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O direito ao próprio corpo - Túlio Vianna

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22/09/2015 O direito ao próprio corpo | Túlio Vianna
http://tuliovianna.org/2012/10/02/o­direito­ao­proprio­corpo/ 1/4
Túlio Vianna
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02 out 2012
O direito ao próprio corpo
3 Comentários
Uma sociedade não pode ser considerada livre se seus membros não tiverem o direito de
dispor de seus próprios corpos. O núcleo do direito à liberdade é a autonomia sobre o próprio
corpo e justamente por isso o Direito, a moral e a religião se ocuparam durante tanto tempo em
impor regras para regular a livre disposição dos corpos.
O direito ao próprio corpo ainda está longe de ser conquistado e reconhecido como um direito
fundamental da pessoa humana. As normas limitando a autonomia dos corpos estão por todas
as partes: limitações à sexualidade, ao uso de drogas psicotrópicas, à liberdade de expressão e
até mesmo à vida e à morte. Tudo em nome de um suposto bem maior: a coletividade. A
maioria destas normas de regulação dos corpos, porém, não evita que haja lesão a direito
alheio, mas tão somente impõe um modelo de conduta que a maioria julga adequado.
Estado democrático de direito – é sempre bom frisar – não se confunde com ditadura da
maioria. As liberdades individuais só podem ser limitadas se – e somente se – o exercício de
uma determinada autonomia provocar dano a outrem. Assim, pessoas, maiores e capazes
deveriam ser livres para dispor sobre seus próprios corpos desde que com suas ações não
prejudicassem a ninguém. Na prática, porém, o Direito está repleto de normas que limitam
ações completamente neutras a terceiros.
A sexualidade sempre foi campo fértil para as limitações jurídicas sobre os corpos. No passado
já se puniu até mesmo a fornicação, entendida como o relacionamento sexual por pessoa
solteira. A sodomia foi considerada crime no estado do Texas até 2003, quando a decisão da
Suprema Corte estadunidense no caso Lawrence v. Texas a considerou inconstitucional.
Detalhe: decisão por maioria de 6 a 3.
No Brasil, ainda hoje, pelo código penal em vigor, se um garoto de 13 anos mantiver relação
sexual consensual com uma mulher maior de 18 anos (uma prostituta, por exemplo), ela
poderá ser condenada a uma pena que varia de 8 a 15 anos (art.217‑A CP). Manter casa de
prostituição também ainda é crime em nosso país (art.229 CP) numa indevida regulação do
corpo de mulheres maiores e capazes que deveriam ter o direito de dispor do seu próprio
corpo da forma que considerassem mais conveniente.
Outra pérola de regulação sexual do nosso código penal ainda em vigor é seu art.234 que pune
com pena de até 2 anos quem fizer, “importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para
fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou
qualquer objeto obsceno”. Felizmente este último não vem sendo aplicado pelos tribunais há
22/09/2015 O direito ao próprio corpo | Túlio Vianna
http://tuliovianna.org/2012/10/02/o­direito­ao­proprio­corpo/ 2/4
qualquer objeto obsceno”. Felizmente este último não vem sendo aplicado pelos tribunais há
algum tempo, ainda que não haja uma decisão reconhecendo oficialmente sua
inconstitucionalidade.
Não bastasse a lei conservadora, os tribunais tendem a ser bastante moralistas na aplicação do
Direito quando as questões versam sobre práticas sexuais minoritárias. É paradigmática uma
decisão do Tribunal de Justiça de Goiás (Ap. 25220‑2/213) que absolveu um acusado de
violentar outro homem ao singelo argumento de que a violência teria ocorrido em uma prática
de sexo grupal. Nos fundamentos da decisão se lê que: “a prática de sexo grupal é ato que
agride a moral e os costumes minimamente civilizados. Se o indivíduo, de forma voluntária e
espontânea, participa de orgia promovida por amigos seus, não pode ao final do contubérnio
dizer‑se vítima de atentado violento ao pudor”(sic). Em outras palavras, pode‑se dizer que o
tribunal revogou o então crime de atentado violento ao pudor (hoje, estupro), em orgias,
negando o direito à liberdade sexual àqueles que optam por práticas sexuais moralmente
reprováveis pela maioria.
O Código Civil também parece condenar qualquer prática polígama por parte dos casais ao
dispor em seu art.1566, I, que são deveres de ambos os cônjuges a fidelidade recíproca. Uma
imposição inaceitável se tratando de pessoas maiores e capazes de decidir sobre as práticas
sexuais que lhe aprazem.
