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REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃOn No 1 n 2008 n VOLUME 11 http://www.sbh.org.br ••••• Aspectos fisiológicos da hipertensão arterial na gravidez ••••• Hipertensão e gravidez: fisiopatologia ••••• Caso clínico: Hipertensão renovascular causada por aneurismas bilaterais em artérias renais (AAR) ••••• Hipertensão associada a gestação e risco cardiovascular ••••• Os esfigmomanômetros de coluna de mercúrio devem ser eliminados da prática clínica? ••••• Hipertensão arterial na gravidez: avanços no tratamento ambulatorial ••••• Aspectos nutricionais relacionados ao controle das dislipidemias ISSN-1809-4260 00 - Capa 01-2008.pm6 03/03/08, 15:341 1Hipertensão 2008; 11(1): 1 EDITORIAL EDITORIAL Crônica em Homenagem ao Dr. Clóvis Andrade A saudade é dor da gente, moreno! O adeus foi súbito, inesperado, impactante. A notícia chegava por telefone. Impossível acreditar. O que teria acontecido?! Não, a verdade não poderia ser tão rigorosa. Enganavam- se todos. As palavras estavam soltas, sem significado, ocas. No entanto, em poucos minutos, as emoções pareciam diferentes, aprisionadas pelo pranto que não desabava de uma única vez. O amigo, o companheiro de inúmeras jornadas, o incansável militante acenava o último diálogo. Baixo, moreno, porte simples, elegância despojada, Clóvis Andrade, escondia o menino que nele habitava. Tinha o olhar manso e um jeito muito próprio de somar esforços em todas as empreitadas que decidiu assumir em vida, como se guardasse a crítica construtiva em algum bolso da algibeira, disposto a sacá-la quando necessário. Não escondia o homem das artes, amante da música, tendo ensaiado várias paródias em nome da prevenção das doenças cardiovasculares, escolhendo como mote principal, a hipertensão arterial, vilã temida pelos homo sapiens. Sempre o encontrava com um sorriso nos lábios, entusiasmado com a possibilidade de mudar a realidade brasileira pelas ações que abraçava. Dotado de uma invejável vontade de mudar a morbidade e mortalidade no Brasil, Clóvis, participava ativamente dos seminários, congressos, simpósios (organizava- os anualmente em Aracaju), colóquios, passeatas com a população, enfim, foi assim que o conheci, há alguns anos. Nunca se recusou a contribuir nas tarefas em que era convocado. Homem simples, assim viveu e assim morreu: sem alardes nem frenéticas aparições. Guardava uma modéstia monástica. O que lhe agradava era mesmo participar ativamente do mutirão em prol dos mais pobres, os pobres hipertensos brasileiros, sergipanos, nordestinos ou sulistas. A imagem plácida de Clóvis Andrade denunciava uma única inquietação: mudar este país para um mundo melhor. Entregava-se de corpo e alma à profissão. O mundo dos hipertensólogos está mais pobre sem a figura inesquecível de Clóvis. Mais pobre e mais triste; um vazio se espalha silenciosamente por todos os recantos, do jeito dele, por todos os recantos da reflexão. Ao sentir a dor da saudade, de uma saudade que se alonga em perene lembrança, resta-me repetir o poeta Fernando Pessoa: “Há em mim/Uma impossibilidade de existir/De que (abdiquei), vivendo”. Hilton Chaves Hipertensão e gravidez: conceitos atuais Levantamentos desenvolvidos pela Organização Mundial da Saúde, em 2005, apontam que a pré-eclampsia é diretamente relacionada a cerca de sessenta mil óbitos, por ano, em todo o mundo. Focalizando mais especificamente a situação, em nosso meio, os pesquisadores D.S. Gaio, M.I. Schmidt, B.B. Duncan et al., realizaram um amplo estudo, entre 1991 e 1995, demonstrando que a ocorrência de doença hipertensiva relacionada à gestação situa-se em torno de 7,5%. Nesse trabalho, a pré-eclampsia foi identificada em 2,3% dos casos. Tais cifras são suficientes para evidenciar a importância do tema, sobretudo na avaliação de fatores que, direta ou indiretamente, são responsabilizados pela mortalidade materno-fetal. Em sintonia com esse conjunto de achados, a revista HIPERTENSÃO procurou e obteve a colaboração de diversos e consagrados especialistas nessa área. O resultado principal dessa iniciativa foi a produção da presente edição que, ao lado de outros tópicos correlatos, reúne a orientação dos autores no manejo de mulheres grávidas que associam a presença de hipertensão arterial sistêmica e risco aumentado de complicações cardiovasculares. Nas abordagens apresentadas são também discutidas as opções terapêuticas indicadas em cada circunstância clínica. Mulheres sob uso de anticoncepcional oral, por exemplo, evoluem com maior possibilidade de aumento da pressão arterial diastólica. Além disso, dificultam o controle pressórico, independentemente da faixa etária, peso e uso de fármacos anti-hipertensivos. A expectativa é de que o presente número em particular, seja de interesse e de grande utilidade para nossos leitores. Dra. Maria Helena Catelli de Carvalho Editora 01 - Editorial_01_2008_ESPECIAL_02.pm6 06/03/08, 13:491 2 Hipertensão 2008; 11(1): 2–3 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ÍNDICE ÍNDICE EXPEDIENTE Produção Gráfica e Editorial - BestPoint Editora Rua Ministro Nelson Hungria, 239 - Conjunto 5 - 05690-050 - São Paulo - SP Telefax: (11) 3758-1787 / 3758-2197. E-mail: bg@uol.com.br. Médico / Jornalista Responsável: Benemar Guimarães - CRMSP 11243 / MTb 8668. Assessoria Editorial: Marco Barbato. Revisão: Márcio Barbosa. Aspectos fisiológicos da hipertensão arterial na gravidez .................................................................................................. 4 Hipertensão e gravidez: fisiopatologia ............................................................................................... 9 Caso clínico: Hipertensão renovascular causada por aneurismas bilaterais em artérias renais (AAR) ........................................................... 14 Hipertensão associada a gestação e risco cardiovascular ................................................................................... 18 Os esfigmomanômetros de coluna de mercúrio devem ser eliminados da prática clínica? ................................................... 20 Hipertensão arterial na gravidez: avanços no tratamento ambulatorial .......................................................... 27 Aspectos nutricionais relacionados ao controle das dislipidemias ......................................................................... 32 HIPERTENSˆO Revista da Sociedade Brasileira de Hipertensão EDITORA DRA. MARIA HELENA C. DE CARVALHO (SP) CO-EDITOR DR. DANTE MARCELO A. GIORGI (SP) CONSELHO EDITORIAL DR. EDUARDO MOACYR KRIEGER (SP) DR. ARTUR BELTRAME RIBEIRO (SP) DR. DANTE MARCELO A. GIORGI (SP) DR. FLÁVIO D. FUCHS (RS) DR. PAULO CÉSAR B. VEIGA JARDIM (GO) DR. ARMÊNIO C. GUIMARÃES (BA) DR. CARLOS EDUARDO NEGRÃO (SP) DRA. ANGELA MARIA G. PIERIN (SP) DR. FERNANDO NOBRE (SP) DR. WILLE OIGMAN (RJ) DR. OSVALDO KOHLMANN JR. (SP) DR. JOSÉ EDUARDO KRIEGER (SP) DR. AGOSTINHO TAVARES (SP) DR. ROBSON AUGUSTO SOUZA SANTOS (MG) DR. HILTON CHAVES (PE) DR. ELISARDO C. VASQUEZ (ES) DR. JOSÉ MÁRCIO RIBEIRO (MG) DR. HENO FERREIRA LOPES (SP) DRA. FRIDA LIANE PLAVNIK (SP) PESQUISA BIBLIOGRÁFICA CARMELINA DE FACIO (SP) As matérias e os conceitos aqui apresentados não expressam necessariamente a opinião da Boehringer Ingelheim do Brasil Química e Farmacêutica Ltda. 02 - Índice-Diretoria 01_2008.pm6 03/03/08, 15:352 3Hipertensão 2008; 11(1): 2–3 SBH S o c i e d a d e B r a s i l e i r a d e H i p e r t e n s ã o DIRETORIA Presidente Dr. Artur Beltrame Ribeiro Vice-Presidente Dr. Fernando Nobre Tesoureiro Dra. Maria Claudia Irigoyen Secretários Dra. Frida Liane PlavnikDr. Hilton Chaves Presidente Anterior Dr. Robson A. Souza dos Santos Conselho Científico Dra. Andréa Araujo Brandão Dra. Angela Maria G. Pierin Dr. Armênio Costa Guimarães Dr. Artur Beltrame Ribeiro Dr. Ayrton Pires Brandão Dr. Carlos Eduardo Negrão Dr. Celso Amodeo Dr. Dante Marcelo A. Giorgi Dr. Décio Mion Jr. Dra. Dulce Elena Casarini Dr. Eduardo Moacyr Krieger Dr. Elisardo C. Vasquez Dr. Fernando Almeida Dr. Fernando Nobre Dr. Hilton Chaves Dr. José Eduardo Krieger Dr. José Márcio Ribeiro Dra. Luiz Aparecido Bortolotto Dra. Maria Claudia Irigoyen Dra. Maria Helena C. Carvalho Dra. Maria José Campagnole Dr. Osvaldo Kohlmann Jr. Dr. Robson A. S. Santos Dr. Wille Oigman Sociedade Brasileira de Hipertensão Tel.: (11) 3284-0215 Fax: (11) 3289-3279 E-mail: sbh@sbh.org.br Home Page: http://www.sbh.org.br 02 - Índice-Diretoria 01_2008.pm6 03/03/08, 15:353 4 Hipertensão 2008; 11(1): 4–8 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ MÓDULO TEMÁTICO Aspectos fisiológicos da hipertensªo arterial na gravidez Physiological mechanisms related to pregnancy induced hypertension Giovani Gadonski* Serviço de Nefrologia do Hospital São Lucas, Laboratório de Nefrologia do Instituto de Pesquisas Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Maria Claudia Costa Irigoyen Professora Livre-Docente – Unidade de Hipertensão