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Jornadas Técnicas “A Importância da Meteorologia na Agricultura”. Beja 28 de Março de 2008 A Agrometeorologia no presente e no futuro José Paulo de Melo e Abreu (jpabreu@isa.utl.pt) Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa, TULisbon Introdução A Agrometeorologia, ou Meteorologia Agrícola, é uma ciência interdisciplinar que aplica os conhecimentos da meteorologia e da climatologia aos sistemas agrícolas, com o fim de os tornar mais eficientes e mais sustentáveis. Incide, fundamentalmente, sobre as plantas e animais que estão integrados nestes sistemas, mas deve abranger toda as envolventes que têm uma componente climática e que relevam para que o sistema seja eficiente e sustentável. Desde a antiguidade até aos nossos dias, o Homem tem tentado descortinar as relações existentes entre a meteorologia e a produção agrícola. Inicialmente os estudos foram qualitativos, seguiram-se as análises estatísticas, depois as medições microclimáticas e, por último, entrou-se na era da modelação. A quantidade de informação gerada é enorme, sendo grande parte relativa à resposta das culturas ao microclima. Apenas uma pequena parte da produção científica é dedicada a relatar as relações entre o clima e a produção animal, por um lado, e o impacto da meteorologia nas doenças, por outro lado (Monteith, 2000). A Fig. 1 ilustra qual é o âmbito e natureza da Agrometeorologia, consubstanciados nas relações entre o clima (a meteorologia e hidrologia) e a agricultura, na sua acepção mais geral. Fig. 1. Agrometeorologia: relações entre o clima e a produção agrícola (Extraído de Harpal & Tupper, 2004) CLIMA Tipo de solo e cobertura Doenças de animais e plantas Produção de grão, oleaginosas e fibra Produção hortícola Produção gado Produção pastagem Pragas de insectos (animais & plantas) Germinação e sobrevivência de infestantes Jornadas Técnicas “A Importância da Meteorologia na Agricultura”. Beja 28 de Março de 2008 Os serviços meteorológicos: clima e previsões meteorológicas Em quase todos os países existe um serviço meteorológico nacional, que está integrado na Organização Meteorológica Mundial. Em Portugal, existe o Instituto de Meteorologia, que integra duas delegações regionais, uma na Madeira e outra nos Açores. Além de assegurar o funcionamento e a exploração das redes de observação, elabora e difunde a previsão do estado do tempo e emite avisos meteorológicos de mau tempo. É, também, sua incumbência a monitorização e o estudo do clima e da sua variabilidade, bem como os seus impactes. As redes de observação do IM permitem medir a evolução temporal e espacial dos principais elementos meteorológicos. Para o efeito o IM explora 162 estações meteorológicas de superfície no Continente, Açores e Madeira sendo 79 clássicas com recurso a observações instrumentais e sensoriais e 112 automáticas com tele- transmissão de dados. Dispõe igualmente o IM de 3 estações aerológicas principais que permitem executar medições da pressão atmosférica, da temperatura e da humidade relativa do ar e do vento, em regra duas vezes por dia, desde a superfície do globo até cerca de 30 Km de altitude. As observações por detecção remota provêem de dois radares meteorológicos pertencentes ao IM e uma rede com quatro detectores de descargas eléctricas atmosféricas, destinada à monitorização de trovoadas. O IM utiliza ainda a informação recolhida por satélites meteorológicos, designadamente o METEOSAT/MSG (europeu) e os NOAA (americano) (www.meteo.pt). O IM tem várias publicações que divulgam informação climatológica. São particularmente úteis para o agrometeorologista as seguintes: 1. As normais climáticas, que são médias e outras estatísticas dos principais elementos climáticos, referentes a um período de 30 anos. As últimas publicadas referem-se ao período 1951-1980. Estão publicadas em fascículos d’ “O Clima de Portugal”, e abrangem todas as estações em que havia dados neste período. 