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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Prof. José Augusto Magni Dunck 1 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 1.1 SÍNTESES HISTÓRICAS: "Quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo”. Jorge Agustín Nicolás Ruiz de Santayana y Borrás (filósofo, poeta e ensaísta espanhol) Origem da palavra DIREITO: O direito sempre teve um grande símbolo, uma balança com dois pratos colocados no mesmo nível. Mas a materialização simbólica variava de povo para povo e de época para época. Os gregos colocava a balança com dois pratos, sem fiel no meio, na mão esquerda da Deusa Diké, filha de Zeus (Deus dos Deuses, Deus do raio e trovão) e Themis (Deusa da Lei), em cuja mão direita estava uma espada e que, estando em pé e tendo os olhos bem abertos, dizia existir o justo quando os pratos estavam em equilíbrio (íson, isonomia). Para os gregos o justo (direito) significava o que era visto como igual (igualdade). O símbolo romano, dentre várias representações, correspondia, em geral, a Deusa Iustitia, a qual distribuía a justiça por meio da balança, com dois pratos e fiel bem no meio, que ela segurava com as duas mãos. Ela ficava de pé e tinha os olhos vendados e dizia o direito (jus) quando o fiel estava completamente vertical – direito (rectum) = perfeitamente reto, reto de cima para baixo (de + rectum). As pequenas diferenças entre os dois povos nos mostram que os gregos aliavam à deusa algumas palavras, das quais as mais representativas eram díkaion, significando algo dito solenemente pela Deusa Diké, e íson, mais popular, significando que os dois pratos estavam iguais. Já em Roma, as palavras mais importantes eram jus, correspondendo ao grego díkaion e significando também o que a deusa diz, e derectum, correspondendo o grego íson, mas com ligeiras diferenças. A Deusa grega tinha os olhos abertos, apontando para uma concepção mais abstrata, especulativa e generalizadora que precedia, em importância, o saber prático. Já os romanos, com a Deusa Iustitia de olhos vendados, mostram que sua concepção de direito era mais de um saber-agir, de uma prudentia, de um equilíbrio entre a abstração e o concreto. Além disso, o fato que a Deusa grega tinha uma espada e a romana não, mostra que os gregos aliavam o conhecer o direito à força para executá-lo (iudicare), donde a necessidade da espada; enquanto aos romanos interessava sobretudo quando havia direito, jus-dicere, atividade precípua do jurista que, para exercê-la, precisava de uma atitude firme (segurar a balança com as duas mãos, sem necessidade da espada); PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Prof. José Augusto Magni Dunck tanto que a atividade do executor, do iudicare, era para eles menos significativa, sendo o iudex (Juiz) um particular, geralmente e a princípio, não versado em direito. Com o passar dos séculos, porém, a expressão jus foi, pouco a pouco, sendo substituída por derectum. Nos textos jurídicos latinos esta última, tendo caráter mais popular e ligado ao equilíbrio da balança, não apareceria, sendo encontrada apenas nas fontes não jurídicas, destinadas ao povo. Foi a partir do século IV d.c que ela começou a ser usada também pelos juristas. Guardou, porém, desde suas origens, um certo sentido moral e principalmente religioso, pela sua proximidade com a deificação da justiça. Nos séculos VI e IX, as fórmulas derectum e directum passam a sobrepor-se ao uso do jus. Depois do século IX, finalmente, derectum é a palavra consagrada, sendo usada para indicar o ordenamento jurídico ou uma norma jurídica em geral. A influência em nosso direito é primordialmente romana, ou seja, do gênio prático dos romanos, que contrastava com a sabedoria teórica dos gregos. A palavra direito, em português, guardou, porém tanto o sentido do jus enquanto aquilo que é consagrado pela Justiça (em termos de virtude moral) quanto o de derectum enquanto um exame da retidão da balança, por meio do ato da Justiça (em termos do aparelho judicial). Isto pode ser observado pelo fato de que hoje se utiliza o termo tanto para significar o ordenamento vigente – “o direito brasileiro, o direito civil brasileiro” – como também a possibilidade concebida pelo ordenamento de agir e fazer valer uma situação – “direito de alguém” – não se podendo esquecer ainda o uso moral da expressão, quando se diz “eu tinha direito à defesa (...)”