Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Origens dos desequilíbrios regionais no Brasil Esperamos que, ao fi nal desta aula, você seja capaz de: Reconhecer as desigualdades econômicas e regionais no Brasil como conseqüência de seu modo de ocupação. Conhecer as razões históricas do desequilíbrio econômico das regiões brasileiras. Interpretar dados atuais sobre a situação socioeconômica das regiões brasileiras, considerando os fatos históricos que a provocaram. 7 ob jet ivo s A U L A Meta da aula Descrever os determinantes históricos dos desequilíbrios regionais no Brasil. Pré-requisito Para acompanhar esta aula, é importante reler os boxes “O sentido da colonização” e “Economia de subsistência x economia mercantil”, da Aula 1, bem como as Aulas de 4 a 6. 1 2 3 Aula7.indd 119 1/12/2006, 2:43:48 PM 120 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Origens dos desequilíbrios regionais no Brasil Você se lembra da canção A Novidade, de Herbert Vianna, Bi Ribeiro e Gilberto Gil? Nela, os compositores criticam a desigualdade social do país. Confi ra: “Oh, mundo tão desigual/Tudo é tão desigual/(...) De um lado este carnaval/Do outro a fome total”. A música foi feita em 1986. Depois de 20 anos, você acha que a desigualdade no país aumentou ou diminuiu? Por quê? INTRODUÇÃO O Brasil faz parte do grupo das 15 maiores economias mundiais, além de já ter representado, na década de 1980, o oitavo maior PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) do mundo. Apesar de resultados tão animadores, é um dos campeões de desigualdade econômica. Segundo matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo, em 2004, nosso país era o 109º na lista das nações com maior índice de exclusão social (IES). Como isto é possível? Quais as origens desta desigualdade? Para descobrir isto, devemos retroceder no tempo até a época colonial, quando a economia brasileira começou a se formar. Você está pronto para a viagem? Nesta aula, portanto, você vai rever algumas questões tratadas até o momento, mas com um objetivo diferente. Esperamos que você possa entender o fenômeno dos desequilíbrios regionais, ao analisar as atividades canavieira, pecuária, da cotonicultura, mineira, da borracha e cafeeira. Os conhecimentos de que você dispõe agora podem ajudá-lo bastante neste trabalho. OS DESEQUILÍBRIOS REGIONAIS SÃO UMA MARCA DA ECONOMIA BRASILEIRA O equilíbrio econômico entre as regiões distingue os países mais desenvolvidos dos menos desenvolvidos. Canadá e Estados Unidos, por exemplo, são países onde há pouca discrepância em relação ao desenvolvimento entre os estados e menos desequilíbrios internos. Em nenhum deles, entretanto, um estado tem peso econômico expressivamente superior aos demais, como acontece no Brasil, onde São Paulo participa com um terço do PIB brasileiro. PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) É o valor agregado de todos os bens e serviços fi nais produzidos dentro de um país. É uma medida da riqueza do país em um período de tempo determinado (em geral, calculado para cada ano). Aula7.indd 120 1/12/2006, 2:43:50 PM C E D E R J 121 A U LA 7 A maneira como a população está distribuída no território também é um indicador dos desequilíbrios regionais do país. Observe com atenção a Tabela 7.1, que contém as informações mais recentes sobre o tema, obtidas durante o CENSO DEMOGRÁFICO de 2000. Nela, você pode verifi car que 42,6% da população brasileira vivem na Região Sudeste. Nas regiões Norte e Centro-Oeste, correspondentes a duas terças partes do território, residem apenas 14,5% da população. CENSO DEMOGRÁFICO Realizado em média a cada dez anos, o censo demográfi co é uma ferramenta muito importante para acompanhar a evolução de uma sociedade. Com os dados que essa pesquisa disponibiliza, podemos traçar um retrato da situação do país, em relação a população, concentração de renda, desemprego, fecundidade, migrações internas, entre outros temas. A partir dos resultados do censo, podem-se elaborar políticas públicas mais adequadas à realidade do país. No Brasil, o próximo censo demográfico vai ser realizado em 2010. Fique atento aos resultados. Você estará terminando o curso de Administração, e estas informações podem ser úteis em sua profi ssão. Enquanto isso, se você quiser ter mais informações sobre o Censo Demográfi co mais recente do Brasil (2000), acesse o site do Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), responsável pela pesquisa em nosso país: http: //www.ibge.gov.br !! Regiões População absoluta/ relativa (%) Distribuição regional do território (%) Norte 12.904.737 - 7,6 45,3 Nordeste 47.713.567 - 28,1 18,3 Centro- Oeste 11.716.143 - 6,9 18,9 Sudeste 72.334.446 - 42,6 10,9 Sul 25.130.277 - 14,8 6,8 Brasil 169.799.170 - 100,0 100,0 Fonte: IBGE, 2000. Tabela 7.1: Distribuição da população brasileira por regiões – 2000 Outro indicador dos desequilíbrios regionais é a distribuição do PIB por regiões. Veja só a Tabela 7.2. Observe que, em 2001, a região mais desenvolvida, o Sudeste, concentrava 57,12% do PIB brasileiro, percentual superior à sua participação na população (42,6%). Já a Região Nordeste participava com apenas 13,12% do PIB, percentual inferior à metade de sua participação na população (28,1%). Aula7.indd 121 1/12/2006, 2:43:52 PM 122 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Origens dos desequilíbrios regionais no Brasil Regiões PIB (em milhões de dólares) Participação no PIB Brasil (%) Norte 24.293 4,76 