2. Os Anuários Climatológicos de Portugal, cuja publicação se iniciou em 1947, e que apresentam valores médios mensais dos elementos climáticos observados, para cada um dos anos em que existem observações em cada estação. 3. Alguns estudos d’ “O Clima de Portugal”, nomeadamente o “Estudo Estatístico com Número de Dias com Temperatura Mínima do Ar Inferior a Determinados Limites”. Estudo realizado por R. Mata Reis e Helena Lamelas. 4. Mapas e imagens de satélite. A previsão dá-nos a evolução futura do estado do tempo e baseia-se nas observações feitas nas estações meteorológicas e nos dados de detecção remota. Após esta colheita de dados (temperatura, precipitação, ventos, humidade relativa do ar, pressão, etc,) os meteorologistas mapeiam e analisam estas informações e, só depois de feitas todas estas análises (cartas de superfície, modelos numéricos, imagens de satélites, etc) tem-se maior segurança em elaborar a previsão do tempo. Em geral, a previsão gerada nos serviços nacionais é de curto (até dois dias), médio prazo (até cinco dias), ou longo prazo (válida por um mês ou uma estação). A previsão a longo prazo, baseia-se em estatísticas que relacionam determinados dados Jornadas Técnicas “A Importância da Meteorologia na Agricultura”. Beja 28 de Março de 2008 meteorológicos passados com fenómenos como a Oscilação do Atlântico Norte, e envolve conjuntos de simulações feitas com modelos de circulação geral da atmosfera (GCMs). Note-se que a exactidão das previsões decresce com o aumento do tempo de avanço, e o detalhe conseguido também é menor. Uma previsão de 24 horas é mais exacta e mais detalhada do que uma previsão de 48 horas, e esta é mais exacta e mais detalhada do que uma previsão de 72 horas, etc. Por tudo o que fica dito neste ponto, entende-se que as previsões (ou projecções) meteorológicas ultrapassam o agrometeorologista que, em geral, não está integrado nestas estruturas internacionais e hierarquizadas que se dedicam à previsão do tempo. A tarefa do agrometeorologista, o que não é pouco, consiste em adaptar estas previsões, de molde a serem úteis para os agricultores e para a indústria agrícola. Adaptação da informação climática e meteorológica para a Agricultura A informação climática e meteorológica tem de ser tratada e apresentada de forma conveniente, simples e apelativa. As ferramentas computacionais, incluindo os modelos, disponibilizadas online, são particularmente úteis e estão a ter uma aceitação crescente por parte dos agricultores europeus. A informação climática é estática e válida por um largo período de tempo. Esta informação deve ser trabalhada para disponibilizar elementos sob forma gráfica e ferramentas computacionais que apoiem decisões estratégicas dos agricultores e da indústria. Não devem limitar-se, em geral, a veicular valores médios das variáveis. Ao invés, devem disponibilizar a probabilidade e o risco de ocorrência de fenómenos adversos à produção. Este tipo de informação releva, por exemplo, para a escolha de culturas/variedades, necessidade ou não de contratar seguros ou adquirir métodos de protecção para determinado acidente climático, opções de construção de instalações agropecuárias, tipo de rega a adoptar, datas de sementeira/plantação de plantas anuais, tipo de condução de vinha e fruteiras, reservas hídricas necessárias para a rega. A informação meteorológica deve ser tratada de molde a fornecer previsões adaptadas à região e ao tipo de agricultura que se faz na área que se pretende abranger. Geralmente, consideram-se cinco componentes: 1. Situação sinóptica – Localização e movimentos de sistemas de baixa e alta pressão, massas de ar e frentes e estado do tempo associado. Esta informação deriva das observações sinópticas, cartas de prognóstico, imagens de satélite na banda do visívele do infravermelho, e conjuntos de simulações com modelos numéricos. 