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Livro psicologia jurídica

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Psicologia 
Jurídica
Universidade do Sul de Santa Catarina
Universidade do Sul de Santa Catarina
UnisulVirtual
Palhoça, 2013
Psicologia
Jurídica
Créditos
Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul
Reitor
Sebastião Salésio Herdt
Vice-Reitor
Mauri Luiz Heerdt
Pró-Reitor de Ensino, de Pesquisa e de Extensão
Mauri Luiz Heerdt
Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional
Luciano Rodrigues Marcelino
Pró-Reitor de Operações e Serviços Acadêmicos
Valter Alves Schmitz Neto
Diretor do Campus Universitário de Tubarão
Heitor Wensing Júnior
Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis
Hércules Nunes de Araújo
Diretor do Campus Universitário UnisulVirtual
Fabiano Ceretta
Campus Universitário UnisulVirtual
Diretor
Fabiano Ceretta
Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) - Educação, Humanidades e Artes
Marciel Evangelista Cataneo (articulador)
Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Ciências Sociais, Direito, Negócios e 
Serviços
Roberto Iunskovski (articulador)
Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Produção, Construção e Agroindústria
Diva Marília Flemming (articuladora)
Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Saúde e Bem-estar Social
Aureo dos Santos (articulador)
Gerente de Operações e Serviços Acadêmicos 
Moacir Heerdt
Gerente de Ensino, Pesquisa e Extensão
Roberto Iunskovski
Gerente de Desenho, Desenvolvimento e Produção de Recursos Didáticos 
Márcia Loch
Gerente de Prospecção Mercadológica 
Eliza Bianchini Dallanhol
Livro didático
UnisulVirtual
Palhoça, 2013
Designer instrucional
Luiz Henrique Queriquelli
Psicologia
Jurídica
Paulo Roberto Sandrini (org.)
Saidy Karolin Maciel
Vanderlei Brasil
Viviane Bastos
 
Livro Didático
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul
Copyright © 
UnisulVirtual 2013
Professor conteudista
Paulo Roberto Sandrini (org.)
Saidy Karolin Maciel
Vanderlei Brasil
Viviane Bastos
Designer instrucional
Luiz Henrique Queriquelli
Projeto gráfico e capa
Equipe UnisulVirtual
Diagramador(a)
Fernanda Fernandes
Revisor(a)
Amaline Boulos Issa Mussi
ISBN
978-85-7817-604-4
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por 
qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.
340.73 
P96 Psicologia jurídica : livro didático / organizador Paulo Roberto Sandrini; 
[conteudistas] Saidy Karolin Maciel, Vanderlei Brasil, Viviane 
Bastos ; design instrucional Luiz Henrique Queriquelli. – Palhoça : 
UnisulVirtual, 2013.
78 p. : il. ; 28 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7817-604-4
1. Psicologia forense. 2. Direito – Aspectos psicológicos. 3. 
Psiquiatria forense. I. Sandrini, Paulo Roberto. II. Maciel, Saidy Karolin. 
III. Brasil, Vanderlei. IV. Bastos, Viviane. V. Queriquelli, Luiz Henrique. VI. 
Título.
Sumário
Introdução | 7
Capítulo 1
A relação entre os saberes construídos pela 
Psicologia, o Direito e as práticas judiciárias | 9
Capítulo 2
Violência e criminalidade: a saúde mental e a lei | 27
Considerações Finais | 69
Referências | 71
Sobre os Professores Conteudistas | 77
7
Introdução
Os estudos que vinculam primeiro a Psiquiatria e depois a Psicologia e o Direito 
remontam aos séculos XVIII e XIX, quando as discussões sobre crime e loucura 
ganharam destaque, agregando adeptos de vários campos. Desde então, o 
discurso psicológico tem sido constantemente requisitado para dar conta de 
peculiaridades do sujeito que não estão acessíveis aos operadores do direito.
Nesse processo de solicitação, a justiça busca ter acesso àqueles elementos que 
não estão postos objetivamente, tais como o “não dito”, o componente subjetivo 
das demandas jurídicas e as virtualidades do sujeito, seja em questões vinculadas 
à infância, à família ou ao crime, e a busca do conhecimento psicológico é de 
fundamental importância no que concerne aos saberes jurídicos.
Como afirma Cesca (2004), a relação entre os saberes construídos pela 
Psicologia, o Direito e as práticas judiciárias é muito antiga, mas ainda pouco 
conhecida no Brasil. A partir da complexidade com que foram se constituindo 
as regras de convivência humana, as bases da lei foram se complexificando e 
absorvendo cada vez mais contribuições dos diversos campos do saber.
Por meio da Psicologia, procuramos entender o comportamento humano em 
suas variadas manifestações e os processos psíquicos, enquanto que a Ciência 
Jurídica o determina e padroniza por meio de normas e regras.
Dentro desta perspectiva, cabe à Psicologia Jurídica refletir a interface entre o 
campo da Psicologia Científica e da Ciência Jurídica sobre a compreensão de 
fenômenos e processos psicológicos no âmbito da justiça. Perpassam temas 
como o da saúde mental, considerado um instrumento para a configuração da 
normalidade, pressuposto chave para a atuação do profissional da Psicologia 
Jurídica; agressividade, que constitui a vida psíquica, enquanto parte do binômio 
amor/ódio, pulsão de vida/pulsão de morte; violência e criminalidade, como 
resultados de um desajustamento social.
A cooperação entre a Ciência Psicológica e a Ciência Jurídica se faz necessária 
a partir do momento em que a análise de fatores comportamentais, sociais, 
individuais e legais determina a classificação e julgamento de uma dada conduta.
Através desta disciplina e a partir de conhecimentos acerca da parceria entre 
essas duas áreas do saber, vamos refletir sobre a importância da Ciência 
Psicológica para a Ciência Jurídica e na manutenção dos pressupostos do 
sistema de justiça.
8
Universidade do Sul de Santa Catarina 
Com tudo isso, esperamos que a disciplina seja bastante proveitosa para a sua 
formação e atuação profissional.
Bons estudos!
Profs. Saidy Karolin Maciel, Vanderlei Brasil e Viviane Bastos
9
Seções de estudo
Habilidades
Capítulo 1
A relação entre os saberes 
construídos pela Psicologia, o 
Direito e as práticas judiciárias
Com o estudo deste capítulo, você desenvolverá as 
habilidades de situar historicamente a constituição 
da Psicologia como campo do conhecimento 
e identificar as relações entre a Psicologia e as 
práticas judiciárias.
Seção 1: Breve história da constituição da 
Psicologia como campo do conhecimento
Seção 2: A constituição do sujeito
Seção 3: A Psicologia e as práticas judiciárias
10
Capítulo 1 
Seção 1
Breve história da constituição da Psicologia 
como campo do conhecimento
O ser humano é um ser histórico. Ele constitui a história e é por ela constituído, 
como afirmava Rousseau. Deste modo, para compreender o ser humano, 
é necessário estudar sua história, da mesma forma que, para buscar um 
entendimento ou conhecimentos sobre a humanidade, é necessário estudar sua 
história. Estando o modo de agir e pensar humano condicionado pelo tempo, a 
“essência” ou substância humana é a própria história.
Neste sentido, Heller (1985, p. 2) afirma:
A história é a substância da sociedade. A sociedade não dispõe 
de nenhuma substância além do homem, pois os homens são os 
portadores da objetividade social, cabendo-lhes exclusivamente 
a construção e transmissão de cada estrutura social.
A busca do ser humano pelo entendimento de sua condição remonta aos 
primórdios da história. De acordo com Marx (2002), na história, os vivos convivem 
com os mortos, e é exatamente essa condição que nos permite dizer que as 
ideias não morrem com seus autores ou que “a roda não precisa ser reinventada”, 
pois é o acúmulo de conhecimento que permite lançar luz sobre a conjuntura e 
contingências contemporâneas.
No decorrer dos séculos, os diversos filósofos, em suas respectivas épocas, 
esforçaram-se na busca da compreensão do ser humano em suas múltiplas e 
distintas dimensões. Se nos reportarmos à Filosofia Grega, encontraremos ideias 
e temas que, hoje, se constituem nos objetos de estudo da Psicologia.Como ilustração, destacam-se algumas ideias sustentadas por dois pensadores 
pré-socráticos (nome atribuído aos pensadores que viveram antes de Sócrates): 
Anaxímenes e Anaximandro (ambos do século VI a.C.), os quais afirmam ser 
a alma o “ar”, o sopro que dá vida aos seres, o hálito vital ou a psyché. Na 
compreensão desses filósofos, este último termo, que, em um primeiro momento, 
quer significar “sopro” em geral, passa a denotar algo como hálito ou alento dos 
seres que têm vida; posteriormente, a própria vida; e, por fim, o princípio da vida, 
ou seja, a alma.
O termo psicologia, etimologicamente o “estudo da alma”, se origina da junção 
entre o composto de psic(o) + logia, onde psyché = alma e logos = razão, 
conhecimento.
Psicologia Jurídica
11
Embora o termo psicologia tenha permanecido para designar essa área da 
ciência, o seu sentido original, qual seja, o estudo da alma, evidentemente deixou 
de constituir uma preocupação entre os psicólogos na atualidade, pois alma 
refere-se a um termo ligado ao conhecimento religioso e não se constitui objeto 
de estudo das ciência humanas. 
Foi com Sócrates (469 a 399) que a filosofia se voltou para o estudo da 
consciência humana, imprimindo a essa área do conhecimento um caráter 
antropológico, ou seja, colocou o ser humano como seu objeto central de estudo. 