Nordeste 66.959 13,12 Centro-Oeste 36.746 7,20 Sudeste 291.518 57,12 Sul 90.844 17,80 Brasil 510,260 100,00 Fonte: IBGE. Departamento de Contas Nacionais (2001) Tabela 7.2: Distribuição do Produto Interno Bruto (PIB) por regiões – 2001 Se você se interessa pela comparação da economia brasileira com a de outros países, consulte os relatórios anuais sobre o desenvolvimento econômico mundial, disponíveis no site do Banco Mundial (www.worldbank.com). Nos sites do Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística, IBGE (www.ibge.gov.br) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA (www.ipeadata.gov.br), você pode encontrar indicadores sobre desigualdades regionais no Brasil. Em busca do emprego ideal Imagine que um amigo seu lhe pede ajuda. Ele vive em uma cidade pequena e tem um emprego razoável, mas, para ele, isto não é o bastante: ele quer mudar de vida, ganhar mais, morar em uma cidade maior, com mais oportunidades. Para ajudá-lo, você conseguiu os dados a seguir: • Os valores do rendimento médio dos responsáveis pelos domicílios (em reais, no ano de 2000), residentes nas cidades com mais de 100 mil habitantes (cidades médias) localizadas em regiões metropolitanas ou no interior estadual das cinco macrorregiões. Atividade 1 Cidades médias metropolitanas Cidades médias não- metropolitanas Região Centro-Oeste 488,16 661,81 Região Norte 554,22 531,08 Região Nordeste 533,68 476,57 Região Sudeste 804,68 888,84 Região Sul 808,57 812,51 Média 761,71 767,17 Fonte: IBGE. Indicadores Sociais Municipais (2003) Aula7.indd 122 1/12/2006, 2:43:53 PM C E D E R J 123 A U LA 7 A distribuição do valor do rendimento médio dos responsáveis pelos domicílios (em reais) segundo classes de tamanho dos municípios. • A distribuição das cidades com mais de 100 mil habitantes segundo localização nas macrorregiões. Em sua opinião, em qual tipo de cidade e região seu amigo pode encontrar mais facilmente um emprego com rendimento mais elevado? Por quê? ________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ Resposta Comentada Os municípios com mais de 500 mil habitantes situados na Região Sudeste são os melhores lugares para o seu amigo encontrar o que procura. As cidades localizadas fora das regiões metropolitanas também são uma boa alternativa para ele. O motivo é que o rendimento cresce à medida que aumenta a população, e é mais elevado nas cidades do Sudeste, onde, além disso, existe um número bem maior de cidades com mais de 100 mil habitantes. Brasil 768,83 Até 5.000 habitantes 424,08 De 5 a 10.000 habitantes 409,66 De 10.000 a 20.000 habitantes 416,32 De 20.000 a 50.000 habitantes 479,55 De 50.000 a 100.000 habitantes 612,80 De 100.000 a 500.000 habitantes 810,48 Mais de 500.000 habitantes 1.190,00 Fonte: IBGE.Indicadores Sociais Municipais (2003) Norte 6,3% Centro-Oeste 5,4% Nordeste 20,2% Sudeste 50,7% Sul 17,4% Fonte: IBGE. Censo Demográfi co (2000) Aula7.indd 123 1/12/2006, 2:43:54 PM 124 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Origens dos desequilíbrios regionais no Brasil Os desequilíbrios regionais sempre fizeram parte de nossa realidade. Como e por que as regiões brasileiras têm indicadores tão diferentes? Para responder a esta pergunta, vamos buscar as raízes históricas deste processo. Em nosso país, até meados do século XIX, as regiões eram caracterizadas como ilhas regionais, sem guardar relações econômicas entre si. De 1850 a 1930, a expansão cafeeira e a industrialização romperam este isolamento regional, fazendo surgir uma economia centrada em São Paulo. Isso tornou as demais regiões dependentes do dinamismo paulista. Para começar, vamos ver o que aconteceu no Nordeste, na região das Minas, no Sul e no Norte do país? NORDESTE: DO AUGE AÇUCAREIRO À ESTAGNAÇÃO O Nordeste atravessou um processo secular de estagnação, tornando-se uma área de emigração. No entanto, foi nessa região que se desenvolveu a primeira atividade econômica importante do País: a agroexportação canavieira, como você estudou nas Aulas 1 e 2. Além da cana-de-açúcar, foram importantes a pecuária (Aula 2) e a cultura do algodão, cotonicultura (Aula 3). Nenhuma dessas, todavia, trouxe as condições para a superação da crise. Na primeira aula, você conheceu as principais características da economia canavieira. Tratava-se de uma atividade iniciada no Brasil pelos colonos portugueses para proporcionar lucros mercantis, transferidos em sua maior parte para a metrópole. Em função disso, era caracterizada pela ocupação extensiva da terra e pela utilização da mão-de-obra escrava. A monocultura açucareira contava com mercado consumidor europeu (se você quiser relembrar esse assunto, volte ao boxe explicativo da Aula 1 “O sentido da colonização”). O engenho de açúcar, unidade de produção típica, apresentava elevado grau de auto-subsistência, o que implicava baixa circulação interna de dinheiro, tornando a economia local pouco afetada pelas oscilações observadas na renda das exportações da cana-de-açúcar. No entanto, a partir de meados do século XVII, a renda das exportações caiu devido ao declínio dos preços internacionais do açúcar, como vimos na Aula 1, e a agroexportação mergulhou em uma crise que impediu o seu processo de desenvolvimento. Repare, na Tabela 7.3, como diminuiu o preço pago por tonelada de açúcar no período que vai do início do século XVII, quando a cana de açúcar começou a ser cultivada no Brasil, e o princípio do século XX. Aula7.indd 124 1/12/2006, 2:43:54 PM C E