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RECORDAR, REPETIR E ELABORAR (1914) NOVAS RECOMENDAÍES SOBRE A TCNICA DA PSICANçLISE II TêTULO ORIGINAL: ÒERINNERN, WIEDERHOLEN UND DURCHARBEITEN. (WEITERE RATSCHLGE ZUR TECHNIK DER PSYCHOANALYSE II)Ó. PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FR RZTLICHE PSYCHOANALYSE [REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANçLISE MDICA], V. 2, N. 6, PP. 485-91. TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X, PP. 126-36; TAMBM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE, ERGNZUNGSBAND [VOLUME COMPLEMENTAR], PP. 205-15. ESTA TRADUÌO FOI PUBLICADA ORIGINALMENTE NO JORNAL DE PSICANçLISE, SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANçLISE DE SÌO PAULO, V. 27, N. 51, 1994; NA PRESENTE EDIÌO O TEXTO FOI REVISADO, ALGUMAS NOTAS DO TRADUTOR FORAM OMITIDAS E OUTRAS FORAM MODIFICADAS. No me parece desnecessrio lembrar continuamente, queles que estudam a psicanlise, as profundas alteraes que a tcnica psicanaltica sofreu desde o incio. Na primeira fase, a da catarse de Breuer, o foco era colocado sobre o momento da formao do sintoma, e havia o esforo persistente em fazer se re- produzirem os processos psquicos daquela situao, para lev-los a uma descarga mediante a atividade consciente. Recordar e ab-reagir, com o auxlio do estado hipntico, eram ento as metas a serem alcanadas. Em seguida, de- pois da renncia hipnose, imps-se a tarefa de descobrir, a partir dos pensamentos espontneos* do analisando, o que ele no conseguia recordar. A resistncia seria contornada mediante o trabalho de interpretao e a comu- nicao dos seus resultados ao doente; mantinha-se o foco sobre as situaes em que se tinham formado os sintomas e aquelas que se verificavam por trs do momento em que surgira a doena, a ab-reao caa para segundo plano, parecendo substituda pelo dispndio de trabalho que o analisando tinha que fazer, na superao da crtica a seus pensamentos espontneos a que era obri- gado (em obedincia regra ��* fundamental). Por fim se formou a tcnica coerente de agora, na qual o mdico renuncia a destacar um fator ou problema determinado e se contenta em estudar a superfcie psquica apresentada pelo analisando, utilizando a arte da interpretao essencialmente para reconhecer as resistncias que nela surgem e torn-las conscientes para o doente. Verifica- se ento uma nova espcie de diviso de trabalho: o mdico desencobre as res- istncias desconhecidas para o doente; sendo essas dominadas, com frequncia o doente relata sem qualquer dificuldade as situaes e os nexos esquecidos. O objetivo dessas tcnicas permaneceu inalterado, sem dvida. Em termos descritivos: preenchimento das lacunas da recordao; em termos dinmicos: superao das resistncias da represso. Temos que permanecer gratos velha tcnica hipntica por nos ter mostrado processos psquicos da anlise de modo isolado e esquemtico. Apenas assim pudemos adquirir o nimo de criar ns mesmos situaes com- plicadas na terapia analtica e de mant-las transparentes. Naqueles tratamentos hipnticos o recordar se configurava de forma bem simples. O paciente se punha numa situao anterior, que no parecia jamais se confundir com a presente, comunicava os processos psquicos da mesma, at onde haviam permanecido normais, e acrescentava o que podia resultar da transformao dos processos antes inconscientes em conscientes. Neste ponto farei algumas observaes que todo analista v confirmadas em sua experincia. O esquecimento de impresses, cenas, vivncias reduz-se em geral a um ÒbloqueioÓ delas. Quando o paciente fala desse ÒesquecimentoÓ, raramente deixa de acrescentar: ÒNa verdade, eu sempre soube, apenas no pensava nissoÓ. No raro ele expressa desapontamento por no lhe ocorrerem bastantes coisas que possa reconhecer como ÒesquecidasÓ, em que nunca tenha pensado