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Sociologia da Educação

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Sociologia da Educação2.ed. rev. ampl.
Cibelle Cristina Lopes e Silva
PEDAGOGIA
Graduação
Cibelle Cristina Lopes e Silva
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
2.ed. rev. ampl.
MEC / SEED / UAB2013
S586s Silva, Cibelle Cristina Lopes e Sociologia da Educação / Cibelle Cristina Lopes e Silva. - 2.ed. rev. ampl. - São João del-Rei, MG : UFSJ, 2013. 94p. ISBN 978-85-8141-023-4 1. Sociologia Educacional 2. Educação I. Título. CDU: 37.015.4
Reitora Valéria Heloísa Kemp Coordenadora NEAD/UFSJ Marise Maria Santana da Rocha Coordenador UAB Carlos Alberto RaposoComissão Editorial: Alexandre Carlos Eduardo
 Fábio Alexandre Matos 
 Geraldo Roberto de Souza (Presidente)
 Geraldo Tibúrcio
 José do Carmo Toledo 
 José Luiz de Oliveira
 Leonardo Cristian Rocha 
 Maria do Carmo Santos Neta 
 Maria Rita Rocha Carmo 
 Marise Maria Santana da Rocha 
 Rosângela Branca do Carmo 
 Terezinha LombelloEdição Núcleo de Educação a Distância
 Comissão Editorial - NEAD-UFSJCapa
 Eduardo Henrique de Oliveira GaioDiagramação Luciano Alexandre Pinto
Sumário
Pra começo de conversa… . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05
UNIDADE 1 - O espaço escolar e os estudos curriculares: 
	 	 questionamentos,	tensões	e	reflexões	.	.	.	.	.	.	.	. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07
UNIDADE	2	-	A	feminização	da	profissão	docente	e	o	cenário	atual	do	
 ensino básico brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
UNIDADE 3 - Alguns conceitos à luz de Pierre Bourdieu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
UNIDADE 4 - A trajetória familiar de algumas professoras primárias de 
	 	 São	João	del-Rei	e	o	processo	de	escolarização	dos	filhos	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	55
Pra	final	de	conversa...		.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	85
REFERÊNCIAS	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	87
5
Pra começo de conversa…
Caro (a) Estudante:
É com grande alegria e satisfação que convido você a iniciar mais uma etapa de estudos, 
especificamente dos estudos de uma disciplina que compõe a grade curricular de seu curso: Sociologia da Educação, disciplina tão importante quanto todas as outras cursadas até aqui. 
Você irá observar, no decorrer do curso, o quanto esta disciplina se articula com a prática docente e com tantas outras dentro do curso de Pedagogia. Parto da hipótese de que todo professor é um educador, por isso o estudo de disciplinas como Psicologia da Educação, História de Educação, Antropologia, Sociologia da Educação, dentre outras, podem e devem nos auxiliar num sentido de educação em sua função social, que vai muito além do que simplesmente ensinar a ler, escrever, somar... Parto do pressuposto da educação 
enquanto prática social, enquanto formação de cidadãos críticos reflexivos, cientes de seu papel na sociedade.
Acredito, baseada não somente em meus estudos, mas também em minha vivência, que o estudo da Sociologia da Educação nos ajuda na transformação pessoal e social.
Organizei este caderno acreditando que o estudo desta disciplina possa ampliar a sua maneira de ver as coisas mais simples, mais cotidianas, mais pequeninas, de modo a 
enxergá-las como resultado de ações de homens e mulheres, cidadãos, sujeitos históricos e sociais.
Assim, distribuí o nosso estudo em 4 unidades temáticas.
Na unidade 1 apresento um texto sobre algumas teorias dos estudos curriculares.
Na unidade 2 faço um breve histórico da feminização da profissão docente. 
Na unidade 3 apresento o grande sociólogo francês Pierre Bourdieu e alguns conceitos à luz de suas teorias.
6
Na unidade 4 trato de uma pesquisa em Educação dentro da Sociologia da Educação, que investiga a trajetória de onze professoras primárias da cidade de Sâo João del-Rei e a 
relação de sua profissão com o processo de escolarização de seus filhos.
Que a leitura destas páginas faça brotar sementes de desconfiança que motivem você 
na busca de respostas que não estejam prontas, finalizadas, que não sejam verdades absolutas simplesmente inverdades. Que você busque respostas guiado (a) pela luz do conhecimento, pela produção de saberes, pelo desejo de construir uma sociedade mais justa!...
Bons estudos!
Profª. Msc. Cibelle Cristina Lopes e Silva 
unidade
7
O ESPAÇO ESCOLAR E OS ESTUDOS CURRICULARES: 
QUESTIONAMENTOS, TENSÕES E REFLEXÕES.
Objetivos
•	 Identificar o papel da escola segundo Pierre Bourdieu, na perpetuação das desigualdades sociais.
•	 Caracterizar as teorias críticas do currículo.
•	 Estabelecer a relação entre currículo e poder.
•	 Diferenciar currículo oficial e real; currículo formal e informal.
unidade 1
9
unidade 1
Introdução
Ciente da complexidade do campo e da variedade de obras e autores que vêm tecendo 
considerações valiosas acerca do tema apresentado este texto traz uma reflexão sobre 
o significado das teorias curriculares no espaço escolar e na produção de saberes. Primeiramente, pretende-se situar o pensamento bourdieusiano referente à função da 
escola no sistema de reprodução social. Em seguida, procura-se identificar consonâncias 
entre a teoria bourdieusiana e as teorias críticas do currículo. Para finalizar, busca-se um contraponto a esses pensamentos através dos estudos curriculares numa perspectiva 
de problematizar as tensões, conflitos e enclaves encontrados no processo da política curricular/educacional. O objetivo é questionar o pensamento bourdieusiano, talvez reducionista e determinista sobre a escola, tendo como fundamento as diferentes 
concepções de currículo referenciadas no corpo do texto. 
Com base nos estudo curriculares das teorias críticas, procura-se entender a escola como um espaço de troca de conhecimentos e produção de saberes educativos. Parafraseando Silva (1999), se o currículo é lugar, espaço, território, texto, discurso, trajetória, tensão, 
autobiografia e percurso, por que a escola seria um espaço meramente reduzido à reprodução da cultura da classe dominante? Como explicar o sucesso escolar dos sujeitos oriundos das classes populares? Para mim, tais questionamentos são essenciais, uma vez 
que pesquiso os itinerários escolares de filhos de professoras primárias de São João del-Rei tendo como referencial teórico os estudos de Pierre Bourdieu, conforme citado acima. 
Através dos relatos dessas professoras estou investigando a trajetória escolar de seus filhos até o momento da inserção no ensino superior, ou seja, até o momento da escolha da carreira 
profissional. Como os sujeitos de minha pesquisa são professores e, consequentemente, encontram-se no interior do espaço escolar, é necessário e primordial que eu entenda a dinâmica desse espaço, bem como o seu papel na produção do conhecimento. 
A Teoria Bourdeusiana: qual é o papel da Escola na reprodução social? 
Pode-se dizer que o discurso da sociedade democrática prega a igualização das condições 
e afirma que a igualdade social prevalece sobre a desigualdade hereditária das posições.
As instituições escolares, entendidas como sistemas educativos, aparecem então como um 
mecanismo de realização desse ideal igualitário. Nesse sentido, uma das funções sociais 
da escola é fornecer a educação para todos os indivíduos, a fim de garantir a liberdade dos 
10
diferentes sujeitos e também a sua ascensão social. Esses pressupostos, que se tornaram crença amplamente compartilhada, foram contestados em duas obras publicadas por Bourdieu e seus colaboradores. São elas: Les hérites (1964), referente aos estudos superiores, e La reproduction (1970), cuja proposta se constitui em construir uma teoria geral do funcionamento do sistema escolar. 
Compreendendo o sistema escolar como um “mercado”, em que a “oferta” determina mecanismos que, via escola, asseguram a reprodução social, seria possível proceder a 
essa análise num contexto marxista. Mas é importanteque isso fique claro que a obra não é marxista: ela foi escrita num contexto em que o marxismo estava sendo difundido. Considerando-se essa via de pensamento, acredita-se que Bourdieu quis mostrar a existência de homologias entre o funcionamento do sistema escolar e as práticas das classes dominantes.
A participação da escola na perpetuação das desigualdades sociais
Segundo Bourdieu, a escola reproduz e legitima a cultura* da classe dominante. Então a cultura escolar parece ser uma cultura particular, mas na verdade é a cultura da classe dominante, convertida em cultura legítima, objetivável e indiscutível. Desse modo, a 
cultura escolar é arbitrária e de natureza social, fruto de uma seleção que define o que é estimável e distinto ou até mesmo o seu contrário, vulgar e comum. 