D E R J 125 A U LA 7 Segundo Celso Furtado (1971), as necessidades de abastecimento interno no âmbito da economia canavieira referiam-se apenas a fontes de energia: madeira para lenha e animais como meio de transporte. A ocupação extensiva da cana diminuía a disponibilidade desses recursos nos engenhos, levando os grandes proprietários a comprá-los dos pequenos produtores locais (releia o boxe “O conceito de produtividade e o uso extensivo de recursos”, na Aula 1). A pecuária e a cultura do algodão (cotonicultura) foram importantes instrumentos de ocupação do interior nordestino. Entretanto, ao se manterem como atividades de baixa produtividade, não contribuíram para a formação de um mercado interno que sustentasse o desenvolvimento industrial da região. Vamos ver estas atividades de maneira mais detalhada? Pecuária Em função das relações mercantis, inicialmente no Nordeste, desenvolveu-se uma atividade pecuária, que foi a projeção da economia canavieira. A pecuária foi, portanto, mais importante como atividade de ocupação do território do que por sua contribuição à economia colonial. Por meio dela, foi possível ocupar o interior do país. Esta atividade serviu também como “amortecedor” das crises da cana-de-açúcar, ao abrigar trabalhadores que se tornaram desnecessários para a economia canavieira, durante a crise. Outra vantagem da pecuária em relação às demais atividades voltadas para o mercado externo era não demandar investimento inicial elevado. Tampouco eram necessários gastos operacionais, tratando-se, assim, de uma atividade muito resistente às crises. Como a atividade canavieira, a pecuária teve um papel fundamental para a formação do que Furtado chamou “reservatório de mão-de-obra”. Período Preço por tonelada (libras) Início do século XVII 120 Início do século XVIII 72 Início do século XIX 30 Metade do século XIX 16 Início do século XX 9 Fonte: REGO; MARQUES (2003) Tabela 7.3: Preços do açúcar por tonelada (em libras) Aula7.indd 125 1/12/2006, 2:43:54 PM 126 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Origens dos desequilíbrios regionais no Brasil Isso explica por que, mesmo com a economia nordestina estagnada, a região participava com 40% da população brasileira ainda em 1900, tendo se tornado a maior região de emigração ao longo do século XX. Algodão: uma alternativa para a cana-de-açúcar Outra importante cultura nordestina foi a do algodão (cotonicultura), considerada como uma alternativa à crise da economia canavieira no século XVIII, dada a identifi cação da Revolução Industrial com a indústria têxtil. Importante matéria-prima industrial, o algodão nordestino somente conheceu desenvolvimento nos momentos em que os produtores tradicionais experimentaram crises, como na Guerra Civil norte- americana. Terminado o confl ito, as exportações de algodão caíram. No entanto, essa cultura proporcionou o aparecimento de atividades industriais têxteis no início do século XX, sendo abortada na crise de 1929. Passada a crise, a cotonicultura paulista, tecnologicamente mais moderna, limitou o crescimento dessa atividade e, conseqüentemente, seu dinamismo como fonte de renda da economia nordestina. Os efeitos de todos esses acontecimentos ainda se fazem sentir na região. Vamos ver, na Atividade 2, como evoluiu a situação no Nordeste na última década do século XX? Será que houve alguma melhora no período? Aula7.indd 126 1/12/2006, 2:43:54 PM C E D E R J 127 A U LA 7 Tabela O Nordeste nosso de hoje em dia Observe, no quadro a seguir, a evolução do ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO (IDH) do Brasil e suas macrorregiões em 1991 e 2000. Com base nesta tabela, analise a situação atual da Região Nordeste, considerando o IDH. Compare-a com a das demais regiões, tomando por referência a difi culdade da região em superar a crise da economia canavieira. ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________ Resposta comentada O IDH da Região Nordeste melhorou ao longo da década de 1990, mas ainda continua sendo o mais baixo entre todas as regiões, refl etindo a incapacidade da região para superar a crise na economia canavieira e encontrar alternativas economicamente mais dinâmicas para a sua economia, o que iria refl etir-se em melhores índices de desenvolvimento humano. O elevadíssimo percentual de residentes com renda inferior a meio salário mínimo é um indicador da fraca circulação de renda na região, difi cultando o surgimento de novas atividades econômicas. Atividade 2 IDH 1991 IDH 2000 IDH Educação 1991 IDH Educação 2000 Pessoas com renda per capita inferior a ½ salário mínimo em 1991 (%) Pessoas com renda per capita inferior a ½ salário mínimo em 2000 ( %) Norte 0,656 0,725 0,705 0,827 48,792 45,359 Nordeste 0,580 0,676 0,600 0,754 67,092 57,153 Centro- Oeste 0,725 0,793 0,786 0,881 31,398 24,792 Sudeste 0,730 0,791 0,797 0,877 30,837 33,851 Sul 0,737 0,808 0,804 0,896 30,243 19,875 Fonte: www.ipeadata.gov.br – IPEA/PNUD/Fundação João Pinheiro – Desenvolvimento Humano e Condições de Vida: Indicadores Brasileiros. IDH Criado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é composto da conjugação de três indicadores: a renda per capita; o número de anos de escolaridade e a taxa de expectativa de vida. Trata-se de um índice criado para comparar o desenvolvimento entre países, introduzindo indicadores de condições de vida ao tradicional cálculo do PIB e da renda per capita. No Brasil, este indicador foi calculado nos anos em que houve