2. Impacto nas culturas – Impacto do tempo previsto, isoladamente ou integrado com o tempo passado, no desenvolvimento, crescimento, maturação, armazenamento e conservação da cultura. Deve-se, sempre que possível, detalhar o risco associado às ocorrências de maior impacto. 3. Impacto nas operações que têm lugar na exploração – São particularmente sensíveis as mobilizações e operações que impliquem o tráfego de máquinas (precipitação e estado do solo), evaporação e transpiração (radiação e poder evaporante do ar), aplicação de pesticidas e adubos (temperatura, vento e precipitação), colheita (precipitação), fenação (precipitação e orvalho), cura de queijos e conservação de produção armazenada (temperatura e/ou humidade). Jornadas Técnicas “A Importância da Meteorologia na Agricultura”. Beja 28 de Março de 2008 4. Impacto na produção animal – Os animais, especialmente os mais jovens, são muito sensíveis às altas e às baixas temperaturas, onde a humidade influencia a resposta dos animais à temperatura. Índices de conforto animal devem ser disponibilizados, conjuntamente com a sua interpretação crítica. 5. Impacto nas pragas e doenças – As doenças dos animais, e as pragas e doenças das culturas são altamente dependentes dos elementos meteorológicos. A incidência de pragas e doenças deve ser analisada em termos do tempo acumulado e do previsto. Existem modelos de simulação que permitem antecipar a taxa de incidência, e a dispersão espacial e temporal de pragas e doenças. Quando estes modelos são corridos com frequência podem gerar avisos que despoletam as medidas preventivas apropriadas. As previsões de curto e médio prazo ajudam os agricultores nas suas decisões tácticas e as de longo prazo são auxiliares preciosos nas suas decisões estratégicas. No Quadro I, apresenta-se um quadro com uma listagem muito extensa das tácticas e estratégias para aumentar os lucros ou reduzir os prejuízos que resultam da utilização de informação climática/meteorológica. Também se explica que actividade pode necessitar dessa informação e a razão pela qual essa informação é importante para cada caso. A modelação pode ser utilizada para aumentar o potencial das previsões agrometeorológicas. Existem, contudo, muitas situações em que a modelação utiliza dados climáticos para gerar conjuntos de simulações destinadas a apoiar as decisões dos agricultores. A adaptação às alterações climáticas é, talvez, o campo mais promissor para a utilização dos modelos, dada a complexidade das interacções entre as variáveis meteorológicas que são afectadas. Parece-me que, na fase actual de desenvolvimento da Agricultura Portuguesa, a modelação não terá uma difusão muito grande, no imediato, entre os agricultores portugueses, mas deve ser tarefa quotidiana de todos os técnicos, mormente dos agrometeorologistas. Jornadas Técnicas “A Importância da Meteorologia na Agricultura”. Beja 28 de Março de 2008 Quadro I . Exemplos do papel da informação climática/meteorológica nas decisões na exploração agrícola ou na indústria (Harpal &Tupper, 2004). Actividade agrícola Decisão importante Razão pela qual a informação climática e meteorológica é importante Informação climática/meteorológica requerida Estratégia para reduzir prejuízos ou aumentar lucros Gestão Compra de nova propriedade Comprar uma propriedade que tem fraca aptidão para determinadas culturas pode fazer com que os lucros de exploração sejam baixos ou inexistentes. Registos históricos de precipitação, vento, temperatura, geadas Comprar apenas se o clima é favorável para a empresa. Evitar áreas com elevada probabilidade de secas, cheias, geadas, etc. Comercializar produto Variações potenciais de lucro com estimativas/informação da produção e qualidade Previsões meteorológicas, regionais, nacionais ou mundiais