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ENEM Introdução à Literatura L0009 - (Enem) Foi sempre um gaúcho quebralhão, e despilchado sempre, por ser muito de mãos abertas. Se numa mesa de primeira ganhava uma ponchada de balastracas, reunia a gurizada da casa, fazia pi! pi! pi! como pra galinhas e semeava as moedas, rindo-se do formigueiro que a miuçada formava, catando as pratas no terreiro. Gostava de sentar um laçaço num cachorro, mas desses laçaços de apanhar da palheta à virilha, e puxado a valer, tanto que o bicho que o tomava, de tanto sen�r dor, e lombeando-se, depois de disparar um pouco é que gritava, num caim! caim! caim! de desespero. LOPES NETO, J. S. Contrabandista. In: SALES, H. (org). Antologia de contos brasileiros. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001 (adaptado). A língua falada no Brasil apresenta vasta diversidade, que se manifesta de acordo com o lugar, a faixa etária, a classe social, entre outros elementos. No fragmento do texto literário, a variação linguís�ca destaca-se a) por inovar na organização das estruturas sintá�cas. b) pelo uso de vocabulário marcadamente regionalista. c) por dis�nguir, no diálogo, a origem social dos falantes. d) por adotar uma grafia �pica do padrão culto, na escrita. e) pelo entrelaçamento de falas de crianças e adultos. L0003 - (Enem) 1@professorferretto @prof_ferretto A imagem integra uma adaptação em quadrinhos da obra Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Na representação gráfica, a inter-relação de diferentes linguagens caracteriza-se por a) romper com a linearidade das ações da narra�va literária. b) ilustrar de modo fidedigno passagens representa�vas da história. c) ar�cular a tensão do romance à desproporcionalidade das formas. d) potencializar a drama�cidade do episódio com recursos das artes visuais. e) desconstruir a diagramação do texto literário pelo desequilíbrio da composição. L0004 - (Enem) Esaú e Jacó Ora, aí está justamente a epígrafe do livro, se eu lhe quisesse pôr alguma, e não me ocorresse outra. Não é somente um meio de completar as pessoas da narração com as ideias que deixarem, mas ainda um par de lunetas para que o leitor do livro penetre o que for menos claro ou totalmente escuro. Por outro lado, há proveito em irem as pessoas da minha história colaborando nela, ajudando o autor, por uma lei de solidariedade, espécie de troca de serviços, entre o enxadrista e os seus trebelhos. Se aceitas a comparação, dis�nguirás o rei e a dama, o bispo e o cavalo, sem que o cavalo possa fazer de torre, nem a torre de peão. Há ainda a diferença da cor, branca e preta, mas esta não �ra o poder da marcha de cada peça, e afinal umas e outras podem ganhar a par�da, e assim vai o mundo. ASSIS, M. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1964 (fragmento). O fragmento do romance Esaú e Jacó mostra como o narrador concebe a leitura de um texto literário. Com base nesse trecho, tal leitura deve levar em conta a) o leitor como peça fundamental na construção dos sen�dos. b) a luneta como objeto que permite ler melhor. c) o autor como único criador de significados. d) o caráter de entretenimento da literatura. e) a solidariedade de outros autores. L0002 - (Enem) A orquestra atacou o tema que tantas vezes ouvi na vitrola de Ma�lde. Le maxixe!, exclamou o francês [...] e nos pediu que dançássemos para ele ver. Mas eu só sabia dançar a valsa, e respondi que ele me honraria �rando minha mulher. No meio do salão os dois se abraçaram e assim permaneceram, a se encarar. Súbito ele a girou em meia-volta, depois recuou o pé esquerdo, enquanto com o direito Ma�lde dava um longo passo adiante, e os dois estacaram mais um tempo, ela arqueada sobre o corpo dele. Era uma coreografia precisa, e me admirou que minha mulher conhecesse aqueles passos. O casal se entendia à perfeição, mas logo dis�ngui o que nele foi ensinado do que era nela natural. O francês, muito alto, era um boneco