Censo Demográfi co a partir de 1970. Estes dados estão disponíveis no site www.ipeadata.gov.br. Aula7.indd 127 1/12/2006, 2:43:55 PM 128 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Origens dos desequilíbrios regionais no Brasil A REGIÃO DAS MINAS: A ILUSÃO DO OURO Outra região brasileira em que se sentiram intensamente os efeitos da atividade econômica realizada pela colônia foi a região das minas, localizada principalmente no Estado de Minas Gerais, no Sudeste. No século XVIII, a descoberta de ouro na região gerou um grande movimento migratório para o interior, inclusive de portugueses. Por tratar-se de uma atividade que não dependia da propriedade de terras, o garimpo atraiu todo tipo de trabalhadores, até mesmo os ex-escravos que conseguiram comprar sua liberdade. Diferente da fazenda de açúcar, onde havia produção de subsistência, a atividade garimpeira era totalmente voltada para a produção mercantil (releia o boxe “Economia de subsistência versus Economia mercantil”, da Aula 1). Devido à inexistência de agricultura nas áreas de garimpo, o abastecimento da população garimpeira gerou um comércio de longa distância, incluindo desde os produtores primários do Sul do país até os criadores do Nordeste. Outra característica que distinguia a mineração da cultura canavieira era a concentração da população em cidades, necessitando de abastecimento alimentar, o que impulsionou a economia do interior da Colônia. O isolamento geográfi co, conjugado ao curto período do chamado “ciclo do ouro”, fez com que as atividades manufatureiras voltadas para o mercado interno não se mostrassem sustentáveis. Segundo Castro (1971) “a crise da economia do ouro, ao contrário dos demais casos na história brasileira, teve origem na incapacidade de sustentação da oferta” (p. 28). O SUL: LATIFÚNDIO E INDÚSTRIA REGIONAL A ocupação do que é atualmente o Rio Grande do Sul foi movida pela colonização de povoamento, a partir dos século XVIII, com o imigrante europeu estabelecendo-se como pequeno proprietário, não estando aí presente o trabalhador escravo. Aula7.indd 128 1/12/2006, 2:43:55 PM C E D E R J 129 A U LA 7 Naquela região, a principal atividade econômica era a pecuária – que exerceu papel fundamental no abastecimento da região mineira (na época do ouro) – além da produção agrícola, voltadas para o mercado interno. No Rio Grande do Sul, o território foi dividido segundo a utilização em distintas atividades. Ao sul, predominava a pecuária, baseada no latifúndio e empregando pequeno número de trabalhadores. Ao norte, predominava a agricultura, com base no trabalho extensivo que a imigração européia propiciou. O povoamento da Região Sul é o pano de fundo no fi lme brasileiro O quatrilho, indicado ao Oscar de melhor fi lme estrangeiro, no ano de 1996. Nesse fi lme, os quatro personagens principais formam dois casais, todos imigrantes italianos ou portugueses, tendo um deles conseguido ultrapassar a condição de pequeno proprietário agrícola, tornar-se comerciante e depois transformar-se em banqueiro. No site do Memorial do Imigrante, você encontra depoimentos dos trabalhadores de 31 países que vieram trabalhar no Brasil. Acesse http://www.memorialdoimigrante.sp.gov.br/Oral/ Ao sul, pela baixa geração de emprego, uma das características da pecuária, o mercado consumidor não se desenvolveu. Ao norte, no entanto, devido à agricultura, produziu-se um amplo mercado consumidor, ainda que de baixa renda. Nestas condições, surgiram cidades que geravam mercado para a agricultura mercantil, cuja renda estimulava as atividades manufatureiras urbanas. Produziu-se, assim, um círculo virtuoso que sustentou o dinamismo da economia local, articulando agricultura, pecuária e indústria. O alcance desse mercado industrial era, entretanto, pequeno: cobria apenas a região do extremo-sul. No século XX, quando a indústria regional defrontou-se com a competição da indústria paulista, perdeu fôlego e a economia estadual diminuiu sua participação no produto industrial do país. Diferentemente das economias cafeeira e mineira, a economia do extremo sul encontrou, no mercado interno, sua estratégia de desenvolvimento. Inseriu-se na economia brasileira pela oferta de alimentos, tornando-se o primeiro celeiro do país (grande produtor de alimentos). Aula7.indd 129 1/12/2006, 2:43:55 PM 130 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Origens dos desequilíbrios regionais no Brasil AMAZÔNIA: O “CICLO” DA BORRACHA É sempre bom lembrar que falar de ciclos na economia colonial não signifi ca que, ao fi nal do período de predomínio daquele produto, há um retrocesso às condições econômicas anteriores. A experiência dessas atividades quase sempre tem impacto favorável na economia local. Houve, entretanto, um caso de regressão à situação vigente antes do início do ciclo: a do Amazonas, após o ciclo da borracha. De 1870 a 1920, as exportações de látex da Amazônia atingiram tamanha proporção que a região conheceu a prosperidade de que é testemunha o Teatro Amazonas, de Manaus. Em alguns momentos, o valor das exportações de látex atingiu aproximadamente 75% do valor das exportações de café, como você pode observar na Tabela 7.4. Figura 7.1: O desenvolvimento do Rio Grande do Sul refl ete as distintas formas de ocupação da terra: na parte sul, dominada pelo latifúndio, explora-se a pecuária, ao passo que, ao norte do estado, predomina a pequena proprie- dade, onde desenvolveram-se as indústrias e as principais cidades