Departamento de Cardiopneumologia, FMUSP Palavras-chave: hipertensão, gestação, fisiologia. Key words: hypertension, pregnancy, physiology. Autores: *Endereço para correspondência: Av. Ipiranga, 6.690 – 3o andar – Hemodiálise 90610-000 – Porto Alegre – RS E-mail: ggadonski@yahoo.com.br Resumo A doença hipertensiva gestacional, especialmente a pré- eclampsia (PE), está relacionada a aumento da mortalidade materno-fetal. A elucidação da sua fisiopatologia é crucial para os avanços terapêuticos. A PE pode ser dividida em dois estágios: placentário e materno. Fatores têm sido aventados como responsáveis pela conexão entre a isquemia placentária e a síndrome materna. Nesta revisão, abordaremos aspectos atuais dos meca- nismos fisiológicos envolvidos na gênese da hipertensão na gravidez. Abstract Pregnancy induced hypertension, especially preeclampsia, is related to increased maternal and fetal mortality. Improvement in understanding its physiology is crucial to develop new treatments. Preeclampsia can be divided in two phases: placental and maternal. Many factors have been indicated as possibly responsible for connecting placental phase and maternal syndrome. In this review, we describe current physiological mechanisms related to pregnancy induced hypertension. Financiado pelo Serviço de Nefrologia da PUCRS, FAPESP, CAPES, CNPq, Fundação Zerbini Recebido em 27/11/2007. Aceito em 14/01/2008. Introdução De acordo com a Organização Mundial da Saúde, dentre as doenças hipertensivas ligadas à gestação, a pré-eclampsia (PE) afeta de 2% a 3% de todas as gestações no mundo, sendo responsável por, aproximadamente, 60 mil mortes a cada ano1. Estudo realizado no Rio Grande do Sul demonstrou que, den- tre as causas de mortes obstétricas diretas, a principal é a hi- pertensão arterial sistêmica (HAS), ocorrendo em 18,5% dos casos. Estudo brasileiro realizado entre 1991 e 1995 demons- trou uma incidência de 7,5% de doenças hipertensivas ligadas à gestação. Dentre elas, diagnosticou-se pré-eclampsia em 2,3% dos casos. Além disso, 4% das gestantes foram classifi- cadas como hipertensas crônicas2. A PE é uma síndrome que faz parte de um conjunto de patologias denominadas doenças hipertensivas ligadas à ges- tação. Elas constituem uma das principais causas de morbidade 03 - MT Hipertensão arterial na gravidez.pm6 03/03/08, 15:354 5Hipertensão 2008; 11(1): 4–8 e de mortalidade tanto materna quanto fetal, mesmo em paí- ses desenvolvidos. Essa condição está associada à restrição de crescimento intra-uterino em cerca de 30% dos casos, além de parto prematuro e baixo peso ao nascer3. Segundo o grupo de investigação do “National Heart, Lung and Blood Institute”, as doenças hipertensivas gestacio- nais podem ser classificadas em pré-eclampsia, eclampsia, hipertensão gestacional e hipertensão crônica. Define-se pré- eclampsia como surgimento de hipertensão arterial sistêmica (pressão arterial sistólica maior ou igual a 140 mmHg ou pres- são arterial diastólica igual ou acima de 90 mmHg) combina- da com proteinúria diária superior a 300 miligramas (mg) manifestadas após a vigésima semana de gestação. Eclampsia ocorre quando a PE evolui acompanhada de crises convulsi- vas. A hipertensão gestacional surge após a metade da gesta- ção, podendo ser distinguida da PE por não apresentar protei- núria acima de 300 mg. Por outro lado, a hipertensão crônica pode ser caracterizada pela elevação dos níveis tensionais aci- ma dos limites citados, instalada previamente ao período ges- tacional, ou antes da vigésima semana de gestação. Conside- ra-se ainda hipertensão crônica quando a pressão arterial per- manece elevada após doze semanas do parto3. Aspectos fisiológicos da pré-eclampsia Devido ao fato de a PE ocorrer espontaneamente apenas em humanos e macacos mais desenvolvidos na escala evoluti- va e das limitações éticas para o estudo da sua fisiopatologia, diversos modelos têm sido descritos e utilizados na sua inves- tigação. Um modelo que divide a PE em dois estágios tem sido empregado conceitualmente, permitindo uma melhor aborda- gem no entendimento da fisiopatologia da doença. O fato de a PE ser uma doença específica da gestação, desaparecendo após o parto, denota a participação crucial da placenta na sua fisio- patogenia. A redução da perfusão útero-placentária tem sido postulada como o evento inicial, sendo resultado da invasão anormal do citotrofoblasto sobre as arteríolas espiraladas. Esse estágio, de uma maneira ainda não totalmente elucidada, evo- lui em algumas gestantes para a segunda etapa da doença, que corresponde à síndrome materna da pré-eclampsia. Atualmente, evidências demonstram que a placenta exerce uma participação fundamental no desenvolvimento da pré- eclampsia. Esse achado foi inicialmente sugerido em um rela- to de caso de gestação abdominal acompanhada de PE onde, na ocasião do parto, não foi retirado completamente o tecido placentário. O quadro de PE persistiu até o momento em que toda a placenta foi removida4. Ademais, observa-se que não há necessidade da presença do feto, uma vez que está descrito PE em casos de mola hidatiforme, onde virtualmente não existe tecido fetal. Na gestação normal, as artérias espiraladas do miomé- trio e da decídua que perfundem a placenta sofrem profundo remodelamento. Esse processo se caracteriza pela desintegra- ção da túnica média e da lâmina elástica interna, além da subs- tituição endotelial por células trofoblásticas extravilosas que expressam o fenótipo endotelial. Ao final do processo, as ar- térias espiraladas passam a apresentar um diâmetro pelo me- nos quatro vezes maior que aquele encontrado nas artérias não- envolvidas na gestação. Na PE, esses vasos sofrem mínimas modificações5. O controle celular da invasão trofoblástica depende da interação entre a decídua materna e o trofoblasto fetal. A ten- são de oxigênio local e a interação com o sistema imunológi- co são fatores determinantes nesse processo, sendo que o me- canismo final parece estar associado ao aumento da taxa de apoptose dos citotrofoblastos que invadem o útero de gestan- tes com PE. A apoptose leva à liberação de microfragmentos de sinciciotrofoblastos na circulação materna. Os micro- fragmentos se encontram elevados no soro de pacientes com PE, podendo também ter participação no desenvolvimento da doença6. Porém, indubitavelmente,é preciso mais que a presença da placenta para o desenvolvimento da PE, visto que apenas uma parcela das gestantes desenvolve a doença. Múltiplos fa- tores maternos, tais como carga genética, ambiente e compor- tamento, devem interagir com a redução da perfusão placen- tária para culminar na síndrome completa. Nas pacientes com esses fatores, a redução da perfusão placentária desencadeia alterações sistêmicas que constituem o segundo estágio da doença. A síndrome materna se caracteriza pela redução da per- fusão de outros órgãos, além da placenta. Esse processo pode estar relacionado à ausência da redução da resistência vascu- lar periférica e da reatividade vascular aos agonistas vasocons- tritores observados na gestação normal, podendo evoluir acom- panhada de hemorragia e necrose7. No fígado, a expressão clí- nica pode ser evidenciada pelo aumento dos níveis séricos das transaminases. Alteração visual e cefaléia persistente tradu- zem o envolvimento do sistema nervoso central. Nos rins, ocor- re diminuição da taxa de filtração glomerular, o que pode oca- sionar aumento dos níveis plasmáticos de ácido úrico. No te- cido cardíaco, está descrita necrose subendocárdica associada à doença. Todos esses órgãos têm em comum o envolvimento do endotélio vascular. Através de biópsia renal de gestantes com PE, observou-se endoteliose glomerular, que consiste no au- mento das dimensões dos glomérulos devido à hipertrofia das células endoteliais. Esse achado acabou evidenciando a parti- cipação do endotélio na doença, sendo posteriormente refor- çado pela descrição do aumento dos marcadores de dano en- dotelial, tais como o fator de Von Willibrand, a fibronectina, a trombomodulina e a endotelina8. Endotélio Dentre outras funções, o endotélio é responsável pelo controle do tônus da musculatura lisa dos vasos por meio da liberação de vasoconstritores e vasodilatadores. Esse balanço é fundamental para determinar a resistência vascular periféri- ca e, conseqüentemente, a pressão arterial. Uma das propostas para explicar a fisiopatologia da PE foi descrita por Granger e colaboradores. Ela integra os con- ceitos de baixa perfusão placentária com disfunção endotelial 03 - MT Hipertensão arterial na gravidez.pm6 03/03/08, 15:355 6 Hipertensão 2008; 11(1): 4–8 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ e seus mediadores. O modelo mostra um desequilíbrio nos mediadores vasodilatadores e vasoconstritores, assim como reatividade vascular alterada (figura 1)9. Dentre os vasodilatadores, destacam-se o óxido nítrico (ON) e as prostaglandinas (PG). O óxido nítrico se difunde rapidamente