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Sandra_Conrado_So_as_maes_sao_felizes

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“Só As Mães São Felizes”1
Cazuza
Palavras chaves: mãe-mulher – desejo da mãe – criança-falo – real do sexo
Sandra Conrado
“A frase me deixou intrigado”, diz Agenor de Miranda Araújo Neto, conhecido 
por todos nós com o nome de Cazuza – poeta, letrista e cantor brasileiro, falecido em 
1990. “No caso de Só As Mães são felizes”, diz Cazuza, “eu bobeei e mandei a letra 
certa (para a censura). Vetaram, é lógico. Não entenderam que era uma coisa 
moralista, pós Nelson Rodrigues. Usei imagens fortes para falar do meu preconceito 
com o fato de não permitir a nenhuma mãe do mundo encarar as barras que eu 
encarava. Era como se eu dissesse que as mães são para serem colocadas num altar, 
para serem veneradas (...) A música não tem nenhuma ligação com minha mãe, mas 
com gente que barbariza, que são santos e demônios ao mesmo tempo.”2
Introduzo meu trabalho destacando desse comentário de Cazuza “o fato de não 
ser permitido a nenhuma mãe do mundo encarar as barras que eu encarava”. 
Quando ele faz essa afirmação penso as barras como a própria barra que divide 
um sujeito, aquela que o inscreve na linguagem e, portanto, na lógica da castração.
A mensagem que nos transmite Cazuza, nessa música, é a de que o desejo da mãe 
está no lugar daquilo que não é tocado pelo real do sexo, ou seja, está sem barra. Daí a 
idéia de que as mães são felizes: não quer saber do real da barra. O que é bem diferente 
quando ela toma o lugar de mulher. Quando escuto essa música percebo a sensibilidade 
do poeta, que em metáforas toca no real do sexo, um buraco/a mulher, do qual o sujeito 
que fala não pode saber, a não ser que invente, que faça sintoma.
Na música Cazuza toca aí pelo viés da criança. Ele toca perguntando: “já 
reparam na inocência cruel das criancinhas, com seus comentários desconcertantes?”.
Gostaria de situar esses dois pontos como orientador desse trabalho: a mãe ser 
feliz por não ser tocada no real do sexo e a criança que desconcerta.
A criança, esse ser repleto de candura, nos diz, Freud, não é tão ingênua assim, 
pois que não está imune ao enfrentamento da existência desse buraco. Ela vem capturar 
1 “Essa música foi feita a partir de um verso de Jack Kerouac (retirado do livro Scattered Peomas), uma 
frase de um poema dele e que me deixou muito intrigado” - Cazuza
2 “Preciso dizer que te amo”, ed, Globo, Lucinha Araújo (a letra encontra-se no final do trabalho)
isso a partir da diferença dos sexos e, na cena central dessa diferença, o que tira como 
conseqüência é a falta que se inscreve nos sujeitos.
Quando Cazuza revela na música que a criança desconcerta, penso também no 
que diz Miller ao reportar o lugar da criança entre a mãe e a mulher. “A criança, divide, 
no sujeito feminino, a mãe e a mulher”.3
Lacan, nas Duas Notas sobre a Criança, se refere ao sintoma infantil como uma 
resposta ao que há de sintomático no par familiar. O sintoma da criança fala da verdade 
do casal ou do que há de sintomático entre um homem e uma mulher. 
Trago um caso clínico na tentativa de questionar não só a posição da criança 
enquanto objeto que divide a mãe, mas também como, no tratamento, isso vem se 
tornando possível.
Trata-se de uma criança (6 anos) que chega pela demanda de fracasso escolar. A 
recusa de ler e escrever é colocada pela mãe como uma manifestação da criança, após 
um período de ausência dela para cuidar do filho mais velho acometido por uma grave 
doença. Do pai, presente nesta sessão, não ouvi uma palavra. As vezes que me dirigi a 
ele seu olhar voltava-se para a mãe que se encarregava das explicações. Na demanda da 
mãe havia uma solicitação muito enfatizada: “quero ir na raiz do problema”.
Antes dessa recusa do escreve e ler, a mãe diz que Caio vivia bem e em harmonia 
com o irmão: “uma união só”. 
Numa outra entrevista Tereza, a mãe, relata que sua família é muito unida. A 
função da mãe de Tereza é unir não só os filhos, mas também os amigos. Como 
aposentada dedica-se a grupos de auto ajuda. Isso, Tereza acha muito bonito.
Caio vem ao consultório pela primeira vez e seu trabalho se deu exclusivamente 
na retirada de todos os brinquedos do armário para, é lógico, espalhar tudo. Lógico 
porque, ao que pude observar, Caio ali estava barbarizando a união da mãe.
Diante de suas recusas a me ajudar na arrumação, fiz uma proposta. Naquele dia 
meu trabalho seria arrumar e o dele pensar o que na sua vida estava tão espalhado, já 
que ali não se tratava de juntar, mas de se arrumar na vida. Na sessão seguinte Caio 
abre o armário, tira todos os brinquedos e os espalham numa proporção bem menor. 