gaúchas, fora da região metropolitana de Porto Alegre, como é o caso de Caxias do Sul. Aula7.indd 130 1/12/2006, 2:43:57 PM C E D E R J 131 A U LA7 Figura 7.2: A riqueza gerada pela economia da borracha permitiu a construção do monumental Teatro Amazonas, um símbolo daquele período ainda preservado pelo Patrimônio Histórico. Figura 7.3: Apesar da riqueza que gerou, o ciclo da borracha não proporcionou o surgimento de outras atividades que poderiam superar a crise na produção. A economia regional regrediu e, até os nossos dias, as condições de vida de parte signifi cativa da população são conseqüências deste retrocesso. Aula7.indd 131 1/12/2006, 2:43:57 PM 132 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Origens dos desequilíbrios regionais no Brasil Tamanho dinamismo está relacionado à expansão da indústria que demandava borracha, atividade explorada em regime extrativista, somente encontrada na Amazônia. Mesmo desfrutando de condições de monopolista, a economia da borracha não propiciou o desenvolvimento regional em bases sustentáveis, como ocorreu na região do café naquele mesmo período. A atividade extrativista atraiu grande contingente migratório, em grande parte proveniente do Nordeste, onde a estagnação econômica associada às periódicas secas expulsava trabalhadores, que se submetiam a relações de trabalho caracterizadas por grande vulnerabilidade. A economia da borracha era uma atividade nômade, que pouco fi xava o trabalhador à terra. Pelo seu caráter extrativista, o trabalhador era contratado sob o esquema do aviamento, recebendo em espécie, com pequena parcela em dinheiro, e levado a adentrar o território em busca de novas seringueiras, árvores de onde o látex era extraído. Tratava-se, assim, de uma economia em que havia muito pouca circulação de dinheiro, não favorecendo o surgimento de cidades – com exceção das aquelas portuárias, para onde a borracha era transportada, com fi ns de exportação. O desenvolvimento de uma agricultura mercantil não era estimulado. Outro fator que limitou o impacto do ciclo econômico da borracha foi o fato de que sua infra-estrutura de transportes era constituída por rios e canais fl uviais, abundantes na Região Norte. Não houve, portanto, investimento em malha ferroviária, ao contrário do ocorrido na região cafeeira. A conjugação desses fatores – atividade extrativista, relações de trabalho baseadas no aviamento e inexistência de investimento no sistema de transporte – não permitiu que a crise do ciclo da borracha pudesse ser superada com o desenvolvimento de outra atividade de maior dinamismo, como aconteceu com a indústria, na região do café. Ano Borracha (AM) Café (SP) AM/SP (%) 1871-1880 107,9 221,8 48,6 1881-1890 185,5 490,7 37,8 1891-1900 1.163.3 2.860,0 40,7 1901-1910 2.268,8 2.899,2 78,3 1911-1920 1.406,8 4.942,0 28,5 Fonte: REGO ; MARQUES (2003) Tabela 7.4: Exportações de café e borracha (em 1000 contos) Aula7.indd 132 1/12/2006, 2:43:59 PM C E D E R J 133 A U LA 7 Com a entrada de outros países produtores de borracha, nas primeiras décadas do século XX, veio a crise, sem que o dinamismo tivesse se instalado em bases sustentáveis. A economia amazônica voltou a se isolar: sua participação na produção industrial, que em 1907 atingira 4,3% do total nacional, seria de apenas 1,3%, em 1919. Veja mais curiosidades sobre esta época em http://veja.abril.com.br/idade/ exclusivo/amazonia/curiosidades.html Tamanho não é documento Segundo o IBGE, a participação percentual do estado do Amazonas no PIB do país era equivalente a 1,7%, em 2000. Quando se considera que o estado ocupa uma grande parte do território nacional, sua participação no PIB brasileiro parece insignifi cante. Já Minas Gerais, com um território muito menor, tem uma participação de 7,7% no PIB do Brasil. Como você explicaria estes resultados? Para responder a esta pergunta, lembre-se de como foi a ocupação destas áreas e em que época. O tipo de atividade desenvolvida em cada região também é um fator muito importante. Resposta comentada A economia amazônica teve seu auge durante o ciclo da borracha, entre fi ns do século XIX e início do século XX. Neste período, por ser o principal produtor, o Amazonas foi benefi ciado com elevados preços internacionais. A situação se modifi cou com a entrada de produtores concorrentes, o que fez declinar o preço da borracha e levou à crise da economia estadual. As características dessa atividade extrativista não concorreram para a fi xação da população nem para que surgissem cidades – e o mercado consumidor que poderia viabilizar o surgimento de atividades manufatureiras. No Estado de Minas Gerais, o ciclo do ouro levou à intensifi cação da ocupação do território, à criação de cidades e ao estímulo à atividade manufatureira. Esta, contudo, foi bloqueada pela Coroa Portuguesa. Após a independência de Portugal, a região pôde experimentar maior desenvolvimento. Atividade 3 Aula7.indd 133 1/12/2006, 2:44:00 PM 134 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Origens dos desequilíbrios regionais no Brasil SÃO PAULO: DO CAFÉ À INDUSTRIALIZAÇÃO No 450º aniversário da cidade de São Paulo, em 2005, os paulistanos receberam uma homenagem: a minissérie da TV Globo chamada Um só coração. Nela, estavam presentes todos os referenciais econômicos e culturais que marcaram a ocupação da região desde a instalação da Capitania de São Vicente (São Paulo). O destaque, entretanto, foi dado para o período compreendido entre 1920 e 1954, quando