Acompanhando as previsões meteorológicas em regiões concorrentes para determinada cultura/produto pode dar uma estimativa de qual o melhor momento para comercializar o produto. Cultivos Variedade da cultura a semear/plantar em determinado ano Seleccionar a cultura que faz o melhor uso das condições climáticas Previsão a longo prazo (estação) Escolher a variedade que melhor pode tirar partido das condições climáticas previstas. Por exemplo, plantar uma variedade de ciclo longo se a precipitação for abundante e bem distribuída e plantar uma variedade de ciclo curto se a chuva for escassa. Quando semear uma cultura A maioria das sementes de culturas invernais não germina abaixo de 4,5 ºC e as de primavera-verão não germinam abaixo de 10 ºC. Precipitação excessiva pode encharcar o terreno e impossibilitar a sementeira, ou mais precipitação pode ser necessária para o estabelecimento da cultura. Por outro lado, após a sementeira, mesmo uma chuva fraca origina crosta e dificulta a emergência. Previsão de longo prazo; probabilidade de chuva no curto-médio prazo. Quando as datas de sementeira e a humidade do solo são apropriadas, temperaturas amenas acima de 4,5 ºC no inverno e 10 ºC na primavera-verão são ideais para se semear. Semear no cedo se a previsão de longo prazo aponta para chuva continuada, e agora se só existem uma ou duas oportunidades durante a estação. Adubação A temperatura, precipitação e vento afectam a eficiência da aplicação do adubo. Por exemplo, vento superior a 15 km/h afecta a distribuição do adubo a lanço. Previsão de curto prazo de temperatura, precipitação e vento. Uma previsão de temperatura amena, tempo seco e vento fraco são ideais para a aplicação de adubos. Evitar distribuir a lanço adubos finamente divididos quando a velocidade do vento excede 15 km/h. Controlo da doença Muitas doenças são controladas pelo estado do tempo. Por exemplo, a fusariose dos cereais estão associadas a tempo húmido e chuva. Previsão de longo prazo Preparar-se para aplicação de fungicida se a previsão aponta para uma estação húmida. Jornadas Técnicas “A Importância da Meteorologia na Agricultura”. Beja 28 de Março de 2008 Quadro I . Continuação do Quadro I. Actividade agrícola Decisão importante Razão pela qual a informação climática e meteorológica é importante Informação climática/meteorológica requerida Estratégia para reduzir prejuízos ou aumentar lucros Fenação Quando cortar o feno Quando o feno se molha ou leva um longo período para secar, existe perda de nutrientes Previsão a médio/longo prazo para a área em causa Cortar o feno só quando se prevê pelo menos 4 dias soleados consecutivos Taxa de secagem do feno (palha, solo) Em média, em condições meteorológicas normais, o poder evaporante do ar resulta em uns 80 % da temperatura, e uns 20 % do défice de saturação e do vento. Quando alguma ou todas as três componentes está a um nível anormal isso reflecte-se na evaporação e na transpiração. Previsão a longo prazo da temperatura, humidade, e velocidade do vento, ou directamente da evapotranspiração O feno pode estar pronto antes para armazenagem antes do que é usual quando os dias são normais. Silagem vs. feno Se existe uma probabilidade elevada de chuva e o feno necessita de ser cortado, pode-se pensar em fazer silagem que não necessita, em geral, dum período de secagem. No entanto, o seu valor comercial é menor e é mais difícil de utilizar. Previsão a longo prazo para a área em causa Cortar o feno só quando se prevê pelo menos 4 dias soleados consecutivos Quando enfardar A máxima qualidade do feno de luzerna (ou outras culturas em que há grande queda de folhas na operação de enfardar) obtém-se quando o feno é enfardado com algumahumidade, usualmente à noite depois da queda do orvalho se ter iniciado. Previsão de curto prazo da temperatura do ponto de orvalho Enfardar somente quando o feno tem humidade