. Diké, deusa grega de justiça, deriva de um vocábulo que significa limites às terras de um homem. Daí uma outra conotação da expressão, ligada ao próprio, à propriedade, ao que é de cada um. Donde se seguia que o direito se vinculasse também ao que é devido, o que é exigível e à culpa. Na mesma expressão se conotam, pois, a propriedade, a pretensão e o pecado; e, na sequencia, o processo, a pena e o pagamento. Assim, diké, era o poder de estabelecer o equilíbrio social nesta conotação abrangente. Em sociedades “primitivas”, este poder está dominado pelo elemento organizador, fundado, primariamente, no princípio do parentesco. Todas as estruturas sociais, que aliás não se especificam claramente, deixam-se penetrar por este princípio, valendo tanto para as relações políticas, com para as econômicas e para as culturais, produzindo uma segmentação que organiza a comunidade em famílias, grupos de famílias, clãs, grupos de clãs. Dentro da comunidade todos são parentes, o não-parente é uma figura esdrúxula (que não se encaixa nos padrões considerados). As alternativas de comportamento são, assim, pobres, resumindo-se num “ou isto ou aquilo”, num “tudo ou nada”. O indivíduo, dentro comunidade, só é alguém por sua pertinência parental ao clã. O poder de estabelecer o equilíbrio social liga-se ao parentesco. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Prof. José Augusto Magni Dunck Partindo do pressuposto de que desde as civilizações mais primitivas de que se tem notícia verifica-se que o homem desenvolveu alguma forma de organização da vida social, pode-se traçar, com base na espécie de poder capaz de impor a ordem social, três fases evolutivas dos agrupamentos sociais, cada uma das quais, organizadas de uma maneira típica. Se considerarmos, portanto, a expressão agrupamento humano como a forma mais primitiva de associação humana, e, no extremo oposto, o Estado, como sua derivação mais complexa, podemos entender o fenômeno humano associativo como um conjunto de vinculações naturais que se transmudam em vinculações sociais, originando as Sociedades, passando pelas Nações, e, a partir do estabelecimento de um território fixo adicionado ao pacto pelo rompimento da prevalência do individual em nome do coletivo, concebendo-se um poder supremo e impiedoso denominado soberania, chegando-se, finalmente, aos Estados, como modalidades últimas de agregação humana. As sociedades, portanto, apresentam formas peculiares de organização social, sendo que as de fins gerais, cujos objetivos, indefinidos e genéricos, visam a criar as condições necessárias para que os indivíduos e as demais sociedades, que nela se integram, consigam atingir seus fins particulares, são chamadas de sociedades políticas – as que se ocupam da totalidade das ações humanas, coordenando-as em função de um objetivo comum. Nessa perspectiva, o Estado, como forma de sociedade política, coexiste com outras formas sociais – como a família, as tribos, os clãs – delas se diferenciando quando atua com caráter de instituição política, quando e na medida em que seu quadro administrativo reivindica com êxito o monopólio legítimo da coação física para realizar as ordens vigentes. Em agrupamentos sociais primitivos, por outro lado, o princípio ordenador é o princípio do parentesco que determina não apenas o pertencimento a determinado grupo – família, clã, tribo – como também o lugar que o indivíduoocupa nesse grupo. Nessa espécie de agrupamento – de tipo tribal – o poder capaz de impor a ordem social é um poder de tipo despótico, exercido pelo patriarca, único proprietário de toda a família, considerada como uma unidade econômica – que engloba pessoas a ele