a capital estadual, a cidade de São Paulo, comemorava seu quarto centenário. Trata-se de um período de intensas mudanças da cidade e do estado, em função do processo de industrialização que transformava a elite econômica local em empresários industriais. Muitos dos personagens da minissérie são reais ou foram baseados em personalidades representativas da sociedade paulista: o fazendeiro descendente das famílias dos bandeirantes; o fazendeiro de café que enfrenta a crise tentando reconverter o uso de sua terra para outros cultivos; e, sobretudo, a emergente burguesia industrial, constituída de imigrantes europeus. Esses personagens referiam-se a São Paulo como “a locomotiva do Brasil”, em uma referência à condição da economia paulista como a que alavancava a economia brasileira. A cultura do café transformou a economia paulista, proporcio- nando-lhe as bases para que sua crise fosse superada pela transferência de recursos para a atividade industrial. Esse fenômeno, ocorrido por volta da metade do século XIX em São Paulo, não se manifestou em outras regiões onde se desenvolveram ciclos de monocultura. A transformação da cidade de São Paulo de um burgo, de apenas 15 mil habitantes em 1790, para a metrópole que em 2000 contava com aproximadamente 11 milhões de habitantes pode ser mais bem entendida ao estudarmos os determinantes históricos de nossa atual estrutura geoeconômica. Figura 7.4: São Paulo: um pequeno burgo, em fi ns do século XIX, transforma-se, aproximadamente cem anos depois, na maior cidade da América Latina. Aula7.indd 134 1/12/2006, 2:44:00 PM C E D E R J 135 A U LA 7 São Paulo foi a única região em que uma atividade agroexportadora teve sua crise superada pelo surgimento de uma atividade mais dinâmica: a indústria. Esta, por sua vez, transformou São Paulo na “locomotiva” do PIB brasileiro, atingindo um percentual equivalente a 39,4%, em 1970. Tamanha polarização econômica transformou a capital estadual – que, no século XIX, não passava de uma pequena cidade, se comparada com as maiores cidades brasileiras da época – na maior metrópole sul-americana. Observe, na Tabela 7.5, os números que confi rmam essa tendência. O Rio de Janeiro, então capital do país, tinha aproximadamente 43 mil habitantes em 1790, ao passo que São Paulocontava com apenas 15 mil. Salvador e Recife, na mesma época, tinham por volta de 40 mil e 25 mil habitantes, respectivamente. A população de São Paulo aumentou quase 40 vezes deste período até 1920, ao passo que a de Salvador cresceu apenas sete vezes, a de Recife, quase 10, e a do Rio de Janeiro, 27 vezes. Ano Salvador Recife Rio de Janeiro São Paulo 1790 40.000 25.000 43.000 15.000 1872 129.000 117.000 275.000 32.000 1890 174.000 112.000 523.000 65.000 1900 206.000 113.000 811.000 240.000 1920 280.000 240.000 1.158.000 579.000 Fonte: REGO; MARQUES (2003) Tabela 7. 5: População de cidades brasileiras selecionadas no período 1790-1930 Conforme você estudou nas aulas anteriores, a economia cafeeira passou a sustentar a economia brasileira, a partir de 1840, introduzindo grande dinamismo quando o país atingia sua independência política. Inicialmente instalada no Rio de Janeiro, a cultura cafeeira foi explorada de maneira extensiva: em grandes extensões, em monocultura e utilizando mão-de-obra escrava. Este tipo de uso do solo esgotou rapidamente os terrenos, o que levou os fazendeiros a buscar terrenos mais férteis como os do oeste paulista (TERRA ROXA). TERRA ROXA Localizada nos terrenos entre o Planalto Meridional e o Planalto Atlântico (sul de São Paulo e norte do Paraná), a terra roxa foi um dos diferenciais da região na cultura do café. Altamente fértil e resultante da decomposição de rochas basálticas, o solo de terra roxa contém areia, argila, calcário e húmus em quantidades equilibradas. Não é muito seco, nem úmido demais, permitindo boa circulação do ar. Aula7.indd 135 1/12/2006, 2:44:01 PM 136 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Origens dos desequilíbrios regionais no Brasil Iniciada a partir da década de 1870, a expansão da cafeicultura no Oeste Paulista provocou o deslocamento do eixo econômico do Rio de Janeiro e do Vale do Paraíba para esta região. Por este motivo, o Oeste paulista passou a desempenhar um papel central na economia brasileira. Entre as condições favoráveis, estavam as condições geoclimáticas adequadas (terra roxa, relevo predominantemente plano, temperatura e distribuição de chuvas adequadas para o cultivo do café), utilização de técnicas mais modernas, além de utilização de mão-de-obra assalariada, incluindo os imigrantes europeus. A produção era escoada pelo porto de Santos e, com isto, surge a necessidade de um transporte mais moderno entre ele e as áreas produtoras: o trem. !! Quer saber mais sobre a importância das ferrovias na expansão da cultura cafeeira? Consulte o site http://www.spsitecity.com.br/formacao/ cafe.htm !! História da cafeicultura no Brasil Quer saber mais sobre a história da cultura de café no Brasil? Consulte o site da Associação Brasileira da Indústria de Café – Abic (http://www.abic.com.br/ scafe_historia.html#cafe_brasil), principalmente o item O Trajeto do Cultivo do Café no Brasil. Floresta da Tijuca, um antigo cafezal Uma das maiores fl orestas urbanas do mundo, a Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, já foi uma área de plantio de café e cana-de- açúcar. O desgaste causado pelo uso irracional do solo com estas atividades fez com que, em 