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CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICA DE SANTA CATARINA CURSO DE DIREITO DIREITO TRIBUTÁRIO I THUANY KLOSOSKI PICCOLO BERTIN CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 32/2001 E POSSÍVEIS RESSALVAS DERIVADAS DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA JOINVILLE 2015 2 THUANY KLOSOSKI PICCOLO BERTIN CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 32/2001 E POSSÍVEIS RESSALVAS DERIVADAS DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA Trabalho acadêmico apresentado à disciplina de Direito Tributário I, do curso de Direito do Centro Universitário Católica de Santa Catarina. Professor: Leandro Höfstatter JOINVILLE 2015 3 1 INTRODUÇÃO É praticamente impossível debater as decisões tomadas pela Assembleia Nacional Constituinte de 1987 sem considerar os aspectos históricos e sociais que foram decisivos para a implementação de uma série de ideias presentes texto constitucional. Ideais estes que foram expressos na forma de princípios fundamentais, além de diretos e garantias fundamentais com o intuito de coibir novas práticas discricionárias e abusivas pelos detentores do poder. A Constituição passou para o povo o ‘poder’ por meio do Estado Democrático de Direito, assegurando um conjunto de prerrogativas exercido pelos seus representantes, sendo que estes podem atuar somente dentro dos limites previstos pela lei magna. No entanto, quando determinados assuntos parecem conflitar com o disposto pelos princípios e também pelas cláusulas pétreas, os operadores do Direito se veem no dever de levar a debate esses impasses com objetivo de garantir que as disposições constitucionais não sejam lesadas. Antes de adentrar ao tema principal do presente trabalho, é importante fazer um breve exposto acerca de assuntos pertinentes ao problemas apresentado, já que examiná-los é essencial para o entendimento do ponto principal. 4 2 DESENVOLVIMENTO A opção da constituinte pelo Estado Democrático de Direito decorreu de uma série de consequências históricas advindas de décadas de conturbações sociais e políticas não apenas no Brasil, mas em grande parte dos países ocidentais que passaram pela experiência do Estado de Bem-Estar Social. Assim, esse novo modelo de Estado garante que o regime jurídico será regido por normas democráticas, com eleições livres e periódicas, além do respeito e do cumprimento pelas autoridades públicas dos direitos e garantias fundamentais1. Dentre todos os princípios fundamentais existentes, caberá à nossa discussão apenas o princípio da separação dos Poderes, que consiste em um dos conceitos basilares do constitucionalismo moderno, pautando-se na origem da liberdade individual e dos demais direitos fundamentais2. Isso porque tal princípio tem como função principal evitar o arbítrio e o desrespeito a tais direitos, os quais são inatos ao indivíduo, justificando, assim, a existência dos Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, repartindo as funções estatais, quais sejam, legislação, administração e jurisdição, e prevendo prerrogativas e imunidades para que possam exercê-las3. Para tanto, tais funções devem ser dividas e atribuídas a órgãos diversos, sendo indispensável a previsão de mecanismos de controle recíproco entre eles, no intuito de proteger os indivíduos contra o abuso potencial de um poder absoluto4. Essa ideia foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na obra ‘Política’, detalhada séculos mais tarde por John Locke, no ‘Segundo tratado do governo civil’ e, finalmente, consagrada na obra de Montesquieu ‘O espírito das leis’5. Diante disso, tornou-se princípio fundamental da organização política liberal e transformou- se em dogma pelo art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 17896. Depreende-se, portanto, que a ideia de Estado Democrático de Direito e separação dos Poderes é indissolúvel, visto que um é meio garantidor e o outro balizador, possibilitando a fiscalização e a perpetuidade dos direitos fundamentais, 1 MORAES, 2012, p. 20. 2 BARROSO, 2011, p. 196. 3 MORAES, 2012, p. 425. 4 BARROSO, 2011, p. 196. 5 MORAES, 2012, p. 425. 6 MORAES, 2012, p. 425. 5 sendo que a derrocada de um acarretará a supressão dos demais, contribuindo com o retorno do arbítrio e da ditadura7. No entanto, com o intuito de conferir mais segurança jurídica a Constituição, a constituinte estabeleceu cláusulas pétreas, que consistem em limites materiais a certos conteúdos, já que foi estabelecida uma superrigidez que impede sua supressão, conforme se lê no art. 60, § 4º da Constituição Federal8: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. (grifo nosso) Nesse sentido, esclarece Luís Roberto Barroso9: É evidente que a cláusula pétrea de que trata o art. 60, § 4º, III, não imobiliza os quase cem artigos da Constituição que, direta ou indiretamente, delineiam determinada forma de relacionamento entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Muito diversamente, apenas haverá violação à cláusula pétrea da separação de Poderes se o seu conteúdo nuclear de sentido tiver sido afetado. Isto é: em primeiro lugar, se a modificação provocar uma concentração de funções em um poder ou consagrar, na expressão do STF, uma “instância hegemônica de poder”; e, secundariamente, se a inovação introduzida no sistema esvaziar a independência orgânica dos Poderes ou suas competências típicas. (grifo nosso) Além disso, este grande doutrinador e atualmente ministro do Superior Tribunal Federal entende que destarte tal preceito seja vinculante, no sentido de respeitar o conteúdo nuclear da separação dos Poderes, “não estarão eternamente vinculadas às opções específicas e pontuais formuladas pelo constituinte originário na matéria"10. Cabe ressaltar, então, a atuação do poder constituinte derivado acerca da Emenda Constitucional (EC) nº 32/01, que restringiu a competência do Chefe do Poder Executivo para editar medidas provisórias, afetando a função atribuída 7 MORAES, 2012, p. 430. 8 BARROSO, 2011, p. 189. 9 BARROSO, 2011, p. 197. 10 BARROSO, 2011, p. 198. 