novamente desde que sucederam. No entanto, tambm esse anelo satisfeito, sobretudo nas histerias de converso. O Òes- quecimentoÓ sofre ainda limitao se apreciarmos as lembranas encobridoras, de presena universal. Em no poucos casos tive a impresso de que a con- hecida amnsia infantil, para ns to importante teoricamente, inteiramente contrabalanada pelas lembranas encobridoras. Nestas se conserva no apen- as algo essencial da vida infantil, mas verdadeiramente todo o essencial. pre- ciso apenas saber extra-lo delas por meio da anlise. Elas representam os anos esquecidos da infncia to adequadamente quanto o contedo manifesto do sonho representa os pensamentos onricos. O outro grupo de eventos* psquicos que, como atos puramente internos, podem ser contrapostos s impresses e vivncias, as fantasias, referncias, sentimentos, conexes,** tem de ser considerado separadamente na sua relao com o esquecer e o recordar. Nele sucede com particular frequncia que seja ÒlembradoÓ algo que no poderia jamais ser ÒesquecidoÓ, pois em tempo al- gum foi percebido, nunca foi consciente e, alm disso, parece no fazer nen- huma diferena, para o decurso psquico, se uma dessas ÒconexesÓ era con- sciente e foi ento esquecida, ou se jamais alcanou a conscincia. A convico 148/275 que o doente adquire no curso da anlise independe por completo de uma tal recordao. Em especial nas vrias formas da neurose obsessiva, o esquecimento se lim- ita geralmente dissoluo de nexos, no reconhecimento de sequncias l- gicas, isolamento de recordaes. No caso de um tipo especial de vivncias muito importantes, que tm lugar nos primrdios da infncia e que na poca foram vividas sem compreenso, mas depois, a posteriori,* encontraram compreenso e interpretao, em geral no possvel despertar a lembrana. Atravs dos sonhos pode-se chegar a conhec-las, os motivos mais forosos do conjunto da neurose* nos obrigam a acreditar nelas, e podemos igualmente nos convencer de que o analisando, aps superar suas resistncias, no invoca a ausncia da sensao de lembrana (sentimento de familiaridade) para se recusar a aceit-la. Entretanto, esse tema exige tamanha cautela crtica, e traz tanta coisa nova e surpreendente, que eu o reservarei para um tratamento parte, com material apropriado. Aplicando a nova tcnica restar muito pouco, com frequncia nada, daquele transcurso agradavelmente suave. Tambm surgem casos que at certo ponto se comportam como na tcnica hipntica e somente depois di- vergem; outros agem diferentemente desde o princpio. Se nos detemos nesse ltimo tipo para caracterizar a diferena, lcito afirmar que o analisando no recorda absolutamente o que foi esquecido e reprimido, mas sim o atua. Ele no o reproduz como lembrana, mas como ato, ele o repete, naturalmente sem saber que o faz. Por exemplo: o analisando no diz que se lembra de haver sido teimoso e rebelde ante a autoridade dos pais, mas se comporta de tal maneira diante do mdico. No se lembra de que sua investigao sexual infantil no o levou a nada, deixando-o perplexo e desamparado, mas apresenta uma quantidade de sonhos e pensamentos confusos, lamenta que nada d certo para ele, e v como seu destino jamais concluir um empreendimento. No se lembra de ter se 149/275 envergonhado bastante de certas atividades sexuais e ter sentido medo de que fossem descobertas, mas mostra vergonha do tratamento a que se submete agora e procura escond-lo de todos etc. Sobretudo, ele comea a terapia* com uma repetio desse gnero. Fre- quentemente, ao comunicar a regra fundamental da psicanlise a um paciente com uma vida cheia de eventos e uma longa histria de doena, e solicitar que ele diga o que lhe ocorrer, esperando que suas declaraes fluam como uma torrente, constatamos que ele nada diz. Guarda silncio e afirma que nada lhe ocorre. Isto no outra coisa, naturalmente, que