de varas, jogando com uma boneca de pano. Talvez pelo contraste, ela brilhava entre dezenas de dançarinos, e notei que todo o cabaré se extasiava com a sua exibição. Todavia, olhando bem, eram pessoas ves�das, ornadas, pintadas com deselegância, e foi me parecendo que também em Ma�lde, em seus movimentos de ombros e quadris, havia excesso. A orquestra não dava pausa, a música era repe��va, a dança se revelou vulgar, pela primeira vez julguei meio vulgar a mulher com quem eu �nha me casado. Depois de meia hora eles voltaram se abanando, e escorria suor pelo colo de Ma�lde decote abaixo. Bravô, eu gritei, bravô, e ainda os es�mulei a dançar o próximo tango, mas Dubosc disse que já era tarde, e que eu �nha um ar fa�gado. CHICO BUARQUE. Leite derramado. São Paulo: Cia. das Letras, 2009. Os recursos expressivos de um texto literário fornecem pistas aos leitores sobre a percepção dos personagens em relação aos eventos da narra�va. No fragmento, cons�tui um aspecto relevante para a compreensão das intenções do narrador a a) inveja disfarçada em relação ao estrangeiro, sugerida pela descrição de seu talento como dançarino. b) demonstração de ciúmes, expressa pela desqualificação dos par�cipantes da cena narrada. c) postura aristocrá�ca, assinalada pela crí�ca à orquestra e ao gênero musical executado. d) manifestação de desprezo pela dança, indicada pela crí�ca ao exibicionismo da mulher. e) a�tude interesseira, pressuposta no elogio final e no es�mulo à con�nuação da dança. L0010 - (Enem) Guardar Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não se guarda coisa alguma. Em cofre perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por 2@professorferretto @prof_ferretto ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela. Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro Do que um pássaro sem voos. Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema: Para guardá-lo: Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda: Guarde o que quer que guarda um poema: Por isso o lance do poema: Por guardar-se o que se quer guardar. MACHADO, G. In: MORICONI, I.(org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Obje�va, 2001. A memória é um importante recurso do patrimônio cultural de uma nação. Ela está presente nas lembranças do passado e no acervo cultural de um povo. Ao tratar o fazer poé�co como uma das maneiras de se guardar o que se quer, o texto a) ressalta a importância dos estudos históricos para a construção da memória social de um povo. b) valoriza as lembranças individuais em detrimento das narra�vas populares ou cole�vas. c) reforça a capacidade da literatura em promover a subje�vidade e os valores humanos. d) destaca a importância de reservar o texto literário àqueles que possuem maior repertório cultural. e) revela a superioridade da escrita poé�ca como forma ideal de preservação da memória cultural. L0008 - (Enem) O bonde abre a viagem, No banco ninguém, Estou só, stou sem. Depois sobe um homem, No banco sentou, Companheiro vou. O bonde está cheio. De novo porém Não sou mais ninguém. ANDRADE, M. Poesias completas. Belo Horizonte: Ita�aia, 2005. Em um texto literário, é comum que os recursos poé�cos e linguís�cos par�cipem do significado do texto, isto é, forma e conteúdo se relacionam significa�vamente. Com relação ao poema de Mário de Andrade, a correlação entre um recurso formal e um aspecto da significação do texto é a) a sucessão de orações coordenadas, que remete à sucessão de cenas e emoções sen�das pelo eu lírico ao longo da viagem. b) a elisão dos verbos, recurso es�lís�co constante no poema, que acentua o ritmo acelerado da modernidade. c) o emprego de versos curtos e irregulares em sua métrica, que reproduzem uma viagem de bonde, com suas paradas e retomadas de movimento. d) a sonoridadedo poema, carregada de sons nasais, que representa a tristeza do eu lírico ao longo de toda a viagem. e) a ausência de rima nos versos, recurso muito