1861, o imperador D. Pedro II ordenasse o refl orestamento da região, em iniciativa pioneira na América Latina. Atualmente, a fl oresta é uma das atrações turísticas da cidade. !! Aula7.indd 136 1/12/2006, 2:44:02 PM C E D E R J 137 A U LA 7 A partir de 1880, São Paulo tornou-se o maior produtor do país. Esse desempenho está associado a quatro fatores principais: técnicas de produção que sustentavam a fertilidade do solo por mais tempo do que no cultivo da província fl uminense; disponibilidade de terras, implantação da malha ferroviária e mão-de-obra livre. Segundo Gala (2003): desde o plantio e colheita, até o benefi ciamento – com a utilização de despolpadores, ventiladores, separadores, classifi cadores, dentre outras máquinas – a cafeicultura paulista apresentava um produto mais barato e de qualidade igual ou superior ao fl uminense (p. 240). Por ser uma cultura que se instalara inicialmente em terras fl uminenses, a economia cafeeira na nova área de expansão da produção pôde ultrapassar o conhecimento técnico acumulado e desfrutar de maior produtividade e, portanto, de maior lucratividade. A disponibilidade de terras planas e de maior fertilidade era outro fator que distinguia a cafeicultura do oeste paulista da fl uminense. Ademais, os cafezais paulistas eram mais novos, mais produtivos. A oferta de terras ampliou-se com a expansão da malha ferroviária, permitindo o aproveitamento de território mais distante do litoral. Além de proporcionar essa maior disponibilidade de recursos naturais e deslocamento a custos decrescentes, a expansão ferroviária transformou-se em infra-estrutura de apoio à atividade industrial que ia se instalando, sucedendo a cultura do café. Finalmente, o fator mais importante a favor da cultura cafeeira paulista, em relação à fl uminense, estava nas relações de trabalho, livre no oeste paulista e escravo no Estado do Rio de Janeiro. A proibição do tráfi co negreiro, em 1850, elevou os preços dos escravos, o que estimulou a emigração de trabalhadores europeus, interessados em se tornar pequenos proprietários. A necessidade de poupar fez do emigrante um trabalhador muito mais produtivo do que o escravo. Além disso, o trabalhador livre era consumidor, e o escravo não era, o que impactava signifi cativamente a formação do mercado consumidor, necessário para estimular o surgimento de indústrias. Aula7.indd 137 1/12/2006, 2:44:03 PM 138 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Origens dos desequilíbrios regionais no Brasil A CULTURA DO CAFÉ E O SURGIMENTO DE CIDADES Por ser uma atividade muito dependente de mão-de-obra (agora constituída de trabalhadores livres), houve estímulo ao surgimento de muitas cidades: ao deslocar-se o plantio de novos cafezais, a terra era reconvertida para outros usos agrícolas, intensifi cando uma agricultura mercantil iniciada pelos trabalhadores em regime de colonato. Ao receber permissão para cultivar alimentos paralelamente ao café, os trabalhadores produziram uma agricultura mercantil que permitiu o abastecimento das cidades, contribuindo para sua consolidação, e conseqüente não-reversão, como no caso da Amazônia. As relações entre expansão cafeeira e origens da indústria estão descritas nas Aulas de 4 a 6. Se você compreendeu bem os conceitos desenvolvidos nelas, não terá difi culdade em acompanhar o restante desta aula e ainda poderá reforçar o seu conhecimento. !! Quando a economia cafeeira passou a enfrentar crises de superprodução, a partir de 1894, a reação foi o estabelecimento de política de sustentação da renda dos cafeicultores, inicialmente através das desvalorizações cambiais, que permitiam a manutenção da receita das exportações, sustentando-lhe a lucratividade ao mesmo tempo que encarecia as importações. Isso criava estímulo à industrialização substitutiva de importações. A partir de 1906, a política de sustentação da renda da cafeicultura passou a ter como base a compra dos excedentes de produção, o que continuava a assegurar a renda do negócio e, portanto, o nível de emprego nessa atividade. A manutenção do nível de emprego e o encarecimento das importações levaram à migração dos lucros da atividade cafeeira para fi nanciar os empreendimentos industriais. Portanto, a expansão cafeeira para o oeste paulista criou as bases para a emergência da indústria. Segundo Gala (2003), havia forte complementaridadeentre o capital cafeeiro e o industrial. Aula7.indd 138 1/12/2006, 2:44:03 PM C E D E R J 139 A U LA 7 Isso signifi ca que a atividade cafeeira, apesar de liderar o processo de acumulação, contribuiu fortemente também para a ampliação industrial. Nos momentos de bonança, as indústrias se benefi ciavam da renda gerada pelas exportações de café – aumento de demanda por alimentos, por máquinas de benefi ciamento, sacarias, transporte etc. –; nos momentos de crise, a atividade industrial surgia como um refúgio para a aplicação do capital, principalmente nos setores urbanos (p. 243). A superação da crise cafeeira pela indústria – uma atividade mais dinâmica, geradora de maior produtividade – transformou não só a economia paulista, mas a do país. As indústrias das demais economias regionais tornaram-se zonas de complementação da indústria paulista, especializando-se em fornecer insumos a serem processados por ela (como no caso da zona metalúrgica de Minas Gerais). Foram poucos os casos em que uma economia voltada para o mercado regional conseguiu ampliar seu alcance para o mercado nacional. A