o da personalidade sempre estivera sob a atra‹o dos com-
plexos inconscientes (mais corretamente, das partes desses complexos que per-
tencem ao inconsciente), e caiu na regress‹o porque a atra‹o da realidade
havia relaxado. Para libert‡-la, essa atra‹o do inconsciente tem que ser super-
ada, isto Ž, a repress‹o dos instintos inconscientes e de suas produ›es, desde
ent‹o constitu’da no indiv’duo, tem que ser eliminada. Disso vem a parte
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maior, bem maior da resistncia, que frequentemente faz a doena persistir,
mesmo quando o afastamento da realidade perdeu sua justificativa mo-
ment‰nea. A psican‡lise tem de lidar com as resistncias das duas fontes. A res-
istncia acompanha o tratamento passo a passo; cada pensamento, cada ato do
analisando precisa levar em conta a resistncia, representa um compromisso
entre as foras que visam a cura e as aqui descritas, que a ela se op›em.
Seguindo um complexo patognico desde sua representa‹o no consciente
(seja evidente, na forma de sintoma, seja bastante discreto) atŽ sua raiz no in-
consciente, logo se chega a uma regi‹o em que a resistncia vigora t‹o clara-
mente que a associa‹o seguinte tem de lev‡-la em conta e aparecer como
compromisso entre as suas exigncias e as do trabalho de investiga‹o. ƒ en-
t‹o, segundo nossa experincia, que surgea transferncia. Quando algo do
material do complexo (do conteœdo do complexo) se presta para ser trans-
ferido para a pessoa do mŽdico, ocorre essa transferncia; ela produz a asso-
cia‹o seguinte e se anuncia mediante sinais de resistncia como uma inter-
rup‹o, por exemplo. Dessa experincia inferimos que essa ideia transferencial
irrompeu atŽ ˆ conscincia antes de todas as outras associa›es poss’veis porque
satisfaz tambŽm a resistncia. Algo assim se repete inœmeras vezes no curso de
uma an‡lise. Sempre que nos avizinhamos de um complexo patognico, a parte
desse complexo capaz de transferncia Ž empurrada para a conscincia e defen-
dida com enorme tenacidade.7
Ap—s sua supera‹o, a dos outros componentes do complexo n‹o traz maior
dificuldade. Quanto mais tempo dura uma terapia anal’tica, e quanto mais
claramente o analisando reconhecer que apenas distor›es do material pato-
gnico n‹o o protegem de ser revelado, mais consequentemente ele se serve do
tipo de distor‹o que claramente lhe oferece as maiores vantagens, a distor‹o
pela transferncia. Essas circunst‰ncias tendem para uma situa‹o em que afi-
nal todos os conflitos tm que ser decididos no ‰mbito da transferncia.
Assim, a transferncia na an‡lise sempre nos aparece, de imediato, apenas
como a mais poderosa arma da resistncia, e podemos concluir que a
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intensidade e a dura‹o da transferncia s‹o efeito e express‹o da resistncia.
O mecanismo da transferncia Ž explicado* se o referimos ˆ prontid‹o da li-
bido, que permaneceu de posse de imagos infantis; mas s— chegamos ao es-
clarecimento de seu papel na terapia se abordamos os seus v’nculos com a
resistncia.
Por que a transferncia se presta assim admiravelmente a servir como meio
de resistncia? Seria de crer que a resposta a essa pergunta deve ser f‡cil. Pois
Ž claro que a confiss‹o de todo desejo proibido Ž especialmente dificultada,
quando deve ser feita ˆ pr—pria pessoa ˆ qual ele diz respeito. Tal imposi‹o
leva a situa›es que parecem quase invi‡veis no mundo real. ƒ precisamente
isso o que pretende alcanar o analisando, quando faz coincidir o objeto de
seus impulsos afetivos com o mŽdico. Uma reflex‹o mais atenta mostra,
porŽm, que esse aparente ganho n‹o pode trazer a solu‹o do problema. Uma
rela‹o de terno e dedicado afeto pode, pelo contr‡rio, ajudar a vencer todas as
dificuldades da admiss‹o. Em condi›es reais an‡logas costuma-se dizer: ÒNa
sua frente n‹o me envergonho, a voc posso falar tudoÓ. A transferncia para
o mŽdico poderia igualmente facilitar a confiss‹o, n‹o se compreendendo por
que a dificulta.