Assim, ao propor a máxima de que o ser humano deveria 
“conhecer a si mesmo” pelo método da introspecção, 
buscar, dentro de si, a verdade que lá se encontra, 
Sócrates firmou as bases do que mais tarde se tornaria 
a Psicologia. Além disso, ao introduzir a ideia do ser 
humano como um ser racional, ou seja, dotado de uma 
capacidade singular que o distingue da natureza, Sócrates 
acaba por figurar como um dos precursores do estudo da 
consciência; e a consciência, por sua vez, configura-se 
num dos objetos primordiais da Psicologia.
Platão (427 a 347 a.C.), discípulo de Sócrates, postula a ideia de que o ser 
humano é constituído por duas essências: o corpo e a alma, sendo esta última 
imortal. Assim, ao morrer, o ser humano “perde” apenas o seu corpo, já que sua 
alma, imortal, permanece livre para habitar outros corpos. A alma constituiria a 
essência eterna do homem e, como tal, poderia transcender o mundo das coisas 
físicas, o mundo sensível, ou seja, o mundo governado pelos sentidos humanos. 
Daí a pouca importância dada por Platão ao conhecimento adquirido por meio da 
experiência, já que, sendo o conhecimento empírico sujeito à variabilidade, não 
seria confiável, pois a verdade deve, necessariamente, ser perfeita e imutável. Se 
o mundo dos sentidos fornece informações contraditórias, não devemos confiar 
neles, os sentidos, como guias para encontrar a verdade. Então, nossa única 
fonte de verdades certas e confiáveis seria a razão. Essa teria condições de 
fornecer informações corretas sobre as coisas, já que independem da verificação 
dos sentidos e podem ser encontradas pelo exercício do raciocínio, sem nos levar 
ao engano das contingências.
Aristóteles (384-322 a.C.), por sua vez, defende uma posição diferente ao postular 
a ideia relativista de que o ser humano é constituído por um par indissociável, 
composto por forma e matéria, sendo que uma está sempre em relação com a 
outra. Se considerarmos a alma (forma) e o corpo (matéria) como indissociáveis, 
na morte a alma pereceria junto ao corpo e, portanto, a ideia da imortalidade da 
alma não teria respaldo. Se a alma não é imortal, ser humano ao nascer seria 
como uma “tábula rasa” e precisaria aprender tudo por meio das experiências. Do 
pensamento aristotélico se pode inferir, por consequência, uma tese empirista 
Introspecção Pode-se 
definir introspecção 
como uma auto-
observação, ou 
em outros termos, 
uma observação 
da “vida interior” 
feita pelo próprio 
sujeito, ou ainda, 
um autoexame dos 
próprios pensamentos 
e sentimentos.
12
Capítulo 1 
para a Psicologia, ou seja, a ideia de que o homem adquire conhecimento por 
meio das experiências a que é submetido.
A discussão das temáticas apresentadas sobre a interioridade humana continua 
ao longo do Império Romano e Idade Média, especialmente no que se refere à 
separação entre alma e corpo. Tiveram em Santo Agostinho e São Tomás de 
Aquino seus expoentes.
Quadro 1.1 – Contribuições dos filósofos para a formação da Psicologia
Filósofo Contribuições para a formação da Psicologia
Sócrates 
(469 – 399 a.C.)
Postula que a principal característica do homem é a 
razão e que esta o diferencia de outros animais.
Platão 
(427 – 347 a.C.)
Concebe a razão (alma) separada do corpo, tendo como 
elemento de ligação a medula. A razão se localizaria na 
cabeça. Para ele, as ideias ou características humanas 
eram geradas a partir do próprio interior do homem.
Aristóteles 
(384 – 322 a.C.)
Alma e corpo não podem ser dissociados. Para ele, a 
psyche seria o princípio ativo da vida. O homem possuiria 
a alma racional, com a função pensante. Estuda os 
fenômenos de sensação e percepção (órgãos dos 
sentidos). Reconhece a influência dos fatores externos 
que são percebidos pelos órgãos sensoriais. Considerado 
o pai da Psicologia por ter escrito o tratado De Anima.
Santo Agostinho 
(354 – 430)
Defende a cisão entre alma e corpo. Alma como prova 
da manifestação divina no homem.
São Tomás de Aquino 
(1225 – 1274)
Discute a relação essência / existência. O homem, na 
sua essência, busca a perfeição através da existência, 
que seriam unidas pelo encontro com Deus.
Fonte: adaptado de Bock (2002).
Tais ideias, tais conhecimentos, embora remotas, são fundamentais e determinam, 
ainda hoje, as compreensões e debates sobre a condição humana. A ideia 
platônica de imortalidade da alma pode servir de amparo aos que defendem 
a tese do inatismo em Psicologia, ou seja, de que o ser humano pode ter 
características pessoais subjetivas antes mesmo de vivenciar qualquer 
experiência, já que essas lhe seriam inatas. De onde poderiam vir? Sendo a 
alma imortal e a “portadora” da razão, o homem seria racional desde sua origem, 
independente de suas vivências e interações com outros seres humanos que lhe 
ensinariam as características próprias da humanidade, como o uso da razão.
Psicologia Jurídica
13
Enfim, considerando as ideias dos gregos sobre alma, sua mortalidade e 
imortalidade, podemos compreender algumas posturas atuais, presentes no 
senso comum, em algumas teses místico-religiosas e, também, no discurso 
científico, sobre o ser humano ter características psicológicas inatas. 
Ambas as ideias de imortalidade da alma e sua capacidade de reencarnar 
prevalecem hoje ainda em muitas religiões e servem de base para vários 
argumentos os quais propõem que o ser humano possui características pessoais 
inatas, ou seja, há nele uma essência natural que em nada depende das 
experiências que vivencia ao longo da vida. 
A partir do século XVIII, em decorrência das transformações da humanidade 
desencadeadas pelo Renascimento, tem-se o nascimento das ciências modernas. 
Com elas passou-se a buscar respostas e explicações a questões até então sem 
resposta. Para os cientistas, é necessário compreender os fenômenos, conhecer 
o seu padrão de ocorrência. Os estudos sobre esses e tantos outros tipos de 
fenômenos nos conduzem à formulação de explicações. Assim, surge o segundo 
elemento constituinte das ciências: a Teoria.
Os fundamentos teóricos de uma ciência acabam tendo por finalidade a 
tentativa de explicar aqueles objetos de estudo que surgiram causando dúvidas, 
inquietações e despertando a curiosidade científica dos pesquisadores. Algumas 
explicações teóricas são meramente descritivas. Outras conseguem explicar a 
ocorrência ou, até mesmo, descrever e prever a próxima realização do evento. 
Nossos astrônomos, ao explicarem um de seus objetos de estudo – os eclipses – 
nos asseguram combastante precisão o que é, como, por que acontece e, até 
mesmo, o momento exato em que ocorrerá o próximo. Isso é fazer ciência!
As propostas teóricas não são verdades absolutas, inquestionáveis e eternas. As 
teorias que explicam os fenômenos podem variar ao longo do tempo. Veja, por 
exemplo, a clássica visão do modelo geocêntrico do século XVII, que, de forma 
até então indiscutível, afirmava girar o Sol ao redor da Terra, ou seja, a Terra 
era o centro do universo. Ora, sem grandes estudos científicos, seria mesmo 
inquestionável explicar que o Sol gira ao redor da Terra, posto que nasce de um 
lado da montanha e se põe no lado oposto, fazendo um arco no céu. Hoje, após 
as contribuições de Copérnico, Galileu e outros que até mesmo chegaram a 
pagar com a própria vida, como Giordano Bruno, conhecemos que não é o Sol 
que gira ao redor da Terra, mas, ao contrário, é a Terra que gira ao redor do Sol. 
Isso ficou conhecido como modelo Heliocêntrico (o Sol é o centro).
É por isso que as propostas teóricas precisam ser constantemente verificadas, 
testadas e, se necessário, reformuladas com as novas evidências e descobertas. 
Para tanto, os cientistas precisam de um caminho, um processo que utilize 
técnicas para investigar se as teorias explicam, de fato, os fenômenos que estão 
14
Capítulo 1 
sendo estudados. Com isso, destacamos o terceiro e último elemento necessário 
para que um campo de conhecimento se defina como uma ciência: o Método.
A trajetória da Psicologia até ser reconhecida como ciência passou, 
essencialmente, pela mesma busca vivida por qualquer área do conhecimento 
que se pretendia científica, qual seja, a necessidade de delimitar um objeto 
próprio, delinear um método e propor um corpo teórico capaz de explicitar 
claramente seus pressupostos.
Como ciência, a Psicologia possui certas singularidades entre as demais. Em sua 
área de abrangência, ela abarca conhecimentos que são partilhados por outros 
domínios e formas de conhecimento humano, como o senso comum, por exemplo. 
O senso comum vai do hábito à tradição, passando de geração em geração. É uma 
das formas de conhecer a realidade, um saber desordenado e perpetuado pelo 
relato das pessoas que ouviram sobre o assunto ou que viveram a situação. 
Embora perfeitamente válido para o uso nas situações, pode-se afirmar que o 
senso comum incorpora os conhecimentos, mudando as formas de ver e agir 
no mundo. Você provavelmente já deve ter ouvido falar de pessoas loucas ou 
neuróticas desprovidas da noção realista do que estão falando. Deve também 
ter ouvido algo como “todo filho adotivo é problemático”. Esses são saberes do 
senso comum que, embora sejam funcionais nas relações sociais, nada têm de 
científico em Psicologia.
Nesta explicação, entende-se como variáveis os aspectos, características, 
propriedades ou fatores, que podem ser descritos ou medidos, por meio dos 
quais um fenômeno é constituído.
Mas, em que essa forma de conhecimentos se diferencia do saber científico? 
Embora as bases para essas respostas possam ser bastante amplas e complexas, 
podemos, de maneira sintética, para os propósitos deste espaço, explicitar 
os elementos essenciais que fundamentam um conhecimento científico em 
Psicologia. Trata-se, basicamente, de um saber que busca conhecer e controlar 
as variáveis ou, em outras palavras, deseja compreender a complexidade dos 
fenômenos psicológicos para poder atuar sobre eles, de modo a ter o maior 
controle possível. 
