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Fisiopatologia da DHEG

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REVISTA DA
SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO
REVISTA DA
SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃOn No 1 n 2008
n VOLUME 11
http://www.sbh.org.br
••••• Aspectos fisiológicos da
hipertensão arterial na gravidez
••••• Hipertensão e gravidez:
fisiopatologia
••••• Caso clínico:
Hipertensão renovascular
causada por aneurismas bilaterais
em artérias renais (AAR)
••••• Hipertensão associada a gestação
e risco cardiovascular
••••• Os esfigmomanômetros de
coluna de mercúrio devem ser
eliminados da prática clínica?
••••• Hipertensão arterial na gravidez:
avanços no tratamento ambulatorial
••••• Aspectos nutricionais relacionados
ao controle das dislipidemias
ISSN-1809-4260
00 - Capa 01-2008.pm6 03/03/08, 15:341
1Hipertensão 2008; 11(1): 1
EDITORIAL
EDITORIAL
Crônica em Homenagem ao Dr. Clóvis Andrade
A saudade é dor da gente, moreno!
O adeus foi súbito, inesperado, impactante. A notícia chegava por telefone. Impossível
acreditar. O que teria acontecido?! Não, a verdade não poderia ser tão rigorosa. Enganavam-
se todos. As palavras estavam soltas, sem significado, ocas. No entanto, em poucos minutos, as
emoções pareciam diferentes, aprisionadas pelo pranto que não desabava de uma única vez. O
amigo, o companheiro de inúmeras jornadas, o incansável militante acenava o último diálogo.
Baixo, moreno, porte simples, elegância despojada, Clóvis Andrade, escondia o menino
que nele habitava. Tinha o olhar manso e um jeito muito próprio de somar esforços em
todas as empreitadas que decidiu assumir em vida, como se guardasse a crítica
construtiva em algum bolso da algibeira, disposto a sacá-la quando necessário. Não
escondia o homem das artes, amante da música, tendo ensaiado várias paródias em nome
da prevenção das doenças cardiovasculares, escolhendo como mote principal, a
hipertensão arterial, vilã temida pelos homo sapiens. Sempre o encontrava com um sorriso
nos lábios, entusiasmado com a possibilidade de mudar a realidade brasileira pelas ações
que abraçava. Dotado de uma invejável vontade de mudar a morbidade e mortalidade no
Brasil, Clóvis, participava ativamente dos seminários, congressos, simpósios (organizava-
os anualmente em Aracaju), colóquios, passeatas com a população, enfim, foi assim que o
conheci, há alguns anos. Nunca se recusou a contribuir nas tarefas em que era convocado.
Homem simples, assim viveu e assim morreu: sem alardes nem frenéticas aparições.
Guardava uma modéstia monástica. O que lhe agradava era mesmo participar ativamente
do mutirão em prol dos mais pobres, os pobres hipertensos brasileiros, sergipanos,
nordestinos ou sulistas.
A imagem plácida de Clóvis Andrade denunciava uma única inquietação: mudar este país
para um mundo melhor. Entregava-se de corpo e alma à profissão. O mundo dos
hipertensólogos está mais pobre sem a figura inesquecível de Clóvis. Mais pobre e mais
triste; um vazio se espalha silenciosamente por todos os recantos, do jeito dele, por todos
os recantos da reflexão. Ao sentir a dor da saudade, de uma saudade que se alonga em
perene lembrança, resta-me repetir o poeta Fernando Pessoa: “Há em mim/Uma
impossibilidade de existir/De que (abdiquei), vivendo”.
Hilton Chaves
Hipertensão e gravidez: conceitos atuais
Levantamentos desenvolvidos pela Organização Mundial da Saúde, em 2005,
apontam que a pré-eclampsia é diretamente relacionada a cerca de sessenta mil óbitos,
por ano, em todo o mundo.
Focalizando mais especificamente a situação, em nosso meio, os pesquisadores D.S.
Gaio, M.I. Schmidt, B.B. Duncan et al., realizaram um amplo estudo, entre 1991 e 1995,
demonstrando que a ocorrência de doença hipertensiva relacionada à gestação situa-se
em torno de 7,5%. Nesse trabalho, a pré-eclampsia foi identificada em 2,3% dos casos.
Tais cifras são suficientes para evidenciar a importância do tema, sobretudo na
avaliação de fatores que, direta ou indiretamente, são responsabilizados pela mortalidade
materno-fetal.
Em sintonia com esse conjunto de achados, a revista HIPERTENSÃO procurou e
obteve a colaboração de diversos e consagrados especialistas nessa área. O resultado
principal dessa iniciativa foi a produção da presente edição que, ao lado de outros tópicos
correlatos, reúne a orientação dos autores no manejo de mulheres grávidas que associam
a presença de hipertensão arterial sistêmica e risco aumentado de complicações
cardiovasculares.
Nas abordagens apresentadas são também discutidas as opções terapêuticas
indicadas em cada circunstância clínica. Mulheres sob uso de anticoncepcional oral, por
exemplo, evoluem com maior possibilidade de aumento da pressão arterial diastólica.
Além disso, dificultam o controle pressórico, independentemente da faixa etária, peso e
uso de fármacos anti-hipertensivos.
A expectativa é de que o presente número em particular, seja de interesse e de grande
utilidade para nossos leitores.
Dra. Maria Helena Catelli de Carvalho
Editora
01 - Editorial_01_2008_ESPECIAL_02.pm6 06/03/08, 13:491
2 Hipertensão 2008; 11(1): 2–3
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ÍNDICE
ÍNDICE
EXPEDIENTE
Produção Gráfica e Editorial - BestPoint Editora
Rua Ministro Nelson Hungria, 239 - Conjunto 5 - 05690-050 - São Paulo - SP
Telefax: (11) 3758-1787 / 3758-2197. E-mail: bg@uol.com.br.
Médico / Jornalista Responsável: Benemar Guimarães - CRMSP 11243 / MTb 8668.
Assessoria Editorial: Marco Barbato.
Revisão: Márcio Barbosa.
Aspectos fisiológicos da hipertensão arterial
na gravidez .................................................................................................. 4
Hipertensão e gravidez:
fisiopatologia ............................................................................................... 9
Caso clínico:
Hipertensão renovascular causada por aneurismas
bilaterais em artérias renais (AAR) ........................................................... 14
Hipertensão associada a gestação e
risco cardiovascular ................................................................................... 18
Os esfigmomanômetros de coluna de mercúrio
devem ser eliminados da prática clínica? ................................................... 20
Hipertensão arterial na gravidez:
avanços no tratamento ambulatorial .......................................................... 27
Aspectos nutricionais relacionados ao
controle das dislipidemias ......................................................................... 32
HIPERTENSˆO
Revista da Sociedade
Brasileira de Hipertensão
EDITORA
DRA. MARIA HELENA C. DE CARVALHO (SP)
CO-EDITOR
DR. DANTE MARCELO A. GIORGI (SP)
CONSELHO EDITORIAL
DR. EDUARDO MOACYR KRIEGER (SP)
DR. ARTUR BELTRAME RIBEIRO (SP)
DR. DANTE MARCELO A. GIORGI (SP)
DR. FLÁVIO D. FUCHS (RS)
DR. PAULO CÉSAR B. VEIGA JARDIM (GO)
DR. ARMÊNIO C. GUIMARÃES (BA)
DR. CARLOS EDUARDO NEGRÃO (SP)
DRA. ANGELA MARIA G. PIERIN (SP)
DR. FERNANDO NOBRE (SP)
DR. WILLE OIGMAN (RJ)
DR. OSVALDO KOHLMANN JR. (SP)
DR. JOSÉ EDUARDO KRIEGER (SP)
DR. AGOSTINHO TAVARES (SP)
DR. ROBSON AUGUSTO SOUZA SANTOS (MG)
DR. HILTON CHAVES (PE)
DR. ELISARDO C. VASQUEZ (ES)
DR. JOSÉ MÁRCIO RIBEIRO (MG)
DR. HENO FERREIRA LOPES (SP)
DRA. FRIDA LIANE PLAVNIK (SP)
PESQUISA BIBLIOGRÁFICA
CARMELINA DE FACIO (SP)
As matérias e os conceitos aqui apresentados não expressam necessariamente
a opinião da Boehringer Ingelheim do Brasil Química e Farmacêutica Ltda.
02 - Índice-Diretoria 01_2008.pm6 03/03/08, 15:352
3Hipertensão 2008; 11(1): 2–3
SBH
S o c i e d a d e
B r a s i l e i r a d e
H i p e r t e n s ã o
DIRETORIA
Presidente
Dr. Artur Beltrame Ribeiro
Vice-Presidente
Dr. Fernando Nobre
Tesoureiro
Dra. Maria Claudia Irigoyen
Secretários
Dra. Frida Liane PlavnikDr. Hilton Chaves
Presidente Anterior
Dr. Robson A. Souza dos Santos
Conselho Científico
Dra. Andréa Araujo Brandão
Dra. Angela Maria G. Pierin
Dr. Armênio Costa Guimarães
Dr. Artur Beltrame Ribeiro
Dr. Ayrton Pires Brandão
Dr. Carlos Eduardo Negrão
Dr. Celso Amodeo
Dr. Dante Marcelo A. Giorgi
Dr. Décio Mion Jr.