 *SAIBA MAIS...Sobre o conceito de cultura:Não tenho a pretensão de discutir aqui o conceito de cultura, mas também não posso 
deixar de considerar que no centro da definição mais tradicional de cultura está, sem dúvida, a distinção entre o conteúdo da cultura (no sentido subjetivo da cultura objetiva interiorizada) ou, se quiser, o saber, e a modalidade característica de posse 
desse saber que lhe dá toda a significação e todo o valor. Aquilo que a criança herda de um meio cultivado não é somente uma cultura (no sentido objetivo), mas um certo estilo de relação com a cultura que provém precisamente do modo de aquisição dessa cultura. A relação que um indivíduo mantém com as obras da cultura (e a modalidade de todas as suas experiências culturais) é, portanto, mais ou menos “fácil”, “brilhante”, “natural”, “laboriosa”, “árdua”, “dramática”, “tensa”, segundo as 
11
unidade 1
condições nas quais ele adquiriu sua cultura; a aprendizagem osmótica na família favorecendo uma experiência de “familiaridade” (fonte da ilusão carismática), que a aprendizagem escolar não poderia jamais fornecer completamente. Vê-se, assim, 
que, ao colocar a ênfase na relação com a cultura e ao valorizar o estilo de relações mais aristocrático (a facilidade e o brilho), a escola favorece os mais favorecidos. (BOURDIEU, 1998, 55)
A seleção de significações que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe como sistema simbólico é arbitrária enquanto 
estrutura, e as funções desta cultura não podem ser deduzidas de nenhum 
princípio universal, físico, biológico ou espiritual, pois não estão unidas por nenhuma espécie de relação interna à “natureza das coisas” ou a uma “natureza humana (BOURDIEU, 1978 p.26).A seleção das disciplinas a serem transmitidas no interior da escola bem como a escolha 
dos conteúdos disciplinares é o produto das relações de força entre os diferentes grupos 
sociais. A cultura escolar tende a ser uma cultura de classe. Bourdieu afirma também que a escola não constitui a principal instituição transformadora da realidade social dos diferentes sujeitos. Sua teoria é sustentada pela inegável relação encontrada entre desempenho escolar e origem social.O grau variado de sucesso escolar alcançado pelos alunos ao longo de seus percursos escolares não poderia ser explicado por seus dons pessoais – relacionados à sua constituição biológica ou psicológica particular -, mas 
por sua origem social, que os colocaria em condições mais ou menos favoráveis diante das exigências escolares. (BOURDIEU apud NOGUEIRA, 2002, p.18).
Ainda segundo Bourdieu, as chances de êxito e de longevidade escolar dos indivíduos aumentam quanto maior for a proximidade da cultura denominada pelo referido autor como cultura legítima. A proximidade dos extratos mais altos das práticas culturais, linguísticas e eruditas que formam a cultura disseminada pela escola, fazem aumentar suas chances de sucesso escolar. Assim, quanto menor for a distancia entre a cultura 
escolar e o meio de filiação, cultura ligada à socialização, mais elevado será o sucesso 
na instituição. Isso se deve ao fato de que os filhos das classes superiores dispõem de 
um capital cultural herdado de suas famílias. O mesmo se compõe de um capital cultural 
incorporado sob forma de instrumentos intelectuais: interações gozadas na família, desenvolvimento operatório precoce, assim como um tipo de linguagem mais adaptado às exigências da escola. 
12
Sob o modo como a cultura, os hábitos e as preferências da classe dominante funcionam, o autor diz o seguinte:A negação da fruição inferior, grosseira, vulgar, venal, servil, em poucas palavras, natural, que constitui como tal o sagrado cultural, traz em seu 
bojo a afirmação da superioridade daqueles que sabem se satisfazer com prazeres sublimados, requintados, desinteressados, gratuitos, distintos, interditados para sempre aos simples profanos. É assim que a arte e o consumo artístico estão predispostos a desempenhar, independentemente de nossa vontade e de nosso saber, uma função social de legitimação das diferenças sociais (BOURDIEU, 2007, p.14).
A cultura legítima é apresentada pela escola a todos os alunos desconsiderando e legitimando como naturais as diferenças sociais entre os mesmos. Longe de ser libertadora, a escola é conservadora e mantém a dominação dos dominantes sobre as classes populares. A escola nega as diferenças entre habitus nos diferentes sujeitos sociais. Bourdieu apud Bonnewitz, (2003) denomina de habitus o sistema de disposição duradouros e transponíveis, estruturas estruturantes dispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípios 
geradores e organizadores de práticas e representações que podem ser objetivamente 
adaptadas ao seu objetivo sem supor a visada consciente de fins e o controle expresso das 
operações necessárias para atingi-los, objetivamente “reguladas” e “regulares”, sem ser em nada o produto da obediência a regras e sendo tudo isso, coletivamente orquestradas sem ser o produto da ação organizadora de um maestro. (p.77). É necessário considerar a ideia de que nossas práticas e, portanto, a formação do habitus se realizam em diferentes contextos cotidianos nos quais vivemos e criamos objetos. Em cada um de nós existem componentes que são socialmente organizados de modos variados e em contextos variados.
O sistema escolar impõe e legitima o arbitrário cultural dominante, como destaca Bourdieu: “Toda ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por 
um poder arbitrário, de um arbitrário cultural”. (Bourdieu, 1975 p.20). Entenda-se por 
violência simbólica todo o poder de imposição de determinadas significações consideradas legítimas e que se exerça exatamente na dissimulação das forças que lhe são intrínsecas. A ação pedagógica executa uma violência simbólica ao legitimar um arbitrário cultural em detrimento de outro, através, exatamente, de uma comunicação pedagógica que, por sua vez, é exercida por aqueles que detêm uma autoridade e que, por tal condição conferem status ao discurso. Assim o conteúdo transmitido acaba sendo legitimado como merecedor de ser estudado e aprendido.
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unidade 1
A teoria bourdieusiana desmitifica o discurso da escola neutra a serviço de um saber universal que permite a promoção individual. Para Bourdieu, a escola é um arbitrário cultural e instituição central de reprodução dos privilégios culturais, ressaltando aqui que sua teoria se constitui em uma abordagem macrossocial.
Ao destacar que a cultura escolar é a cultura dominante dissimulada, Bourdieu abre caminho para uma análise mais crítica do sistema escolar. Segundo ele, os conteúdos curriculares seriam selecionados em função dos conhecimentos, dos valores e dos interesses das classes dominantes. Até o prestígio de cada disciplina acadêmica estaria associado à sua 
maior ou menor afinidade com as habilidades valorizadas pela elite cultural. A avaliação 
dos professores iria muito além da simples verificação do aprendizado, constituindo, na prática, um verdadeiro julgamento social, baseado na maior ou menor discrepância do aluno em relação às atitudes e comportamentos valorizados pelas classes dominantes.
Teorias críticas do currículo: um encontrocom o pensamento bourdieusiano?
A década de 60 foi marcada pelo surgimento das teorias educacionais baseadas em 
experiências educacionais. Segundo Silva (1999), é preciso ter claro como se define uma teoria curricular. A mesma se distingue pela forma como organiza seus conceitos para que possamos enxergar a realidade. Então, uma forma pertinente de distinguir as diferentes teorias do currículo seria através do estudo dos diferentes conceitos que elas empregam. Ainda de acordo com o mesmo autor, para tentar compreender as diferentes teorias do currículo, pode ser útil resumir as grandes categorias de acordo com os conceitos que elas, respectivamente, enfatizam. 
As teorias tradicionais empregam conceitos de ensino, aprendizagem, avaliação, 
metodologia, didática, organização, planejamento, eficiência e objetivos onde fica explícita 
a preocupação com questões de organização. Dentro dessa linha de pensamento, uma concepção tradicional de currículo estaria basicamente preocupada com a questão “como planejar um currículo.”
Já as teorias críticas enfatizam a ideologia, a reprodução cultural e social, o poder, 
classe social, capitalismo, relações sociais de produção, conscientização, emancipação e libertação, currículo oculto e resistência, revelando a existência de um deslocamento do 
14
eixo dos conceitos simplesmente pedagógicos de ensino e aprendizagem para um eixo que privilegia os conceitos de poder e ideologia. Para se deter nesta questão, a concepção 
crítica deveria realizar uma compreensão reflexiva sobre o que este objeto é em sua essencialidade histórica e material.
Por fim, as teorias pós-críticas trazem elementos como identidade, alteridade, diferença, 
subjetividade, significação e discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade e multiculturalismo, enfatizando o conceito de discurso ao de ideologia.A discussão centraliza-se nas “teorias críticas do currículo”, cujos pressupostos questionam arranjos sociais e educacionais vigentes, responsabilizando-os pelas desigualdades e 
injustiças sociais. Tais teorias levantaram discussões a fim de promover uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais. Parece-me que tais teorias vão de encontro à teoria bourdieusiana de que a escola reproduz e legitima a cultura da classe dominante.
Os estudos de Silva (1999) indicam que uma breve referência à educação foi feita por 
Althusser, filósofo francês, em 1970, em que o mesmo pontuou que a sociedade capitalista 
depende da reprodução de suas práticas econômicas para firmar sua ideologia cuja 
sustentação ocorre através de mecanismos e instituições encarregadas de garantir o 
status quo sem contestação. Nesse contexto, a ideologia é disseminada por aparelhos do Estado, onde a escola se constitui o mais importante por atingir a população por um período de tempo prolongado. Através de seu currículo, a escola atua ideologicamente ao divulgar crenças explicitas sobre a desejabilidade das estruturas sociais. Além disso, a escola revela-se uma instituição discriminadora ao submeter as pessoas das classes dominadas à obediência, enquanto as das dominantes aprendem a controlar o poder e a comandar. Essa distinção é garantida por instrumentos de seleção os quais excluem os alunos das classes populares antes mesmo de eles chegarem a níveis onde se aprendem as habilidades do grupo dominante.
Ainda de acordo com Althusser, a escola contribui para a reprodução da sociedade capitalista ao transmitir, por via das disciplinas, ideologias que conduzem o indivíduo a enxergar os arranjos sociais existentes como bons e desejáveis.