a repetio de uma atitude homossexual que se evidencia como resistncia contra qualquer recordao. Enquanto ele permanecer em tratamento, no se livrar desta compulso de re- petio; por fim compreendemos que este seu modo de recordar. natural que em primeira linha nos interesse a relao desta compulsode repetio com a transferncia e a resistncia. Logo notamos que a transferncia mesma somente uma parcela de repetio, e que a repetio transferncia do passado esquecido, [transferncia] no s para o mdico, mas para todos os mbitos da situao presente. Devemos estar preparados, portanto, para o fato de que o analisando se entrega compulso de repetir, que ento substitui o impulso recordao, no apenas na relao pessoal com o mdico, mas tam- bm em todos os demais relacionamentos e atividades contemporneas de sua vida, por exemplo quando, no decorrer do tratamento, escolhe um objeto amoroso, toma para si uma tarefa, comea um empreendimento. Tambm a participao da resistncia no difcil de reconhecer. Quanto maior a res- istncia, tanto mais o recordar ser substitudo pelo atuar (repetir). Pois o re- cordar ideal do que foi esquecido corresponde, na hipnose, a um estado em que a resistncia foi totalmente afastada. Se a terapia comea sob os auspcios de uma suave e discretamente positiva transferncia, ela permite inicialmente, como na hipnose, um aprofundar da recordao, durante o qual mesmo os sin- tomas patolgicos silenciam; mas se no decurso posterior a transferncia se torna hostil ou muito intensa, por isso necessitando de represso, 150/275 imediatamente o recordar cede o lugar atuao. A partir de ento as resistn- cias determinam a sequncia do que ser repetido. do arsenal do passado que o doente retira as armas com que se defende do prosseguimento da terapia, as quais temos de lhe arrancar pea por pea. Vimos ento que o analisando repete em vez de lembrar, repete sob as con- dies da resistncia; agora podemos perguntar: o que repete ou atua ele de fato? A resposta ser que ele repete tudo o que, das fontes do reprimido, j se imps em seu ser manifesto: suas inibies e atitudes inviveis, seus traos patolgicos de carter. Ele tambm repete todos os seus sintomas durante o tratamento. E agora podemos ver que ao destacar a compulso de repetio no adquirimos um novo fato, mas uma concepo mais unificada. Para ns se torna claro que a condio doente do analisando no pode cessar com o incio da anlise, que devemos tratar sua doena no como assunto histrico, mas como um poder atual. Essa condio doente movida pouco a pouco para o horizonte e o raio de ao da terapia, e, enquanto o doente a vivencia como algo real e atual, devemos exercer sobre ela o nosso trabalho teraputico, que em boa parte consiste na reconduo ao passado. Fazer lembrar, como sucedia na hipnose, dava inevitavelmente a impresso de um experimento de laboratrio. Fazer repetir no tratamento analtico, se- gundo a nova tcnica, significa conjurar uma frao da vida real, e por isso no pode ser incuo e irrepreensvel em todos os casos. A isto se relaciona todo aquele problema de Òpiorar durante a terapiaÓ, frequentemente inevitvel. Antes de tudo, a iniciao do tratamento leva o doente a mudar sua atitude consciente para com a doena. Normalmente ele se contentou em lament-la, desprez-la como absurdo, subestim-la na sua importncia, e de resto deu prosseguimento, ante as suas manifestaes, ao comportamento repressor, poltica de avestruz que praticava com as suas origens. Pode ento ocorrer que ele no saiba exatamente as precondies de sua fobia, que no escute as palav- ras corretas de suas ideias obsessivas ou no apreenda o verdadeiro propsito de seu impulso obsessivo. Naturalmente isso no ajuda a terapia. Ele tem de 151/275 conquistar a coragem de dirigir sua ateno para os fenmenos de sua doena. A prpria doena no deve mais ser algo desprezvel