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Uma introdução ao Direito do Trabalho

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1 
 
 UMA INTRODUÇÃO AO DIREITO DO TRABALHO 
 
Dartagnan Ferrer dos Santos1 
 
RESUMO: O direito laboral é um ramo jurídico consideravelmente novo que veio 
dotar de força normativa as conquistas que os trabalhadores obtiveram com suas 
lutas ao longo da história. Após a assimilação das ideias iluministas e pela 
necessária resolução de problemas que vieram com as revoluções francesa e 
industrial, o trabalho subordinado passou a ser regido por esse subsistema jurídico, 
cuja razão de ser é obter o quanto possível igualdade material entre patrão e 
empregado, equiparando-os. No Brasil, sua consagração definitiva se deu na 
primeira metade do século vinte, com a Consolidação das Leis do Trabalho e a 
criação da Justiça Especial do Trabalho. Agora, no panorama da pós-modernidade, 
se procura soluções para os novos desafios do direito laboral. 
 
ABSTRACT: The labour law is a pretty new legal branch that came to give normative 
force for the achievements that workers had with their struggles throughout history. 
After the assimilation of Enlightenment ideas and because of the necessary 
resolution of problems that came with the French and Industrial revolutions, the 
subordinate labour started to be ruled by that legal subsystem, whose purpose is 
obtain the possible material equality between employer and employee, equating 
them. In Brazil, its definitive consecration took place in the first half of the twentieth 
century, with the “Consolidação das Leis do Trabalho” – “Consolidation of Labor 
Laws” and the establishment of the Labour Court. Now, in the panorama of 
postmodernity, people look for solutions for the new challenges of labour law. 
 
1. O nascimento do direito do trabalho na era das revoluções 
 
1.1 O mundo sem proteção ao trabalhador e a mudança desse cenário 
 
 Embora o direito esteja presente nas sociedades humanas desde a aurora da 
história, o seu ramo laboral é uma criação mais ou menos recente. Existe algo de 
paradoxal nessa realidade, pois o trabalho é uma constante desde o surgimento da 
espécie humana, a qual resistiu e triunfou contra a natureza justamente em razão do 
 
1
 Advogado. Professor do curso de direito do Cesuca. Professor em cursos de pós-graduação. Mestre 
em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em direito e processo do 
trabalho pelo Centro de Estudos do Direito do Trabalho. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais 
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Contato: 
<dartagnansantos@cesuca.edu.br> 
2 
 
bom uso que fez dessa atividade.2 Além disso, a história de lutas e melhorias 
laborais é rica e instigante. Não obstante, o nascimento do ramo jurídico ocorreu na 
era moderna, principalmente com o advento de ideias iluministas e duas mudanças 
radicais que não contam mais do que duzentos e cinquenta anos: as revoluções 
francesa e industrial. 
De fato, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade que levaram à queda 
da Bastillha permitiram aos trabalhadores mais humildes o sonho de uma vida mais 
completa, para além do labor desumano que era regra entre as classes 
desfavorecidas. Por outro lado, o progresso técnico trazido pela Revolução Industrial 
trouxe - além de tantas boas perspectivas - um cotidiano de duras fábricas, 
principalmente na Inglaterra, tornando indispensável uma nova forma de ver a 
relação de trabalho que enfocasse a pessoa do trabalhador, que consumia a quase 
totalidade de sua vida prestando serviços pesados e perigosos, desde a mais tenra 
idade. Paralelamente a isso tudo, o pensamento de Immanuel Kant e outros filósofos 
da modernidade marcaram a defesa do que até hoje se chama “dignidade humana”, 
fornecendo um profundo arcabouço teórico para a defesa do homem frente às más 
condições de trabalho. Até então, o trabalhador – nos mais das vezes escravo -, não 
era visto como merecedor de importância. 
 De fato, a história mostra que só há pouco tempo o ato de trabalhar passou a 
ser visto como algo digno e até desejável; “as ideias mais remotas em torno do 
assunto sempre relacionaram o trabalho ao sofrimento e à dor.”3 Para ilustrar tal 
realidade, bastaria lembrar que a civilização Grega – de importância e grandeza 
indiscutíveis para a história ocidental - não deixava de tratar a escravidão como algo 
natural, não só inevitável como até desejável sob muitos aspectos. Platão,4 
Aristóteles5 e muitos outros diziam isso abertamente. Alguns séculos após, os 
 
2
 JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Trad. Ruy 
Jungmann. Consultoria: Renato Lessa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 241: “De modo geral, 
trabalho é toda atividade que gera um produto ou serviço para uso imediato ou troca.” 
3
 MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do 
trabalho. 4 ed. São Paulo. Ed. Saraiva, 2013, p. 54. 
4
 PLATÃO. A República. 11. ed. Introdução, tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. 
Local Fundação Calouste Gulbenkian, 2008, p. 226, onde o filósofo defende a escravidão para os 
bárbaros, considerando justo “poupar a raça grega”. 
5
 ARISTÓTELES. Política. Introducción, Traducción y Notas por Manuela García Valdés. Madrid: 
Biblioteca Clásica Gredos, 116. Primera Edición, 1988. 3ª Reimpresión, 2004, p. 58: “Pois é escravo 
por natureza aquele que pode ser de outro (por isso precisamente é de outro) e aquele que 
participa da razão tanto como a percebe, mas não a possui.” 
3 
 
romanos continuaram a dispensar o mesmo tratamento ao assunto, deixando claro 
que, “de fato, nem todos os homens são livres”.6 Mesmo o cristianismo via o trabalho 
como punição divina, consagrada na fórmula bíblica do “comer o pão com o suor do 
seu rosto”;7 além disso, a fé religiosa não foi suficiente para fazer desaparecer a 
escravidão.8 Durante o medievo, o direito dos vassalos que habitavam o território 
dos nobres ia pouco além da busca do próprio sustento e o direito de pagar por 
suposta proteção; enquanto isso, a nobreza permanecia desprezando e evitando 
qualquer trabalho.9 Vale lembrar que destes tempos da Idade Média surgiu a palavra 
“trabalho”, oriunda de um instrumento de tortura ou imobilização usado no época, o 
“trepalium”.10 
Após, sob o clarão do Iluminismo, surge o Estado em sua concepção 
“moderna”, amparado pela força da soberania, “um poder inabalável e inexpugnável, 
teorizado e concretizado na qualidade superlativa de autoridade central, unitária, 
monopolizadora de coerção”.11 Esse novo cenário público-estatal pós-Absolutista já 
se estende há cerca de quinhentos anos,12 fundamentado originalmente nas ideias 
de Locke, Montesquieu, Rousseau, Kant e outros, os quais fomentaram o ambiente 
das grandes revoluções do século dezoito que clamavam por independência, valores 
republicanos e separação de poderes. No momento em que essas conquistas de 
índole manifestamente liberal estão consolidadas e já começam a mostrarem-se 
 
6
 MAY, Gaston. Éléments de Droit Romain. Dixième Édition. Paris, Librarie de la Société du Recueil 
J.-B Sirey et du journal du palais, 1909, p. 62. 
7
 BÍBLIA. Português. Antigo e NovoTestamento. 50. ed. . Editora Vozes. Petrópolis, RJ, 2005, p. 27. 
8
 MAY, ob. cit., p. 63. 
9
 HUIZINGA, Johan. O outono da idade média.Trad. Francis Petra Janssen. São Paulo: Cosac Naify, 
2010, p. 87: Embasado nos escritos de Chastellain, Johan Huizinga descreve o pensamento da 
época: “Deus criou o povo para trabalhar, arar o solo e cuidar da subsistência por meio do 
comércio; o clero, para as obras da fé; mas a nobreza para promover a virtudee conservar a 
justiça, para servir de espelho para os outros pelos seus atos e costumes.” 
10
 COUTINHO, Aldacy Rachid. Trabalho e pena. Revista LTr : Legislação do Trabalho. São Paulo. Ed. 
LTr., v.62, n.10, p.1340-341, out., 1998: “Nas mais variadas línguas, a expressão trabalho trouxe 
acorrentado o significado da dor. De um lado, o português trabalho, o francês travail e o espanhol 
trabajo, remontam à sua origem latina no vocábulo trepalium ou tripalium, um instrumento de tortura 
composto de três paus ferrados ou, ainda, um aparelho que servia para prender grandes animais 
domésticos enquanto eram ferrados. [...] De outro lado, a expressão italiana lavoro e a inglesa 
labour derivam de labor, que em latim significava dor, sofrimento, esforço, fadiga, atividade penosa. 
Seu correspondente grego era ponos, que deu origem à palavra pena.” 
11
 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed., rev e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 21. 
12
 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Tradução: 
Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. Iorriatti. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 16. A 
modernidade pode ser divida em três fases: uma primeira do início do século XVI até as revoluções 
dos idos de 1790; deste período tumultuado até o final do século XIX se vive uma grande 
experiência de modernidade bastante restrita às metrópoles da época; durante o último século do 
milênio já findo, a modernidade está espalhada pelo mundo. 
4 
 
insuficientes para evitar conflitos e descontentamos sociais, estava para nascer um 
novo Estado constitucional estruturado e legitimado por vindouros direitos 
fundamentadores da “supremacia [...] do Direito/Justiça e ética sobre o Direito/norma 
e coerção.”13 
O conceito de “direitos fundamentais” expressa ao mesmo tempo “uma 
pretensão moral justificada e sua recepção no direito positivo”. A primeira repousa 
sobre o conceito de dignidade humana, enquanto a necessária normatização 
possibilita sua efetivação. Com isso, resta superada “a dialética jusnaturalismo-
positivismo”. Demais disso, em nome da efetividade desses direitos se mostra 
necessária uma complementaridade entre abordagens estatais liberais, 
democráticas e socialistas,14 atuando eles na forma de um “subsistema no sistema 
jurídico”15 e, no plano da “eficácia”, influenciando a realidade social e dela sorvendo 
a moralidade que os enseja.16 O que justifica essas quebras de barreiras 
conceituais, políticas e sistemáticas é o ideal da “dignidade humana” que eleva o 
homem a “um fim em si mesmo [e] sujeito de uma razão prático-moral”, possuindo 
um valor intrínseco absoluto, “podendo medir-se com qualquer outro desta espécie e 
valorar-se em pé de igualdade”.17 A história mostra que, na forma de direitos 
fundamentais, os valores de liberdade, isonomia, segurança e solidariedade 
fortalecem as ideias da dignidade humana;18 e com isso estava preparado o terreno 
teórico e fático para a necessária erupção do ramo jurídico laboral. 
 