6 tipicamente ao Poder Legislativo, caracterizando um espaço de interseção entre os Poderes11. Analisando-se brevemente a história constitucional brasileira, observa-se que o antecedente imediato das atuais medidas provisórias corresponde ao antigo decreto-lei, que era utilizado pelo Presidente da República como instrumento legislativo de forma ampla e abusiva, pois detinha competência para sua edição12. Apesar dos abusos cometidos principalmente durante a ditadura, revelou-se necessária a previsão de um ato normativo excepcional e célere destinado para situações de relevância e urgência13. Diante disso, a constituinte instituiu as medidas provisórias com o intuito de regularizar essas situações e tornar possível e eficaz a prestação legislativa do Estado14. No entanto, no breve período após a promulgação da Constituição, constatou- se visível desvirtuação do instituto da medida provisória, pois admitia-se, com o consentimento do STF e também do Congresso Nacional, a reedição de medidas provisórias15. Assim, visando diminuir a excessiva discricionariedade na edição de medidas provisórias, a EC nº 32/01, promulgada em 11 de setembro de 2001, estabeleceu as regras de processo legislativo, impondo uma série de limitações materiais, bem como a impossibilidade de reedições sucessivas16. Assim, foi alterado o artigo 62 da Constituição Federal, prevendo que em casos específicos, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. Uma vez editada, a medida provisória permanecerá em vigor pelo prazo de 60 (sessenta) dias e será submetida, imediatamente, ao Poder Legislativo, para apreciação, nos termos dos 12 incisos do art. 62, incluídos pela EC nº 32/01, que disciplinam o processo legislativo especial das medidas provisórias, conforme se lê17: Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: 11 BARROSO, 2011, p. 198. 12 MORAES, 2012, p. 700. 13 MORAES, 2012, p. 701. 14 MORAES, 2012, p. 701. 15 LENZA, 2012, p. 591. 16 MORAES, 2012, p. 701. 17 MORAES, 2012, p. 701-702. 7 I - relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; II - que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III - reservada a lei complementar. IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. § 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. § 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. § 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. § 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais. § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. § 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. § 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. § 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. § 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. (grifo nosso) O breve exposto, então, serve de base para o objeto de discussão do presente trabalho, que diz respeito a incidência da EC nº 32/01 na órbita tributária, já 8 que a norma constitucional demanda a anterioridade da lei nesta matéria18. Ora, considerando que medida provisória não é consiste em lei, mas espécie normativa investida de força de lei em caráter transitório, tal característica seria incompatível com as normas tributárias, que não podem conter disposições que levem a situações irreversíveis19. Assim, a EC nº 32/01, com consentimento do STF, passou a admitir a edição de medidas provisórias para instituir ou majorar impostos, desde que respeitado o princípio da anterioridade20. Ademais, apesar do STF ter se posicionado apenas com relação ao princípio da anterioridade tributária, desde que a primeira medida provisória que trate da instituição ou majoração de impostos tenha sido editada no exercício financeiro anterior, a redação dada pela EC nº 32/01 demanda que a medida provisória seja convertida em lei até o último dia do exercício financeiro anterior para que possa produzir efeitos, garantindo o princípio da segurança jurídica21. Nesse jaez, observa-se que no a matéria já se encontra pacificada no Superior Tribunal Federal, admitindo-se a plena e legítima possibilidade de disciplinar matéria de natureza tributária por meio de medidas provisórias, que por previsão constitucional têm força de lei22 , sem que tais atos firam o princípio fundamental da separação dos Poderes. 18 MORAES, 2012, p. 718. 19 MORAES, 2012, p. 718. 20 MORAES, 2012, p. 718. 21 MORAES, 2012, p. 720. 22 MORAES, 2012, p. 720. 9 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da Emenda Constitucional nº 32 de 2001, o ordenamento jurídico passou a admitir que o Presidente da República institua medidas provisórias em casos de relevância e urgência para criar ou majorar tributos, desrespeitando, a priori, o princípio da legalidade tributária. Isso porque o referido princípio é claro na medida em que estabelece que os impostos podem ser apenas criados e majorados por lei. No entanto, apesar das medidas provisórias serem consideradas espécies normativas, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é pacífico no sentido que esse dispositivo não desrespeita a Constituição Federal, já que a medida provisória que estabelece ou majora impostos deverá ser convertida em lei para que a cobrança possa ser efetivada. Nesse sentido, não haveria também violação ao princípio fundamental da separação dos Poderes, posto que por se tratar se situações atípicas de caráter emergencial, torna-se válida a união de esforços dos poderes para que a população seja amparada o mais breve possível. Para tanto, o legislador não deixou de cogitar a possibilidade de abuso de poder por parte do Executivo, nem consentiu que o Legislativo ficasse à deriva nessas decisões, por isso o § 2º do artigo 62 da Constituição Federal prevê o prazo como requisito para conversão da medida provisória em lei. Por fim, não há que se falar em incompatibilidade entre o princípio da legalidade tributária, as medidas provisórias e a separação dos poderes, já que, diante do breve exposto, foi possível depreender que estas são perfeitamente adequadas e cabíveis para o fim aqui debatido. 10 REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva. 2011, 505 p. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva. 2012, 1312 p. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas. 2012, 956 p.
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