Em que consiste ou em que consistem os objetos com os quais a 
Psicologia trabalha?
Psicologia Jurídica
15
Você poderia responder: o ser humano é o objeto de estudo da Psicologia! Ora, 
mas esse é o objeto de estudo de outras áreas do conhecimento, como por 
exemplo, a Sociologia, a Antropologia, a Biologia e a própria Filosofia. Então, 
este objeto não está claramente identificado e exclusivo para que a Psicologia se 
estabeleça como ciência.
A Psicologia é constituída por diversas matrizes teóricas, chamadas de 
abordagens ou simplesmente teorias, que lhe conferem uma amplitude de 
objetos definidos para seus estudos. É nesse sentido que se pode afirmar que, 
dependendo da teoria, há diferentes objetos de estudo. 
Para a teoria psicanalítica, a pergunta quanto ao objeto de estudo apontaria o 
inconsciente como resposta. Se a mesma pergunta sobre o objeto de estudo 
fosse feita para o Comportamentalismo (outro sistema teórico, também chamado 
de Behaviorismo), a resposta apontaria para o comportamento. 
Com complexas formulações biopsicossociais, podemos destacar algumas 
teorias em Psicologia, tais como: a psicanálise freudiana, o behaviorismo de 
Skinner, a epistemologia genética de Jean Piaget, as teorias da motivação, 
liderança, desenvolvimento da personalidade, inteligência emocional, depressão, 
gerenciamento de grupos, cooperação e competição, entre outras.
Assim se encerra esta primeira seção, que pretendeu levá-lo a situar a 
constituição da Psicologia como um campo de conhecimento autônomo.
16
Capítulo 1 
Seção 2
A constituição do sujeito
Há diferentes possibilidades de explicar a forma como os seres humanos se 
estruturam como sujeitos. Encontram-se discussões sobre essa questão na obra 
de pensadores do início da modernidade, desde Descartes até Locke, Rousseau 
e Kant, que estabeleceram um entendimento sobre o processo de humanização e 
serviram de inspiração para diversos autores que constituíram, posteriormente, o 
campo do conhecimento da Psicologia. 
Nesse debate, duas teses estão presentes: a de que os seres humanos já nascem 
humanos e a de que se tornam humanos. O que prevalece na modernidade é a 
ideia de uma humanidade construída pelo próprio ser humano, mesmo que isso 
não equivalha a aceitar que a humanidade seja só fruto dessa construção. Nas 
formulações de Descartes, o eu já existia desde o nascimento e, depois, cada vez 
mais, o eu passou a ser entendido como algo adquirido, como em Locke, com 
a teoria da tabula rasa; e, Rousseau e Kant que asseveraram a importância da 
educação na formação do homem e do cidadão.
A Psicologia, como já vimos anteriormente, constituiu-se como ciência autônoma 
no final do século XIX e, desde os primeiros tempos, buscou explicar, dentre outras 
questões que lhe são afetas, o desenvolvimento humano a partir da chamada 
“Psicologia do Desenvolvimento”. De modo geral, as discussões sobre a estruturação 
dos sujeitos estão centradas nos determinantes desse processo, ou seja, nas 
diferenças dos graus de determinação biológica e das influências da cultura, fatores 
que determinam a direção das teorias sobre o desenvolvimento psicológico.
Freitas (2000) afirma, por exemplo, que, a partir da ênfase dada a um ou outro 
determinante, pode haver quatro agrupamentos das teorias do desenvolvimento 
psicológico: o “objetivismo”, pautado no cientificismo com a valorização da 
experimentação, tem influência do individualismo-liberalismo, entende a pessoa 
como algo que pode ser observado e entendido a partir de seu comportamento 
manifesto e baseia-se na ideia de que todo o conhecimento provém da 
experiência. A partir dessas teorias, é possível a mediação e classificação por 
meio dos testes psicológicos; já o “subjetivismo” parte da ideia da autonomia do 
ser humano, do homem livre e sem a determinação do meio em que vive, 
sustenta-se na ideia de que o conhecimento é anterior à experiência. O 
desenvolvimento do sujeito está colocado, grosso modo, como uma adaptação 
de suas tendências inatas ao meio; além desses dois grupos, tem-se outro que 
aponta a “interação entre o objetivismo e subjetivismo”, explicando que o 
desenvolvimento, com maior ênfase no desenvolvimento cognitivo, surge da 
interação do sujeito com o meio, a partir de desequilíbrios causados pelo meio e 
Psicologia Jurídica
17
da busca de um novo equilíbrio. O movimento de desenvolvimentose dá com 
ações recíprocas do sujeito sobre o objeto e do objeto sobre o sujeito. Por fim, o 
quarto agrupamento, denominado como “rompimento inovador”, que, a partir da 
consideração de que as concepções anteriores são fragmentadas, a-históricas e 
abstratas, busca uma forma de entender a formação do sujeito a partir da 
linguagem. Afirma Japiassu (1975. p. 121) “[...] a única ciência possível é a do 
sujeito que se ocupa com a produção da linguagem.”
Embora, em diversas correntes teóricas das ciências 
humanas e da psicologia em especial, se aceite a 
concepção de que o ser humano é fruto de sua experiência 
na cultura, vale lembrar que as neurociências vêm 
divulgando, com grande intensidade, pesquisas que 
afirmam ser de ordem natural muitos dos comportamentos. 
Nas pesquisas envolvendo adolescentes, essa concepção 
é marcante na busca de determinações biológicas para as 
causas de agressividade, violência, homossexualidade e 
drogadição, por exemplo. Nestes casos, a explicação dos 
atos considerados antissociais – ou anormais – recai sobre 
fatores naturais, reiterando a existência de uma natureza 
humana.
Existem mitos e crenças relativos ao ser humano 
– oriundos da Filosofia –, e que influenciaram 
significativamente as ciências humanas e a Psicologia 
particularmente. José Bleger (1987) afirma que tais mitos têm em comum o fato 
de proporem a ideia de que o ser humano possui uma natureza, isto é, há uma 
essência original e pronta antes mesmo do nascimento. 
Mito do homem natural – tal ideia concebe o homem como um ser possuidor de uma 
essência natural que o caracteriza como bom, ou mau. É o convívio com a sociedade 
que irá transformá-lo, podendo, portanto, afastá-lo de sua condição natural. 
Mito do homem isolado – esta ideia propõe o homem como um ser 
originariamente isolado e que vai, ao longo de seu desenvolvimento, construindo 
a necessidade de se juntar e se relacionar coletivamente com os outros homens, 
necessitando de um instinto especial, denominado “instinto gregário”, para 
conseguir se relacionar com seus pares e, com isso, formar uma sociedade.
Drogadição ou 
toxicodependência 
é termo genérico 
criado para conter 
toda e qualquer 
modalidade de vício 
bioquímico por parte 
de um ser humano 
ou a alguma droga 
(substância química) 
ou à superveniente 
interação entre drogas 
(substâncias químicas), 
causada ou precipitada 
por complexo de 
fatores genéticos, 
biofarmacológicos e 
sociais, incluídos os 
econômico-políticos.
18
Capítulo 1 
Mito do homem abstrato – tal ideia concebe o homem como um ser que 
independe da cultura ou ambiente em que está inserido, ou seja, o homem aparece 
com um ser cujas características definidoras não são formadas pelas circunstâncias 
em que vive. Seria algo como um ser separado das condições sociais e históricas e, 
por consequência, alguém que poderia ser definido sem se levar em consideração 
a trajetória singular de vida. Em outros termos, seria como se disséssemos que 
um homem é o que é, independentemente da época e do lugar. Neste caso, por 
exemplo, ser homem no Brasil do século XXI seria a mesma coisa que ser homem 
no Japão durante a Idade Média. Enfim, os atributos humanos seriam, nesta 
concepção, universais.
Dito de outra forma, é recorrente o debate sobre a determinação das condutas 
humanas, se a influência da natureza ou da cultura é maior, havendo hoje 
inúmeros estudos que dão ênfase maior à natureza, destacando a existência 
de uma natureza humana, que reporta a uma natureza biológica e que sustenta 
a necessidade de que ela seja domada, dominada, e de que, quanto menos 
natural se é, melhor. Para ilustrar, tem-se a fala de César (2008), o qual sustenta 
que, nesse debate, na formulação do discurso científico sobre a adolescência, a 
importância das determinações culturais foi naturalizada. Utiliza como exemplo 
a apropriação do conceito de instinto, que, tomado da psicanálise e empregado 
superficialmente pela Psicologia do Desenvolvimento, justificou a constituição 
psicológica do adolescente como muito próxima da natureza animal. Para a 
autora, a Psicologia do Adolescente acreditava que: “Por ser o adolescente 
um ser ainda próximo da animalidade, mas a caminho de se tornar um adulto 
racional, o treinamento desse indivíduo seria a única forma de transformá-lo em 
um adulto maduro e saudável.” (CÉSAR, 2008, p. 70). 
Esses debates remetem a pensadores que, desde o século XVI, dedicaram-se a 
discutir educação, embora eu considere impossível negar a influência das ideias 
vindas dos períodos clássico e medieval. 
Comênio, com base na compreensão de que as crianças eram seres inferiores 
e que a sua socialização deveria ser a preparação para viver numa sociedade 
estritamente hierarquizada, pensava a criança como algo a ser modelado, 
enchido, preenchido. Sua orientação tem como referência o princípio da natureza 
humana pervertida, corrompida pelo pecado original.
Locke substitui a visão pessimista da infância, portadora do pecado original, pela 
perspectiva da tábula rasa ou da folha em branco, sendo tarefa da educação 
modelar a conduta e a formação do espírito, além de estabelecer nos jovens bons 
hábitos, os princípios da virtude e da sabedoria.