1.2 A luta contra a opressão e a construção do direito do trabalho 
 
13
 BONAVIDES, ob. cit., p. 29-37. 
14
 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba (Com la colaboración de: Rafael de Asís Roig y Maria del 
Carmen Barranco Avilés). Lecciones de derechos fundamentales. Madrid: Editorial Dykinson, 2004. 
(Colección Derechos Humanos y Filosofía del Derecho), p. 29. (O autor argumenta que a 
qualificação “fundamentais” a esses direitos é mais indicada do que a de “humanos”, “naturais”, 
“públicos subjetivos” ou “morais”, bem como mais apropriada do que a locução “liberdades 
públicas”. Além disso, a denominação abriga suas dimensões moral e positiva. Ibid., p. 19-29) 
15
 CARRAZZA. Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 21. ed. São Paulo: 
Malheiros, 2005, p. 47: “[...] que o Direito forma um sistema é um postulado que sequer precisa de 
demonstração, já porque postulado (de universal acatamento, diga-se de passagem), já pela 
proibição lógica do regressum ad infinitum (da infinita reciclagem das premissas eleitas) (Geraldo 
Ataliba).” 
16
 MARTÍNEZ, ob. cit., p. 44-47. 
17
 KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Tradução, apresentação e notas de José Lamego. 
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005a, p. 367. 
18
 MARTÍNEZ, ob. cit., p. 135-189. 
5 
 
O ramo jurídico em questão também nasceu no seio da “era das 
revoluções”, no momento em que são tomadas efetivas medidas estatais contra as 
seculares “corporações de ofício” que restringiam o monopólio do trabalho a poucos. 
Afinada com a ótica liberal-burguesa da revolução iminente na França, surgiu a 
“liberdade de trabalhar”. Tal se deu após várias investidas do Estado até a 
fulminante “Lei Chapellier” que extinguiu totalmente as corporações em 1791. A 
partir de então bastava “apenas o interesse particular de cada indivíduo” para que se 
exercesse qualquer trabalho.19 No entanto, essa conquista logo se revelaria bastante 
limitada, pois não garantia boas condições para aqueles que conseguiam um posto. 
De maneira paralela, a Revolução Industrial desenvolvia-se 
contemporaneamente aos movimentos revolucionários na iminente República 
Francesa. A Inglaterra foi o ponto nevrálgico dessa revolução dos meios de 
produção, na qual a máquina a vapor de James Watt eliminava postos de trabalho, 
provocando desemprego em massa e derrubando os valores dos salários – o que 
forçava esposas e filhos a complementarem a minguada renda de suas famílias por 
remuneração ainda mais baixa. Assim, para o mundo do trabalho, a melhor síntese 
desse cenário de liberalismo e revolução industrial é aquela de Arnaldo Süssekind: 
“A liberdade e a máquina não libertaram o trabalhador.”20 
A reação contra essa situação foi o reavivar das “trade unions”21 pelos 
trabalhadores ingleses, o que levou o Parlamento Britânico a tolerar o sindicalismo 
em 1824. Os movimentos reivindicatórios prosperaram de maneira a se criar em 
1833 a “União Nacional Consolidada”, confederação sindical de meio milhão de 
associados deflagradora de greves por uma “Carta Constitucional do Trabalho”. 
Esse movimento obteve êxito em reduzir a jornada de trabalho para dez horas 
diárias em 1847. Essas ideias se espalharam pela França, Alemanha, Itália e 
Estados Unidos da América. “Estava [então] quebrado o tabu do não-
 
19
 ALEMÃO, Ivan. O direito ao trabalho na história e na Constituição Federal de 1988. In: SOUZA 
NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coords.) Direitos sociais: fundamentos, 
judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 959-963. 
20
 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3. ed. atual. São Paulo: LTr, 2000, p. 82-
83. 
21
 SÜSSEKIND, 2000, p. 84: As “trade unions” eram associações de trabalhadores que, pelo menos 
desde 1720, reivindicavam melhores salários e menores jornadas de trabalho. Em 1799 e 1800, os 
“Combinations Acts” lançaram-nas na ilegalidade. Sua reorganização nos anos 20 do século XIX foi 
o início de um progressivo crescimento que acabou por ensejar o “Congresso das Trade Unions” 
que, no ano de 1903, veio a criar não menos do que o “Partido Trabalhista” inglês (“Labour Party”), 
uma das duas maiores forças políticas inglesas. 
6 
 
intervencionismo do Estado nas relações de trabalho. Esses foram tempos em que a 
igualdade e a solidariedade entraram em cena, quando os direito dos trabalhadores 
passam a ser “visto[s] não mais como liberdade de exercer qualquer profissão, mas 
como possibilidade de adquirir emprego por meio de luta política”.22 
Em 1871, sob a chefia de Benjamin Disraeli, o Governo inglês regulamentou 
o direito à sindicalização, exemploque seria seguido por outros países.23 Dessa 
maneira, as leis laborais vão nascendo por força das lutas sindicais ao passo em 
que o jovem “direito do trabalho” vai se consolidando como a trincheira da luta 
operária - embora Karl Marx não tenha concluído uma teoria do direito, visto por ele 
como mera superestrutura que reflete o dever-ser das classes donas dos meios de 
produção,24 sua visão de mundo influenciou de maneira indelével o ramo laboral 
pois, além de teorizar quanto às lutas de classes que eram tão presentes naquele 
momento, proclamou a união dos proletários em prol de si próprios -.25 
Posteriormente, a partir de meados e fins do Século XIX, vai se gerando o 
que veio a ser chamado “Estado Social [, para intervir] diretamente nas questões 
sociais e econômicas, por necessidade de sobrevivência, com a consequente 
compressão da autonomia individual”.26 Seu protagonismo se estabelece 
principalmente no século vinte, ao final da Primeira Guerra Mundial, em razão dos 
graves problemas latentes que emergiram com esse conflito. Naqueles anos se dá 
início a uma nova ordem social com a Constituição Mexicana de 1917 e aquela de 
Weimar, datada de 1919.27 No dizer de Paulo Bonavides, para superar os conflitos 
emergentes, o liberalismo vigente realiza então um “recuo estratégico” visando 
estabelecer consenso social através do “binômio liberdade e igualdade, que em 
última análise lhes confere um teor novo de proteção e garantia, com abrangência 
de todos os direitos humanos fundamentais”.28 
 
22
 ALEMÃO, ob. cit., p. 964. 
23
 SÜSSEKIND, 2000, p. 84-85. 
24
 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e 
possibilidades da Constituição Brasileira. 8. ed. Rio de janeiro: Renovar, 2006b, p. 65-66. A visão 
economicista do direito para Marx transparece de sua opinião de que “é a infraestrutura econômica 
– e tão somente ela – que condiciona as instituições jurídicas”. 
25
 MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. Org. e int. Osvaldo Coggiola. Trad. Álvaro 
Pina e Ivana Jinkings. 1 ed. revista. São Paulo. Ed. Boitempo. 2010, p. 69. 
26
 STÜRMER, Amélia Elisabeth Baldoino da Silva; STÜRMER, Gilberto. A constitucionalização do 
direito civil: a propriedade e a liberdade. In: STÜRMER, Gilberto. (Org.) Questões controvertidas de 
direito do trabalho e outros estudos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 16. 
27
 STÜRMER, loc. cit. 
28
 BONAVIDES, ob. cit., p. 289. 
7 
 
A internacionalização dos direitos dos trabalhadores inicia-se com as 
“Conferências de Berna” ocorridas de 1905 a 1913. Nelas foram fixadas normas 
sobre jornada de trabalho, horário noturno e medidas de proteção a mulheres e 
menores. Após o fim da primeira guerra mundial, realiza-se na mesma cidade a 
“Conferência Sindical Internacional”, aprovando a “Carta do Trabalho” com diretrizes 
a serem seguidas no Tratado de Paz que seria assinado em 1919, em Versalhes; no 
capítulo XIII do documento criou-se “Organização Internacional do Trabalho” – “OIT” 
e foram enumerados os “princípios gerais do trabalho”; dentre eles, a diretiva de que 
o labor não é mercadoria; o direito de associação; salário condizente; jornada de 8 
horas diárias e 48 semanais; descanso semanal de 24 horas; supressão de trabalho 
a crianças; isonomia salarial; normas de saúde, segurança e proteção ao 
trabalhador.29 
Por fim, chega-se ao Estado Democrático de Direito, o qual deve enfatizar a 
solidariedade e a igualdade ao lado da liberdade. Nesse modelo, se reconhecem 
relações de trocas entre iguais - na iniciativa privada – e a necessidade solidária da 
distribuição de bens por políticas públicas, através das quais é possível promover 
direitos laborais. Nesse modelo de Estado, convivem relações de justiça distributiva 
e de justiça comutativa; e o trabalho é um bem comum;30 cada garantia ou direito 
que dele provém é meio para que se alcance as conquistas modernas, assimilando-
as ao desejado modo de vida eleito pelo sujeito autônomo kantiano, personagem da 
inegável sociedade multicultural que hoje deve permitir “a coexistência de diferentes 
culturas em um mesmo país, continente ou mesmo na sociedade global”.31 
Em nosso sistema jurídico, aos mais importantes direitos dos trabalhadores 
foi reservada a condição “fundamental”, estando eles listados principalmente nos 
incisos do artigo 7º da Constituição da República Federativa do Brasil sob o “Título 
 