para ele, mas sim tornar- se um digno adversrio, uma parcela do seu ser fundamentada em bons motivos, de que cabe extrair algo valioso para sua vida futura. A reconciliao com o reprimido que se manifesta nos sintomas assim preparada desde o in- cio, mas tambm se admite uma certa tolerncia para o estado enfermo. Se esta nova relao com a doena torna mais agudos os conflitos e faz sobressarem sintomas at ento indistintos, no difcil consolar o doente com a obser- vao de que isto uma piora necessria e passageira, e que no se pode li- quidar um inimigo que est ausente ou no est prximo o bastante. Mas a res- istncia pode explorar a situao para seus propsitos, e querer abusar da per- misso de estar doente. Parece ento dizer: ÒOlhe no que d, se eu concordo com essas coisas. No fiz bem em abandon-las represso?Ó. Crianas e jovens, em especial, costumam se aproveitar da indulgncia pela condio en- ferma, que a terapia requer, para se regalar nos sintomas patolgicos. Outros perigos surgem do fato de que no curso da terapia podem chegar repetio impulsos instintuais* novos e mais profundos, que ainda no se haviam imposto. Afinal, as aes realizadas pelo paciente fora da transferncia podem trazer danos temporrios sua vida, ou at ser escolhidas de modo a depreciar duradouramente a sade a ser conquistada. Pode-se facilmente justificar a ttica que o mdico deve adotar nesta situ- ao. Para ele, o recordar maneira antiga, reproduzir no mbito psquico, continua sendo a meta a que se apega, embora saiba que na nova tcnica isto no se pode alcanar. Ele se dispe para uma luta contnua com o paciente, a fim de manter no mbito psquico todos os impulsos que este gostaria de diri- gir para o mbito motor, e comemora como um triunfo da terapia o fato de conseguir, mediante o trabalho da recordao, dar soluo a** algo que o pa- ciente gostaria de descarregar atravs de uma ao. Quando a ligao pela transferncia tornou-se de algum modo aproveitvel, o tratamento chega a 152/275 impedir que o paciente realize os atos de repetio mais significativos e a utiliz- ar a inteno para aquilo in statu nascendi como material para o trabalho teraputico. O melhor modo de proteger o doente dos danos que traria a real- izao de seus impulsos obrig-lo a no tomar decises vitais durante a ter- apia, no escolher profisso ou objeto amoroso definitivo, por exemplo, e sim esperar o momento da cura para esses propsitos. Nisso respeitamos de bom grado aquilo que na liberdade pessoal do analis- ando compatvel com essas precaues, no o impedindo de executar props- itos de menor importncia, embora tolos, e no esquecendo que na verdade apenas a experincia e o prejuzo tornam algum sbio. H tambm casos em que no podemos dissuadi-lo de empreender algo totalmente inadequado dur- ante o tratamento, e em que somente depois ele se torna brando e acessvel ao trabalho analtico. Ocasionalmente deve tambm suceder que no haja tempo de pr as rdeas da transferncia nos instintos indomados, ou que o paciente, num ato de repetio, corte o lao que o liga ao tratamento. Quero mencionar, como exemplo extremo, o caso de uma velha senhora que repetidamente aban- donava a casa e o marido, em estado de semiausncia,* e ia para um lugar qualquer, sem tomar conscincia de algum motivo para essas ÒfugasÓ. Ela ini- ciou o tratamento com uma transferncia afetuosa, bem desenvolvida, intensificou-a com rapidez inquietante nos primeiros dias, e ao final de uma se- mana ÒfugiuÓ tambm de mim, antes que eu tivesse tempo de lhe dizer algo que pudesse prevenir tal repetio. No entanto, o principal meio de domar a compulso de repetio do pa- ciente e transform-la num motivo para a recordao est no manejo da trans- ferncia. Tornamos esta compulso inofensiva, e at mesmo til, ao reconhecer-lhe o seu direito, ao lhe permitir vigorar num determinado mbito. Ns a