Psicologia Jurídica
19
Rousseau sustenta que o homem é bom por natureza e que a sociedade o 
corrompe. Afirma que, ao abandonar o estado natural e para participar do estado 
civil, o homem adquire liberdade moral, única a torná-lo verdadeiramente livre, 
pois a liberdade consiste na obediência à lei que se estatuiu a si mesmo.
Inspirado nas ideias de Rousseau, de quem foi leitor entusiasta, Kant afirma 
que a educação tem como finalidade conciliar a submissão e as determinações 
morais ao uso da liberdade. Para ele, a educação para a liberdade é o fim último 
da humanidade, sendo a responsável pela saída do homem de sua animalidade 
através da conquista da liberdade como autonomia da pessoa humana.
É importante ressaltar que, de modo geral, para os modernos o homem não 
nasce humano, mas se torna humano por sua ação, individual ou social, sendo 
secundária a ideia de que ele é bom ou mau por natureza ou se nem bom nem mau. 
Em síntese, não há na Psicologia, unanimidade de ponto de vista quanto à 
determinação das condutas humanas ou quanto à existência, ou não, de uma 
natureza humana.
Isto quer dizer que, dependendo dos pressupostos epistemológicos em que se 
baseia, cada perspectiva teórica propõe teses, por vezes, divergentes sobre o 
mesmo assunto. 
Assim, ao estabelecer uma discussão sobre a existência de uma natureza 
humana ou da condição humana, é preciso esclarecer de antemão que se parte 
sempre de premissas diferentes. No presente caso, a ideia que serve de base 
para a discussão a seguir diz respeito a uma concepção de ser humano que o 
pressupõe como fruto das condições sociais e históricas, ou seja, considerado 
um ser sócio-histórico.
Nesta concepção de ser humano, os pressupostos que orientam as posições 
teóricas podem ser assim resumidos:
a. Não existe uma natureza humana, e sim uma condição humana: 
esta concepção de homem propõe a ideia de que não há uma 
essência humana universal, seja ela oriunda de bases metafísicas 
(como a alma imortal e eterna) seja, por outra via, oriunda de 
uma herança biológica (como a carga genética) que atravessa 
a humanidade. Isto não quer dizer, contudo, que não se possa 
falar de certa homogeneidade entre os seres humanos, pois, se o 
entendermos como fruto da época e da cultura, e entendermos que 
época e cultura são vividas conjuntamente pelas pessoas, podemos 
perceber certa condição de semelhança entre elas. Atente-se, 
porém, que a ideia de condição humana, que nos permite falar das 
igualdades entre as pessoas, não implica negar a singularidade de 
20
Capítulo 1 
cada um que, ao viver em sua cultura, apropria-se delade modo 
particular. Além disso, é preciso dizer que os aspectos biológicos 
que instruem nosso ser para viver no mundo, não são suficientes 
para construir nosso universo subjetivo, o qual, por sua vez, nos 
habilita para viver em sociedade.
b. O ser humano é um ser histórico, social e ativo no mundo: 
negando o segundo mito anteriormente citado, a concepção sócio-
histórica propõe a ideia de que o ele é um ser eminentemente social, 
que altera o mundo onde vive por meio do trabalho que realiza e 
se constrói, objetiva e subjetivamente, ao mesmo tempo em que 
realiza as atividades deste mesmo trabalho. Nesse sentido, embora 
nasçamos com a forma humana e com toda a bagagem biológica 
típica da espécie, não somos propriamente “homens”, e esta 
condição será conquistada por meio de nosso aprendizado junto 
aos adultos de nossa espécie, que nos ensinarão a ser parte da 
humanidade. Assim, somos “candidatos potenciais” à humanidade 
e alcançaremos tal estado, não isolados dos outros, mas sim por 
meio da vida coletiva. 
c. O ser humano concreto é objeto da Psicologia: por fim, negando 
o terceiro mito acima apontado, temos que as pessoas só podem 
ser compreendidas em suas singularidades históricas, ou seja, não 
se pode fazer proposições universalizantes acerca do ser humano, 
sob pena de criar estereótipos que, ao contrário de explicar a 
condição humana, reforçam ideias preconcebidas. Assim, nessa 
concepção, não poderíamos afirmar verdades abstratas universais 
sobre as pessoas, como, por exemplo, dizer que “a mulher é um ser 
sensível” ou que “o adolescente é um ser rebelde”. Tais afirmações, 
além de retirarem as mulheres e os adolescentes de sua situação 
concreta (sua nacionalidade, sua geração, sua religião, seu grupo 
étnico, sua classe social, bem como o momento histórico em que 
estão inseridos), não expressariam a verdade sobre a diversidade 
de mulheres e jovens que existem na sociedade.
De modo geral, as características que fazem do ser humano um ser singular, 
isto é, que o retiram da condição meramente animal e o alçam à condição 
humana, seriam: um suporte biológico específico, a mediação fornecida pelas 
relações sociais que ele estabelece, a capacidade do manuseio de instrumentos 
complexos, o uso da criatividade na elaboração de artefatos por meio do trabalho, 
Psicologia Jurídica
21
o uso da linguagem e a construção de uma subjetividade. Portanto, o ser humano 
é determinado pelo conjunto desses elementos, ou seja, ele é multideterminado.
Ao conceber o ser humano como resultante de múltiplas determinações e a 
ideia do sujeito como resultante de diversas variáveis que o condicionam e 
determinam, operamos um rompimento com a lógica causal linear e mecanicista. 
Sob esta ótica, não seríamos determinados por uma causa única, seja ela de 
origem biológica ou social, e poderíamos fugir do risco de um determinismo 
neurogenético ou então sociológico, já que ambos podem fornecer uma 
explicação simplista (e, por vezes, míope) para fenômenos complexos, como 
os fenômenos psicológicos. Ou seja, nem aceitar a ideia de uma mente como 
apêndice do cérebro (onde, consequentemente, a psyché seria vista como um 
derivado do corpo), nem a ideia de uma mente passiva, resumida a absorver, 
como uma “esponja”, os estímulos provenientes do meio em que está inserida.
Se pensarmos a subjetividade como algo não inato, e sim construído pela 
síntese de múltiplas determinações, teremos mais chance de compreender, com 
profundidade, as dimensões do que constitui a singularidade de cada ser humano.
Seção 3
A Psicologia e as práticas judiciárias
A Psicologia, conforme visto anteriormente, tem como objeto de pesquisa, dito 
de forma ampla, o ser humano, assim como ocorre em outras áreas das ciências 
humanas. Entretanto, ela trata do ser humano em suas expressões subjetivas, 
analisando os princípios básicos que orientam seu comportamento e suas 
interações sociais. Sabemos que as pessoas não são previsíveis na sua maneira 
de agir, sentir ou pensar, embora, em algumas situações, seja possível entender 
um dado tipo de reação que se manifesta em um determinado comportamento.
Assim, na Psicologia, são analisados, conforme aponta Bock (2002), o 
comportamento, os sentimentos, as manifestações singulares (porque somos o 
que somos) e as genéricas (porque somos todos assim). Segundo a autora, essas 
manifestações podem ser sintetizadas em um único termo: a subjetividade, ou 
seja, o mundo das ideias, significados e emoções construído internamente pelo 
homem a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua constituição 
biológica; é, também, fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais.
22
Capítulo 1 
Com isso pode-se estabelecer uma reflexão sobre relação entre os saberes 
constituídos pela Psicologia e o Direito. Esta relação pode ser buscada através da 
interferência das formulações teóricas da Psicologia no ordenamento jurídico, e, 
de forma mais tangível, nos trabalhos desenvolvidos pelos psicólogos que atuam 
nas instituições judiciárias.
No Brasil, foi criada em 1962 a profissão de Psicólogo, regulamentando a 
intervenção social de profissionais que atuam a partir, prioritariamente, dos 
conhecimentos da ciência Psicologia. A Psicologia está voltada para a 
compreensão do comportamento humano em todas as situações nas quais ela 
possa se manifestar. Dessa forma existem diversas possibilidades de intervenção 
profissional de psicólogos na sociedade. Pode-se citar a atuação dos psicólogos 
na área do trabalho, na área da educação, na área da saúde, bem como a 
atuação em consultórios, talvez a forma de atuação mais conhecida.
Também nesse cenário ocorre a intervenção do psicólogo numa área 
convencionada como Psicologia Social, na qual se identificam práticas ligadas 
a instituições judiciárias, chamadas, em seu conjunto, genericamente, de 
“Psicologia Jurídica”.
Os primeiros sinais do surgimento da Psicologia Jurídica ocorreram, notadamente, 
por volta do século XVIII, período em que se verifica a necessidade de a lei 
positiva conhecer e aplicar os descobrimentos da Psicologia Científica. Um 
dos temas iniciais que estabeleceram a relação entre Psicologia e Direito foi 
o sentimento jurídico do estabelecimento de normas para o convívio comum 
conforme as regras e normas de conduta.
No Brasil, pode-se dizer que a relação do Direito com a Psicologia se configura 
desde o início do século XX. Datam dessa época diversos trabalhos de vários 
estudiosos em Medicina Legal, Psiquiatria Forense e Criminologia, baseados em 
teses organicistas, isto é, relacionando a doença mental com a criminalidade em 
bases biológicas.
A Psicologia Jurídica nasceu da necessidade de legislação apropriada para os 
casos dos indivíduos considerados doentes mentais e que tenham cometido atos 
criminosos, pequenos ou graves delitos. (COHEN, 1996).