ligadas pelo vínculo de parentesco, e bens, móveis e imóveis. Por exemplo, segundo a Lei das Doze Tábuas, o pater familias romano tinha o "poder da vida e da morte" - sobre os seus filhos, a sua esposa (nalguns casos apenas), e os seus escravos, todos os quais estavam "sobre a sua mão". Para um escravo se tornar livre (alguém com status libertatis), teria que ser libertado "da mão" do pater familias, daí os termos manumissio e emancipatio. Por lei, em qualquer caso, a sua palavra era absoluta e final. Se um filho não era desejado, nos tempos da República Romana, o pater familias tinha o poder de ordenar a morte da criança por exposição. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Prof. José Augusto Magni Dunck O poder despótico (ou patriarcal) é um poder total, ou seja, o patriarca possui um poder civil, religioso e militar; é, ainda, um poder personalizado, exercido pessoalmente pelo déspota, de origem divina, portanto, mágico, e transmitido hereditariamente. Nessa perspectiva, o direito, entendido como o conjunto de hábitos, costumes, tradições – é a expressão da vontade do patriarca, que representa a vontade da própria divindade. Trata-se de uma ordem inquestionável, a única ordem possível, a querida pela divindade, não havendo, portanto, espaço para o debate, para a oposição, para o conflito, que prontamente reprimido com violência. A política, como a forma de tratamento do conflito peculiar às organizações sociais hierárquicas baseadas no prestígio – polis – surge a partir da necessidade de reestruturação social advinda da intensificação e aumento do grau de complexidade das relações sociais, que agora vão se estabelecer, também, entre não-parentes, a partir da formação dos mercados, por exemplo. O convívio entre não-parentes faz surgir um espaço – a polis – que é compreendido como um espaço construído coletivamente, o que demanda, portanto, uma administração também coletiva, ou seja, reconhece-se aos homens livres e iguais, nascidos no solo da cidade (cidadãos) o direito de deliberar sobre os negócios públicos. O direito, agora, longe de ser a expressão da vontade de alguém, é experimentado com resultado de uma construção coletiva, capaz de garantir direito e impor obrigações a todos, indistintamente. O direito, como ordem, perde seu caráter maniqueísta (concepção da realidade através de dois princípios opostos) e o comportamento desviante é encaminhado para procedimentos decisórios regulados, o que faz surgir as formas de jurisdição – juízes, tribunais, partes, advogados etc. – e, como consequência, verifica- se o aparecimento de um grupo especializado – os juristas – que no desempenho de um papel social peculiar desenvolvem uma linguagem própria, com critérios próprios, formas probatórias e justificações independentes, que possibilitam uma separação entre o exercício do poder político, econômico, religioso do poder e exercício argumentativo, fazendo nascer a arte de conhecer, elaborar e trabalhar o direito. 1.1.1 JURISPRUDÊNCIA ROMANA: O DIREITO COMO DIRETIVO PARA AÇÃO O Direito era visto como norma de vida e instrumento de organização social que teria surgido com a fundação de Roma e se transmitido, de geração em geração, pela tradição. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Prof. José Augusto Magni Dunck Isso, inclusive, permitiu a expansão romana, como Império. Nesse contexto, o Direito era forma cultural sagrada; exercício de uma atividade ética (a prudência). Daí a expressão Jurisprudentia (Jurisprudência). Assim, o direito, forma cultural sagrada, era o exercício de uma atividade ética (a prudência), virtude moral do equilíbrio e da ponderação nos atos de julgar. O direito romano passou momentos diferentes. No primeiro momento a legislação era restrita à regulação de matérias muito especiais, ficando o direito pretoriano (dos pretores, dos juízes da época) como supletivo, como complemento, dessa legislação. Para os julgadores, era, então, difícil suprir as faltas da legislação, na prática, já que as leis, como dissemos, existiam apenas