para fora da célula de origem em direção às célu- las vizinhas, onde se liga à guanosina monofosfato cíclica (GMPc) e induz relaxamento da musculatura lisa vascular. A enzima responsável pela sua produção, a óxido nítrico sintase (ONS), é expressa no sinciciotrofoblasto, bem como no endo- télio vascular umbilical e feto-placentário, onde a produção de ON contribui para a manutenção da baixa resistência vas- cular placentária. O aumento da síntese de ON colabora para a manutenção das adaptações fisiológicas observadas na gestação normal. Em estudos com animais, observou-se que os metabólitos es- táveis do óxido nítrico (nitrito e nitrato) encontram-se eleva- dos em ratas prenhes. O bloqueio não-seletivo da óxido nítri- co sintase resulta em alterações semelhantes àquelas observa- das na PE, como vasoconstrição renal, proteinúria, tromboci- topenia e restrição de crescimento intra-uterino, além de di- minuir a excreção urinária dos produtos do metabolismo do óxido nítrico10. Em humanos, diversos estudos têm tentado determinar a produção de ON investigando os níveis dos seus principais metabólitos no soro e no plasma de pacientes com PE e com- parando-os com gestantes normotensas. Em pré-eclâmpticas, foram descritos níveis diminuídos, similares ou aumentados em relação às gestantes controles. Esses estudos podem ter sofrido interferência de diversos fatores, tais como dieta e medicações em uso. Assim, a produção de ON durante a ges- tação normal e na PE ainda é controversa. O óxido nítrico é sintetizado a partir do aminoácido L-argi- nina, que entra na célula através de transportadores. Em he- mácias, foi demonstrado aumento da captação de L-arginina em gestantes normais, sendo que esse transporte sofre acrés- cimo ao longo do período gestacional e encontra-se ainda maior no pós-parto imediato. Em gestantes com PE, está descrito um aumento significativo na capacidade máxima de transpor- te de eritrócitos em comparação com gestantes normais, de- monstrando que a cinética do transporte da L-arginina encon- tra-se alterada nesse grupo de pacientes11. O GMPc é hidroxilado pela fosfodiesterase, uma enzima presente na parede uterina de ratas prenhes e virgens. Está demonstrado que a inibição dessa enzima aumenta a vasodila- tação dependente do endotélio em pequenas artérias do mio- métrio em gestações complicadas por PE. Estudo observou que a atividade da fosfodiesterase em gestantes com PE é sig- nificativamente maior, se comparada a gestantes normais. Es- ses achados sugerem que o aumento da atividade da enzima leva à degradação do segundo mensageiro GMPc, podendo reduzir a vasodilatação periférica presente na gestação nor- mal e ocasionando aumento da pressão arterial sistêmica12. Alterações significativas na produção de prostaglandi- nas ocorrem em gestantes com PE, sendo descrita a diminui- ção da síntese de produtos vasodilatadores – como a prostaci- clina – associada ao aumento da produção de vasoconstrito- res, como o tromboxano A2. Na pré-eclampsia, está demons- trado aumento da sua produção e da excreção urinária de seu metabólito. Porém, estudo investigando a produção de prostaciclina e tromboxano antes da instalação do quadro da PE, observou que mulheres que desenvolveram PE ti- nham níveis de prostaciclina significativamente menores em comparação com as gestantes que não desenvolveram a doença, o que foi documentado desde o período inicial da gravidez (13 a 16 semanas). Por outro lado, esse estudo re- latou que os níveis de tromboxano em gestantes que desenvol- veram PE não estavam significativamente aumentados em re- lação àquelas que não desenvolveram a doença. Esses estudos motivaram a investigação da utilização do ácido acetilsalicíli- co na prevenção da instalação da doença em mulheres com e sem fatores de risco. Além do tromboxano, outros vasoconstritores participam do controle do tônus vascular. Dentre essas substâncias, en- contram-se a endotelina, a renina e os mediadores do sistema nervoso autonômico simpático. A maior parte dos estudos que investigou os níveis de endo- telina observou um aumento em cerca de duas a três vezes em gestantes com PE quando comparadas aos controles. O aumento dos níveis da endotelina ocorre principalmente na fase final da doença, podendo isso significar que essa substância não está en- volvida diretamente na gênese, mas na progressão da doença7. Controle autonômico e sistema renina-angiotensina-aldosterona Sugere-se que a PE é um estado de hiperatividade simpá- tica, que é revertido após o parto. Esse achado leva a crer que o aumento da resistência vascular periférica observado na PE pode ser explicado, pelo menos em parte, pelo aumento da atividade simpática13. O sistema renina-angiotensina-aldosterona encontra-se es- timulado durante a gestação normal. Em situações de PE gra- ve, está descrita uma redução significativa da concentração sé- rica da aldosterona e da atividade da renina plasmática em com- paração com os controles. Esse fenômeno seria secundário à profunda vasoconstrição periférica encontrada na doença em virtude do aumento da sensibilidade aos vasoconstritores14. Interação materno-fetal Não estáelucidado como a redução da perfusão placen- tária poderia levar a alterações vasculares generalizadas na circulação materna. Para tanto, haveria a necessidade de ocor- rer liberação de um ou mais fatores vasoativos provenientes da placenta isquêmica para a circulação materna. Muitos fato- res têm sido apontados como possíveis candidatos, fazendo com que a PE seja conhecida como a doença das teorias, sen- do que nenhuma delas tem sido completamente aceita e com- provada com o passar dos anos. As moléculas candidatas in- cluem a forma solúvel do receptor do fator de crescimento vascular endotelial (VEGF), a fração solúvel da endoglina, os fragmentos placentários, além das espécies ativas do oxigênio e os mediadores inflamatórios. 03 - MT Hipertensão arterial na gravidez.pm6 03/03/08, 15:356 7Hipertensão 2008; 11(1): 4–8 sFLT1 O fator de crescimento vascular endotelial tem um papel importante na angiogênese que, quando inadequada, pode levar à placentação defeituosa e à PE. A inserção alternativa do RNA mensageiro de um dos receptores do VEGF, o FLT1, produz uma forma solúvel desse receptor: tirosina quinase 1 placen- tária solúvel tipo fms (sFLT1), que se liga e gera efeito anta- gônico tanto ao fator de crescimento vascular quanto ao fa- tor de crescimento placentário (PlGF). A expressão protéica do sFLT1 aparece aumentada na PE. Experimentalmente, a administração de sFLT1 no período inicial da gestação de ra- tas induz hipertensão, proteinúria e endoteliose glomerular. Além disso, foi demonstrado recentemente que a redução da perfusão uterina em ratas está associada a aumento da con- centração plasmática e placentária de sFLT1, bem como à redução da concentração de VEGF e de PlGF. Esses achados sugerem que o excesso de sFLT1 circulante contribui para a patogênese da PE15. Endoglina A endoglina (CD105) é um receptor de superfície celular dos fatores de crescimento TGF-β1 e TGF-β3, expresso nas cé- lulas endoteliais e no sinciciotrofoblasto, que induz aumento no diâmetro arterial de maneira dose-dependente. Foi descrita uma nova forma solúvel da endoglina derivada da placenta que está presente no soro de gestantes, aumentada na PE e em níveis ainda maiores nas formas severas da doença. A endoglina coo- pera com sFLT1 na indução do dano endotelial in vitro e de PE severa in vivo. A combinação desses fatores mostrou um efeito aditivo no fígado, indicando que os mesmos podem agir siner- gicamente na ruptura da integridade en- dotelial e induzir dano vascular conside- rável16. Espécies ativas de oxigênio Outra hipótese sugere que a hipóxia causada pela redução de perfusão placen- tária gera espécies ativas de oxigênio com capacidade de induzir dano endotelial sis- têmico. Plaquetas, neutrófilos e monóci- tos, quando ativados, podem liberar es- pécies ativas de oxigênio. No entanto, essas substâncias são lábeis, tornando pouco provável a produção placentária com atuação em sítios distantes. Estudo clínico inicial demonstrou que a suple- mentação com vitaminas C e E, utiliza- das pelas suas propriedades de remoção de espécies ativas hidrofílicas e lipofíli- cas, respectivamente, foi benéfica para gestantes com fatores de risco para a PE. Porém, ensaios clínicos randomizados que administraram as mesmas vitaminas para pacientes com e sem fatores de risco para PE demonstraram incidência seme- lhante ao grupo placebo, não havendo, assim, indicação de utilização profiláti- ca das mesmas durante a gestação. Vale ressaltar que o estu- do que investigou gestantes com fatores de risco para PE registrou maior número de recém-nascidos com baixo peso no grupo que recebeu o tratamento em comparação com os controles17. Mediadores inflamatórios Supõe-se que um dos possíveis mecanismos ligados à gênese da PE ocorra devido à resposta inflamatória intra- vascular excessiva. Vários níveis de evidência corroboram a hipótese que a isquemia placentária contribui para a ativa- ção e disfunção endotelial sistêmica através de mediadores inflamatórios. Em nível celular, está relatada a ativação da resposta inflamatória. Tanto granulócitos quanto monócitos encon- tram-se ativados na pré-eclampsia. Em humanos, constatou- se que os níveis plasmáticos de interleucina-6 (IL-6) e fa- tor de necrose tumoral alfa (TNF-α) estão aumentados em pacientes com PE quando comparados aos controles. Observa-se que, em relação aos níveis de TNF-α, ocorre um aumento em torno de duas vezes; enquanto que, refe- rente à interleucina-6, o acréscimo é de três vezes com- parando-se com as gestantes normais. Também está des- crito aumento dos níveis de TNF-α no líquido amniótico de pré-eclâmpticas. Em outro estudo, foi relatado aumento dos níveis plasmáticos de IL-6 associados à molécula de ade- são vascular celular (VCAM), o que pode estar relacionado ao mecanismo de ativação leucocitária presente na doença. Esses achados foram confirmados em estudos mais recentes e nas formas mais graves da doença; incluindo a síndrome FIGURA 1 Potenciais mecanismos envolvidos na redução da perfusão útero-placentária e hipertensão arterial sistêmica. Modificado de Granger et al 9 . 