u�lizado pelos modernistas, que aproxima a linguagem do poema da linguagem co�diana. L0001 - (Enem) Caso pluvioso A chuva me irritava. Até que um dia descobri que maria é que chovia. A chuva era maria. E cada pingo de maria ensopava o meu domingo. E meus ossos molhando, me deixava como terra que a chuva lavra e lava. E eu era todo barro, sem verdura... maria, chuvosíssima criatura! Ela chovia em mim, em cada gesto, pensamento, desejo, sono, e o resto. Era chuva fininha e chuva grossa, Ma�nal e noturna, a�va... Nossa! ANDRADE, C. D. Viola de bolso. Rio de Janeiro: José Olympio, 1952 (fragmento). Considerando-se a exploração das palavras “maria” e “chuvosíssima” no poema, conclui-se que tal recurso expressivo é um(a) a) registro social �pico de variedades regionais. b) variante par�cular presente na oralidade. c) inovação lexical singularizante da linguagem literária. d) marca de informalidade caracterís�ca do texto literário. e) traço linguís�co exclusivo da linguagem poé�ca. L0398 - (Enem PPL) O mundo mudou 3@professorferretto @prof_ferretto O mundo mudou. “O mundo mudou” porque está sempre mudando. E sempre estará, até que chegue o seu alardeado fim (se é que chegará). Hoje vivemos “protegidos” por muitos cuidados e paparicos, sempre sob a forma de “serviços”, e desde que você tenha dinheiro para usá-los, claro. Carro quebrou na marginal? Relaxe, o guincho da seguradora virá em minutos resgatá- lo. Tem dificuldade de locomoção? Espere, a empresa aérea disporá de uma cadeira de rodas para levá-lo ao terminal. Surgiu uma goteira no seu chalé em plenas férias de verão? Calma, o moço que conserta telhados está correndo para lá agora. Vai ficando para trás um outro mundo – de inicia�vas, de gestos solidários, de amizade, de improvisação (sim, “quem não improvisa se inviabiliza”, eu diria, parafraseando Chacrinha). Estamos criando uma geração que não sabe bater um prego na parede, trocar um bo�jão de gás, armar uma rede. É, o mundo mudou sim. Só nos resta o telefone do SAC, onde gastaremos nossa bílis com impropérios ao vento; ou o site da loja de eletrodomés�cos onde ninguém tem nome (que saudade dos Reginaldos, Edmilsons e Velosos!). Ligaremos para falar com a nossa própria solidão, a nossa dependência do mundo dos serviços e a nossa incapacidade de viver com real simplicidade, soterrados por senhas, protocolos e pendências vãs. Nem Ka�a poderia sonhar com tal mundo. ZECA BALEIRO. Disponível em: www.istoe.com.br. Acesso em: 18 maio 2013 (adaptado). O texto trata do avanço técnico e das facilidades encontradas pelo homem moderno em relação à prestação de serviços. No desenvolvimento da temá�ca, o autor a) mostra a necessidade de se construir uma sociedade baseada no anonimato, reafirmando a ideia de que a in�midade nas relações profissionais exerce influência nega�va na qualidade do serviço prestado. b) apresenta uma visão pessimista acerca de tais facilidades porque elas contribuem para que o homem moderno se torne acomodado e distanciado das relações afe�vas. c) recorre a clássicos da literatura mundial para comprovar o porquê da necessidade de se viver a simplicidade e a solidariedade em tempos de solidão quase inevitável. d) defende uma posição conformista perante o quadro atual, apresentando exemplos, em seu co�diano, de boa aceitação da pra�cidade oferecida pela vida moderna. e) acredita na existência de uma superproteção, que impede os indivíduos modernos de sofrerem severos danos materiais e emocionais. L0399 - (Enem PPL) Sou um homem comum brasileiro, maior, casado, reservista, e não vejo na vida, amigo nenhum sen�do, senão lutarmos juntos por um mundo melhor. Poeta fui de rápido des�no Mas a poesia é rara e não comove nem move o pau de arara. Quero, por isso, falar com você de homem para homem, apoiar-me em você oferecer-lhe meu braço que o tempo é pouco e o la�fúndio está aí matando [...] Homem comum, igual a você, [...] Mas somos muitos milhões de homens comuns e podemos formar uma muralha com nossos corpos de sonhos e margaridas. FERREIRA GULLAR. Dentro da noite veloz. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013 (fragmento). No poema, ocorre uma aproximação entre a realidade social e o fazer poé�co, frequente no Modernismo. Nessa aproximação, o eu lírico atribui à poesia um caráter de 4@professorferretto @prof_ferretto a) agregação constru�va e poder de intervenção na ordem ins�tuída. b) força emo�va e capacidade de preservação da memória social. c) denúncia retórica e habilidade para sedimentar sonhos e utopias. d) ampliação do universo cultural e intervenção nos valores humanos. e) iden�ficação com o discurso masculino e ques�onamento dos temas líricos. L0401 - (Enem PPL) Entrei numa lida muito dificultosa. Mar�rio sem fim o de não entender nadinha do que vinha nos livros e do que o mestre Frederico falava. Estranheza colosso me cegava e me punha tonto. Acho bem que foi desse tempo o mal que me acompanha até hoje de ser recanteado e meio mocorongo. Com os meus, em casa, conversava por trinta, �nha ladineza e entendimento. Na rua e na escola – nada; era completamente afrásico. As pessoas eram bichos do outro mundo que temperavam um palavreado grego de tudo. Já sabia juntar as sílabas e ler por cima toda coisa, mas descrencei e perdi a influência de ir à escola, porque diante dos escritos que o mestre me passava e das lições marcadas nos livros, fiquei sendo um quarta-feira de marca maior. Alívio bom era quando chegava em casa. BERNARDES, C. Rememórias dois. Goiânia: Leal, 1969. O narrador relata suas experiências na primeira escola que frequentou e u�liza construções linguís�cas próprias de determinada região, constatadas pelo a) registro de palavras como “estranheza” e “cegava”. b) emprego de regência não padrão em “chegar em casa”. c) uso de dupla negação em “não entender nadinha”. d) emprego de palavras como “descrencei” e “ladineza”. e) uso de substan�vo “bichos” para retomar “pessoas”. L0409 - (Enem PPL) Fazer 70 anos Fazer 70 anos não é simples. A vida exige, para o conseguirmos, perdas e perdas no ín�mo do ser, como, em volta do ser, mil outras perdas. [...] Ó José Carlos, irmão-em-Escorpião! Nós o conseguimos... E sorrimos de uma vitória comprada por que preço? Quem jamais o saberá. ANDRADE, C. D. Amar se aprende amando. São Paulo: Círculo do Livro, 1992 (fragmento). O pronome oblíquo “o”, nos versos “A vida exige, para o conseguirmos” e “Nós o conseguimos”, garante a progressão temá�ca e o encadeamento textual, recuperando o segmento a) “Ó José Carlos”. b) “perdas e perdas”. c) “A vida exige”. d) “Fazer 70 anos”. e) “irmão-sem-Escorpião”. L0433 - (Enem PPL) TEXTO I Versos de amor A um poeta eró�co Oposto ideal ao meu ideal conservas. Diverso é, pois, o ponto outro de vista Consoante o qual, observo o amor, do egoísta Modo de ver, consoante o qual, o observas. Porque o amor, tal como eu o estou amando, É Espírito, é éter, é substância fluida, É assim como o ar que a gente pega e cuida, Cuida, entretanto, não o estar pegando! É a transubstanciação de ins�ntos rudes, Imponderabilíssima, e impalpável, Que anda acima da carne miserável Como anda a garça acima dos açudes! ANJOS, A. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996 (fragmento). TEXTO II Arte de amar Se queres sen�r a felicidade de amar, esquece a tua alma. A alma é que estraga o amor. Só em Deus ela pode encontrar sa�sfação. Não noutra alma. Só em Deus – ou fora do mundo. As almas são incomunicáveis. Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não. BANDEIRA, M. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. Os Textos I e II apresentam diferentes pontos de vista sobre o tema amor. Apesar disso, ambos definem esse sen�mento a par�r da oposição entre 5@professorferretto @prof_ferretto a) sa�sfação e insa�sfação. b)egoísmo e generosidade. c) felicidade e sofrimento. d) corpo e espírito. e) ideal e real. L0416 - (Enem PPL) Um cachorro cor de carvão dorme no azul etéreo de uma rede de pesca enrolada sobre a grama da Praça Vinte e Um de Abril. O sol bate na frente nos degraus cinzentos da escadaria que sobe a encosta do morro até a Igreja da Matriz. A ladeira de paralelepípedos curta e íngreme ao lado da igreja passa por um galpão de barcos e por uma casa de madeira pré-moldada. Acena para a velhinha marrom que toma sol na varanda sentada numa cadeira de praia colorida. O vento nordeste salgado tumultua as árvores e as ondas. Nuvens esparramadas avançam em formação do mar para o con�nente como um exército em transe. A ladeira faz uma curva à esquerda passando em frente a um predinho do século dezoito com paredes brancas descascadas e janelas recém-pintadas de azul-cobalto. GALERA, D. Barba ensopada de sangue. São Paulo: Cia. das Letras, 2012. A descrição, subje�va ou obje�va, permite ao leitor visualizar o cenário onde uma ação se desenvolve e os personagens que dela par�cipam. O fragmento do romance caracteriza-se como uma descrição subje�va porque a) constrói sequências temporais pelo emprego de expressões adverbiais. b) apresenta frases curtas, de ordem direta, com elementos enumera�vos. c) recorre a substan�vos concretos para representar um ambiente está�co. d) cria uma ambiência própria por meio de nomes e verbos metaforizados. e) prioriza construções oracionais de valor semân�co de oposição. L0419 - (Enem PPL) Chegou de Montes Claros uma irmã da nora de �a Clarinha e foi visitar �a Agos�nha no Jogo da Bola. Ela é bonita, simpá�ca e veste-se muito bem. [...] Ficaram todas as �as admiradas da beleza da moça e de seus modos polí�cos de conversar. Falava explicado e tudo muito correto. Dizia “você” em vez de “ocê”. Palavra que eu nunca �nha visto ninguém falar tão bem; tudo como se escreve sem engolir um s nem um r. Tia Agos�nha mandou vir uma bandeja de uvas e lhe perguntou se ela gostava de uvas. Ela respondeu: “Aprecio sobremaneira um cacho de uvas, Dona Agos�nha.” Estas palavras nos fizeram ficar de queixo caído. Depois ela foi passear com outras e laiá aproveitou para lhe fazer elogios e comparar conosco. Ela dizia: Vocês não �veram inveja de ver uma moça [...] falar tão bonito como ela? Vocês devem aproveitar a companhia dela para aprenderem”. [...] Na hora do jantar eu e as primas começamos a dizer, para enfezar laiá: “Aprecio sobremaneira as batatas fritas”, “Aprecio sobremaneira uma coxa de galinha”. MORLEY, H. Minha vida de menina: cadernos de uma menina provinciana nos fins do século XIX. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997. Nesse texto, no que diz respeito ao vocabulário empregado pela moça de Montes Claros, a narradora expõe uma visão indica�va de a) descaso, uma vez que desaprova o uso formal da língua empregado pela moça. b) ironia, uma vez que incorpora o vocabulário formal da moça na situação familiar. c) admiração, pelo fato de deleitar-se com o vocabulário empregado pela moça. d) an�pa�a, pelo fato de cobiçar os elogios de laiá sobre a moça. e) indignação, uma vez que contesta as a�tudes da moça. L0596 - (Enem) Feijoada à minha moda Amiga Helena Sangirardi Conforme um dia prome� Onde, confesso que esqueci E embora — perdoe — tão tarde (Melhor do que nunca!) este poeta Segundo manda a boa é�ca Envia-lhe a receita (poé�ca) De sua feijoada completa. Em atenção ao adiantado Da hora em que abrimos o olho O feijão deve, já catado Nos esperar, feliz, de molho. Uma vez cozido o feijão (Umas quatro horas, fogo médio) Nós, bocejando o nosso tédio Nos chegaremos ao fogão […] De carne-seca suculenta Gordos paios, nédio toucinho (Nunca orelhas de bacorinho Que a tornam em excesso opulenta!) […] Enquanto ao lado, em fogo brando Desmilinguindo-se de gozo 6@professorferretto @prof_ferretto Deve também se estar fritando O torresminho delicioso Em cuja gordura, de resto (Melhor gordura nunca houve!) Deve depois frigir a couve Picada, em fogo alegre e presto. […] Dever