29
 SUSSEKIND, 2000, p. 94-108. 
30
 BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores: atividade normativa da 
Organização Internacional do Trabalho e os limites do direito internacional do trabalho. Porto alegre: 
Livraria do Advogado, 2007, p. 139. (As formas de justiça referidas serão examinadas rapidamente 
no final do capítulo.) 
31
 OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades de. Multiculturalismo: o “olho do furacão” no direito pós-
moderno. Revista Direitos Culturais, Santo Ângelo, RS, v.1, n.1, dez. 2006. p. 161-168. Disponível 
em: <http://srvapp2s.urisan.tche.br/seer/index.php/direitosculturais/article/view/121/102> Acesso 
em: 30 jan. 2011. É possível falar [de multiculturalismo] sob vários enfoques: libertário, com Robert 
Nozik e Friedrich Hayek; liberal-contratualista, seguindo-se os passos de John Rawls e Ronald 
Dworkin; comunitarista de Michael Walzer, Alasdair Mcintyre Michael Sandel e Charles Taylor, para 
quem o melhor – ou possível – convívio das diferenças multiculturais exige que sejam elas - mais 
do que toleradas – reconhecidas; e crítico deliberativo, com Jürgen Habermas. 
8 
 
II”: “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”.32 A generalização de tais conquistas 
reflete sua pretensão de extensão à totalidade da humanidade. Alguém poderia 
argumentar que tal visão é utópica. Porém, como bem afirma Costa Douzinas ao 
tratar dos direitos humanos – ou fundamentais -, representam eles um eterno devir; 
o horizonte que se afasta a cada passo e, com isso, permite e obriga o continuar da 
caminhada; “são eles a promessa do ‘ainda não’ [e] seu fim chega quando eles 
perdem o seu fim utópico”.33 
 
2. Aspectos evolutivos do direito do trabalho no Brasil 
 
2.1 O início da legislação nacional 
 
Com suas dimensões continentais e baixa densidade demográfica, o Brasil 
enfrentou históricos problemas de escassez de mão de obra. Mesmo o tráfico de 
escravos de grandes dimensões não significou uma grande massa trabalhadora 
presente no país, pois essa população brasileira que por volta de 1872 somava 
cerca de 1,5 milhão de trabalhadores, teve “uma taxa de mortalidade bem superior à 
de natalidade”.34 Ainda no século XIX, levas de imigrantes provindos da Alemanha e 
da Itália chegaram ao país. Houve ainda migrações internas, das já quase exauridas 
Minas Gerais para os cafezais de São Paulo, bem como meio milhão de 
trabalhadores predominantemente nordestinos para a floresta amazônica em função 
do ciclo da borracha.35 Mesmo com tanta necessidade de trabalho humano, esse 
não foi devidamente valorizado no país, o que pode ter ocorrido em razão da pouca 
organização dos trabalhadores e do labor predominantemente rural. Esses fatores 
eram decorrência de restrições quase absolutas à educação e do isolamento em que 
viviam as populações no vasto território brasileiro. Tendo em vista o cenário de 
 
32
 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em < 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > Acessado em 29 maio 2014: 
Figuram os direitos dos trabalhadores entre os “direitos sociais” fundamentais, os quais iniciamno 
artigo 6º da Carta Magna e se estendem até o 11º, tratando inclusive dos direitos sindicais e de 
greve. 
33
 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. Tradutora Luzia Araújo. São Leopoldo: Unisinos, 
2009, p. 384. 
34
 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 27. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 
1998. p. 119. 
35
 FURTADO, ob, cit., 123-135. 
9 
 
cerca de 400 anos de desconsideração pelo trabalho humano: “O fato de maior 
relevância ocorrido na economia brasileira no último quartel do século XIX foi, sem 
lugar à dúvida, o aumento da importância relativa do trabalho assalariado.”36 
Cabe lembrar que desde 1603 o Brasil esteve sob a égide das “Ordenações 
Filipinas”, legislação corporificada em Portugal por ordem de Felipe II da Espanha. 
As ideias quase medievais lá elencadas só começaram a ser superadas em 1879, 
quando a “Lei da Boa Razão” padronizou os processos e determinou e elucidação 
do “espírito da lei” como forma de interpretação preferível a qualquer outra inclusive 
restringindo a influência do direito romano e limitando o direito canônico aos 
tribunais eclesiásticos. Assim, passaram-se a proclamação da Independência do 
Brasil, a Constituição Imperial de 1824, a Proclamação da República em 1889 e sua 
nova ordem constitucional, a partir de 1891.37 De qualquer forma, algumas leis 
esparsas desse período foram notoriamente relevantes. Durante o período imperial, 
a Lei n. 13 de 1830 tratava do contrato não verbal de prestação de serviços; a 
locação de serviços por colonos era regulada pela Lei n. 108 de 1837; por fim, o 
Decreto 2.827 de 1879 revogou as normas anteriores para normatizar qualquer 
prestação de serviços, enquanto o Decreto 1.313 de 1881 versava sobre o trabalho 
de menores. Após a proclamação da República, o Decreto 1.150 tratou do 
pagamento dos empregados rurais, cuja sindicalização foi regulada pelo Decreto 
979 de 1901.38 Não obstante, o país adentrou o século vinte ainda sob a vigência 
daquelas Ordenações e Lei da Boa Razão.39 
É só em 1916, com a promulgação do primeiro “Código Civil Brasileiro” que a 
legislação pátria alcança uma condição de real independência; o surgimento do 
direito privado brasileiro é acontecimento de enorme importância na história jurídica 
nacional - não obstante inegáveis influências lusitanas no texto e a influência de dois 
fatores conservadores: o poder financeiro rural e os interesses da classe média 
urbana, o que não permitiu que o Código Civil de 1916 estabelecesse maiores 
avanços sociais,40 chegando a omitir-se quanto ao acidente do trabalho - lacuna 
 
36
 FURTADO, ob, cit., p. 151. 
37
 GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: 
Martins Fontes, 2006. (Justiça e Direito), p. 3-8. 
38
 SOUZA, Marcelo Papaléo. Manual de execução trabalhista: arrematação, adjudicação e remição. 
São Paulo: LTr, 2005, p. 41. 
39
 GOMES, 2006, p. 8. 
40
 GOMES, 2006, p. 24- 34. 
10 
 
legislativa que só veio a ser desfeita pela Lei 3.724/19.41 Por outro lado, ao tratar de 
“locação de serviços”, a lei foi o mais liberal possível, mantendo a primazia da 
vontade em primeiro plano. De qualquer maneira, quando visto no cenário de sua 
época, o Código Civil de 1916 aparece como um documento que consolidou as 
reformas e avanços possíveis, considerando-se a estrutura social notoriamente 
injusta daquele momento. Como concluiu Orlando Gomes, é possível que ele não 
pudesse ir mais longe.42 
 
2.2 A “Era Vargas” e a ascensão do direito laboral brasileiro 
 
A “questão social” é um problema presente no Brasil desde seus primórdios. 
Seu tímido enfrentamento não se iniciou com Getúlio Vargas. Leis sindicais, sobre o 
trabalho avulso, etc. foram sendo criadas progressivamente. Porém, é fato que “só a 
partir de 1930 que ocorre a aceleração e a sistematicidade das leis trabalhistas, 
encaradas, desde então, como uma política de Estado”.43 De fato, o ano de 1934 foi 
decisivo para o direito do trabalho brasileiro. A Constituição promulgada alinhavou 
pretensões sociais consideráveis, criando a Justiça do Trabalho, o salário mínimo e 
outras garantias constitucionais, frustrando-se todavia as expectativas de uma 
ordem social brasileira mais justa – até porque se vivia um momento político 
contraditório em todo o mundo, marcado por progressos científicos com ascensão 
de governos autoritários -. Demais disso, uma exagerada “bipolarização ideológica” 
vivida no Brasil da época culminou em conflitos que criaram o pretexto da “ameaça 
comunista” para justificar emendas constitucionais repressoras. Assim, já no ano 
 