Psicologia Jurídica
23
Um exemplo desta realidade foi a criação do Manicômio Judiciário em 1921, no Rio 
de Janeiro, por iniciativa e esforço de Heitor Carrilho, médico psiquiatra, cuja posição 
teórica fixava o crime sob o enfoque da determinação individual e não social. Assim, 
alinhado com a posição do Direito Positivo, propunha uma psicologização ou 
individualização do ato criminoso. Segundo Antunes (2001, p. 57):
Carrilho contribuiu também no exame e no relatório que 
fundamentaram o primeiro caso de inimputabilidade de um 
criminoso, Febrônio Índio do Brasil, por ter sido este considerado 
‘louco’. Da aproximação entre essas duas ciências (Psicologia 
e Direito) surgiu o que se denominou de “Psicologia do 
Testemunho”, cujo objetivo era verificar, através do estudo 
experimental dos processos psicológicos, a fidedignidade do 
relato do sujeito envolvido em um processo jurídico.
A contribuição dessas ciências, segundo Jesus (2006), permite uma compreensão 
mais aprimorada da complexidadeda interpretação do fenômeno legal: à 
Psicologia, compete compreender e explicar o comportamento humano; e o 
Direito, diante de um conjunto de preocupações sobre como regular, pode prever 
determinados tipos de comportamentos e, a partir disso, estabelecer um contrato 
social de convivência comunitária.
Garcia (2004), a partir da definição tradicional de Direito e Psicologia, confirma 
que essas áreas possuem pontos de aproximação, a começar pelos deveres 
e direitos e as motivações e mecanismos próprios ao ser humano. Segundo o 
autor, o Direito pode ser considerado como um conjunto de leis, preceitos e 
regras a que estão submetidos os homens em sua vida social; já, a Psicologia, 
como o estudo do comportamento em sentido amplo, o que incluiria atividades, 
motivações e sentimentos atribuídos às pessoas.
A Psicologia Jurídica reflete a interface entre o campo da Ciência Psicológica e da 
Ciência Jurídica acerca da compreensão de fenômenos e processos psicológicos 
no âmbito da justiça, ou seja, trata-se de um campo de investigação psicológica 
especializado, cuja finalidade é o estudo do comportamento dos atores jurídicos 
no âmbito do Direito, da Lei e da Justiça.
A primeira articulação entre a Ciência Psicológica e o Direito, conforme mostra 
Brito (2005), teve origem na avaliação da fidedignidade de testemunhos. 
Posteriormente, as perícias psicológicas se tornaram a principal atividade para as 
quais os psicólogos eram solicitados a realizar intervenções no campo jurídico.
A participação do psicólogo nas questões judiciais, de acordo com Cesca (2004), 
começou em 1980, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quando um 
grupo de psicólogos voluntários orientava pessoas que lhes eram encaminhadas 
pelo Serviço Social, basicamente para apoio a questões familiares, tendo como 
Psicologia do 
Testemunho 
A Psicologia do 
Testemunho contribuiu 
com estudos sobre 
memória, percepção e 
sensação, despertando 
interesse por parte da 
Justiça. (BRITO, 1995).
24
Capítulo 1 
objetivo principal sua reestruturação e a manutenção da criança no lar. Mais tarde, 
a Lei nº 500 do CPC instituiu a contratação do Psicólogo, a título precário, por 
um ano, podendo ser recontratado após esse período. Em 1985, o presidente 
do Tribunal de Justiça apresentou à Assembleia Legislativa um projeto criando 
o cargo de psicólogo judiciário, o que significou a consolidação da função de 
psicólogo no sistema judiciário.
Entretanto, mesmo que a formalização da atuação dos psicólogos na área jurídica 
tenha ocorrido em 1980, podem ser identificados em várias regiões do país, 
psicólogos atuando em instituições, como o sistema da extinta Funabem, por 
exemplo.
Atualmente, os psicólogos desenvolvem trabalhos de intervenção em diferentes 
contextos, baseados nas necessidades específicas de cada demanda, a 
saber: investigação de fenômenos psicológicos, nos seus diferentes níveis de 
complexidades, apoio psicológico, mediação de conflitos, aconselhamentos, 
orientações, desenvolvimento de políticas públicas que atendam as necessidades 
sociais, prestação de serviços de assessoramento direto e indireto às Organizações 
de Justiça e às Instituições que cuidam dos direitos dos cidadãos, seleção e 
treinamento de pessoal, avaliação de desempenho, acompanhamento psicológico 
prestado aos magistrados, servidores e seus dependentes, entre outros, que 
podem ser definidos com base em especificidades de determinados trabalhos.
Sintetizando as possibilidades de atuação do psicólogo jurídico, Jesus (2006, p. 
46) apresenta a seguinte relação:
 • avaliar e diagnosticar as condutas psicológicas dos atores jurídicos;
 • assessorar e/ou orientar, como perito, órgãos judiciais em questões 
próprias de sua área;
 • intervir, planejar e realizar programas de prevenção, de tratamento, 
de reabilitação e de integração de atores jurídicos na comunidade;
 • formar e educar os profissionais do sistema legal em conteúdos e 
técnicas psicológicas úteis em seu trabalho;
 • colaborar em campanhas de prevenção social contra a 
criminalidade em meios de comunicação;
 • ajudar a vítima de forma a contribuir para a melhoria da situação da 
vítima e para sua interação com o sistema legal;
 • mediar, apresentar soluções negociadas aos conflitos jurídicos, 
visando diminuir e prevenir o dano emocional e social.
Psicologia Jurídica
25
A principal demanda do judiciário, em relação ao trabalho do psicólogo, diz respeito 
aos conflitos familiares. Estes conflitos se apresentam em larga escala e nos mais 
diversificados contextos, tais como: Varas de Família, Juizados da Infância e da 
Juventude, Varas de Execução Penal, Delegacias de Polícias, entre outros.
Nas Varas de Família, uma das atividades desenvolvidas por psicólogos é a 
perícia psicológica.
As perícias são diligências processuais que fazem parte de processos judiciais e são 
consideradas como provas técnicas. Segundo Cruz (2002), a Perícia Psicológica 
é um exame ou avaliação descritiva e conclusiva acerca de fatos, situações ou 
problemas que exijam juízo crítico por parte dos psicólogos, sobre matéria da 
Psicologia, cujo conteúdo deverá certificar a medida da investigação realizada.
Bernardi (1999), ao caracterizar a atuação dos psicólogos nas Varas de Infância 
e Juventude destaca como atividades importantes os estudos de casos, com 
o objetivo de buscar alternativas mais condizentes com a realidade social para 
defender os direitos fundamentais de crianças e de adolescentes; as discussões 
das medidas de proteção e as medidas socioeducativas mais viáveis, para que 
essa população possa, de fato, realizá-las e cumpri-las; o incentivo à promoção 
de ações que visem prevenir o abandono, a negligência e a marginalização, com 
o objetivo de resguardar o bem-estar psicológico de crianças e adolescentes.
Sandrini (2005, p. 216) chama a atenção para a criminalização dos atos 
praticados pelos adolescentes. Ele afirma que
[...] a adolescência é o período fértil para a ocorrência de práticas 
delituosas, na medida em que é fase de afirmação da identidade, 
na qual se torna comum a contestação à autoridade, a recusa aos 
limites e exacerba-se o desejo de transgredir e descumprir regras.
Esse autor busca destacar a importância de não criminalizar, em primeiro plano, 
essas atitudes meramente adolescentes, que pertencem a uma etapa normal de 
desenvolvimento humano, como crime, haja vista serem essas características 
comuns aos adolescentes. Ressalta, ainda, que nem todo delito cometido torna o 
sujeito um criminoso. Nesse sentido, o estudo particular, específico de cada caso, 
por parte de uma equipe interdisciplinar, a qual inclui os psicólogos, é fundamental 
para distinguir as ações praticadas pelos adolescentes, como pertencentes às 
etapas de desenvolvimento, das ações delituosas que denotam crime.
O trabalho dos psicólogos desenvolvido no Sistema Penal Brasileiro, de 
maneira geral, enfatiza a promoção de atividades laborativas, que objetivam 
desenvolver condições e habilidades sociais voltadas para a reinserção social 
e, principalmente, a atividade de diagnóstico das condições psicológicas dos 
26
Capítulo 1 
detentos para avaliação dos regimes de progressão e acompanhamento de 
execução penal dos sentenciados.
Nascimento (2009) enfatiza a importância do papel social do psicólogo. Segundo 
a autora, este profissional tem a incumbência de produzir conhecimentos 
científicos e desenvolver métodos de intervenção profissional que visem melhorar 
as condições da população de presos no Brasil, diante dos complexos sistemas 
político, jurídico, econômico, cultural e psicológico que envolvem as frequentes 
violações de direitos humanos perpetrados contra os apenados.
Leitura complementar
ANTUNES, Mitsuko Aparecida M. A psicologia no Brasil: leitura histórica sobre 
sua constituição. São Paulo: UnimarcoEditora/Educ, 2001.
BLEGER, José. Psicologia da conduta. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
DAVIDOFF, Linda L. Introdução à psicologia. São Paulo: Makron Books, 2001.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra, 1985.
MOURA, Luiz Antonio. Imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade. 
In: COHEN, Cláudio; SEGRE, Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho (Orgs.). Saúde 
mental, crime e justiça. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996. 
p. 85-103.
TRINDADE, Jorge. Delinquência juvenil: uma abordagem transdisciplinar. Porto 
Alegre: Editoria Livraria do Advogado, 1993.
27
Seções de estudo
Habilidades
Capítulo 2
Violência e criminalidade: a 
saúde mental e a lei
Com o estudo deste capítulo, você compreenderá 
os fenômenos da violência e da criminalidade 
e desenvolverá a habilidade de reconhecer as 
fronteiras entre normalidade, patologia e desvio. 
Além disso, ao fim do seu estudo, você estará/a 
apto/a a discernir correlações entre saúde mental, 
crime e justiça.