Alguns estudos norte-americanos, como os de Samuel Bowles e Herbert Gints, estabelecem a relação entre escola e produção. Os autores destacam a aprendizagem através de 
15
unidade 1
relações sociais escolares, das atitudes para se qualificar um trabalhador subordinado ou 
como de alto nível das ocupações profissionais. Ainda de acordo com os autores norte-
americanos, o funcionamento das instituições de ensino contribui para esse processo, uma 
vez que espelha as relações sociais trabalhistas. Nessa lógica, as escolas direcionadas aos 
trabalhadores subordinados tendem a privilegiar relações pelas quais os alunos aprendem 
a obedecer, a acatar as ordens. Em contrapartida, as instituições direcionadas às classes 
dirigentes, aos altos escalões, podem favorecer relações em que os alunos tenham atitudes de comando e autonomia. Esses pressupostos indicam que o processo bidirecional pode 
contribuir para a reprodução das relações sociais da sociedade capitalista, garantindo, em contrapartida, que um determinado campo de trabalho receba o tipo de trabalhador do qual o mesmo necessita.
Segundo Bourdieu e Jean-Claude Passerom (1975), a dinâmica da representação social centra-se no processo de reprodução social. É através do domínio dos saberes acadêmicos 
que a reprodução mais ampla da sociedade fica garantida, e seu valor social faz com que o detentor obtenha vantagens materiais que se constituem como capital cultural. A dominação simbólica desse capital atua através de um mecanismo dependente de dois 
processos: a imposição e a ocultação. Esses dois processos, juntos, definem a cultura dominante como arbitrária, mas com poder idealizado. Esse mecanismo foi denominado como dupla violência simbólica no processo de dominação cultural.
O currículo escolar está baseado na cultura dominante, se expressa na linguagem dominante e é transmitido através do código cultural da dominação, o que acarreta a exclusão natural dos dominados, uma vez que, não tendo a sua cultura reconhecida, acabam conformando-se com o fracasso escolar e com a condição de dominados. Logo, o capital cultural dominante se fortalece e, consequentemente, completa-se o ciclo da reprodução cultural, mantendo-se o status das classes, garantindo o processo de reprodução social. Surge então a crítica marxista à ideologia do currículo.
Segundo Michael Apple (2003), a dinâmica da sociedade capitalista é consequência da dominação daqueles que controlam as propriedades dos recursos materiais sobre os que possuem apenas a sua força de trabalho. Esse aspecto da organização econômica tende 
a influenciar as outras esferas sociais. Para Apple, a relação das estruturas econômicas 
e sociais com a educação e a cultura manifesta-se no campo curricular; ele recorre ao conceito de hegemonia, campo social bastante contestado, em que os grupos dominantes 
16
utilizam-se de estratégias de convencimento ideológico, a fim de manter a dominação econômica que se transforma em dominação cultural, alcançando o cume quando se transforma em senso comum. Apple também analisa o currículo escolar como resultado 
de uma seleção que reflete os interesses particulares de um grupo dominante. Acredito que, aproximando-se de Bourdieu, a preocupação de Apple é como certos conhecimentos são considerados legítimos, em detrimento de ilegítimos. Ainda segundo o autor, a escola é a principal produtora do conhecimento técnico que se relaciona diretamente com a estrutura e o funcionamento da sociedade capitalista, por se tratar de um saber relevante para a economia e para a produção que se dá nos níveis superiores do sistema educacional. O principal aspecto da crítica de Apple é a relação entre currículo e poder, ou melhor, a relação entre a estrutura econômica e a reprodução de recursos simbólicos. O autor faz um alerta para o fato de que o currículo é perpassado por diferentes arranjos sociais, isto é, por diferentes forças que disputam materialidade e legitimidade a determinados 
conhecimentos, visões de mundo, objetivos e interesses.
Não é por menos que o currículo tem sido um dos elementos centrais das reestruturações 
e reformas educacionais, que em nome da eficiência econômica estão sendo propostas em diversos países. O currículo é um dos espaços em que se concentram e se desdobram as 
lutas em torno dos diferentes significados sobre o social e sobre o político. Segundo Apple (2009 p.59), O currículo nuncaé apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto 
de tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo.
De acordo com Silva (2000), através do currículo, entendido como elemento discursivo da política educacional, os diversos grupos sociais, em especial os dominantes, expressam sua visão de mundo, seu projeto social, o conhecimento que consideram legítimo. Os 
conteúdos reveladores das manifestações culturais desse grupo são impostos ao grupo dominado através de uma seleção arbitrária.
Admitir a não neutralidade do currículo, suas implicações político-ideológicas e culturais 
não permite, no entanto, cair em um relativismo radical que consiste em afirmar que qualquer saber ou valor ético-cultural pode e deve ser ensinado nas escolas. O problema 
17
unidade 1
central não está no fato de se ter que selecionar os conteúdos curriculares, mas sim na necessidade de explicitar os critérios dessa seleção de forma consciente e em sintonia com o projeto da escola e de sociedade no qual se acredita e pelo qual se luta. No entanto, 
os significados mencionados por Silva (2000) que estão ligados às relações sociais e de poder devem ser questionados. Embora Freire (2003) não tenha elaborado uma teoria sobre currículo, acaba abordando essa questão em suas pesquisas. A crítica de Freire em relação ao currículo está ancorada no que ele chama de educação bancária, que concebe o 
conhecimento como constituído por informações e fatos a serem simplesmente passados do professor para o aluno, como um depósito bancário. O autor critica a visão de que a educação não se resuma apenas em transmitir o conhecimento, em que o educador tem 
papel ativo, enquanto o educando, de recepção passiva. Freire propõe um novo conceito de educação problematizadora, pelo qual o ato de conhecer e aquilo que se conhece não 
se separam, e o conhecimento é sempre intencionado, ou seja, dirigido a algum fim. O conhecimento envolve intercomunicação, e é por meio dela que os homens se educam. Os 
conteúdos são definidos junto com os educandos e na realidade em que estão inseridos. Freire ainda elimina a diferença entre cultura popular e cultura erudita, uma vez que para ele, a primeira também é considerada conhecimento que legitimamente faz parte do currículo. Por meio dessa perspectiva, podemos entender a escola como uma visão mais ampla para além dos objetivos apenas de transmissão de conteúdos, bem como 
compreender que o currículo é cheio de intenções e significados, que envolve relações de poder e de espaço, que envolve aquilo que somos e em que nos tornamos.
O	Espaço	Escolar	e	os	Estudos	Curriculares:	questionamentos,	tensões	e	reflexões	
Partindo do pressuposto de que, para entender a organização dos sistemas de ensino, há que se considerar o currículo enquanto práticas, cotidianos, rotinas, tempos, espaços, 
relações interpessoais, saberes, objetos e utensílios e todo o arranjo escolar, pude constatar 
que no decorrer da história surgiram diversas concepções de currículo. Tais concepções 
trouxeram contribuições filosóficas, sociológicas, psicológicas e também antropológicas. 
Reconhecer a divisão do ponto de vista teórico entre as diferentes vertentes do campo do currículo possibilita a ampliação do conhecimento de seus desdobramentos para a prática pedagógica e ainda torna possível o diálogo entre as diferentes tendências.
18
Os estudos do currículo devem atender a pelo menos quatro pressupostos essenciais: possibilitar uma visão da cultura que as escolas transmitem, ser entendidos como um 
processo historicamente construído, promover a interação entre teoria e prática; ser um 
projeto cultural, flexível, com possibilidade de intervenção por parte dos educadores.
Segundo Goodson (1995), o termo curriculum provém da palavra latina currere, que se refere a curso, carro de corrida ou ainda a um percurso que dever ser realizado. Há estudos que consideram o currículo enquanto uma listagem de conteúdos programáticos, nos quais “[...] se ordena a cultura essencial, mais elaborada e elitizada [...] centrada nos 
conteúdos como resumo do saber culto e elaborado sob a formação das diferentes disciplinas [...]”. (SACRISTÁN, 2000 p.39). Assim, o currículo é comumente associado aos conteúdos transmitidos na sala de aula, considerados universais, e aos métodos de ensino que viabilizam a transmissão desses saberes. Acredito que essa concepção pode acarretar 
uma dificuldade por parte dos profissionais da educação em conceber o currículo diante das necessidades atuais e repensar quais conhecimentos deverão ser estudados ou trabalhados na escola para atender às necessidades de seus educandos.
De uma concepção tecnicista e reducionista de currículo, que o associa às listagens de conteúdos tidos como universais e imprescindíveis de serem ensinados nas diferentes 
disciplinas, até a sua compreensão como prática social cotidiana que gera significados e dá sentido ao mundo, existe uma barreira semântica considerável, que traduz diferentes 
olhares e perspectivas sobre a temática curricular. A partir dessas considerações, observo 
que outras dimensões do currículo permanecem como pano de fundo, em especial aquelas referentes às necessidades dos educandos e dos educadores. Não tenho a pretensão de desenvolver as diferentes correntes ou teorias curriculares, mas chamar a atenção, de 
forma geral, sobre como as diferentes concepções de currículo se manifestam.
Refletir o currículo associado apenas à técnica, ao planejamento do que deve ser 
transmitido, às diretrizes e documentos oficiais, ou pensá-lo a partir da ampliação do campo conceptual e articulá-lo a outros conceitos como cultura, representação, poder ou 
identidade, são pressupostos cujas relações políticas e pedagógicas são bem distintas. Eles 
revelam a compreensão do significado de escola e das relações que a mesma estabelece 
19
unidade 1
com a realidade social na qual está inserida. Sobre o sentido da escola, Veiga-Neto (2009, 
p.3) afirma:
No caso da educação, a escola deve ser pensada não apenas como produzida pela sociedade em que se insere, mas também e ao mesmo tempo como produtora dessa mesma sociedade que a produz. Entre 
essas diferentes instâncias dão-se relações de causa-e-efeito que, além de complexas, não são lineares nem muito menos unidirecionais. 