41
 CATHARINO, José Martins. Infortúnio do trabalho: doutrina e legislação: com comentários à Lei 
5.316/967. Guanabara: Edições Trabalhistas S/A., 1968, p. 14: Sobre a legislação brasileira sobre a 
matéria, o autor aponta “três fases bem distintas: a primeira confinada na legislação comum; a 
segunda, a da legislação do trabalho, iniciada pela Lei n.º 3.724, de 15-1-1919, complementada 
pelo Decreto n.º 13.498 de 12 de março do mesmo ano; a terceira, com a advento da Lei n.º 5.316”, 
de 14 de setembro de 1967. 
42
 GOMES, 2006, p. 32-46. 
43
 BERCOVICI, Gilberto. Tentativa de instituição da democracia de massas no Brasil: instabilidade 
constitucional e direitos sociais na Era Vargas (1930-1964). In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira; 
SARMENTO, Daniel. (Coords.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em 
espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 48-49: A maior parte dessa legislação foi editada 
durante o Governo Provisório. Durante o “Estado Novo” - nos anos quarenta - essas e outras leis 
foram sistematizadas na “Consolidação das Leis do Trabalho”. 
11 
 
seguinte de sua vigência o texto constitucional estava descaracterizado.44 De 
qualquer forma, permaneceram a Justiça do Trabalho e algumas das mais 
importantes conquistas. 
A “Carta de 1937” substituiu a constituição anterior, confirmando direitos 
laborais nesta listados e fortalecendo o viés autoritário que já se vislumbrava nas leis 
trabalhistas de então. As fontes para tal rota foram “os princípios basilares do 
ordenamento sindical corporativo do fascismo [...] definidos na Carta del Lavoro, de 
abril de 1927”..45 Posteriormente, nasce a “Consolidação das Leis do Trabalho” pelo 
Decreto Lei 5.452 de 1º/05/1943, documento normativo de notáveis conquistas 
obreiras, embora tenha lamentavelmente excluído os trabalhadores rurais e 
domésticos de sua teia protetora. Além disso, porque surgido no difícil período do 
“Estado Novo”, o decreto teve teor estatizante, atrelando os sindicatos ao poder 
público e detalhando enormemente as relações de trabalho urbanas, a ponto de 
inviabilizar a adequação de seus mandamentos às diferentes realidades de nosso 
país. Não obstante, agora aliados aos “direitos sociais” da Constituição da República 
de 1988, o texto da consolidação e a justiça do trabalho perfazem ainda hoje os 
mais importantes vetores da justiça social de nosso país. 
Após o regime ditatorial do Estado Novo, passa o Brasil por um intervalo 
democrático no qual se promulga a Constituição de 1946. Boas diretrizes 
econômico-sociais constavam de seu texto. Foi esse um tempo de inegáveis 
progressos representativos, com partidos fortes e melhores eleições; mas nem por 
isso deixou de existir crises graves, como a cassação do registro do Partido 
Comunista nacional e a vitória de Getúlio Vargas nas urnas e seu posterior suicídio 
em 1954, o que paradoxalmente estendeu o período democrático por mais dez anos 
tendo em vista a reação popular ao trágico fato.44
 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e 
possibilidades da Constituição Brasileira. 8. ed. Rio de janeiro: Renovar, 2006b, p. 20-22. Sobre a 
“bipolarização ideológica” dos anos 30, o autor realça o embate político entre a “Ação Integralista 
Brasileira” de Plínio Salgado e a “Aliança Nacional Libertadora”, com intenções anti-imperialistas e 
antifascistas. 
45
 GOMES, Orlando. Raízes políticas e ideológicas da CLT. In: ______. Ensaios de direito civil e de 
direito do trabalho. Rio de Janeiro: Aide, 1986, p. 192-194: Sobre o direito do trabalho implantado 
entre a revolução de 1930 e a derrocada do Estado Novo em 1945, afirma o autor: “Toda a 
legislação partejada nesse intermezzo autoritário de quinze anos, interrompido durante pequeno 
hiato, tem sua fonte no sistema corporativo do regime fascista da Itália, que era rigorosamente 
totalitário no campo da produção e do trabalho.” Porém, existe hoje um forte movimento revisionista 
do entendimento a respeito de origens fascistas da Consolidação das Leis do Trabalho, como será 
examinado logo a seguir. 
12 
 
É possível fazer duas leituras sociológicas bem diversas do que 
representaram os direitos trabalhistas instituídos da “Era Vargas” até o ano de 1964. 
A interpretação que ainda prevalece é aquela no sentido de que foi um período de 
clientelismo, “manipulação e cooptação das massas [e] corporativismo estatal”, 
momento em que um Estado de inspiração fascista interrompeu a luta dos 
trabalhadores que teve inicio durante a República Velha. Mas vem ganhando força 
uma visão bastante diferente desse período, a qual leva em consideração o impacto 
complexo e as inerentes ambiguidades que uma normatização trabalhista daquele 
porte acarreta nas relações sociais das classes operárias; de acordo com esta visão, 
há uma atuação pragmática dos trabalhadores visando manter e ampliar as 
conquistas recentes – rejeita-se a ideia de que teria havido uma mera “outorga” de 
direitos -, pois se faz em verdade um pacto entre Estado e trabalhadores, 
fortalecendo a ambos, restando como maior conquista da classe operária o alcance 
da cidadania através dos direitos sociais; é uma conquista que, em última instância, 
fortalece a dignidade humana.46 
Em 1956, Juscelino Kubitschek foi eleito presidente, trazendo ao Brasil um 
período de inegável otimismo, desenvolvimentismo e democracia. É simbólico que o 
momento de abertura política tenha permitido a Gianfrancesco Guarnieri a escrita de 
“Eles não usam black-tie”, peça que lança um profundo olhar sobre a luta operária 
no Brasil, em seus maiores e mais íntimos aspectos, obra essa que em 1981 
receberia versão cinematográfica de Leon Hirszman.47 
 
2.3 Do período autoritário até a nova ordem constituicional de 1988 
 
O autoritarismo estatal voltou com o golpe militar de 1964. Nesse período, 
duas Cartas Constitucionais - de 1967 e 1969 - tornaram impossível estabelecer 
avanços sociais não determinados pelo próprio Estado.48 Foi o tempo de forte 
 
46
 BERCOVICI, Gilberto. Tentativa de instituição da democracia de massas no Brasil: instabilidade 
constitucional e direitos sociais na Era Vargas (1930-1964). In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira; 
SARMENTO, Daniel. (Coords.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em 
espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 50-54. 
47
 Eles não usam black-tie. Produção e direção de Leon Hirszman. Cor, 35mm, 134min. São Paulo, 
1981. DVD. 
48
 BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e 
relações privadas. 2. ed. rev e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006a, p. 25-40. 
13 
 
repressão política e cultural, com censura, prisões, exílios, tortura e autoritarismo. 
Nesse cenário, pouco espaço havia para protestos, embates políticos ou mesmo 
para eleições. Não obstante, a maior parte da classe média brasileira apoiava o 
regime visando evitar o “mal maior comunista”. Também não havia unanimidade 
crítica do proletariado, pois o inegável progresso econômico tornava possíveis 
avanços materiais e ingresso no mercado de trabalho. Obras estruturais de grande 
porte também colaboravam para angariar apoio ao governo vigente. Esse cenário 
econômico foi abalado pelas duas crises do petróleo dos anos 70 e, no alvorecer 
dos anos 80, o desgaste político e a astronômica dívida externa acumulada pelo 
Brasil ensejaram a inevitável derrocada do regime. Após a notável campanha pelas 
eleições diretas, o povo brasileiro é mais uma vez impedido de exercer seu direito de 
voto. Não obstante, o “colégio eleitoral” elege Presidente da República Tancredo 
Neves, um dos maiores nomes da oposição no país. O carismático mineiro vem a 
falecer ainda antes de tomar posse no cargo, configurando um dos momentos de 
maior frustração política da história brasileira. 
O retorno “lento e gradual” do Brasil à democracia culminou com a 
Constituição de 1988. Aclamada como “Cidadã”, ela representou uma notória 
reafirmação dos direitos fundamentais e das garantias, conquistas que estão ainda 
impregnando a jovem consciência participativa do povo brasileiro. Mesmo assim, 
vícios podem ser apontados no texto: em primeiro lugar, a confusa sistemática de 
sua criação não evitou um exagero normativo que se perde em detalhes e 
prolixidades que são totalmente desaconselháveis em um documento de tal 
abrangência e importância.49 Por outro lado, grupos de pressão que representavam 
forças conservadoras trabalhavam pela presença de normas que impediriam a 
efetividade de outras. Com isso, restou inevitável a presença de dicotomias em seu 
texto. Lembra-se a alcunha de “centrão” ao grupo político que se encarregou de 
bloquear mudanças relevantes. 
A Constituição de 1988 representou inegáveis avanços trabalhistas listados 
principalmente em seu artigo sétimo, como é o caso da isonomia entre empregados 
urbanos, rurais e avulsos e algumas melhorias nas condições dos domésticos. O 
 
49
 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto 
Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p. 21: “Abstraídas as disposições de índole técnico-
organizatória, ela [, a Constituição], deve limitar-se, se possível, ao estabelecimento de alguns 
poucos princípios fundamentais [...]”. O documento não deve conter passagens de exagerado 
detalhamento, as quais pouco podem adaptar-se às inevitáveis novas realidades. 
14 
 
aviso prévio de oito dias quando da despedida imotivada foi acrescido de mais vinte 
e dois dias. A prescrição - até então bienal - dos direitos trabalhistas foi também 
majorada para o prazo de um lustro. O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço foi 
estendido a todos os empregados, além de que a “multa” pela despedida imotivada 
passou a ser de 40%. Também as proteções ao nascituro e ao recém-nascido foram 
expressivamente melhoradas, uma vez que a empregada gestante passou a contar 
com garantia de emprego de cinco meses após o parto e com licença previdenciária 
ampliada de 120 dias. Quanto à licença paternidade, os progressos não foram tão 
relevantes, passando o pai a contar com a interrupção do contrato de trabalho por 
cinco poucos dias quando do nascimento de seu filho.50 Por outro lado, a 
Constituição manteve normas nitidamente corporativas, como a contribuição 
obrigatória sindical e seu sistema unitário de enquadramento.51 
O embate entre o valor da livre iniciativa e o social do trabalho reflete um dos 
mais paradigmáticos choques ideológicos na Constituição de 1988, sendo que, logo 
em seu “Art. 1º, IV,” são proclamados como fundamentos da República “osvalores 
sociais do trabalho e da livre iniciativa”, reunindo-se na mesma norma diretrizes 
nascidas “em duas fases diversas [da] Teoria Constitucional dos Direitos 
Fundamentais”.52 Vale aqui lembrar a visão crítica de Eros Roberto Grau: o “valor 
social do trabalho”, no âmbito de um capitalismo moderno, deve implicar em uma 
proteção “politicamente racional [do labor, e não] filantrópica”;53 e o princípio da “livre 
iniciativa” não pode se confundir com liberalismo puro e simples, pois essa implica 
justamente na observância do valor social do trabalho.54 
 
