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RECORDAR,
REPETIR
E ELABORAR
(1914)
NOVAS RECOMENDA‚ÍES
SOBRE A TƒCNICA
DA PSICANçLISE II
TêTULO ORIGINAL: ÒERINNERN, WIEDERHOLEN
UND DURCHARBEITEN. (WEITERE RATSCHL€GE
ZUR TECHNIK DER PSYCHOANALYSE II)Ó.
PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM
INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT F†R €RZTLICHE
PSYCHOANALYSE [REVISTA INTERNACIONAL
DE PSICANçLISE MƒDICA], V. 2, N. 6, PP. 485-91.
TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X,
PP. 126-36; TAMBƒM SE ACHA EM
STUDIENAUSGABE, ERG€NZUNGSBAND
[VOLUME COMPLEMENTAR], PP. 205-15.
ESTA TRADU‚ÌO FOI PUBLICADA
ORIGINALMENTE NO JORNAL DE PSICANçLISE,
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANçLISE
DE SÌO PAULO, V. 27, N. 51, 1994;
NA PRESENTE EDI‚ÌO O TEXTO FOI REVISADO,
ALGUMAS NOTAS DO TRADUTOR FORAM
OMITIDAS E OUTRAS FORAM MODIFICADAS.
N‹o me parece desnecess‡rio lembrar continuamente, ˆqueles que estudam a
psican‡lise, as profundas altera›es que a tŽcnica psicanal’tica sofreu desde o
in’cio. Na primeira fase, a da catarse de Breuer, o foco era colocado sobre o
momento da forma‹o do sintoma, e havia o esforo persistente em fazer se re-
produzirem os processos ps’quicos daquela situa‹o, para lev‡-los a uma
descarga mediante a atividade consciente. Recordar e ab-reagir, com o aux’lio
do estado hipn—tico, eram ent‹o as metas a serem alcanadas. Em seguida, de-
pois da renœncia ˆ hipnose, imp™s-se a tarefa de descobrir, a partir dos
pensamentos espont‰neos* do analisando, o que ele n‹o conseguia recordar. A
resistncia seria contornada mediante o trabalho de interpreta‹o e a comu-
nica‹o dos seus resultados ao doente; mantinha-se o foco sobre as situa›es
em que se tinham formado os sintomas e aquelas que se verificavam por tr‡s
do momento em que surgira a doena, a ab-rea‹o ca’a para segundo plano,
parecendo substitu’da pelo dispndio de trabalho que o analisando tinha que
fazer, na supera‹o da cr’tica a seus pensamentos espont‰neos a que era obri-
gado (em obedincia ˆ regra ��* fundamental). Por fim se formou a tŽcnica
coerente de agora, na qual o mŽdico renuncia a destacar um fator ou problema
determinado e se contenta em estudar a superf’cie ps’quica apresentada pelo
analisando, utilizando a arte da interpreta‹o essencialmente para reconhecer
as resistncias que nela surgem e torn‡-las conscientes para o doente. Verifica-
se ent‹o uma nova espŽcie de divis‹o de trabalho: o mŽdico desencobre as res-
istncias desconhecidas para o doente; sendo essas dominadas, com frequncia
o doente relata sem qualquer dificuldade as situa›es e os nexos esquecidos. O
objetivo dessas tŽcnicas permaneceu inalterado, sem dœvida. Em termos
descritivos: preenchimento das lacunas da recorda‹o; em termos din‰micos:
supera‹o das resistncias da repress‹o.
Temos que permanecer gratos ˆ velha tŽcnica hipn—tica por nos ter
mostrado processos ps’quicos da an‡lise de modo isolado e esquem‡tico.
Apenas assim pudemos adquirir o ‰nimo de criar n—s mesmos situa›es com-
plicadas na terapia anal’tica e de mant-las transparentes.
Naqueles tratamentos hipn—ticos o recordar se configurava de forma bem
simples. O paciente se punha numa situa‹o anterior, que n‹o parecia jamais se
confundir com a presente, comunicava os processos ps’quicos da mesma, atŽ
onde haviam permanecido normais, e acrescentava o que podia resultar da
transforma‹o dos processos antes inconscientes em conscientes.