Dra. Dulce Elena Casarini
Dr. Eduardo Moacyr Krieger
Dr. Elisardo C. Vasquez
Dr. Fernando Almeida
Dr. Fernando Nobre
Dr. Hilton Chaves
Dr. José Eduardo Krieger
Dr. José Márcio Ribeiro
Dra. Luiz Aparecido Bortolotto
Dra. Maria Claudia Irigoyen
Dra. Maria Helena C. Carvalho
Dra. Maria José Campagnole
Dr. Osvaldo Kohlmann Jr.
Dr. Robson A. S. Santos
Dr. Wille Oigman
Sociedade Brasileira de Hipertensão
Tel.: (11) 3284-0215
Fax: (11) 3289-3279
E-mail: sbh@sbh.org.br
Home Page: http://www.sbh.org.br
02 - Índice-Diretoria 01_2008.pm6 03/03/08, 15:353
4 Hipertensão 2008; 11(1): 4–8
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MÓDULO TEMÁTICO
Aspectos fisiológicos da
hipertensªo arterial na gravidez
Physiological mechanisms related to pregnancy induced hypertension
Giovani Gadonski*
Serviço de Nefrologia do Hospital São Lucas,
Laboratório de Nefrologia do Instituto de Pesquisas
Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS)
Maria Claudia Costa Irigoyen
Professora Livre-Docente – Unidade de Hipertensão
Departamento de Cardiopneumologia, FMUSP
Palavras-chave: hipertensão, gestação, fisiologia.
Key words: hypertension, pregnancy, physiology.
Autores:
*Endereço para correspondência:
Av. Ipiranga, 6.690 – 3o andar – Hemodiálise
90610-000 – Porto Alegre – RS
E-mail: ggadonski@yahoo.com.br
Resumo
A doença hipertensiva gestacional, especialmente a pré-
eclampsia (PE), está relacionada a aumento da mortalidade
materno-fetal. A elucidação da sua fisiopatologia é crucial
para os avanços terapêuticos.
A PE pode ser dividida em dois estágios: placentário e
materno. Fatores têm sido aventados como responsáveis pela
conexão entre a isquemia placentária e a síndrome materna.
Nesta revisão, abordaremos aspectos atuais dos meca-
nismos fisiológicos envolvidos na gênese da hipertensão na
gravidez.
Abstract
Pregnancy induced hypertension, especially preeclampsia,
is related to increased maternal and fetal mortality. Improvement
in understanding its physiology is crucial to develop new
treatments.
Preeclampsia can be divided in two phases: placental
and maternal. Many factors have been indicated as possibly
responsible for connecting placental phase and maternal
syndrome.
In this review, we describe current physiological
mechanisms related to pregnancy induced hypertension.
Financiado pelo Serviço de Nefrologia da PUCRS, FAPESP,
CAPES, CNPq, Fundação Zerbini
Recebido em 27/11/2007. Aceito em 14/01/2008.
Introdução
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, dentre
as doenças hipertensivas ligadas à gestação, a pré-eclampsia
(PE) afeta de 2% a 3% de todas as gestações no mundo, sendo
responsável por, aproximadamente, 60 mil mortes a cada ano1.
Estudo realizado no Rio Grande do Sul demonstrou que, den-
tre as causas de mortes obstétricas diretas, a principal é a hi-
pertensão arterial sistêmica (HAS), ocorrendo em 18,5% dos
casos. Estudo brasileiro realizado entre 1991 e 1995 demons-
trou uma incidência de 7,5% de doenças hipertensivas ligadas
à gestação. Dentre elas, diagnosticou-se pré-eclampsia em
2,3% dos casos. Além disso, 4% das gestantes foram classifi-
cadas como hipertensas crônicas2.
A PE é uma síndrome que faz parte de um conjunto de
patologias denominadas doenças hipertensivas ligadas à ges-
tação. Elas constituem uma das principais causas de morbidade
03 - MT Hipertensão arterial na gravidez.pm6 03/03/08, 15:354
5Hipertensão 2008; 11(1): 4–8
e de mortalidade tanto materna quanto fetal, mesmo em paí-
ses desenvolvidos. Essa condição está associada à restrição de
crescimento intra-uterino em cerca de 30% dos casos, além de
parto prematuro e baixo peso ao nascer3.
Segundo o grupo de investigação do “National Heart,
Lung and Blood Institute”, as doenças hipertensivas gestacio-
nais podem ser classificadas em pré-eclampsia, eclampsia,
hipertensão gestacional e hipertensão crônica. Define-se pré-
eclampsia como surgimento de hipertensão arterial sistêmica
(pressão arterial sistólica maior ou igual a 140 mmHg ou pres-
são arterial diastólica igual ou acima de 90 mmHg) combina-
da com proteinúria diária superior a 300 miligramas (mg)
manifestadas após a vigésima semana de gestação. Eclampsia
ocorre quando a PE evolui acompanhada de crises convulsi-
vas. A hipertensão gestacional surge após a metade da gesta-
ção, podendo ser distinguida da PE por não apresentar protei-
núria acima de 300 mg. Por outro lado, a hipertensão crônica
pode ser caracterizada pela elevação dos níveis tensionais aci-
ma dos limites citados, instalada previamente ao período ges-
tacional, ou antes da vigésima semana de gestação. Conside-
ra-se ainda hipertensão crônica quando a pressão arterial per-
manece elevada após doze semanas do parto3.
Aspectos fisiológicos da pré-eclampsia
Devido ao fato de a PE ocorrer espontaneamente apenas
em humanos e macacos mais desenvolvidos na escala evoluti-
va e das limitações éticas para o estudo da sua fisiopatologia,
diversos modelos têm sido descritos e utilizados na sua inves-
tigação.
Um modelo que divide a PE em dois estágios tem sido
empregado conceitualmente, permitindo uma melhor aborda-
gem no entendimento da fisiopatologia da doença. O fato de a
PE ser uma doença específica da gestação, desaparecendo após
o parto, denota a participação crucial da placenta na sua fisio-
patogenia. A redução da perfusão útero-placentária tem sido
postulada como o evento inicial, sendo resultado da invasão
anormal do citotrofoblasto sobre as arteríolas espiraladas. Esse
estágio, de uma maneira ainda não totalmente elucidada, evo-
lui em algumas gestantes para a segunda etapa da doença, que
corresponde à síndrome materna da pré-eclampsia.
Atualmente, evidências demonstram que a placenta exerce
uma participação fundamental no desenvolvimento da pré-
eclampsia. Esse achado foi inicialmente sugerido em um rela-
to de caso de gestação abdominal acompanhada de PE onde,
na ocasião do parto, não foi retirado completamente o tecido
placentário. O quadro de PE persistiu até o momento em que
toda a placenta foi removida4. Ademais, observa-se que não
há necessidade da presença do feto, uma vez que está descrito
PE em casos de mola hidatiforme, onde virtualmente não existe
tecido fetal.
Na gestação normal, as artérias espiraladas do miomé-
trio e da decídua que perfundem a placenta sofrem profundo
remodelamento. Esse processo se caracteriza pela desintegra-
ção da túnica média e da lâmina elástica interna, além da subs-
tituição endotelial por células trofoblásticas extravilosas que
expressam o fenótipo endotelial. Ao final do processo, as ar-
térias espiraladas passam a apresentar um diâmetro pelo me-
nos quatro vezes maior que aquele encontrado nas artérias não-
envolvidas na gestação. Na PE, esses vasos sofrem mínimas
modificações5.
O controle celular da invasão trofoblástica depende da
interação entre a decídua materna e o trofoblasto fetal. A ten-
são de oxigênio local e a interação com o sistema imunológi-
co são fatores determinantes nesse processo, sendo que o me-
canismo final parece estar associado ao aumento da taxa de
apoptose dos citotrofoblastos que invadem o útero de gestan-
tes com PE. A apoptose leva à liberação de microfragmentos
de sinciciotrofoblastos na circulação materna. Os micro-
fragmentos se encontram elevados no soro de pacientes com
PE, podendo também ter participação no desenvolvimento
da doença6.
Porém, indubitavelmente,é preciso mais que a presença
da placenta para o desenvolvimento da PE, visto que apenas
uma parcela das gestantes desenvolve a doença. Múltiplos fa-
tores maternos, tais como carga genética, ambiente e compor-
tamento, devem interagir com a redução da perfusão placen-
tária para culminar na síndrome completa. Nas pacientes com
esses fatores, a redução da perfusão placentária desencadeia
alterações sistêmicas que constituem o segundo estágio da
doença.
A síndrome materna se caracteriza pela redução da per-
fusão de outros órgãos, além da placenta. Esse processo pode
estar relacionado à ausência da redução da resistência vascu-
lar periférica e da reatividade vascular aos agonistas vasocons-
tritores observados na gestação normal, podendo evoluir acom-
panhada de hemorragia e necrose7. No fígado, a expressão clí-
nica pode ser evidenciada pelo aumento dos níveis séricos das
transaminases. Alteração visual e cefaléia persistente tradu-
zem o envolvimento do sistema nervoso central. Nos rins, ocor-
re diminuição da taxa de filtração glomerular, o que pode oca-
sionar aumento dos níveis plasmáticos de ácido úrico. No te-
cido cardíaco, está descrita necrose subendocárdica associada
à doença.