Em diversas produções, Michael Apple indica o “currículo oculto” referindo-se aos saberes que os educandos aprendem na escola devido ao modo pelo qual o trabalho da mesma é planejado e organizado, mas que não são claramente incluídos no planejamento da escola nem estão na consciência dos responsáveis pela escola. Os papéis social e sexual e as atitudes com relação a muitos outros aspectos da vida são aprendidos desse modo. 
Implícitas em todo conjunto de disposições estão as atitudes e os valores daqueles que as criam, e esses valores serão comunicados aos educandos desse modo acidental e talvez obscuro.
É importante fazer a distinção entre duas dimensões básicas: o que se chama de currículo 
oficial e o chamado currículo real. O currículo oficial indica aquilo que está regulamentado e determinado no papel, em programas, em projetos, em prospectos, nos planejamentos, nos planos de aula, em programas de disciplinas etc. Já o currículo real denota aquilo que se faz na prática. Essa distinção pode ser percebida de forma consciente ou inconsciente, e a causa de qualquer diferença entre eles se deve ou a uma tentativa deliberada, por parte 
dos professores ou de outros, no sentido de enganar, a fim de que o que oferecem pareça mais atraente do que na realidade o é, ou simplesmente ao fato de que, como professores e alunos são humanos, as realidades de qualquer curso nunca estarão exatamente à altura 
das esperanças e intenções daqueles que o planejaram.Vale ainda ressaltar e reconhecer a diferença que geralmente se faz entre o currículo “formal” e o “informal”: as atividades formais, às quais o horário da escola dedica períodos 
específicos de tempo de ensino ou que, como no caso da escola das séries iniciais do ensino fundamental, são incluídas no programa de trabalho a ser cumprido nas horas normais de 
ensino escolar; as diversas atividades que se realizam em bases voluntárias, em horário extraescolar. Essas atividades são denominadas atividades “extracurriculares”, portanto deveriam ser consideradas em separado e acima do currículo propriamente dito.
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Conforme exposto anteriormente, além dessas percepções, há, segundo Silva (1999), três categorias principais norteadoras do currículo: as teorias tradicionais, as teorias críticas e as teorias pós-críticas.
As tendências de tradição crítica e sociológica do campo do currículo vão no sentido de considerá-lo
um artefato social e cultural. Isso significa que ele é colocado na moldura 
mais ampla de suas determinações sociais, de sua história, de sua produção contextual. O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está 
implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. O currículo não é um elemento transcendente 
e atemporal – ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação. (MOREIRA & SILVA, 2009, p.07-08).Essa concepção tende a privilegiar a inserção do termo currículo em uma rede conceptual 
mais ampla e complexa, sem perder de vista a especificidade do espaço no qual ele é 
pensado e produzido. É uma abordagem pela qual se permite refletir o currículo escolar tanto em termos de mudanças como de permanências. 
Em se tratando de mudanças, a relação entre currículo e cultura permite a ampliação da visão de conteúdos escolares. Ao invés de pensá-los como o conteúdo a ser transmitido, um novo olhar relaciona-os com a noção de elementos de cultura, entendidos como 
diferentes saberes, valores e comportamentos. Nesse sentido, refletir e trabalhar com o 
currículo traduz as diferentes visões de mundo dos atores envolvidos na produção dos saberes escolares. A educação passa a ser entendida como o processo construído pela relação tensa e intensa entre diferentes sujeitos, criando contextos interativos que, justamente por se conectar dinamicamente com os diferentes contextos em relação aos quais os diferentes sujeitos desenvolvem suas respectivas identidades, se tornam ambientes criativos e propriamente formativos, 
ou seja, estruturantes de movimentos de identificação subjetivos e socioculturais. (AZIBEIRO, 2008, p.8)
Conforme sinaliza Burbules (2003, p.164), “precisamos ir além dos debates sobre a 
“diferença” em si e explorar tipos diferentes de diferença e considerar suas variadas 
possibilidades educacionais.”
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unidade 1
Enquanto construção histórica e social, o currículo traduz diversos interesses em disputa, 
produzindo e reproduzindo as relações sociais desiguais, assimétricas, que caracterizam as sociedades contemporâneas. Através do currículo é possível legitimar ou contestar 
valores, saberes e culturas. Pode-se também produzir, reafirmar, negar ou silenciar identidades e diferenças sociais. Nessa lógica, o currículo se transforma em um importante instrumento de negociação política entre os diferentes sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
Martinez (2000) entende o currículo enquanto uma política cultural resultante da luta 
de diferentes agentes a partir de diferentes funções e posições. O autor situa o currículo 
como lócus de articulação entre política, economia e cultura. Pressupõe que na reforma curricular existe uma relação entre textos e contextos e que o documento curricular 
adquire significado no seu contexto de produção, desenvolvimento e implementação.
Esse olhar coloca em evidência os limites de uma concepção de currículo focada apenas em sua dimensão formal, entendido como um produto acabado e constituído nas propostas 
curriculares. Pensar o currículo enquanto construção histórica e social significa percebê-lo como prática social viva, dinâmica e processual expressa pelas experiências vividas por professores e alunos no cotidiano da escola. Fleuri e Azibeiro falam em educação intercultural como um processo de mútua compreensão das linguagens, onde a função é possibilitar a emergência de múltiplos significados, instigando reflexões sobre seus 
fluxos e cristalizações e os jogos de poder aí implicados. (AZIBEIRO, 2008: 8). O currículo 
real incorpora noções de incerteza, urgência, dinâmica, acaso, contingência, processo, pluralidade, elementos que caracterizam o processo de ensino-aprendizagem a partir 
das condições objetivas e subjetivas a que estão postas. A complexidade dos estudos curriculares, que não deve ser entendida como totalidade, coloca-se como embate permanente para se pensar a diversidade da realidade sem a anulação dessa diversidade:
a ambição da complexidade é prestar contas das articulações despedaçadas pelos cortes entre disciplinas, entre categorias cognitivas e entre tipos de conhecimentos. Isto é, tudo se entrecruza, tudo se entrelaça para formar a 
unidade da complexidade; porém, a unidade do “complexus” não destrói a variedade e a diversidade das complexidades que o teceram. (MORIN 
apud FERRAÇO, 2009, p.5)
No que tange à permanência, apesar das questões inovadoras no campo do currículo, e dos questionamentos sobre a natureza e função das disciplinas escolares, eles não negam 
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a centralidade e a importância dos mesmos nas discussões curriculares. De encontro com a função das disciplinas, talvez entre o papel do docente na relação entre o erro e a educação escolar. Sobre o reconhecimento da importância do erro no processo de aprendizagem, Barriga (2008) lembra que historicamente tem se reconhecido o papel do erro na aprendizagem escolas, pois esse reconhecimento e o trabalho docente sobre o 
mesmo se convertem em um excelente elemento para criar as condições exigidas pelo 
processo de aprendizagem. Assim, o currículo é visto como o conjunto de representações e práticas que se organizam em torno do conhecimento escolar, que por sua vez é produzido 
em um espaço social com determinações formativas e normativas, que é preciso que sejam consideradas. 
Talvez fosse necessário o surgimento de uma definição ao mesmo tempo neutra, em termos de valor, e abrangente, para nos proporcionar um quadro de referência que possibilite o planejamento conjunto de todas as atividades escolares. Talvez o currículo seja toda a aprendizagem planejada e guiada pela escola, ministrada em grupos ou individualmente, 
dentro ou fora da mesma. Mas antes de tentar definir o conceito de currículo, se é que 
isso é possível, reconheço a necessidade de pesquisar e refletir um pouco mais sobre as 
produções existentes no campo. 
Questões	para	reflexão
A teorização crítico reflexiva do currículo é um processo contínuo de análise, reformulação, 
problematização e questionamento. Novas questões e temas vão surgindo e se incorporam àqueles que, desde o início, estiveram no centro de sua discussão. É um debate que evidentemente ainda não terminou, talvez esteja somente começando.
Acredita-se que, no debate entre todos os sujeitos envolvidos na elaboração do currículo, estaria a base de adequação do ensino às peculiaridades dos alunos, emergindo, dessa discussão, temas como problemas sociais, culturais, psicológicos e pedagógicos relativos ao tipo de cultura que a escola deve fornecer a seus educandos. Faz-se necessário um movimento de deslocamento teórico-metodológico do geral para o local, do econômico para o cultural, do sentido vertical da produção para implementação, para o processo 
cíclico da política curricular que marca as lacunas entre contexto de influência, contexto de produção e contexto daprática desta política.
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unidade 1
Diferentes educandos carregam e expressam características culturais diversas e, 
portanto, comportam-se de modo diferenciado diante de solicitações e de exigências da 
situação de ensino-aprendizagem no ambiente escolar. É preciso que as intenções das 
prescrições curriculares se traduzam em ações e prática pedagógicas que compreendam a complexidade dos processos educativos, acolhendo sua amplitude e diversidade.
Se a escola foi pensada e criada para atender aos interesses de um grupo dominante, é preciso uma análise minuciosa do que se passa no cotidiano escolar, que não diz respeito somente à aprendizagem. Então me questiono: como os diferentes sujeitos constroem seus conhecimentos na escola? O que e como se aprende na escola? Os indivíduos imersos 
no interior das instituições escolares estão sendo educados. É necessário entender que essa educação se constitui como realidade, possibilidade, necessidade e ainda direito reivindicado ou possuído. 