Seção 1: Violência e criminalidade
Seção 2: Normalidade, patologia e saúde mental
28
Capítulo 2 
Seção 1
Violência e criminalidade
A palavra violência remete a vários significados. Derivada do latim violentia e 
relacionada a vis (força) e violare (violar), pode significar força em ação, força 
física, potência, essência, mas, também, algo que viola, profana, transgride ou 
destrói. Conforme aborda Amador (2002), ela caracteriza a qualidade do violento, 
ação ou efeito de violentar ou violentar-se. Na Sociologia, compreende-se que 
o tema é definido de maneiras diferentes, embora o ponto comum entre essas 
vertentes seja o de que a violência consiste em obrigar alguém a fazer alguma 
coisa contrária a si mesmo, aos seus desejos, ao seu corpo e à sua consciência, 
podendo levá-lo à morte, à agressão aos outros ou à autoagressão.
A violência constitui uma relação social, caracterizada pelo uso real ou virtual 
da coerção, que impede o reconhecimento do outro como diferença – pessoa, 
classe, gênero ou raça – mediante o uso da força ou da coerção, provocando 
algum tipo de dano. Neste sentido, conflito, poder e violência tornam-se 
conceitos próximos, sem, contudo, confundirem-se. (SANTOS, 1997 apud 
AMADOR, 2002, p. 33).
Contrariando este conceito, há outras possibilidades de compreensão da 
temática, as quais consideram violência e poder como conceitos distintos.
[...] o poder consiste na capacidade de agir em conjunto e a 
violência o que faz é, justamente, multiplicar o vigor individual [...]. 
A violência, então, destrói o poder, não o cria, e o decréscimo 
do poder pela carência da capacidade de agir em conjunto é um 
convite à violência. (ARENDT, 1994 apud AMADOR, 2002, p. 33).
A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) considera a violência um dos 
principais problemas de saúde pública do mundo, além de caracterizar uma 
evidente violação de direitos humanos, devido à elevada prevalência e às graves 
consequências para o desenvolvimento humano. (SOUZA 2006 apud XAVIER, 2008).
A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002, p. 5) conceitua violência como 
sendo:
o uso da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra 
si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou 
comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de 
resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de 
desenvolvimento ou privação.
Psicologia Jurídica
29
A Constituição da República Federativa do Brasil trata do tema da violência, 
quando, em seu artigo primeiro, inciso III, sobre os Princípios Fundamentais, por 
exemplo, garante como fundamento de um Estado democrático de direito, a 
dignidade da pessoa humana. E, no seu artigo quinto, inciso III, com relação aos 
direitos e deveres individuais e coletivos: “que ninguém será submetido a tortura 
nem a tratamento desumano ou degradante.”
Qualquer forma de violência resulta, inequivocamente, em violação dos direitos 
humanos e da dignidade humana, bem como pode acarretar problemas de ordem 
psicológica, de variados níveis de comprometimento.
A noção de violência incorpora pontos de vistas contraditórios, paradoxais. Pode 
ser determinada por uma multiplicidade de fatores. 
É possível afirmar que a violência é um fenômeno recente em nossa 
sociedade?
O fenômeno da violência sempre esteve presente na nossa cultura, bem como 
na história da humanidade. Ela acompanha a humanidade não apenas como 
resultado, mas como “motor da própria história, assumindo contornos diferentes 
nas diversas sociedades”. (AMADOR, 2002, p. 31).
No Brasil, segundo Minayo (2006), o fenômeno da violência pode ser analisado 
a partir do processo de colonização que deu origem ao país. Ressalta a autora 
que todo o período colonial foi marcado pelo desprezo e pela crueldade contra 
os índios, negros, pela exploração de sua força de trabalho e pelo desrespeito 
à suas culturas. Pode-se afirmar que essa herança violenta manifestou-se em 
momentos mais próximos da história nacional, como nos abusos contra mulheres 
e crianças, e na instalação de ditaduras políticas marcadas pela crueldade.
A violência é um fenômeno social que acompanha o ser humano desde épocas 
mais remotas de sua história, entretanto, desde o final do século XIX, tem-se 
tornado objeto de preocupação e debate da sociedade.
O fenômeno da violência pode ser percebido a partir do locus de sua 
manifestação, do sentido dado a seus efeitos e da determinação do seu 
surgimento, tendo sempre como horizonte que é decorrente da sociedade, ou 
seja, a violência é sempre um ato político.
O anonimato e a sensação de “não pertencer”, de acordo com Phebo e Moura 
(2005), são duas condições constantes nas cidades grandes, por exemplo. 
O tempo é escasso tanto para os outros como para si mesmo. Há pressa e 
uma sensação de falta de lugar e de oportunidades para todos, imperando a 
competição e o imediatismo. Para esses autores, prevalecem angústias e vazios, 
30
Capítulo 2 
os quais se busca preencher e apaziguar através de estímulos sonoros e visuais 
e através de um consumo desenfreado e, por vezes, inconsequente. Há um ruído 
enorme, ambiental e nas comunicações de modo geral. Todos esses fatores 
contribuem para estados emocionais e comportamentais que são meios propícios 
à produção de várias formas de violência.
Formas de manifestação da violência
A violência expressa diferentes tipos de categorias e pode ser baseada em suas 
formas de manifestação, a saber:
a. dirigidas da pessoa contra si mesma (autoinflingida),
b. violência coletiva e individualizada,
c. violência interpessoal.
As estatísticas revelam o quanto aumentou o índice de violência contra si mesmo 
em nossa sociedade. São atos como automutilação, eutanásia, suicídio, entre 
outros, que revelam desajustes e/ou problemas de ordem social nas mais 
variadas formas de convivência e manifestação. Da mesma forma, os atos 
de violência coletiva, como é o caso da guerra, dos atentados, das violações 
de direitos, dentre outra formas de manifestação, bem como a violência 
individualizada, como os assaltos, os estupros e a tortura, revelam o aumento de 
incidência na sociedade. 
Isso leva ao seguinte questionamento: a sociedade e as relações sociais têm-
se tornado mais violentas, ou há maior divulgação e maior repercussão da 
ocorrência de fenômenos considerados violentos?
As escolas, por exemplo, têm-se parecido com o “campo”, onde a prática de 
atos violentos torna-se corriqueira. Isso provoca muitas discussões sobre quais 
medidas devem ser tomadas para garantir a segurança da comunidade que 
ocupa esse espaço. 
A socióloga Miriam Abramovay et al. (2010), coordenadora de pesquisa da Rede 
de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), analisou a formação de 
gangues. Segundo ela, existem dois tipos de agrupamentos [gangues]: aqueles 
formados fora dasescolas, que, geralmente, apresentam certa organização, como 
as gangues de pichadores, que podem passar para outros delitos, por exemplo, 
roubos e tráfico de drogas; e aqueles formados na escola, por crianças de 10 a 13 
anos, que costumam imitar seus heróis e procuram também proteger-se.
Psicologia Jurídica
31
De qualquer modo, a presença de gangues nas escolas é real. Segundo outro estudo 
coordenado por Abramoway, de 2004, num universo de 1,6 milhão de estudantes dos 
ensinos fundamental e médio, um quinto (340 mil) sabia da existência de gangues 
dentro da escola. Atualmente, os números são bem mais alarmantes.
Outra questão que se destaca e demanda uma discussão por parte da sociedade 
é a atuação dos policiais, pois é muito comum, principalmente no Brasil, a 
ocorrência de violência praticada por esses agentes do Estado ou, algumas vezes, 
contra eles. A violência é componente da prática policial, variando de acordo com 
a conjuntura sócio-histórica da época. 
Amador (2002), ao estudar a violência policial, analisa o cotidiano desses 
profissionais, afirmando que, muitas vezes, é necessário levar em consideração 
o sofrimento psíquico dos policiais que se expressa por meio destes de seu 
comportamento violento.
Somente em 1997, foram acompanhados pela Comissão de Cidadania e Direitos 
Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 
cento e quatro (104) casos envolvendo denúncia de violência policial ou abuso de 
autoridade praticados por policiais militares. Como reverso desta situação, conforme 
dados do Relatório Azul de 1997, foram cento e treze policiais mortos em serviço, 
vítimas de violência.
O Relatório Azul de 1998/99 revela que duzentos e setenta e seis policiais militares 
foram feridos em serviço por disparo de arma de fogo. Para somar a esses 
números, no Relatório Azul de 1995, entre 1983 e 1995, foram registrados quarenta 
e oito suicídios de policiais militares no estado do Rio Grande do Sul, informação 
que revela a mais cruel expressão da violência do policial, cometida contra si 
mesmo. (AMADOR, 2002, p. 66-67).
Observação: o Relatório Azul da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos 
(CCDH) é uma publicação anual que procura oferecer um panorama das violações e 
garantias dos Direitos Humanos no RS.
Neste sentido, ressalta-se a legitimidade da Organização Policial no uso da força e 
o ofício policial cujo resultado se vincula a “paz social”, ou seja, ausência de crimes, 
de criminosos e de desordem social. No entanto, “o conteúdo violento do trabalho 
do policial, o contato rotineiro com a morte e a violência e a constante pressão das 
responsabilidades” são considerados elementos do trabalho que estão causando 
danos à saúde dos policiais. (AMIR, 1995 apud AMADOR, 2002, p. 68).
32
Capítulo 2 
Na categoria de violência interpessoal se insere a violência que ocorre no âmbito 
da família, denominada de intrafamiliar. Por esta, entende-se aquela que ocorre 
entre os membros da família, nos diferentes subsistemas (conjugal, parental, 
fraternal), principalmente no ambiente da casa, porém, não exclusivamente nela, 
diferenciando-se do que se denomina violência doméstica, que, geralmente, 
ocorre no ambiente doméstico.