Um dia encontra um livro e pede que eu leia a história, escuta, mas em pouco 
tempo se dispersa. Levanta e anda no consultório, vai e volta, faz círculos com o 
próprio corpo em torno de mim. Ao encerrar a sessão ele reivindica que eu termine a 
3 Miller, J-A, “A Criança entre a mãe e a mulher”, Opção Lacaniana-21 – Revista Brasileira Internacional 
de Psicanálise, 1998, p.08 
história. Diante da demanda insistente de continuar a história, peço a ele que encontre 
uma solução para seu pedido, uma vez que quem acabou foi o tempo da sessão. Ele 
prontamente resolveu: “levo o livro para casa, leio e conto o fim da história para 
você”.
Ironicamente, o que veio na sessão seguinte foi sua falta. A mãe liga para 
justificar o motivo: a chuva. Diante de minha insistência em querer ouvir Caio, ela 
reage com rispidez e cólera pela minha falta de compreensão.
A conseqüência dessa intervenção custou uma certa cautela para que a 
transferência não se transformasse numa queda de braço, pois em vários telefonemas, as 
mãe se colocava as explicações da importância da empatia entre um analista e uma 
criança: a união?
O encontro com pai se tornou muito difícil. Se eu oferecia o horário ele tinha 
plantão, e quando ele sugeria o horário, eu só esperava. Algumas vezes desmarcava em 
cima da hora por um motivo muito justificável.
Na impossibilidade da presença desse pai no tratamento, passei a dedicar-me a 
este casal, mas apenas pelo que podia emergir da criança. E para minha surpresa o casal 
não se constituía entre o pai e a mãe, mas entre a mãe e o irmão.
Se Caio leu o livro, não sei, mas o que se produziu a partir dai foi uma dedicação 
entusiasmada da atividade de escrita no quadro. A princípio palavras soltas, nomes que 
ele inventa, nomes sem sentido que pede para eu ler. Na leitura, as palavras sem sentido 
as fazem rir. Dá gargalhadas. Mas é sob o uso insistente do apagador que ele explica: “é 
que eu sou atrapalhado”. Significante, que ao meu ver, marca a questão sintomática 
dessa criança.
Na sua atividade de escrita Caio escreve a palavra casa e em seguida um “m” 
muito mal feito. Falo de casamento, de casal, ele diz que não é isso, é casa. Se não há 
casal e casamento, passo a questionar de onde ele veio. Apesar de responder que essa 
era uma longa história, não sabia responder direito. 
“Não sabe explicar direito porque tem algo lhe atrapalhando”, foi minha 
intervenção. No desenho para explicar melhor, faz a mãe e dentro dela um bebê: ele. Do 
lado da mãe, está o irmão. O seu pai não aparece. Sobre como entrou na barriga da mãe 
explica: “Quem me colocou na barriga de minha mãe foi Jesus, eu cheguei em 
setembro e o doutor me tirou de lá”.
Na única sessão que tive com o pai, João Marcio, ele trouxe praticamente a 
nomeação desse filho. O filho mais velho chama-se João – primeiro nome dele. O nome 
de Caio foi dado por João em homenagem a um amiguinho, mas as letras de Caio estão 
todas em Marcio.
O mito de Caio, parece está construído: ele foi salvo pelo irmão, daí o nome-do-
paiser Jésus. Jesus não é pai, é irmão. É um irmão, a quem Deus-Pai escolhe para 
redimir outros irmãos, sob a condição de um sacrifício: morrer para salvar. Será que 
João precisou quase morrer para salvar Caio? Não estaria no desejo dessa criança a 
nomeação do pai um tanto quanto atrapalhada?
É sobre João que recai o olhar da mãe, e nessa ausência Caio desconcerta.
Esse é uma caso clínico que ainda transcorre. Os efeitos terapêuticos estão dando 
seus primeiros sinais Caio agora escreve na escola e não se recusa a ler. A questão que 
permanece é em relação à função paterna. Se o pai, com sua presença real, não se 
operou no desejo dessa mãe enquanto homem, deverá a criança sustentar-se num mito? 
Isso não pode atrapalhar a questão subjetiva de um sujeito? Na minha visão nada do 
sexual ainda tocou essa criança. O que tem surgido no momento para esse sujeito é uma 
fascinação pelos homens que cantam, mas cantam músicas e não mulheres.
Um sujeito pode encontrar todos os significantes que traduzam o desejo da mãe. 
Com esse desejo ele pode fazer o que quiser: pode interpretá-lo, pode nomeá-lo, pode 
metaforizá-lo e, se quiser, pode até faracluí-lo. Talvez por isso a mãe seja, no desejo do 
sujeito, muito feliz. O que me pergunto nesse caso, apesar da angústia da mãe diante 
das recusas do filho ao saber, é onde se localiza a sua divisão para essa criança.