3. O cenário atual do direito do trabalho 
 
3.1 Pós-modernidade e crise da sociedade do trabalho 
 
 
50
 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 128. 
51
 DELGADO, ob. cit., p. 128-130. 
52
 BRANCO, Ana Paula Tauceda. A colisão de princípios constitucionais no direito do trabalho. São 
Paulo: LTr, 2007, p. 72-73. 
53
 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 16. ed. 
rev.e atual. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 196. 
54
 GRAU, ob. cit., p. 200-205. 
15 
 
A força destrutiva e construtiva da modernidade permitiu a consolidação do 
Estado. Por outro lado, nestes tempos nebulosos, voláteis e efêmeros que perfazem 
a “pós-modernidade”55 a instituição tem vivido certo descrédito. Nesse cenário 
mundial de crise,56 a+. condição do estado constitucional estruturado sobre direitos 
fundamentais tem sido vista com pessimismo. Zygmunt Baumann demonstra como a 
glorificação do capital e o consumismo desenfreado vão enfraquecendo 
progressivamente o “Estado de bem-estar social”, estigmatizando os beneficiários da 
parca previdência oferecida e aprisionando excluídos do mercado.57 A “sociedade do 
trabalho” se insere nesse cenário de progressivo decréscimo de postos de trabalho 
somados ao desprestígio cada vez maior do desempregado,58 o que ocorre pela 
crescente intelectualização do trabalho com redução do labor manual.59 Na verdade, 
ao se observar a apressada marcha da tecnologia pode-se mesmo afirmar que “a 
perspectiva de um mundo sem trabalho já não parece tão distante quanto há trinta 
ou quarenta anos”.60 É até mesmo possível que o andar dos fatos acabe por tornar 
 
55
 LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno explicado às crianças: correspondência 1982-1985. 
Tradução de Tereza Coelho. 2. ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1993. p. 24: “O que é então o 
pós-moderno? Que lugar ocupa ou não ocupa no trabalho vertiginoso das questões lançadas às 
regras da imagem e da narrativa? [...] Uma obra só pode ser moderna se primeiro for pós-moderna. 
O pós-modernismo, entendido assim, não é o modernismo no seu estado terminal, mas no seu 
estado nascente, e esse estado é constante.” 
56
 SEVERO, Valdete Souto. Crise de paradigma no direito do trabalho moderno: a jornada. Porto 
Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2009, p. 35: Uma crise “se estabelece quando o paradigma, até 
então satisfatório, passa a não mais exercer sua função pacificadora. Já não serve. Em seu lugar, 
porém, nada há a ser colocado”, restando necessário a construção de um consenso novo a partir 
do que já existe e é conhecido. 
57
 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução: Mauro Gama, Cláudia Martinelli 
gama. Revisão técnica: Luís Carlos Fridman. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 51. 
58
 SILVA, Josué Pereira da. Trabalho, cidadania e reconhecimento. São Paulo: Annablume, 2008. p. 
20: “Os princípios básicos sobre os quais se fundamenta a noção de sociedade do trabalho podem 
ser divididos em quatro figuras principais, a saber: a empresa industrial capitalista (cujo paradigma 
é a fábrica) que, como instituição separada da unidade produtiva familiar, organiza a atividade 
produtiva de acordo com os critérios de racionalidade econômica; o trabalhador (manual) 
assalariado, duplamente liberado – dos laços feudais e dos meios de subsistência – para que possa 
vender livremente sua força de trabalho como mercadoria no mercado. Para que isso seja possível 
é necessário também a instituição do mercado de trabalho, onde capitalista e trabalhador se 
encontram para respectivamente comprar e vender a mercadoria força de trabalho; e, finalmente, 
uma ética do trabalho que justifique como moralmente válidos não apenas a necessidade e o dever 
de trabalhar, mas toda a teia de relações que compõe esse conjunto de instituições.” A crise desses 
fundamentos começou a ser diagnosticado há cerca de trinta anos, principalmente por André Gorz, 
Claus Offe e Ralf Dahrendorf; este último foi o responsável por cunhar a expressão ‘sociedade do 
trabalho’”. Cf. ob. cit., p. 15. 
59
 SILVA, ob. cit., p. 31-33. 
60
 SILVA, ob. cit., p. 27. 
16 
 
realidade os sonhos de Paul Lafargue apresentados em seu impressionante 
manifesto da penúltima década do Século dezenove.61 
Ao regular as relações de emprego, o direito laboral e seu processo refletem 
a crise do mundo laboral, muitas vezes não oferecendo as soluções necessárias 
para os problemas que enfrenta pois, como bem lembra Ricardo Luis Lorenzetti, “o 
direito do trabalho, desprendimento da locação de serviços, sempre se ocupou do 
operário que já tinha emprego: ‘o trabalhador’”.62 São notórias as mudanças que 
vêm ocorrendo na prestação de serviços, como é o caso do “teletrabalho” hoje 
regulado pela lei 12.551 de 15 de dezembro de 2011, fenômeno pelo “qual alguém 
presta serviços por meio das ferramentas de comunicação e informação 
(notoriamente internet), distante de seu tomador de serviços”, o que pode se dar “em 
domicílio” - quando prestado na própria residência do trabalhador -; “em centros 
satélites” - situados em pontos estratégicos abertos aos empregados -; “em 
telecentros” instrumentalizados com avançados equipamentos de informática e de 
comunicação; “em ‘telecottages’” - nas áreas rurais ou menos desenvolvidas; “ou de 
forma móvel”.63 A nota primordial dessa nova modalidade de trabalho “é que se dê 
em qualquer local fora do espaço tradicional do trabalho”.64 Tais mudanças também 
podem representar dificuldades para o exame quanto à incidência ou não das 
normas laborais, visto que as nuances específicas dessas novas formas de 
prestação de serviços muitas vezes não foram previstas nas leis existentes. Dessa 
maneira, “alguns dos elementos caracterizadores da relação de emprego [previstos 
 
61
 LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. São Paulo: Claridade, 2003. p. 93: “Se, extirpando do seu 
coração o vício que a domina e avilta a sua natureza, a classe operária se erguesse com a sua 
força terrível, não para reclamar os Direitos do Homem, que não são senão os direitos da 
exploração capitalista, não para reclamar o Direito ao Trabalho, que não é senão o direito à miséria, 
mas para forjar uma lei de bronze que proibisse todos os homens de trabalhar mais de três horas 
por dia, a Terra, a velha Terra, tremendo de alegria, sentiria nela surgir um novo universo... Mas 
como pedir a um proletariado corrompido pela moral capitalista uma decisão viril?” 
62
 LORENZETTI. Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. Tradução de Bruno 
Miragem; notas de Cláudia Lima Marques. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 231. Diz-se 
que essa limitação não é privilégio do direito do trabalho: “É interessante observar que a maioria 
das instituições jurídicas foi desenhada sem a consideração desse problema [do acesso à justiça]. 
No direito clássico, a propriedade, o trabalho, o contrato ou a responsabilidade foram 
instrumentalizados pelos setores sociais com amplo acesso a esses bens. Por essa razão, 
pensamosno indivíduo ‘já instalado no bem’.” 
63
 FINCATO, Denise Pires. Teletrabalho: estudos para regulamentação a partir do direito comparado. 
In: _____. (Org.) Novas tecnologias e relações de trabalho: reflexões. Porto Alegre: Ed. Lex 
Magister, 2011, p. 14-15. 
64
 FINCATO, Denise Pires. Teletrabalho: uma análise laboral. In: STÜRMER, Gilberto. (Org.) 
Questões controvertidas de direito do trabalho e outros estudos. Porto Alegre: Livraria do 
Advogado, 2006, p. 51. 
17 
 
no art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho] podem estar, em algumas 
oportunidades, um tanto tênues, rarefeitos”, o que não afasta o imperativo de que 
todos os pressupostos legais se façam presentes.65 Esse distanciamento entre as 
regras de direito laboral e as novas realidades pode tornar pouco satisfatória a 
resposta jurisdicional: ou critica-se o julgador por exagerado apego ao passado, ou 
por reputá-lo demasiado progressista. 
 