O cotidiano escolar somente pode ser entendido ao aceitarmos trabalhar com sua complexidade e também com seus limites, entendidos numa perspectiva de estímulo. Certeau (1994), em A invenção do cotidiano – artes de fazer deixa várias pistas para que possamos entender essa complexidade ao explicar as artes de fazer, em seus trabalhos sobre as possibilidades de viver no cotidiano. De acordo com o autor, para se viver além do consumo, do que é produzido e vendido pelos que dominam o mundo, é necessário compreender o uso que os mesmos fazem dos produtos colocados no mercado para o consumo: de conhecimento e ideias a eletrodomésticos, trabalhando com uma gama diversa e múltipla. Enquanto os grupos dominantes que detêm o poder constroem estratégias para que continuem assistindo do alto aos subordinados que vivem no cotidiano, só lhes resta estabelecer táticas essenciais na apropriação do tempo/espaço alheio. Essas táticas são pouco vistas e quase nada ouvidas pelos olhares e pelos ouvidos com os quais as estratégias os habituaram. O que temos e o que queremos em nossa escola, educação mercadológica? 
É imprescindível perceber a diversidade dos processos educativos contraditórios. Cada educando e cada educador que se insere no tempo/espaço escolar traz consigo uma rede de subjetividade que o constitui. Cada sujeito carrega as múltiplas redes nas quais ele vive, com vários saberes nelas criados. Parafraseando Nilda Alves, é necessário que tenhamos ouvidos para escutá-los, boca para saboreá-los, nariz para cheirá-los e pele para tocarmos toda essa complexa situação.
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Segundo essa lógica, é possível pensar a escola de outro ângulo, de seu interior. Seria a escola meramente um agente reprodutor e legitimador da cultura da classe dominante? Diante da complexidade do cotidiano escolar, não encontraríamos indivíduos capazes de professar conhecimentos e saberes merecedores de ser transmitidos? Quem são e onde estão os sujeitos responsáveis pelo sucesso escolar dos educandos oriundos dos meios dominados? Qual é a margem de determinação dos indivíduos envolvidos nos processos educativos? Todos os professores seriam árbitros culturais? Todos os alunos dos meios favorecidos e dos desfavorecidos estariam fadados ao sucesso e fracasso escolar, respectivamente?
Pode-se resumir o que foi desconstruído ao longo deste estudo sobre as teorias curriculares e a função dos conhecimentos transmitidos na escola através da seguinte citação:Se pensarmos as várias culturas como corantes diversos de que cada pessoa vai-se embebendo em seus processos de subjetivação, as marcas e as tonalidades serão sempre variáveis: Neste sentido, não sou 
partidário de uma “unificação” do conhecimento humano: ao contrário, aprecio hoje a abertura a uma pluralidade de formas de conhecimento, 
não simplesmente complementares”, mas reciprocamente desafiadoras, questionadoras, transformadoras e enriquecedoras. Penso que o diálogo respeitoso entre as múltiplas maneiras de conceber o mundo, a vida e progresso pode ser mais esperançoso que a submissão cega a uma só maneira de ver as coisas. (MADURO apud AZIBEIRO, 2008)
 ATIVIDADE
1. Segundo Bourdieu, a escola reproduz e legitima a cultura da classe dominante. 
Comente essa afirmação.2. Redija um texto de aproximadamente 20 linhas, fonte 11 Times New Roman, sobre os aspectos das teorias críticas do currículo.3. Comente a relação entre currículo e poder.4. Faça as distinções entre currículo oficial e real e currículo formal e informal.
unidade
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A FEMINIZAÇÃO DA PROFISSÃO DOCENTE E 
O CENÁRIO ATUAL DO ENSINO BÁSICO BRASILEIRO 
Objetivos:
•	 Explicar o surgimento das primeiras escolas no Brasil e as consequências do Ato Adicional de 1834 para a educação brasileira.
•	 Demonstrar como a profissão docente tornou-se uma profissão feminina.
•	 Relacionar fatores históricos ao processo de feminização da profissão docente.
•	 Levantar dados do quadro atual do ensino básico brasileiro.
unidade 2
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unidade 2
No Brasil colônia, a Igreja Católica, em especial a ordem dos jesuítas, exerceu um papel fundamental de transmissão da herança cultural ibérica e de catequização dos nativos, em uma conjuntura marcada pela tentativa de expansão do Catolicismo e do Protestantismo para continentes fora da Europa. Ao mesmo tempo, os jesuítas exerceram um papel fundamental de criarem escolas de “ler e escrever”, 
com o intuito de educar indígenas e filhos de colonos, formar novos sacerdotes e a elite intelectual do País, além de expandir a fé e a moral cristã. Desse modo, ao longo dos anos, os jesuítas lideraram a criação de escolas elementares e secundárias e seminários pelo Brasil, exercendo um protagonismo educacional até 1759.
Neste ano, por meio de uma medida do Marques de Pombal, a Companhia de Jesus foi expulsa dos domínios portugueses. Consequentemente houve o desmantelamento da estrutura educacional montada pelos jesuítas, como parte de uma estratégia de laicização da educação do governo português. A coroa nomeia professores e estabelece planos de 
estudo e inspeção. O curso de humanidades, típico do ensino jesuítico, é modificado para o 
sistema de aulas régias de disciplinas isoladas. (ARANHA, 1996, p. 134)
Assim, a partir da segunda metade do século XVIII, foram surgindo escolas régias e cadeiras públicas de primeiras letras em algumas das principais cidades do País, onde os professores eram nomeados pelos órgãos de governo responsáveis pela instrução. Essas escolas funcionavam em espaços diversos tais como igrejas, sacristias, dependências das câmaras municipais, prédios comerciais e até mesmo na própria residência dos 
professores e dos educandos. Há indícios na historiografia da educação brasileira de que a rede de escolarização doméstica atendia a um número bastante superior de pessoas do que os colégios, principalmente porque eles eram muito escassos no cenário educacional brasileiro (VIDAL e FARIA FILHO, 2005).
A chegada da Corte e da Família Real para o Brasil em 1808 culminou na tomada de algumas medidas em relação à instrução, em especial a criação de algumas escolas, 
sobretudo superiores, com a finalidade de atender às necessidades do momento. De acordo com Aranha (1996, p. 152), de modo geral, podemos dizer que não houve uma política de educação sistemática e planejada, tendo em vista que as mudanças no cenário educacional tenderam a resolver os problemas imediatos da época, dentre elas a formação de pessoas capacitadas para ocuparem postos na burocracia estatal. 
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O ensino superior foi o nível de ensino mais privilegiado por Dom João, que criou 
universidades e faculdades isoladas, com o objetivo de formar oficiais da marinha e do exército, engenheiros, economistas, médicos e advogados, que dariam suporte ao aparelho administrativo que aqui se implantava.
Logo após a independência do Brasil, foi instituída uma Assembleia Constituinte em 1823. 
Com relação à educação, manteve-se o princípio de liberdade de ensino sem restrições e a intenção de ‘instrução primária gratuita a todos os cidadãos!Com a Lei de 1827, a única a ser promulgada sobre a educação em nível nacional, determinou-se a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares e, também, a criação de escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas, onde a atividade docente seria exercida por mestras de meninas. Em outras palavras, tal lei deu direito à mulher de ser instruída, admitindo o ingresso de meninas em escolas primárias, mas com conteúdos diferenciados dos ministrados aos homens, reforçando a segmentação entre a educação dos homens e a educação das mulheres (BRUSCHINI e AMADO, 1988).
Essa lei determinava, ainda, melhores condições de trabalho aos mestres, mediante o aumento da remuneração dos docentes e a exigência de concurso para o ingresso no magistério público.
Sete anos mais tarde, em 1834, foi instituído um Ato Adicional, reforma que descentralizou o ensino, ao atribuir às províncias (futuros estados) promover e regulamentar o ensino primário e secundário. Já à Coroa coube somente promover e regulamentar a educação superior. A ambiguidade do texto legal fez com que os governos das unidades federativas interpretassem como de sua responsabilidade apenas o ensino primário e a formação do magistério para o mesmo, que era visto como extensão daquele. Apesar de o ensino primário ter permanecido como optativo em algumas províncias, outras o decretaram como obrigatório. 
Segundo Campos (2002), naquele momento a escola exercia um papel de prestígio na sociedade e era destinada principalmente à formação das elites. Ela passou também a 
ter papel de mediação na formação profissional. Ultrapassando o âmbito profissional, a escola serviu ainda como meio de ascensão social para a camada livre não diretamente relacionada com a aristocracia ligada à propriedade rural. 
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unidade 2
Essas medidas provocaram, de um lado, o agravamento das condições do ensino primário 
e secundário, uma vez que, no geral, as províncias eram financeiramente pobres, e, de outro lado, a instituição de dois sistemas educacionais distintos e desarticulados.Não há uma vinculação entre os currículos dos diversos níveis, aliás, nem há propriamente currículo devido à escolha aleatória de disciplinas, sem qualquer exigência de se completar um currículo sem qualquer exigência de se completar um curso para iniciar um outro. Ao contrário, são os parâmetros do ensino superior que determinam a escolha das disciplinas do ensino secundário, obrigando-o a se tornar cada vez mais propedêutico, ou seja, destinado a preparar os jovens para a faculdade (ARANHA, 1996, p. 154).