para regular questões muito específicas. Apesar de constatado esse problema, a tarefa de preencher as faltas não foi possível, nesse primeiro momento, pois a Jurisprudência era exercida por jurados, em geral, leigos, sem capacidade para construir um conjunto teórico que conseguisse preencher os vazios legislativos e que resolvesse da forma mais justa, o caso concreto. Em um segundo momento, no período da história romana conhecido por Concilium Imperial, os juízes assumem um papel profissional e recebem o nome de jurisconsultos. Representavam a mais alta instância judicante do Império Romano. Os jurisconsultos influenciam a jurisprudência com o responsa prudentium, oral, que, mais tarde, apareciam em uma forma escrita, em termos de uma informação sobre determinadas questões jurídicas levadas aos juristas por uma das partes, apresentadas no caso de um conflito diante do tribunal. Os responsa são o início de uma teoria jurídica entre os romanos. As respostas dos prudentes - responsa prudentium – são as sentenças e opiniões produzidas a quem é atribuído o poder de fixar o direito. Nesse período, os jurisconsultos, jurisperitos ou prudentes estão investidos do jus publice respondendi, ou seja, o direito de responder oficialmente às consultas que lhes são formuladas. O jus respondenti é o direito de dar uma consulta, de fixar a regra de direito aplicável a um determinado caso. O advérbio publice, tem o sentido de em nome do povo. Mas ainda havia pouca argumentação e as decisões se pautavam no fato de as questões jurídicas, levadas ao conhecimento dos jurisconsultos, serem afirmadas por personalidades com reconhecimento na sociedade. Noutras palavras, não se ouvia as razões de uma parte e as razões da outra para se chegar à solução do conflito. Simplesmente se resolvia o problema nas justificativas apresentadas pela parte que tivesse maior reconhecimento, destaque, na sociedade romana. Em um terceiro momento, com a acumulação de responsas, surge a possibilidade de entrelaçamento das decisões; a escolha de premissas (de uma ou de outra parte); e também se fortalecem as opiniões por meio de justificações. Para tanto, os PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Prof. José Augusto Magni Dunck romanos resgatam alguns instrumentos técnicos gregos, como a retórica, a dialética (confronto de ideias; a arte das contradições), a gramática, a filosofia, etc. Nesse momento, há uma condução dos romanos a um saber prático (produziram definições duradouras e critérios distintivos para as diferentes situações conflituosas que pudessem aparecer na prática). Desenvolve-se o poder de argumentar e provar, que, em nossos dias, é tão importante no processo, figurando, inclusive, como um princípio de direito processual. Por sua vez, o juiz é tido como aquele que decide e responde por sua decisão enquanto juiz. No último e quarto momento, o direito pouco a pouco alcança um nível de abstração maior, tornando-se uma regulação abstrata. Assume a forma de poder decisório que formulava as condições para a decisão correta. É o surgimento do pensamento prudencial, com suas regras, princípios, meios interpretativos, etc. Os romanos fundaram somente uma única cidade, que foi sendo ampliada. A fundação de Roma é o fato originário de sua cultura, motivo pelo qual a religião romana tem um sentido que a própria palavra revela: religião vem de religare, ou seja, estar ligadoao passado, estar a ele obrigado no sentido de mantê-lo sempre presente, isto é, de aumentá-lo. Participar da política era, para o romano, preservar a fundação da cidade de Roma. Nesse sentido, a autoridade dos vivos decorria daqueles que haviam fundado a cidade e que transmitiam aos dirigentes este domínio por intermédio da tradição. Daí o culto dos antepassados, chamados de maiores, e vistos como base legitimamente do domínio político. Assim, tinha autoridade aqueles que eram capazes de aumentar a fundação. O jurista mais do que pelo saber era respeitado pela sua honra e dever com a fundação, o que indicava estar ele mais perto