A resposta a essa quest‹o, que repetidamente colocamos aqui, n‹o ser‡ ob-
tida mediante mais reflex‹o, mas pelo que se aprende na investiga‹o das res-
istncias transferenciais da terapia. Nota-se, por fim, que n‹o Ž poss’vel en-
tender o uso da transferncia para a resistncia, se pensamos t‹o s— em Òtrans-
fernciaÓ. ƒ preciso resolver-se a distinguir uma transferncia ÒpositivaÓ de
uma ÒnegativaÓ, a transferncia de sentimentos ternos daquela hostil, e tratar
diferentemente os dois tipos de transferncia para o mŽdico. A transferncia
positiva decomp›e-se ainda na dos sentimentos amig‡veis ou ternos que s‹o
capazes de conscincia, e na dos prolongamentos destes no inconsciente.
Quanto aos œltimos, a psican‡lise mostra que via de regra remontam a fontes
er—ticas, de maneira que temos de chegar ˆ compreens‹o de que todos os nos-
sos afetos de simpatia, amizade, confiana etc., t‹o proveitosos na vida, ligam-
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se geneticamente ˆ sexualidade e se desenvolveram, por enfraquecimento da
meta sexual, a partir de anseios puramente sexuais, por mais puros e n‹o sen-
suais que se apresentem ˆ nossa autopercep‹o consciente. Originalmente s—
conhecemos objetos sexuais; a psican‡lise nos faz ver que as pessoas que em
nossa vida s‹o apenas estimadas ou respeitadas podem ser ainda objetos
sexuais para o inconsciente dentro de n—s.
A solu‹o do enigma Ž, portanto, que a transferncia para o mŽdico presta-
se para resistncia na terapia somente na medida em que Ž transferncia negat-
iva, ou transferncia positiva de impulsos er—ticos reprimidos. Se ÒabolimosÓ a
transferncia tornando-a consciente, apenas desligamos da pessoa do mŽdico
esses dois componentes do ato afetivo; o outro componente, capaz de con-
scincia e n‹o repulsivo, subsiste e Ž o ve’culo do sucesso na psican‡lise, exata-
mente como em outros mŽtodos de tratamento. AtŽ ent‹o admitimos de bom
grado que os resultados da psican‡lise se basearam na sugest‹o; mas deve-se
entender por sugest‹o aquilo que, juntamente com Ferenczi,8 nela encon-
tramos: a influncia sobre um indiv’duo por meio dos fen™menos de transfer-
ncia nele poss’veis. N—s cuidamos da independncia final do paciente ao util-
izar a sugest‹o para faz-lo realizar um trabalho ps’quico que ter‡ por con-
sequncia necess‡ria uma duradoura melhora da sua situa‹o ps’quica.
Pode-se ainda perguntar por que os fen™menos de resistncia da transfern-
cia surgem somente na psican‡lise, e n‹o num tratamento indiferenciado, por
exemplo, em institui›es. A resposta Ž: eles se mostram tambŽm ali, mas tm
de ser apreciados como tais. A irrup‹o da transferncia negativa Ž atŽ mesmo
frequente nas institui›es. T‹o logo o doente cai sob o dom’nio da transfern-
cia negativa, ele deixa a institui‹o sem ter mudado ou tendo piorado. A trans-
ferncia er—tica n‹o age t‹o inibidoramente em institui›es, pois ali, como na
vida, Ž atenuada, em vez de revelada. Manifesta-se bem nitidamente como res-
istncia ˆ cura, porŽm; n‹o ao tirar o doente da institui‹o Ñ pelo contr‡rio,
ela o retŽm l‡ Ñ, mas ao mant-lo afastado da vida. Pois para a cura n‹o
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importa se o doente internado supera essa ou aquela angœstia ou inibi‹o; in-
teressa Ž que tambŽm na realidade de sua vida ele se livre delas.
A transferncia negativa merece uma aprecia‹o mais detalhada, que n‹o
pode ser feita nos limites deste trabalho. Nas formas cur‡veis de psiconeuroses
ela se acha ao lado da transferncia afetuosa, com frequncia dirigida simul-
taneamente ˆ mesma pessoa Ñ para esse fato* Bleuler cunhou a feliz express‹o
ÒambivalnciaÓ.9 Tal ambivalncia de sentimentos parece normal atŽ uma
certa medida, mas um alto grau de ambivalncia dos sentimentos Ž sem dœvida
uma peculiaridade dos neur—ticos. Na neurose obsessiva, uma precoce Òsep-
ara‹o dos pares de opostosÓ parece ser caracter’stica da vida instintual e rep-
resentar uma de suas precondi›es constitucionais. A ambivalncia nas inclin-
a›es afetivas Ž o que melhor explica a capacidade de os neur—ticos porem suas
transferncias a servio da resistncia. Quando a capacidade de transferncia
torna-se essencialmente negativa, como nos paranoicos, acaba a possibilidade
de influncia e de cura.