admitimos na transferncia, como numa arena em que lhe facultado se desenvolver em quase completa liberdade, e onde obrigada a nos apresentar 153/275 tudo o que, em matria de instintos patognicos, se ocultou na vida psquica do analisando. Quando o paciente se mostra solcito a ponto de respeitar as con- dies bsicas do tratamento, conseguimos normalmente dar um novo signific- ado de transfernciaa todos os sintomas da doena, substituindo sua neurose ordinria por uma neurose de transferncia, da qual ele pode ser curado pelo trabalho teraputico. Assim a transferncia cria uma zona intermediria entre a doena e a vida, atravs da qual se efetua a transio de uma para a outra. O novo estado assumiu todas as caractersticas da doena, mas representa uma enfermidade artificial, em toda parte acessvel nossa interferncia. Ao mesmo tempo uma parcela da vida real, tornada possvel por condies particular- mente favorveis, porm, e tendo uma natureza provisria. Das reaes de re- petio que surgem na transferncia, os caminhos j conhecidos levam ao des- pertar das recordaes, que aps a superao das resistncias se apresentam sem dificuldade. Eu poderia me deter aqui, se o ttulo deste ensaio no me obrigasse ex- posio de mais um ponto da tcnica psicanaltica. Como se sabe, a superao das resistncias tem incio quando o mdico desvela a resistncia jamais recon- hecida pelo paciente e a comunica a ele. Mas parece que os principiantes da an- lise se inclinam a tomar esse incio pelo trabalho inteiro. Com frequncia fui consultado a respeito de casos em que o mdico se queixou de haver mostrado ao doente sua resistncia, sem que no entanto algo mudasse, a resistncia havia mesmo se fortalecido e toda a situao se turvado ainda mais. Aparentemente, a terapia no estava indo adiante. Essa expectativa sombria resultou sempre er- rada. Em geral a terapia fazia progresso; o mdico tinha apenas esquecido que nomear a resistncia no pode conduzir sua imediata cessao. preciso dar tempo ao paciente para que ele se enfronhe na resistncia agora conhecida,* para que a elabore,* para que a supere, prosseguindo o trabalho apesar dela, conforme a regra fundamental da anlise. Somente no auge da resistncia 154/275 podemos, em trabalho comum com o analisando, descobrir os impulsos instin- tuais que a esto nutrindo, de cuja existncia e poder o doente convencido mediante essa vivncia. O mdico nada tem a fazer seno esperar e deixar as coisas seguirem um curso que no pode ser evitado, e tampouco ser sempre acelerado. Atendo-se a essa compreenso, ele se poupar muitas vezes a iluso de haver fracassado, quando na realidade segue a linha correta no tratamento. Na prtica, essa elaborao das resistncias pode se tornar uma tarefa pen- osa para o analisando e uma prova de pacincia para o mdico. Mas a parte do trabalho que tem o maior efeito modificador sobre o paciente, e que dis- tingue o tratamento psicanaltico de toda influncia por sugesto. Teoricamente pode-se compar-la com a Òab-reaoÓ dos montantes de afeto retidos pela represso, [ab-reao] sem a qual o tratamento hipntico per- manecia ineficaz. * "Pensamentos espontneos": nossa traduo para freie Einflle, que nas verses estrangeiras consultadas (duas em espanhol, uma francesa, a italiana da Boringhieri e a Standard inglesa) aparece como ocurrencias espontneas, ocurrencias libres, associazoni libere, associations libres, free associations; para mais informaes sobre o termo Einfall, ver nossa traduo de Alm do bem e do mal, de Friedrich Nietzsche. So Paulo: Companhia das Letras, 1992 (ed. de bolso, 2005), nota 16. Na mesma frase, "no conseguia" traduz versagte, que os tradutores consultados vertem por no consegua, denegaba, non riusciva, n'arrivait pas, failed. O tradutor argentino usa deneg- aba porque o verbo versagen se relaciona a Versagung, que ele traduz por frustracin