suficiente para evitar a queda de folhas, mas não suficiente para permitir o desenvolvimento de fungos. Usualmente enfardar à noite depois da queda do orvalho se ter iniciado. Ovinos e lã Quando tosquiar Escolher uma altura do ano para tosquiar de molde que os animais recém tosquiados não estejam sujeitos a mudanças de tempo extremas Clima da região e previsão de longo prazo Tosquiar quando a chuva é pouco provável ou quando as temperaturas previstas sejam amenas. Aumentar a área coberta destinada ao rebanho. Conforto térmico dos borregos Temperaturas abaixo de 15 ºC, acompanhadas de ventos fortes e de chuva, causam hipotermia aos borregos Previsão de curto prazo de temperatura, chuva/neve e vento Estabular temporariamente os borregos Jornadas Técnicas “A Importância da Meteorologia na Agricultura”. Beja 28 de Março de 2008 Pieiras Condições de grande humidade favorecem o aparecimento de pieiras Previsão de curto prazo e de longo prazo Colocar ovelhas em áreas em que o solo está mais seco. Fazer tratamentos preventivos (pedilúvios) Jornadas Técnicas “A Importância da Meteorologia na Agricultura”. Beja 28 de Março de 2008 Valor da previsão meteorológica Cerca de 30 % do PIB dos E.U.A. (cerca de 2 biliões de euros) é, directa ou indirectamente, afectado pelo clima, sendo que cerca de 10 % do PIB é directamente afectado (ex., agricultura, aviação, construção, e outras actividades de ar livre) (Weiher et al., 2003). Em Portugal, os prejuízos devem ser comparáveis, em termos de percentagem do nosso PIB. O valor das previsões meteorológicas para as actividades humanas é enorme. Em geral, as previsões meteorológicas de curto prazo são mais fiáveis, mais pormenorizadas, têm um grande número de utilizadores e são as que se lhe pode atribuir maior valor monetário e as que salvam mais vidas, embora o valor que se possa atribuir a cada utilização seja relativamente baixo. As previsões de longo prazo são menos exactas, menos pormenorizadas, e menos utilizadas, mas o valor individual de cada utilização pode ser, monetariamente falando, maior. As previsões de médio prazo têm características intermédias. O valor duma previsão depende da exactidão dessa previsão e do que os destinatários conseguem fazer com essa informação. O valor anual agregado das previsões meteorológicas utilizadas pelos lares americanos é de cerca de 7,6 mil milhões de euros. Nos E.U.A., o rendimento obtido através da utilização das previsões é de cerca de 2 a 3 % do rendimento total das explorações agrícolas (Weiher et al., 2003). As poupanças que se conseguiram na produção de milho, através da utilização de previsões, variaram entre 11 e 39 € por hectare. Um previsão perfeita resultou em 131 € por hectare de poupanças na cultura do trigo. Na cultura da vinha, uma previsão perfeita de 3 semanas de avanço resultou num lucro líquido de 150 € por hectare (Katz & Murphy, 1997). As alterações climáticas, cenários e adaptação da Agricultura O tema das alterações climáticas é demasiado extenso para ser tratado, em pormenor, nesta resenha, e existem muitas referências de fácil acesso. Assim, restringirei a minha análise a aspectos gerais, remetendo o leitor para outras referências que tratam estes aspectos em maior pormenor (p.ex., Santos & Miranda, 2006). Por fim, apresentarei exemplos que ilustram o tipo de labor necessário para gerar projecções dos efeitos das alterações climáticas na Agricultura Portuguesa, e que possibilitam a organização de medidas de adaptação. O aumento da concentração de gases de efeito de estufa na atmosfera terrestre, resultante do aumento continuado de utilização de combustíveis fósseis e do avanço da desflorestação, conduziram-nos à situação actual, em que se verifica um aumento global das temperaturas, alterações substanciais dos padrões de distribuição da precipitação e da humidade, e o agudizar dos extremos climáticos (cheias