Todos esses órgãos têm em comum o envolvimento do
endotélio vascular. Através de biópsia renal de gestantes com
PE, observou-se endoteliose glomerular, que consiste no au-
mento das dimensões dos glomérulos devido à hipertrofia das
células endoteliais. Esse achado acabou evidenciando a parti-
cipação do endotélio na doença, sendo posteriormente refor-
çado pela descrição do aumento dos marcadores de dano en-
dotelial, tais como o fator de Von Willibrand, a fibronectina, a
trombomodulina e a endotelina8.
Endotélio
Dentre outras funções, o endotélio é responsável pelo
controle do tônus da musculatura lisa dos vasos por meio da
liberação de vasoconstritores e vasodilatadores. Esse balanço
é fundamental para determinar a resistência vascular periféri-
ca e, conseqüentemente, a pressão arterial.
Uma das propostas para explicar a fisiopatologia da PE
foi descrita por Granger e colaboradores. Ela integra os con-
ceitos de baixa perfusão placentária com disfunção endotelial
03 - MT Hipertensão arterial na gravidez.pm6 03/03/08, 15:355
6 Hipertensão 2008; 11(1): 4–8
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e seus mediadores. O modelo mostra um desequilíbrio nos
mediadores vasodilatadores e vasoconstritores, assim como
reatividade vascular alterada (figura 1)9.
Dentre os vasodilatadores, destacam-se o óxido nítrico
(ON) e as prostaglandinas (PG). O óxido nítrico se difunde
rapidamente para fora da célula de origem em direção às célu-
las vizinhas, onde se liga à guanosina monofosfato cíclica
(GMPc) e induz relaxamento da musculatura lisa vascular. A
enzima responsável pela sua produção, a óxido nítrico sintase
(ONS), é expressa no sinciciotrofoblasto, bem como no endo-
télio vascular umbilical e feto-placentário, onde a produção
de ON contribui para a manutenção da baixa resistência vas-
cular placentária.
O aumento da síntese de ON colabora para a manutenção
das adaptações fisiológicas observadas na gestação normal.
Em estudos com animais, observou-se que os metabólitos es-
táveis do óxido nítrico (nitrito e nitrato) encontram-se eleva-
dos em ratas prenhes. O bloqueio não-seletivo da óxido nítri-
co sintase resulta em alterações semelhantes àquelas observa-
das na PE, como vasoconstrição renal, proteinúria, tromboci-
topenia e restrição de crescimento intra-uterino, além de di-
minuir a excreção urinária dos produtos do metabolismo do
óxido nítrico10.
Em humanos, diversos estudos têm tentado determinar a
produção de ON investigando os níveis dos seus principais
metabólitos no soro e no plasma de pacientes com PE e com-
parando-os com gestantes normotensas. Em pré-eclâmpticas,
foram descritos níveis diminuídos, similares ou aumentados
em relação às gestantes controles. Esses estudos podem ter
sofrido interferência de diversos fatores, tais como dieta e
medicações em uso. Assim, a produção de ON durante a ges-
tação normal e na PE ainda é controversa.
O óxido nítrico é sintetizado a partir do aminoácido L-argi-
nina, que entra na célula através de transportadores. Em he-
mácias, foi demonstrado aumento da captação de L-arginina
em gestantes normais, sendo que esse transporte sofre acrés-
cimo ao longo do período gestacional e encontra-se ainda maior
no pós-parto imediato. Em gestantes com PE, está descrito
um aumento significativo na capacidade máxima de transpor-
te de eritrócitos em comparação com gestantes normais, de-
monstrando que a cinética do transporte da L-arginina encon-
tra-se alterada nesse grupo de pacientes11.
O GMPc é hidroxilado pela fosfodiesterase, uma enzima
presente na parede uterina de ratas prenhes e virgens. Está
demonstrado que a inibição dessa enzima aumenta a vasodila-
tação dependente do endotélio em pequenas artérias do mio-
métrio em gestações complicadas por PE. Estudo observou
que a atividade da fosfodiesterase em gestantes com PE é sig-
nificativamente maior, se comparada a gestantes normais. Es-
ses achados sugerem que o aumento da atividade da enzima
leva à degradação do segundo mensageiro GMPc, podendo
reduzir a vasodilatação periférica presente na gestação nor-
mal e ocasionando aumento da pressão arterial sistêmica12.
Alterações significativas na produção de prostaglandi-
nas ocorrem em gestantes com PE, sendo descrita a diminui-
ção da síntese de produtos vasodilatadores – como a prostaci-
clina – associada ao aumento da produção de vasoconstrito-
res, como o tromboxano A2. Na pré-eclampsia, está demons-
trado aumento da sua produção e da excreção urinária de
seu metabólito. Porém, estudo investigando a produção de
prostaciclina e tromboxano antes da instalação do quadro
da PE, observou que mulheres que desenvolveram PE ti-
nham níveis de prostaciclina significativamente menores
em comparação com as gestantes que não desenvolveram a
doença, o que foi documentado desde o período inicial da
gravidez (13 a 16 semanas). Por outro lado, esse estudo re-
latou que os níveis de tromboxano em gestantes que desenvol-
veram PE não estavam significativamente aumentados em re-
lação àquelas que não desenvolveram a doença. Esses estudos
motivaram a investigação da utilização do ácido acetilsalicíli-
co na prevenção da instalação da doença em mulheres com e
sem fatores de risco.
Além do tromboxano, outros vasoconstritores participam
do controle do tônus vascular. Dentre essas substâncias, en-
contram-se a endotelina, a renina e os mediadores do sistema
nervoso autonômico simpático.
A maior parte dos estudos que investigou os níveis de endo-
telina observou um aumento em cerca de duas a três vezes em
gestantes com PE quando comparadas aos controles. O aumento
dos níveis da endotelina ocorre principalmente na fase final da
doença, podendo isso significar que essa substância não está en-
volvida diretamente na gênese, mas na progressão da doença7.
Controle autonômico e
sistema renina-angiotensina-aldosterona
Sugere-se que a PE é um estado de hiperatividade simpá-
tica, que é revertido após o parto. Esse achado leva a crer que
o aumento da resistência vascular periférica observado na PE
pode ser explicado, pelo menos em parte, pelo aumento da
atividade simpática13.
O sistema renina-angiotensina-aldosterona encontra-se es-
timulado durante a gestação normal. Em situações de PE gra-
ve, está descrita uma redução significativa da concentração sé-
rica da aldosterona e da atividade da renina plasmática em com-
paração com os controles. Esse fenômeno seria secundário à
profunda vasoconstrição periférica encontrada na doença em
virtude do aumento da sensibilidade aos vasoconstritores14.
Interação materno-fetal
Não estáelucidado como a redução da perfusão placen-
tária poderia levar a alterações vasculares generalizadas na
circulação materna. Para tanto, haveria a necessidade de ocor-
rer liberação de um ou mais fatores vasoativos provenientes
da placenta isquêmica para a circulação materna. Muitos fato-
res têm sido apontados como possíveis candidatos, fazendo
com que a PE seja conhecida como a doença das teorias, sen-
do que nenhuma delas tem sido completamente aceita e com-
provada com o passar dos anos. As moléculas candidatas in-
cluem a forma solúvel do receptor do fator de crescimento
vascular endotelial (VEGF), a fração solúvel da endoglina, os
fragmentos placentários, além das espécies ativas do oxigênio
e os mediadores inflamatórios.
03 - MT Hipertensão arterial na gravidez.pm6 03/03/08, 15:356
7Hipertensão 2008; 11(1): 4–8
sFLT1
O fator de crescimento vascular endotelial tem um papel
importante na angiogênese que, quando inadequada, pode levar
à placentação defeituosa e à PE. A inserção alternativa do RNA
mensageiro de um dos receptores do VEGF, o FLT1, produz
uma forma solúvel desse receptor: tirosina quinase 1 placen-
tária solúvel tipo fms (sFLT1), que se liga e gera efeito anta-
gônico tanto ao fator de crescimento vascular quanto ao fa-
tor de crescimento placentário (PlGF). A expressão protéica
do sFLT1 aparece aumentada na PE. Experimentalmente, a
administração de sFLT1 no período inicial da gestação de ra-
tas induz hipertensão, proteinúria e endoteliose glomerular.
Além disso, foi demonstrado recentemente que a redução da
perfusão uterina em ratas está associada a aumento da con-
centração plasmática e placentária de sFLT1, bem como à
redução da concentração de VEGF e de PlGF. Esses achados
sugerem que o excesso de sFLT1 circulante contribui para a
patogênese da PE15.
Endoglina
A endoglina (CD105) é um receptor de superfície celular
dos fatores de crescimento TGF-β1 e TGF-β3, expresso nas cé-
lulas endoteliais e no sinciciotrofoblasto, que induz aumento no
diâmetro arterial de maneira dose-dependente. Foi descrita uma
nova forma solúvel da endoglina derivada da placenta que está
presente no soro de gestantes, aumentada na PE e em níveis
ainda maiores nas formas severas da doença. A endoglina coo-
pera com sFLT1 na indução do dano endotelial in vitro e de PE
severa in vivo. A combinação desses fatores mostrou um efeito
aditivo no fígado, indicando que os mesmos podem agir siner-
gicamente na ruptura da integridade en-
dotelial e induzir dano vascular conside-
rável16.