Mas em toda essa discuss‹o apreciamos, atŽ aqui, apenas um lado do prob-
lema da transferncia; Ž necess‡rio voltar nossa aten‹o para outro aspecto do
mesmo tema. Quem teve a impress‹o correta de como o analisando Ž lanado
para fora de suas reais rela›es com o mŽdico assim que cai sob o dom’nio de
uma formid‡vel resistncia de transferncia, como ele ent‹o se permite a liber-
dade de ignorar a regra psicanal’tica b‡sica, a de que se deve informar de
maneira acr’tica tudo o que vier ˆ mente, como esquece os prop—sitos com que
iniciou o tratamento, e como nexos e conclus›es l—gicas que pouco antes lhe
haviam feito enorme impress‹o se lhe tornam indiferentes Ñ esse ter‡ ne-
cessidade de explicar tal impress‹o a partir de outros fatores que n‹o os men-
cionados aqui, e eles n‹o se acham distantes, afinal: resultam novamente da
situa‹o psicol—gica em que a terapia colocou o paciente.
Na busca da libido que se extraviou do consciente penetramos no ‰mbito
do inconsciente. As rea›es que obtemos trazem ent‹o ˆ luz algumas das cara-
cter’sticas dos processos inconscientes que chegamos a conhecer pelo estudo
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dos sonhos. Os impulsos inconscientes n‹o querem ser lembrados como a ter-
apia o deseja,procurando, isto sim, reproduzir-se, de acordo com a atemporal-
idade e a capacidade de alucina‹o do inconsciente. Tal como nos sonhos, o
doente atribui realidade e atualidade aos produtos do despertar de seus im-
pulsos inconscientes; ele quer dar corpo* a suas paix›es, sem considerar a situ-
a‹o real. O mŽdico quer lev‡-lo a inserir esses impulsos afetivos no contexto
do tratamento e no da sua hist—ria, a submet-los ˆ considera‹o intelectual e
conhec-los** segundo o seu valor ps’quico. Essa luta entre mŽdico e paciente,
entre intelecto e vida instintual, entre conhecer e querer Òdar corpoÓ,
desenrola-se quase exclusivamente nos fen™menos da transferncia. ƒ nesse
campo que deve ser conquistada a vit—ria, cuja express‹o Ž a permanente cura
da neurose. ƒ ineg‡vel que o controle dos fen™menos da transferncia oferece
as maiores dificuldades ao psicanalista, mas n‹o se deve esquecer que justa-
mente eles nos prestam o inestim‡vel servio de tornar atuais e manifestos os
impulsos amorosos ocultos e esquecidos dos pacientes, pois afinal Ž imposs’vel
liquidar alguŽm in absentia ou in effigie.
1 Este Ž o momento de nos defendermos da injusta obje‹o de que ter’amos negado a im-
port‰ncia dos fatores inatos (constitucionais), por ressaltarmos as impress›es infantis. Uma tal
obje‹o deriva da estreiteza da necessidade causal das pessoas, que, contrariamente ˆ configur-
a‹o habitual da realidade, quer se satisfazer com um œnico fator causador. A psican‡lise
manifestou-se bastante acerca dos fatores acidentais da etiologia e pouco a respeito dos con-
stitucionais, mas somente porque p™de contribuir com algo novo para aqueles, enquanto sobre
estes n‹o sabia mais do que o que geralmente se sabe. N—s nos recusamos a estabelecer em
princ’pio uma oposi‹o entre as duas sŽries de fatores etiol—gicos; supomos, isto sim, uma reg-
ular colabora‹o de ambas para produzir o efeito observado. �����������
���
 [Dis-
posi‹o e Acaso] determinam o destino de um ser humano; raramente, talvez nunca, apenas um
desses poderes. S— individualmente ser‡ poss’vel avaliar como se divide entre os dois a efic‡cia
etiol—gica. A sŽrie na qual se arranjam as magnitudes vari‡veis dos dois fatores tambŽm ter‡
seus casos extremos. Segundo o est‡gio de nosso conhecimento, estimaremos de modo diverso
a parte da constitui‹o ou da experincia em cada caso individual, mantendo o direito de
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modificar nosso ju’zo conforme a mudana em nossa compreens‹o. Ali‡s, pode-se ousar ver a
constitui‹o mesma como o precipitado das influncias acidentais sobre a infinita sŽrie dos
antepassados.