e secas prolongadas). À escala global, desde o início do século XX a temperatura da atmosfera à superfície aumentou cerca de 0,6, mas nas regiões continentais aumentou mais (e.g., na Europa aumentou cerca de 0,95 ºC). As temperaturas no Inverno tiveram um aumento maior do que no Verão e, na Europa, o aumento da temperatura foi mais acentuado na Federação Russa e na Península Ibérica. Em muitas regiões de Portugal, a taxa média de aumento da temperatura é de cerca de 0,5 ºC por década. Isto é, cerca do dobro da taxa de aquecimento médio mundial. Em Portugal, não existem tendências significativas do valor médio anual da Jornadas Técnicas “A Importância da Meteorologia na Agricultura”. Beja 28 de Março de 2008 precipitação, mas as primaveras, verões e outonos têm tido menos precipitação (Santos & Miranda, 2006). Cenários climáticos futuros (sem redução de GEE) Projecta-se para 2100 um aumento da temperatura média global entre 1,4 ºC e 5,8 ºC, relativamente à média 1961 a 1990. Na Europa, até ao fim do século XXI o aumento projectado é 2,0 ºC a 6,3 ºC, relativamente à média 1961 a 1990. O número e intensidade das cheias e secas devem aumentar. Em Portugal Continental, projecta-se para 2100 um aumento da temperatura média de 3 ºC para as regiões costeiras e 7 ºC para o interior, acompanhado com um aumento da frequência e intensidade das ondas de calor. Na Madeira, no mesmo período, os aumentos deverão ser entre 2 ºC e 3 ºC. Nos Açores este aumento da temperatura média dever ser entre 1 ºC e 2 ºC. A precipitação média anual deve diminuir e as precipitações na Primavera, Verão e Outono devem ser as mais afectadas (Santos & Miranda, 2006). Consequências das alterações climáticas no desenvolvimento, crescimento e produção vegetais Efeitos directos do aumento da concentração de CO2 na atmosfera Existem efeitos directos do aumento da concentração de CO2 na atmosfera. A morfologia e fisiologia das plantas, o solo, alguns aspectos agronómicos, e os agentes patogénicos são afectados. Quanto à morfologia das plantas, um aumento da concentração de CO2 resulta num maior crescimento inicial e maior biomassa (plantas mais altas, com mais ramos, caules, folhas), as folhas são mais grossas, as aberturas estomáticas são mais pequenas, com menor densidade estomática, há mais e maiores flores, e, em algumas espécies, mais flores femininas. Quanto aos aspectos fisiológicos, verifica-se maior concentração de clorofila, menor conductância estomática, menor respiração no escuro, menor evapotranspiração e maior eficiência do uso da água, e , na maioria dos casos, maior percentagem de sementes germinadas. No solo, verifica-se maior capacidade de troca catiónica, maior absorção de minerais pelas plantas, maior absorção de microelementos, supressão de absorção de metais tóxicos por fungos, maior fixação de azoto pelas bactérias fixadoras, e mais raízes das plantas. Alguns aspectos agronómicos são afectados. Em geral, quando a concentração duplica as plantas C3 produzem cerca de 26% mais biomassa (a produção de grão de cereais temperados aumenta 36%; e nas florestas pode-se chegar aos 180% ). No caso das plantas C4 o aumento é menor, podendo ocorrer decréscimos em alguns casos. Por outro lado, verifica-se uma aceleração do ciclo de vida das plantas. Nas fruteiras, existe uma tendência para produzirem mais e maiores frutos. Finalmente, quanto aos agentes patogénicos e acidentes vegetativos, verifica-se uma menor incidência de doenças e pragas, maior resistência à predação herbívora, maior tolerância aos extremos climáticos, maior tolerância ao sal, menores danos causados por poluentes atmosféricos, e maior taxade decomposição de resíduos de pesticidas. Jornadas Técnicas “A Importância da Meteorologia na Agricultura”. Beja 28 de Março de 2008 Efeitos directos do aumento da temperatura As regiões onde o clima era demasiado frio para determinada