03 - MT Hipertensão arterial na gravidez.pm6 03/03/08, 15:357 8 Hipertensão 2008; 11(1): 4–8 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 1. World Health Organization. World Health Report 2005 - make every mother and child count. 2005 [capturado 2008 Jan 3] Disponível em: http://www.who.int/whr/ 2005/en/index.html. 2. GAIO, D.S.; SCHMIDT, M.I.; DUNCAN, B.B.; NUCCI, L.B.; MATOS, M.C.; BRANCHTEIN, L. Hypertensive disorders in pregnancy: frequency and associated factors in a cohort of Brazilian women. Hypertens. Pregnancy, v. 20, p. 269–281, 2001. 3. ROBERTS, J.M.; PEARSON, G.D.; CUTLER, J.A.; LINDHEIMER, M.D. Summary of the NHLBI Working Group on Research on Hypertension During Pregnancy. Hypertens. Pregnancy, v. 22, p. 109–127, 2003. 4. SHEMBREY, M.A.; NOBLE, A.D. An instructive case of abdominal pregnancy. Aust. N. Z. J. Obstet. Gynaecol., v. 35, p. 220–221, 1995. 5. ROBERTS, J.M.; GAMMILL, H.S. Preeclampsia: recent insights. 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Importance of nitric oxide in control of systemic and renal hemodynamics during normal pregnancy: studies in the rat and implications for preeclampsia. Hypertens. Pregnancy, v. 15, p. 147–169, 1996. 11. DA COSTA, B.P.; STEIBEL, J.P.; ANTONELLO, I.C.; GUIMARÃES, J.A.; POLI DE FIGUEIREDO, C.E. L-arginine erythrocyte transport in normal pregnant and preeclamptic women. Am. J. Obstet. Gynecol., v. 190, p. 468– 471, 2004. 12. PINHEIRO DA COSTA, B.E.; SCOCCO, C.; POLI DE FIGUEIREDO, C.E.; GUI- MARÃES, J.A. Increased serum phosphodiesterase activity in women with pre- eclampsia. Br. J. Obstet. Gynaecol., v. 113, p. 577–579, 2006. 13. SCHOBEL, H.P.; FISCHER, T.; HEUSZER, K.; GEIGER, H.; SCHMIEDER, R.E. Preeclampsia – a state of sympathetic overactivity. N. Eng. J. Med., v. 335,p. 1480–1485, 1996. 14. REDMAN, C.W.; SARGENT, I.L. Latest advances in understanding preeclampsia. Science, v. 308, p. 1592–1594, 2005. 15. GILBERT, J.S.; BABCOCK, S.A.; GRANGER, J.P. Hypertension produced by reduced uterine perfusion in pregnant rats is associated with increased soluble Fms- like tyrosine kinase-1 expression. Hypertension, v. 50, p. 1142–1147, 2007. 16. VENKATESHA, S.; TOPORSIAN, M.; LAM, C.; HANAI, J.I.; MAMMOTO, T.; KIM, Y.M.; BDOLAH, Y.; LIM, K.H.; YUAN, H.T.; LIBERMANN, T.A.; STILMANN, I.E.; ROBERTS, D.; D’AMORE, P.A.; EPSTEIN, F.H.; SELKE, F.W.; ROMERO, R.; SUKHATME, V.P.; LETARTE, M.; KARUMANCHI, S.A. Soluble endoglin contributes to the pathogenesis of preeclampsia. Nat. Med., v. 12, p. 642– 649, 2006. 17. POSTON, L.; BRILEY, A.L.; SEED, P.T.; KELLY, F.J.; SHENNAN, A.H. Vitamin C and vitamin E in pregnant women at risk for pre-eclampsia (VIP trial): randomized placebo-controlled trial. Lancet, v. 367, p. 1145–1154, 2006. 18. GADONSKI, G.; LAMARCA, B.B.; SULLIVAN, E.; BENNETT, W.; CHANDLER, D.; GRANGER, J.P. Hypertension produced by reductions in uterine perfusion in the pregnant rat: role of interleukin 6. Hypertension, v. 48, p. 711–716, 2006. Referências bibliográficas HELLP, caracterizada por hemólise, aumento das enzimas hepáticas e plaquetopenia. Em estudos com modelos animais, existem evidências sugerindo a participação das citocinas pró-inflamatórias como mediadoras do aumento da pressão arterial. A infusão de in- terleucina-6 em ratas prenhes induziu aumento da pressão ar- terial e atenuação das adaptações hemodinâmicas renais. Além disso, constatou-se aumento dos níveis de IL-6 em ratas sub- metidas à redução da perfusão uterina quando comparadas aos controles18. Assim, observamos que houve progresso na investigação da fisiopatologia da doença hipertensiva ligada à gestação, especialmente em relação à PE. No entanto, os mecanismos que levam à doença não estão completamente elucidados, prin- cipalmente no que diz respeito à interação materno-fetal e na conexão entre a síndrome placentária e a síndrome materna sistêmica. Apesar dos avanços na investigação dessa doença ainda não terem se traduzido em estratégias clínicas mais efetivas para o seu manejo, a elucidação desses mecanismos deve ofe- recer novas abordagens no futuro. Observando os limites éti- cos, podemos projetar que novas opções envolvendo media- dores endoteliais, fatores de crescimento vascular e placentá- rio, bem como mediadores inflamatórios farão parte do arse- nal terapêutico utilizado naquele que permanece sendo um dos maiores desafios médicos atuais. 03 - MT Hipertensão arterial na gravidez.pm6 03/03/08, 15:358 9Hipertensão 2008; 11(1): 9–13 MÓDULO TEMÁTICO Hipertensªo e gravidez: fisiopatologia Hypertension and pregnancy: pathophysiology Maria Rita de Figueiredo Lemos Bortolotto* Médica Assistente da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da FMUSP Luiz Aparecido Bortolotto Médico Assistente da Unidade de Hipertensão do InCor – Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP Marcelo Zugaib Professor Titular do Departamento de Obstetrícia da Faculdade de Medicina da USP Palavras-chave: hipertensão arterial, pré-eclampsia, gravidez, fisiopatologia, placenta, endotélio. Key words: hypertension, pre-eclampsia, pregnancy, pregnancy complications, placenta, endothelium. Autores: *Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 255 05403-900 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3069-6209 E-mail: ritalb@uol.com.br Resumo A hipertensão arterial na gravidez é uma das principais causas de morbidade e mortalidade materna e perinatal. Esta revisão aborda os principais mecanismos presentes na fisio- patologia da pré-eclampsia, que tem origem no desenvolvi- mento anormal da placenta. Como conseqüência dessa alte- ração ocorre resposta inflamatória, associada a disfunção en- dotelial e vasoconstrição, responsáveis pelas principais re- percussões clínicas maternas. Abstract Hypertension is one of the main causes of maternal and fetal morbidity and mortality. This article reviews the mechanisms in pathophysiology of pre-eclampsia, a multisystem disorder that arises after abnormal development of placenta, leading to vasoconstriction and endothelial dysfunction, responsible for the main clinical presentations of this disease. Recebido em 29/01/2008. Aceito em 21/02/2008. As síndromes hipertensivas são responsáveis por grande parte das complicações maiores observadas na assistência às gestantes e puérperas, sendo responsáveis por altos índices de mortalidade materna. Da mesma forma, as síndromes hiper- tensivas são responsáveis por expressivos índices de morbida- de e mortalidade em relação ao produto da concepção, seja por alterações do fluxo placentário determinadas pela doença ou seu tratamento, seja ainda pela prematuridade terapêutica relacionada à interrupção precoce da gestação nas formas gra- ves dessas patologias1. As síndromes hipertensivas compreendem a hipertensão arterial crônica (HAC) e a doença hipertensiva específica da gravidez (DHEG)1. A hipertensão arterial crônica é definida como a hipertensão arterial sistêmica anterior à gravidez, ou ainda detectada antes da 20a semana. O termo inclui também a hipertensão essencial latente, que pode ser identificada pela primeira vez durante a gravidez1. A DHEG divide-se em pré-eclampsia e eclampsia. A pré- eclampsia (ou ainda toxemia gravídica) é definida como o desenvolvimento de hipertensão arterial, edema e/ou protei- núria (igual ou superior a 300 mg em urina de 24 horas) ocor- rendo após a 20a semana de gestação (excetuando-se os casos 04 - MT Hipertensão e gravidez_fisiopatologia.pm6 05/03/08, 17:059 10 Hipertensão 2008; 11(1): 9–13 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ de moléstia trofoblástica gestacional, única situação em que se admite o aparecimento da pré-eclampsia