* "Expectativas libidinais": libidinšse ErwartungsvorstellungenÑ nas vers›es estrangeiras con-
sultadas durante a elabora‹o desta encontramos: representaciones libidinosas (trad. L. Lopez-
Ballesteros y de Torres. Obras completas ii. Madri: Biblioteca Nueva, 3a ed., 1973, p. 1648),
representaciones-expectativa libidinosas (trad. JosŽ L. Etcheverry. Obras completas xii. Buenos
Aires: Amorrortu, 4a reimpress‹o da 2a ed., 1993, p. 98), un certain espoir libidinal (trad. Anne
Berman. La technique psychanalytique. Paris: puf, 5a ed., 1975, p. 51), libidinal anticipatory ideas
(James Strachey. Standard edition, v. xii. Londres: Hogarth Press, 1958, p. 100), libidineuze
verwachtingsvoorstellingen (Wilfred Oranje. Nederlandse Editie, Klinische Beschouwingen 4. Am-
sterd‹: Boom, 1992, p. 74). Optamos por usar apenas "expectativa" para traduzir Erwartungs-
vorstellung, por entender que a palavra j‡ compreende "ideia" ou "representa‹o"; seria es-
tranho falar de "representa›es ou ideias expectantes".
2Wandlungen und Symbole der Libido Transforma›es e s’mbolos da libido], 1911, p. 164.
3Quero dizer, quando realmente cessam, e n‹o, por exemplo, quando ele silencia em virtude
de um banal sentimento de desprazer.
4Aus guter Familie [De boa fam’lia], Berlim, 1895.
5 Embora v‡rias manifesta›es de Jung levem a pensar que ele v nessa introvers‹o algo carac-
ter’stico da dementia praecox, que n‹o tem a mesma import‰ncia em outras neuroses.
6 Seria c™modo dizer que ela reinvestiu os "complexos" infantis; mas n‹o seria justo. Justi-
fic‡vel seria apenas "as partes inconscientes desses complexos". A natureza intrincada do as-
sunto deste trabalho torna tentador o exame de v‡rios problemas vizinhos, cujo esclarecimento
seria de fato necess‡rio, para que pudŽssemos falar inequivocamente dos processos ps’quicos
que aqui se descreve. Tais problemas s‹o: a delimita‹o rec’proca da introvers‹o e da re-
gress‹o, o ajustamento da teoria dos complexos ˆ teoria da libido, as rela›es do fantasiar com
o consciente e o inconsciente, assim como com a realidade etc. N‹o preciso desculpar-me por
haver resistido a essas tenta›es neste momento.
7Do que n‹o Ž l’cito concluir, porŽm, que em geral o elemento escolhido para a resistncia
transferencial tem uma import‰ncia patognica particular. Se, numa batalha pela posse de uma
pequena igreja ou de uma propriedade, os soldados lutam com particular empenho, n‹o precis-
amos supor que a igrejinha seja um santu‡rio nacional, ou que a casa abrigue o tesouro do ex-
Žrcito. O valor dos objetos pode ser puramente t‡tico, existindo talvez durante uma batalha
somente.
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* "ƒ explicado": ist erledigt. O verbo erledigen se traduz, em princ’pio, por "resolver, dar conta
de, liquidar"; nas vers›es consultadas: queda explicado, se averigua, on explique, is dealt with, is
geliquideerd.
8 S. Ferenczi, "Introjektion und †bertragung" [Introje‹o e transferncia], Jahrbuch fŸr Psy-
choanalyse, v. 1, 1909.
* "Fato": SachverhaltÑ nas vers›es consultadas: situaci—n, estado de cosas, Žtat de choses, phe-
nomenon, stand van saken.
9 E. Bleuler, "Dementia praecox oder Gruppe der Schizophrenien", Aschaffenburgs Handbuch
der Psychiatrie, 1911; palestra sobre a ambivalncia em Berna, 1910, referida em Zentralblatt fŸr
Psychoanalyse, v. 1, p. 266. Para os mesmos fen™menos Stekel havia sugerido a designa‹o de
"bipolaridade".
* "Dar corpo": agierenÑ nas vers›es estrangeiras consultadas: dar alimento, actuar, mettre en
actes, put into action, ageren.
** ErkennenÑ um verbo que admite v‡rios sentidos ou nuances de sentido, como se v pelas
diferentes escolhas dos cinco tradutores a que recorremos: estimar, discernir, apprŽcier, under-
stand, onderkennen ("reconhecer").
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