As principais formas de manifestação da violência familiar são percebidas nos 
comportamentos de agressão, com ou sem lesão corporal; comportamentos 
negligentes, principalmente em consequência da baixa percepção acerca da 
diferenciação de papéis e funções parentais; comportamentos abusivos, nos 
quais o uso/abuso de substâncias psicoativas e transtornos psicológicos estão 
presentes. Com base nessa compreensão, é possível afirmar que as crianças, por 
sua condição de dependência, são as que mais correm riscos, ou então, as que 
mais se encontram em situação de vulnerabilidade familiar.
A violência praticada contra os membros da família, em especial as crianças 
e adolescentes, constitui uma condição reprodutora da violência social, uma 
cadeia circular de retroalimentações de processos coercitivos e de submissão, 
com efeitos negativos para todos. A violência doméstica é um elemento 
desencadeador do que poderia ser denominado de cadeia de violências ou 
reprodução de violências. Pais e mães violentos, que têm os filhos como suas 
vítimas, os quais, por sua vez, se tornam violentos, fazendo outras vítimas. Esses 
comportamentos que se retroalimentam, representam as relações sistêmicas 
desenvolvidas nos sistemas sociais e, mais especificamente, nas famílias.
Dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 
2002) mostram que as crianças são, no âmbito da estrutura familiar, os membros 
que mais sofrem maus-tratos, e que, em 80% dos casos, os pais são os 
agressores, seguidos dos irmãos mais velhos. Esses dados demonstram que a 
violência é um fenômeno que se aprende nas relações cotidianas, via de regra 
sob uma condição hierárquica e disciplinar, e se configura em uma forma de 
comunicação que determina regras, crenças e contribui para a construção de 
mitos familiares.
Quanto a sua natureza, como a violência pode ser classificada?
Psicologia Jurídica
33
A natureza da violência, de acordo com estudos realizados por Minayo (2006), 
Alberton (2005), Rosa (2004) e Guerra (1998), pode ser classificada quanto ao seu 
modo de expressão e modalidades, a saber:
a. violência física, quando há o uso da força física, intencional, ou 
de intenção percebida, não acidental, por parte de uma pessoa 
contra a outra. O dano físico pode ter diferentes dimensões, que 
vão desde a imposição de uma leve dor, passando por um tapa, até 
situações de assassinato;
b. violência psicológica, quando há agressões verbais ou gestuais 
com o objetivo de aterrorizar, rejeitar, humilhar, restringir a liberdade 
ou isolar uma pessoa de seu convívio social. Fere moralmente, faz 
com que a autoestima seja abalada, priva do afeto, da atenção, dos 
cuidados, de bem-estar e conforto;
c. violência sexual, quando, no ato ou jogo sexual, as relações hetero 
ou homossexual entre um ou mais adultos e uma criança menor de 
dezoito anos têm por finalidade estimulá-la sexualmente ou utilizá-
la para obter uma estimulação sexual sobre a sua pessoa ou de 
outrem;
d. negligência, quando, se constata omissão, ausência, recusa de 
cuidados necessários a alguém que deveria receber atenção e 
cuidados, de modo a se prevenirem riscos e danos à sua saúde.
Sem sombra de dúvida, a violência provoca repercussões que afetam a saúde 
das pessoas, seus relacionamentos sociais. Essas repercussões implicam 
diferentes consequências, desencadeadas pela forma e pela gravidade da 
violência sofrida, que podem variar entre os sentimentos de dor até uma 
lesão corporal grave (natureza física da violência) ou, ainda, em situações 
de desconforto, constrangimentos, sofrimento, tensão ou estresse, traumas, 
transtornos psicológicos e demais patologias de natureza psicológica, o que 
torna a investigação sobre violência psicológica relevante e necessária.
Todas as formas de violência resultam em diferentes tipos de comprometimentos 
para a pessoa que sofreu a violência. Uma vez configuradas as condições 
incapacitantes ou parcialmente incapacitantes para realizar tarefas habituais, 
segundo Maciel e Cruz (2005), temos a definição de dano.
Miller (1999) se refere à violência psicológica como “feridas invisíveis”, expressas 
no abuso psicológico, de natureza emocional, na coerção econômica e na 
restrição social, identificadas nos atos sutis e cotidianos de abuso de poder, na 
busca pela submissão do outro, na vivência de sentimentos ambivalentes que 
34
Capítulo 2 
resultam da relação complementar abusador-abusado e confundem e dificultam a 
percepção da violência nas interações humanas.
Nesse sentido, pode-se supor que a violência se agrava, inicialmente, pelo 
ato em si e, posteriormente,pela falta da percepção dos outros acerca do 
sofrimento que foi infligido, elemento esse que contribui para a reincidência 
do ato. Tkacsuk (2005) complementa: situações de ameaças, intimidações, 
exigências e desqualificações ou qualquer outro tipo de ação que produza tensão 
e desequilíbrio psicológico na pessoa que é objeto dela, tendem a destruir o 
seu bem-estar e a autoestima, criando um estado de confusão e incapacidade 
perante a vida.
É importante ter claro, entretanto, que a violência psicológica não está vinculada, 
necessariamente, à violência física, isto é, à incidência de dor ou lesão corporal, o 
que torna particularmente difícil caracterizar trauma psicológico, pois a violência 
psicológica não deixa marcas físicas visíveis, sendo difícil, até mesmo, para a 
própria vítima identificar que está sob essa forma de violência.
Em síntese, o fenômeno da violência, se dá tanto em contextos públicos quanto 
em contextos privados. Na esfera pública, há assaltos, sequestros, assassinatos, 
brigas de gangues, dentre outros, que são descritos como a escalada crescente 
da violência social. Pode-se dizer que se trata de expressões culturais da 
violência, o que significa entender que esse fenômeno decorre justamente das 
relações sociais, são consequência de uma ordem social perversa marcada pelo 
consumismo, a intolerância e a exclusão.
Na esfera privada, há a ocorrência da violência intrafamiliar ou violência 
doméstica, da qual são vítimas, principalmente, crianças, adolescentes, mulheres 
e idosos. Essa forma de violência resulta em comprometimentos biológicos, 
psicológicos e sociais.
Fazendo uma análise histórica, Chesnais (1981) mostra que a família é o lugar do 
paradoxo e que, no âmbito familiar, a violência ocorre de forma muito mais intensa 
do que em qualquer outro lugar. Cita os estudos norte-americanos, os quais 
mostram que, de cada quatro homicídios, um é produzido no contexto familiar. 
Nos casais, entendidos como unidade conjugal do subsistema familiar, a violência 
também é uma forma frequentemente utilizada para resolver conflitos familiares. 
Ainda, segundo o autor, corre-se mais o risco de ser morto no seio do grupo familiar 
do que em qualquer outro grupo social, salvo, talvez, no exército ou na polícia.
No contexto familiar, a principal forma de violência é a prática de maus-tratos 
físicos e abusos psicológicos. A família é o espaço social onde subsiste certo 
estado de naturalização dos atos violentos. Aparentemente, no ambiente familiar, 
tudo ou quase tudo é permitido. Nas relações familiares persiste uma regra 
implícita: o direito de ingerência e de correção recíproca.
Psicologia Jurídica
35
Os pais batem nas crianças, as crianças batem-se entre si. Esta violência é, 
muitas vezes, legitimada, julgada erroneamente como sadia e praticada sob a 
justificativa de ser educativa. Há um consenso entre os autores que pesquisam 
famílias e trabalham com elas, de que a dificuldade em perceber os atos violentos 
como violência no contexto familiar contribui para a manutenção e naturalização 
dos mesmos, e que a baixa diferenciação entre as funções e tarefas familiares e 
a violência tem maior frequência na relação parental (ADORNO, 1993; ZALUAR, 
1994). Os vínculos familiares estabelecidos entre vítimas e agressores são 
revestidos de ambivalência. Constitui tarefa difícil distinguir entre o que se faz 
em nome do amor e do cuidado e o que se faz em nome das necessidades 
particulares de cada indivíduo e que resulta em violência contra os outros.
Arendt (1994) caracteriza a violência como um instrumento, e não um fim. Os 
instrumentos da violência, segundo a autora, são baseados na persuasão, 
como forma de exercer poder sobre o outro. O controle do poder é o objetivo 
em si e, para atingir esse objetivo, é utilizada a violência como aparato 
instrumental. Assim, é possível afirmar que a dimensão psicológica está presente, 
independentemente da modalidade da violência praticada, pois o aniquilamento 
do uso da linguagem como mecanismo legítimo para escapar da violência não é 
possível, não é reconhecido no ambiente em que predomina o controle sobre a 
subjetividade alheia.
Seguindo essa perspectiva sobre a manifestação da violência, estude, a seguir, 
como ela ocorre culturalmente em nossa sociedade.
Violência contra a mulher
A violência contra a mulher é definida como qualquer ato de violência de gênero 
que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual, psicológico ou sofrimento 
para a mulher, incluindo as ameaças, coerções ou privação arbitrária da liberdade, 
quer ocorra em público ou na vida privada.
Para Minayo (2006, p. 93), a violência contra a mulher, portanto, deve ser 
entendida na perspectiva de gênero, ou seja, nas “relações de poder e na 
distinção entre características culturais atribuídas a cada um dos sexos e a 
suas peculiaridades biológicas”. Muito embora a violência de gênero englobe 
ambos os sexos, a ênfase cultural é na violência praticada contra as mulheres, 
confirmada por dados epidemiológicos, baseados na ocorrência, frequência, 
incidência, entre outros dados estatísticos.
A busca pelo reconhecimento das investidas violentas contra as mulheres, 
especialmente pela manifestação de atores sociais política e socialmente 
importantes, como o movimento feminista e os grupos de vítimas de violência, 
36
Capítulo 2 
permitiu a desnaturalização das explicações sobre os maus-tratos e as 
diversificadas formas de abuso aos quais as mulheres, por muitos anos, eram, e 
ainda são, submetidas.