ou denega- cin (cf. J. L. Etcheverry, Sobre la versin castellana: volumen de presentacin de las Obras com- pletas de Sigmund Freud. Buenos Aires: Amorrortu, 1978, p. 137). Esse um problema con- stante ao se traduzir Freud: deve-se buscar a mxima literalidade tcnica, ao risco de produzir textos pouco legveis, mas que no original fluem naturalmente? (A verso argentina optou pela literalidade total, o que resultou num verdadeiro atentado lngua de Cervantes.) Nesse caso especfico, versagen denota o fracasso em realizar uma ao Ñ "no se consegue" fazer aquilo. Por isso acompanhamos a coloquialidade das outras verses. * ��: abreviatura do adjetivo "psicanaltica"; pouco usada por Freud, no entanto. 155/275 * "Eventos": no original, Vorgnge, geralmente traduzida por "processos", mas que pode tam- bm significar "acontecimentos, eventos", o que parece ser o caso. ** "Referncias, sentimentos, conexes": Beziehungsvorgnge, Gefhlsregungen, Zusammen- hnge Ñ nas verses consultadas: las asociaciones, lo sentimientos, etc. [omisso]; procesos de referimiento, mociones de sentimiento, nexos; i riferimenti, gli impulsi emotivi, le connessioni; des ides connexes et des mois [omisso]; processes of reference, emotional impulses, thought-connec- tions. O termo composto Beziehungsvorgnge significa literalmente "atos ou processos de re- lao, de referncia", o que seria meio redundante em portugus. Sobre a possibilidade Ñ ou convenincia Ñ de ocasionalmente verter um composto alemo por uma s palavra em nossa lngua, ver o apndice B de As palavras de Freud, op. cit. O mesmo se aplica palavra seguinte, Gefhlsregung, composta de Gefhl, "sentimento, sensao, emoo" e Regung; mas este se- gundo termo que a compe traz uma dificuldade extra. A tendncia mais nova, vinda de Paris, traduzi-lo por "moo" (como em Triebregung, "moo pulsional" Ñ essa prola do jargo psicanaltico). No entanto, preciso lembrar que, embora etimologicamente relacionado a "mover", "moo" veio a significar, tanto em francs como em portugus, "uma proposta ap- resentada numa assembleia deliberativa por um de seus membros", na definio de Domingos de Azevedo, (Grande dicionrio francs-portugus. Lisboa: Bertrand, 8a ed., 1984). Ningum usa essa palavra com o sentido de "movimento". Em alemo, o verbo regen significa "mover, agit- ar"; uma variante dele anregen, "estimular, incitar". Nossa traduo literal para Gefhlsregun- gen seria "impulsos emocionais"; mas no presente contexto, devido enumerao em que est inserido o termo ("as fantasias" etc.), preferimos simplesmente "sentimentos". * "A posteriori": em alemo, nachtrglich (em itlico no original); nas verses consultadas: luego, con efecto retardado, a posteriori, ultrieurement, subsequently. O termo original j foi objeto de boas discusses na literatura psicanaltica. Nossa contribuio a esse debate se acha em As pa- lavras de Freud, op. cit., captulo sobre nachtrglich. * "Os motivos mais forosos do conjunto da neurose": die zwingendsten Motive aus dem Gefge der Neurose Ñ nas verses consultadas: la estructura de la neurose [omisso], los ms probatorios motivos extrados de la ensambladura de la neurosis, la structure mme de la nvrose apporte la preuve vidente de leur ralit [omisso], the most compelling evidence provided by the fabric of the neurosis. A palavra Gefge foi aqui traduzida por "conjunto", diferentemente de em outro texto deste volume ("Formulaes sobre os dois princpiosÉ"), onde usamos "corpo". Strachey re- corre a structure no outro texto e, neste, a fabric ("tecido, trama", tambm "estrutura"). Quanto palavra "motivo", traduz apenas uma das acepes de Motiv, que tambm significa "assunto, tema recorrente"; cf. Leitmotiv, em msica: "motivo condutor". 