Neste ponto farei algumas observa›es que todo analista v confirmadas
em sua experincia. O esquecimento de impress›es, cenas, vivncias reduz-se
em geral a um ÒbloqueioÓ delas. Quando o paciente fala desse
ÒesquecimentoÓ, raramente deixa de acrescentar: ÒNa verdade, eu sempre
soube, apenas n‹o pensava nissoÓ. N‹o raro ele expressa desapontamento por
n‹o lhe ocorrerem bastantes coisas que possa reconhecer como ÒesquecidasÓ,
em que nunca tenha pensado novamente desde que sucederam. No entanto,
tambŽm esse anelo Ž satisfeito, sobretudo nas histerias de convers‹o. O Òes-
quecimentoÓ sofre ainda limita‹o se apreciarmos as lembranas encobridoras,
de presena universal. Em n‹o poucos casos tive a impress‹o de que a con-
hecida amnŽsia infantil, para n—s t‹o importante teoricamente, Ž inteiramente
contrabalanada pelas lembranas encobridoras. Nestas se conserva n‹o apen-
as algo essencial da vida infantil, mas verdadeiramente todo o essencial. ƒ pre-
ciso apenas saber extra’-lo delas por meio da an‡lise. Elas representam os anos
esquecidos da inf‰ncia t‹o adequadamente quanto o conteœdo manifesto do
sonho representa os pensamentos on’ricos.
O outro grupo de eventos* ps’quicos que, como atos puramente internos,
podem ser contrapostos ˆs impress›es e vivncias, as fantasias, referncias,
sentimentos, conex›es,** tem de ser considerado separadamente na sua rela‹o
com o esquecer e o recordar. Nele sucede com particular frequncia que seja
ÒlembradoÓ algo que n‹o poderia jamais ser ÒesquecidoÓ, pois em tempo al-
gum foi percebido, nunca foi consciente e, alŽm disso, parece n‹o fazer nen-
huma diferena, para o decurso ps’quico, se uma dessas Òconex›esÓ era con-
sciente e foi ent‹o esquecida, ou se jamais alcanou a conscincia. A convic‹o
148/275
que o doente adquire no curso da an‡lise independe por completo de uma tal
recorda‹o.
Em especial nas v‡rias formas da neurose obsessiva, o esquecimento se lim-
ita geralmente ˆ dissolu‹o de nexos, n‹o reconhecimento de sequncias l—-
gicas, isolamento de recorda›es.
No caso de um tipo especial de vivncias muito importantes, que tm lugar
nos prim—rdios da inf‰ncia e que na Žpoca foram vividas sem compreens‹o,
mas depois, a posteriori,* encontraram compreens‹o e interpreta‹o, em geral
n‹o Ž poss’vel despertar a lembrana. AtravŽs dos sonhos pode-se chegar a
conhec-las, os motivos mais forosos do conjunto da neurose* nos obrigam a
acreditar nelas, e podemos igualmente nos convencer de que o analisando,
ap—s superar suas resistncias, n‹o invoca a ausncia da sensa‹o de lembrana
(sentimento de familiaridade) para se recusar a aceit‡-la. Entretanto, esse tema
exige tamanha cautela cr’tica, e traz tanta coisa nova e surpreendente, que eu o
reservarei para um tratamento ˆ parte, com material apropriado.
Aplicando a nova tŽcnica restar‡ muito pouco, com frequncia nada,
daquele transcurso agradavelmente suave. TambŽm surgem casos que atŽ
certo ponto se comportam como na tŽcnica hipn—tica e somente depois di-
vergem; outros agem diferentemente desde o princ’pio. Se nos detemos nesse
œltimo tipo para caracterizar a diferena, Ž l’cito afirmar que o analisando n‹o
recorda absolutamente o que foi esquecido e reprimido, mas sim o atua. Ele
n‹o o reproduz como lembrana, mas como ato, ele o repete, naturalmente
sem saber que o faz.