Um dos principais resultados na busca pela legitimidade social sobre a violência 
contra as mulheres ocorreu no plano jurídico. Em agosto de 2006, foi sancionada 
a Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, que altera 
o Código Penal Brasileiro. A efetividade desta Lei permite que os agressores 
sejam presos em flagrante ou tenham a prisão preventiva decretada. Também 
acaba com as penas pecuniárias, aquelas em que o réu é condenado a pagar 
cestas básicas ou multas. Altera, ainda, a Lei de Execuções Penais, para permitir 
que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de 
recuperação e reeducação.
A Lei Maria da Penha traz uma série de medidas para proteger a mulher agredida, 
que está em situação de agressão ou cuja vida corre riscos, entre elas, a saída do 
agressor de casa, a proteção dos filhos e o direito de a mulher reaver seus bens e 
cancelar procurações feitas em nome do agressor.
Esta Lei prevê, também, que a mulher poderá ficar seis meses afastada do 
trabalho sem perder o emprego, se for constatada a necessidade de manutenção 
de sua integridade física ou psicológica.
Maria da Penha Maia Fernandes virou símbolo contra a violência doméstica. Ela 
lutou durante 20 anos para ver seu agressor, seu próprio marido, condenado.
Em 1983, o marido de Maria da Penha Maia, o professor universitário Marco Antonio 
Herredia, tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez, deu um tiro, e ela ficou 
paraplégica. Na segunda, tentou eletrocutá-la. Na ocasião, ela tinha 38 anos e três 
filhas, entre 6 e 2 anos de idade.
A investigação começou em junho do mesmo ano, mas a denúncia só foi 
apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro de 1984. Oito anos 
depois, Herredia foi condenado a oito anos de prisão, mas usou de recursos 
jurídicos para protelar o cumprimento da pena.
O caso chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização 
dos Estados Americanos (OEA), que acatou, pela primeira vez, a denúncia de um 
crime de violência doméstica.
Herredia foi preso em 28 de outubro de 2002 e cumpriu dois anos de prisão. Hoje, 
está em liberdade.
Psicologia Jurídica
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Após as tentativas de homicídio, a bioquímica Maria da Penha Maia começou 
a atuar em movimentos sociais contra a violência e a impunidade e, hoje, é 
coordenadorade Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e 
Amigos de Vítimas de Violência (APAVV) no seu estado, o Ceará.
Fonte: CONTEE (2006).
Observação: o relato detalhado deste caso pode ser encontrado no livro “Sobrevivi, 
posso contar”, escrito pela própria Maria da Penha, publicado em 1994, com o 
apoio do Conselho Cearense dos Direitos da Mulher (CCDM) e da Secretaria de 
Cultura do Estado do Ceará.
Violência contra crianças e adolescentes
A história acerca da condição social da criança foi fonte de estudos científicos 
nos seus âmbitos mais variados, porém uma reflexão mais atual sobre a violência 
cometida contra crianças nas interações familiares e suas consequências revela 
que a situação se configura problema de saúde pública.
Os maus-tratos contra crianças, contudo, existem desde os primórdios da 
criatura humana. Nas civilizações antigas, o infanticídio era considerado um meio 
para eliminar crianças que nasciam com defeitos físicos. Crianças eram mortas 
ou abandonadas para morrerem desnutridas ou devoradas por animais, por 
razões como: equilíbrio de sexos, medida econômica nos grandes flagelos, por 
não aguentarem longas caminhadas, por motivos religiosos, por ser direito do pai 
reconhecer, ou não, o direito de seu filho à vida – jus vitae et nasci. (ARIÈS, 1981; 
FERRARI, 2005). Em alguns povos pagãos, iniciou-se um movimento de cuidado 
às crianças, no que se refere ao sentimento de piedade, mas a verdadeira obra de 
redenção às crianças se deve ao Cristianismo. (KEMPE e KEMPE, 1995).
Não havia, ainda, uma preocupação real acerca dos problemas de abusos e 
maus-tratos contra as crianças, tendo sido gradativamente manifestada com maior 
insistência e envergadura política, científica e profissional, em meados do século 
XX. A Assembleia Geral da ONU aprovou e proclamou, em 1959, a Declaração dos 
Direitos da Criança. Nesta declaração estão dispostos os dez princípios que regem 
os principais cuidados para com a criança e garantem a indispensável proteção de 
que as crianças necessitam para seu desenvolvimento saudável.
38
Capítulo 2 
Em 1962, Kempe e seus colaboradores organizaram um Simpósio sobre o Abuso 
Infantil e deflagraram a situação na qual se encontravam as crianças, vítimas 
de maus-tratos, na sua maioria, causados por seus familiares. Os autores 
apresentaram um trabalho denominado “A síndrome da criança maltratada”, que 
deu origem a uma campanha em prol das denúncias de casos de abuso infantil. 
Como decorrência desses estudos e de outros anteriores, tais como o estudo 
médico-legal sobre o infanticídio, realizado por Tardieu (1968), e os trabalhos de 
Wooley e Evans sobre o “significado das lesões esqueléticas dos lactantes”, foi 
criado o Centro Nacional sobre o Abuso e o Abandono Infantil (National Center on 
Child Abuse and Neglect).
Na década de 70, no Brasil, surgem as primeiras denúncias médicas, realizadas 
por Hélio de Oliveira Santos, médico de Campinas, que levou ao conhecimento 
do público, por meio da imprensa, um caso de violência física que deixara uma 
criança gravemente ferida, internada na UTI, mobilizando estudos, reuniões e 
ações jurídicas.
O ano de 1979 foi considerado o Ano Internacional da Criança, em comemoração 
aos vinte anos da Declaração dos Direitos da Criança, e, nas últimas décadas 
do século XX, ressurge a discussão política da necessidade de aperfeiçoamento 
do Estado do Bem-Estar Social, no sentido da formulação de políticas públicas 
específicas para dar providências às crianças abandonadas.
Em 1989, ano de comemoração dos trinta anos da Declaração dos Direitos da 
Criança, a qual resultou, também, na Convenção sobre os Direitos da Criança, 
assuntos relativos ao trabalho infantil e exploração sexual ganharam notoriedade 
e foram considerados como afronta aos direitos humanos. Em 1990, a UNICEF 
organizou um Encontro Mundial de Cúpula pela Criança e foram estabelecidas 
metas para o combate à exploração infantil.
As violências às quais as crianças foram historicamente submetidas construíram 
uma condição de assujeitamento e negação de sua existência social, e, ainda 
hoje, apesar da valorização da criança como pessoa em condições especiais 
de desenvolvimento e possibilidade de um mundo de paz, encontra-se, no 
imaginário coletivo, a representação da criança coisificada, esta que é possível 
identificar por conta dos índices absurdos de práticas violentas perpetradas 
contra as crianças.
O século XXI, segundo Krinsky et al. (1985), é apontado como o “século da 
criança”. Há uma maior valorização da condição de criança, destacando-a na 
sociedade como um ser humano em condições especiais de desenvolvimento. 
Entretanto essa valorização tem sido acompanhada da expectativa de que a 
família seja a provedora principal e a responsável pelas decorrências de seu 
Psicologia Jurídica
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desenvolvimento e conduta social. São ressaltadas a necessidade dos cuidados 
maternos e a caracterização da infância como período básico e fundamental da 
existência do ser humano.
Porém, ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) disponha sobre 
a proteção integral à criança e defina quais as tarefas a serem cumpridas por pais, 
instituições e profissionais que lidam com crianças, bem como as consequências 
das ações e omissões contra as crianças, a política efetiva para que o disposto 
no Estatuto seja cumprido apresenta reais dificuldades. A instância responsável 
pela elaboração de políticas sociais em prol da saúde das crianças (Conselho 
dos Direitos da Criança e do Adolescente) e as instâncias executivas (Conselhos 
Tutelares da Infância e Juventude) apresentam atribuições e competências 
diferentes e não estão em condições de garantir a cidadania das crianças.
Apesar da lei de proteção às crianças, elas continuam desprotegidas e a infância 
brasileira continua marginalizada, tendo que viver em situação de vulnerabilidade.
A saúde das crianças é direito fundamental da norma jurídica, que deve ser 
respeitado e perseguido por todos os segmentos da sociedade. Segundo Minayo 
(1992), de acordo com a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em 
1986, a definição de saúde é caracterizada como a resultante das condições de 
alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, transporte, emprego, 
lazer, liberdade, acesso à posse da terra e aos serviços de saúde. Portanto o 
conjunto de elementos essenciais, para que as crianças se desenvolvam e se 
tornem cidadãs.
De acordo com Ferreira (2005), apesar de subestimadas oficialmente em todo o 
mundo, a maior parte das pesquisas aponta para as grandes proporções com 
que a violência ocorre na faixa etária pediátrica, sendo praticada, principalmente, 
pelos próprios familiares da criança. Conforme o autor, considerando apenas 
os casos notificados às agências de proteção à criança nos EUA e que foram 
confirmados, 12 de cada 1.000 crianças haviam sido vítimas de maus-tratos e, 
no Brasil, estima-se que 20% das crianças e adolescentes sejam, atualmente, 
vítimas de alguma forma de violência.
No cenário nacional, do ponto de vista estatístico, a violência sexual é a que tem 
sido mais denunciada e acompanhada pelos órgãos públicos especializados, 
não se podendo considerá-la, no entanto, como um índice de prevalência dentro 
da proporção entre todos os tipos de maus-tratos aos quais são submetidas 
crianças e adolescentes. Porém é possível pensar sobre a prevalência desse tipo 
de denúncia, pois os mecanismos de identificação são mais imediatos e passíveis 
de evidências concretas, em função das lesões teciduais na região genital, das 
doenças sexualmente transmissíveis e da gravidez.
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Capítulo 2 
O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) define as formas de violência 
praticadas em quatro categorias:
1. violência física;
2. violência psicológica;
3. violência sexual e
4. negligência.
Scherer e

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