3.2 Privatização, flexibilização e terceirização 
 
Além das mudanças profundas tratadas no item anterior, os três conceitos 
do título perfazem algumas das mais importantes consequências do momento vivido 
na sociedade de trabalho. Sobre a primeira delas, diga-se que “privatizar significa 
reduzir o papel do Estado na economia”.66 São muitos e bem relevantes os efeitos 
das privatizações na economia do trabalho: empregos são criados e extintos; 
políticas e ambiente de trabalho se alteram; ocorrem transferências financeiras que 
enriquecem regiões e empobrecem outras. Isso tem acarretado disputas ideológicas, 
traumas políticos, progressos inegáveis, consequências indesejadas, etc. Privatizar 
e estatizar – trazer para âmbito estatal entidades privadas - são sempre frutos de 
polêmicas justificadas; e por isso deve-se sempre ter cuidado com os procedimentos 
a respeito. 
Quanto à flexibilização do direito do trabalho no Brasil, três correntes tratam 
do tema: há quem a veja com otimismo, como o doutrinador Octávio Bueno Magano 
e o sociólogo José Pastore; por sua vez, a corrente contrária sustenta que as 
normas laborais não admitem “reformatio in pejus”, ideia defendida principalmente 
por Benedito Calheiros Bonfim e Rita de Cássia S. Cortez; por fim existe o “caminho 
do meio”, sustentando que a supressão total da intervenção estatal seria um 
equívoco sem ignorar que em nossos dias se observa um inegável declínio do 
“princípio tuitivo”.67 Para Arnaldo Süssekind, com o objetivo de implantar novas 
 
65
 FINCATO, 2006, p. 55. 
66
 CATHARINO, José Martins. Neoliberalismo e sequela: privatização, desregulação, flexibilização, 
terceirização. São Paulo: LTr, 1997, p. 32. 
67
 ROMITA, Arion Sayão. A flexibilização das leis do trabalho em debate: choque de correntes. In: 
______. O princípio da proteção em xeque e outros ensaios. São Paulo: LTr, 2003, p. 62-71. Sobre 
o “princípio da proteção” e as duas outras normas citadas a seguir se tratará na última parte desta 
introdução. 
18 
 
tecnologias ou preservar a empresa e os empregos, a flexibilização permite 
relativizar a “inderrogabilidade das normas de ordem pública e [a] inalterabilidade in 
pejus das condições contratuais ajustadas em favor do trabalhador”. Porém, quando 
tal ocorre deve-se resguardar as mais importantes normas protetoras do empregado 
pela ação do Poder Público ou por negociação sindical, como se procedeu na 
Europa dos anos noventa; quando se abre mão dessas intervenções - ou quando 
essas sucumbem ao poder econômico -, ocorre na verdade “desregulamentação” de 
direitos, o que traz consequências indesejadas, como aquelas vistas em alguns 
países asiáticos. Felizmente nossa constituição – marcadamente em seus artigos 
sétimo e oitavo -, impedem que isso aconteça por aqui.68 Mesmo sendo necessária 
uma atualização de nossas leis trabalhistas, essa deve ocorrer no âmbito 
constitucional, legal e da tradição jus laboral brasileira, o que impedirá a mera perda 
de direitos.69 
Por fim, cabe falar a respeito da terceirização. Consequência da 
globalização econômica, ela se caracteriza por um deslocamento de serviços 
necessários para fora do âmbito da empresa, dividindo-se etapas da produção 
industrial; o fenômeno também pode ocorrer trazendo-se empregados alheios para o 
ambiente da empresa, como costuma ocorrer nos serviços de segurança ou limpeza 
e outros que não estejam à atividade-fim da empresa – assim entendida aquela que 
não está diretamente ligada à atividade econômica do empreendimento. A realidade 
desses fatos é profunda a ponto de ensejar por vezes a “terceirização da 
terceirização, quando uma empresa terceirizada subcontrata outras”; também ocorre 
a “quarteirização, com a contratação de uma empresa com função específica de 
gerir contratos com as terceiras,”; também há novos modelos de contratos de facção 
e de parcerias.70 Formam-se então “redes de produção”, cujo eficiente 
funcionamento e proteção de seus participantes dependeria – na visão de muitos - 
de urgentes alterações do ordenamento jurídico atual.71 
 
68
 ROMITA, loc. cit. 
69
 SÜSSEKIND, Arnaldo. A globalização da economia e o direito do trabalho. Revista LTr, São Paulo, 
v. 61, n.1, p. 43, jan. 1997. 
70
 BIAVASCHI, Magda Barros. A terceirização e a justiça do trabalho. Revista do Tribunal Superior do 
Trabalho, Porto Alegre: Magister, v. 74, n. 4, p. 73, out./dez. 2008. 
71
 PASTORE, José. Terceirização: uma realidade desamparada da lei. Revista do Tribunal Superior 
do Trabalho, Porto Alegre: Magister, v. 74, n. 4, p. 123, out./dez. 2008. 
19 
 
Esse contexto dialético resume a crise do direito do trabalho: marcantes 
alterações fáticas convivem com leis adequadas a uma realidade anterior. Tal 
situação enseja a discussão a respeito da possibilidade de alterar substancialmente 
textos legais sem perda de direitos. Esse é o grande desafio que vive hoje o ramo 
jurídico. 
 
4. Características, finalidade e conceituação do direito do trabalho 
 
4.1. Autonomia, divisão tripartite e posicionamento do ramo jurídico 
 
O direito se divide em diferentes campos de incidência e estudo. Cada um 
deles tem certa independência dos outros, não obstante seus inúmeros pontos de 
confluência e a existência de estruturas essenciais que envolvem a totalidade 
jurídica. Esse parcelamento ocorre pela natural estruturação que os subsistemas do 
direito vão demonstrando e aprimorando na medida em que seu alcance e 
complexidade aumentam. Em certo ponto, surgem em um campo “princípios comuns 
que lhe dão coesão interna e os diferenciam de outros grupos de normas [, gerando] 
ramos autônomos do direito [e uma] individualidade comprovada”; essa mesma 
autonomia acontece no ramo da ciência jurídica que estuda aquela área específica.72 
No início do século dezoito - momento ainda marcado pelo positivismo73 e 
pelo racionalismo74 jurídicos - o direito privado mantinha aspirações de unidade e 
 
72
 LATORRE, Angel. Introdução ao direito. Trad. Dr. Manuel de Alarcão. 5. Reimpressão. Ed. 
Almedina. Coimbra, 2002, p. 207-208. 
73
 LATORRE, ob. cit., p. 151-154. No “positivismo”, a “análise [do direito] deve limitar-se [a ele 
próprio,] tal como está ‘estabelecido’ ou dado, e deve abster-se de entrar em valorações éticas ou 
de ter em conta as implicações das normas nas realidades sociais. O direito entendido como um 
sistema de normas, e nada mais do que isso, deve ser o tema de seu estudo. É essa a atitude 
‘positivista’.” Por limitação de espaço, pede-se vênia para aqui se manter esse conceito nessas 
poucas palavras, abrindo-se mão de necessários aprofundamentos, de esclarecimentosquanto a 
suas tantas variações, de mencionar o “pós-positivimo”, etc. 
74
 WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. Trad. A. M. Botelho Hespanha. 3. ed. 
Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa, 2004, p. 279-281: Entre o século XVII e o XIX as raízes 
jusnaturalistas da filosofia jurídica e social da antiguidade foram remoldadas pelo iluminismo. Seus 
novos termos tiveram influência profunda e “direta sobre a ciência jurídica, a legislação e a 
jurisprudência da maior parte dos povos da Europa”. Em um contexto de: retorno às ideias clássicas 
pelo “renascimento” e antropocentrismo humanista na Itália e sul da Europa; reforma luterana da 
Igreja no norte do continente com verve voluntarista-nominalista; naturalismo e personalismo das 
artes da época; e, ainda, florescer das modernas ciências da natureza, estava preparado um 
terreno fértil para nascer então um novo tempo “jusracionalista”, parcela da longa trajetória do 
direito natural, visto esse como “tradição cultural que se mantém desde os inícios da filosofia 
helenística até a atualidade, [sempre em busca das] leis imutáveis e válidas em geral da vida 
comum dos homens, sobretudo dos direitos e deveres dos indivíduos na sociedade”. 
20 
 
completude. Porém, as demandas da modernidade tornaram inevitável que se 
iniciasse certa fragmentação da legislação e o abandono daquelas pretensões 
unitárias e dogmáticas. A consagração do direito laboral durante a “primeira guerra 
mundial e no pluralismo político e econômico da democracia de Weimar” teve forte 
participação nessa nova realidade.75 Com o seu desprendimento definitivo do direito 
civil, o subsistema “adentra no século XX com sua autonomia e independência 
plenamente caracterizadas”.76 No dizer de Angel Latorre, surgiu o “jovem e pungente 
ramo do Direito que é chamado direito do trabalho”, plenamente autônomo em 
legislação, doutrina e didática.77 
Até o surgimento do direito laboral, a celebração dos contratos de trabalho 
se dava sob plena liberdade, com o suposto exercício da vontade das partes, pois, 
em plena ascensão do capitalismo, cabia ao direito civil regular as relações entre 
empregados e empregadores. Porém, era próprio daquele ramo jurídico manter-se 
distanciado do que contratassem as partes; e hoje soa evidente que - estando o 
empregado sob as contingências de suas necessidades - pouco sobrava de 
“autônomo” em sua vontade contratar; restava ele submetido a abusos contratuais e 
a leis de mercado tortuosas. Assim, nesse cenário em que “o ramo jurídico tinha que 
acontecer”, nasce o ramo laboral como “o primeiro dos direitos sociais a emergir”.78 
Então, fazendo valer o pressuposto de que a pessoa humana portadora de 
“dignidade” está “está acima de todo preço”,79 o novel ramo do direito vem 
oportunizar sua proteção no âmbito do trabalho. 
Os campos jurídicos autônomos podem ser classificados e agrupados de 
diferentes maneiras, sendo a mais primordial aquela que os separa em direito 
“público” ou “privado”. “Grosso modo”, o primeiro se caracteriza “por existir nele um 
exercício do poder do Estado” por “imperium”, enquanto “o direito privado é aquele 
que regula as relações entre particulares”.80 Embora hoje seja pacífico que não há 
diferença radical ou clara entre ambos, pois os dois “envolvem princípios e critérios 
 
