A maçã no escuro - análise

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Seriam os atos do homem, às vezes os mais cruéis, necessários para elevá-lo à condição de imagem e razão? 
Em A Maça no Escuro, Clarice Lispector faz com que sim, transformando o atordoado Martim em um novo homem após ter supostamente assassinado a mulher. Fugindo do crime, Martim acaba descobrindo-se como homem, desprezando os antigos valores estabelecidos em sua vida. Na corrida por uma nova existência, ele se revela numa outra condição. 
Sua fuga, em vez de isolá-lo, remonta à criação do homem, de um novo ser surgido do nada. A narrativa, próxima da criação bíblica, em vez de julgar os personagens culpados ou inocentes, faz deles aprendizes do mundo, onde cada etapa funciona como uma gênese de um ser recém-criado.
 Esse romance se divide em três partes: 
Como se faz um homem
Mostra a fase de isolamento em que o protagonista se encontra, na qual, em meio aos rudes trabalhos do campo, reconhece a singularidade do seu ser individual. 
“- Não sei mais falar, disse então para o passarinho, evitando olhá-lo por uma delicadeza de pudor.
Só depois pareceu entender que dissera, e então olhou face a face o sol. ‘Perdi a linguagem dos outros’, repetiu então bem devagar como se as 
palavras fossem mais obscuras do que eram, e de algum modo muito lisonjeiras. Estava serenamente orgulhoso, com os olhos claros e satisfeitos.
Nascimento do Herói
 	 	É a fase de reconstrução de Martim como pessoa, quando ele, já ligado afetivamente a Vitória e a Ermelinda, se faz herói, capaz de alto sacrifício e destinado a desempenhar uma missão entre os homens.
“Pois, se ele queria reconstruir o mundo, ele próprio não servia... Se queria, como último termo final de seu trabalho, chegar a outros homens – teria antes que terminar de destruir totalmente seu modo de ser antigo.” (p.130)
A maçã no escuro
No fim do romance, com a chegada dos policiais, em que a sanção, desagregando essa identidade postiça de herói e anulando os efeitos de ruptura do delito, devolve o suposto criminoso ao convívio dos outros.
“ De repente pareceu mesmo a Martim que até agora ele andara em caminhos superpostos. E que sua verdadeira invisível jornada se fizera na realidade embaixo do caminho que ele julgara palmilhar.
 E que a verdadeira jornada estava agora saindo subitamente à luz como de um túnel. E a verdadeira jornada fora esta: que ele saira um dia de sua casa de homem e de sua cidade de homem em busca, através da aventura, exatamente dessa coisa que ele agora estava experimentando no escuro, em busca da grande humilhação, e consigo ele humilhava ferozmente com gosto toda uma raça humana. O medo o humilhou e ele então assoou violentamente o nariz.” (p.210)
Análise do livro
Espaço: nessa obra, o espaço é vago e indeterminado: o coração do Brasil, o descampado das pedras, a fazenda, o depósito, o terreno baldio, o curral das vacas, o alto da colina, o bosque, a cidade de Vila baixa, próximo à fazenda.
Tempo: o tempo, o narrador tenta precisá-lo, às vezes até cronologicamente: ao usar por exemplo: há duas semanas, noite de março, sábado domingo, 17 de abril, porém o que prevalece é uma espécie de tempo mítico, em que as coisas se inauguram. 
Personagens principais:
- Martim
- Ermelinda
- Vitória
 Personagens secundários: 
 - Francisco, o empregado da fazenda;
- a mulata cozinheira e sua filha menina; - o professor;
- o prefeito; 
- os dois investigadores; 
- o pai de Martim;
- o alemão.
 	Um recurso poético muito utilizado por Clarice neste romance foi a repetição de palavras, que confere à estrutura do texto uma musicalidade própria da poesia, e isso se observa especialmente na repetição da palavra ―silêncio. Se fôssemos contar o número de vezes que esse vocábulo aparece somente no início da narrativa chegaríamos a uma soma surpreendente.
 ―Martim percebeu o silêncio e dentro do silêncio a sua própria presença. (p. 16).
 ― foi nesse momento que uma lua desfalecida perpassou uma nuvem em grande silêncio, em silêncio derramou-se sobre pedras calmas, desaparecendo em silêncio na escuridão. (p. 17).
Polifonia: polifonia é a simultaneidade de várias vozes sobrepostas que se independentemente dentro da obra sem interferir na unidade da história. 
 	Uma obra é polifônica quando as personagens têm voz própria, têm uma ideologia própria, manifestam sua autoconsciência, traçam seu destino, vivem sempre no limite para chegar ao autoconhecimento. Tentam entender e explicar o mundo.
 O narrador não conduz a ação. 
A ação das personagens, suas atitudes, sua concepção de mundo é que definem os rumos, os acontecimentos. 
O importante não é o que as personagens são no mundo, mas o que o mundo é para as personagens e o que elas são para si mesmas.
 
Fluxo de consciência: a preocupação maior do romance está em torno de Martim, ele que sendo protagonista, parece transcender às raias da ficção e participar diretamente das vivências normais do cotidiano humano. É o fluxo da consciência de Martim, que tentamos aprender através de suas ações, e do próprio texto. 
A Maçã no Escuro oferece uma infinidade de tópicos, onde podemos captar o comportamentos dos personagens diante das situações impostas. O conteúdo da obra retrata a consciência que é o material básico do romance.
 		O primeiro enfoque que encontramos a nível há uma seqüência lógica entre o assunto tratado em um capítulo e o capitulo que se lhe segue. De maneira abrupta o narrador troca de assunto, às vezes retomando-o em capítulos bem distantes e em contexto bem diferente. Este corte repentino caracteriza, certamente, a fluidez do texto que representa a fluidez mental do narrador ou dos personagens da obra.
 		O fluxo da consciência aí se dá através desses cortes e interrupções, da exteriorização intimidade de Martim, das mudanças abruptas de assuntos, das rememorações através das lembranças, da mistura de monólogos que denunciam as ondulações internas do pensamento, da preocupação com o tempo, enfim de todo um redemoinho de enfoques.
 "Eu era como qualquer uma de vocês, disse então muito. Subitamente para as pedras pois estas pareciam homens sentados"