Em consequência, o ensino elementar e secundário não se desenvolveu muito, já que o número de escolas pouco se ampliou. Com isso, em geral, a educação continuou uma responsabilidade quase que exclusiva da esfera privada, isto é, a cargo das famílias, daí 
a infinidade de maneiras e espaços de aprender e ensinar. Nesse contexto foram criados também escolas e colégios de iniciativa particular, sobretudo católicos e protestantes, o que reforçou uma tendência contrária à do resto do mundo de laicização da educação.
Com relação especificamente ao ensino secundário, ele era ministrado por professores 
particulares, em aulas avulsas que não eram fiscalizadas. Posteriormente, foram sendo criados liceus provinciais, que se caracterizaram pela reunião de aulas avulsas em um único prédio. A situação, porém, torna-se ainda mais complicada quando em 1837 é fundado no Rio de Janeiro o Colégio D. Pedro II, destinado a servir de padrão de ensino. Embora o ensino secundário fosse alçada das províncias, 
esse colégio fica sob a jurisdição da Coroa, sendo o único autorizado a realizar exames parcelados para conferir grau de bacharel, indispensável 
para o acesso aos cursos superiores. Tais distorções fazem com que o ensino secundário se torne cada vez mais propedêutico, havendo ainda a tendência de os demais liceus adequarem seus programas aos do colégio-padrão (ARANHA, 1996, p. 154).
Juntamente com o advento dos sistemas estatais de ensino (por conta da descentralização 
educacional), foi se consolidando uma necessidade de formação e de profissionalização docente. Segundo Silva (1966), a compreensão da importância do problema da formação dos professores primários, enquanto condição do desenvolvimento da educação, ocorreu no Brasil em fase relativamente tardia e de forma lenta. Se inicialmente a função docente 
não era especializada, sendo exercida como ocupação secundária por profissionais das 
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mais variadas áreas ou até mesmo por pessoas provenientes da Igreja. A partir das décadas de 30 e 40 do século XIX, teve início no Brasil o processo de institucionalização da formação docente. Para isso, foram criadas as primeiras escolas normais no País, dentre elas a de Niterói (1835), Bahia (1836), Ceará (1845) e São Paulo (1846). O descaso pelo preparo 
do mestre faz sentido numa sociedade não comprometida com a prioridade à educação 
elementar. Apesar disso, as escolas normais são implantadas aos poucos, sobretudo no final 
do século XIX (ARANHA, 1996, p. 155).
Instituída pela Lei nº 10, de 04 de abril de 1835, a escola normal de Niterói (RJ) é considerada a primeira escola normal do Brasil. No entanto, estudos recentes, como o de Roberta Guimarães Teixeira (2009), indicam que a primeira escola normal do país fora instituída em Minas Gerais, como se observa no trecho a seguir:O Brasil, adquirindo os fóros de nação livre e independente, não podia deixar de na proporção de suas forças cuidar desse fecundo gérmen de civilização. Entretanto, na primeira lei que sobre a instrucção elementar (15 de Outubro de 1827) promulgou depois da sua emancipação política nada estatuio quanto a escolas normaes!Depois que o Acto Addicional conferio ás Assembleás Provinciaes o legislarem sobre a instrucção primaria, foi, que eu saiba, a Provincia de Minas Geraea primeira a decretar a creação de uma escola normal, pela lei n. 13 de 28 de Março de 1835.1
Talvez essas divergências se devam ao fato de que muitas vezes transcorria bastante tempo entre a data de apresentação do projeto, a lei que decretava sua criação e sua instalação efetiva: consequência da descentralização do ensino, instituída pelo já mencionado Ato Adicional.
As primeiras escolas normais do século XIX seguiam uma formação ministrada de forma bastante difusa, com ausência de metodologias e planejamentos que indicassem a preocupação com a preparação dos professores. Cimentava, na época, uma tendência 
geral de que o magistério não constituía uma profissão, mas, sim, uma vocação, para a qual eram necessárias dedicação, qualidades morais e aptidão. A disciplina Metodologia do Ensino, muitas vezes ausente do conjunto de disciplinas existentes no currículo da escola normal, sinalizava que conhecimentos especializados não eram muito importantes. A 
experiência empírica do professorado parecia ser suficiente. O currículo do estudo para as mulheres era diferenciado da dos homens: as moças se dedicavam à costura, ao bordado 
1 Jornal o Sexo Feminino, n.23 de 28 de fevereiro de 1874, p. 2 apud TEIXEIRA, 2009.
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unidade 2
e à cozinha, enquanto os homens estudavam geometria. As mulheres professoras eram 
isentas de ensinar geometria; no entanto, esta matéria era critério para estabelecer níveis de salário, portanto, reforçava-se com isso a diferença salarial entre homens e mulheres. 
Contudo, apesar de o acesso ao conhecimento institucional de nível básico passar a ser um direito garantido por lei, a maioria das mulheres não tinha acesso à instrução, com exceção daquelas que pertenciam às elites e às classes ascendentes, pois a segregação da mulher continuava presente na sociedade.
No início, as escolas normais destinavam-se apenas aos rapazes. Em parte, esse fato se explica devido à condição de dependência e inferioridade da mulher nessa conjuntura, dando a ela pequena possibilidade de instrução. Esperava-se que ela se dedicasse sobremaneira às atividades domésticas e à aprendizagem de boas maneiras. Mais tarde, a clientela dessescursos normais se tornou predominantemente feminina, concomitante à criação de escolas que se ocupavam da educação feminina.
Data de 1830 um projeto de lei determinando que “no magistério primário das escolas públicas se dará preferência às mulheres” (MOACYR, 1937, v. I p. 229). A inserção das mulheres nas escolas formadoras se fez de forma lenta, expressando um caráter 
contraditório nos valores vigentes na sociedade: de um lado, as dificuldades de acesso ao ensino, uma vez que a educação formal não era considerada necessária para as 
funções que iria desempenhar na sociedade; do outro, a visão de que o exercício docente, especialmente no que se referia à educação das crianças, era visto como função própria para as mulheres, as quais teriam habilidades inatas.
A frequência das mulheres em maior número nas escolas normais e o exercício da profissão 
de professoras aconteceu somente pouco antes do final do século XIX, o que possivelmente 
reflete o gradativo processo de inserção das mulheres no sistema educacional e no mercado de trabalho. Entendemos que a inserção das mulheres na docência reforçou a imagem de 
que a atividade docente era uma profissão de segundo nível ou complementar.
Vários discursos procuravam tornar “natural” a inclinação das mulheres para a docência. 
Afirmava-se que elas tinham aptidão para a profissão docente, pois essa passava a ser vista 
como uma extensão do lar. Nesse contexto, a profissão passa a adquirir características marcadamente femininas, tais como fragilidade, afetividade, paciência, doação (ALMEIDA, 1998).
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Outro discurso que contribuiu para justificar a feminização do magistério é de que o 
mesmo não se constituía numa profissão e sim verdadeiramente numa vocação. A crença na vocação foi construída pela moral burguesa oitocentista. Segundo Bruschini e Amado, historicamente, o conceito de vocação foi aceito e expresso pelos próprios educadores e educadoras, que argumentavam como a escolha da carreira devia ser adequada à natureza feminina, atividades requerendo sentimento, dedicação, minúcia e paciência deveriam ser preferidas. 
Ligado a idéia de que as pessoas têm aptidões e tendências inatas para 
certas ocupações, o conceito de vocação foi um dos mecanismos mais 
eficientes para induzir as mulheres a escolher as profissões menos valorizadas socialmente (BRUSCHINI e AMADO, 1988 p.7).
Essa mentalidade parecia disseminada em todo o País. O magistério passou a ser visto como uma atividade que poderia e deveria, paulatinamente, ser exercida conjuntamente com as atividades do lar. Segundo toda a tradição cristã, o trabalho, e especialmente o ensino, era encarado como uma vocação que deveria ser seguida de acordo com a inclinação e talento de cada indivíduo, em resposta a um chamado interior de origem divina. 
Associada à ideia de vocação, houve também um objetivo político na ampliação da participação feminina no magistério. Para se expandir o ensino para todos, era necessário que o governo gastasse menos com os professores. Como os homens não aceitariam um salário menor, era necessário que a mulher assumisse esse posto não pelo salário, mas por 
sua suposta “vocação” natural para essa profissão (CAMPOS, 2002) .
Além de tudo, para o exercício da docência exigia-se das mulheres requisitadas que atestassem sua ética e seus bons costumes, apresentando certidão de casamento, se 
casada; e, atestado de óbito do cônjuge, caso viúva; sentença da separação para que se 
pudesse avaliar o motivo que a gerou; e ainda, no caso da mulher separada vestuário decente. A mulher só poderia exercer o magistério público com vinte e cinco anos, salvo se ensinasse na casa dos pais e estes fossem de reconhecida moralidade (RABELO, 2004) .
A valorização da moral tinha como objetivo a tentativa adicional de disciplinar a conduta das mulheres, e não de tornar o ensino das mesmas voltado para a formação intelectual. Catani (1997, p.98) deixa isso claro:[...] a ênfase do ensino feminino [era] nas boas maneiras, nas técnicas, na aceitação da vigilância, na aparência, na formação moralista. Coisa adequada quando o ensino fundamental se destinava às classes populares, pois o que estava em jogo não era difundir as perigosas luzes do saber, mas disciplinar as condutas e refrear a curiosidade.