cumprido. Nunca é vã A palavra de um poeta… — jamais! Abraça-a, em Brillat-Savarin, O seu Vinicius de Moraes. MORAES, V. In: CÍCERO, A.; QUEIROZ, E. (Org.). Vinicius de Moraes: nova antologia poé�ca. São Paulo: Cia. das Letras, 2005 (fragmento). Apesar de haver marcas formais de carta e receita, a caracterís�ca que define esse texto como poema é o(a) a) nomeação de um interlocutor. b) manifestação de in�midade. c) descrição de procedimentos. d) u�lização de uma linguagem expressiva. e) apresentação de ingredientes culinários. L0599 - (Enem) TEXTO I Capítulo 4, versículo 3 Minha palavra vale um �ro, eu tenho muita munição Na queda ou na ascensão, minha a�tude vai além E tem disposição pro mal e pro bem Talvez eu seja um sádico ou um anjo, um mágico Ou juiz, ou réu, o bandido do céu Malandro ou otário, quase sanguinário Franco a�rador se for necessário Revolucionário, insano, ou marginal An�go e moderno, imortal Fronteira do céu com o inferno Astral imprevisível, como um ataque cardíaco do verso. RACIONAIS MCs. Sobrevivendo ao inferno. São Paulo: Cosa Nostra, 1997 (fragmento). TEXTO II Pode-se dizer que as várias experiências narradas nos discos do Racionais tratam no fundo de um só tema: a violência que estrutura a nossa sociedade. O grupo canta a violência que estrutura as relações entre os familiares, os amigos, o homem e a mulher, o traficante e o viciado. Canta a violência do crime. A violência causada por inveja ou por vaidade. Também canta que a relação entre as classes sociais é sempre violenta: o racismo, a miséria, os baixos salários, a concentração de renda, a esmola, a publicidade, o alcoolismo, o jornalismo, o poder policial, a jus�ça, o sistema penitenciário, o governo existem por meio da violência. GARCIA, W. Ouvindo Racionais MCs. Teresa: revista de literatura brasileira, n. 5, 2004 (adaptado). Na letra da canção, a tema�zação da violência mencionada no Texto II manifesta-se a) como metáfora da desigualdade, que associa a ideia de jus�ça a valores históricos nega�vos. b) na referência a termos bélicos, que sinaliza uma crí�ca social à opressão da população das periferias. c) como procedimento metalinguís�co, que concebe a palavra como uma forma de combate e insubordinação. d) nas definições ambíguas do enunciador, que inverte e rela�viza as representações da maldade e da bondade. e) na menção à imortalidade, que sugere a possibilidade de resistência para além da dicotomia entre vida e morte. L0600 - (Enem) pessoas com suas malas mochilas e valises chegam e se vão se encontram se despedem e se despem de seus pertences como se pudessem chegar a algum lugar onde elas mesmas não es�vessem Esse poema, por meio da ideia de deslocamento, metaforiza a tenta�va de pessoas a) buscarem novos encontros. b) fugirem da própria iden�dade. c) procurarem lugares inexplorados. d) par�rem em experiências inusitadas. e) desaparecerem da vida em sociedade. L0602 - (Enem) TEXTO I A 13 de fevereiro de 1946, Graciliano Ramos escreve uma carta a Cândido Por�nari relembrando uma visita que lhe fizera quando �vera a ocasião de apreciar algumas telas da série Re�rantes. Diz o escritor alagoano: Caríssimo Por�nari: A sua carta chegou muito atrasada, e receio que esta resposta já não o ache fixando na tela a nossa pobre 7@professorferretto @prof_ferretto gente da roça. Não há trabalho mais digno, penso eu. Dizem que somos pessimistas e exibimos deformações; contudo, as deformações e essa miséria existem fora da arte e são cul�vadas pelos que nos censuram. [...] Dos quadros que você me mostrou quando almocei no Cosme Velho pela úl�ma vez, o que mais me comoveu foi aquela mãe com a criança morta. Saí de sua casa com um pensamento horrível: numa sociedade sem classes e sem miséria, seria possível fazer-se aquilo? Numa vida tranquila e feliz, que espécie de arte surgiria? Chego a pensar que teríamos cromos, anjinhos cor-de-rosa, e istome horroriza. Graciliano Disponível em: h�ps://graciliano.com.br. Acesso