75
 WIEACKER, ob. cit., p. 628. 
76
 ARAÚJO, Francisco Rossal de. A boa-fé no contrato de emprego. São Paulo. Editora LTr, 1996, p. 
66. 
77
 LATORRE, ob. cit., p. 243. 
78
 MARTINEZ, ob. cit., p. 58. 
79
 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 2005b, p. 77: 
“No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, 
pode-se pôr em vez dela qualquer outra como ‘equivalente’; mas quando uma coisa está acima de 
todo preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade.” 
80
 LATORRE, ob. cit., p. 208-9. 
21 
 
que se encontram combinados”,81 é fato que o direito do trabalho revela enormes 
dificuldades para ser catalogado em um deles, pois o ramo jurídico trata de pelo 
menos três questões primordiais: I. Relações de emprego individuais, entre 
trabalhadores e empregadores; II. Relações entre sindicatos de empresas e 
sindicatos de trabalhadores entre si; III. Por fim, o direito laboral também envolve a 
regulação das “condições de trabalho em sentido amplo”, abrangendo normas de 
saúde e segurança do meio ambiente laboral. Isso perfaz uma tripla atuação que 
configura o que Maria do Rosário Paula Ramalho chama “definição tripartida do 
direito laboral”. Cada uma dessas subdivisões é cada vez mais um núcleo jurídico 
autônomo, o que causa sérias dificuldades para situar o ramo laboral entre os dois 
grandes setores do direito, pois cada um de seus três subcampos se encaixaria 
melhor no direito público, privado ou em um misto de ambos.82 
Assim, o “direito individual do trabalho [,] porque envolvendo duas entidades 
privadas na prossecução de interesses particulares, é qualificado como um conjunto 
de normas de direito privado”, não obstante sua imperatividade normativa.83 Por sua 
vez, o “direito das condições do trabalho [é considerado] de natureza pública”, por 
envolver matéria de segurança, saúde, higiene e prevenção e reparação de riscos 
sociais.84 Finalmente, ao “direito coletivo do trabalho” atribui-se normalmente 
“natureza híbrida, por combinar normas que prosseguem interesses privados com 
normas que visam interesses públicos e situações jurídicas complexas entre 
particulares [e] Estado”.85 Por essa realidade “tripartite” e outros fatores já foi dito que 
o “direito privado do trabalho” tem “feição publicística”,86 pois, “tomado globalmente, 
[...] não se deixa conter em nenhuma das parcelas desta ‘summa divisio’ [privada ou 
pública]”.87 
 
4.2 Os principais objetos de cada um dos três campos do direito do trabalho 
 
 
81
 LATORRE, ob. cit., p. 210. 
82
 RAMALHO, Maria do Rosário Paula. Da autonomia dogmática do direito do trabalho. Coimbra. Ed. 
Almedina, 2000, p. 50. 
83
 RAMALHO, ob. cit., p. 51. 
84
 RAMALHO, ob. cit., p. 52. 
85
 RAMALHO, ob. cit., p. 53 
86
 DONATI, Benevenuto. Fondazione della Scienza del Diritto, Padova, 1929, p. 217 apud LIMA, Ruy 
Cirne. Preparação à dogmática jurídica. 2. ed. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1958, p. 41. 
87
 RAMALHO, p. 54. 
22 
 
O homem está na sociedade submetido a normas jurídicas ao mesmo tempo 
em que está autorizado a agir exercendo direitos subjetivos que comportam um 
sujeito, um objeto e o liame entre eles, ligação esta que é chamada “relação 
jurídica”, a qual pode ser “real” – quando entre um sujeito e uma coisa - ou “pessoal” 
- quando há uma obrigação envolvida entre dois sujeitos -. Nesses termos, dentre as 
“relações jurídicas” de caráter “pessoal” existem aquelas que têm o trabalho humano 
como obrigação essencial, gênero que a boa técnica jurídica chama “relação de 
trabalho” e abarcam o labor de diferentes espécies, como o autônomo, por 
empreitada, subordinado, etc. Cada uma dessas relações de trabalho tem 
características essenciais próprias.88 
Dentre essas várias espécies prestação de serviços, o direito individual do 
trabalho geralmente se ocupa de uma delas: a “relação de emprego”,89 cujos 
elementos fático-jurídicos transparecem dos artigos segundo e terceiro da 
Consolidação das Leis do Trabalho, os quais cabe transcrever:90 
 
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, 
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a 
prestação pessoal de serviço. 
[...] 
Art. 3º - Considera-se empregadotoda pessoa física que prestar serviços de 
natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante 
salário. 
 
Nesses termos: I. Importa que o empregado seja “pessoa física” e que 
trabalhe “pessoalmente” – ou “intuito persone” -; II. O labor em questão “não [pode 
ser] eventual”, deve ser “oneroso” - “assalariado” - e “dirigido” pelo tomador de 
serviços, o que caracteriza o labor “subordinado”, típico da relação empregatícia. 
Além disso, o vínculo relacional entre empregado e empregador é “bilateral”, 
“sinalagmático” e “comutativo”, pois tem como pressuposto a equivalência de 
deveres e direitos entre seus polos, um se obrigando em relação ao outro.91 
 
88
 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de direito do trabalho. 9. ed. rev. e atual. Curitiba. Ed. Juruá, 
2012, p. 67-9. 
89
 RUSSOMANO, p. 69: “A) A relação de trabalho e a relação de emprego [...] são relações jurídicas; 
B) A relação de emprego [...] constitui modalidade especial da relação de trabalho, que foi, em sua 
origem, uma relação de direito real, sendo, hoje, uma relação de direito pessoal”. Diga-se que o 
autor menciona a “relação de trabalho” ter sido um dia “de direito real” porque o escravo era 
“considerado ‘coisa’ para todos os fins de direito”. 
90
 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em < 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm > Acessado em 30 maio 2014. 
91
 MARTINEZ, ob. cit., p. 144-151. 
23 
 
Dentre todas as características do emprego, a “subordinação” é o elemento 
mais determinante para caracteriza-lo, pois reflete o poder de direção empresarial 
sobre o modo de realização do trabalho que emerge do contrato. O artigo terceiro 
em comento se refere a uma limitação à autonomia da vontade do empregado 
embasada na hierarquia empresarial. Assim, o trabalhador se submete à 
organização e gerência do empreendimento que determina - por exemplo - quando, 
como e por quem os serviços devem ser prestados. Nessa realidade está contido o 
clássico poder diretivo empresarial que coloca o empregado “sob [sua] 
dependência”. Pode se falar hoje em “subordinação estrutural” ou “objetiva”, a qual 
ocorre em situações de terceirização e em empresas que trabalham em rede; nesse 
caso, mesmo sem ordens diretas do principal tomador de serviços o trabalho pode 
ser subordinado pela sua integração à “dinâmica estrutural de funcionamento do 
tomador de serviços”.92 
Também é discutida hoje a necessidade ou não de ampliar ou modificar o 
campo de atuação do direito laboral, com eventual abarcamento de outras formas de 
prestação de serviços com subordinação difusa ou de menor dimensão, como nos 
casos trabalho “parassubordinado”.93 “No mundo do trabalho pós-industrial, que se 
notabiliza cada vez mais pela diversificação e complexificação das relações de 
trabalho, essas limitações recém-descritas tornam-se cada vez mais 
problemáticas.”94 Inclusive, o próprio termo “hipossuficiência” do empregado tem sido 
questionado, pois a palavra tem como principal enfoque a “desigualdade ‘econômica’ 
existente entre o trabalhador e seu empregador”,95 deixando de envolver o “conjunto 
de vulnerabilidades [dos planos] negocial, hierárquico, econômico, técnico, social e 
informativo”. Por isso, passou-se a sugerir a substituição do termo pelo vocábulo 
“vulnerabilidade”, o qual é mais amplo e adequado à realidade de nossa sociedade 
do trabalho.96 
 
92
 MARTINEZ, ob. cit., p. 147-150. 
93
 MARTINEZ, ob. cit., p. 149. Em certas circunstâncias, “no lugar da subordinação jurídica típica 
passou a existir uma situação de parassubordinação, na qual, embora presente, o poder diretivo do 
empregador foi mitigado. [Isso ocorre] em relações pessoais de colaboração continuada e 
coordenada, em que a direção dos serviços está presente de modo difuso e pontual.” 
94
 DORNELES, Leandro do Amaral D. de. Hipossuficiência e vulnerabilidade na teoria geral do direito 
do trabalho contemporâneo. In: Temas de direito e processo do trabalho. Vol II - teoria geral do 
direito do trabalho: estudos em homenagem a Carmen Camino. Organizadores: Cinthia Machado 
de Oliveira; _____ . Ed. Verbo Jurídico. Porto Alegre, 2013, p. 66. 
95
 DORNELES, 2013, p. 67. 
96
 DORNELES, 2013, p. 71. 
24 
 
Por sua vez, o que marca o “direito das condições do trabalho” é a luta pelo 
melhor ambiente laboral, prezando-se a segurança, a saúde e a higiene com vistas à 
prevenção e a reparação de riscos sociais. Particularmente nesse momento em que 
a preservação ambiental passa a ser vista como essencial para a humanidade e 
suas vindouras gerações, “o estudo do meio ambiente do trabalho [transcende a 
mera] revisão” das normas de “segurança e medicina” laboral listadas no capítulo 
quinto das leis trabalhistas consolidadas,97 pressupondo um trabalho “decente, verde 
e sustentável [...] permeado numa ética dos deveres e pelo espírito de 
fraternidade”.98 
Finalmente, o direito coletivo também tem como fim último a “melhoria das 
condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica”; porém, 
“através de efetiva transação coletiva, em que se concedem, reciprocamente, 
vantagens às partes coletivamente representadas”.99 Em outras palavras, 
negociações coletivas ocorrem entre iguais, com consequente maior liberdade 
contratual, como demonstra por exemplo o artigo sétimo, inciso seis da Constituição 
da República, o qual permite redução salarial através de “convenção ou acordo 
coletivo”. Cabe ressaltar a profunda diferença entre o direito laboral individual e o 
coletivo. O primeiro é marcado pela “subordinação”, o que enseja uma relação de 
“justiça distributiva” para a construção de igualdade material entre diferentes; por 
sua vez, as relações de direito coletivo entre sindicatos estão submetidas à “justiça 
comutativa”, “própria das relações de coordenação” entre polos de força 
equivalente.100 Essa diferença ficará mais clara logo à frente, quando se tratará do 
“princípio da proteção” que atua no direito individual do trabalho. 
 