Por exemplo: o analisando n‹o diz que se lembra de haver sido teimoso e
rebelde ante a autoridade dos pais, mas se comporta de tal maneira diante do
mŽdico. N‹o se lembra de que sua investiga‹o sexual infantil n‹o o levou a
nada, deixando-o perplexo e desamparado, mas apresenta uma quantidade de
sonhos e pensamentos confusos, lamenta que nada d‡ certo para ele, e v como
seu destino jamais concluir um empreendimento. N‹o se lembra de ter se
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envergonhado bastante de certas atividades sexuais e ter sentido medo de que
fossem descobertas, mas mostra vergonha do tratamento a que se submete
agora e procura escond-lo de todos etc.
Sobretudo, ele comea a terapia* com uma repeti‹o desse gnero. Fre-
quentemente, ao comunicar a regra fundamental da psican‡lise a um paciente
com uma vida cheia de eventos e uma longa hist—ria de doena, e solicitar que
ele diga o que lhe ocorrer, esperando que suas declara›es fluam como uma
torrente, constatamos que ele nada diz. Guarda silncio e afirma que nada lhe
ocorre. Isto n‹o Ž outra coisa, naturalmente, que a repeti‹o de uma atitude
homossexual que se evidencia como resistncia contra qualquer recorda‹o.
Enquanto ele permanecer em tratamento, n‹o se livrar‡ desta compuls‹o de re-
peti‹o; por fim compreendemos que este Ž seu modo de recordar.
ƒ natural que em primeira linha nos interesse a rela‹o desta compuls‹ode
repeti‹o com a transferncia e a resistncia. Logo notamos que a transferncia
mesma Ž somente uma parcela de repeti‹o, e que a repeti‹o Ž transferncia
do passado esquecido, [transferncia] n‹o s— para o mŽdico, mas para todos os
‰mbitos da situa‹o presente. Devemos estar preparados, portanto, para o fato
de que o analisando se entrega ˆ compuls‹o de repetir, que ent‹o substitui o
impulso ˆ recorda‹o, n‹o apenas na rela‹o pessoal com o mŽdico, mas tam-
bŽm em todos os demais relacionamentos e atividades contempor‰neas de sua
vida, por exemplo quando, no decorrer do tratamento, escolhe um objeto
amoroso, toma para si uma tarefa, comea um empreendimento. TambŽm a
participa‹o da resistncia n‹o Ž dif’cil de reconhecer. Quanto maior a res-
istncia, tanto mais o recordar ser‡ substitu’do pelo atuar (repetir). Pois o re-
cordar ideal do que foi esquecido corresponde, na hipnose, a um estado em
que a resistncia foi totalmente afastada. Se a terapia comea sob os ausp’cios
de uma suave e discretamente positiva transferncia, ela permite inicialmente,
como na hipnose, um aprofundar da recorda‹o, durante o qual mesmo os sin-
tomas patol—gicos silenciam; mas se no decurso posterior a transferncia se
torna hostil ou muito intensa, por isso necessitando de repress‹o,
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imediatamente o recordar cede o lugar ˆ atua‹o. A partir de ent‹o as resistn-
cias determinam a sequncia do que ser‡ repetido. ƒ do arsenal do passado que
o doente retira as armas com que se defende do prosseguimento da terapia, as
quais temos de lhe arrancar pea por pea.
Vimos ent‹o que o analisando repete em vez de lembrar, repete sob as con-
di›es da resistncia; agora podemos perguntar: o que repete ou atua ele de
fato? A resposta ser‡ que ele repete tudo o que, das fontes do reprimido, j‡ se
imp™s em seu ser manifesto: suas inibi›es e atitudes invi‡veis, seus traos
patol—gicos de car‡ter. Ele tambŽm repete todos os seus sintomas durante o
tratamento. E agora podemos ver que ao destacar a compuls‹o de repeti‹o
n‹o adquirimos um novo fato, mas uma concep‹o mais unificada. Para n—s se
torna claro que a condi‹o doente do analisando n‹o pode cessar com o in’cio
da an‡lise, que devemos tratar sua doena n‹o como assunto hist—rico, mas
como um poder atual. Essa condi‹o doente Ž movida pouco a pouco para o
horizonte e o raio de a‹o da terapia, e, enquanto o doente a vivencia como
algo real e atual, devemos exercer sobre ela o nosso trabalho teraputico, que
em boa parte consiste na recondu‹o ao passado.