Numa de suas sessões disse estar muito angustia, com uma sensação de falta 
enorme, não sabia o que fazer com o filho, apesar dele está indo bem na escola.
Como ele estava bem na escola, algo parece ultrapassar, na mãe, o lugar dessa 
criança. Se antes o problema era a escola, agora são com os seus questionamentos, com 
o desejo de ter um quarto só seu, com a recusar em responder às suas perguntas.
Retomando a questão da mãe apontaria aqui o ponto central de minha questão. Se 
“Só as mães são felizes” é do lugar em que o real da castração ainda não tomou seu ser, 
não tomou a sua forma de mulher.
Quer dizer, a mãe seria isso que, excluída da castração, não participa do real da 
barra que limita sua devoração, tão confusa está com o objeto de sua fantasia infantil, 
aquele que Freud nos escreveu como sendo uma equação simbólica pênis-bebê: o falo. 
O que quer uma mulher, não se sabe, mas o falo vem de uma certa forma ocupar 
imaginariamente esse lugar vazio, vazio que permanecendo, vai-se deslizando 
metonimicamente. Para Lacan, tudo indica que o falo, enquanto objeto imaginário é 
algo que ultrapassa a criança, já que também vem instituído pela equação simbólica. 
O que está entre o pênis e o bebê, o bebê e o homem, para quem a mulher 
destinará sua futura procura, é o falo. Portanto, na análise da criança é muito importante 
localizar em que medida a criança ocupa o lugar do desejo da mãe, mas também em que 
medida a criança, ela em si, possa ser interrogada para além do que deseja desconcertar.
Quando uma criança barbariza, quando vira o demoniozinho, para usar aqui os 
significantes de Cazuza, ela está se recusando a ocupar esse lugar insuportável do 
desejo da mãe. 
No mundo contemporâneo a feminilização ou porque não dizer, a facilização da 
mulher vem desalojando a cada dia a esperança fálica na direção do homem. Nessa 
nova configuração, o que temos é a queda vertiginosa do viril e um não saber-fazer com 
o resto, aquele outrora transformado em ideal. 
Hoje não se sabe mais o que fazer com o objeto a!
Penso que a questão dessa criança em relação a mãe caminha por aí. A mãe 
poderia está satisfeita com os resultados escolares, foi o que demandou, mas não, ela 
anda angustiada, pois algum resto parece insistir em se inscrever.
O que eu pontuaria como esse resto é o que está na demanda de ir na raiz, ou em 
outros termos, o que na demanda frustrou-se ao saber que o filho, para dar conta da 
origem, para dar conta do pai, construiu um mito. Um saber, que embora atrapalhado, 
pode ser a via da qual se serve para construir, na transferência, um saber sobre real do 
sexo que já o inquieta.
João Pessoa, 30 de setembro de 2005
Bibliografia
ARAUJO, L. Cazuza Preciso Dizer que Te Amo (2001), Texto: Regina Echeverria, ed. 
Globo, São Paulo, 2001
FREUD, S. Sexualidade Feminina (1931) FREUD, S. Obras psicológicas completas 
de Sigmund Freud. ed. Standard Brasileira. Rio de Janeiro. Imago, 1969a, v. XXI, 
(1901-1905). 
LACAN, J. O seminário: livro 04 A Relação de Objeto (1956-1957). Tradução Dulce 
Duque Estrada, Rio de Janeiro,1995 
___. Duas notas sobre a Criança. Opção lacaniana: Revista Brasileira Internacional de 
Psicanálise. São Paulo, n. 21, abr. 1998
MILLER, Jaques-Alain. A Criança entre a mãe e a mulher. Opção lacaniana: Revista 
Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo, n. 21, abr. 1998
* Letra da Música referida acima
Só as mães são felizes 
Cazuza / Roberto Frejat
Você nunca varou
A Duvivier às 5
Nem levou um susto saindo do Val 
Improviso
Era quase meio-dia
No lado escuro da vida
Nunca viu Lou Reed
"Walking on the Wild Side"
Nem Melodia transvirado
Rezando pelo Estácio
Nunca viu Allen Ginsberg
Pagando michê no Alaska
Nem Rimbaud pelas tantas
Negociando escravas brancas
Você nunca ouviu falar em maldição
Nunca viu um milagre
Nunca chorou sozinha num banheiro sujo
Nem nunca quis ver a face de Deus
Já freqüentei grandes festas
Nos endereços mais quentes
Tomei champanhe e cicuta
Com comentários inteligentes
Mais tristes que os de uma puta
No Barbarella às 15 pras 7
Reparou como os velhos
Vão perdendo a esperança
Com seus bichinhos de estimação e 
plantas?
Já viveram tudo
E sabem que a vida é bela
Reparou na inocência
Cruel das criancinhas
Com seus comentários desconcertantes?
Adivinham tudo
E sabem que a vida é bela
Você nunca sonhou
Ser currada por animais
Nem transou com cadáveres?
Nunca traiu teu melhor amigo
Nem quis comer a tua mãe?

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