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unidade 2
Essa valorização da moral tinha relação com a construção do Estado para qual a escola primária tinha papel fundamental. Segundo Muller (2000), através da escola primária a identidade e o sentimento nacional poderiam ser construídos. Através da escola,seriam difundidos hábitos, valores e deveres de cidadania. E quem iria prestar esse papel? A professora primária. Ela era responsável por difundir e apresentar o modelo. Foi ela que divulgou e ensinou os símbolos e os mitos da nacionalidade e conformou os hábitos e atitudes de seus jovens alunos. Para isso ela contava com alguma espécie de orientação metodológica que foi sendo aperfeiçoada com o tempo. Também contava com os programas de ensino: 
história, moral e cívica ou moral e civismo, língua pátria e, finalmente, com 
a execução dos rituais que garantiam a afirmação de pertencimento de todos os brasileiros a uma mesma nação. Os programas de ensino tinham como base a necessidade de estabelecer, via escola, o sentido de nação para a população brasileira. Tão importante quanto a questão nacional 
era a situação específica, a conjuntura histórica em que se encontrava uma determinada sociedade, no plano regional, e os projetos políticos de suas elites para garantir seu espaço político no poder regional e central(MULLER, 2000, p.2) .
Em síntese, o magistério era o caminho profissional possível para a maior parte das mulheres brasileiras, principalmente para as pertencentes às camadas médias da população, pois até os anos de 1930 era um dos poucos trabalhos considerados dignos para elas e que podia ser desenvolvido concomitantemente às tarefas domésticas.
É interessante lembrar que, no decorrer do século XX, os homens que se dedicavam à educação obtinham maiores facilidades de promoção na carreira do magistério e no sistema educacional em geral. O mesmo não acontecia com as mulheres, pois elas tinham 
uma ascensão profissional dificultada, o que as fazia permanecerem na carreira de professoras primárias por longo tempo.
O processo de feminização do magistério não pode ser compreendido, porém, como uma “concessão” dos homens, que paulatinamente teriam abandonado a carreira docente em 
busca de profissões bem remuneradas e de maior prestígio social. Segundo Almeida,
a inserção profissional das mulheres no magistério não foi aceita 
tranquilamente pelos homens que exerciam a profissão porque isso 
significava a perda de um espaço profissional. [...] Pensar que o processo de 
feminização do magistério foi resolvido pacificamente e instalou-se como uma concessão feita às mulheres revela-se um equívoco por adotar uma visão que considera um aspecto parcial do fenômeno. (ALMEIDA, 1998, p. 65)
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Por outro lado, os historiadores que estudam o processo de feminização consideram que o 
ingresso das mulheres na docência do ensino primário não significou o abandono imediato do ensino pelos homens, cuja presença permaneceu marcante ainda nas primeiras décadas do século XX. Além disso, a raridade de pesquisas que tratam da atuação masculina no 
ensino primário e as relações de gênero e poder que experimentam os homens e as 
mulheres no processo de transformação da profissão ainda dificultam a compreensão e 
a análise do próprio fenômeno de feminização da profissão docente. No entanto, mesmo 
nos dias atuais, a presença feminina na docência, especificamente nas séries iniciais do ensino fundamental, é majoritária. 
Mesmo não sendo o foco principal da unidade, levantei aqui indicadores referentes a algumas 
nuances da profissão docente no ensino básico brasileiro que, além de apresentarem um 
breve perfil do cenário atual, confirmam essa informação. Mesmo não sendo essa a minha 
hipótese, acredito que essas nuances talvez possam permeare influenciar o trabalho de 
acompanhamento escolar dos filhos das professoras pesquisadas.
Para delinear o cenário da profissão docente no ensino básico público brasileiro, tracei 
um breve perfil dos professores enquadrados na referida categoria bem como alguns 
aspectos da formação docente e também das condições de trabalho dos docentes.
Os dados que apresento adiante, referentes ao perfil dos professores do ensino básico, estão baseados na pesquisa da UNESCO (2009), organizada por Bernardete Angelina Gatti e Elba Siqueira de Sá Barreto. 
Começando por demonstrar o tamanho da categoria, atualmente encontramos 1.763.661 professores atuando desde a educação infantil até o ensino fundamental. Desse total, 
92,8% declararam ser a docência seu trabalho principal, ou seja, a profissão é o trabalho 
central de suas vidas, o que pode refletir no perfil socioeconômico da categoria.
No que se refere ao sexo, conforme exposto anteriormente no processo de feminização do magistério, a categoria desses professores é majoritariamente feminina, com ênfase na educação infantil, onde 98% são mulheres. No ensino fundamental como um todo, as professoras totalizam 88,3%. Já nas séries iniciais do ensino fundamental, encontramos 93% de mulheres lecionando.
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unidade 2
Em se tratando de raça/cor, grande parte dos docentes se autoclassificaram como brancos (61,3%) e 38,7% como não brancos, com predominância de pardos. Na educação infantil e 
ensino fundamental, 42% se classificaram como não brancos. Já os que lecionam do sexto ao nono ano, que possuem nível superior de escolaridade e se declararam não brancos totalizam 31%.
Talvez esses dados possam revelar a desigualdade de escolaridade dos brasileiros pretos e pardos comparativamente aos brancos. Ao observar a média de escolaridade dos professores do ensino fundamental, constata-se que na educação infantil e ensino fundamental respectivamente, encontramos 13 e 14 anos de estudo, diferentemente dos professores do ensino médio, em que onde a média de anos de estudo é 16. Assim, pode-se 
afirmar que a inserção na educação infantil e no ensino fundamental tende a ser facilitada para professores não brancos.
Em se tratando de faixa etária, o que pode contribuir para compreensão do nível de escolarização, a maior porcentagem de docentes jovens encontra-se na educação infantil, 41,0% com até 29 anos de idade. No ensino fundamental, a faixa etária encontra-se mais equilibrada com ¼ dos docentes em cada uma: até 29 anos: 25,5%, de 30 a 37 anos: 24,7%, de 38 a 45 anos: 25,8%, 46 anos ou mais: 24,0%. Encontramos na educação infantil 24,3% de professores estudantes seguidos de 23,0% dos professores do ensino fundamental. Assim, a parcela de professores da educação básica (21,6%) continua estudando, sobressaindo os da educação infantil, que são mais jovens e em sua maioria não brancos.
Com relação aos cursos frequentados pelos professores, a maior parte, 81,5% frequenta cursos superiores, sobretudo os docentes da educação infantil e do ensino fundamental. Os professores que fazem mestrado e doutorado totalizam 9,3%, sobressaindo-se os professores do ensino médio cujo o índice é de 37,8%. Ainda restam 9,2% de professores que frequentam os cursos de nível médio ou mais baixo, em que se sobressaem os professores do ensino fundamental, 11,5%.
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 ATIVIDADE
1. Explique como foram surgindo as primeiras escolas do Brasil.2. Explique as conseqüências do Ato Adicional de 1834 para a educação brasileira da época.3. Com que culminaria a inserção das mulheres na educação?4. Como você explicaria o processo de feminização? O que estava implícito nesse processo?
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ALGUNS CONCEITOS À LUZ DE PIERRE BOURDIEU 
Objetivos
•	 Relacionar “escolarização” e “classe social”.
•	 Explicitar as características do processo de escolarização nos diferentes meios sociais.
•	 Conceituar e analisar os três estados do capital cultural.
•	 Descrever a influência do capital cultural no processo de escolarização dos filhos.
unidade 3
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unidade 3
Segundo Bonnewitz (2003), atualmente não há manual de Sociologia que não dedique algumas páginas à abordagem de Pierre Bourdieu, grande sociólogo francês, nascido em 1930 na cidade de Denguin (departamento de Pyr´nées-Atlantiques)
 SAIBA MAIS...
Veja mais sobre Pierre Bourdieu em NOGUEIRA, Maria Alice; NOGUEIRA, Cláudio 
M. Martins. Cronologia de Pierre Bourdieu. In: NOGUEIRA, Maria Alice; NOGUEIRA, Cláudio M. Martins. Bourdieu & a Educação. Belo Horizonte: Atêntica, 2004. p.123-129. E ainda em BONNEWITZ, Patrice. Como se tornar um “grande sociólogo”? Assumindo o passado. In: BONNEWITZ, Patrice. Primeiras Lições sobre a Sociologia 
de Pierre Bourdieu. Petrópolis: Vozes, 2003, p.9-26.
Os trabalhos de Pierre Bourdieu acerca da reprodução dos privilégios de classe e as formas de transmissão dos diversos tipos de capitais forneceram novos instrumentos para a análise da relação família-escola e dos processos de sucesso ou fracasso escolar. 
Assim, o foco desta unidade serão as relações entre escola e família, à luz de Bourdieu e colaboradores.
Seria incorreto afirmar que os estudos sobre família surgiram recentemente na pesquisa sociológica em educação, pois uma análise panorâmica demonstra que a família já se fazia presente na literatura sociológica desde as décadas de 50 e 60. O que se constitui como 
novidade nos dias de hoje é o modo como as pesquisas vêm tratando das relações entre educação e família. No entanto, não é objetivo deste trabalho discutir esse movimento
No Brasil, a relação família-escola como objeto de investigação ganhou força no âmbito da ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação- nos anos 90 quando o Grupo de Trabalho (GT) de Sociologia da Educação publicou um caderno especial onde três artigos tratavam do tema. Dois deles abordavam a escolarização das camadas médias e um tratava da discussão propriamente dita da relação família-escola enquanto objeto de pesquisa
Essa unidade buscou apoio teórico em autores que pesquisam as relações família/escola 
e, em especial, no que tange às práticas familiares de escolarização dos filhos que vão das 
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camadas populares urbanas (PORTES, 2000; PAIXÃO, 2006; SOUZA E SILVA, 1999; ZAGO, 
2000), perpassam pelas camadas médias e seus estratos (ROMANELLI, 2000; ALMEIDA, 
1999; NOGUEIRA, 2000) até as elites (ALMEIDA, 2004; NOGUEIRA, 2002).