em: 6 fev. 2024 (adaptado). TEXTO II Histórias de ninar (adultos) Houve um tempo — tão perto, e, ó, tão longe — em que a arte era um holofote na unha encravada, não um campeonato de melhores esmaltes. Raskolnikov matava velhinhas, a família de Gregor Samsa o assassinava a “maçãzadas”, Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis) é o retrato mais perfeito de tudo o que tem de pior na sociedade brasileira, uma sequência tristemente hilária de ações moralmente condenáveis, a�tudes pusilânimes, cálculos mesquinhos e maus passos cre�nos. A literatura, o cinema e o teatro vêm se transformando num exercício de lacração: o mal está sempre no outro, os protagonistas são ironmen/women da virtude. A pessoa sai da leitura ou da sessão não com a guarda abaixada, as certezas abaladas, mais próxima da verdade (ou, à falta de uma palavra melhor, da sinceridade): sai com suas certezas reforçadas. A realidade é confusa. Contraditória. Muitas vezes incompreensível. A arte é onde tentamos nos mostrar nus, com todos os nossos defeitos. PRATA, A. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 12 jan. 2024 (adaptado). No que diz respeito à arte, o posicionamento de Antônio Prata, no Texto II, aproxima-se da tese de Graciliano Ramos, no Texto I, uma vez que ambos a) defendem a dignidade do o�cio dos ar�stas. b) concluem que a arte reforça crenças pessoais. c) apresentam a pobreza como inspiração para a arte. d) afirmam o necessário caráter desestabilizador da arte. e) atestam que há mudanças significa�vas na produção ar�s�ca. L0604 - (Enem) Data venia Conheci Ben�nho e Capitu nos meus curiosos e an�gos quinze anos. E os olhos de água da jovem de Matacavalos atraíram-me, seduziram-me ao primeiro contato. Aliados ao seu jeito de ser, flor e mistério. Mas tomou-me também a indignação diante do narrador e seu texto, feito de acusação e vilipêndio. Sem qualquer direito de defesa. Sem acesso ao discurso, usurpado, su�lmente, pela palavra autoritária do marido, algoz, em pele de cordeiro vi�mado. Crudelíssimo e desumano: não bastasse o que faz com a mulher, chega a desejar a morte do próprio filho e a festejá-la com um jantar, sem qualquer remorso. No fundo, uma pobre consciência dilacerada, um homem dividido, que busca encontrar-se na memória, e acaba faltando-se a si mesmo. Retomei inúmeras vezes a triste história daquele amor em desencanto. Familiarizei-me, ao longo do tempo, com a crí�ca do texto; poucos, muito poucos, escapam das bem traçadas linhas do libelo condenatório; no mínimo concedem à ré o beneplácito da dúvida: convertem-na num enigma indecifrável, seu atributo consagrador. Eis que, diante de mais um retorno ao romance, veio a iluminação: por que não dar voz plena àquela mulher, brasileira do século XIX, que, apesar de todas as ar�manhas e do maquiavelismo do companheiro, se converte numa das mais fascinantes criaturas do gênio que foi Machado de Assis? A empresa era temerária, mas escrever é sempre um risco. Apoiado no espaço de liberdade em que habita a Literatura, arrisquei-me. O resultado: este livro em que, além-túmulo, como Brás Cubas, a dona dos olhos de ressaca assume, à luz do mistério da arte literária e do próprio texto do Dr. Bento San�ago, seu discurso e sua verdade. PROENÇA FILHO, D. Capitu: memórias póstumas. Rio de Janeiro: Atrium, 1998. Para apresentar a apropriação literária que faz da obra de Machado de Assis, o autor desse texto a) relaciona aspectos centrais da obra original e, então, reafirma o ponto de vista adotado. b) explica os pontos de vista de crí�cos da literatura e, por fim, os redimensiona na discussão. c) introduz elementos relevantes da história e, na sequência, apresenta mo�vos para refutá-los. d) jus�fica as razões pelas quais adotou certa abordagem e, em seguida, reconsidera tal escolha. e) contextualiza o enredo de forma subje�va e, na conclusão, explicita o foco narra�vo a ser assumido. 8@professorferretto @prof_ferretto