Fazer lembrar, como sucedia na hipnose, dava inevitavelmente a impress‹o
de um experimento de laborat—rio. Fazer repetir no tratamento anal’tico, se-
gundo a nova tŽcnica, significa conjurar uma fra‹o da vida real, e por isso n‹o
pode ser in—cuo e irrepreens’vel em todos os casos. A isto se relaciona todo
aquele problema de Òpiorar durante a terapiaÓ, frequentemente inevit‡vel.
Antes de tudo, a inicia‹o do tratamento leva o doente a mudar sua atitude
consciente para com a doena. Normalmente ele se contentou em lament‡-la,
desprez‡-la como absurdo, subestim‡-la na sua import‰ncia, e de resto deu
prosseguimento, ante as suas manifesta›es, ao comportamento repressor, ˆ
pol’tica de avestruz que praticava com as suas origens. Pode ent‹o ocorrer que
ele n‹o saiba exatamente as precondi›es de sua fobia, que n‹o escute as palav-
ras corretas de suas ideias obsessivas ou n‹o apreenda o verdadeiro prop—sito
de seu impulso obsessivo. Naturalmente isso n‹o ajuda a terapia. Ele tem de
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conquistar a coragem de dirigir sua aten‹o para os fen™menos de sua doena.
A pr—pria doena n‹o deve mais ser algo desprez’vel para ele, mas sim tornar-
se um digno advers‡rio, uma parcela do seu ser fundamentada em bons
motivos, de que cabe extrair algo valioso para sua vida futura. A reconcilia‹o
com o reprimido que se manifesta nos sintomas Ž assim preparada desde o in’-
cio, mas tambŽm se admite uma certa toler‰ncia para o estado enfermo. Se esta
nova rela‹o com a doena torna mais agudos os conflitos e faz sobressa’rem
sintomas atŽ ent‹o indistintos, n‹o Ž dif’cil consolar o doente com a obser-
va‹o de que isto Ž uma piora necess‡ria e passageira, e que n‹o se pode li-
quidar um inimigo que est‡ ausente ou n‹o est‡ pr—ximo o bastante. Mas a res-
istncia pode explorar a situa‹o para seus prop—sitos, e querer abusar da per-
miss‹o de estar doente. Parece ent‹o dizer: ÒOlhe no que d‡, se eu concordo
com essas coisas. N‹o fiz bem em abandon‡-las ˆ repress‹o?Ó. Crianas e
jovens, em especial, costumam se aproveitar da indulgncia pela condi‹o en-
ferma, que a terapia requer, para se regalar nos sintomas patol—gicos.
Outros perigos surgem do fato de que no curso da terapia podem chegar ˆ
repeti‹o impulsos instintuais* novos e mais profundos, que ainda n‹o se
haviam imposto. Afinal, as a›es realizadas pelo paciente fora da transferncia
podem trazer danos tempor‡rios ˆ sua vida, ou atŽ ser escolhidas de modo a
depreciar duradouramente a saœde a ser conquistada.
Pode-se facilmente justificar a t‡tica que o mŽdico deve adotar nesta situ-
a‹o. Para ele, o recordar ˆ maneira antiga, reproduzir no ‰mbito ps’quico,
continua sendo a meta a que se apega, embora saiba que na nova tŽcnica isto
n‹o se pode alcanar. Ele se disp›e para uma luta cont’nua com o paciente, a
fim de manter no ‰mbito ps’quico todos os impulsos que este gostaria de diri-
gir para o ‰mbito motor, e comemora como um triunfo da terapia o fato de
conseguir, mediante o trabalho da recorda‹o, dar solu‹o a** algo que o pa-
ciente gostaria de descarregar atravŽs de uma a‹o. Quando a liga‹o pela
transferncia tornou-se de algum modo aproveit‡vel, o tratamento chega a
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impedir que o paciente realize os atos de repeti‹o mais significativos e a utiliz-
ar a inten‹o para aquilo in statu nascendi como material para o trabalho
teraputico. O melhor modo de proteger o doente dos danos que traria a real-
iza‹o de seus impulsos Ž obrig‡-lo a n‹o tomar decis›es vitais durante a ter-
apia, n‹o escolher profiss‹o ou objeto amoroso definitivo, por exemplo, e sim
esperar o momento da cura para esses prop—sitos.