dos antepassados. Entende-se por isso, que a teoria jurídica romana não era exatamente uma contemplação, mas, antes, a manifestação autoritária dos exemplos e dos feitos dos antepassados e dos costumes daí derivados. Os próprios gregos e sua sabedoria só se tornaram autoridade por meio dos próprios romanos, que os fizeram seus antepassados em questões de filosofia, poesia, em matéria de pensamentos e ideias. Na Grécia, em Aristóteles, o direito era uma promessa de orientação para a ação no sentido de se descobrir o certo e o justo, a jurisprudência romana era, antes, uma confirmação, ou seja, um fundamento do certo e do justo. A jurisprudência tornou-se entre os romanos um instrumento efetivo de preservação da sua comunidade. Criou-se a possibilidade de um saber que era a ampliação da fundação de Roma e que se espalhou por todo o mundo conhecido com um saber universal, surgindo assim a possibilidade de um conhecimento universal do direito fundado. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Prof. José Augusto Magni Dunck 1.1.2 O DIREITO NA IDADE MÉDIA: O DIREITO COMO DOGMA O advento do Cristianismo levou a essa nova concepção de Direito. É o Cristianismo que faz a diferença entre política e religião, ainda que sutil. O grande marco foi uma resenha crítica dos digestos justinianeus (textos jurídicos romanos), em Bolonha, no século XI, aceitos como base indiscutível (dogma). Permanece o caráter sagrado do Direito, mas no sentido de algo transcendente à vida humana na Terra. Para os romanos, ao contrário, o caráter sagrado do Direito era algo imanente, explicado com o mito da fundação de Roma. A grande preocupação era a adequação à ordem natural, a relação do homem com o meio. Essa época representa um novo saber prudencial que não abandona totalmente o pensamento prudencial romano, mas apresenta outra finalidade: conhecer e interpretar a lei e a ordem, distinguindo as coisas divinas das coisas humanas. Representa o surgimento da dogmaticidade do pensamento jurídico (textos de Justiniano, fontes eclesiásticas, como base indiscutível do Direito – dogmas –, e que eram submetidos a técnicas explicativas, a exemplo da gramática, da retórica, pelos chamados glosadores) e, também, da teoria jurídica como disciplina universitária. Eram os glosadores (nome dado aos juristas da época) que faziam a harmonização dos diversos textos jurídicos, sempre tomando uma interpretação conforme o ensinamento da Igreja. • A Igreja limitava o poder político do rei. Resgata o Direito Romano apenas para permitir a centralização política na figura do rei, mas deixando a figura de Deus como o grande detentor de poder. Aliás, o uso de dogmas tinha o intuito de justificar a autoridade de Cristo como transcendente ao mundo político. • Os canonistas (religiosos) ditam o que seria dogma (daí se falar em Direito Canônico) e os juristas interpretavam esse dogma, sempre fazendo uma leitura conforme o pensamento da Igreja. • Há a construção de uma teoria jurídica para servir ao domínio político do rei, como instrumento de seu poder, o que auxilia na formação do Estado moderno. Contudo, não se pode perder de vista que a Igreja é que limitava o poder político do rei. 1.1.3 O DIREITO COMO ORDENAÇÃO RACIONAL O humanismo renascentista modifica a legitimação do Direito Romano, purificando e refinando o método da interpretação dos textos e, com isso, abrem-se as PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Prof. José Augusto Magni Dunck portas para a entrada da ciência moderna na teoria jurídica. Os modernos pensadores indagam sobre suas condições efetivas e racionais de sobrevivência. Tal formalização é que vai ligar o pensamento jurídico ao chamado pensamento sistemático. O Direito vai se afastando da Religião com a tecnização do saber jurídico. Isso leva, também, à perda do caráter ético do Direito. Surgimento da noção de sistema (conjunto coordenado de várias normas jurídicas num todo, numa estrutura organizada). O grande problema é: Como dominar, tecnicamente, a natureza que tanto ameaça a vida