4.3 Finalidade e conceito do direito do trabalho 
 
 
97
 BARZOTTO, Luciane Cardos. O princípio da fraternidade e os princípios do meio ambiente do 
trabalho. In: Temas de direito e processo do trabalho. Vol II - teoria geral do direito do trabalho: 
estudos em homenagem a Carmen Camino. Organizadores: Cinthia Machado de Oliveira; _____ . 
Ed. Verbo Jurídico. Porto Alegre, 2013, p. 230. 
98
 BARZOTTO, ob. cit., p.233: “Decente, porque permite a promoção da dignidade do trabalhador. 
Verde, porque se realiza preservando e restaurando o equilíbrio entre o homem e a natureza. 
Sustentável, porque gera condições sociais e ambientais da própria continuidade em benefício das 
presentes e futuras gerações.” 
99
 DELGADO, ob. cit., p. 1355-6. 
100
 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Tradução e prefácios: L. Cabral de Moncada. 6. ed. rev. 
Coimbra: Sucessor Coimbra, 1997, p. 89. 
25 
 
Há um forte pressuposto moral no direito do trabalho. Ele diferencia o labor 
humano de mercadoria, reputando-o digno e inato à pessoa. Por isso ainda se 
costuma considerar seu objetivo primevo a proteção ao trabalhador contra os riscos 
da liberdade desmedida no contrato. A esse respeito, Jean-Emmanuel Ray se 
remete às belas palavras de Henri Dominique Lacordaire: “Entre o forte e o fraco, é 
a liberdade que oprime e a lei que liberta”, o que explicita a oposição das leis 
trabalhistas ao liberalismo desmedido. Assim é porque são evidentes as diferenças 
de condições entre empregado e empregador, o que ensejou a construção de “uma 
força deinterposição” entre o trabalhador e “a dura lei do mercado”.101 Essa é a 
marcante diferença entre o ramo direito individual do trabalho e o ramo civil que o 
originou: o objetivo do subsistema trabalhista é equilibrar o capital e a força de 
trabalho, fazendo-o através de um feixe de princípios próprios.102 
O assunto nos remete à obra paradigmática de Américo Plá Rodriguez, o 
estruturador da principiologia do direito do laboral na América Latina: em primeiro 
lugar, o ramo jurídico pressupõe a “irrenunciabilidade” dos direitos do trabalhador, 
formados primordialmente por normas imperativas; também o “princípio da 
continuidade” marca o direito laboral, presumindo-se sempre que o contrato é 
celebrado por tempo indeterminado; há ainda a “primazia da realidade sobre a 
forma” que perpassa as relações de emprego. Além desses três princípios, o mestre 
uruguaio trata ainda da “razoabilidade” e da “boa-fé”, normas que hoje costumam ser 
vistas como características de todo o direito.103 
Não obstante a relevância dos princípios citados, para Américo Plá 
Rodrigues e para a maioria dos doutrinadores, o essencial do direito individual do 
trabalho ainda é a primeira norma apontada na obra: o “princípio da proteção”, que 
se manifesta em três dimensões: escolhendo-se sempre aquela interpretação 
normativa que mais favoreça ao trabalhador – o chamado “in dubio, pro operario” -; 
aplicando-se a “norma mais favorável” ao obreiro quando existir mais de uma cabível 
ao caso; e evitando-se a aplicação de eventual norma nova que venha piorar a 
situação laboral – a “condição mais benéfica” -.104 Esta última faceta protetiva pode 
 
101
 RAY, Jean-Emmanuel. Aborder le droit du travail. Paris: Seuil, 1998, p. 4-5. 
102
 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Dos princípios do direito do trabalho no mundo 
contemporâneo. Jus Navigandi, Teresina, v. 11, n. 916, jan. 2006. Disponível em: < 
http://jus.com.br/revista/texto/7795 >. Acessado em: 28 maio 2014. 
103
 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. Tradução de Wagner Giglio. São 
Paulo: LTr, Edição da Universidade de São Paulo, 1978. Passim. 
104
 PLÁ RODRIGUEZ, ob. cit.. p. 42-43. 
26 
 
hoje ser inserida no contexto do “’princípio da proibição de retrocesso social’, [que] 
veda ao legislador subtrair da norma constitucional definidora de direitos sociais o 
grau de concretização já alcançado.”105 Importa ressaltar que muitos são os que 
dizem que a proteção que emana do princípio atua para além dos três planos 
referidos pelo mestre uruguaio, chegando a impregnar todo o ramo jurídico individual 
do trabalho.106 
Ainda sobre a proteção ao trabalhador, cabe aqui lembrar que a igualdade 
material consagrada no artigo quinto da Constituição da República refere que “todos 
são iguais perante a lei”, tratando primeiramente da dimensão "formal” da isonomia, 
a qual exige a incidência normativa para a totalidade dos cidadãos e de maneira 
uniforme; por outro lado, a norma também veta distinções “de qualquer natureza”, 
resguardando o viés “material” da isonomia que impede a criação de leis que 
contenham em si discriminações arbitrárias.107 O direito individual do trabalho busca 
essa isonomia efetiva referida em segundo lugar, reconhecendo diferenças e 
protegendo o mais fraco.108 Tanto é assim que, por desnecessário, não vigora o 
princípio da proteção no âmbito do direito coletivo do trabalho,109 onde se 
estabelecem relações de “justiça comutativa” entre entidades coletivas de força 
equivalente, sejam elas de patrões ou de trabalhadores.110 
Não são poucas as críticas direcionadas ao princípio tutelar. A primeira e 
mais severa delas foi proferida por Karl Marx, reputando o direito do trabalho e sua 
proteção característica mera “concessão da burguesia industrial ao operariado [que] 
institucionaliza a dominação de classe” e, por consequência, a mantém.111 Mesmo 
em nossa realidade capitalista, cabe lembrar que Plá Rodrigues escreveu “no 
segundo lustro da década de setenta [, o que] provoca a reflexão sobre a atualidade 
 
105
 DERBLI, Felipe. A aplicabilidade do princípio da proibição de retrocesso social no direito brasileiro. 
In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira ; SARMENTO, Daniel (Orgs.). Direitos sociais: fundamentos, 
judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008. p. 367. “Haverá 
retrocesso social quando o legislador, comissiva e arbitrariamente, retornar a um estado correlato a 
uma primitiva omissão inconstitucional ou reduzir o grau de concretização de uma norma definidora 
de direito social.” 
106
 DELGADO, ob. cit., 197. 
107
 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. atual. 
17ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 17. (Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa 
do Brasil de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm 
> Acessado em 29 maio 2014.) 
108
 MARTÍNEZ,ob. cit., p. 122. 
109
 ROMITA, Arion Sayão. _____. O princípio da proteção em xeque. In: ______. O princípio da 
proteção em xeque e outros ensaios. São Paulo: LTr, 2003, p. 24. 
110
 DELGADO, ob. cit., p. 1352. 
111
 ROMITA, ob. cit., p. 30. 
27 
 
de tais princípios”. Além disso, é de se perguntar se, em vista de suas características 
autopoiéticas, o sistema jurídico gerou outros princípios do direito laboral que não 
poderiam ser examinados àquela época pelo autor uruguaio.112 Frente a essas e 
outras realidades existe o entendimento defendido por doutrinadores como Arion 
Sayão Romita, o qual considera que o verdadeiro papel do ramo jurídico é “regular 
as relações de emprego”; e não proteger o empregado, pois a bilateralidade e o 
caráter sinalagmático do contrato de trabalho implicam em “igual dose de proteção 
concedida ao empregador”, o qual pode, por exemplo, proteger-se despedindo o 
empregado por falta grave.113 
Com teores de conclusão, espera-se desta introdução ao ramo jurídico que o 
leitor tenha internalizado intuitivamente114 o seu conceito115 de direito do trabalho, 
com suas nuances, complexidades e fragilidades próprias. Não obstante, a ideia 
gerada não deve ser tão diferente daquela proposta por Sérgio Pinto Martins:116 
Direito do trabalho é o conjunto de princípios, regras e instituições atinentes 
à relação de trabalho subordinado e situações análogas, visando assegurar 
melhores condições de trabalho e sociais ao trabalhador, de acordo com as 
medidas de proteção que lhe são destinadas. 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
ALEMÃO, Ivan. O direito ao trabalho na história e na Constituição Federal de 1988. 
In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coords.) Direitos 
 
112
 FELICIANO, ob. cit.: (“Ser autopoiético significa que o sistema social está inserido em uma grande 
rede (teia) de processos, nos quais a função de cada componente participa da produção ou da 
transformação de outros componentes da rede. Desse modo, toda a rede se autoproduz 
constantemente.” Cf. DORNELES, Leandro do Amaral D. de. A transformação do direito do 
trabalho: da lógica da preservação à lógica da flexibilidade. São Paulo. LTr, 2002, p. 53). 
113
 ROMITA, ob. cit, p. 23. 
114
 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4. ed. atual. Rio de 
Janeiro. Editora Zahar, 2006, p. 50: “conceito (lat. conceptum: pensamento, ideia) 1. Em seu 
sentido geral,o conceito é uma noção abstrata ou ideia geral, designando sejam um objeto suposto 
único (ex.: o conceito de Deus), seja uma classe e objetos (ex.: o conceito de cão). Do ponto de 
visto lógico, o conceito é caracterizado

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