Espécies ativas de oxigênio
Outra hipótese sugere que a hipóxia
causada pela redução de perfusão placen-
tária gera espécies ativas de oxigênio com
capacidade de induzir dano endotelial sis-
têmico. Plaquetas, neutrófilos e monóci-
tos, quando ativados, podem liberar es-
pécies ativas de oxigênio. No entanto,
essas substâncias são lábeis, tornando
pouco provável a produção placentária
com atuação em sítios distantes. Estudo
clínico inicial demonstrou que a suple-
mentação com vitaminas C e E, utiliza-
das pelas suas propriedades de remoção
de espécies ativas hidrofílicas e lipofíli-
cas, respectivamente, foi benéfica para
gestantes com fatores de risco para a PE.
Porém, ensaios clínicos randomizados
que administraram as mesmas vitaminas
para pacientes com e sem fatores de risco
para PE demonstraram incidência seme-
lhante ao grupo placebo, não havendo,
assim, indicação de utilização profiláti-
ca das mesmas durante a gestação. Vale ressaltar que o estu-
do que investigou gestantes com fatores de risco para PE
registrou maior número de recém-nascidos com baixo peso
no grupo que recebeu o tratamento em comparação com os
controles17.
Mediadores inflamatórios
Supõe-se que um dos possíveis mecanismos ligados à
gênese da PE ocorra devido à resposta inflamatória intra-
vascular excessiva. Vários níveis de evidência corroboram a
hipótese que a isquemia placentária contribui para a ativa-
ção e disfunção endotelial sistêmica através de mediadores
inflamatórios.
Em nível celular, está relatada a ativação da resposta
inflamatória. Tanto granulócitos quanto monócitos encon-
tram-se ativados na pré-eclampsia. Em humanos, constatou-
se que os níveis plasmáticos de interleucina-6 (IL-6) e fa-
tor de necrose tumoral alfa (TNF-α) estão aumentados
em pacientes com PE quando comparados aos controles.
Observa-se que, em relação aos níveis de TNF-α, ocorre
um aumento em torno de duas vezes; enquanto que, refe-
rente à interleucina-6, o acréscimo é de três vezes com-
parando-se com as gestantes normais. Também está des-
crito aumento dos níveis de TNF-α no líquido amniótico
de pré-eclâmpticas. Em outro estudo, foi relatado aumento
dos níveis plasmáticos de IL-6 associados à molécula de ade-
são vascular celular (VCAM), o que pode estar relacionado
ao mecanismo de ativação leucocitária presente na doença.
Esses achados foram confirmados em estudos mais recentes
e nas formas mais graves da doença; incluindo a síndrome
FIGURA 1
Potenciais mecanismos envolvidos na redução da perfusão útero-placentária e hipertensão arterial sistêmica.
Modificado de Granger et al 9 .
03 - MT Hipertensão arterial na gravidez.pm6 03/03/08, 15:357
8 Hipertensão 2008; 11(1): 4–8
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Referências bibliográficas
HELLP, caracterizada por hemólise, aumento das enzimas
hepáticas e plaquetopenia.
Em estudos com modelos animais, existem evidências
sugerindo a participação das citocinas pró-inflamatórias como
mediadoras do aumento da pressão arterial. A infusão de in-
terleucina-6 em ratas prenhes induziu aumento da pressão ar-
terial e atenuação das adaptações hemodinâmicas renais. Além
disso, constatou-se aumento dos níveis de IL-6 em ratas sub-
metidas à redução da perfusão uterina quando comparadas aos
controles18.
Assim, observamos que houve progresso na investigação
da fisiopatologia da doença hipertensiva ligada à gestação,
especialmente em relação à PE. No entanto, os mecanismos
que levam à doença não estão completamente elucidados, prin-
cipalmente no que diz respeito à interação materno-fetal e na
conexão entre a síndrome placentária e a síndrome materna
sistêmica.
Apesar dos avanços na investigação dessa doença ainda
não terem se traduzido em estratégias clínicas mais efetivas
para o seu manejo, a elucidação desses mecanismos deve ofe-
recer novas abordagens no futuro. Observando os limites éti-
cos, podemos projetar que novas opções envolvendo media-
dores endoteliais, fatores de crescimento vascular e placentá-
rio, bem como mediadores inflamatórios farão parte do arse-
nal terapêutico utilizado naquele que permanece sendo um dos
maiores desafios médicos atuais.
03 - MT Hipertensão arterial na gravidez.pm6 03/03/08, 15:358
9Hipertensão 2008; 11(1): 9–13
MÓDULO TEMÁTICO
Hipertensªo e gravidez:
fisiopatologia
Hypertension and pregnancy: pathophysiology
Maria Rita de Figueiredo Lemos Bortolotto*
Médica Assistente da Clínica Obstétrica do
Hospital das Clínicas da FMUSP
Luiz Aparecido Bortolotto
Médico Assistente da Unidade de Hipertensão do
InCor – Instituto do Coração do Hospital das
Clínicas da FMUSP
Marcelo Zugaib
Professor Titular do Departamento de Obstetrícia
da Faculdade de Medicina da USP
Palavras-chave: hipertensão arterial, pré-eclampsia,
gravidez, fisiopatologia, placenta, endotélio.
Key words: hypertension, pre-eclampsia, pregnancy,
pregnancy complications, placenta, endothelium.
Autores:
*Endereço para correspondência:
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 255
05403-900 – São Paulo – SP
Tel.: (11) 3069-6209
E-mail: ritalb@uol.com.br
Resumo
A hipertensão arterial na gravidez é uma das principais
causas de morbidade e mortalidade materna e perinatal. Esta
revisão aborda os principais mecanismos presentes na fisio-
patologia da pré-eclampsia, que tem origem no desenvolvi-
mento anormal da placenta. Como conseqüência dessa alte-
ração ocorre resposta inflamatória, associada a disfunção en-
dotelial e vasoconstrição, responsáveis pelas principais re-
percussões clínicas maternas.
Abstract
Hypertension is one of the main causes of maternal and
fetal morbidity and mortality. This article reviews the
mechanisms in pathophysiology of pre-eclampsia, a
multisystem disorder that arises after abnormal development
of placenta, leading to vasoconstriction and endothelial
dysfunction, responsible for the main clinical presentations of
this disease.
Recebido em 29/01/2008. Aceito em 21/02/2008.
As síndromes hipertensivas são responsáveis por grande
parte das complicações maiores observadas na assistência às
gestantes e puérperas, sendo responsáveis por altos índices de
mortalidade materna. Da mesma forma, as síndromes hiper-
tensivas são responsáveis por expressivos índices de morbida-
de e mortalidade em relação ao produto da concepção, seja
por alterações do fluxo placentário determinadas pela doença
ou seu tratamento, seja ainda pela prematuridade terapêutica
relacionada à interrupção precoce da gestação nas formas gra-
ves dessas patologias1.
As síndromes hipertensivas compreendem a hipertensão
arterial crônica (HAC) e a doença hipertensiva específica da
gravidez (DHEG)1. A hipertensão arterial crônica é definida
como a hipertensão arterial sistêmica anterior à gravidez, ou
ainda detectada antes da 20a semana. O termo inclui também
a hipertensão essencial latente, que pode ser identificada pela
primeira vez durante a gravidez1.
A DHEG divide-se em pré-eclampsia e eclampsia. A pré-
eclampsia (ou ainda toxemia gravídica) é definida como o
desenvolvimento de hipertensão arterial, edema e/ou protei-
núria (igual ou superior a 300 mg em urina de 24 horas) ocor-
rendo após a 20a semana de gestação (excetuando-se os casos
04 - MT Hipertensão e gravidez_fisiopatologia.pm6 05/03/08, 17:059
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de moléstia trofoblástica gestacional, única situação em que
se admite o aparecimento da pré-eclampsia antes desse perío-
do). Algumas classificações utilizadas em outros serviços exi-
gem a presença de proteinúria para que seja firmado o diag-
nóstico de DHEG3. Muitas vezes, entretanto, o aparecimento
do edema e a elevação dos níveis pressóricos precedem o sur-
gimento da proteinúria. Assim, a exigência da presença deste
dado laboratorial muitas vezes atrasa o diagnóstico e dificulta
a tomada de decisões pertinentes.
Estudos norte-americanos relatam que a hipertensão ar-
terial crônica afeta de 1% a 5% das gestações2, observando
que a freqüência aumenta com o aumento da idade materna;
já a doença hipertensiva específica da gravidez ocorre em 5%
a 10% das gestações, com maior prevalência nos extremos da
idade reprodutiva3. Dentre os casos atendidos pelo Setor de
Hipertensão Arterial da Clínica Obstétrica do HC-FMUSP foi
observado que 65% das pacientes do eram portadoras de hi-
pertensão arterial crônica, 25% tinham DHEG e 10% dos ca-
sos relacionavam-se a hipertensão crônica com DHEG
superajuntada. As formas graves da DHEG, pré-eclampsia
grave e eclampsia foram observadas em, respectivamente,
4% e 2% dos casos atendidos1.
Fisiopatologia
A fisiopatologia depende da entidade analisada, da cha-
mada “hipertensão arterial crônica” ou da hipertensão re-
lacionada à gravidez. No caso da hipertensão arterial sistê-
mica prévia à gestação (ou detectada pela primeira vez na
primeira metade da gravidez), os mecanismos fisiopatoló-
gicos são aqueles descritos para essa entidade fora do perí-
odo gestacional.