156/275 * "Terapia": Kur, no original; nas verses estrangeiras: cura, idem, cura, cure, treatment. A traduo de Kur por "cura" enganosa, pois em portugus (diferentemente de outras lnguas latinas) a palavra designa o resultado, no o processo. A verso de Strachey nos parece a mais adequada; "terapia" a palavra grega para "tratamento". Reservamos "cura" para traduzir Genesung (do verbo genesen, "convalescer"), que aparecer mais frente; nesse caso, os tradutores de lngua espanhola usam curacin, a tradutora francesa, gurison, o italiano, guari- gione, e o ingls, recovery. * "Impulsos instintuais": Triebregungen; nas verses consultadas: impulsos instintivos, mocionespulsionales, moti pulsionali, mois instinctuels, instinctual impulses; cf. nota sobre Wunschregung, na p. 127 e sobre Gefhlsregung, na p. 197. ** "Dar soluo a": traduo aqui dada ao verbo erledigen, que admite vrios sentidos, segundo o contexto; o dicionrio bilngue de Udo Schau (Porto Editora, 1989) traz "acabar, despachar, pr em ordem, regular, solucionar, resolver, decidir, combinar, executar, cumprir, realizar, afastar, realizar"; entre as verses consultadas, algumas so imprecisas: derivar, tramitar, liquid- are, is disposed of. * "Estado de semiausncia": Dmmerszustnde Ñ nas verses estrangeiras consultadas: estados de obnubilacin, estado crepuscular, tats confusionnels, twilight state. * "Agora conhecida": nun bekannte Ñ nisso acompanhamos o texto da Studienausgabe, que re- toma o da primeira edio. Nas edies posteriores a essa, inclusive nos Gesammelte Werke, isso foi alterado para unbekannte, "desconhecida", o que faz menos sentido (makes less good sense), segundo Strachey, que apontou a divergncia e sugeriu a restaurao, depois adotada na Studienausgabe. * "Elaborar": durcharbeiten. As tradues consultadas empregam elaborar, reelaborar, rielaborare, laborer interprtativement, work through. O termo alemo formado pela preposio durch, "at- ravs de, de lado a lado", e pelo verbo arbeiten, "trabalhar". Em ingls, a preposio through corresponde exatamente a durch; so etimologicamente aparentadas, descendem da mesma pa- lavra, na lngua indo-germnica que veio a dar origem ao ingls e ao alemo. Mas o verbo usado em maior nmero de situaes Ñ ou seja, tem mais significados Ñ do que o equivalente ingls. Pode significar, de acordo com o dicionrio Duden Universalwrterbuch (Mannheim: Dudenverlag, 1989): trabalhar sem pausa Ñ a noite inteira, digamos; ler a fundo, estudar uma obra; fazer bem e minuciosamente um trabalho; abrir caminho trabalhosamente Ñ numa mul- tido, numa selva, por exemplo. Os dois ltimos sentidos seriam aqueles utilizados por Freud. No Vocabulrio da psicanlise, Laplanche e Pontalis propem o neologismo "perlaborar" (prlaborer, no original francs) para traduzir durcharbeiten, e "perlaborao" para o substantivo 157/275 Durcharbeitug (So Paulo: Martins Fontes, 11a ed. revista, 1991, pp. 339-40). Eles argumentam que "elaborar" deve ser reservado para bearbeiten ou verarbeiten (que tambm significam "tra- balhar, elaborar", em algumas das muitas acepes que esses verbos tm em portugus e francs). possvel acrescentar outros argumentos em favor da opo de Laplanche e Pontalis. A preposio latina per corresponderia alem durch; como na frase Per ardua surgo ("Ergo-me por entre as dificuldades" Ñ lema do estado da Bahia). E tambm conotaria um reforo da ao, a realizaao completa de um trabalho, como no verbo "perfazer". Mas nada disso com- pensa o fato de "perlaborar" e "perlaborao" serem palavras estranhas, verdadeiras prolas de feiura (com permisso do oxmoro), que dificilmente adquiriro curso na lngua portuguesa. Por isso achamos prefervel manter "elaborar" e "elaborao", confiando em que o sentido pretendido por Freud emergir naturalmente do contexto em que aparecem. O leitor ou pa- ciente compreender o que significa elaborar ou trabalhar as resistncias. 158/275
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