cultura podem ser beneficiadas. Ao invés, a maioria das outras regiões, a temperatura pode-se tornar supra-óptima para o crescimento ou mesmo letal. As plantas sem necessidades de frio, passam a ter florações mais precoces e mais danos de geada, podendo haver a necessidade de recorrer a variedades mais tardias, para evitar as geadas. Nas plantas determinadas deste grupo, o ciclo cultural torna-se mais curto, a intercepção da radiação diminui, o que faz baixar a produção. As plantas com necessidades de frio, por exemplo, algumas variedades de fruteiras caducifólias podem deixar de ter florações normais, podendo haver necessidade de recorrer a cultivares menos exigentes em frio, e através da selecção e melhoramento desenvolver cultivares com menores necessidades de frio Efeitos da variação da precipitação Em Portugal, a menor precipitação que está prevista, primaveras e verões mais secos, e concentração da precipitação no inverno indicam que na época em que as plantas mais crescem, a água disponível vai ser menor. Assim, na generalidade dos casos a produção deve ser reduzida. Integração todas as influências Tudo o que acaba de ser dito, sobre a resposta da plantas ao aumento do CO2 atmosférico e às alterações previstas nas variáveis meteorológicas e hidrológicas, põe em evidencia a necessidade de integrar todas estas influências para que possamos prever qual será o comportamento dos vários grupos de plantas nos cenários climáticos mais prováveis. Ora isto só se pode fazer com modelos de crescimento e produção calibrados para as nossas condições. A importação pura e simples de modelos construídos para outras condições e com outros pressupostos é garantia de insucesso. Em Portugal existe um défice de conhecimento nesta área, embora se tenha realizado algum trabalho; daremos seguidamente alguns exemplos. Exemplo 1 (oliveira) Utilizando um modelo testado em dados de ocorrência da data de floração da oliveira, em Portugal e em Espanha, chegou-se à conclusão que algumas das variedades cultivadas em Portugal e na Andaluzia, primeira região olivícola do Mundo, vão deixar de florir se verificarem alguns dos cenários avançados (de Melo-Abreu et al., 2004). Exemplo 2 (pastagens) Admitindo um cenário em que a concentração atmosférica de CO2 atinge os 697 ppmv, a produção de pastagens para corte e para pastoreio directo diminuirá em quase todo o território continental, mais as pastagens para corte do que as de pastoreio directo (Correia et al., 2002). Jornadas Técnicas “A Importância da Meteorologia na Agricultura”. Beja 28 de Março de 2008 Fig. 2. Diferenças de produção (t ha-1 ano-1) de pastagens para corte (esquerda) e para pastoreio directo (direita) num cenário climático em Portugal (Correia et al., 2002). Exemplo 3-5 (trigo, milho, arroz) As projecções feitas para Portugal apontam para reduções ligeiras a muito importantes para as culturas do trigo, milho e arroz se se verificarem alguns dos cenários mais prováveis para Portugal (Fig. 3) . Fig. 3 A. Diferenças de produção (%) da cultura do trigo num cenário climático provável para Portugal no fim do século XXI (Santos & Miranda, 2006). Jornadas Técnicas “A Importância da Meteorologia na Agricultura”. Beja 28 de Março de 2008 Fig. 3 B. Diferenças de produção (%) da cultura do milho num cenário climático provável para Portugal no fim do século XXI (Santos & Miranda, 2006). Fig. 3 C. Diferenças de produção (%) da cultura do arroz num cenário climático provável para Portugal no fim do século XXI (Santos & Miranda, 2006). Prioridades para que os agrometeorologistas possam apoiar melhor o desenvolvimento sustentável da Agricultura no século XXI No século XXI, deve-se assistir a um grande impulso da Agrometeorologia (Sivakumar et al., 2000). Alguns aspectos desta actividade devem ser realçados: 1. Investigação mais aplicada Jornadas Técnicas “A Importância da Meteorologia na Agricultura”. Beja 28 de Março de 2008 A investigação deve contribuir para o aumento do conhecimento da variabilidade natural do clima, promoção e uso das previsões meteorológicas estacionais ou inter-anuais, estabelecimento e/ou fortalecimento de sistemas de avisos precoces e monitorização, promoção de aplicações de sistemas de informação geográfica e de detecção remota, zonagem agro-ecológica para a gestão sustentável de sistemas agrícolas, florestais e pecuários. 