antes desse perío- do). Algumas classificações utilizadas em outros serviços exi- gem a presença de proteinúria para que seja firmado o diag- nóstico de DHEG3. Muitas vezes, entretanto, o aparecimento do edema e a elevação dos níveis pressóricos precedem o sur- gimento da proteinúria. Assim, a exigência da presença deste dado laboratorial muitas vezes atrasa o diagnóstico e dificulta a tomada de decisões pertinentes. Estudos norte-americanos relatam que a hipertensão ar- terial crônica afeta de 1% a 5% das gestações2, observando que a freqüência aumenta com o aumento da idade materna; já a doença hipertensiva específica da gravidez ocorre em 5% a 10% das gestações, com maior prevalência nos extremos da idade reprodutiva3. Dentre os casos atendidos pelo Setor de Hipertensão Arterial da Clínica Obstétrica do HC-FMUSP foi observado que 65% das pacientes do eram portadoras de hi- pertensão arterial crônica, 25% tinham DHEG e 10% dos ca- sos relacionavam-se a hipertensão crônica com DHEG superajuntada. As formas graves da DHEG, pré-eclampsia grave e eclampsia foram observadas em, respectivamente, 4% e 2% dos casos atendidos1. Fisiopatologia A fisiopatologia depende da entidade analisada, da cha- mada “hipertensão arterial crônica” ou da hipertensão re- lacionada à gravidez. No caso da hipertensão arterial sistê- mica prévia à gestação (ou detectada pela primeira vez na primeira metade da gravidez), os mecanismos fisiopatoló- gicos são aqueles descritos para essa entidade fora do perí- odo gestacional. A hipertensão dita primária ou essencial é responsável pela maioria dos casos (93,2% dos casos na Clínica Obstétri- ca do HC-FMUSP). Dentre as gestantes portadoras de hiper- tensão arterial secundária, o diagnóstico mais comum foi o de doença renal crônica (5,7%) e apenas 1,1% dos casos apre- sentaram outras causas (feocromocitoma,hipertensão reno- vascular, hiperaldosteronismo primário, coarctação de aorta)1. Nem sempre a paciente chega ao pré-natal com o diagnóstico de hipertensão arterial secundária. Fisiopatologia da doença hipertensiva específica da gestação Os mecanismos que induzem ao aparecimento da doença hipertensiva ainda não estão totalmente esclarecidos. A pré- eclampsia é uma doença sistêmica, na qual estão envolvidos vasoconstrição, alterações metabólicas, disfunção endotelial, ativação da cascata da coagulação e resposta inflamatória au- mentada4. Na gênese dessas alterações estão envolvidos as- pectos imunológicos, genéticos, e placentação inadequada. Descreve-se incidência aumentada em primigestas, pacientes com história familiar de pré-eclampsia ou eclampsia, mulhe- res com pré-eclampsia anterior e aumento de massa trofoblásti- ca (gestação molar, triploidia fetal, hidropisia fetal não-imune, gestação múltipla). Nesta última situação, a DHEG aparece na sua forma mais grave, em idade gestacional mais precoce, e com desfecho pior tanto para a mãe quanto para o concepto1. Há vários fatores predisponentes de pré-eclampsia que devem ser reconhecidos para a prevenção e a melhor abordagem des- sas pacientes durante uma gestação. Além disso, a presença desses fatores predisponentes permite um melhor reconheci- mento dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos no desen- volvimento da pré-eclampsia. Na tabela 1 observamos os prin- cipais fatores predisponentes da pré-eclampsia5. Podemos no- tar que muitos dos fatores estão relacionados a alterações imu- nológicas, hematológicas e vasculares, sugerindo a participa- ção desses mecanismos no aparecimento da doença hiperten- siva específica da gestação. Em recente estudo6 prospectivo realizado na Noruega, envolvendo cerca de 3.000 mulheres, o maior risco de desenvolver pré-eclampsia foi associado a mai- ores níveis sangüíneos de triglicérides e colesterol, além de a maiores valores de pressão arterial observados antes do perío- do gestacional. Essas alterações poderiam facilitar a disfun- ção endotelial, reconhecidamente presente em mulheres que desenvolvem pré-eclampsia. Dentre esses fatores predisponentes, cabe uma menção especial às trombofilias. Nos últimos anos vários estudos têm associado a pré-eclampsia e outros eventos obstétricos ad- versos (abortamentos de repetição, perda fetal, descolamen- to prematuro de placenta) às trombofilias hereditárias e ad- quiridas7. No caso da pré-eclampsia, a correlação não foi observada com a forma leve da doença, mas sim com as formas graves, precoces, em associação com a síndrome HELLP, ou com comprometimento fetal intenso (óbito fe- tal, insuficiência placentária grave). O mecanismo fisiopa- tológico envolvido seria a ocorrência de trombose e infartos TABELA 1 RISCO RELATIVO DE DHEG CONFORME A PRESENÇA DE FATORES PREDISPONENTES Fatores predisponentes para a doença RR (IC 95%) hipertensiva específica da gravidez Idade materna ≥ 40 anos 1,96 (1,34–2,37) Nuliparidade 2,91 (1,28 – 6,61) Antecedente de DHEG 7,19 (5,85 – 8,83) História familiar de DHEG 2,90 (1,70 – 4,93) Hipertensão arterial preexistente PA diastólica ≥ 100 mmHg (< 20 semanas) 3,2 (1,7 – 7,8) PA sistólica ≥ 130 mmHg (< 18 semanas) 3,6 (2,0 – 6,6) Doença auto-imune crônica 6,9 (1,1 – 42,3) Síndrome dos anticorpos antifosfolípides (SAAF) 9,72 (4,34 – 21,75) Diabetes pré-gestacional 3,56 (2,54 – 4,99) IMC (índice de massa corpórea) > 30 antes da gravidez 2,47 (1,66 – 3,67) Gestação múltipla 2,93 (2,04 – 4,21) (Adaptado de Duckitt & Harrington, 2005)5 04 - MT Hipertensão e gravidez_fisiopatologia.pm6 05/03/08, 17:0510 11Hipertensão 2008; 11(1): 9–13 placentários, iniciando o desenvolvimento da doença. Na pre- sença da síndrome dos anticorpos antifosfolípides, haveria ain- da a presença de fenômenos inflamatórios desencadeados pe- los anticorpos, com influência no remodelamento vascular do leito placentário8. Recentemente, vem sendo proposto um mecanismo fi- siopatológico em dois estágios para a pré-eclampsia4,9: • primeiro estágio – perfusão placentária reduzida, pro- vável raiz do problema; • segundo estágio – expressa a síndrome materna da doença hipertensiva específica da gravidez. Alterações da perfusão placentária (figura 1) Durante o desenvolvimento normal da placenta, as célu- las do citotrofoblasto invadem as arteríolas espirais uterinas maternas provocando remodelamento vascular, com transfor- mação em vasos de grande capacitância e baixa resistência. Essas modificações atingem o endotélio e a camada média muscular das arteríolas espirais, com aumento da capacidade luminal e diminuição à resposta às drogas vasoativas. No pro- cesso normal de invasão trofoblástica, há mudança da expres- são genética de adesão molecular do trofoblasto, de células epiteliais para células endoteliais, num processo chamado de pseudovasculogênese. Neste processo estão envolvidos pro- dutos de genes relacionados à angiogênese, como o VEGF (vas- cular endothelial growth factor), angiopoietina, PlGF (placental growth factor) e outros, e parece ser desencadeado pelo au- mento da tensão tecidual de oxigênio. Na pré-eclampsia o me- canismo de invasão citotrofoblástica das arteríolas espirais está FIGURA 1 Alterações das arteríolas espirais uterinas na gravidez normal e na pré-eclampsia deficiente, levando à perfusão reduzida e insuficiência pla- centária. Estudos in vivo e in vitro mostram que o trofoblasto de pacientes com pré-eclampsia é incapaz de apresentar as modificações das moléculas de adesão e pseudovasculogêne- se4,10. Esse mecanismo depende da tensão tecidual do oxigê- nio, podendo sofrer influência de fatores imunológicos. A pla- centação normal requer equilíbrio da inibição e ativação das células NK, mediado por fatores maternos e fetais. O ponto de convergência dos mecanismos de invasão trofoblástica ina- dequada é a apoptose placentária. Entretanto, nem todas as mulheres com perfusão placentária inadequada desenvolvem DHEG. O remodelamento vascular inadequado também é ob- servado nas gestações com restrição do crescimento fetal e em alguns casos de trabalho de parto prematuro, mesmo sem as manifestações maternas de pré-eclampsia. Acredita-se que a perfusão placentária insuficiente deve interagir com fatores maternos para resultar em DHEG. Esses fatores são genéti- cos, ambientais ou comportamentais, e sofrem influência das modificações fisiológicas da gravidez, em particular a res- posta inflamatória aumentada1,4,9. Os fatores genéticos ligados à pré-eclampsia vêm atra- indo atenção há décadas. Chesley já havia observado maior ocorrência dessa doença em filhas de mulheres com eclamp- sia; a freqüência de pré-eclampsia é duas a cinco vezes maior em mães, filhas, irmãs e netas de mulheres afetadas do que em população controle1. Estudos genéticos concluem, mes- mo com limitações das populações analisadas, que há he- rança dominante com penetrância variável ou herança mul- tifatorial11. Entretanto, parece haver importância também 04 - MT Hipertensão e gravidez_fisiopatologia.pm6 05/03/08, 17:0511 12 Hipertensão 2008; 11(1): 9–13 