A hipertensão dita primária ou essencial é responsável
pela maioria dos casos (93,2% dos casos na Clínica Obstétri-
ca do HC-FMUSP). Dentre as gestantes portadoras de hiper-
tensão arterial secundária, o diagnóstico mais comum foi o de
doença renal crônica (5,7%) e apenas 1,1% dos casos apre-
sentaram outras causas (feocromocitoma,hipertensão reno-
vascular, hiperaldosteronismo primário, coarctação de aorta)1.
Nem sempre a paciente chega ao pré-natal com o diagnóstico
de hipertensão arterial secundária.
Fisiopatologia da doença hipertensiva específica
da gestação
Os mecanismos que induzem ao aparecimento da doença
hipertensiva ainda não estão totalmente esclarecidos. A pré-
eclampsia é uma doença sistêmica, na qual estão envolvidos
vasoconstrição, alterações metabólicas, disfunção endotelial,
ativação da cascata da coagulação e resposta inflamatória au-
mentada4. Na gênese dessas alterações estão envolvidos as-
pectos imunológicos, genéticos, e placentação inadequada.
Descreve-se incidência aumentada em primigestas, pacientes
com história familiar de pré-eclampsia ou eclampsia, mulhe-
res com pré-eclampsia anterior e aumento de massa trofoblásti-
ca (gestação molar, triploidia fetal, hidropisia fetal não-imune,
gestação múltipla). Nesta última situação, a DHEG aparece
na sua forma mais grave, em idade gestacional mais precoce,
e com desfecho pior tanto para a mãe quanto para o concepto1.
Há vários fatores predisponentes de pré-eclampsia que devem
ser reconhecidos para a prevenção e a melhor abordagem des-
sas pacientes durante uma gestação. Além disso, a presença
desses fatores predisponentes permite um melhor reconheci-
mento dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos no desen-
volvimento da pré-eclampsia. Na tabela 1 observamos os prin-
cipais fatores predisponentes da pré-eclampsia5. Podemos no-
tar que muitos dos fatores estão relacionados a alterações imu-
nológicas, hematológicas e vasculares, sugerindo a participa-
ção desses mecanismos no aparecimento da doença hiperten-
siva específica da gestação. Em recente estudo6 prospectivo
realizado na Noruega, envolvendo cerca de 3.000 mulheres, o
maior risco de desenvolver pré-eclampsia foi associado a mai-
ores níveis sangüíneos de triglicérides e colesterol, além de a
maiores valores de pressão arterial observados antes do perío-
do gestacional. Essas alterações poderiam facilitar a disfun-
ção endotelial, reconhecidamente presente em mulheres que
desenvolvem pré-eclampsia.
Dentre esses fatores predisponentes, cabe uma menção
especial às trombofilias. Nos últimos anos vários estudos têm
associado a pré-eclampsia e outros eventos obstétricos ad-
versos (abortamentos de repetição, perda fetal, descolamen-
to prematuro de placenta) às trombofilias hereditárias e ad-
quiridas7. No caso da pré-eclampsia, a correlação não foi
observada com a forma leve da doença, mas sim com as
formas graves, precoces, em associação com a síndrome
HELLP, ou com comprometimento fetal intenso (óbito fe-
tal, insuficiência placentária grave). O mecanismo fisiopa-
tológico envolvido seria a ocorrência de trombose e infartos
TABELA 1
RISCO RELATIVO DE DHEG CONFORME A PRESENÇA
DE FATORES PREDISPONENTES
Fatores predisponentes para a doença RR (IC 95%)
hipertensiva específica da gravidez
Idade materna ≥ 40 anos 1,96 (1,34–2,37)
Nuliparidade 2,91 (1,28 – 6,61)
Antecedente de DHEG 7,19 (5,85 – 8,83)
História familiar de DHEG 2,90 (1,70 – 4,93)
Hipertensão arterial preexistente
PA diastólica ≥ 100 mmHg (< 20 semanas) 3,2 (1,7 – 7,8)
PA sistólica ≥ 130 mmHg (< 18 semanas) 3,6 (2,0 – 6,6)
Doença auto-imune crônica 6,9 (1,1 – 42,3)
Síndrome dos anticorpos antifosfolípides (SAAF) 9,72 (4,34 – 21,75)
Diabetes pré-gestacional 3,56 (2,54 – 4,99)
IMC (índice de massa corpórea) > 30 antes da gravidez 2,47 (1,66 – 3,67)
Gestação múltipla 2,93 (2,04 – 4,21)
(Adaptado de Duckitt & Harrington, 2005)5
04 - MT Hipertensão e gravidez_fisiopatologia.pm6 05/03/08, 17:0510
11Hipertensão 2008; 11(1): 9–13
placentários, iniciando o desenvolvimento da doença. Na pre-
sença da síndrome dos anticorpos antifosfolípides, haveria ain-
da a presença de fenômenos inflamatórios desencadeados pe-
los anticorpos, com influência no remodelamento vascular do
leito placentário8.
Recentemente, vem sendo proposto um mecanismo fi-
siopatológico em dois estágios para a pré-eclampsia4,9:
• primeiro estágio – perfusão placentária reduzida, pro-
vável raiz do problema;
• segundo estágio – expressa a síndrome materna da
doença hipertensiva específica da gravidez.
Alterações da perfusão placentária (figura 1)
Durante o desenvolvimento normal da placenta, as célu-
las do citotrofoblasto invadem as arteríolas espirais uterinas
maternas provocando remodelamento vascular, com transfor-
mação em vasos de grande capacitância e baixa resistência.
Essas modificações atingem o endotélio e a camada média
muscular das arteríolas espirais, com aumento da capacidade
luminal e diminuição à resposta às drogas vasoativas. No pro-
cesso normal de invasão trofoblástica, há mudança da expres-
são genética de adesão molecular do trofoblasto, de células
epiteliais para células endoteliais, num processo chamado de
pseudovasculogênese. Neste processo estão envolvidos pro-
dutos de genes relacionados à angiogênese, como o VEGF (vas-
cular endothelial growth factor), angiopoietina, PlGF (placental
growth factor) e outros, e parece ser desencadeado pelo au-
mento da tensão tecidual de oxigênio. Na pré-eclampsia o me-
canismo de invasão citotrofoblástica das arteríolas espirais está
FIGURA 1
Alterações das arteríolas espirais uterinas na gravidez normal e na pré-eclampsia
deficiente, levando à perfusão reduzida e insuficiência pla-
centária. Estudos in vivo e in vitro mostram que o trofoblasto
de pacientes com pré-eclampsia é incapaz de apresentar as
modificações das moléculas de adesão e pseudovasculogêne-
se4,10.
Esse mecanismo depende da tensão tecidual do oxigê-
nio, podendo sofrer influência de fatores imunológicos. A pla-
centação normal requer equilíbrio da inibição e ativação das
células NK, mediado por fatores maternos e fetais. O ponto
de convergência dos mecanismos de invasão trofoblástica ina-
dequada é a apoptose placentária. Entretanto, nem todas as
mulheres com perfusão placentária inadequada desenvolvem
DHEG. O remodelamento vascular inadequado também é ob-
servado nas gestações com restrição do crescimento fetal e
em alguns casos de trabalho de parto prematuro, mesmo sem
as manifestações maternas de pré-eclampsia. Acredita-se que
a perfusão placentária insuficiente deve interagir com fatores
maternos para resultar em DHEG. Esses fatores são genéti-
cos, ambientais ou comportamentais, e sofrem influência das
modificações fisiológicas da gravidez, em particular a res-
posta inflamatória aumentada1,4,9.
Os fatores genéticos ligados à pré-eclampsia vêm atra-
indo atenção há décadas. Chesley já havia observado maior
ocorrência dessa doença em filhas de mulheres com eclamp-
sia; a freqüência de pré-eclampsia é duas a cinco vezes maior
em mães, filhas, irmãs e netas de mulheres afetadas do que
em população controle1. Estudos genéticos concluem, mes-
mo com limitações das populações analisadas, que há he-
rança dominante com penetrância variável ou herança mul-
tifatorial11. Entretanto, parece haver importância também
04 - MT Hipertensão e gravidez_fisiopatologia.pm6 05/03/08, 17:0511
12 Hipertensão 2008; 11(1): 9–13
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dos genes paternos. Outros polimorfismos genéticos também
foram observados em mulheres com pré-eclampsia, como os
que regulam as trombofilias, metabolismo lipídico e de ácido
fólico, estresse oxidativo e componentes do sistema renina-an-
giotensina-aldosterona, embora muitas vezes os resultados dos
diversos estudos a respeito dessas influências sejam inconsis-
tentes1,9,11.
Síndrome materna da DHEG
O termo “síndrome” é importante, uma vez que esta doen-
ça não se limita à tríade hipertensão-edema-proteinúria. Existe
envolvimento de vários órgãos, com evidência de perfusão di-
minuída em supra-renais, fígado,rins, cérebro, endocárdio. A
vasoconstrição é a base das manifestações clínicas da pré-
eclampsia; existe reatividade vascular aumentada a qualquer
agente vasoconstritor1,9.
A pré-eclampsia leva à redução da perfusão renal, acarre-
tando diminuição no fluxo plasmático renal efetivo (em até 20%)
e na taxa de filtração glomerular (em 32%), redução que pode
ser ainda maior nos casos de doença grave. Os níveis de uréia e
creatinina podem estar aumentados (embora quase sempre per-
maneçam na faixa de normalidade para o período não-gravídico).