Nisso respeitamos de bom grado aquilo que na liberdade pessoal do analis-
ando Ž compat’vel com essas precau›es, n‹o o impedindo de executar prop—s-
itos de menor import‰ncia, embora tolos, e n‹o esquecendo que na verdade
apenas a experincia e o preju’zo tornam alguŽm s‡bio. H‡ tambŽm casos em
que n‹o podemos dissuadi-lo de empreender algo totalmente inadequado dur-
ante o tratamento, e em que somente depois ele se torna brando e acess’vel ao
trabalho anal’tico. Ocasionalmente deve tambŽm suceder que n‹o haja tempo
de p™r as rŽdeas da transferncia nos instintos indomados, ou que o paciente,
num ato de repeti‹o, corte o lao que o liga ao tratamento. Quero mencionar,
como exemplo extremo, o caso de uma velha senhora que repetidamente aban-
donava a casa e o marido, em estado de semiausncia,* e ia para um lugar
qualquer, sem tomar conscincia de algum motivo para essas ÒfugasÓ. Ela ini-
ciou o tratamento com uma transferncia afetuosa, bem desenvolvida,
intensificou-a com rapidez inquietante nos primeiros dias, e ao final de uma se-
mana ÒfugiuÓ tambŽm de mim, antes que eu tivesse tempo de lhe dizer algo
que pudesse prevenir tal repeti‹o.
No entanto, o principal meio de domar a compuls‹o de repeti‹o do pa-
ciente e transform‡-la num motivo para a recorda‹o est‡ no manejo da trans-
ferncia. Tornamos esta compuls‹o inofensiva, e atŽ mesmo œtil, ao
reconhecer-lhe o seu direito, ao lhe permitir vigorar num determinado ‰mbito.
N—s a admitimos na transferncia, como numa arena em que lhe Ž facultado se
desenvolver em quase completa liberdade, e onde Ž obrigada a nos apresentar
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tudo o que, em matŽria de instintos patognicos, se ocultou na vida ps’quica do
analisando. Quando o paciente se mostra sol’cito a ponto de respeitar as con-
di›es b‡sicas do tratamento, conseguimos normalmente dar um novo signific-
ado de transfernciaa todos os sintomas da doena, substituindo sua neurose
ordin‡ria por uma neurose de transferncia, da qual ele pode ser curado pelo
trabalho teraputico. Assim a transferncia cria uma zona intermedi‡ria entre a
doena e a vida, atravŽs da qual se efetua a transi‹o de uma para a outra. O
novo estado assumiu todas as caracter’sticas da doena, mas representa uma
enfermidade artificial, em toda parte acess’vel ˆ nossa interferncia. Ao mesmo
tempo Ž uma parcela da vida real, tornada poss’vel por condi›es particular-
mente favor‡veis, porŽm, e tendo uma natureza provis—ria. Das rea›es de re-
peti‹o que surgem na transferncia, os caminhos j‡ conhecidos levam ao des-
pertar das recorda›es, que ap—s a supera‹o das resistncias se apresentam
sem dificuldade.