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ dos genes paternos. Outros polimorfismos genéticos também foram observados em mulheres com pré-eclampsia, como os que regulam as trombofilias, metabolismo lipídico e de ácido fólico, estresse oxidativo e componentes do sistema renina-an- giotensina-aldosterona, embora muitas vezes os resultados dos diversos estudos a respeito dessas influências sejam inconsis- tentes1,9,11. Síndrome materna da DHEG O termo “síndrome” é importante, uma vez que esta doen- ça não se limita à tríade hipertensão-edema-proteinúria. Existe envolvimento de vários órgãos, com evidência de perfusão di- minuída em supra-renais, fígado,rins, cérebro, endocárdio. A vasoconstrição é a base das manifestações clínicas da pré- eclampsia; existe reatividade vascular aumentada a qualquer agente vasoconstritor1,9. A pré-eclampsia leva à redução da perfusão renal, acarre- tando diminuição no fluxo plasmático renal efetivo (em até 20%) e na taxa de filtração glomerular (em 32%), redução que pode ser ainda maior nos casos de doença grave. Os níveis de uréia e creatinina podem estar aumentados (embora quase sempre per- maneçam na faixa de normalidade para o período não-gravídico). Observa-se aumento da concentração sérica de ácido úrico, ex- plicado por menor filtração glomerular e maior reabsorção tu- bular. Este aumento da uricemia tem relação proporcional à gra- vidade da doença e está relacionado a pior prognóstico fetal, mesmo na ausência de proteinúria. Em casos mais graves de DHEG a vasoconstrição e a hipovolemia podem provocar le- sões em túbulos renais, chegando a evoluir para necrose tu- bular aguda. Nos rins o achado patognomônico é a glomeru- lose endotelial (com importante edema das células endoteli- ais glomerulares, suficiente para provocar oclusão capilar). Este achado não é encontrado em nenhuma outra forma de doença hipertensiva1,9. No fígado, a vasoconstrição produz, nos casos leves (a maioria dos casos), lesões parenquimatosas leves, com de- posição de fibrina no espaço periportal (subendotelial), ou ainda sem lesões histológicas. Nos casos graves, podem ocor- rer infartos, necrose e hemorragia intraparenquimatosa, che- gando a distensão e rotura da cápsula de Glisson, com he- morragia maciça, geralmente fatal9,11. Além do vasoespasmo, a perfusão também diminui às custas de microtrombos (formados a partir da ativação da cascata da coagulação) e da perda de fluido para o espaço extravascular (decorrente da lesão endotelial e redução da pressão coloidosmótica)1. Na gravidez normal existe predominância das substân- cias vasodilatadoras, devido ao aumento das prostaciclinas (PGI2) e óxido nítrico, produzidos pela parede dos vasos, sobre a ação vasoconstritora e agregadora plaquetária do tromboxano (TXA2), normalmente produzido pelas plaque- tas. Disto decorre a vasodilatação generalizada e o compor- tamento refratário à infusão de substâncias vasoconstritoras (como a angiotensina II). Vasoconstrição, ativação da casca- ta de coagulação e lesão endotelial foram encontradas em mulheres com pré-eclampsia antes das manifestações clíni- cas da doença1,4,9,11. FIGURA 2 Alterações fisiopatológicas da DHGE 04 - MT Hipertensão e gravidez_fisiopatologia.pm6 05/03/08, 17:0512 13Hipertensão 2008; 11(1): 9–13 1. 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Estudos hemodinâmicos (com monitoração invasiva) mostram que a contratilidade miocárdica geralmente é nor- mal, a pré-carga é normal ou mesmo reduzida, e a pós-carga está aumentada. Ao contrário do que ocorre com gestantes normais, esses achados configuram um sistema de baixo vo- lume, alta pressão e alta resistência. A elevação da resistência periférica pode levar a insuficiência cardíaca diastólica, o que, somado à queda da pressão coloidosmótica e à lesão capilar pode levar à congestão pulmonar e até ao edema agudo dos pulmões (quase sempre relacionado à infusão de volume). O edema agudo e a broncopneumonia aspirativa (freqüente na eclampsia) são importantes causas de óbito materno11,12. Não existe consenso a respeito da fisiopatologia das con- vulsões da eclampsia. As alterações vasculares decorrentes do vasoespasmo e lesão endotelial são responsáveis pela encefa- lopatia hipertensiva, microinfartos, hemorragias puntiformes e edema cerebral11,12. A figura 2 descreve as alterações decorrentes do vasoes- pasmo arteriolar nos diversos sistemas afetados pela pré- eclampsia. Conclusão Ainda que a etiologia da doença hipertensiva específica da gestação não esteja definida, os principais mecanismos en- volvidos na sua fisiopatologia começam a ser desvendados. O conhecimento destas alterações é importante não só para o en- tendimento das diversas manifestações clínicas da pré-eclamp- sia, como também para a abordagem adequada dessas pacientes, visando redução das complicações maternas e fetais. 04 - MT Hipertensão e gravidez_fisiopatologia.pm6 05/03/08, 17:0513 14 Hipertensão 2008; 11(1): 14–17 C Hipertensªo renovascularcausada por aneurismasbilaterais em artØrias renais (AAR) Renovascular hypertension caused by bilateral renal artery aneurysms (RAA) CASOLÍNICO ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ *Endereço para correspondência: Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba – PUC-SP Praça Dr. José Ermírio de Moraes, 290 18030-230 – Sorocaba – SP E-mail: diretoriageral@sorocaba.pucsp.br Financiado pela Comissão de Pesquisa da PUC-SP. Recebido em 16/11/2007. Aceito em 07/01/2008. Comentários: Cibele Isaac Saad Rodrigues* Professora Titular da Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba – PUC-SP, Mestre e Doutora em Nefrologia pela UNIFESP, Diretora Geral do CCMB da PUC-SP Ronaldo D’Avila Professor Assistente-Doutor da Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba – PUC-SP, Mestre e Doutor pela UNIFESP Pedro Luis Dutra Megale Médico Cardiologista do Medcor Sorocaba Enio Márcio Maia Guerra Auxiliar de Ensino da Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba – PUC-SP Ricardo A. de Miranda Cadaval Professor Associado da Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba – PUC-SP, Mestre e Doutor pela UNIFESP Fernando Antonio Almeida Professor Titular da Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba – PUC-SP, Doutor em Nefrologia pela UNIFESP Resumo Aneurisma de artéria renal (AAR)é uma rara malformação vascular e a literatura é pobre sobre essa forma de hipertensão arterial renovascular. Nós apresentamos o caso de uma paciente feminina, branca, de 46 anos de idade, que estava sendo investigada como portadora de hipertensão resistente. Detectaram-se aneurismas de ambas as artérias renais e considerou-se a realização de tratamento endovascular. Neste artigo discutimos os sinto- mas clínicos, os procedimentos diagnósticos e o seguimento da paciente. Hipertensão reno- vascular (secundária) devida a AAR é resumidamente revisada. Os AARs são entidades po- tencialmente curáveis e dispomos de várias e boas opções para sua correção, como a esco- lhida neste caso. Abstract Renal artery aneurysm (RAA) is a rare vascular malformation and the literature lacks satisfactory general information about this form of renovascular hypertension. We present a case of a 46 year old white female patient who was being investigated for resistant hypertension. It was found aneurysms of both renal arteries and endovascular treatment was considered. The clinical symptoms, the diagnostic procedures and the follow up are all discussed in this article. Renovascular (secondary) hypertension caused by RAA is briefly reviewed. RAA is a potentially curable entity and there are many good options for its correction, like the one chosen in this case. Palavras-chave: artéria renal, aneurisma, hipertensão renovascular, tratamento endovascular. Key words: renal artery, aneurysm, renovascular hypertension, endovascular treatment. Identificação M. J. S., 46 anos, sexo feminino, casada, doméstica, católica, natural e procedente de Taboão da Serra (SP). Queixa principal Em junho de 2005 veio encaminhada ao consultório de um dos autores (PDM) para diagnóstico e controle da pressão arterial (PA). Na época queixava-se de ce- faléia freqüente desde os 26 anos de ida- de, ocasião em que soube ser hipertensa. Dados da história obtidos do prontuário do consultório Em 2005 referia saber ser portado- ra de hipertensão arterial sistêmica (HA) havia 20 anos, descoberta ao procurar aten- dimento médico por cefaléia occipital fre- qüente, de forte intensidade, que piorava quando a PA aumentava. Além disso, quei- xava-se de dispnéia aos médios esforços. Referia uso de dieta hipossódica e terapêu- tica farmacológica com hidroclorotiazida 25 mg/dia, enalapril 40 mg/dia e amlodi- pina 10 mg/dia regularmente e sem suces- so. Atualmente apresenta apenas as quei- xas já relatadas de cefaléia e dispnéia. Negava o uso de outros fármacos que pudessem interferir no controle pres- sórico. Antecedentes pessoais Obesidade havia 20 anos. Não tem filhos. 