Observa-se aumento da concentração sérica de ácido úrico, ex-
plicado por menor filtração glomerular e maior reabsorção tu-
bular. Este aumento da uricemia tem relação proporcional à gra-
vidade da doença e está relacionado a pior prognóstico fetal,
mesmo na ausência de proteinúria. Em casos mais graves de
DHEG a vasoconstrição e a hipovolemia podem provocar le-
sões em túbulos renais, chegando a evoluir para necrose tu-
bular aguda. Nos rins o achado patognomônico é a glomeru-
lose endotelial (com importante edema das células endoteli-
ais glomerulares, suficiente para provocar oclusão capilar).
Este achado não é encontrado em nenhuma outra forma de
doença hipertensiva1,9.
No fígado, a vasoconstrição produz, nos casos leves (a
maioria dos casos), lesões parenquimatosas leves, com de-
posição de fibrina no espaço periportal (subendotelial), ou
ainda sem lesões histológicas. Nos casos graves, podem ocor-
rer infartos, necrose e hemorragia intraparenquimatosa, che-
gando a distensão e rotura da cápsula de Glisson, com he-
morragia maciça, geralmente fatal9,11.
Além do vasoespasmo, a perfusão também diminui às
custas de microtrombos (formados a partir da ativação da
cascata da coagulação) e da perda de fluido para o espaço
extravascular (decorrente da lesão endotelial e redução da
pressão coloidosmótica)1.
Na gravidez normal existe predominância das substân-
cias vasodilatadoras, devido ao aumento das prostaciclinas
(PGI2) e óxido nítrico, produzidos pela parede dos vasos,
sobre a ação vasoconstritora e agregadora plaquetária do
tromboxano (TXA2), normalmente produzido pelas plaque-
tas. Disto decorre a vasodilatação generalizada e o compor-
tamento refratário à infusão de substâncias vasoconstritoras
(como a angiotensina II). Vasoconstrição, ativação da casca-
ta de coagulação e lesão endotelial foram encontradas em
mulheres com pré-eclampsia antes das manifestações clíni-
cas da doença1,4,9,11.
FIGURA 2
Alterações fisiopatológicas da DHGE
04 - MT Hipertensão e gravidez_fisiopatologia.pm6 05/03/08, 17:0512
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Referências bibliográficas
No território uterino e placentário, a vasoconstrição pio-
ra ainda mais a perfusão já prejudicada, podendo ocorrer, além
da restrição do crescimento, sofrimento fetal e morte do con-
cepto. Estudos hemodinâmicos (com monitoração invasiva)
mostram que a contratilidade miocárdica geralmente é nor-
mal, a pré-carga é normal ou mesmo reduzida, e a pós-carga
está aumentada. Ao contrário do que ocorre com gestantes
normais, esses achados configuram um sistema de baixo vo-
lume, alta pressão e alta resistência. A elevação da resistência
periférica pode levar a insuficiência cardíaca diastólica, o que,
somado à queda da pressão coloidosmótica e à lesão capilar
pode levar à congestão pulmonar e até ao edema agudo dos
pulmões (quase sempre relacionado à infusão de volume). O
edema agudo e a broncopneumonia aspirativa (freqüente na
eclampsia) são importantes causas de óbito materno11,12.
Não existe consenso a respeito da fisiopatologia das con-
vulsões da eclampsia. As alterações vasculares decorrentes do
vasoespasmo e lesão endotelial são responsáveis pela encefa-
lopatia hipertensiva, microinfartos, hemorragias puntiformes
e edema cerebral11,12.
A figura 2 descreve as alterações decorrentes do vasoes-
pasmo arteriolar nos diversos sistemas afetados pela pré-
eclampsia.
Conclusão
Ainda que a etiologia da doença hipertensiva específica
da gestação não esteja definida, os principais mecanismos en-
volvidos na sua fisiopatologia começam a ser desvendados. O
conhecimento destas alterações é importante não só para o en-
tendimento das diversas manifestações clínicas da pré-eclamp-
sia, como também para a abordagem adequada dessas pacientes,
visando redução das complicações maternas e fetais.
04 - MT Hipertensão e gravidez_fisiopatologia.pm6 05/03/08, 17:0513
14 Hipertensão 2008; 11(1): 14–17
C Hipertensªo renovascularcausada por aneurismasbilaterais em artØrias
renais (AAR)
Renovascular hypertension caused by bilateral
renal artery aneurysms (RAA)
CASOLÍNICO
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*Endereço para correspondência:
Faculdade de Ciências Médicas de
Sorocaba – PUC-SP
Praça Dr. José Ermírio de Moraes, 290
18030-230 – Sorocaba – SP
E-mail: diretoriageral@sorocaba.pucsp.br
Financiado pela Comissão de Pesquisa da
PUC-SP.
Recebido em 16/11/2007.
Aceito em 07/01/2008.
 Comentários:
Cibele Isaac Saad Rodrigues*
Professora Titular da Disciplina
de Nefrologia da Faculdade de
Ciências Médicas de Sorocaba –
PUC-SP, Mestre e Doutora em
Nefrologia pela UNIFESP, Diretora
Geral do CCMB da PUC-SP
Ronaldo D’Avila
Professor Assistente-Doutor da
Disciplina de Nefrologia da
Faculdade de Ciências Médicas
de Sorocaba – PUC-SP, Mestre e
Doutor pela UNIFESP
Pedro Luis Dutra Megale
Médico Cardiologista do Medcor
Sorocaba
Enio Márcio Maia Guerra
Auxiliar de Ensino da Disciplina de
Nefrologia da Faculdade de Ciências
Médicas de Sorocaba – PUC-SP
Ricardo A. de Miranda Cadaval
Professor Associado da Disciplina de
Nefrologia da Faculdade de Ciências
Médicas de Sorocaba – PUC-SP,
Mestre e Doutor pela UNIFESP
Fernando Antonio Almeida
Professor Titular da Disciplina de
Nefrologia da Faculdade de Ciências
Médicas de Sorocaba – PUC-SP,
Doutor em Nefrologia pela UNIFESP
Resumo
Aneurisma de artéria renal (AAR)é uma rara malformação vascular e a literatura é
pobre sobre essa forma de hipertensão arterial renovascular. Nós apresentamos o caso de
uma paciente feminina, branca, de 46 anos de idade, que estava sendo investigada como
portadora de hipertensão resistente. Detectaram-se aneurismas de ambas as artérias renais
e considerou-se a realização de tratamento endovascular. Neste artigo discutimos os sinto-
mas clínicos, os procedimentos diagnósticos e o seguimento da paciente. Hipertensão reno-
vascular (secundária) devida a AAR é resumidamente revisada. Os AARs são entidades po-
tencialmente curáveis e dispomos de várias e boas opções para sua correção, como a esco-
lhida neste caso.
Abstract
Renal artery aneurysm (RAA) is a rare vascular malformation and the literature lacks
satisfactory general information about this form of renovascular hypertension. We present a
case of a 46 year old white female patient who was being investigated for resistant hypertension.
It was found aneurysms of both renal arteries and endovascular treatment was considered.
The clinical symptoms, the diagnostic procedures and the follow up are all discussed in this
article. Renovascular (secondary) hypertension caused by RAA is briefly reviewed. RAA is a
potentially curable entity and there are many good options for its correction, like the one
chosen in this case.
Palavras-chave: artéria renal, aneurisma, hipertensão renovascular, tratamento endovascular.
Key words: renal artery, aneurysm, renovascular hypertension, endovascular treatment.
Identificação
M. J. S., 46 anos, sexo feminino,
casada, doméstica, católica, natural e
procedente de Taboão da Serra (SP).
Queixa principal
Em junho de 2005 veio encaminhada
ao consultório de um dos autores (PDM)
para diagnóstico e controle da pressão
arterial (PA). Na época queixava-se de ce-
faléia freqüente desde os 26 anos de ida-
de, ocasião em que soube ser hipertensa.
Dados da história obtidos do
prontuário do consultório
Em 2005 referia saber ser portado-
ra de hipertensão arterial sistêmica (HA)
havia 20 anos, descoberta ao procurar aten-
dimento médico por cefaléia occipital fre-
qüente, de forte intensidade, que piorava
quando a PA aumentava. Além disso, quei-
xava-se de dispnéia aos médios esforços.
Referia uso de dieta hipossódica e terapêu-
tica farmacológica com hidroclorotiazida
25 mg/dia, enalapril 40 mg/dia e amlodi-
pina 10 mg/dia regularmente e sem suces-
so. Atualmente apresenta apenas as quei-
xas já relatadas de cefaléia e dispnéia.
Negava o uso de outros fármacos
que pudessem interferir no controle pres-
sórico.
Antecedentes pessoais
Obesidade havia 20 anos. Não tem
filhos.
05 - Caso Clinico hipertensão renovascular.pm6 03/03/08, 15:3614
15Hipertensão 2008; 11(1): 14–17
Fatores de risco cardiovascular e
antecedentes familiares
Não sabia ser diabética, referia se-
dentarismo e negava tabagismo ou eti-
lismo. História familiar positiva de HA
(4 irmãos), a mãe faleceu no parto e o
pai era hipertenso e havia falecido por
infarto aos 62 anos.
Lesões em órgãos-alvo
• Negava outros sintomas cardiovascu-
lares.
• Não referia alterações urinárias ma-
croscópicas ou no ritmo da diurese.