Eu poderia me deter aqui, se o t’tulo deste ensaio n‹o me obrigasse ˆ ex-
posi‹o de mais um ponto da tŽcnica psicanal’tica. Como se sabe, a supera‹o
das resistncias tem in’cio quando o mŽdico desvela a resistncia jamais recon-
hecida pelo paciente e a comunica a ele. Mas parece que os principiantes da an-
‡lise se inclinam a tomar esse in’cio pelo trabalho inteiro. Com frequncia fui
consultado a respeito de casos em que o mŽdico se queixou de haver mostrado
ao doente sua resistncia, sem que no entanto algo mudasse, a resistncia havia
mesmo se fortalecido e toda a situa‹o se turvado ainda mais. Aparentemente,
a terapia n‹o estava indo adiante. Essa expectativa sombria resultou sempre er-
rada. Em geral a terapia fazia progresso; o mŽdico tinha apenas esquecido que
nomear a resistncia n‹o pode conduzir ˆ sua imediata cessa‹o. ƒ preciso dar
tempo ao paciente para que ele se enfronhe na resistncia agora conhecida,*
para que a elabore,* para que a supere, prosseguindo o trabalho apesar dela,
conforme a regra fundamental da an‡lise. Somente no auge da resistncia
154/275
podemos, em trabalho comum com o analisando, descobrir os impulsos instin-
tuais que a est‹o nutrindo, de cuja existncia e poder o doente Ž convencido
mediante essa vivncia. O mŽdico nada tem a fazer sen‹o esperar e deixar as
coisas seguirem um curso que n‹o pode ser evitado, e tampouco ser sempre
acelerado. Atendo-se a essa compreens‹o, ele se poupar‡ muitas vezes a ilus‹o
de haver fracassado, quando na realidade segue a linha correta no tratamento.
Na pr‡tica, essa elabora‹o das resistncias pode se tornar uma tarefa pen-
osa para o analisando e uma prova de pacincia para o mŽdico. Mas Ž a parte
do trabalho que tem o maior efeito modificador sobre o paciente, e que dis-
tingue o tratamento psicanal’tico de toda influncia por sugest‹o.
Teoricamente pode-se compar‡-la com a Òab-rea‹oÓ dos montantes de afeto
retidos pela repress‹o, [ab-rea‹o] sem a qual o tratamento hipn—tico per-
manecia ineficaz.
* "Pensamentos espont‰neos": nossa tradu‹o para freie EinfŠlle, que nas vers›es estrangeiras
consultadas (duas em espanhol, uma francesa, a italiana da Boringhieri e a Standard inglesa)
aparece como ocurrencias espont‡neas, ocurrencias libres, associazoni libere, associations libres, free
associations; para mais informa›es sobre o termo Einfall, ver nossa tradu‹o de AlŽm do bem e
do mal, de Friedrich Nietzsche. S‹o Paulo: Companhia das Letras, 1992 (ed. de bolso, 2005),
nota 16.
Na mesma frase, "n‹o conseguia" traduz versagte, que os tradutores consultados vertem
por no consegu’a, denegaba, non riusciva, n'arrivait pas, failed. O tradutor argentino usa deneg-
aba porque o verbo versagen se relaciona a Versagung, que ele traduz por frustraci—n ou denega-
ci—n (cf. J. L. Etcheverry, Sobre la versi—n castellana: volumen de presentaci—n de las Obras com-
pletas de Sigmund Freud. Buenos Aires: Amorrortu, 1978, p. 137). Esse Ž um problema con-
stante ao se traduzir Freud: deve-se buscar a m‡xima literalidade tŽcnica, ao risco de produzir
textos pouco leg’veis, mas que no original fluem naturalmente? (A vers‹o argentina optou pela
literalidade total, o que resultou num verdadeiro atentado ˆ l’ngua de Cervantes.) Nesse caso
espec’fico, versagen denota o fracasso em realizar uma a‹o Ñ "n‹o se consegue" fazer aquilo.
Por isso acompanhamos a coloquialidade das outras vers›es.
* ��: abreviatura do adjetivo "psicanal’tica"; pouco usada por Freud, no entanto.
155/275
* "Eventos": no original, VorgŠnge, geralmente traduzida por "processos", mas que pode tam-
bŽm significar "acontecimentos, eventos", o que parece ser o caso.