05 - Caso Clinico hipertensão renovascular.pm6 03/03/08, 15:3614 15Hipertensão 2008; 11(1): 14–17 Fatores de risco cardiovascular e antecedentes familiares Não sabia ser diabética, referia se- dentarismo e negava tabagismo ou eti- lismo. História familiar positiva de HA (4 irmãos), a mãe faleceu no parto e o pai era hipertenso e havia falecido por infarto aos 62 anos. Lesões em órgãos-alvo • Negava outros sintomas cardiovascu- lares. • Não referia alterações urinárias ma- croscópicas ou no ritmo da diurese. Exame físico • Brevilínea; bom estado geral; orien- tada; mucosas coradas; hidratada; eupnéica; afebril. Tireóide normal à palpação. • Aparelho cardiovascular: pulsos pe- riféricos e carotídeos palpáveis e si- métricos bilateralmente. Ictus palpá- vel no 5o EICE, na LHCE, duas pol- pas digitais. Coração rítmico, a dois tempos, sem sopros. Ausência de es- tase jugular pulsátil. • Pressão arterial (aferida com mangui- to apropriado) e freqüência cardíaca: - Posição sentada: PA = 174/112 mmHg (membro superior direito) e 176/112 mmHg (membro supe- rior esquerdo). Freqüência cardía- ca = 92 batimentos por minuto. - Posição ortostática: PA = 176/110 mmHg. Freqüência cardíaca = 96 batimentos por minuto. • Peso = 66 kg; altura = 1,49 m; IMC = 29,7 kg/m2; relação cintura/quadril (C/Q) = 0,92. • Aparelho respiratório: pulmões lim- pos. • Abdome: flácido, globoso, indolor à palpação, sem visceromegalias, sem sopros. • Exame neurológico: normal. • Membros inferiores: sem edemas. • Fundoscopia: KW 2. Foram solicitados exames e associo- se nadolol 80 mg/dia. No retorno trouxe: Exames Laboratoriais • uréia = 42 mg/dL, • creatinina = 0,9 mg/dL, • potássio = 3,8 mEq/L, • glicemia = 79,0 mg/dL, • Htc = 40%, • Hb = 13,1 g/dL, • colesterol total = 217 mg/dL, • HDL-colesterol = 63 mg/dL, • LDL-colesterol = 133 mg/dL, • triglicérides = 101 mg/dL. • ácido úrico = 6,0 mg/dL, • depuração de creatinina calculada (equação de Cockcroft - Gault) = 81,3 mL/min, • exame de urina: normal, • TSH = 0,96 µUI/mL (valor normal = 0,5 a 5,1 µUI/mL), • metanefrinas urinárias (amostra iso- lada) = 0,77 mg/g de creatinina (va- lor normal até 1,0 mg/g creatinina). Eletrocardiograma: ritmo sinusal, FC = 62 bpm, alterações da repolariza- ção ventricular. Ecocardiograma: sinais de hipertro- fia concêntrica ventricular esquerda e disfunção diastólica, com septo IV = 12 mm e parede posterior = 12 mm. Fração de ejeção = 77%. Ultra-som renal e de vias urinárias: rins direito e esquerdo de tamanhos nor- mais; espessura do córtex bilateral = 1,5 cm, contornos regulares. Doppler de ar- térias renais: sugestivo de estenose bi- lateral em região proximal das artérias renais, porém com visualização prejudi- cada por artefatos técnicos. Velocimetria não-realizada. Evolução A paciente retornou após repetir US com doppler, não se obtendo, novamen- te, visualização das artérias renais com nitidez. Com esses resultados e apresen- tando ainda mau controle pressórico, optou-se pela realização de angioresso- nância de artérias renais, que evidenciou artéria renal direita sem estenose e arté- ria renal esquerda mal visualizada por artefato no movimento respiratório. A paciente concordou em realizar aortografia e arteriografia renal bilate- ral que mostraram, aorta de contornos regulares e calibre preservado; artérias renais pérvias, com ausência de lesões estenosantes; nefrograma bilateral e si- métrico. A opacificação das artérias re- nais se faz por artérias únicas (figura 1). Dilatações aneurismáticas das artérias renais bilateralmente podem ser visuali- zadas nas figuras 2 e 3, sendo a maior à D (2 cm) e menor à E (1,6 cm). A artéria renal direita foi escolhida para o primeiro procedimento de embo- lização por apresentar aneurisma sacu- lar de 2,0 cm na porção intraparenqui- matosa, o que se deu com acesso retró- grado pela artéria femoral comum D e utilização de oito molas de liberação con- trolada (figura 4). Dois meses depois, uti- lizando-se microcateter e mesma via de acesso, procedeu-se a embolização da artéria renal esquerda com sete molas, sendo cinco 3 D e duas espiraladas (fi- gura 5). O controle pós-procedimento em ambas as ocasiões mostrou-se de bom aspecto, com preservação da perfusão renal. A paciente não apresentou inter- corrências. A pressão arterial aferida na última consulta foi 110/80 mmHg na posição sentada e a freqüência cardíaca, 64 bpm. Discussão Trata-se de paciente com diagnós- tico inicial de hipertensão arterial grave, estágio 3, resistente à múltipla terapia anti-hipertensiva, com classificação de risco muito alto, segundo as V Diretri- zes Brasileiras de Hipertensão Arterial1. O diagnóstico etiológico de HA secun- dária foi considerado, a despeito de sua história familiar e da presença de sobre- peso porque ela iniciou os sintomas aos 26 anos, sem uso de medicamentos ou drogas que pudessem interferir no con- trole pressórico, havendo indícios de boa adesão ao tratamento sem obtenção de resposta terapêutica satisfatória. Os exa- mes ultra-sonográficos com doppler de artérias renais não afastaram a suspeita clínica de HARV, vistoque mesmo em duplicata foram inconclusivos tecnica- mente, possivelmente devido à obesida- de e/ou devido ao observador. O próximo passo, como preconiza- do nas Diretrizes1, consistiria na solici- tação de angiografia por ressonância magnética, que se mostrou igualmente ineficaz. Com isso, foi indicada aorto- grafia e arteriografia renal bilateral, op- tando-se pela não-realização de cintilo- grafia renal com captopril. O achado ar- teriográfico evidenciou tratar-se de um s 05 - Caso Clinico hipertensão renovascular.pm6 03/03/08, 15:3615 16 Hipertensão 2008; 11(1): 14–17 caso raro de aneurisma bilateral de arté- rias renais, embora a paciente em tela exibisse fatores essenciais predisponen- tes à resistência ao tratamento: obesida- de, sedentarismo, além de importante história familiar de HA e doença cardio- vascular. A obediência à seqüência correta de investigação etiológica mostrou-se bas- tante compensatória. Deve-se ressaltar, en- tretanto, especialmente em relação aos pa- cientes com peculiaridades semelhantes às do caso em questão referenciados a cen- tros especializados, que se deve proce- der à investigação da possibilidade de doenças causadoras de HA secundária2. A probabilidade de hipertensão re- nal, principal causa de HA secundária, foi facilmente afastada, pois a função renal e a urina tipo I estavam normais. Outras causas de hipertensão arterial se- cundária foram descartadas pela clínica associada aos exames laboratoriais. A segunda causa mais freqüente de HA secundária é a hipertensão renovascular por estenose significativa de artéria re- nal. A angiografia ainda se constitui no padrão ouro para diagnóstico, mas uma história clínica cuidadosa e procedimen- tos menos invasivos devem sempre precedê-la. Finalmente, em posse do re- sultado da arteriografia foi possível de- cidir por procedimento endovascular em conjunto com a equipe de cirurgia. Concluindo, trata-se de um caso de hipertensão arterial secundária a aneu- rismas de ambas as artérias renais. A embolização das mesmas resultou em controle da PA, já que a paciente está atualmente em uso de apenas duas dro- gas anti-hipertensivas (diurético tiazídi- co e inibidor da enzima conversora da angiotensina). O primeiro relato de aneurisma de artéria renal (AAR) foi realizado em 17703. Sua incidência na população ge- ral é tema de controvérsia na literatura. Assim, Than et al4, estudando 8.525 angiografias, encontraram 83 casos de aneurisma, correspondendo a uma inci- dência aproximada de 1%. Já os estudos de autópsia revelaram uma taxa variável entre 0,01 % e 0,09%3. Dentre os aneu- rismas viscerais, os aneurismas de arté- rias renais perfazem um total de 22%5. Podem ser classificados, em ordem de freqüência, em saculares, fusiformes, dis- secantes e intra-renais. O tipo mais co- mum é, sem dúvida, o sacular (60–90%)6. Acometem homens e mulheres na mes- ma proporção, exceto quando se associ- am à displasia fibromuscular, ocasião em que são mais comuns em mulheres bran- cas e jovens, na modalidade fusiforme. Aproximadamente 75% dos aneurismas de artéria renal saculares têm menos de 5 cm de diâmetro, sendo a doença ate- rosclerótica o fator etiológico mais co- mum7, podendo neste caso estar asso- ciada também a doença coronariana, ce- rebrovascular, insuficiência renal crôni- ca e claudicação de intensidade e grau variáveis8. Em geral, os AAR são localizados em bifurcações primárias ou secundárias fora do parênquima renal, sendo a ocor- rência intra-renal inferior a 10%. A dila- tação aneurismática pode originar-se ain- da de arterite, displasia fibromuscular ou trauma. Na maioria das vezes são devi- dos à degeneração da camada média com fragmentação da lâmina elástica9. FIGURAS Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 1. Aortografia e arteriografia renal bilateral Figura 2. Arteriografia seletiva da artéria renal direita Figura 3. Arteriografia seletiva da artéria renal esquerda Figura 4. Artéria renal direita pós-embolização Figura 5. Artéria renal esquerda pós-embolização 05 - Caso Clinico hipertensão renovascular.pm6 03/03/08, 15:3616 17Hipertensão 2008; 11(1): 14–17 Referências bibliográficas 1. V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Rev. Bras. Hipertens., v. 13, p. 256–312, 2006. 