Exame físico
• Brevilínea; bom estado geral; orien-
tada; mucosas coradas; hidratada;
eupnéica; afebril. Tireóide normal à
palpação.
• Aparelho cardiovascular: pulsos pe-
riféricos e carotídeos palpáveis e si-
métricos bilateralmente. Ictus palpá-
vel no 5o EICE, na LHCE, duas pol-
pas digitais. Coração rítmico, a dois
tempos, sem sopros. Ausência de es-
tase jugular pulsátil.
• Pressão arterial (aferida com mangui-
to apropriado) e freqüência cardíaca:
- Posição sentada: PA = 174/112
mmHg (membro superior direito)
e 176/112 mmHg (membro supe-
rior esquerdo). Freqüência cardía-
ca = 92 batimentos por minuto.
- Posição ortostática: PA = 176/110
mmHg. Freqüência cardíaca = 96
batimentos por minuto.
• Peso = 66 kg; altura = 1,49 m; IMC
= 29,7 kg/m2; relação cintura/quadril
(C/Q) = 0,92.
• Aparelho respiratório: pulmões lim-
pos.
• Abdome: flácido, globoso, indolor à
palpação, sem visceromegalias, sem
sopros.
• Exame neurológico: normal.
• Membros inferiores: sem edemas.
• Fundoscopia: KW 2.
Foram solicitados exames e associo-
se nadolol 80 mg/dia. No retorno trouxe:
Exames Laboratoriais
• uréia = 42 mg/dL,
• creatinina = 0,9 mg/dL,
• potássio = 3,8 mEq/L,
• glicemia = 79,0 mg/dL,
• Htc = 40%,
• Hb = 13,1 g/dL,
• colesterol total = 217 mg/dL,
• HDL-colesterol = 63 mg/dL,
• LDL-colesterol = 133 mg/dL,
• triglicérides = 101 mg/dL.
• ácido úrico = 6,0 mg/dL,
• depuração de creatinina calculada
(equação de Cockcroft - Gault) = 81,3
mL/min,
• exame de urina: normal,
• TSH = 0,96 µUI/mL (valor normal =
0,5 a 5,1 µUI/mL),
• metanefrinas urinárias (amostra iso-
lada) = 0,77 mg/g de creatinina (va-
lor normal até 1,0 mg/g creatinina).
Eletrocardiograma: ritmo sinusal,
FC = 62 bpm, alterações da repolariza-
ção ventricular.
Ecocardiograma: sinais de hipertro-
fia concêntrica ventricular esquerda e
disfunção diastólica, com septo IV = 12
mm e parede posterior = 12 mm. Fração
de ejeção = 77%.
Ultra-som renal e de vias urinárias:
rins direito e esquerdo de tamanhos nor-
mais; espessura do córtex bilateral = 1,5
cm, contornos regulares. Doppler de ar-
térias renais: sugestivo de estenose bi-
lateral em região proximal das artérias
renais, porém com visualização prejudi-
cada por artefatos técnicos. Velocimetria
não-realizada.
Evolução
A paciente retornou após repetir US
com doppler, não se obtendo, novamen-
te, visualização das artérias renais com
nitidez. Com esses resultados e apresen-
tando ainda mau controle pressórico,
optou-se pela realização de angioresso-
nância de artérias renais, que evidenciou
artéria renal direita sem estenose e arté-
ria renal esquerda mal visualizada por
artefato no movimento respiratório.
A paciente concordou em realizar
aortografia e arteriografia renal bilate-
ral que mostraram, aorta de contornos
regulares e calibre preservado; artérias
renais pérvias, com ausência de lesões
estenosantes; nefrograma bilateral e si-
métrico. A opacificação das artérias re-
nais se faz por artérias únicas (figura 1).
Dilatações aneurismáticas das artérias
renais bilateralmente podem ser visuali-
zadas nas figuras 2 e 3, sendo a maior à
D (2 cm) e menor à E (1,6 cm).
A artéria renal direita foi escolhida
para o primeiro procedimento de embo-
lização por apresentar aneurisma sacu-
lar de 2,0 cm na porção intraparenqui-
matosa, o que se deu com acesso retró-
grado pela artéria femoral comum D e
utilização de oito molas de liberação con-
trolada (figura 4). Dois meses depois, uti-
lizando-se microcateter e mesma via de
acesso, procedeu-se a embolização da
artéria renal esquerda com sete molas,
sendo cinco 3 D e duas espiraladas (fi-
gura 5). O controle pós-procedimento em
ambas as ocasiões mostrou-se de bom
aspecto, com preservação da perfusão
renal. A paciente não apresentou inter-
corrências. A pressão arterial aferida na
última consulta foi 110/80 mmHg na
posição sentada e a freqüência cardíaca,
64 bpm.
Discussão
Trata-se de paciente com diagnós-
tico inicial de hipertensão arterial grave,
estágio 3, resistente à múltipla terapia
anti-hipertensiva, com classificação de
risco muito alto, segundo as V Diretri-
zes Brasileiras de Hipertensão Arterial1.
O diagnóstico etiológico de HA secun-
dária foi considerado, a despeito de sua
história familiar e da presença de sobre-
peso porque ela iniciou os sintomas aos
26 anos, sem uso de medicamentos ou
drogas que pudessem interferir no con-
trole pressórico, havendo indícios de boa
adesão ao tratamento sem obtenção de
resposta terapêutica satisfatória. Os exa-
mes ultra-sonográficos com doppler de
artérias renais não afastaram a suspeita
clínica de HARV, vistoque mesmo em
duplicata foram inconclusivos tecnica-
mente, possivelmente devido à obesida-
de e/ou devido ao observador.
O próximo passo, como preconiza-
do nas Diretrizes1, consistiria na solici-
tação de angiografia por ressonância
magnética, que se mostrou igualmente
ineficaz. Com isso, foi indicada aorto-
grafia e arteriografia renal bilateral, op-
tando-se pela não-realização de cintilo-
grafia renal com captopril. O achado ar-
teriográfico evidenciou tratar-se de um
s
05 - Caso Clinico hipertensão renovascular.pm6 03/03/08, 15:3615
16 Hipertensão 2008; 11(1): 14–17
caso raro de aneurisma bilateral de arté-
rias renais, embora a paciente em tela
exibisse fatores essenciais predisponen-
tes à resistência ao tratamento: obesida-
de, sedentarismo, além de importante
história familiar de HA e doença cardio-
vascular. A obediência à seqüência correta
de investigação etiológica mostrou-se bas-
tante compensatória. Deve-se ressaltar, en-
tretanto, especialmente em relação aos pa-
cientes com peculiaridades semelhantes às
do caso em questão referenciados a cen-
tros especializados, que se deve proce-
der à investigação da possibilidade de
doenças causadoras de HA secundária2.
A probabilidade de hipertensão re-
nal, principal causa de HA secundária,
foi facilmente afastada, pois a função
renal e a urina tipo I estavam normais.
Outras causas de hipertensão arterial se-
cundária foram descartadas pela clínica
associada aos exames laboratoriais. A
segunda causa mais freqüente de HA
secundária é a hipertensão renovascular
por estenose significativa de artéria re-
nal. A angiografia ainda se constitui no
padrão ouro para diagnóstico, mas uma
história clínica cuidadosa e procedimen-
tos menos invasivos devem sempre
precedê-la. Finalmente, em posse do re-
sultado da arteriografia foi possível de-
cidir por procedimento endovascular em
conjunto com a equipe de cirurgia.
Concluindo, trata-se de um caso de
hipertensão arterial secundária a aneu-
rismas de ambas as artérias renais. A
embolização das mesmas resultou em
controle da PA, já que a paciente está
atualmente em uso de apenas duas dro-
gas anti-hipertensivas (diurético tiazídi-
co e inibidor da enzima conversora da
angiotensina).
O primeiro relato de aneurisma de
artéria renal (AAR) foi realizado em
17703. Sua incidência na população ge-
ral é tema de controvérsia na literatura.
Assim, Than et al4, estudando 8.525
angiografias, encontraram 83 casos de
aneurisma, correspondendo a uma inci-
dência aproximada de 1%. Já os estudos
de autópsia revelaram uma taxa variável
entre 0,01 % e 0,09%3. Dentre os aneu-
rismas viscerais, os aneurismas de arté-
rias renais perfazem um total de 22%5.
Podem ser classificados, em ordem de
freqüência, em saculares, fusiformes, dis-
secantes e intra-renais. O tipo mais co-
mum é, sem dúvida, o sacular (60–90%)6.
Acometem homens e mulheres na mes-
ma proporção, exceto quando se associ-
am à displasia fibromuscular, ocasião em
que são mais comuns em mulheres bran-
cas e jovens, na modalidade fusiforme.
Aproximadamente 75% dos aneurismas
de artéria renal saculares têm menos de
5 cm de diâmetro, sendo a doença ate-
rosclerótica o fator etiológico mais co-
mum7, podendo neste caso estar asso-
ciada também a doença coronariana, ce-
rebrovascular, insuficiência renal crôni-
ca e claudicação de intensidade e grau
variáveis8.
Em geral, os AAR são localizados
em bifurcações primárias ou secundárias
fora do parênquima renal, sendo a ocor-
rência intra-renal inferior a 10%. A dila-
tação aneurismática pode originar-se ain-
da de arterite, displasia fibromuscular ou
trauma. Na maioria das vezes são devi-
dos à degeneração da camada média com
fragmentação da lâmina elástica9.