humana? Quebra do elo jurisprudência e procedimento dogmático pautado na autoridade de textos romanos, mas tenta aperfeiçoar o caráter dogmático, como algo construído a partir de premissas validadas (comprovadas) pela razão. O dogma passa a ser, então, aquilo que pode ser validado pela razão, e não algo advindo de uma autoridade, como se via na Idade Média. A teoria jurídica passa a ser um construído sistemático da razão e, em no da razão, um instrumento de crítica da realidade. Esta razão, sistemática, é pouco a pouco assimilada ao fenômeno do Estado Moderno, aparecendo o direito como um regulador nacional, supranacional, capaz de operar, apesar das divergências nacionais e religiosas, em todas as circunstâncias. 1.1.4 O DIREITO COMO NORMA POSTA: A POSITIVAÇÃO DO DIREITO A PARTIR DO SÉCULO XIX O Direito se limita àquilo que é ditado e reconhecido pelo Estado como norma jurídica. Limita-se ao Direito Positivo. Daí se falar em Positivismo jurídico. Positivismo jurídico é uma Escola de Pensamento Jurídico iniciada com Augusto Comte, filosofo francês. Os seguidores dessa Escola preocupam-se com a aplicação, a estrutura das normas, conceitos e regras jurídicas e não com o que reflete a norma. Hans Kelsen é um desses seguidores. Preocupação em dar segurança jurídica à sociedade, com maior estabilidade do ordenamento jurídico, através de normas escritas, postas pelo Estado. O fato de o direito tornar-se escrito contribuiu para importantes transformações a concepção de direito e de seu conhecimento. Nesse período, a percepção da necessidade de regras interpretativas cresce. Estas transformações iriam culminar em duas novas condicionantes, uma de natureza politica, outra de natureza técnico-jurídica. As primeiras, assinala-se a noção de soberania nacional e o princípio da separação dos poderes; As segundas, o caráter privilegiado que a PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Prof. José Augusto Magni Dunck lei assume como fonte do direito e a concepção do direito como sistema de normas postas (escritas). O sistema jurídico é necessariamente manifestação de uma unidade imanente (inseparável), perfeita e acabada, que a análise sistemática, realizada pela dogmática, faz mister explicar. O positivismo jurídico pode ser resumido sob a conceituação básica de que esta se trata de uma escola jurídico-filosófica que tem por marco o condicionamento do Direito à posição de ciência. O risco de um distanciamento progressivo da realidade pode custar caro à sociedade, pois a ciência dogmática, sendo abstração de abstração, vai preocupar-se de modo cada vez mais preponderante com a função das suas próprias classificações, com a natureza jurídica dos seus próprios conceitos etc. Os fatos levaram ao início da decadência do positivismo: a derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, movimentos políticos e militares que, ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais acusados de Nuremberg invocaram o cumprimentoda lei e a obediência a ordens emanadas da autoridade competente. Até mesmo a segregação da comunidade judaica, na Alemanha, teve início com as chamadas leis raciais, regularmente editadas e publicadas. A construção de uma ciência jurídica menos dogmática e mais próxima à realidade e contexto social ao qual visa incidir, bem como sua aproximação com outras ciências sem o temor de perda de sua força como ciência autônoma, mostrou-se progressivamente mais evidentes. 1.1.5 O DIREITO COMO INSTRUMENTO DECISÓRIO: A ciência dogmática do direito, na tradição que nos vem do século XIX, encarando o direito como regras dadas, pelo Estado protetor e repressor, tende a assumir o papel de conservadora daquelas regras, que, então, são por ela sistematizadas e interpretadas. Nela prevalece um enfoque que tende a privilegiar as questões formais, como o problema da natureza jurídica dos institutos, da coerência do ordenamento jurídico, do estabelecimento de regras de interpretação, responsabilidades, relação jurídica, sanção, sentido de ato ilícito e lícito, direito subjetivo etc. O jurista contemporâneo preocupa-se com o direito que ele postula ser um todo coerente, relativamente preciso nas suas determinações, orientado para uma ordem finalista, que protege a todos indistintamente. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Prof. José Augusto Magni Dunck 1.1.6 O SURGIMENTO DA DISCIPLINA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO A ciência jurídica apresentou autonomia a partir do século XVII com a publicação da enciclopédia jurídica de Hunnius em 1638. Contudo, em épocas passadas a disciplina introdução ao Estudo do Direito já apresentava precursores. As institutas (manuais elementares do direito privado) de GAYO, foram publicadas no século II de nossa era. As preparadas por Triboniano, Teófilo e Doroteu, foram publicadas em 21 de novembro de 533, por ordem de Justiniano. Estas revogaram as de GAYO e entraram em vigor em 30 de dezembro do mesmo ano. 1.1.7 ORDEM CRONOLÓGICA DAS INSTITUTAS 2.1 Guglielmo Duranti em 1275. Speculum Juris. A imagem do Direito. 2.2 Lagus em 1543. Methodica Juris Utriusque Traditio. Ensino metódico do Direito. 2.3 Gregório de Tolosa no final do século XVI. Syntagma Juris Universi. Tradado Geral do Direito. 2.4 Hunnius em 1638. Encyclopédia Juris Universi. Enciclopédia Geral do Direito. 2.5 Leibnitz em 1667. Nova Methodus discendae docen do eque Jurisprudentia. Novo método de ensinar e aprender Direito. 2.6 Thomasius em 1669. Projetto Summario Delle Dottrine Fon Domentalli Necessarie a Conoscer si da uno studioso Dell diritto. Com a emancipação das ciências jurídicas, surgiram os fundadores da disciplina ora estudada. A enciclopédia jurídica Hunnius foi utilizada em vários países da Europa. Com a superação científica da citada enciclopédia, em 1900, na Alemanha, oficialmente apareceu a Introdução à Ciência do Direito. 1.1.7 A DISCIPLINA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO NO BRASIL A primeira disciplina de caráter propedêutico (preliminar), em nosso país, foi o Direito Natural – denominação antiga da Filosofia do Direito – a partir de 11 de agosto de 1827, com a criação dos cursos jurídicos em São Paulo e Olinda, ainda no Brasil Império. Em 1891, com o advento da República, devido à reforma de Bejamin Constant, Ministro de Guerra e da Instrução Pública, o currículo do curso jurídico sofreu alterações e a disciplina Direito Natural foi substituída pela filosofia e História do Direito, lecionada no primeiro ano do curso jurídico. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Prof. José Augusto Magni Dunck O art. 8º das disposições transitórias da Constituição da República de 1891 consagrou Bejamin Constant como fundador da República. “Art 8º - O Governo federal adquirirá para a Nação a casa em que faleceu o Doutor Benjamin Constant Botelho de Magalhães e nela mandará colocar uma lápide em homenagem à memória do grande patriota - o fundador da República” Em 1912, com a reforma de Ridávia Correia, Ministro da Justiça, a disciplina foi substituída pela Enciclopédia Jurídica, que permaneceu como matéria de iniciação durante três anos, sendo posteriormente suprimida pela reforma de Carlos Maximiliano que, em 1915, introduziu a Filosofia do Direito estudada no primeiro ano do curso de Direito. Em 1931, a reforma de Francisco Campos, Ministro da Educação à época, instituiu a Introdução à Ciência do Direito em substituição a Filosofia do Direito. Foi neste ano que o Ministério da Educação foi criado. Por fim, a resolução nº 03, de 02 de fevereiro de 1973, do Conselho Federal de Educação, alterou a nomenclatura Introdução à Ciência do Direito por Introdução ao Estudo do Direito. Não sendo filosofia, a Introdução ao Estudo do Direito também escapa de um prisma estritamente científico. Daí concluir que a denominação Introdução ao Estudo de Direito é mais fiel à realidade. BIBLIOGRAFIA UTILIZADA: NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro. Forense. 2013. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas. 2008.
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