2. Mais recursos humanos e mais diversificados, portanto capazes de desenvolver produtos mais adaptados às expectativas dos agricultores. 3. Melhoria da base de dados de conhecimentos e dados agrometeorológicos. Redes mais fluídas. Os dados meteorológicos e sobre as relações entre a meteorologia e as plantas são escassos e localizados no espaço e no tempo. Urge expandir a base de dados do conhecimento agrometeorológico, o que pode ser feito, por exemplo, através da criação de novas redes agrometeorológicas e do fortalecimento das redes existentes, do desenvolvimento de novas fontes de dados de agrometeorologia operacional, e desenvolvimento de sistemas de informação geográfica. 4. Informação meteorológica em tempo real. Modelos. A informação meteorológica em tempo real deve ser utilizada em conjunção com os modelos de simulação da fenologia, crescimento e produção, uso da água, previsão da taxa de incidência de pragas e doenças, qualidade e data ideal da colheita, e outros modelos associados à protecção das culturas contra as geadas e granizo. Deste modo podem- se conseguir enormes ganhos ao nível da exploração agrícola ou da indústria. 5. Adaptação da agricultura às mudanças climáticas globais Caso se observem as alterações nas variáveis meteorológicas apontadas pelos cenários climáticos para o século XXI, mesmo os mais optimistas, é absolutamente necessário desenvolver estratégias agrometeorológicas de adaptação à variabilidade climática e à mudança climática e mitigação dos efeitos do clima. 6. Melhor formação dos agricultores e melhor comunicação entre técnicos e agricultores. Por mais preocupação que haja da parte dos técnicos em fornecer produtos adaptados às expectativas dos agricultores, nada pode substituir o juízo fundamentado do agricultor, o que implica um elevado grau de formação. Por isso, a formação permanente dos agricultores é indispensável e devem haver entidades pública ou privadas capazes de manter o agricultor informado, nomeadamente na área da agrometeorologia. Devem usar-se métodos, processos e técnicas melhorados, para que se possa transmitir a informação agrometeorológica. Referências Correia, A. V., De Melo-Abreu, J. P. & Pinto, P. A. 2002. Comparing simulated growth of managed grasslands under present and climate change scenarios. Book of Proceedings of the VII Congress of the European Society for Agronomy, Córdoba, Spain, p. 789-90. De Melo-Abreu, J. P., Barranco, D., Cordeiro, A. M., Tous, J., Rogado, B. M. & Villalobos, F. 2004. Modelling olive flowering date using chilling for dormancy Jornadas Técnicas “A Importância da Meteorologia na Agricultura”. Beja 28 de Março de 2008 release and thermal time. Agricultural and Forest Meteorology 125(1-2): 117- 127 Katz, R.W., Murphy, A.H. (Eds.) (1997). Economic Value of Weather and Climate Forecasts. Cambridge, U.K. Cambridge University Press. Santos, F.D. & Miranda, P. (Eds.) 2006. Alterações Climáticas em Portugal. Cenários, Impactos e Medidas de Adaptação - Projecto SIAM II. Gradiva, Lisboa. Sivakumar, M.V.K., Gommes, R., Baier, W. 2000.Agrometeorology and sustainable agriculture. Agricultural and Forest Meteorology 103 (2000):11–26. Weiher, R.F., Teisberg, T.J., Adams, R.M. 2003. Valuing weather forecasts. Economics for Modernizing Roshydromet. World Bank/ Roshydromet/ NOAA. Moscow, Russia, November 2003.
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