FIGURAS
Figura 1 Figura 2 Figura 3
Figura 4 Figura 5
Figura 1.
Aortografia e arteriografia renal bilateral
Figura 2.
Arteriografia seletiva da artéria renal direita
Figura 3.
Arteriografia seletiva da artéria renal esquerda
Figura 4.
Artéria renal direita pós-embolização
Figura 5.
Artéria renal esquerda pós-embolização
05 - Caso Clinico hipertensão renovascular.pm6 03/03/08, 15:3616
17Hipertensão 2008; 11(1): 14–17
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Os AAR são comumente assintomá-
ticos, mas podem ocorrer complicações,
como expansão, ruptura ou embolia de
trombos do aneurisma e infarto renal. É
controversa a relação entre hipertensão
renovascular e a presença de aneurisma
de artéria renal, embora a hipertensão
arterial seja considerada um achado re-
lativamente comum entre os pacientes
acometidos por AAR. Dados de litera-
tura demonstram que essa associação
ocorre em 55% a 91% dos casos9. O au-
mento pressórico pode contribuir para
formação e expansão do AAR ou, inver-
samente, ser decorrente da presença do
mesmo. As dilatações aneurismáticas po-
derão determinar diminuição do fluxo
sangüíneorenal e conseqüente hiperten-
são renina-dependente por meio de vári-
os mecanismos: compressão ou torção do
ramo arterial contíguo ao aneurisma,
trombose ou microembolização distal,
alteração na circulação sangüínea devi-
do à presença do aneurisma na artéria
renal, formação de fístula arteriovenosa
ou aneurisma seguido de estenose focal
no segmento arterial acometido9. Habi-
tualmente, a hipertensão é pouco respon-
siva à terapia farmacológica10, porém os
pacientes hipertensos freqüentemente
apresentam significativa redução dos ní-
veis pressóricos após a aneurismecto-
mia9.
A indicação de tratamento cirúrgi-
co é motivo de debate entre os cirurgiões
vasculares. Aparentemente devemos in-
tervir quando os pacientes são sintomá-
ticos (dor intensa em flanco e hematú-
ria), com suspeita de expansão do aneu-
risma. Têm indicação consensual de re-
paro cirúrgico11–13 os aneurismas que pro-
voquem estenose arterial renal, na pre-
sença de trombo, ou quando o aneuris-
ma é assintomático com diâmetro igual
ou maior que dois centímetros, sem cal-
cificação da parede. É de indicação
cirúrgica o aneurisma, mesmo assinto-
mático, nas mulheres em período fértil,
haja vista que a gravidez aumenta muito
o risco de sua ruptura. O tratamento clás-
sico consiste na aneurismectomia e re-
construção vascular renal. Em caso de
ruptura, o risco de nefrectomia parcial
ou total é maior. A reconstrução arterial
renal pode ser feita in situ utilizando-se
veia safena ou artéria ilíaca interna, ou
ex vivo para lesão mais complexa e nos
casos de doador renal. Nos aneurismas
intraparenquimatosos as opções de corre-
ção são o uso de stents revestidos, endo-
próteses ou mesmo a nefrectomia parcial.
A terapia endovascular tem sido
cada vez mais utilizada nos últimos anos
por ser menos invasiva, enquanto a ci-
rurgia apresenta uma taxa de mortalida-
de entre 0% e 4%12,13. As técnicas percu-
tâneas incluem o uso de agentes emboli-
gênicos, como molas e micromolas (que
podem servir como uma matriz para
agentes coagulantes, como as colas);
balões oclusivos para o preenchimento
do aneurisma ou para a oclusão proxi-
mal e distal da artéria nutriz; e as endo-
próteses recobertas, que ocluem o fluxo
ao aneurisma preservando a artéria re-
nal. O objetivo final é a exclusão aneu-
rismática com manutenção máxima de
parênquima renal funcional e prevenção
de mortalidade14,15,16.
Nota: Os autores informam que os pro-
cedimentos endovasculares foram reali-
zados no Dr. Ghelfond Diagnóstico Mé-
dico pelos médicos Gustavo José Politzer
Telles e Gabriel Santos Novaes, aos quais
agradecemos as imagens.
05 - Caso Clinico hipertensão renovascular.pm6 03/03/08, 15:3617
18 Hipertensão 2008; 11(1): 18–19
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Miguel Gus
Flávio D. Fuchs*
Divisão de Cardiologia do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Leila B. Moreira
Divisão de Farmacologia do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Palavras-chave: hipertensão, doença cardiovascular,
gravidez.
Key words: hypertension, cardiovascular disease,
pregnancy.
EPIDEMIOLOGIA
Hipertensªo associada a
gestaçªo e risco cardiovascular
Association between hypertensive pregnancy and cardiovascular risk
Autores:
*Endereço para correspondência:
Serviço de Cardiologia
Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Rua Ramiro Barcelos, 2.350
90035-903 – Porto Alegre – RS
Telefax: (51) 3316-8420
E-mail: ffuchs@hcpa.ufrgs.br
Financiado pelo CNPq, FAPERGS.
Recebido em 16/01/2008. Aceito em 18/02/2008.
Resumo
Evidências epidemiológicas demonstraram que hiperten-
são associada a gestação é um novo fator de risco cardiovas-
cular especificamente relacionado ao gênero. Os mecanismos
que poderiam explicar a influência de eventos remotos, como
doenças hipertensivas da gestação e a ocorrência de eventos
cardiovasculares posteriores, são complexos e, provavelmen-
te, multifatoriais. Muitos fatores de risco, tais como obesida-
de, hipertensão, resistência insulínica, disfunção endotelial,
hiperglicemia e dislipidemia são comuns a pré-eclampsia e
patologias cardiovasculares. Mulheres que informam um even-
to hipertensivo na gestação devem ser monitoradas de forma
mais intensa quanto à prevenção cardiovascular e, especial-
mente, em relação à incidência e severidade de hipertensão.
Abstract
Epidemiological data have shown that hypertension in
pregnancy is an emerging sex-specific risk factor for cardio-
vascular disease (CVD). Large population-based cohort
studies have shown a significant association between
hypertensive pregnancy disorders with the incidence of car-
diovascular disease. The underlying mechanism for the remote
effects of preeclampsia or other pregnancy hypertensive
disorders is complex and probably multifactorial. Many risk
factors are shared by CVD and preeclampsia, including
endothelial dysfunction, obesity, hypertension, hyperglycemia,
insulin resistance, and dyslipidemia. Women who recall a
hypertensive disorder in a remote pregnancy may deserve a
closer monitoring for hypertension and cardiovascular disease
prevention.
A maioria dos fatores de risco para hipertensão, tais como
obesidade, aumento da ingestão de sal ou álcool, são comuns
a homens e mulheres. Evidências clínicas indicam que fatores
diretamente relacionados ao gênero podem ter importantes
implicações clínicas na avaliação de indivíduos hipertensos.
Mulheres em uso de anticoncepcional oral têm um risco sig-
nificativamente maior de aumento na pressão diastólica e pior
controle pressórico, independentemente da idade, peso ou uso
de agentes anti-hipertensivos1,2. As gestantes, igualmente, cons-
tituem grupo potencialmente exposto a riscos, tais como a hi-
pertensão induzida pela gestação3. Hipertensão associada a
gestação é uma das complicações mais comuns da gestação e
06 - EPI Gestação e risco cardiovascular.pm6 03/03/08, 15:3618
19Hipertensão 2008; 11(1): 18–19
é a principal causa de mortalidade materna4. A hipertensão
ocorre em 10% das gestações, tendo maior prevalência entre
as primíparas4,5. Hipertensão na gestação engloba um espec-
tro de diferentes condições clínicas que podem ser classifica-
das em pré-eclampsia/eclampsia, hipertensão crônica, pré-
eclampsia superimposta em mulher previamente hipertensa e
hipertensão ocorrendo durante a gestação5. Em uma coorte
brasileira de mulheres no segundo trimestre de gestação, 7,5%
apresentaram distúrbios hipertensivos, sendo que em 2,3% foi
diagnosticada pré-eclampsia ou eclampsia6.
Independentemente dos riscos do período gestacional, a
hipertensão na gestação pode ter conseqüências futuras. A
associação entre pré-eclampsia ou distúrbios hipertensivos da
gestação com eventos cardiovasculares futuros, hipertensão e
mortalidade total tem sido demonstrada em diferentes estudos
longitudinais3,7. Estudo de coorte retrospectivo no Canadá,
incluindo mais de um milhão de mulheres mostrou uma asso-
ciação significativa entre síndromes placentárias, pré-eclamp-
sia, hipertensão na gestação, descolamento prematuro de pla-
centa ou infarto placentário com a incidência de doença car-
diovascular (RR de 2,0, 95% IC: 1,7–2,2). O risco foi signifi-
cativamente maior nas mulheres que apresentavam os tradici-
onais fatores de risco cardiovascular7. Bellamy e colaborado-
res, em metanálise de estudos prospectivos e retrospectivos
com mais de tres milhões de mulheres, também demonstra-
ram associação positiva entre pré-eclampsia e doença corona-
riana ou acidente vascular encefálico, após um seguimento de
11,7 e 10,4 anos respectivamente. Em relação à incidência de
hipertensão, igualmente foi encontrada uma associação posi-
tiva (RR 3,70, IC 95% 2,70–5,05) após 14,1 anos de segui-
mento.

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