Direito à vida e à morte
A relevância ao reconhecimento de um direito fundamental ao próprio corpo, vai muito além
da liberdade sexual. São nos direitos à vida e à morte que a regulação jurídica dos corpos se
manifesta de forma mais evidente. Questões como aborto, eutanásia, esterilização e muitas
outras são reguladas pelo direito, em regra dando pouquíssima liberdade aos interessados de
disporem de seus próprios corpos.
Vê‑se com clareza isso no direito ao aborto, reconhecido na maioria absoluta dos países da
Europa e dos estados americanos. No Brasil, por uma nítida influência religiosa, criou‑se a
ficção jurídica de que o embrião não é parte do corpo da mãe, pois já teria direitos a serem
reconhecidos a partir da concepção. Assim, chegamos a situações absurdas onde fetos
anencéfalos possuem mais direitos que a mulher maior e capaz que o carrega no ventre. Uma
clara demonstração das dificuldades a serem enfrentadas no reconhecimento do direito à
autonomia sobre o próprio corpo.
Também na regulação da morte as restrições são várias. A eutanásia é punida como homicídio
(art.121 CP) e o suicídio assistido é punido com penas de até 6 anos (art.122 CP) obrigando‑se
muitas vezes ao indivíduo mesmo quando consciente a levar uma sobrevida vegetativa contra
sua vontade.
A esterilização cirúrgica de pessoas casadas só pode ser realizada com o consentimento
expresso do cônjuge (art.10, §5º, da Lei 9.263/96) o que, na prática, limita o direito de muitas
mulheres de optarem por não engravidar.
Liberdade de consciência e de expressão
O reconhecimento do direito a dispor do próprio corpo tem como corolário à liberdade de
22/09/2015 O direito ao próprio corpo | Túlio Vianna
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O reconhecimento do direito a dispor do próprio corpo tem como corolário à liberdade de
consciência e também a liberdade de alteração de consciência por meio de drogas
psicotrópicas, desde que evidentemente o uso de tais drogas não provoque danos a terceiros.
Não cabe a um Estado no qual a liberdade é direito fundamental uma atuação paternalista por
parte do governo no sentido de proibir que pessoas maiores e capazes provoquem danos a seus
corpos. Deve o estado, sim, proteger a saúde de crianças e adolescentes, mas no momento em
que se reconhece sua plena capacidade jurídica é preciso que se reconheça também seu direito
a usar drogas que alteram sua consciência, ainda que estas lhe venham a causar um eventual
dano à saúde.
O que se vê, porém, em relação às drogas psicotrópicas, é uma regulação jurídica dos corpos
que chega ao cúmulo de considerar crime o uso recreativo de drogas de baixíssima danosidade
ao organismo, como é o caso do cloreto de etila (lança‑perfume). Uma controle jurídico
obsessivo dos estados de consciência que pune inexplicavelmente o uso de drogas mais leves
que o próprio álcool.
O direito ao próprio corpo manifesta‑se ainda na liberdade de expressão e na de não expressão,
que chamamos de privacidade. É preciso que se reconheça a cada indivíduo o direito de se
expressar quando e como queira, mas também o direito de se manter em silêncio e em sossego,
longe dos olhares e das câmeras alheias. Por óbvio não se pode admitir que sua expressão ou
sua privacidade possa causar dano a direito alheio. Por certo justifica‑se seu cerceamento, se a
expressão de um pensamento for lesiva à honra ou o exercício da privacidade for lesivo ao
direito à informação de interesse público. A regra, porém, deve ser que um indivíduo possa seexpressar ou se recolher à sua privacidade conforme sua conveniência o que, lamentavelmente,
tem se tornado exceção.
A grande batalha jurídica do século XXI será pela libertação dos corpos das normas impostas
pelo arbítrio da maioria. Somos herdeiros de uma cultura religiosa que nos impôs ao longo da
história uma infinidade de restrições morais e, posteriormente jurídicas, ao uso de nossos
próprios corpos.
Não há nada de democrático na imposição pela maioria de normas de conteúdo
exclusivamente moral a uma minoria. Se uma conduta não lesa ou ao menos gera riscos de
lesão a direitos alheios, não há por que ser proibida.
A liberdade de um povo não está simplesmente em escolher seus governantes. Não se pode
considerar livre um povo que decide os rumos de seu governo, mas que nega a cada um de
seus indivíduos a autonomia de decidir sobre os rumos de seu próprio corpo. Liberdade é,
antes de tudo, poder decidir sobre o próprio corpo.
Publicado por Túlio Vianna.
Marcado: aborto, direito ao próprio corpo, drogas, eutanásia, liberdade, maconha
3 pensamentos sobre “O direito ao próprio corpo”
1.  Mariane disse:
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