Os estudos citados acima tratam, entre outras questões, da relação família-escola, bem como das principais estratégias utilizadas por certos tipos de pais para manter um laço estreito com os agentes escolares (professores, diretores, supervisores, todos os atores sociais que estão ligados diretamente à escola). Diversas pesquisas têm apontado a relação de proximidade dos pais ou responsáveis com o processo de escolarização dos 
filhos, associada ao sucesso escolar dos mesmos (LAHIRE, 1997; PAIXÃO, 2006; THIN, 
2006; LAREAU, 2007, entre outros). 
Antes de passar às relações família-escola, veja como Bourdeiu trata a escola. Segundo ele, a escola contribui para a reprodução social. Para explicar este fato ele mostrou que há relação entre desempenho escolar e origem social. O grau variado de sucesso alcançado pelos alunos ao longo de seus percursos escolares não poderia ser explicado por seus dons pessoais – relacionados à sua constituição biológica ou psicológica particular - , 
mas por sua origem social, que os colocaria em condições mais ou menos favoráveis diante das exigências escolares (BOURDIEU apud NOGUEIRA, 2002, p.18).
Para tratar das relações entre desempenho escolar e origem social das famílias, Bourdieu trabalha com o conceito de capital cultural. Para ele, o sucesso escolar depende do capital cultural da família. As famílias, segundo o lugar social que ocupam na sociedade, têm mais ou menos capital cultural. Entre as formas de capital cultural mais rentáveis para a escolarização, estão a escolaridade dos pais – capital escolar – e a familiaridade com o sistema escolar e a linguagem. Bourdieu explica que a escolaignora diferenças de capitais entre famílias provocando o sucesso de uns – famílias de origem social mais abastadas – e fracasso nas crianças oriundas de famílias de pouco capital cultural – as de origem social 
mais pobres. Fazendo isto contribui para a reprodução social. Nesse sentido Zago afirma que
A família por intermédio de suas ações materiais e simbólicas, tem 
papel importante na vida escolar dos filhos, papel que não pode ser 
desconsiderado. Trata-se de uma influência que resulta de ações muitas vezes sutis, nem sempre conscientes e intencionalmente dirigidas. (ZAGO, 2000, p.20).
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unidade 3
 SAIBA MAIS...Bourdieu apud Nogueira & Catani (2008, p.73). A noção de capital cultural impôs-se, primeiramente, como uma hipótese indispensável para dar conta da desigualdade de desempenho escolar de crianças provenientes das diferentes classes sociais, 
relacionando o “sucesso escolar”, ou seja, os benefícios específicos que as crianças 
das diferentes classes e frações de classe podem obter no mercado escolar, à 
distribuição do capital cultural entre as classes e frações de classe. Irei tratar do conceito no item 3.2
Assim, o capital econômico não seria a herança mais importante a ser transmitida pela família, e sim o capital escolar institucionalizado em formas de saberes escolares e objetivado nos títulos outorgados pela escola (BOURDIEU, 1998). A família tem um papel 
determinante na manutenção da ordem social, na reprodução, não apenas biológica, mas 
social, isto é, na reprodução da estrutura do espaço social e das relações sociais (BOURDIEU, 1996, p.131). 
Estudos no campo da Sociologia da Educação, a partir de Bourdieu, têm mostrado que,por 
causa das diferenças na posse de capital cultural,os filhos de famílias mais pobres são 
mais sujeitos ao que se chama fracasso escolar, e os filhos de famílias de camadas médias e elite se saem melhor na escola. 
A noção de “mobilização escolar familiar” surgiu para designar a luta e engajamento 
direcionados para um determinado fim. O sentido do termo “mobilização” introduzido nos estudos sociológicos da relação família/escola foi trazido das Ciências Políticas para explicar os casos de sucesso escolar nos meios desfavorecidos. Nogueira (1995) aponta a existência de uma série de práticas de investimento escolar entre famílias oriundas 
das camadas médias tais como acompanhamento sistemático da escolaridade dos filhos, escolha minuciosa do estabelecimento de ensino, contato estreito com professores, 
auxílio nos deveres de casa, comparecimento às reuniões escolares, utilização do tempo extraescolar com atividades que favorecem o rendimento escolar.
É importante ressaltar que tanto a família quanto a escola participam da transmissão de hábitos, atitudes e valores, mediante determinadas práticas. Alguns estudos, como os 
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de Lahire (1997), afirmam que, em se tratando da instituição familiar, essa transmissão 
necessita da mobilização dos pais e também dos filhos para que produza efeitos. Essa 
mobilização nem sempre é explícita; algumas vezes se apresenta de modo bastante sutil. 
Essas considerações se fazem presentes e permitem compreender os casos de sujeitos oriundos dos meios favorecidos socialmente que apresentam histórico de fracasso escolar e também as trajetórias de êxito na vida escolar de sujeitos pertencentes às camadas populares. 
Escolarização e classe social.
Neste item será discutida a relação existente entre escolarização e classe social, focalizando 
mais especificamente as estratégias de escolarização de famílias pertencentes aos diferentes meios sociais. 
As famílias pertencentes às camadas populares, desprovidas de capital cultural, social 
e econômico tendem a investir de forma moderada na escolarização de seus filhos. Isso porque, baseadas em exemplos próximos, observam que as chances de sucesso são reduzidas e o retorno com os títulos escolares é mínimo, pois este depende da posse de capital cultural para se potencializar. 
A escolha do estabelecimento de ensino é feita baseada numa lógica prática, imposta 
pelas condições socioeconômicas em que vivem e seus filhos estudam, em geral em escolas da rede pública. Os elementos centrais da escolha do estabelecimento escolar são a proximidade da residência, facilidades de locomoção e transporte, segurança, entre outros. As fontes de informação sobre o estabelecimento de ensino de que se servem são 
limitadas e geralmente informais, baseadas, sobretudo; na rede de relacionamentos locais da família. A ida aos estabelecimentos obedece mais ao objetivo de conhecer a escola escolhida do que ao propósito de associar novos fatores ao processo de escolha, como 
análise do espaço físico, formação dos professores, proposta pedagógica da escola. Trata-
se de uma escolha que opera mais na base da confirmação do que na comparação. 
As expectativas que esse grupo deposita na escola são moderadas. Os “investimentos” concentram-se em carreiras de curto prazo cujo o retorno também seja de curto prazo. 
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unidade 3
Pode-se dizer que os investimentos das famílias pertencentes às elites, na escolarização 
de seus filhos, são altamente rentáveis e realizados de forma “descontraída”. 
O processo de escolarização das elites caracteriza-se sob o signo da evidência, da 
desenvoltura e da autoconfiança. Investimentos aplicados na educação e na carreira 
escolar dos filhos têm a vantagem de alta rentabilidade em decorrência dos capitais 
cultural, social e de informação sobre o aparelho escolar de que dispõe esta classe. Essa 
rede de relações e conhecimentos que constituem o capital social, decorrentes do fato de se pertencer à elite, pode resultar em trunfos capazes de maximizar vantagens escolares ou de minimizar insucessos. 
O capital social que as elites detêm além de aumentar o rendimento econômico e simbólico do diploma é também capaz de minimizar as desvantagens no caso de carreiras escolares mal sucedidas (NOGUEIRA, 2002). 
Podemos encontrar, nas elites, frações de classe que se diferenciam segundo a posse 
maior ou menor de uma das formas de capital. Há frações da elite mais ricas em capital econômico do que em capital cultural, apesar de todas terem, no conjunto, mais capital que 
as demais classes. Na empiria podem ser encontradas muitas frações da elite. Basicamente podemos distinguir uma fração detentora de maior capital cultural e outra de maior capital econômico. A primeira tende a investir de modo mais intenso na escolarização de seus 
filhos, visando a carreiras mais prestigiosas. A segunda busca na escola mais a certificação, 
com o objetivo de legitimar o acesso às posições de domínio garantidas pelo elevado capital econômico. As escolhas parecem residir na busca de estabelecimentos tradicionais, porém não caracterizados pela excelência escolar, mas sim pela garantia de frequência a um meio social seleto e por um tipo de socialização que reforça o pertencimento às elites (NOGUEIRA, 2002).
Pode-se dizer que as elites não necessitam da escola para se reproduzirem enquanto classe. 
As camadas médias investem pesada e sistematicamente na escolarização de seus filhos. Possuem acentuada capacidade de discriminar entre os diferentes tipos de estabelecimento 
de ensino. A escolha da escola para os filhos ocupa um lugar central na vida familiar durante um longo período de tempo. A posse de recursos culturais e também de capital 
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econômico e social as habilitam a decodificar o sistema escolar. Esses pais muitas vezes dirigem-se a estabelecimentos prestigiosos. Quanto maior a capacidade de escolha, maior 
será a exigência dos pais e a dificuldade de escolher entre os diferentes estabelecimentos, porque, em geral, nenhum deles parece ser perfeito.
Assim como as elites, as camadas médias podem ser divididas em dois estratos: um provido de maior capital cultural e outro de maior capital econômico. Ambos os estratos possuem um volume razoável de capitais e estão em busca de ascensão à elite. 
Segundo as análises que Nogueira (1991) efetua da obra de Bourdieu, a relação

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