2. Rodrigues, C.I.S. Hipertensão refratária: uma visão global. Rev. Bras. Hipertens., v. 11, n. 4, p. 218–222, 2004. 3. CHEN, R.; NOVICK, A.C. Retroperitoneal hemorrhage from a ruptural renal artery aneurysm with spontaneous resolution. J. Urol., v. 151, p. 139 –141, 1994. 4. 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É controversa a relação entre hipertensão renovascular e a presença de aneurisma de artéria renal, embora a hipertensão arterial seja considerada um achado re- lativamente comum entre os pacientes acometidos por AAR. Dados de litera- tura demonstram que essa associação ocorre em 55% a 91% dos casos9. O au- mento pressórico pode contribuir para formação e expansão do AAR ou, inver- samente, ser decorrente da presença do mesmo. As dilatações aneurismáticas po- derão determinar diminuição do fluxo sangüíneorenal e conseqüente hiperten- são renina-dependente por meio de vári- os mecanismos: compressão ou torção do ramo arterial contíguo ao aneurisma, trombose ou microembolização distal, alteração na circulação sangüínea devi- do à presença do aneurisma na artéria renal, formação de fístula arteriovenosa ou aneurisma seguido de estenose focal no segmento arterial acometido9. Habi- tualmente, a hipertensão é pouco respon- siva à terapia farmacológica10, porém os pacientes hipertensos freqüentemente apresentam significativa redução dos ní- veis pressóricos após a aneurismecto- mia9. A indicação de tratamento cirúrgi- co é motivo de debate entre os cirurgiões vasculares. Aparentemente devemos in- tervir quando os pacientes são sintomá- ticos (dor intensa em flanco e hematú- ria), com suspeita de expansão do aneu- risma. Têm indicação consensual de re- paro cirúrgico11–13 os aneurismas que pro- voquem estenose arterial renal, na pre- sença de trombo, ou quando o aneuris- ma é assintomático com diâmetro igual ou maior que dois centímetros, sem cal- cificação da parede. É de indicação cirúrgica o aneurisma, mesmo assinto- mático, nas mulheres em período fértil, haja vista que a gravidez aumenta muito o risco de sua ruptura. O tratamento clás- sico consiste na aneurismectomia e re- construção vascular renal. Em caso de ruptura, o risco de nefrectomia parcial ou total é maior. A reconstrução arterial renal pode ser feita in situ utilizando-se veia safena ou artéria ilíaca interna, ou ex vivo para lesão mais complexa e nos casos de doador renal. Nos aneurismas intraparenquimatosos as opções de corre- ção são o uso de stents revestidos, endo- próteses ou mesmo a nefrectomia parcial. A terapia endovascular tem sido cada vez mais utilizada nos últimos anos por ser menos invasiva, enquanto a ci- rurgia apresenta uma taxa de mortalida- de entre 0% e 4%12,13. As técnicas percu- tâneas incluem o uso de agentes emboli- gênicos, como molas e micromolas (que podem servir como uma matriz para agentes coagulantes, como as colas); balões oclusivos para o preenchimento do aneurisma ou para a oclusão proxi- mal e distal da artéria nutriz; e as endo- próteses recobertas, que ocluem o fluxo ao aneurisma preservando a artéria re- nal. O objetivo final é a exclusão aneu- rismática com manutenção máxima de parênquima renal funcional e prevenção de mortalidade14,15,16. Nota: Os autores informam que os pro- cedimentos endovasculares foram reali- zados no Dr. Ghelfond Diagnóstico Mé- dico pelos médicos Gustavo José Politzer Telles e Gabriel Santos Novaes, aos quais agradecemos as imagens. 05 - Caso Clinico hipertensão renovascular.pm6 03/03/08, 15:3617 18 Hipertensão 2008; 11(1): 18–19 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Miguel Gus Flávio D. Fuchs* Divisão de Cardiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul Leila B. Moreira Divisão de Farmacologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul Palavras-chave: hipertensão, doença cardiovascular, gravidez. Key words: hypertension, cardiovascular disease, pregnancy. EPIDEMIOLOGIA Hipertensªo associada a gestaçªo e risco cardiovascular Association between hypertensive pregnancy and cardiovascular risk Autores: *Endereço para correspondência: Serviço de Cardiologia Hospital de Clínicas de Porto Alegre Rua Ramiro Barcelos, 2.350 90035-903 – Porto Alegre – RS Telefax: (51) 3316-8420 E-mail: ffuchs@hcpa.ufrgs.br Financiado pelo CNPq, FAPERGS. Recebido em 16/01/2008. Aceito em 18/02/2008. Resumo Evidências epidemiológicas demonstraram que hiperten- são associada a gestação é um novo fator de risco cardiovas- cular especificamente relacionado ao gênero. Os mecanismos que poderiam explicar a influência de eventos remotos, como doenças hipertensivas da gestação e a ocorrência de eventos cardiovasculares posteriores, são complexos e, provavelmen- te, multifatoriais. Muitos fatores de risco, tais como obesida- de, hipertensão, resistência insulínica, disfunção endotelial, hiperglicemia e dislipidemia são comuns a pré-eclampsia e patologias cardiovasculares. Mulheres que informam um even- to hipertensivo na gestação devem ser monitoradas de forma mais intensa quanto à prevenção cardiovascular e, especial- mente, em relação à incidência e severidade de hipertensão. Abstract Epidemiological data have shown that hypertension in pregnancy is an emerging sex-specific risk factor for cardio- vascular disease (CVD). Large population-based cohort studies have shown a significant association between hypertensive pregnancy disorders with the incidence of car- diovascular disease. The underlying mechanism for the remote effects of preeclampsia or other pregnancy hypertensive disorders is complex and probably multifactorial. Many risk factors are shared by CVD and preeclampsia, including endothelial dysfunction, obesity, hypertension, hyperglycemia, insulin resistance, and dyslipidemia. Women who recall a hypertensive disorder in a remote pregnancy may deserve a closer monitoring for hypertension and cardiovascular disease prevention. A maioria dos fatores de risco para hipertensão, tais como obesidade, aumento da ingestão de sal ou álcool, são comuns a homens e mulheres. Evidências clínicas indicam que fatores diretamente relacionados ao gênero podem ter importantes implicações clínicas na avaliação de indivíduos hipertensos. Mulheres em uso de anticoncepcional oral têm um risco sig- nificativamente maior de aumento na pressão diastólica e pior controle pressórico, independentemente da idade, peso ou uso de agentes anti-hipertensivos1,2. As gestantes, igualmente, cons- tituem grupo potencialmente exposto a riscos, tais como a hi- pertensão induzida pela gestação3. Hipertensão associada a gestação é uma das complicações mais comuns da gestação e 06 - EPI Gestação e risco cardiovascular.pm6 03/03/08, 15:3618 19Hipertensão 2008; 11(1): 18–19 é a principal causa de mortalidade materna4. A hipertensão ocorre em 10% das gestações, tendo maior prevalência entre as primíparas4,5. Hipertensão na gestação engloba um espec- tro de diferentes condições clínicas que podem ser classifica- das em pré-eclampsia/eclampsia, hipertensão crônica, pré- eclampsia superimposta em mulher previamente hipertensa e hipertensão ocorrendo durante a gestação5. Em uma coorte brasileira de mulheres no segundo trimestre de gestação, 7,5% apresentaram distúrbios hipertensivos, sendo que em 2,3% foi diagnosticada pré-eclampsia ou eclampsia6. Independentemente dos riscos do período gestacional, a hipertensão na gestação pode ter conseqüências futuras. A associação entre pré-eclampsia ou distúrbios hipertensivos da gestação com eventos cardiovasculares futuros, hipertensão e mortalidade total tem sido demonstrada em diferentes estudos longitudinais3,7. Estudo de coorte retrospectivo no Canadá, incluindo mais de um milhão de mulheres mostrou uma asso- ciação significativa entre síndromes placentárias, pré-eclamp- sia, hipertensão na gestação, descolamento prematuro de pla- centa ou infarto placentário com a incidência de doença car- diovascular (RR de 2,0, 95% IC: 1,7–2,2). O risco foi signifi- cativamente maior nas mulheres que apresentavam os tradici- onais fatores de risco cardiovascular7. Bellamy e colaborado- res, em metanálise de estudos prospectivos e retrospectivos com mais de tres milhões de mulheres, também demonstra- ram associação positiva entre pré-eclampsia e doença corona- riana ou acidente vascular encefálico, após um seguimento de 11,7 e 10,4 anos respectivamente. Em relação à incidência de hipertensão, igualmente foi encontrada uma associação posi- tiva (RR 3,70, IC 95% 2,70–5,05) após 14,1 anos de segui- mento.
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