indústria têxtil e a de cerâmica, ambas catarinenses, são exemplos disso. A indústria paulista chegou a ter uma participação de 58,1% no PIB industrial brasileiro, ao passo que outras antigas economias estaduais perderam participação na indústria brasileira. Entre essas, o destaque é o declínio da economia fl uminense, cuja indústria foi ultrapassada pela paulista desde a década de 1920. Industrialização: quem ganha e quem perde? Observe este quadro com a distribuição, em termos percentuais, do Produto Industrial Brasileiro em alguns estados. Em sua opinião, que estados foram os principais benefi ciários e quais os que mais perderam com o processo de industrialização no país. Por que isto aconteceu? Na sua resposta, lembre-se de considerar a história econômica de cada estado. Atividade 4 Estados 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1985 PE 5,0 5,3 4,5 2,6 2,1 2,1 2,0 BA - 1,3 1,3 1,7 2,5 4,0 5,2 MG 7,5 7,9 6,5 5,7 6,4 8,9 8,7 RJ 28,0 25,0 20,3 17,5 15,6 11,8 11,8 SP 35,0 39,4 48,9 55,5 58,1 47,0 44,0 PR - 2,4 2,8 3,2 3,0 4,9 5,2 SC - 2,2 2,4 2,2 2,6 4,0 3,6 RS 8,0 9,6 7,9 6,9 6,3 7,3 6,9 Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas, Departamento de Contas Nacionais (2001) Aula7.indd 139 1/12/2006, 2:44:03 PM 140 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Origens dos desequilíbrios regionais no Brasil _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ Resposta comentada O principal benefi ciário foi, sem dúvida, o estado de São Paulo, que em 1970 atingiu quase 60% do PIB industrial brasileiro. O maior perdedor foi o estado do Rio de Janeiro. Um dos principais motivos desse resultado relaciona-se à economia cafeeira: enquanto no Rio a cafeicultura foi realizada com utilização de trabalho escravo, em São Paulo teve sua produtividade melhorada com a utilização de mão-de-obra livre (imigrantes europeus) e aumentando o investimento em infra-estrutura de apoio, como a malha ferroviária. O aumento da rentabilidade do negócio permitiu o fi nanciamento das atividades manufatureiras que, ao se estabelecerem em São Paulo, atraíram mais investimentos industriais, ampliando o mercado e consolidando esse estado como locus preferencial da indústria no País. CONCLUSÃO Nesta aula, você estudou as raízes históricas dos desequilíbrios regionais no País. A análise da experiência de ocupação econômica do território, no contexto histórico em que ela ocorreu, demonstrou uma forte polarização espacial a partir do processo de industrialização brasileiro, muito identifi cado com a industrialização paulista. Em seguida, você irá estudar uma nova etapa da formação econômica do Brasil, quando a indústria se transformou no seu eixo econômico, deslocando daí as atividades agroexportadoras. Aula7.indd 140 1/12/2006, 2:44:04 PM C E D E R J 141 A U LA 7 As regiões Sudeste e Nordeste são aquelas de ocupação mais antiga no Brasil e constituem as regiões de maior percentual na população do País. No caso do PIB, entretanto, estas regiões têm indicadores extremamente diferentes. A participação do Sudeste é maior no PIB (57,12%) do que na população brasileira (42,6%). Já a do Nordeste é de 13,12% e corresponde à metade da participação na população (28,1%). Qual a origem deste desequilíbrio? _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta comentada Durante o período colonial, o Nordeste foi a principal região econômica do País, pois lá desenvolveu-se a economia canavieira. Pela condição de economia colonial dependente dos interesses metropolitanos (Coroa Portuguesa), introduziu o trabalho escravo para baixar custos de produção e permitir lucros mercantis com a exportação. Após o declínio dos preços internacionais da cana-de-açúcar no século XVII, a região enfrentou uma crise que não foi superada pelo dinamismo interno pois a frágil ligação entre o setor externo (a agroexportação canavieira) e o setor de economia interna (abastecimento de animais e madeira) não permitiu a formação de um mercado interno que estimulasse o surgimento de novas atividades voltadas para a economia interna. Na economia cafeeira foi diferente, especialmente após o fim do tráfico escravo e o abastecimento de trabalhadores por meio da imigração européia. Foi constituído um mercado de trabalho que favoreceu o surgimento do mercado consumidor, em numa época em que o Brasil já deixara de ser colônia portuguesa (livre, portanto, do Pacto Colonial) e a industrialização já se tornara na principal estratégia de desenvolvimento econômico. Atividade Final Aula7.indd 141 1/12/2006, 2:44:04 PM 142 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Origens dos desequilíbrios regionais no Brasil INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, você estudará um evento político que marca a ruptura entre o modelo de desenvolvimento agroexportador, analisado nas Aulas de 1 a 6, e o modelo de industrialização substitutiva de importações, tratado nas Aulas de 9 a 14: a Revolução de 1930. A economia brasileira é espacialmente muito desequilibrada. São Paulo é o estado onde atualmente se concentra a maior parcela do PIB nacional.Outros estados e regiões experimentaram dinamismo em alguma etapa do desenvolvimento de atividades agroexportadoras, mas não conseguiram superar as crises que surgiram. A economia cafeeira, com base na mão- de-obra livre, foi a única que conseguiu transformar-se, fazendo surgir atividade mais dinâmica: a indústria. R E S U M O Aula7.indd 142 1/12/2006, 2:44:04 PM
Compartilhar