** "Referncias, sentimentos, conex›es": BeziehungsvorgŠnge, GefŸhlsregungen, Zusammen-
hŠnge Ñ nas vers›es consultadas: las asociaciones, lo sentimientos, etc. [omiss‹o]; procesos de
referimiento, mociones de sentimiento, nexos; i riferimenti, gli impulsi emotivi, le connessioni; des
idŽes connexes et des Žmois [omiss‹o]; processes of reference, emotional impulses, thought-connec-
tions. O termo composto BeziehungsvorgŠnge significa literalmente "atos ou processos de re-
la‹o, de referncia", o que seria meio redundante em portugus. Sobre a possibilidade Ñ ou
convenincia Ñ de ocasionalmente verter um composto alem‹o por uma s— palavra em nossa
l’ngua, ver o apndice B de As palavras de Freud, op. cit. O mesmo se aplica ˆ palavra seguinte,
GefŸhlsregung, composta de GefŸhl, "sentimento, sensa‹o, emo‹o" e Regung; mas este se-
gundo termo que a comp›e traz uma dificuldade extra. A tendncia mais nova, vinda de Paris,
Ž traduzi-lo por "mo‹o" (como em Triebregung, "mo‹o pulsional" Ñ essa pŽrola do jarg‹o
psicanal’tico). No entanto, Ž preciso lembrar que, embora etimologicamente relacionado a
"mover", "mo‹o" veio a significar, tanto em francs como em portugus, "uma proposta ap-
resentada numa assembleia deliberativa por um de seus membros", na defini‹o de Domingos
de Azevedo, (Grande dicion‡rio francs-portugus. Lisboa: Bertrand, 8a ed., 1984). NinguŽm usa
essa palavra com o sentido de "movimento". Em alem‹o, o verbo regen significa "mover, agit-
ar"; uma variante dele Ž anregen, "estimular, incitar". Nossa tradu‹o literal para GefŸhlsregun-
gen seria "impulsos emocionais"; mas no presente contexto, devido ˆ enumera‹o em que est‡
inserido o termo ("as fantasias" etc.), preferimos simplesmente "sentimentos".
* "A posteriori": em alem‹o, nachtrŠglich (em it‡lico no original); nas vers›es consultadas: luego,
con efecto retardado, a posteriori, ultŽrieurement, subsequently. O termo original j‡ foi objeto de
boas discuss›es na literatura psicanal’tica. Nossa contribui‹o a esse debate se acha em As pa-
lavras de Freud, op. cit., cap’tulo sobre nachtrŠglich.
* "Os motivos mais forosos do conjunto da neurose": die zwingendsten Motive aus dem GefŸge
der Neurose Ñ nas vers›es consultadas: la estructura de la neurose [omiss‹o], los m‡s probatorios
motivos extra’dos de la ensambladura de la neurosis, la structure mme de la nŽvrose apporte la
preuve Žvidente de leur rŽalitŽ [omiss‹o], the most compelling evidence provided by the fabric of the
neurosis. A palavra GefŸge foi aqui traduzida por "conjunto", diferentemente de em outro texto
deste volume ("Formula›es sobre os dois princ’piosÉ"), onde usamos "corpo". Strachey re-
corre a structure no outro texto e, neste, a fabric ("tecido, trama", tambŽm "estrutura"). Quanto
ˆ palavra "motivo", traduz apenas uma das acep›es de Motiv, que tambŽm significa "assunto,
tema recorrente"; cf. Leitmotiv, em mœsica: "motivo condutor".
156/275
* "Terapia": Kur, no original; nas vers›es estrangeiras: cura, idem, cura, cure, treatment. A
tradu‹o de Kur por "cura" Ž enganosa, pois em portugus (diferentemente de outras l’nguas
latinas) a palavra designa o resultado, n‹o o processo. A vers‹o de Strachey nos parece a mais
adequada; "terapia" Ž a palavra grega para "tratamento". Reservamos "cura" para traduzir
Genesung (do verbo genesen, "convalescer"), que aparecer‡ mais ˆ frente; nesse caso, os
tradutores de l’ngua espanhola usam curaci—n, a tradutora francesa, guŽrison, o italiano, guari-
gione, e o ingls, recovery.
* "Impulsos instintuais": Triebregungen; nas vers›es consultadas: impulsos instintivos, mocionespulsionales, moti pulsionali, Žmois instinctuels, instinctual impulses; cf. nota sobre Wunschregung,
na p. 127 e sobre GefŸhlsregung, na p. 197.
** "Dar solu‹o a": tradu‹o aqui dada ao verbo erledigen, que admite v‡rios sentidos, segundo
o contexto; o dicion‡rio bil’ngue de Udo Schau (Porto Editora, 1989) traz "acabar, despachar,
p™r em ordem, regular, solucionar, resolver, decidir, combinar, executar, cumprir, realizar,
afastar, realizar"; entre as vers›es consultadas, algumas s‹o imprecisas: derivar, tramitar, liquid-
are, is disposed of.
* "Estado de semiausncia": DŠmmerszustŠnde Ñ nas vers›es estrangeiras consultadas: estados de
obnubilaci—n, estado crepuscular, Žtats confusionnels, twilight state.
* "Agora conhecida": nun bekannte Ñ nisso acompanhamos o texto da Studienausgabe, que re-
toma o da primeira edi‹o. Nas edi›es posteriores a essa, inclusive nos Gesammelte Werke,
isso foi alterado para unbekannte, "desconhecida", o que faz menos sentido (makes less good
sense), segundo Strachey, que apontou a divergncia e sugeriu a restaura‹o, depois adotada na
Studienausgabe.
* "Elaborar": durcharbeiten. As tradu›es consultadas empregam elaborar, reelaborar, rielaborare,
Žlaborer interprŽtativement, work through. O termo alem‹o Ž formado pela preposi‹o durch, "at-
ravŽs de, de lado a lado", e pelo verbo arbeiten, "trabalhar". Em ingls, a preposi‹o through
corresponde exatamente a durch; s‹o etimologicamente aparentadas, descendem da mesma pa-
lavra, na l’ngua indo-germ‰nica que veio a dar origem ao ingls e ao alem‹o. Mas o verbo Ž
usado em maior nœmero de situa›es Ñ ou seja, tem mais significados Ñ do que o equivalente
ingls. Pode significar, de acordo com o dicion‡rio Duden Universalwšrterbuch (Mannheim:
Dudenverlag, 1989): trabalhar sem pausa Ñ a noite inteira, digamos; ler a fundo, estudar uma
obra; fazer bem e minuciosamente um trabalho; abrir caminho trabalhosamente Ñ numa mul-
tid‹o, numa selva, por exemplo. Os dois œltimos sentidos seriam aqueles utilizados por Freud.
No Vocabul‡rio da psican‡lise, Laplanche e Pontalis prop›em o neologismo "perlaborar"
(pŽrlaborer, no original francs) para traduzir durcharbeiten, e "perlabora‹o" para o substantivo
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Durcharbeitug (S‹o Paulo: Martins Fontes, 11a ed. revista, 1991, pp. 339-40). Eles argumentam
que "elaborar" deve ser reservado para bearbeiten ou verarbeiten (que tambŽm significam "tra-
balhar, elaborar", em algumas das muitas acep›es que esses verbos tm em portugus e
francs). ƒ poss’vel acrescentar outros argumentos em favor da op‹o de Laplanche e Pontalis.
A preposi‹o latina per corresponderia ˆ alem‹ durch; como na frase Per ardua surgo ("Ergo-me
por entre as dificuldades" Ñ lema do estado da Bahia). E tambŽm conotaria um reforo da
a‹o, a realizaao completa de um trabalho, como no verbo "perfazer". Mas nada disso com-
pensa o fato de "perlaborar" e "perlabora‹o" serem palavras estranhas, verdadeiras pŽrolas de
feiura (com permiss‹o do ox’moro), que dificilmente adquirir‹o curso na l’ngua portuguesa.
Por isso achamos prefer’vel manter "elaborar" e "elabora‹o", confiando em que o sentido
pretendido por Freud emergir‡ naturalmente do contexto em que aparecem. O leitor ou pa-
ciente compreender‡ o que significa elaborar ou trabalhar as resistncias.
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